A Roupa Que Habito - Antonio Carlos Signorelli

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ROUPA

QUE HABITO ANTONIO CARLOS ARQUITETURA E URBANISMO

SIGNORELLI



UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA, URBANISMO E PAISAGISMO

ORIENTADOR

PROF. DR. SIDNEY TAMAI COORIENTADORA

PROF . DR . MARTA ENOKIBARA a

BAURU, 2017

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AGRADECIMENTOS

Mesmo que seja a proposta (e a regra) do TFG ser individual, esse aqui tem algumas peculiaridades.

Quem lê o nome do autor na capa acaba que (erroneamente) acreditando que o trabalho foi todo, única e exclusivamente, executado por ele (no caso eu). Porém, não. A vontade é de encher a capa com nomes de todas as pessoas maravilhosas que se propuseram a ajudar de alguma forma no trabalho, porém não caberia. Espero que elas se contentem com essa página. Gostaria de agradecer à minha família por sempre estar aqui para o que eu precisar. Aos meus pais, Dona Silvia e Seu João, por me sustentar durante toda a faculdade (não só economicamente), me aguentar, apoiar e tentar facilitar minha vida sempre que possível (seja feijão congelado, seja maquina de costura consertada) . À minha irmã, Rebeca, por me conhecer e me aceitar como sou e sempre estar disposta a ajudar (e revisar todas as minhas atrocidades gramaticais e linguísticas em geral). Gostaria também de agradecer à todos os meus amigos e colegas que me ajudaram com o que podiam ao longo do trabalho todo. À Devassa, por escutar quatro a cada três ideias que eu tive ao longo do trabalho, e cortar tecido. À Khadija e à Lilás, por me ajudarem com todas as fotos e aguentar meus mil pedidos de ajuda de madrugada. À Júlia, por ter me ajudado a fazer o logo. À Laressa, por estar presente quando eu precisava fugir, e cortar tecido. À Piupiu e à Burritos, que sem elas eu estaria perdido com esse TFG até agora. À Olga e Viniboy, por me emprestarem livros importantíssimos para o trabalho. À Jales por me dar uma oficina particular de aquarela. E finalmente à minha modelo, Thyrso, pela paciência comigo. Agradeço também à todo o resto que eu não citei porque não iria caber na página de tanta gente que se prontificou a tirar dúvidas, dar pitacos e mostrar referências para mim ao longo de todo esse ano. Para finalizar agradeço ao Prof. Sidney Tamai por me orientar e aceitar minhas idéias sempre e à Prof. Marta Enokibara ter aceitado ser minha co-orientadora.

Sem cada um de vocês esse trabalho não seria nem metade do que ele é hoje.


ÍNDICE INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 DEFINIÇÃO DE ARQUITETURA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 A TRÍADE VITRUVIANA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

FIRMITAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

UTILITAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

VENUSTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

DEFINIÇÃO DE MODA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 ENCONTRO ENTRE ARQUITETURA E MODA . . . . . . . . . . . 15

UTILITAS (DE NOVO) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16

VENUSTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

FIRMITAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

ARQCORPO INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 REFERÊNCIAS PROJETUAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 ATÉ QUE ENFIM O PROJETO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

O MÓDULO INICIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

A PRIMEIRA PEÇA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .40

AS DEMAIS PEÇAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

A EXECUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E LISTA DE FIGURAS . . . . . 48


INTRODUÇÃO A arte se apresenta através de diferentes formas ou variedades de linguagens, como por exemplo, a música, a pintura, a escultura, as artes cênicas, a arquitetura, a moda, a literatura e a poesia. Cada diferente forma de expressão de arte possui sua própria linguagem, seus preceitos, identidade, cultura entre outros. Quando observamos um quadro entendemos que aquilo se trata da linguagem de arte “pintura”, ou quando ouvimos um concerto sabemos que se trata de música, e assim por diante: cada linguagem de arte possui sua definição clara, objetiva e inconfundível. Pelas artes se tratarem de formas de expressão ou representação de algo (sendo esse algo um sentimento, acontecimento, objeto, ser vivo etc), diferentes trabalhos de arte podem possuir o mesmo objeto de inspiração e se conectar pelo conteúdo, fazendo com que o usuário ou espectador se lembre de um trabalho anteriormente experienciado quando analisa outro. Como, por exemplo, autores de categorias de arte diferentes tratarem do tema “amor” ou “guerra” em seus trabalhos. Essa forma de conectividade entre as diferentes categorias de arte são bastante comuns e facilmente identificáveis, porém pretendo aqui analisar outra forma de conexão entre as artes: quando elas se esbarram no quesito linguagem e não conseguimos definir ao certo a qual categoria ela pertence. Quando um trabalho de um determinado artista permeia entre uma ou mais artes pré-definidas e fica complicado para o usuário, espectador, observador ou crítico identificar à qual linguagem de arte pertence aquele trabalho; ou então, conseguimos definir à qual categoria de arte o trabalho em questão pertence, porém observamos que em seu processo de criação o artista se inspirou na fluidez entre as artes e se utiliza de conceitos de uma arte para a produção de outra, temos o que é chamado de campo ampliado (ou expandido) das artes. Rosalind Krauss, em seu texto “A escultura em seu campo ampliado”(1979) se utiliza do exemplo da escultura modernista para apresentar o conceito de campo ampliado, ou campo expandido. A autora defende que o mesmo é “(...)gerado pela problematização do conjunto de oposições, entre as quais está suspensa a

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INTRODUÇÃO categoria modernista escultura.”(KRAUSS, 1979, p.135), ou seja, a partir do momento em que expandimos e contradizemos as definições de uma certa categoria por meio de uma análise crítica da mesma, chegamos ao seu campo ampliado. Por volta dos anos 60 a categoria de arte escultura começou a se tornar distorcida e seu conceito extremamente maleável, sendo assim consideradas esculturas inúmeras obras que já não correspondiam ao conceito da categoria que existia na época. Krauss resolve, então, essa crise da identidade escultórica definindo que sim, sabemos o que é uma escultura, sabemos sua definição e sabemos que ela é uma categoria que “(...)seu conjunto de regras, as quais, ainda que possam ser aplicadas a uma variedade de situações, não estão em si próprias abertas a uma modificação extensa”(KRAUSS, 1979, p.131). Porém podemos emprestar conceitos de esculturas e mesclar com os de outras categorias (como de paisagem, arquitetura...) e criar novos, que definem tipos de arte transitórios entre categorias pré-definidas. Em seu texto, Rosalind define então essas categorias transitórias entre paisagem, não-paisagem, arquitetura e não-arquitetura como: os locaisconstrução, locais demarcados, estruturas axiomáticas e a própria escultura.

Se utilizando da provocação do campo ampliado (ou expandido) da escultura de Rosalind Krauss, Anthony Vidler, em 2010, reacende a discussão agora aplicando à categoria Arquitetura o foco do estudo. Primeiramente, o autor nos questiona a respeito da limitação de cada arte: o que é específico de cada linguagem ou categoria de arte? O autor então analisa a questão da escultura e arquitetura, assim como Rosalind Krauss, porém pelo ponto de vista da arquitetura. Pelas duas serem artes espaciais (ou seja, artes que se apresentam em comprimento, largura e espessura), o que antes às diferenciava era a divisão entre o espacial construído esteticamente e o espacial construído funcionalmente, porém quando um artista empresta da escultura para fazer um edifício e ainda brinca com a sua funcionalidade ele está expandindo as especificidades de cada linguagem de arte e se utilizando do campo expandido da arquitetura (ou da escultura?). Quando esses dois teóricos trazem essa definição e discussão de campo

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INTRODUÇÃO ampliado (ou expandido) podemos entender que as definições de cada linguagem de arte são enunciadas e fixas, apesar de amplas, e que existe a possibilidade de trabalho entre elas. No caso de um trabalho entre arquitetura e escultura temos a briga entre “utilidade x inutilidade” (VIDLER, 2010) onde uma empresta para outra sua característica gerando uma escultura funcional ou uma edificação escultural. Alguns artistas trabalham nessa intersecção entre as artes desenvolvendo obras que permeiam duas ou mais artes em sua apresentação final, como um edifício-escultura ou um poema-pintura (como é o caso das obras de arquitetos famosos que desenvolvem arquiteturas quase escultóricas e da própria poesia modernista/pós modernista que ganha um caráter gráfico único). Há ainda obras que emprestam o processo criativo e inspirações de uma arte e transformam em outra, tendo então uma modalidade de arte como tema para a execução de outra: uma música inspirada em uma pintura, por exemplo, ou um filme que nasce de uma poesia, ou até mesmo uma peça de roupa, ou coleção, que nasce a partir da Arquitetura. No exemplo, temos uma das peças da linha de jóias que a arquiteta iraquiana Zaha Hadid (1956 - 2016) desenhou para a marca Caspita em 2014. As peças seguem a linguagem que a arquiteta usa em suas edificações porém em outra plataforma de arte, ilustrando então o caso de artistas que transitam entre as artes nos seus trabalhos. Já em seguida temos o exemplo de uma arquitetura que se utiliza de conceitos da escultura, assim sendo um trabalho transdisciplinar entre Arquitetura e escultura, para a resolução formal da edificação. A edificação é o museu de arte contemporânea do arquiteto modernista Oscar Niemeyer (1907 - 2012), MAC Niterói, que possui forma escultórica, uma das características do trabalho do arquiteto modernista, considerado por muitos como o maior expoente da arquitetura modernista brasileira. Vale lembrar que Oscar Niemeyer, Figura 1 - Anel desenhado pela Arquiteta Zaha Hadid.

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INTRODUÇÃO mesmo sendo aqui lembrado pela plástica de seus trabalhos, não pode ter suas obras resumidas somente por essa característica, porém, não são aqui lembradas por não possuírem real relevância para o atual trabalho. Dentro dessa discussão do campo ampliado das artes podemos observar e discutir a relação entre a Moda e a Arquitetura e entender talvez a Moda como um campo ampliado da Arquitetura que trabalha as mesmas questões fundamentais em uma diferente escala, materialidade e proximidade com o usuário. Ou talvez, a Moda como uma arte tão próxima da arquitetura que mesmo ainda sendo distinta (e não um campo ampliado) possui conceitos muitas vezes iguais e que bebe da mesma fonte. Como se a arte espacial funcional criasse dois braços: a Arquitetura e a Moda. A intenção do presente trabalho é a de investigar, explanar e evidenciar os pontos de convergência e congruência entre as duas artes em questão, a partir de teóricos e projetos das duas áreas, analisando conceitos que as duas artes abordam e possuem em comum. E com isso, para finalizar, o desenvolvimento projetual de peças de roupas seguindo conceitualmente as teorias e referências apresentadas e desenvolvidas pelo próprio trabalho.

