Antropologia Cultural Texto 4 [a Cultura e seus Processos]
BREVÍSSIMO GLOSSÁRIO ANTROPOLÓGICO Fernanda Telles Márques
antecessor. No Brasil o termo pode ser empregado em poucas ocasiões, uma delas é no estudo de grupos remanescentes de quilombos, sejam eles urbanos ou rurais.
ACEITAÇÃO SOCIAL: Aceitação é a adoção de um novo traço cultural através da imitação ou do comportamento copiado. No início, esse elemento pode ser aceito apenas por um indivíduo, estendendo-se depois aos demais. Preconceitos preexistentes dos membros de uma sociedade receptora facilitam ou bloqueiam a aceitação ou o empréstimo de uma nova possibilidade cultural.
COMPLEXOS CULTURAIS: Complexos culturais consistem no conjunto de traços ou num grupo de traços associados, formando um todo funcional. O seja, trata-se de um grupo de características culturais interligadas por um foco central de interesses, encontrado em uma área cultural. Cada cultura engloba um número grande e variável de complexos inter-relacionados. Dessa maneira, o complexo cultural engloba todas as atividades relacionadas com o traço cultural.
ACULTURAÇÃO: Trata-se da fusão de duas culturas diferentes que, entrando em contato contínuo, originam mudanças nos padrões da cultura de ambos os grupos ou de apenas um deles. Pode abranger numerosos traços culturais, apesar de, na troca recíproca entre as duas culturas, um grupo dar mais e receber menos. Dos contatos íntimos e contínuos entre culturas e sociedades diferentes resulta um intercâmbio de elementos culturais. Com o passar do tempo, essas culturas fundem-se para formar uma sociedade e uma cultura nova. É importante frisar que em nenhuma sociedade os processos de aculturação ocorrem total ou instantaneamente e que a mudança é sempre mais rápida e aceita com maior facilidade em relação a traços materiais. ÁREAS CULTURAIS: As áreas culturais são territórios geográficos onde as culturas se assemelham. Os traços e complexos culturais mais significativos estão difundidos, resultando um modo peculiar e característico de seus grupos constituintes. Assim, a área cultural refere-se a um território relativamente pequeno em relação ao da sociedade global, no qual os indivíduos compartilham os mesmos padrões de comportamento. Cabe ressaltar que referida área cultural nem sempre corresponde às divisões geográficas, administrativas ou políticas. ARTEFATO: Em Antropologia chamamos de artefato qualquer objeto que tenha sido conscientemente manufaturado para ser utilizado pelo Homem. A Arqueologia é a área da Antropologia que estuda mais diretamente os artefatos, também chamados de “Cultura Material”.
CONFIGURAÇÕES CULTURAIS: Trata-se da integração dos diferentes traços e complexos de uma cultura, com seus valores objetivos mais ou menos coerentes, de onde advém o sentido de unidade. Assim, a configuração cultural é uma qualidade específica que caracteriza uma cultura e tem sua origem no inter-relacionamento de suas partes. Desse modo, a cultura deve ser vista como um todo, cujas partes estão de tal modo entrelaçadas que a mudança em uma das partes afetará as demais. Ao estudar uma cultura, deve-se ter visão conjunta de suas instituições, costumes, usos, meios de transporte etc. que estejam influindo entre si. CULTURA: De um modo geral pode-se dizer que seja todo o conjunto de objetos, valores, significados simbólicos e formas de comportamento partilhadas coletivamente que guiam a conduta dos membros individuais de uma dada sociedade. CULTURA MATERIAL: Consiste em coisas materiais, bens tangíveis, incluindo instrumentos, artefatos e outros objetos materiais, fruto da criação humana e resultante de determinada tecnologia. Abrange todos os artefatos: produtos concretos, técnicas, construções etc. CULTURA IMATERIAL: Também chamada de aspecto animológico, refere-se a elementos intangíveis da cultura, ou seja, que não têm substância material. Entre eles encontram-se as crenças, conhecimentos, hábitos, significados, normas, valores, ideologias, representações sociais etc.
