Nº1 ano i janeiro março 1983

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N.º 1 • ANO I • JANEIRO/ MARÇ0/ 1983


{1 N.o •

ANO 1

.JAN./l'tlAH. DE 1983

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SUMÁRIO REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ADMINISTRADORES HOSPITALARES

Editorial ...

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Membro da ASSOCIAÇÃO EUROPEIA DE DIRECTORES HOSPITALARES

.. .

...

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. ..

Três reflexões sobre os Administradores Hospitalares em Portugal CORIOLANO FERREIRA . . . . . . . . . . . . . ..

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A organização hospitalar MORENO RODRIGUES

7.

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I'

DIRECÇÃO:

Administração Médica no contexto hospitalar J. M. CALDEIRA DA SILVA ... .. . . ..

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A Engenhar.ia e os Hospitais EDUARDO CAETANO .

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Do ajustamento da oferta e da procura dos cuidados hospitalares J. J. SANTOS CARDOSO e M. E UGÉNIA OLIVEIRA .. ... ... .. . .. . ... .. . ... ...

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Tesoureiro : JORGE VARANDA,

O Enfermeiro Gestor e a organização dos cuidados de enfermagem M. GILBERTA CÂMARA GOUVEIA ... .. .

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Vogal para a Imprensa : JúLIO REIS

Primeiros passos para a reorganização do actual sistema de informação no sector dos cuidados especializados de Saúde Mental J. G. SAMPAIO FARIA, ALFREDO SILVA e GABRIELA NOGUEIRA .. . .. . .. . . ..

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O ensino da Saúde Pública na Pré-Graduação . NUNO GRANDE .. . . .. .. . .. . . .. .. . . ..

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A consulta de Planeamento Familiar. Aspectos técnicos CARLOS FREIRE DE OLIVEIRA e DAVID M. REBELO ... ... ... ... ... ... .. ....

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Tomografia Assistida por Computador, TAC J. ALMEIDA PINTO . .. .. . .. . .. . .. . .. .

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Rilhafoles e a acção do Prof. Miguel Bombarda JOSÉ FERNANDO REI S DE OLIVEIRA

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Presidente : SÁ FERREIRA Vice-Presidente : MORENO RODRIGUES Secretário : JOÃO URBANO

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Vogais para a Revista : SANTOS CARDOSO (Director) LOPES MARTINS (Sub-Director)

Preço avulso : ........ .... ........ .. Quatro números (pagamento adiantado) : ..... .... ... ....... . PUBLICAÇÃO

100$00 350$00

TRIMESTRAL

O Editorial e os Artigos não assinados são da responsabilidade da Direcção da A.ssociação. Os Artigos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores, não comprometendo a Associação com os pontos de vista neles expressos. Embora merecendo a melhor atenção, a colaboração não solicitada não será devolvida, reservando-se o direito de a publicar ou não.

JORNAL

Execução gráfica de : COOPAG - Artes Gráficas, SCARL Estrada Interior da Circunvalação, 14 071 Telefone 681428 - 4100 PORTO

Tiragem : 1000 exemplares ESCOLA NA CIONAL DE ,.. • ••• ..._,.. " ·· L ,e A ----.;;T

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Sede Provisória : Rua Ferreira Borges, 125-4.º - Telefone 26119 - 3000 COIMBRJ

BIBLIOTECA


REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ADMINISTRADORES HOSPITALARES

EDITORIAL

Três reflexões sobre os Administradores Hospitalares em Portugal CORIOLANO FERREIRA •