Figura 2 - MAC Niterói, de Oscar Niemeyer

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DEFINIÇÃO DE ARQUITETURA Para iniciar as discussões escolhi seguir um método comparativo: em que se apresentam fatos pertencentes aos dois objetos de interesse e os relacionam, investigando suas semelhanças ou diferenças. Para isso, tomei como base de sustentação do trabalho a Arquitetura e o objeto de estudo principal a Moda. Ou seja, organizarei os estudos da forma com que os conceitos de Arquitetura serão apresentados e pouco discutidos enquanto os conceitos de Moda serão mais profundamente debatidos. A princípio então precisamos definir o que é Arquitetura. Segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa “Arquitetura s.f.(1532) 1ARQ. arte e técnica de organizar espaços e criar ambientes para abrigar os diversos tipos de atividades humanas visando tb. a determinada intenção plástica(...)” (HOUAISS,2009). Resumindo, Arquitetura se trata de uma arte que possui a função de abrigo. Inúmeros arquitetos e teóricos da área ao longo da história definiram e definem Arquitetura. Porém, em sua maioria, essas definições seguem os preceitos da arquitetura do seu período, fazendo com que as mesmas sejam datadas e não sirvam para entender a arquitetura de outro período de maneira ampla. Porém a definição de arquitetura do arquiteto e tratadista da roma antiga Marcus Vitruuius Pollio (Marco Vitrúvio Polião) é uma definição que se mantém atual, em alguns aspectos, mesmo submetida aos testes do tempo. Obviamente, por se tratar de uma definição de arquitetura do período clássico, muitos aspectos da definição devem ser interpretados à nossa época e outros devem ser entendidos apenas como importância histórica.

A TRÍADE VITRUVIANA Vitrúvio era um homem de letras, filósofo, historiador de arte, teórico de deontologia e arquiteto romano do século I a.C. que escreveu o único tratado de arquitetura do período greco-romano que chegou aos dias de hoje, sendo descoberto em 1414 em uma abadia italiana. Seu livro “De Architectura”, publicado entre 27 a.C. e 20 a.C. supostamente para o imperador Augusto, é dividido em 10 volumes que tratam de assuntos como arquitetura, planejamento urbano, tipologias greco-romanas e engenharias hidráulica e civil.

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O tratado teve grande importância durante o renascimento servindo como base para os arquitetos da época em suas concepções estéticas. Posteriormente, e até hoje, se mantêm como um documento fundamental histórico para estudo e entendimento da arquitetura, urbanismo e engenharia greco-romanas. Vitrúvio define que projetos de Arquitetura devem ser “(...) realizadas de modo a que tenham presentes os princípios de solidez [firmitas], da funcionalidade [utilitas] e da beleza [venustas].” (POLLIO, 2006, p. 82). Esses 3 conceitos são apresentados como a “tríade vitruviana” e são elementos fundamentais na arquitetura, segundo Vitrúvio.

FIRMITAS Firmitas, ou o princípio da Solidez, diz respeito à materialidade da arquitetura e à sua estrutura. Para uma arquitetura existir, tanto fisicamente quanto em projeto, ela necessita de uma estrutura e uma materialidade com a função de sustentar a edificação. O material empregado no projeto define a técnica construtiva e ambos são de suma importância para delimitarem e delinearem a construção em âmbito projetual: modificando a técnica construtiva (e o material) modificamos a estética do projeto, o espaçamento de colunas, tamanhos possíveis de abertura, espessuras de lajes e paredes, entre outras características projetuais que são importantes para o resultado final. A estrutura, portanto, é um elemento arquitetônico fundamental no projeto: não só estrutura no sentido de cálculos de vigas e espessuras de parede como também o material do qual ela é feita. Com isso chegamos em duas soluções projetuais possíveis: a estrutura como um elemento arquitetônico ou a estrutura como elemento puramente sustentador, escondido na arquitetura. A estrutura enquanto elemento arquitetônico pode ter sua própria poética dentro do projeto ou até ser o principal elemento estético. Como é o exemplo do projeto do Centre Georges Pompidou do arquiteto Renzo Piano na cidade de Paris. No projeto temos como principal elemento estético a estrutura metálica que sustenta o edifício externa à ele, formando uma espécie de exoesqueleto (voltarei nisso posteriormente). Figura 3 - Centre Pompidou, Paris, de Renzo Piano.

A outra solução possível é a de utilizar a estrutura

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apenas como elemento estruturador, ou seja, não a tornando um elemento estético do projeto. Como é o caso do projeto do Heydar Aliyev Centre da arquiteta Zaha Hadid na cidade de Baku no Azerbaijão. No projeto, e na maioria dos seus projetos, a arquiteta utiliza a linguagem da fluidez e da leveza, tentando unir projetualmente a natureza e a alta tecnologia, desenvolvendo sólidos em formatos orgânicos que são puxados e modelados como se fossem tecidos que possuem sua própria resposta ao movimento e assim capturados em uma arquitetura. Para que essa sensação de leveza seja incorporada, a arquiteta se utiliza de treliças espaciais metálicas para alcançar grandes vãos com poucas colunas e também para gerar os formatos mais variados de estrutura que fogem do método convencional viga x pilar, e depois às recobre com chapas metálicas trazendo leveza e fludez desejada ao projeto. Neste tipo de solução arquitetônica, em contraponto à anterior, podemos considerar a estrutura como um endoesqueleto da edificação.

Figura 4 - Corte do Heydar Alyev Centre, Baku, de Zaha Hadid

Figura 5 - Fachada do Heydar Alyev Centre, Baku, de Zaha Hadid

Com isso podemos concluir então que a estrutura pode ser velada ou revelada (exoesqueleto ou endoesqueleto) em um projeto arquitetônico e que ambas são soluções possíveis dentro do conceito de Firmitas. Também nos dois exemplos, como em toda arquitetura, podemos observar que a escolha do material (seja da estrutura ou do revestimento) é uma parte fundamental do projeto, concluindo então que o conceito de Firmitas não diz respeito apenas à estrutura no âmbito de sustentação do projeto mas também à sua escolha de materiais (de revestimento ou não), cada um sendo responsável por uma diferente sensação e percepção ao usuário.

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UTILITAS Utilitas, ou o princípio da funcionalidade, diz respeito à função de uma arquitetura. Anthony Vidler (2010), em seu texto “Campo expandido da Arquitetura”, já anteriormente citado, define a principal diferença entre escultura e Arquitetura pelo princípio da funcionalidade, chamando uma de “espaço construído esteticamente” e outra de “espaço construído funcionalmente”. A Arquitetura se trata de uma arte funcional então, que desempenha um papel importante na vida do seu usuário: a função de abrigar. Através da Utilitas, assim como da Firmitas já dito anteriormente, podemos ter também diferentes soluções projetuais de acordo com o uso, ou ‘poéticas’ como chama a autora Vera Luz (2014) em seu livro “Ordem e Origem em Lina Bo Bardi”. No livro a autora analisa obras da trajetória da arquiteta Italiana e cita a tríade vitruviana como fundamentos de projeto utilizados por Lina Bo, explicando então Utilitas por: “Sobre o uso, diríamos que a arquitetura possa realizar uma poética sobre utilitas, mais além da “forma seguir à função” ou da arquitetura confeccionar artefatos para as ações humanas de maneira mecânica. Utilitas - o mundo propriamente humano - pode ser visto em cada projeto como uma forma de ser no mundo.” (LUZ, 2014, p. 29)

Figura 6 - Unidade Habitacional de Marselha, de Le Corbusier.

Mesmo que a parte citada do discurso Modernista (“forma seguir à função”) dê a entender, de acordo com o texto, que há uma falta de poética em Utilitas, posteriormente a autora defende que até este discurso puramente funcionalista possui uma poética. A poética em questão é a da vertente funcionalista que comandou o movimento moderno da arquitetura no início do século XX, com arquitetos como Le Corbusier, Mies Van der Rohe e Walter Gropius como principais expoentes. Esse ideal funcionalista da arquitetura moderna entende que as pessoas usuárias das arquiteturas têm necessidades básicas que a arquitetura deve suprir objetivamente, sem considerar a individualidade de cada usuário. Le Corbusier, a partir dessa lógica, define então que “A casa é uma máquina de morar” e começa a desenvolver estudos projetuais de habitações em que se tenha encaixadas todas as funções no mínimo espaço com conforto, criando assim sua escala e medidor de proporções e ergonomia, o Modulor. A partir desses estudos muitos projetos de habitação foram desenvolvidos como é o exemplo da Unidade Habitacional de Marselha, projetado em 1952 pelo arquiteto.

Apesar de durante grande parte do movimento moderno a questão de Utilitas ter sido

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tratada desta forma, podemos observar outras formas de abordagem dentro da questão do uso do espaço nos projetos. A arquitetura contemporânea, por exemplo, trata da construção de espaço de outra forma: menos sob uma ótica da forma seguir a função e mais de entender que a função está dentro de uma forma que pode, em alguns momentos, estar presente apenas por uma questão estética ou de construção de sensações nos usuários. A questão da funcionalidade anteriormente extremamente rígida se afrouxa permitindo novas experimentações espaciais. Um exemplo é a obra do arquiteto polonês naturalizado americano Daniel Libeskind (1946-) conhecido pelos trabalhos com planos que se interseccionam e sólidos angulados. Em suas obras o arquiteto utiliza do espaço como ferramenta não só de abrigo humano e das atividades que ali serão realizadas, mas Figura 7 - Museu Judaico de Berlim, projeto de Daniel Libeskind. também como uma ferramenta de gerar sensações e sentimentos ao usuário, nem que seja a pura sensação estética de beleza apenas. Podemos observar essa intenção no projeto do Museu Judaico de Berlim (2001) em que o arquiteto parte a forma de uma estrela de Davi (símbolo do judaísmo) desconstruída, quase explodida, e dentro conta a história dos horrores vividos pelos judeus na época do holocausto na Alemanha Nazista. Como artifício para contar essa história e transmitir aos usuários as sensações que desejava, o arquiteto se utilizou do próprio espaço, distorcendo as funções tradicionalmente empregadas a distintos elementos arquitetônicos: como utilizando janelas estreitas e raras, permitindo pouca visão para a área externa e consequentemente pouca iluminação interna e corredores longos e escuros que se estreitam ao longo para criar a sensação de aperto e até um certo desespero.