ASSIMILAÇÃO: A assimilação, como uma fase da aculturação, seria o processo mediante o qual os grupos que vivem em território comum, embora procedentes de lugares diversos, alcançam uma “solidariedade cultural”.
CULTURA IMATERIAL IDEAL: Também chamada de normativa, consiste em um conjunto de comportamentos que, embora expressos verbalmente como bons, perfeitos, para o grupo, nem sempre são freqüentemente praticados. A cultura ideal é a socialmente desejada, o que não significa que sempre esteja ao alcance comum.
CLÃ: Nome dado ao conjunto unilateral de parentes que segue a linha de um dos sexos e que são mantidos em conjunto pela crença comum sobre a descendência de referido
CULTURA IMATERIAL REAL: É aquela em que, concretamente, todos os membros de uma sociedade praticam ou pensam em suas atividades cotidianas. Entretanto, a 1
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cultura imaterial real não pode ser percebida em sua totalidade, apenas parcialmente e, para isso, é necessário que os estudiosos a ordenem e demonstrem em termos compreensíveis. DIFUSÃO CULTURAL: Difusão “é um processo, na dinâmica cultural, em que os elementos ou complexos culturais se difundem de uma sociedade a outra” (Hoebel e Frost, 1981:445). As culturas, quando vigorosas, tendem a se estender a outras regiões, sob a forma de empréstimo mais ou menos consistente. A difusão de um elemento da cultura pode realizar-se por imitação ou por estímulo, dependendo das condições sociais, favoráveis ou não, à difusão. O tipo mais significativo de difusão é o das relações pacificas entre os povos, numa troca contínua de pensamentos e invenções. Nem tudo, porém, é aceito imediatamente: há rejeições em relação a certos traços culturais. Quase sempre ocorre uma modificação no traço de uma cultura tomado de empréstimo pela outra, havendo reinterpretação posterior pela sociedade que o adotou. DISCRIMINAÇÃO: Prática que consiste em negar iguais oportunidades e/ou direitos a um grupo social, étnico, sexual, religioso etc. A discriminação pode assumir formas sutis (não declaradas). ELIMINAÇÃO SELETIVA: Consiste na competição pela sobrevivência feita pelo elemento novo. Quando um traço cultural ainda se revela mais compensador do que suas alternativas, ele perdura; mas, quando deixa de satisfazer as necessidades do grupo, cai em desuso e desaparece, numa espécie de processo seletivo. ENDOCULTURAÇÃO: O processo de “aprendizagem e educação em uma cultura desde a infância” é chamado de enculturação. Nele também está uma forma de mudança social, pois mesmo em condições de isolamento, as culturas estão sempre em transformação (vide a inteligência abstrata e a criatividade humana). Algumas correntes da Antropologia entendem que da qualidade deste processo é que depende toda a estabilidade de uma cultura. ENDOGAMIA: Costume pelo qual os casamentos aprovados têm que realizar-se sempre dentro dos limites de determinadas unidades sociais. Nas sociedades urbanas de pequeno porte é muito comum observar que as classes altas ainda privilegiam relações endogâmicas. ESTEREÓTIPOS: São construções mentais falsas, na medida em que sua produção se dá a partir do acesso parcial e superficial à realidade concreta de sujeitos individuais