«GESTÃO HOSPITALAR» que agora inicia a sua publicação, é a Revista da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, constituída com registo publicado no Diário da República, III Série, n.º 259, de 10/11/81, e cuja primeira Direcção foi eleita em 26 de Março de 1982. Editada, desde logo, por imperativo estatutário, vem ao encontro de uma necessidade há muito sentida pelos profissionais de administração hospitalar. A importância que assume o preenchimento desta lacuna, no quadro da actividade dos administradores hospitalares, torna inadiável a sua publicação. «GESTÃO HOSPITALAR» pretende ser um órgão de análise, divulgação e debate de toda a problemática de gestão dos serviços de saúde. Privilegfr:L.ndo naturalmente a abordagem técnica especializada do tema administração, «GESTÃO HOSPITALAR» situar-se-á na perspectiva sistémica, ~e forma a abranger os aspectos de condicionamento e 'interacção entre o hospital e os serviços de saúde envolventes. <-.GESTÃO HOSPITALAR» sendo a revista dos administradores hospitalares portugueses, deseja ser um espaço aberto à colaboração de todos os profissionais nos vários níveis .da organização dos serviços de saúde, pretendendo, deste modo, atingir uma audiência alargada e heterogénea, interessada na dinâmica hospitalar e sensibilizada para a importância dos problemas de administração na área da saúde, particularmente no (sub) sistema hospitalar. A Direcção da APAH ao lançar «GESTÃO HOSPITALAR» está consciente das dificuldades que a manutenção da sua publicação regular comporta. Apela por isso para a colaboração e empenho de todos os profissionais da saúde, sbbretudo dos administradores hospitalares, para que a revista possa ser a realidade digna e actuante que todos desejamos.

1. SOBRE

O PASSADO DOS ADMINISTRA-

DORES

A Rainha D. Leonor fez escrever no Compromisso do Hospital das Caldas, em 1512, que ali haveria um provedor, · encarregado da administração, o qual deveria ser «homem discreto e virtuoso que com muita caridade cumpra e faça cumprir este nosso Compromisso e Regimento, o qual será clérigo ou leigo, qual deles se achar mais pertencente para o dito ofício. Porém não queremos que seja frade nem comendador, nem pessoa poderosa que passe de cavaleiro para cima». Já D. Manuel I tinha estabelecido em 1504, no Regimento do Hospital de Todos os Santos, que o provedor desse notável estabelecimento devia ser «pessoa de qualidade» porque nele «carrega toda a conservação desta Caza». Tinha de ser «pessoa honrada e de bom saber e zellozo de todo o bem caridozo, e de grande recado, para em todas as couzas sobreditas prover e as saber governar e ordenar para toda a Conservação)>. E mais dizia o Rei Venturoso nesse Regimento: «Item lhe damos poder que tenha superioridade e mando sobre todos os officiais do dito Esprital, grandes e pequenos de qualquer

* Professor Catedrático da Cadeira de Administração Hospitalar. Director da Escola Nacional de Saúde Pública -Lisboa.

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sorte que sejam e todos e cada um delles cumprirão em todas as couzas que em seus offícios pertenção seus mandados». Eis · as raízes da profissão de administrador de hospitais, o perfil e as responsabilidades que o cargo lhe impõe e que a história nos traz desde há mais de quatro séculos. Claro que os tempos mudam; as leis andam ao sabor dos vários «reis» que se sucedem na história, os conceitos aperfeiçoam-se ou abastardam-se, os homens mantêm ou violam os deveres de coerência e de fidelidade aos princípios. Nem sempre os responsáveis pela administração dos hospitais usaram o título prestigiado de provedor, nem sempre foram recrutados entre pessoas de bom saber e de grande recad'1, nem sempre foi possível evitar as «pessoas poderosas» e uns e outros nem sempre tiveram o pleno sentido de responsabilidade que D. Manuel I tão claramente referiu. Mas não deixa de ser curioso e instrutivo verificar o cuidado que os Reis de Portugal punham, naqueles tempos de expansão doirada, no desenho do perfil e na definição de competências dos administradores dos seus hospitais. Equacionada a tão grande distância esta questão, tudo levaria a crer que ela estaria hoje perfeitamente estabilizada e as fórmulas achadas e consagradas ~ o que infelizmente não sucede. Debrucemo-os pois, um pouco sobre o passado da profissão. Sabe-se que o movimento de concentração física dos hospitais, veTificado a partir do final