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Este exemplo nos mostra como pode se criar uma poética a partir da distorção e reinterpretação das funções tradicionais que temos à certos elementos comuns e com ela gerar novas sensações aos usuários. Concluindo então, que a questão da função na Arquitetura não diz respeito somente à função da edificação como um todo mas também a função e relação de cada elemento arquitetônico com o todo e que a partir desse mote as possibilidades de criação são infinitas.

VENUSTAS O terceiro e último princípio da tríade vitruviana é Venustas, ou o princípio da beleza e estética. A palavra Venustas faz referência à deusa romana da beleza, Vênus. A Arquitetura, por se tratar de uma arte, se pauta nos conceitos estéticos e os arquitetos procuram, por sua vez, preencher narrativas que sejam providas de beleza em seus projetos. Para exemplificar melhor isso cito novamente Vera Luz, agora em sua explicação de Venustas: “Quanto à venustas (...) podem ser considerados além das proporções ou adequações formais, como o modo como são impressas na arquitetura as visões de mundo e homem, fundamento final de uma noção de belo, decorrente da capacidade de representação simbólica do homem em cada tempo e lugar.” (LUZ, 2014, p.30)

Entendendo então a explicação de Vera Luz, em Venustas não estão somente implícitas questões formais estéticas como proporção e simetria mas também todas as outras questões de ordem poética do projeto. Luz também ressalta que a noção do belo é uma construção de cada sociedade e de cada tempo, resultando em produções de arte distintas e plurais. Para a construção estética em Arquitetura podem ser utilizados os dois fundamentos anteriores (Firmitas e Utilitas) a partir das inúmeras poéticas que cada um possibilita, e que basicamente se resumem em uma combinação dos fatores cor, forma e textura, resultando diferentes combinatórias. O arquiteto e professor da Universidade de

Figura 8 - Templo Partenon, Atenas, Grécia e a proporção Áurea.

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Washington, Francis D.K. Ching (1998), em seu livro “Arquitetura, Forma, Espaço e Ordem” define os conceitos estéticos da Arquitetura como ritmo, ordem, simetria, assimetria, repetição, hierarquia, eixo entre outros, que são utilizados para a construção arquitetônica em seu viés estético. Por exemplo, a utilização de ritmo, ou seja, a repetição de um mesmo elemento continuamente em uma fachada, é um artifício para gerar uma sensação estética ao observador. Também ainda dentro da definição de venustas e a busca do arquiteto pela beleza para o projeto arquitetônico, temos inúmeras teorias de estética que permeiam os séculos que sempre buscam encontrar a razão do belo. Um exemplo mais famoso é a proporção áurea, ou número de ouro, que se trata de um número (1,618) que é utilizado nas artes, e principalmente na arquitetura, desde a Antiguidade na busca pela beleza. O principal (e mais antigo) exemplo da aplicação da proporção áurea na arquitetura reside no edifício do Partenon (séc. V a.C.) em Atenas na Grécia. Após entendimento da tríade vitruviana e da sua forma de definir arquitetura de forma objetiva e sintética partimos então para apresentação e análise dos pontos de convergência e congruência entre Arquitetura e Moda se baseando nos conceitos apresentados.

DEFINIÇÃO DE MODA A palavra Moda é originária do latim modus, o que significa “modo”, “maneira”, “costume”. Amplamente podemos entender a palavra moda como referência aos costumes, estilos, tendências de uma época. Segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa: “Moda s.f. (1716) 1 Conjunto de opiniões, gostos, assim como modos de agir, viver e sentir coletivos. 2 abs. o uso de novos tecidos, cores, matérias-primas etc. sugeridos para a indumentária humana por costureiros e figurinistas de renome. 3 a indústria ou comércio da roupa (...) (HOUAISS, p.1303, 2009)

Como podemos observar, a palavra ‘moda’ possui dois significados um tanto quanto distintos: o de tendência (ou opiniões e gostos coletivos) e o de arte da indumentária. Aqui utilizarei a palavra fazendo referência apenas à arte da indumentária, ou seja, a arte do vestuário.

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Até hoje existe uma ampla discussão a respeito da Moda pertencer ou não ao campo das artes. Porém não entrarei nesse mérito por acreditar que a Moda se trata sim de uma arte (tanto quanto a pintura, a música e a literatura) e que recebeu esse status junto com a destituição do conceito das “artes auráticas”. Por muito tempo as artes eram consideradas auráticas no sentido que, o artista possuía uma espécie de dom, uma aura artística e que só a partir dessa genialidade inata que era possível a criação da arte. Somente com a Grande exposição de Londres, em 1851, com os avanços industriais da conhecida ‘era da reprodutibilidade técnica’ e a invenção da fotografia, em 1853, que as definições de arte passaram por uma modificação. Nascem então as “artes reprodutíveis”, que seriam as artes que não possuem essa “aura” do artista e por isso podem ser reproduzidas infinitamente, sem perder sua característica de arte. Dentro dessas “artes reprodutíveis” temos o design, o design de moda (indumentária), a fotografia e o cinema.

Figura 9 - Peça do desfile de Alexander McQueen, Verão 2013, Paris

ENCONTRO ENTRE ARQUITETURA E MODA A Moda, ou indumentária, caminha junto com a Arquitetura desde os primórdios da civilização humana. Desde a antiguidade, em que os homens procuravam abrigo nas cavernas, os seres humanos utilizavam as peles dos animais caçados como vestimenta, que em seguida, recebiam trabalhos com a intenção de se tornarem maleáveis e não atrapalhar nos movimentos, assim nascendo a arte da indumentária. A Moda e a Arquitetura criam espaços para serem preenchidos pelo corpo humano (ARAÚJO,2014), sendo ou esse espaço particular e privativo de um indivíduo, como o caso das roupas, ou comunitário, como no caso da Arquitetura.Esses espaços, que nascem do interno da casca, possuem tanto a função de proteção contra o mundo exterior à ele quanto é:

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“(...)uma forma de o sujeito expressar-se e “ser expressado”, e ela [a indumentária] é uma das maneiras de serem concretizados os anseios primeiros dos seres humanos: a necessidade de adornar-se de embelezar-se.”(CASTILHO, 2004, p.19)

Castilho aqui discorre somente sobre a indumentária, porém podemos traçar um paralelo com Arquitetura quando entendemos que no abrigo arquitetônico também é expressa a necessidade de adorno, beleza e estética segundo a tríade vitruviana. Também define a Moda como corpo acrescido de decoração e ornamento (CASTILHO, 2004), sendo tudo isso configurado em cor, forma e matéria, logicamente, assumindo a função de proteção. Ou seja, a tríade vitruviana para a Arquitetura aplica-se para a Moda. Com um estudo mais aprofundado na área da moda observamos que a Arquitetura e a Indumentária possuem pontos de consonância que não se tratam apenas de coincidências ou pontos isolados como todas artes possuem entre si. Neste caso específico as duas artes possuem os mesmos fundamentos e se baseiam nos mesmos conceitos (obviamente havendo dissonâncias em alguns aspectos) e podemos dividi-los em 3 categorias já previamente apresentadas: Firmitas, Utilitas e Venustas.

UTILITAS (DE NOVO) Como já dito anteriormente, o conceito de Utilitas é um dos três pilares da Arquitetura e o que diz respeito à utilidade. Ou seja, para um projeto ser considerado arquitetônico ele deve servir à um propósito, uma função. A função principal de uma Arquitetura (até citada na definição de Arquitetura segundo o dicionário Houaiss) é a de abrigo. A Moda e a Arquitetura se assemelham nesse aspecto da utilidade. As duas são artes funcionais, ou seja, além de terem a função da expressão artística do autor (passando um ideal ou não), de apreciação do espectador e de entretenimento, a Arquitetura e a Moda (e todo o design em geral) são artes que servem à um propósito e cumprem uma função ativa na vida do ser humano, se fazendo necessária no dia a dia das pessoas.

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As duas compartilham a função de abrigar o homem. Não tão somente abrigar fisicamente, protegendo-o das intempéries e do mundo exterior, mas também abrigar no sentido psicológico de acolher e significar culturalmente o indivíduo na sociedade, exprimindo sua personalidade através de signos impressos no abrigo (seja arquitetura, seja roupa) (CASTILHO, 2004). A questão da Utilitas, como já explanado, se vê presente tanto na Arquitetura quanto na Moda na questão do abrigar, do proteger. As duas artes são relacionadas por Huderstwasser dentro de uma sequência de peles do homem, onde a primeira é a própria pele biológica, a segunda é a roupa, a terceira a casa, a quarta o meio social (amigos e família) e a quinta a terra (RESTANY, 2003 apud ARAUJO, 2014). Então, entende-se que a casa (uma arquitetura particular) é a extensão da roupa em questões de familiaridade e, por analogia toda a Arquitetura é uma roupa de quem ela abriga em questão de escala - a casa na escala da família, as igrejas, teatros, cinemas, shoppings na escala da comunidade etc.

Figura 10 - Exemplo de Conjunto Habitacional no Piauí.