ou coletivos. O núcleo minimamente acessado é distorcido e disseminado como sendo representativo da totalidade dos sujeitos, nos levando a ter uma visão estereotipada de quem/como sejam. A crença e a disseminação de estereótipos depende diretamente da ocorrência de etnocentrismo. ETHOS: Palavra amplamente utilizada nas filosofias homérica e aristotélica, o termo ethos só adquire em sentido antropológico a partir das obras de Alfred Kroeber (1923), que o define como um "aroma" que impregna a cultura de determinado segmento social, e de Ruth Benedict (1934) e Gregory Bateson (1938), ambos representantes da Escola de Cultura e Personalidade, que classificam o ethos como sendo o produto de uma determinada configuração cultural. Enquanto Benedict e Bateson salientam que o ethos apreende a comunalidade emocional ou “ambience” compartilhada por um grupo, em oposição à comunalidade cognitiva ou “eidos”, Pierre Bourdieu (1978; 1984), reforça que, mais do que um princípio que elege as condutas, o ethos é também “uma moral que se instala no corpo, transformando-se em hexis, traduzida na postura corporal, nos gestos ou na competência lingüística” (Márques, 1997). ETNIA: Em termos bem gerais uma etnia é constituída pelo conjunto de pessoas que historicamente estão identificadas por características comuns de cultura, entre elas a língua, o mito de origem, as crenças mágico-religiosas e/ou a cosmovisão. O conteúdo da raça, cientificamente contestado desde o começo do século XX, seria morfobiológico, enquanto que o da etnia é sócio-cultural, histórico e psicológico. Um conjunto populacional urbano dito equivocadamente constituído por pessoas da raça “branca”, “negra” e “amarela”, é visto antropologicamente como sendo um espaço urbano o qual podem estar representadas diversas etnias e apenas uma raça: a Humana. ETNOCENTRISMO: Trata-se da supervalorização da própria cultura em detrimento das demais. Para a Antropologia, todos os animais da espécie Homo sapiens sapiens seriam naturalmente tendentes a este comportamento, que evoca o mesmo territorialismo reproduzido biologicamente pelos animais dotados apenas de inteligência concreta. Entretanto, uma vez que a ocorrência da grande diversidade de culturas comprova a existência de modos de vida que são bons para um grupo e que jamais serviriam para outro, o comportamento etnocêntrico é admitido pela ONU como um atraso nas potencialidades humanas. A discriminação, o proselitismo, a violência, a agressividade verbal, o desdém, o préjulgamento, a negação das habilidades e competências do Outro, daquele que não 2
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pertence ao “nosso meio” ou que não comunga os “nossos valores”, são todas formas de expressar o etnocentrismo.
(diversidade de ethos, tensões políticas etc.), mais delicado é o trabalho de mapeamento.
ETNOGRAFIA: É o método utilizado pela Antropologia, cujo fundamento é o contato inter-subjetivo entre o antropólogo e o grupo estudado, seja ele uma tribo indígena, uma gangue de adolescentes ou uma Universidade. Tradicionalmente, a Etnografia exigia a imersão plena por um período aproximado de 12 meses (vide Malinowski). Hoje, na estudo das sociedades complexas, é reconhecido que o tempo necessário para alcançar as condições desejáveis de imersão variam de caso a caso, considerando características tanto dos sujeitos investigados quanto do próprio pesquisador.
MINORIAS: O conceito de minoria é usado de forma generalizada para caracterizar movimentos culturais e sociais de grupos não hegemônicos. Como não se aplica a todas as situações, seu uso adequado depende da correta compreensão do contexto geral, seja estatisticamente (proporcionalidade do número de componentes de cada ethos), seja politicamente (proporcionalidade da distribuição do poder entre estes ethos).