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do Século XV, é contemporâneo da fundação das Misericórdias. Se é de 1479 a bula «Ex debito solicitudines» com a qual o Papa Sixto IV autorizou o Rei D. João II a reunir os bens de mais de quatro dezenas de pequenos hospitais existentes em Lisboa num «Único e solene hospital» - que veio a ser o de Todos os Santos - , é de 1498 o primeiro compromisso da Misericórdia de Lisboa. Quer dizer que apenas 9 anos separam estes dois documentos perfeitamente en quadrados na mesma ecologia sociopolítica. Se, como ficou dito, os hospitais eram nest'.l época geridos por administradores que, por sua vez, eram delegados directos dos Reis, operou-se algum tempo depois a progressiva transferência da administração para as Misericórdias, forma descoberta pela Coroa para se livrar das responsabilidades de financiamento que já então eram pesadas. Esta transferência não foi imediata mas progressiva e quase total com o rodar dos tempos . O País deve às Misericórdias serviços valiosíssimos neste campo, sendo de admirar e de louvar a sua indiscutível aptidão para estabelecerem e an~marem o diálogo entre hospitais e comunidades locais, entre as instituições e as populações servidas. O mesmo nem sempre se poderá dizer quanto ao acompanhamento das conquistas das ciências médicas e administrativas. Os séculos XVIII e XIX assistiram a um poderoso desenvolvimento científico. A incapacidade de algumas instituições de participarem em termos positivos nesse movimento deu lugar a que, pelos fins do século passado, tenham sido criados lugares de administradores médicos, alguns dos quais de extraordinária craveira: Costa Simões, Curry Cabral, Miguel Bombarda e, mais perto de nós, Francisco Gentil, entre outros. Daí se passou aos directores médicos de hospital, fórmula que ainda hoje se mantém. Paralelamente, e pelos mesmos motivos, as faculdq.des de medicina reivindicaram e obtiveram a administração dos hospitais de ensino, competência que perderam mas que continuam a reivindicar nos tempos presentes.

2. SOBRE O PRESENTE DOS ADMINISTRA· DORES

Os tempos presentes assistem, em todas as áreas de actividade, ao aparecimento dos a dministradores profissionais . A gestão, como fórmula científica de adequar os r ecursos aos objectivos

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das empresas, assumiu características e métodos de tal forma complexos que exclue liminarmente as improvisações e os amadorismos, ainda que generosos e bem intencionados. Os hospitais foram, no campo da saúde, os primeiros serviços a dar-se conta desta necessidade, por virtude do volume e do valor dos meios que são obrigados a investir e a movimentar. Poderemos dizer que a profissionalização dos administradores hospitalares teve entre nós os primeiros afloramentos na década de 40. O movimento surgiu timidamente nos hospitais psiquiátricos com a nomeação de «adjuntos», aos quais foi cometida a responsabilidade da gestão global dos estabelecimentos, ainda que formal e hierarquicamente dependentes dos directores médicos. Logo de seguida apareceram os primeiros administradores em hospitais centrais gerais e em alguns especializados. Até que em meados dos anos 50 deflagra a controvérsia da transferência dos novos hospitais de ensino (Lisboa e Porto) para o Ministério do Interior que, na altura, era responsável pela área da Saúde. Controvérsia extremamente viva a qual, embora resolvida na lei a favor da Saúde continua inconf ormadamente presente em muitos sectores da Educação. a época em que se confere aos administradores a primeira responsabilidade pela realização dos objectivos dos hospitais, se lhes atribue a natureza de verdadeiros órgãos responsáveis por resultados finais e até se tenta recuperar a designação de <~provedor». Esta linha de evolução culminou no Estatuto Hospitalar de 1968. Por pouco tempo. Efectivamente, logo no dia 24 do mês de Outubro de 1970, o Decreto-Lei n.º 498/ 70 e o Decreto n.º 499/70 retiram aos administradores a posição, a competência e as responsabilidades anteriores, confinando-os à condução dos serviços de apoio geral. E o curioso é que, precisamente 5 dias antes, ou seja em 19 desse mesmo mês de Outubro, tinha sido proferida a primeira lição do Curso de Administração Hospitalar que abria na Escola Nacional de Saúde Pública e de Medicina Tropical, após 12 anos de tentativas frustradas e de diligências desgastantes. Os administradores hospitalares tiveram nos tempos incertos que se seguiram a Abril de 1974 um papel estabilizador que ainda não foi suficientemente estudado. A legislação de 1977, não podendo ou não querendo voltar à fórmula de Estatuto, manteve as linhas gerais da legislação de 1970, embora com modificações pontuais É

importantes. Mas já se anunciam novos esquemas nos quais, a serem concretizados, se retomará a figura de um primeiro responsável, só que agora escolhido fora do próprio hospital.