Talvez este pilar conceitual, tanto da Arquitetura quanto da Moda, da utilidade seja o que mais distancie as duas artes das demais e que seja responsável por toda a discussão a respeito delas se encaixarem ou não como uma arte propriamente dita. Essa discussão se dá pelo fato de que as duas artes desempenham um papel necessário na vida do homem e por isso se tornam uma mercadoria, muitas vezes desenvolvida apenas com caráter funcional, quase perdendo então seu status de arte. Na Arquitetura podemos ver esse distanciamento da arte em projetos realizados às pressas e que visam o lucro, desprezando conceitos arquitetônicos de estética (Venustas), questões de conforto ou ergonomia que entram na questão projetual do bom uso da arquitetura (Utilitas) e com materiais de má qualidade, que podem até comprometerem a estrutura da edificação (Firmitas). Um exemplo claro disso são os grandes conjuntos de habitação popular construídos a partir de um carimbamento massivo de uma planta mal projetada em que as construtoras focam o projeto na economia de recursos e construção rápida visando o lucro.

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A Moda sofre deste mesmo distanciamento causado pelos mesmos motivos. Por preencher uma função inalienável no dia a dia do homem (a de se vestir), a Indumentária pode ser tratada apenas na forma de um produto rentável para a produção e comércio, como na Arquitetura, e ser vítima de um empobrecimento estético (Venustas), executado de forma mal feita, com tecidos ou materiais de baixa qualidade e não ideais para a peça (Firmitas) prejudicando então o usuário do vestuário e o seu conforto. Essas condições de produção podem ser visíveis em grandes lojas de Fast Fashion com a massificação da produção.

Figura 11 - Interior de uma loja de Fast Fashion popular.

Porém essa perda de arte na Moda, mesmo se apresentando de forma muito semelhante com o caso da Arquitetura não possui as mesmas consequências. Enquanto no caso dos conjuntos habitacionais (o exemplo citado) existe uma perda total da identidade pessoal na moradia e estética, na moda essa perda não é tão intensa. Isso se dá pelo fato de os materiais de Moda serem mais baratos e também menos duráveis que os materiais de Arquitetura, sendo assim possível então que a produção de moda massificada seja possibilitada com uma perda menos intensa de qualidade estética. A questão da materialidade (Firmitas) na Moda será apresentada posteriormente, por isso não pretendo aprofundar nesses conceitos nesse momento. Em ambos os casos o entendimento que fica é de que o resultado da massificação da arte enquanto produto rentável - visto apenas como fonte de lucro por grandes empresas - é o distanciamento cada vez maior do produto final da Moda e da Arquitetura do status de arte. Outras artes, como por exemplo a música, também sofrem com a massificação um certo distanciamento da arte, porém não de forma tão intensa, rápida e sintomática como é o caso das artes funcionais. Vale

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lembrar

que

Figura 12 - Matéria em revista do New Look de Flávio de Carvalho.


esses casos de distanciamento da Arquitetura e da Moda da arte em geral gerado a partir de uma predileção da função (Utilitas) - e consequente massificação - sobre os outros dois pilares (Firmitas e Venustas) não retiram totalmente o status de arte desses produtos de moda ou arquitetura. Ou seja, ainda assim, mesmo enfraquecida a arte nesses produtos massificados, não podemos anular ou destituir a sua condição de um produto de Moda ou um produto de Arquitetura. Se trata apenas de uma má execução de arte, um empobrecimento das características artísticas, porém ainda se trata de arte. Como já citada, a Fast Fashion é um modelo de negócios da Indumentária atual em que as peças de roupa são produzidas, vendidas e descartadas de forma rápida. Nesse modelo as lojas de Fast Fashion como C&A, Renner, Riachuelo, Torra Torra entre outras, produzem peças em larga escala em coleções de curta duração, trocadas com frequência criando demanda de consumo constante e de baixo custo. O conceito de Utilitas pode ser utilizado na Moda de forma projetual, transformando a utilidade em uma poética. Um exemplo é o do arquiteto modernista Flávio de Carvalho (1899-1973) que em 1956 criou uma roupa para o homem dos trópicos. A roupa projetada tratava-se de uma camisa solta de manga curta e uma saia na altura dos joelhos e foi desenhada dessa forma e com tecidos leves a partir de um conceito da utilidade da roupa: ser a roupa para o homem dos trópicos, onde Flávio acreditava possuir um clima quente demais para utilizar terno e gravata no dia a dia. Essa roupa, projetada a partir da função (como podemos ver em seus croquis), foi um choque para época que possuía um vestuário rígido e formal para homens.

Figura 13 e 14 - Matéria em revista e croqui do New Look de Flávio de Carvalho.

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VENUSTAS A expressão Venustas remete à estética do objeto arquitetônico que é assimilado basicamente a partir de cores, formas e texturas (esse último dizendo respeito ao material utilizado) e que a partir desses três nascem todos os outros conceitos estéticos como ritmo, ordem, simetria, assimetria, repetição, hierarquia, eixo entre outros (CHING, 1998), como já dito anteriormente. Esses conceitos também são utilizados no processo criativo da indumentária por também se tratar de uma união entre cor, forma e matéria, como discorre Kathia Castilho (2004, p.19) que define a indumentária na questão estética como “(...)formantes plásticos que constituem a linguagem da moda: a composição cromática do traje, dos adornos e dos acessórios, sua composição eidética e ainda sua própria composição matérica”. Esses mesmos três conceitos que baseiam a Moda e a Arquitetura se dão não por alguma forma de coincidência e sim pelas duas artes serem artes tridimensionais (como já dito anteriormente). Portanto os artistas no processo projetual, tanto da Moda quanto da Arquitetura, em um âmbito estético pensam de forma semelhante e até se utilizam dos mesmos conceitos. Como por exemplo na escolha de padrões e modulações ou ritmos, algo bastante comum em ambas as artes. Um exemplo é o trabalho do estilista japonês Junya Watanabe (1961) o qual falarei um pouco mais posteriormente e a forma com que o mesmo trabalha com a modularidade na moda. Como já citado anteriormente, a Moda é definível como o corpo acrescido de decoração e ornamento (CASTILHO, 2004). Ela não possui somente a função de abrigar e vestir o usuário como também é uma ferramenta de significação social e identidade para o mesmo. Essa identidade é gerada na combinação de peças de roupa com acessórios e o próprio corpo, gerando então a individualidade, que também podemos ver na casa de um indivíduo com peças decorativas e signos que são colocados pelo espaço. Entendemos então que o conceito básico de Venustas está presente na Moda de forma ampla e é conectado e escorado nos outros dois pilares (Utilitas e Firmitas) a todo momento. Qualquer modificação na função do produto de Moda ou em sua estrutura em fase projetual deve e é pensada com e como uma solução plástica e estética. Um conceito na função da vestimenta pode se transformar em uma poética e ser utilizada como principal elemento da narrativa estética do vestuário ou então um conceito da sua estrutura.

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“Nesse percurso, passamos a entender o corpo como suporte da moda, mas não apenas isso: o corpo também se mostra por meio de uma plástica, que aliás, interfere na própria plástica da moda.” (CASTILHO, 2004, p.38)

Figura 15 - Peça da coleção outono inverno 2016 de Junya Watanabe.


FIRMITAS Como dito anteriormente, o corpo é parte da Moda. Isto é, o conceito de moda não se limita apenas em vestuário e na roupa em si, mas sim no conjunto de roupa e o seu suporte - o corpo. Com isso a estrutura da moda, o corpo, possui não só a importância de sustentar a vestimenta como também se torna um elemento estético. A mesma discussão da área da Arquitetura em que a estrutura de uma edificação pode ser considerada um elemento estético se aplica aqui porém de forma mais frequente. Isso se dá porque o signo ‘corpo’ é algo pré definido e presente em todas as situações de moda. Ou seja, enquanto na Arquitetura existem infinitas formas para uma edificação e dentro disso infinitas estruturas diferentes possíveis, na Moda a estrutura básica é apenas uma - o corpo. O corpo natural (como irei chamar o corpo sem alteração) pode ser trabalhado de duas formas possíveis: ou velado ou revelado. A estética do corpo revelado não diz respeito necessariamente à decotes ou à mostrar o corpo nu, mas também à peças que evidenciam e delineiam o próprio corpo sem alterações intencionais, como um macacão de lycra, uma calça legging ou um maiô. Esse tipo de artifício estético para a indumentária pode ser abordado de inúmeras formas diferentes: a própria revelação do corpo nu, tecidos que cobrem o corpo porém delineado-o por inteiro, tecidos transparentes que mesmo que não sejam ‘colados’ ao corpo revelam Figura 16 - Peça da coleção pré OutonoInverno 2015, de Raf Simons. o mesmo por baixo da roupa ou até as mistura entre os elementos citados. Como exemplos, temos uma peça do estilista Raf Simons (1968) (à esquerda) em que temos o corpo inteiramente revelado em um macacão de um tecido semelhante à lycra e uma peça do Atelier Versace (à direita) em que temos uma união de elementos: uma espécie de maiô que delineia o corpo, juntamente com tecidos transparentes e uma fenda na saia, revelando o corpo. Já no caso do corpo velado, como a própria palavra indica, as peças de roupa escondem o corpo e suas linhas originais, simulando um corpo diferente sem uma real construção ou apenas escondendo o corpo natural, não sugerindo outro, como é o caso das calças saruel, ponchos e saias largas. A partir desse artifício temos então os casos de dissimulação do corpo natural, como

Figura 17 - Peça da coleçãoPrimavera-Verão 2016 em Paris de Atelier Versace.

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na peça branca da coleção primavera-verão 2016 da Givenchy em que conseguimos definir a região do busto do corpo natural porém pela quantidade de tecido e corte da peça não conseguimos enxergar as linhas da cintura, quadril e pernas por exemplo. As duas ferramentas de trabalho da moda em cima do corpo natural apresentadas não tratam de alterações no mesmo e sim de da utilização do mesmo, evidenciando sua forma original ou apenas a dissimulando e gerando novas silhuetas. Tais possibilidades podem ser alcançadas através da escolha dos tecidos e das técnicas de costura aplicadas no trabalho, e podem ser também misturadas em uma única peça (o corpo velado e o corpo revelado). Já a ferramenta do corpo construído se dá quando, através de materiais externos, criamos um novo corpo, partindo por exemplo de próteses e estruturas construídas que não fazem parte originalmente do corpo em questão. Essa estrutura arquitetada separadamente do corpo pode ser algo que se adicionada gera volumes a mais ou a menos, como é o caso de espartilhos que afunilam a cintura das mulheres, muito utilizados durante o começo do século XX. Figura 18 - Peça do desfile Primavera-Verão 2016 em Paris da Givenchy.