ETNOLOGIA: É o estudo das características de qualquer etnia, isto é, agrupamento humano - povo ou grupo social - que apresenta alguma estrutura socio-econômica homogênea, onde em geral os membros têm interações cara-a-cara, e há uma comunhão de cultura e de língua. Este estudo visa estabelecer linhas gerais e de desenvolvimento das sociedades. GÊNERO (RELAÇÕES DE): As diferenças de gênero não são biológicas como as de sexo. Quando falamos em relações de gênero estamos nos referindo especificamente às diferenças que foram culturalmente e historicamente construídas. Ou seja, nas sociedades urbanas trata-se de diferenças elaboradas pelo patriarcalismo, pela divisão sexual/reprodutiva, pela divisão sexual do trabalho etc. INTEGRAÇÃO CULTURAL: O processo de integração, segundo Ralph Linton (1965:377), consiste no “desenvolvimento progressivo de ajustamento cada vez mais completo, entre os vários elementos que compõem a cultura total”. A integração é perfeita, pois há sempre modificações na cultura. Na integração deve haver adaptação progressiva, que é o ajustamento recíproco entre os elementos culturais. INTOLERÂNCIA: Nome dado ao repúdio, por parte de pessoas ou de um grupo, da especificidade das diferenças de Outros. Consiste na negação do direito à diferença de comportamentos sociais, orientações, escolhas etc. MAPEAMENTO ETNOGRÁFICO: Trata-se de um dos procedimentos que constituem o trabalho etnográfico, e não do seu fim. A partir de um mapa geo-político são grafadas as relações e dinâmicas do ethos estudado. Trata-se de um trabalho minucioso que, mesmo se realizado com o auxílio do uso adaptado de softwares de arqueologia, exige muito tempo e relativa experiência. Quando mais complexo é o locus da investigação
MITO: Chamamos de mito uma narrativa tradicional com caráter explicativo e/ou simbólico profundamente relacionada com um dado ethos, seja ele religioso ou não. O mito procura explicar os principais acontecimentos da vida, os fenômenos naturais, as origens do grupo, do Mundo e do Homem por meio de metáforas. Pode-se dizer que o mito seja uma primeira tentativa de explicar a realidade. NORMAS: Normas são regras que indicam os modos de agir dos indivíduos em determinadas situações. Consistem, pois, em um conjunto de idéias, de convenções referentes àquilo que é próprio do pensar, sentir e agir em dadas situações. As culturas são constituídas de normas comportamentais, ou seja, de um tipo de conduta que ocorre com maior ou menor freqüência. PADRÕES CULTURAIS: Padrões culturais são, segundo Herskovits (1963: 231), “os contornos adquiridos pelos elementos de uma cultura, as coincidências dos padrões individuais de conduta, manifestos pelos membros de uma sociedade, que dão ao modo de vida essa coerência, continuidade e forma diferenciada”. O padrão resulta do agrupamento de complexos culturais de um interesse ou tema central do qual derivam o seu significado. O padrão de comportamento consiste em uma norma comportamental, estabelecida pelos membros de determinada cultura. Essa norma é relativamente homogênea, aceita pela sociedade, e reflete as maneiras de pensar, de agir e de sentir do grupo, assim como os objetos materiais correlatos. PRECONCEITO: Trata-se de uma conclusão pré-estabelecida sem uma lúcida apreciação ou contextualização dos fatos e/ou dos sujeitos envolvidos. Diz-se da atitude de discriminação étnica ou de gênero alicerçada em observações empíricas parciais e ausentes de fundamentação científica. Outra característica do preconceito é a generalização. PRIMITIVO: Conceito antropológico do século XIX, construído a partir da biologia evolucionista e colocado em desuso no século XX. 3
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RELATIVISMO CULTURAL: A posição cultural relativista tem como fundamento a idéia de que os indivíduos são endoculturados, portanto, adquirem sistemas de valores e uma integridade cultural que são próprios aos seus ethos. A partir do reconhecimento da validade deste processo, há que se admitir que cada cultura, historicamente elaborada, seja considerada como uma configuração saudável e adequada para os indivíduos que a praticam.
uma “unidade mínima identificável” pode ser considerada um traço ou um item, sendo esta uma tarefa para os Antropólogos.