Essas estruturas possuem muitas vezes suporte próprio que se apoiam no corpo e são mais tradicionalmente revestidos com tecidos para não destoar do corpo original. Uns exemplos de corpo construído com estruturas e próteses a parte do corpo são as ombreiras, as crinolinas e as anáguas. As crinolinas são estruturas internas às saias das mulheres muito utilizadas durante o século XIX, se iniciando no período Vitoriano, juntamente com o espartilho para dar maior ênfase para a cintura fina. Feitas de tecidos de algodão misturados com fios de crina de cavalo por sua resistência e uma gaiola de metal elas substituíram as anáguas, que eram saias com muito tecidos colocadas embaixo da roupa usadas nos séculos XVII e XVIII, por questão de praticidade e conforto. Quanto maior a estrutura da crinolina maior era o poder aquisitivo de quem a usava.

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Figura 19 - Montagem de uma crinolina.


Figura 20 - Linha do tempo da Silhueta Feminina.

Ao longo dos anos, a crinolina acabou diminuindo de tamanho e se concentrando na parte traseira do vestido, dando vez para as anquinhas: uma espécie de almofada muito utilizada durante o fim do século XIX, durante a conhecida Belle époque em que o corpo construído da mulher assume o formato de ampulheta: espartilhos mais apertados, anquinhas na parte de baixo e ombreiras com mangas muito bufantes. Acima temos uma linha do tempo das silhuetas femininas iniciando-se no século XVIII e finalizando na década de 20 onde podemos ver a evolução da construção do corpo de acordo com cada época. Como dito anteriormente, em Arquitetura existem duas formas de trabalhar a estrutura: de forma que a estrutura está escondida, ou endoesqueletica; e de forma que a estrutura está aparente, ou exoesquelética. Na Moda não é diferente: o corpo natural, sem nenhum acréscimo de estrutura externa, tem o papel de um endoesqueleto que estrutura a indumentária no momento em que o mesmo sustenta as peças; e quando adicionamos estruturas externas e próteses que somam volumes ao corpo natural estamos criando exoesqueletos ao corpo. Na contemporaneidade alguns estilistas trabalham com a construção de um corpo novo ou até se inspiram em estruturas, tanto arquitetônicas quanto da moda, e vem criando coleções que a principal poética é advinda da estrutura do vestuário. Um exemplo é o trabalho da estilista Holandesa Iris Van Herpen (1984-) que trabalha no limiar entre o ‘feito a mão’ e a alta tecnologia, criando peças que a própria estrutura é a superfície do vestuário. A relação entre a Moda e a Arquitetura dentro de firmitas é talvez onde se apresenta a maior afinidade entre as duas artes, por serem artes tridimensionais que trabalham com a espacialidade e para isso há a necessidade de estruturas sustentadoras (seja viga-pilar, seja corpo, seja protese). Também o fato dessas estruturas tridimensionais serem passíveis de serem exploradas de forma estética às aproximam uma das outras.

Figura 21 - Peça da coleção Outono-Inverno 2016, Paris, de Iris Van Herpen.

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INTRODUÇÃO

Nesta segunda etapa do trabalho serão realizados estudos projetuais com o objetivo de desenvolvimento de uma coleção de roupas. Para isso serão utilizados os conceitos previamente apresentados e discutidos na primeira etapa dentro da tríade vitruviana (Firmitas, Utilitas e Venustas), tanto em Arquitetura quanto na Moda, e também serão apresentados alguns estilistas que possuem trabalhos de acordo com o apresentado como referências projetuais para o mesmo. Por se tratar de um trabalho da área da arquitetura, muitas vezes a linguagem utilizada será mais próxima desta área do que da indumentária. Pelo mesmo motivo, o processo projetual adotado também se aproxima do da Arquitetura, porém não encaro isso como um problema e sim a realidade do trabalho: peças de roupas projetadas pela visão de um arquiteto. Com isso, inicialmente, apresentarei alguns estilistas utilizados como referências projetuais. Os estilistas escolhidos não apresentam necessariamente peças que à primeira vista possuam relação direta e óbvia com a Arquitetura, porém todos eles foram achados (ou apresentados por colegas) durante o período de realização do trabalho. Os desenhos que ilustram essa segunda parte do caderno são os primeiros croquis dos estudos realizados e em seguida os desenhos finais das peças desenvolvidas. Os desenhos, assim como os croquis, foram feitos à mão e depois digitalizados, tratados e coloridos digitalmente.

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REFERÊNCIAS PROJETUAIS COCO CHANEL (1883-1971) “Moda é como a arquitetura, pura questão de proporções.”(Chanel) Coco Chanel é reconhecida como um dos maiores nomes da moda do século XX, senão o maior. Francesa, Chanel nasceu na cidade de Saumur, na região norte do país e em 1910 abriu sua primeira loja de chapéus, em Paris. Logo em seguida, em 1913 abriu sua boutique, também em Paris, entrando no mercado de roupas. A estilista é reconhecida por ter libertado as mulheres das roupas pesadas e apertadas do final do século XIX, revolucionando a moda do século XX. Suas peças mais famosas são o “pretinho básico”, os tailleurs, suas jóias e pérolas e a bolsa preta com alça de corrente de ouro. A frase proferida pela estilista e publicada por Marcel Haedrich em seu livro “Coco Chanel: her life her secrets”(1972), “Moda é como a Arquitetura, pura questão de proporções” justifica as escolhas da estilista enquanto artista. Chanel entendia que as duas artes eram semelhantes e deixava isso transparecer em seus desenhos. Iniciando sua carreira na década de 10 e ficando famosa no início dos anos 20, a estilista é o grande expoente do Modernismo na moda (BLACKMAN, 2013). Assim como a vanguarda modernista na arquitetura, a estilista preza por peças funcionais e fáceis de usar, retirando a quantidade excessiva de adornos e tecido do vestuário feminino causando uma revolução na moda mundial. Figura 22 - Croqui do “Pretinho Básico”, 1926, de Coco Chanel.

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Em 1926, cria o “pretinho básico”, que além de modificar completamente formal e estruturalmente a vestimenta feminina (uma roupa de corte simples, não apertada e sem nenhum tipo de estrutura a mais para construção corporal), decide pela cor preta como a nova cor do luxo e elegância (cor essa que na época só era utilizada em momentos de luto ou por empregadas). Boa parte da simplicidade do vestuário criado por Chanel se dá pela sua inspiração em roupas esportivas de jockeys masculinas. Essa inspiração é claramente perceptível em outra peça icônica da estilista: o tailleur. O tailleur é o nome dado ao conjunto de saia e paletó femininos e existe desde muito antes de Coco criar o seu próprio, porém, o que torna o tailleur de Chanel uma peça notável é a simplicidade e praticidade, sem perder a elegância, que o mesmo representava. Os tailleurs antes de Chanel eram peças com saias longas, espartilhos, ombreiras, paletós com caldas dentre outros elementos que não traziam praticidade para o guarda roupa feminino, então, inspirada nas roupas esportivas masculinas, a estilista diminuiu a quantidade de tecido na saia, encurtando-a e trazendo um corte reto e também encurtou o paletó (em relação aos modelos anteriores), adicionando bolsos de verdade e golas semelhante aos dos paletós masculinos. Mesmo após a morte da estilista, a sua marca Chanel continua a reinventar ano após ano seu tailleur de corte reto e simples, agora pelas mãos do estilista chefe da marca, Karl Lagerfeld (1933-). Coco Chanel, então, foi uma estilista que teve suas inspirações na funcionalidade da roupa, quase seguindo as máximas do modernismo “menos é mais” e “a forma segue a função”, simplificando as roupas femininas Figuras 23 e 24 - Tailleurs, década de 50 e sem perder a elegância, ganhando coleção Primavera-verão, 2017 de Chanel. mobilidade e conforto. No quesito da

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estética, Chanel não deixou seu ideal de simplicidade abalar a elegância e trouxe a cor preta aos holofotes, trabalhando sempre com cores sóbrias (majoritariamente preto e cinza com detalhes brancos), simetria e linhas retas. Para a construção de suas peças, a estilista trouxe tecidos (como o Jersey e o Tweed) do universo masculino por sua estrutura e textura, assim como desenvolveu técnicas de costura para melhor caimento das peças no corpo das mulheres: um exemplo clássico é a colocação de uma pequena corrente metálica dentro de toda a barra dos paletós dos tailleurs para caimento reto e uniforme do tecido quando vestido. Mesmo após a morte de Coco e o cargo de estilista chefe ter sido passado para Karl Lagerfeld, a marca não perdeu sua linguagem. Até hoje as peças Chanel podem ser identificadas pela sua simplicidade, sobriedade e elegância que se adaptam ao seu tempo cada vez mais em cada nova temporada.

ISSEY MIYAKE (1938-) O estilista japonês figura entre as maiores personalidades da moda conceitual do século XX pós década de 70. Seu interessante processo criativo nasce do estudo da relação entre o tecido e o corpo, como explica a autora Cally Blackman em seu livro “100 anos de moda”(2013): “O espaço criado entre as roupas e o corpo é um elemento-chave nas primeiras pesquisas de Miyake sobre o design de moda. Tecidos sobrepostos e retorcidos interessam muito mais do que as roupas justas que revelam o corpo. Para Miyake, os tecidos são a plataforma de lançamento para seu trabalho inovador.” (Blackman, 2013, p.338)

Com interesse nesse espaço criado entre o corpo e o tecido, os dois e o ambiente em si e seus volumes e volumes negativos, Miyake passa a estudar não somente o design de moda mas também a elaboração de tecidos. Pesquisando e viajando todo o mundo atrás de técnicas tradicionais de tecelagem e produção de tecidos em geral, juntamente com seu processo criativo que se interessa na construção dos espaços gerados entre a estrutura do tecido e o corpo, Issey Miyake desenvolveu a coleção A-POC (“a piece of cloth” ou em tradução livre “um pedaço de pano”) onde as roupas eram desenvolvidas somente com um pedaço de tecido.

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Na imagem temos o final do desfile Primavera-Verão de 1999 em que o estilista leva ao extremo seu discurso base da A-POC. As peças em geral desse conceito eram individuais e todo o look da pessoa era desenvolvido a partir de uma única tira de tecido, recortando-a, ou até de um único rolo de tecido em que o usuário deveria cortar as aberturas onde desejasse. Mesmo o estilista defendendo que “that there is just one world for everyone” (frase essa proferida por Miyake para o The New York Times, “só Figura 25 - Final do desfile Primavera-verão, 1999, de Issey Miyake. há um mundo para todos” em tradução livre) quando ele justifica seu trabalho e coleção de primaveraverão de 1995, em que nas peças são percebidas influências de Leste à Oeste de um mundo globalizado, seu trabalho possui grande influência do seu país de origem. A influência da cultura e arte do Japão em seus estilistas (e arquitetos) é extremamente forte e entrega o artista só pela observação do seu trabalho por um espectador um pouco atento e assim não é diferente com Miyake. O interesse do estilista com o tecido, sua estrutura e a espacialidade que o mesmo cria está sempre presente em seus trabalhos. Miyake explora as superfícies nos lembrando as dobraduras de origamis (arte milenar japonesa de dobradura de papel) e os tradicionais quimonos. Os quimonos e as roupas tradicionais japonesas em geral são guardadas dobradas por uma técnica que não as amassa ou amarrota e essa característica é explorada nos trabalhos do estilista. Essa qualidade das roupas tradicionais japonesas são trazidas para a coleção 132 5. de Miyake, de 2010. As roupas assumem formatos tridimensionais a partir dos vincos desenvolvidos pela dobradura em seu estágio bidimensional (quando guardadas).

Figura 26 - Peça da coleção 132 5., 2010, de Issey Miyake.

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Podemos entender então que Miyake se utiliza fortemente da estrutura como mote para seus projetos, pensando na relação espacial do tecido com o usuário


e seus espaços criados (entre tecido e pele, e tecido e ambiente) e se relacionando com o seu país de origem e suas artes próprias (roupas típicas e dobraduras de papel por exemplo). Com isso, o estilista não só projeta vestimentas como também desenvolve tecidos e busca tecnologias constantemente para seu aprimoramento projetual. Como resultados temos peças únicas, as vezes muito estruturadas e firmes, as vezes mais soltas, dependendo da tecnologia empregada ao tecido e sempre explorando-o ao máximo na construção de um corpo e uma volumetria sempre nova.

Figura 27 - Peça da coleção préoutono, 2017, de Issey Miyake.

Figura 28 - Peça da coleção primaveraverão, 2017, de Issey Miyake.

No âmbito estético, Issey Miyake presa pela volumetria de um corpo construído a partir da relação entre um tecido esvoaçado e o corpo natural e também na relação de cores. Um exemplo dessa relação é o desfile de Primavera-Verão 2017 ready-to-wear. Nessa coleção, Miyake demonstra a sua preocupação estética com as cores e as estampas e cria peças com estudos de trapezóides coloridos, as vezes em tecido as vezes em estampa. As cores utilizadas pelo estilista são em sua maioria cores puras, quase primárias, e com grande contraste entre si.

Figura 29 - Peça da coleção primaveraverão, 2017, de Issey Miyake.

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JUNYA WATANABE (1961-) E COMME DES GARÇ0NS

Decidi juntar o estilista Junya Watanabe e a estilista Rei Kawakubo (1942 -), fundadora e estilista chefe da marca Comme des Garçons, pelos dois possuírem estilos bastante semelhantes de trabalho. Na verdade não só possuem estilos semelhantes como Junya iniciou sua carreira na Comme des Garçons, em 1984, trabalhando para Rei. Em 1993, Watanabe lançou sua marca própria sob tutela da Comme des Garçons já desfilando em Paris com o nome “Junya Watanabe Comme des Garçons”. Já Rei Kawakubo, nascida em 1942 em Tokyo, iniciou sua marca Comme des Garçons em 1973 em Tokyo e abriu a primeira loja em 1975. Posteriormente abriu uma filial em Paris, em 1982, três anos após começar a desfilar na cidade. A marca explora o corpo redefinindo e recriando-o, as vezes sendo até considerado bizarro e grotesco, como é o caso das peças do desfile de primavera-verão de 1997. Nessa coleção, Rei questiona a convenção social do corpo padrão adicionando enxertos nos corpos das modelos, deixando-os ‘deformados’. Sua incessante luta para recriar o corpo e causar um novo estranhamento, uma nova sensação no espectador não se sacia e a cada nova temporada seu trabalho não deixa de surpreender, definindo vanguarda na moda contemporânea. Se utilizando usualmente de cores sóbrias e de uma palheta de cores pequena em cada look, Comme des Garçons é uma marca que possui sua linguagem própria mesmo ora trabalhando com dissolução do corpo em sólidos geométricos, ora confundindo o olhar com o excesso de informação, como uma ilusão de ótica. Para isso a estilista explora novos materiais trazendo sempre algo novo para a passarela. À seguir temos 2 peças dos desfiles de Primavera 2016 e Outono 2016, respectivamente, uns dos mais recentes

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Figura 30 - Peça da coleção primaveraverão, 1997, Comme des Garçons.


da estilista, onde podemos observar a linguagem e o estilo da Comme.

Figura 31 - Peça da coleção primaveraverão, 2016, Comme des Garçons.

Figura 32 - Peça da coleção outonoinverno, 2016, Comme des Garçons.

Pelas imagens acima conseguimos observar o total domínio sobre o tecido que a estilista tem, conseguindo através de dobraduras, costuras e recortes criar novos volumes na roupa ressignificando o corpo. A estilista não só quebra o conceito de corpo natural, construindo novos corpos a cada peça mas também quebra o conceito tradicional de roupa: qualidade e discussão característica da moda contemporânea, a qual a estilista é uma das principais expoentes da vanguarda. Em seu mais recente desfile (Primavera-Verão 2017), Rei ousou novamente com a silhueta feminina, porém dessa vez trabalhando com sólidos geométricos quase puros. Seus looks ,dessa vez majoritariamente simétricos, trabalham a dissimulação do corpo feminino e a recriação do mesmo, com looks limpos e quase clássicos. A coleção em preto e branco com algumas peças em xadrez ou outras cores sólidas cria mais questionamentos e divagações nos espectadores do que de fato explica alguma coisa, e essa é uma das maiores

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Figura 33 - Peça da coleção primaveraverão, 2017, Comme des Garçons.

Figura 34 - Peça da coleção primaveraverão, 2017, Comme des Garçons.

qualidades da estilista: o enigma. Agora, Junya Watanabe, mesmo tendo iniciado carreira e ainda ter sua marca vinculada à Comme des Garçons possui um estilo diferente. Enquanto Rei, na Comme des Garçons questiona o padrão de corpo e beleza impostos criando coleções que reconstroem o corpo feminino completamente, à ponto de ser confusa e quase inexistente a anatomia humana por baixo das grandes estruturas de tecido, Watanabe brinca com texturas, padrões e tecidos. Não que Watanabe não trabalhe com a construção de um novo corpo e a ressignificação do signo em si, mas esse não é o seu principal objetivo, e sim uma consequência do seu trabalho. Junya trabalha as superfícies dos tecidos, suas texturas e seus materiais, lembrando talvez conceitualmente o discurso de Issey Miyake, porém com um viés mais voltado pra modularidade e a textura.

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Como demonstrado, o estilista explora novos tecidos e a possibilidade de trabalho com eles através da dobradura, criando módulos que ora se repetem na roupa ora se desdobram e criam outro módulo em sequência (alá Escher). Esses módulos logo nos remete aos origamis japoneses, aqui elevados à outro nível. A busca por padrões parece ser uma máxima do estilista que a cada desfile trabalha com materiais completamente diferentes os dobrando, cortando e costurando e mesmo assim atingindo sempre resultados impressionantes. A sua busca por padrões, a matemática e a geometria em si, não como uma ciência e sim uma arte, é o mote do seu desfile de outono-inverno de 2016. Junya une a arte milenar dos origamis à alta tecnologia das máquinas corte a laser e impressoras 3D e cria um ode à geometria, criando módulos Figura 35 - Peça da coleção primaveraverão, 2017, Junya Watanabe. dos mais diferentes, vazados ou não, que se somam criando um tecido e que por sua vez veste a modelo. Sua coleção, toda em neoprene, além de nos remeter aos origamis também se assemelha aos cobogós cerâmicos esmaltados utilizados na Arquitetura, pela sua estrutura firme, fluida e vazada ao mesmo tempo. Junya e Rei Kawakubo são dois estilistas que se assemelham em seu discurso de produção de moda contemporânea na busca por novos tecidos, pelo incessante desejo de quebrar paradigmas e poder experimentar livremente. Suas diferenças não residem no campo conceitual do discurso e sim no produto final, na execução e onde esse discurso os leva. Enquanto Rei tem sua preocupação na dissolução dos corpos e criação de novos, Watanabe está

Figura 36 - Peça da coleção outono-inverno, 2016, Junya Watanabe.

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buscando através do estudo da materialidade redefinir a vestimenta em si, levando o conceito de padronagem aos extremos a ponto de construir vestimentas de padrões e superfícies criadas com cada tecido experimentando. Esse lado da experimentação em novos tecidos se assemelha bastante ao trabalho de Issey, e suas roupas criadas a partir de dobraduras (como já dito anteriormente). Rei Kawakubo, Issey Miyake e Junya Watanabe possuem uma relação forte entre si, não só pelo fato dos três dividirem a mesma nacionalidade, e isso ser algo visível em seus trabalhos, mas pelo fato dos três possuírem um discurso contemporâneo da moda. Nesse discurso, a experimentação estrutural, formal, estética e de signos, com a intenção de questionar a atual realidade e os dogmas impostos toma voz e assume o lugar mais importante de suas obras. Por outro lado, presente aqui também, Coco Chanel representa o modernismo, do início do séc. XX, e a sua preocupação com a funcionalidade da vestimenta. Não digo que não exista uma preocupação estética ou formal ou estrutural nos trabalhos de Chanel, porque elas existem, porém relacionadas à um tempo anterior. Ou seja, na época de Coco Chanel, os preceitos estéticos, formais, estruturais e funcionais eram outros e Chanel, assim como a vanguarda modernista em geral, quebrou os paradigmas e dogmas da sociedade em que vivia. Portanto, a maior diferença entre a vanguarda modernista da moda (Coco Chanel) e a vanguarda da moda contemporânea (Issey, Junya e Rei) é, assim como na Arquitetura, o seu enfoque: enquanto na modernista há a maior preocupação com a função, na contemporânea a maior preocupação reside talvez na ressignificação de signos já gastos através de novas experiências estéticas e estruturais.