SÍMBOLOS: Símbolos são realidades físicas ou sensoriais aos quais os indivíduos que os utilizam lhes atribuem valores ou significados específicos. Comumente representam ou implicam coisas concretas ou abstratas. Pessoas, gestos, palavras, ordens, sinais sensoriais, fórmulas mágicas, valores, crenças, poder, solidariedade, sentimentos, cerimônias, hinos, bandeiras, textos sagrados, objetos materiais etc., que tenham adquirido significado específico, representante em um contexto cultural, por meio de atos, atitudes e sentimentos, constituem-se em símbolos.
TRIBO: Designação criada no século XIX em referência à organização politica e à distribuição espacial de sociedades tradicionais nas quais o Estado é ausente.
SINCRETISMO: Processo de mudança muito encontrado no Brasil. Em religião manifesta-se como fusão de dois elementos culturais análogos (crenças e práticas), de culturas distintas ou não. O sincretismo é um dos processos que também acompanham a aculturação. SUB-CULTURA: O termo sub-cultura, em geral, significa alguma variação da cultura total. Para Ralph Linton, a cultura é um agregado de sub-culturas. A sub-cultura pode ser considerada como um meio peculiar de vida de um grupo menor dentro de uma sociedade maior. Embora os padrões da sub-cultura apresentem algumas divergências em relação à cultura central ou à outra sub-cultura, mantêm-se coesos entre si. É importante frisar que uma sub-cultura não está sempre restrita a um determinado espaço geográfico. Uma área cultural pode corresponder a uma sub-cultura, mas dificilmente ocorre o inverso. TRAÇOS CULTURAIS: Trata-se dos menores elementos que permitem a descrição da cultura. Referem-se, portanto, à menor unidade ou componente significativo da cultura, que pode ser isolado no comportamento cultural. Embora os traços sejam constituídos de partes menores, os itens não têm valor por si sós. Alguns traços culturais são simples objetos, ou seja, cadeira, mesa, brinco, colar, machado, vestido, carro, apartamento etc. Os traços culturais não materiais compreendem atitudes, comunicação, habilidades. Nem sempre a idéia de traço é facilmente identificável em uma cultura, em face da integração, total ou parcial, de suas partes. Muitas vezes, fica difícil saber quando
TRANSCULTURAÇÃO: A transculturação está ligada à transformação de padrões culturais locais a partir da adoção de novos padrões vindos através das fronteiras culturais em encontros interculturais. É a transformação de padrões a partir do elemento externo.
ANTROPOLOGIA URBANA - CATEGORIAS ESPECÍFICAS: CIRCUITOS: Categoria que descreve o exercício de uma prática ou a oferta de determinado serviço por meio de estabelecimentos, equipamentos e espaços que não mantêm entre si uma relação de contigüidade espacial, sendo reconhecido em seu conjunto pelos usuários habituais: por exemplo, o circuito gay, o circuito dos cinemas de arte, o circuito neo-esotérico, o circuito dos salões de dança, o circuito do povode-santo etc. ETHOS JUVENIS: O termo diz respeito a redes de sociabilidade juvenil estabelecidas pela comunhão da visão de mundo, de hábitos de consumo e de lazer, de valores culturais, de estilos musicais, de crenças religiosas e/ou de ideologias políticas, cujas singularidades nem sempre são prontamente identificáveis no meio urbano das grandes cidades. MANCHA: Categoria analítica elaborada em oposição ao termo pedaço, a mancha designa uma área contígua do espaço urbano dotada de equipamentos que marcam seus limites e viabilizam – cada qual com sua especificidade, competindo ou complementando – uma atividade ou prática predominante. Aglutinada em torno de um ou mais estabelecimentos, a mancha apresenta uma implantação mais estável do que o pedaço, seja na paisagem urbana, seja no imaginário social. As atividades que oferece e as práticas que propicia são o resultado de uma multiplicidade de relações entre seus equipamentos, edificações e vias de acesso, o que garante uma maior continuidade, transformando-a, assim, em ponto de referência físico, visível e público para um número mais amplo de usuários. É importante ressaltar que o sujeito que circula em uma determinada mancha sempre sabe dos ethos que pode encontrar, mas não tem como saber exatamente quais indivíduos os estarão representando. 4
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PEDAÇO: Em linhas gerais chamamos de pedaço “o espaço intermediário entre a casa (o privado) e o público” (Magnani, 1984) ou, nas palavras de DaMatta (1979) entre entre casa e rua. Na Antropologia urbana o conceito está relacionado a um território que funciona como ponto de referência e que, no caso da vida no bairro, evoca a permanência de certos laços. Assim, o pedaço é constituído, necessariamente, por dois elementos básicos: um de ordem espacial, física (configurando um território claramente demarcado ou constituído por certos equipamentos) e outro, social, na forma de uma rede de relações que se estende sobre esse território. Dizemos que o fator determinante ao pertencimento ao pedaço seja o elemento social, pois dele é que depende o acesso e o manejo dos símbolos e códigos partilhados. Ao contrário do que acontece na mancha, a idéia de pedaço pressupõe conhecimento do ethos e dos indivíduos que o representam.