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ATÉ QUE ENFIM, O PROJETO Como já dito anteriormente, para finalizar e completar o trabalho teórico, foi proposto o desenvolvimento de uma coleção de peças se inspirando no tema abordado e se utilizando dos conceitos desenvolvidos. O processo de criação do mesmo está a seguir. No mundo da Moda, os desfiles (onde os estilistas e as marcas apresentam seus trabalhos) são separados por temporadas de moda que são organizadas em um calendário anual: o pré-Outono, Outono-Inverno, Resort/Cruise e o Primavera-Verão. As temporadas maiores (outono-inverno e primavera-verão) são as principais e as outras duas são temporadas, intermediárias, nem todas as marcas fazem. Como os próprios nomes dizem, as temporadas de cada época do ano ditam as coleções que estarão nas lojas nas próximas estações e os estilistas criam peças condizentes para tal, levando em consideração o clima e características de cada época do ano. Para o atual trabalho não será definida alguma temporada específica para se trabalhar em cima para não haver limitância de tipos de vestimentas permitidos ou não. Partindo então pra premissa do projeto, pretende-se aqui trabalhar com a linguagem plástica da moda explorando-a: tecidos, estruturas, estéticas e corpos. A construção corporal e as diferentes ferramentas para a criação de um novo corpo são talvez as características que mais me interessam na construção de moda: como a escolha do tecido, seu caimento, seu corte e molde pode criar volumes extras no corpo ou simplesmente cobri-lo de formas com que sua forma original se dissolva e crie um novo corpo. Momentos de quebra do próprio discurso da roupa em sua metade revelando o corpo por baixo de uma forma inesperada, como o caso dos cropped’s, que são nada mais que camisetas cortadas em certo ponto revelando o corpo por baixo, também se mostram bastante interessantes no auxílio da construção do discurso da indumentária. Resolvi então, a partir de uma bagagem de construção estética de um estudante de arquitetura, de todo o estudo realizado a respeito da Moda no trabalho e inspirado nas questões do corpo construídoxnatural, veladoxrevelado, iniciar os croquis das peças que seriam projetadas. Logo desde

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o primeiro croqui o desenho arquitetônico foi se mostrando ainda presente, mesmo as vezes disfarçado em formatos de calças, saias, texturas e decotes. Com isso, temos como mote das peças (poderíamos talvez, chamar de coleção) não só a construção corporal e como já dito, e os estilistas apresentados como referências projetuais, mas também o desenho arquitetônico, meio que de uma forma natural e involuntária. Para finalizar, também pensou-se (talvez por influência de Chanel) que as peças deveriam ser simples, sóbrias, com poucas informações visuais, predominando então em cores como o preto, branco, cinza e marrom e (talvez aqui uma influência mais do ramo da Arquitetura) como se tratassem de sólidos puros, adaptados ao corpo humano e ao tecido, as vezes com suas estruturas corrompidas e repuxadas as vezes apenas o mais próximo de crua possível. Com essas premissas e a fermentação de ideias nasceu a primeira ideia.

O MÓDULO INICIAL Um conceito em comum entre a Arquitetura e a Moda, que já se fez presente nesse trabalho algumas vezes, é o conceito de modularidade. A modularidade nos permite, a partir de um objeto de único formato, criar inúmeras soluções funcionais e estéticas, criando ritmo e uma textura baseada na repetição. Uma vantagem que a modularidade permite é a liberdade de replicação e customização: a partir do acesso à um módulo e sua tecnologia de conexão entre seus semelhantes a fim de criar uma malha, as possibilidades projetuais beiram o infinito. Por modularidade ser um conceito aplicável tanto à Moda quanto à Arquitetura assumi que seria interessante partir o projeto desse lugar. Pensando então na questão da modularidade: a princípio devese projetar um módulo para o mesmo ser replicado e criar a roupa, um módulo que possua algum tipo de tridimensionalidade que possa ser explorado na roupa criando não só textura como também volume. Para tal achei que a criação de um origami e a replicação de tal seria a melhor opção de módulo. O origami além de ser um pedaço de papel (ou tecido) dobrado ele possui tridimensionalidades interessantes dependendo da forma que criadas. Para o desenvolvimento do origami que seria utilizado como módulo decidiu-se pela técnica de encontrar origamis já existentes na cultura japonesa, e a partir de um hackeamento, ou modificação, do seu passo a passo criar um origami único e próprio para o projeto. Para isso alguns livros sobre a arte do origami foram necessários até a criação de alguns módulos para serem utilizados. Devido à angulação, a

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simetria, o volume, o movimento e a modulação possível um módulo foi escolhido como a base da execução da peça. O módulo desenvolvido nasceu do hackeamento de um Tsuru (origami tradicional japonês em formato de pássaro com a simbologia da saúde) e possui uma das abas soltas que gera um movimento e ritmo quando combinado em coletivo, lembrando uma escama com módulos triangulares e também, quando essa aba puxada, o módulo ganha certo volume que pode ser trabalhado na vestimenta.

Figura 37 - Passo a passo do desenvolvimento do módulo

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A PRIMEIRA PEÇA Como dito anteriormente, a partir da criação de um módulo e de seus encaixes as possibilidades projetuais beiram o infinito, ou seja, a partir do módulo já estabelecido qualquer vestimenta poderia ser desenvolvida de inúmeras formas diferentes. Sabendo disso, decidi que seria criada apenas uma peça com esse conceito e que seria ela a peça à ser executada. As outras peças desenvolvidas seriam como um desdobramento dessa inicial da coleção, se apoiando estética e formalmente no mesmo conceito porém com técnicas construtivas diferentes e adicionando outros conceitos em seu processo. Como se a peça que se utiliza do módulo fosse o carro chefe da coleção e as outras as secundárias. Já desenhado o módulo e suas conexões (assim gerando o tecido), basta agora o desenvolvimento da peça. Voltando na questão da construção corporal e analisando o comportamento dos módulos em mãos, achei que seria interessante o desenvolvimento de uma saia com eles, que assim o volume de sua própria estrutura faria menção às saias com crinolinas e anáguas do final do século XIX, porém agora de outra forma: com que a estrutura se dá pela própria superfície. Com isso o elemento de um corpo construído se estabelece. Porém, com a repetição incansável do mesmo módulo em toda a circunferencia da cintura, criando uma saia completamente homogênea, acabaria por tornar a peça um pouco monótona pelo excesso de ritmo e ordem criada pela repetição dos módulos. Para se resolver essa situação foi resolvido cortar a parte da frente da saia, deixando à mostra as pernas e uma minissaia, para que cada lado da roupa tivesse sua novidade ao ser olhada: atrás o volume criado pela estrutura dos próprios módulos, que dá ilusão de que a peça é inteira homogênea, de lado uma assimetria construída a partir da silhueta da traseira mais volumosa que a frente e por fim de frente o corpo sendo revelado embaixo dos módulos. Essa espécie de fenda frontal que rasga o discurso da roupa até então nos revela o corpo real por baixo da peça, se utilizando então da tensão entre as duas discussões do corpo (velado x revelado; construído x natural). Outro elemento que entra, junto com a estrutura criada pelos módulos, na questão da construção estrutural da vestimenta é o fato de os módulos serem expansíveis e que a partir de sua expansão um novo jogo de volumes é criado na roupa. Para finalizar o look, somado à saia um cropped foi desenhado. Para se contrapor à saia e ao seu excesso de informação, estrutura criada e cor branca o cropped desenvolvido tem a intenção de ser simples,

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sem pouca estruturação e com tecido leve para deixar o ponto focal principal na saia. A ideia do cropped é, além de manter a linguagem já adotada e todo seu discurso projetual à respeito do corpo, assim velando e revelando em partes o mesmo, ser simples e de cor preta para ele ser mais discreto. Formalmente, o mesmo se baseia nas angulações resultantes do módulo inicial como linguagem própria.

Figuras 38, 39 e 40 - Fotos da modelo com a peça desenvolvida, 2017

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AS DEMAIS PEÇAS

Como já dito anteriormente, primeiramente desenhei a peça principal do trabalho e a partir dela, sua plasticidade e conceitos utilizados e desenvolvidos parti para o desenho das seguintes. As demais peças possuem características semelhantes à primeira, porém com técnicas construtivas mais simples. Desenhei, então, mais seis peças seguindo os conceitos estudados e que se baseiam, principalmente, no estudo de construção corporal, ressignificando cada uma ao seu modo o corpo a partir de uma construção plástica baseada nos sólidos geométricos crus e reestruturação de signos da indumentária. As peças foram desenhadas para serem executadas em um tecido que seja firme porém ainda assim maleável, o neoprene, e as cores se resumem majoritariamente em preto, branco, cinza e marrom. Cada peça possui sua estética e sua própria forma de interpretação e forma de atingir o mote principal do projeto - a construção corporal. Algumas atraves de construção de camadas, outras simulações de corpo inexistente ou dissimulação de linhas de cintura, golas e formantes conhecidos da linguagem da indumentária. Porém, mesmo que cada peça possua sua própria linguagem e forma de resolução projetual, todas se encontram tanto na questão do mote como no fato de pertencerem à mesma família projetual, seguindo os traços criados a partir do módulo inicial. Infelizmente o tempo disponível para a realização do trabalho não permite a execução das peças, ficando elas somente em projeto e desenhos. Como já dito na Introdução, os desenhos das peças estão ilustrando essa segunda parte do caderno. Os croquis iniciais dos estudos, feitos em lápis grafite e posteriormente digitalizados, estão nas primeiras paginas para apresentar um pouco do processo criativo e dos estudos; e os desenhos finais, feitos em nanquim, digitalizados e posteriormente coloridos digitalmente, nas paginas seguintes, totalizando seis peças.

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A EXECUÇÃO

A princípio, a saia seria de papel, vegetal ou manteiga, para se fazer alusão aos origamis originais e consequentemente também os módulos, posteriormente costurados uns nos outros até resultar na vestimenta. Porém a dificuldade de se costurar o papel um no outro sem a criação de grandes rasgos, o perigo de amassar o trabalho durante o manuseio e, quando a roupa estivesse pronta, a falta de flexibilidade do material e o perigo de rasgar transformaram a ideia de projetar roupas de módulos em papel vegetal ou manteiga completamente inviável. Como consequência disso iniciei uma pesquisa em novos materiais para o desenvolvimento dos módulos. Procurei a respeito de tecidos que pudessem ser dobráveis e que mantivessem os vincos primeiramente nas coleções de estilistas que trabalham com algo semelhante, porém o único tecido, utilizado por Junya Watanabe em suas dobraduras, achado foi o neoprene (tecido de roupas de natação e surf) que além de ser difícil de achar para vender de boa qualidade seu manuseio não é algo que dê para trabalhar domesticamente. Em lojas de tecido da cidade de Bauru o neoprene disponível é muito mais fino e maleável, comprometendo então a estrutura do trabalho. Em alguns vestuários como camisas de manga comprida, as mangas e os colarinhos costumam ser mais duros e menos maleáveis, para não amassarem ao longo do uso. Mas como o colarinho da camisa fica mais duro se ele é feito do mesmo tecido que o resto da camisa? Conversando com colegas que entendiam mais de costura recebi a instrução de procurar sobre Entretela, que esse era o tecido utilizado em golas e mangas de camisa. Basicamente, a entretela é uma categoria dos tecidos brancos feitos de algodão puro destinados a fazer colarinhos de camisas e partes mais duras de peças de roupas à fim de gerar maior estruturação. A maioria das entretelas costumam vir com cola para quando passar o ferro quente com ela e o tecido juntos eles se juntarem e assim o tecido ganhar as propriedades da entretela. A entretela se mostrou ser o tecido ideal para a confecção dos módulos por ela, quando aquecida, ser facilmente dobrável e seus vincos após resfriamento se manterem firmes. O modelo de entretela escolhido para a realização dos módulos, então, não possui a cola dita anteriormente e possui a textura e aparência bastante semelhante a qualquer outro tecido de algodão branco.

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Com o tecido em mãos e o protótipo em papel do primeiro módulo inicia-se a confecção dos novos módulos em tecido. Para tal, o tecido, originalmente comprado em rolos, precisou ser cortado em quadrados, inicialmente de 17 cm por 17 cm e depois diminuindo ao longo do tempo para as áreas mais próximas do cós da saia. À seguir, para fazer os origamis foi necessário passar o ferro quente a cada vinco feito, até finalizar o processo. Com os módulos prontos, inicia-se então a costura entre eles para gerar o tecido. Para a saia não ter uma estrutura reta e sim em formato de “A” as primeiras fileiras de módulos (do cós à barra) foram desenvolvidas com módulos de 14 cm por 14 cm e aumentando progressivamente até chegar nos 17 cm por 17 cm na barra da saia. Após finalizado o tecido, foi executada uma mini saia simples de 38 cm de comprimento, também branca, porém de cotton, onde os módulos do cós foram costurados através da modelagem na própria modelo. O cropped inicialmente seria executado inteiramente a partir do zero, porém visto sua simplicidade de acabamento e falta de tempo, resolveu-se comprar uma camiseta preta comum em uma loja no centro de Bauru e cortá-la e costurá-la para se chegar ao resultado esperado. Também foi incluída uma faixa de entretela na sua parte frontal para gerar uma estrutura. Inicialmente cada módulo possuiria uma pequena costura para não haver desmanche do mesmo, mantendo-o então, firme. Porém, após o início da execução do projeto, foi decidido que com essa costura os módulos perderam uma de suas principais características - a de se poder abrir e fechar os módulos gerando novos volumes à roupa. Com isso, as costuras anteriormente realizadas foram desmanchadas permitindo então esse movimento para a peça. No entanto, os módulos se afrouxaram um pouco em alguns momentos, se fazendo necessária a correção dos vincos em alguns momentos com o ferro quente.

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CONCLUSÃO Pelo trabalho possuir as características de um trabalho teórico somado à um prático (e não tão somente um estudo teórico que ampara um trabalho prático) teremos aqui na conclusão quase que duas conclusões à respeito do resultado final. Inicialmente o trabalho tinha a intenção de explanar e exemplificar a reflexão propostas no que diz respeito às relações entre a arte da Arquitetura e a arte da Moda. Acredito, então, que o método criado e empregado para desenvolver a linha argumentativa do trabalho se mostrou eficaz, conseguindo assim chegar aos objetivos desejados. Posteriormente, à respeito da parte prática do trabalho, os projetos realizados e o executado acredito que cumpriram seu papel de serem resultados de uma reflexão teórica, não à traindo em nenhum aspecto. Contudo, a roupa executada, talvez por falta de conhecimento técnico e tempo não ficou exatamente como idealizada, perdendo um pouco de seu movimento desejado. Porém ainda assim considero seu resultado satisfatório. Pelo autor ser graduando no curso de Arquitetura e Urbanismo e não possuir (até a escolha do tema do trabalho) muito conhecimento da área da Indumentária e quase nenhum na área da costura, toda a pesquisa se iniciou do básico. Esse fato gerou, então, um conhecimento novo e muito interessante em um novo campo de aprendizado. Com isso, acredito que essa falta de conhecimento prévio tenha sido bem aproveitada na passagem do conteúdo para o leitor, ou seja, enquanto o aprendizado era adquirido ele era repassado com o cuidado de conhecer seu público que, assim como eu, está sendo introduzido no assunto. Para concluir, acredito que o trabalho trouxe mais frutos do que o esperado, tanto para o autor quanto para o leitor. Também acredito que ele tenha aberto novas portas para a discussão teórica entre a Arquitetura e a Moda e a proposta de transição entre as duas artes.

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LISTA DE FIGURAS Figura 1: http://www.lilianpacce.com.br/moda/colecao-joias-zaha-hadid-caspita/ (acessado em 07/10/2016) Figura 2: http://www.meurj.com/mac/ (acessado em 07/10/2016) Figura 3: https://news.artnet.com/art-world/centre-pompidou-price-hike-285671 (acessado em 30/09/2016) Figuras 4 e 5: http://www.archdaily.com.br/br/01-154169/centro-heydar-aliyev-zaha-hadid-architects (acessado em 30/09/16) Figura 6: 01/10/16)

http://www.archdaily.com.br/br/783522/classicos-da-arquitetura-unidade-de-habitacao-le-corbusier

(acessado

em

Figura 7: http://zigadazuca.com.br/2015/03/museu-judaico-berlim/ (acessado em 14/01/17) Figura 8: http://blog-universofantastico.blogspot.com.br/2012/08/a-divina-proporcao-ordem-matematica-da.html (acessado em 14/01/17) Figura 9: http://www.mixnh.com.br/blog/?p=14444 (acessado em 08/10/2016) Figura 10: http://www.piaui.pi.gov.br/noticias/index/id/22176 (acessado em 04/10/2016) Figura 11: https://www.liquidalojas.com.br/magazine-torra-torra/ (acessado em 04/10/2016) Figuras 12, 13 e 14: http://acidadedohomemnu.blogspot.com.br/2010/04/flavio-de-carvalho.html (acessado em 06/10/2016) Figura 15: http://www.vogue.com/fashion-shows/fall-2016-ready-to-wear/junya-watanabe (acessado em 15/01/2017)

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Figura 16: http://www.lilianpacce.com.br/desfile/dior-alta-costura-primavera-verao-2015/ (acessado em 08/10/2016) Figura 17: http://www.vogue.com/fashion-shows/spring-2016-couture/atelier-versace/ (acessado em 15/01/2017) Figura 18: http://www.vogue.com/fashion-shows/spring-2016-couture/givenchy(acessado em 15/01/2017) Figura 19: https://br.pinterest.com/pin/552676185501711851/ (acessado em 08/10/2016) Figura20: http://petiscos.jp/moda/do-seculo-xvi-a-rira-ora-veja-a-evolucao-da-anagua (acessado em 15/01/2017) Figura 21: http://www.vogue.com/fashion-shows/fall-2016-ready-to-wear/iris-van-herpen (acessado em 15/01/2017) Figura 22: http://www.passaportedoluxo.com/2012/06/historia-do-vestidinho-preto-icone-fashion-criado-por-coco-chanel.html (acessado em 16/01/2017) Figura 23: http://blog.etiquetaunica.com.br/tailleur-chanel-um-classico/(acessado em 16/01/2017) Figura 24: http://www.vogue.com/fashion-shows/spring-2017-ready-to-wear/chanel (acessado em 16/01/2017) Figura 25: https://br.pinterest.com/pin/138837600985281850/l (acessado em 16/01/2017) Figura 26: 17/01/2017)

http://culturebox.francetvinfo.fr/arts/mode/la-ligne-132-5-issey-miyake-conjugue-mathematiques-et-couture-82250(acessado

em

Figura 27: http://www.vogue.com/fashion-shows/pre-fall-2017/issey-miyake(acessado em 17/01/2017) Figura 28 e 29: http://www.vogue.com/fashion-shows/spring-2017-ready-to-wear/issey-miyake(acessado em 17/01/2017) Figura 30: http://www.vogue.com/fashion-shows/spring-1997-ready-to-wear/comme-des-garcons (acessado em 17/01/2017) Figura 31: http://www.vogue.com/fashion-shows/spring-2016-ready-to-wear/comme-des-garcons (acessado em 17/01/2017 Figura 32: http://www.vogue.com/fashion-shows/fall-2016-ready-to-wear/comme-des-garcons (acessado em 17/01/2017) Figuras 33 e 34: http://www.vogue.com/fashion-shows/spring-2017-ready-to-wear/comme-des-garcons (acessado em 18/01/2017) Figura 35: 18/01/2017) Figura 36: 18/01/2017)

http://www.vogue.com/fashion-shows/fall-2015-ready-to-wear/junya-watanabe(acessado http://www.vogue.com/fashion-shows/fall-2016-ready-to-wear/junya-watanabe(acessado

Figuras 37, 38, 39 e 40: Acervo do autor

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