a “tribo urbana” consiste em uma coletividade com as seguintes características: comunhão de hábitos, crenças, valores culturais, estilos musicais e/ou ideologias políticas semelhantes; singularidade facilmente detectável na paisagem da metrópole; utilização de formas próprias e fechadas de comunicação verbal e gestual; apresentação de propostas alternativas à ordem social dominante e promoção de “transgressões cênicas” de variados graus.
PÓRTICOS: Trata-se de espaços, marcos e vazios na paisagem urbana que configuram passagens. Lugares que já não pertencem ao pedaço ou mancha “de lá”, mas que ainda não se situam nos “de cá”, e que por isso escapam aos sistemas de classificação do pedaço e da mancha. Na condição de “vazios fronteiriços”, é comum que os pórticos sejam ressignificados no imaginário coletivo como “terra de ninguém”, lugar do perigo, preferido por figuras liminares da paisagem urbana.
FIRTH, Raymond. Elementos de organização social. Rio de Janeiro Zahar, 1974.
TRAJETOS: O termo trajeto aplica-se a fluxos no espaço mais abrangente da cidade e no interior das manchas urbanas. Não que não se possa reconhecer sua ocorrência no bairro, mas é justamente para pensar a abertura do particularismo do pedaço, que essa categoria foi elaborada.
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Sendo assim, é a extensão e a diversidade do espaço urbano para além do locus imediato o que coloca a necessidade de deslocamentos por regiões distantes e não contíguas. Na paisagem mais ampla e diversificada da cidade, os trajetos ligam pontos e manchas, complementares ou alternativos, indo de uns a outros por meio dos pórticos.
MAGNANI, J. Guilherme, Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade. São Paulo, Brasiliense, 1984.
RUA: Para não confundir com a “materialidade da rua”, vista apenas em sua função original de espaço de circulação, dizemos que, em Antropologia urbana, o que se está estudando é a “experiência da rua”, ou seja, sua configuração como lugar e suporte de sociabilidade.
MARCONI, M. A. Antropologia: uma introdução. São Paulo: Atlas, 2001.
TRIBO URBANA: Terminologia criada fora da Antropologia, cujo emprego na pesquisa antropológica não é consensualmente aceito e recomendado pela ABA – Associação Brasileira de Antropologia. Para os antropólogos que defendem a utilização do termo,
WILLEMS. Emílio. Antropologia social. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1966.
MAGNANI, J. Guilherme & TORRES, Lilian. Na metrópole: textos de antropologia urbana. São Paulo, Edusp/Fapesp, 2000. MALINOWSKI, B. Uma teoria cientifica da cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1962. SCHADEN, Egon. Aculturação indígena. São Paulo : Pioneira/Edusp, 1969. SHAPIRO, Harry (Org.). Homem, cultura e sociedade. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1966.
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