3. SOBRE O FUTURO DOS ADMINISTRADO-

RES

para mim motivo de muita admiração a estranha apetência que a administração dos hospitais desperta nas mais variadas instituições e personalidades. Desde as Misericórdias às faculdades de Medicina, das fundações às câmaras municipais, das instituições de previdência às associações mutualistas, dos médicos aos políticos, todos desejam administrar hospitais e todos se consideram capazes de o fazer. É

Acontece, no entanto, que os hospitais são entidades extremamente complexas, das mais complexas dos tempos de hoje, pelo que, do meu ponto de vista, à amadorismo, qualquer que seja o seu funda·m ento, faz correr riscos graves, de grande montante económico e de incalculáveis afrontamentos humanos. Por certo que estes riscos podem também verificar-se em administradores de carreira. Só que, nesse caso, há um estatuto e uma responsabilidade profissional. O administrador de hospitais terá de preencher ou mover-se num quadro com as seguintes componentes: tem de preparar-se idoneamente para a função e ser competente; deve fazer dessa função a sua actividade exclusiva; tem de dispor de um estatuto claro, garantia da sua independência profissional e estar inserido numa carreira, com graus acessíveis apenas por critérios de mérito; deve conhecer e respeitar na sua actuação as normas éticas próprias da profissão. Quando os órgãos ou os agentes públicos se revelam incapazes ou quando os sistemas funcionam deficientemente, há que procurar os defeitos ou erros nos métodos, antes de substituir as estruturas. E nunca por nunca ser, duplicar estruturas só porque uma delas parece inadequada ou se comporta mal. Os hospitais encontram-se numa viragem que pode dar origem ao que já se chama a «terceira geração». Inicialmente, os hospitais eram a casa dos que não tinham casa, o lugar de assistência médica pouco diferenciada, ao nível dos conhecimentos científicos de épocas recuadas;

depois rechearam-se de equipamento perfeito e caro, criaram complexas organizações, estabeleceram carreiras e instalaram métodos extremamente evoluídos, abrindo-se então a toda a comunidade já que ninguém os podia dispensar ou substituir. Agora, pede-se-lhes que se adaptem a funções de promoção da saúde e de prevenção da doença, comprometendo-se no sistema dos cuidados primários de saúde que, digam o que disserem, dificilmente vingará à sua revelia. Por outro lado, vivemos a retomada das ideias descentralizadoras, pondo todas as esperanças na regionalização, muitas vezes sem saber bem o que isso é. Ora, foi na organização hospitalar que, em 1946 (Lei Hospitalar) e depois em 1959 (Comissões Inter-Hospitalares), as fórmulas regionalizantes surgiram no campo da saúde, mais tarde abandonadas e agora recuperadas em termos discutíveis. O administrador tem de estar atento a toda esta evolução, para a acompanhar e para desempenhar adequadamente as funções a que, com lei ou sem lei, será inevitavelmente chamado. Tem de se preparar profissionalmente para intervir nestas mudanças, com a certeza de que, até agora, não surgiu ainda outro tipo de agente que, a título permanente e continuado, possa ocupar o espaço em que germinam as v1soe5 globais e se desenham os projectos integrados e intersectoriais. Já foi dito que o administrador representa · no hospital a comunidade. É o vigilante dos interesses comuns. Deve ser o responsável pela boa utilização dos recursos que a comunidade faculta. É ele que tem condições para planear à distância, controlar a execução, reformular objectivos. Tudo isto sem que interesses pessoais ou de classe estejam envolvidos. Ao pensar no que deixo escrito, ao reflectir no que é permanente, sem me deixar impressionar por aquilo que é conjuntural, radica-se-me a convicção de que o futuro vai impor aos administra dores hospitalares mais responsabilidades e mais exigências. Mais capacidade de compreender e conduzir o processo de actualização constante que a história gera cada vez com maior celeridade. Mas a sua parte nesse processo será insubstituível. Há poucos dias reli umas «meditações sobre o administrador hospitalar» que há mais de 20 anos escrevi para a revista «Hospitais Portugueses», então forte e pujante. Uma dessas meditações dizia assim:

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«Administrador - és bem o mastro real do hospital a que pertences. Cravado a meia nau, sozinho, firme, com o tronco a nascer do porão escuro e o tope a roçar as nuvens. A ti cabe receber no dorso curvado todos os ventos (de feição, contrários ou mesm) tempestuosos) e a todos transformar em movimento certo que logo comunicas a toda a embarcação.» O conceito é um pouco empolado, ao gosto da época. Mas, tirando a invocação marítima, há ou não muito de verdade no cerne desta meditação? A resposta é vossa, administradores.

RESUMO

O passado e o presente da profissão de administrador de hospitais em Portugal são 'a nalisados,

reflectindo sobre os factos históricos que se verificaram ao longo dos séculos da nacionalidade. Prevê-se que o futuro vai impor-lhes, em tempos não muito distantes, novas exigências e nov·a s responsabilidades, na medida em que é insubstituível a sua participação no processo evolutivo dos serviços de saúde.

SUMMARY

A organização hospitalar

Past and present of hospital administrator's job in Portugal, are considered by the author following a carefully analysis of Portuguese history across centuries. New responsabilities and skills are forseen in the near future for the hospital ·a dministrators due to their participation accordiing to the evolution of the health services.

MORENO RODRIGUES *

- «A todos os que comigo trabalham no Hospital Distrital de Aveiro, e, em especial. à Mesa Administrativa que com armas do passado tem combatido pelo futuro da saúde e da assistência».

- O presente diploma procura «uma linha de distinção rigorosa entre o exercício das competências de gestão e direcção, por forma a superar os inconvenientes que muitas vezes resultavam da indefinição an-

terior, geradora da irresponsabilidade». RUI ARAÚJO - 1973 - Dedicatória do estudo Administração dos Hospitais Distritais, apresentado na E.N.S.P.

-

«A constatação da situação hospitalar por-

tuguesa ... em que uma sensação de baixo controlo e produtividade são patentes ... conduziu, por parte deste Ministério, à análise das vias possíveis de transformação do sector «e ao» objectivo concreto de propor um plano de trabalho a três anos que possibilite uma profunda alteração da presente situação».

Ministro dos Assuntos Sociais, despacho de 25-3-81, Diário da República, II Série, n.º 89, de 16-4-81.

* Administrador Geral do Hospital Geral de Santo António- Porto.

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Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 129/77, de 2 de Abril - Diário da República, I Série, n.º 78.

- Da IMPRENSA DIÁRIA:

Não transcrevemos nada. Acreditamos que todos abrem um Jornal uma vez por semana.

D

O Rui Araújo lamentou que a administração dos Hospitais Distritais - armas do passado fosse inadequada para o futuro da saúde - o presente era mau! - O Ministro confessa uma sensação de baixo controle e produtividade e afirma a necessidade prioritária de uma pro-

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funda alteração em estabelecimentos do seu Ministério. A Lei afirma em 1977 que na gestão e direcção há indefinição de competências e que dela deriva irresponsabilidade. Todos os dias a Imprensa veicula acusações de necessidades não satisfeitas, de atropelos sofridos pelos Utentes dos serviços de saúde e pergunta - implícita ou explicitamente - quem é responsável, isto é, põe em cheque os órgãos e a organização dos hospitais e da Saúde. Mas, se boa árvore é a que dá bons frutos, a administração dos hospitais é boa. O curso de administração hospitalar da E.N.S.P. é considerado dos melhores da Europa. Foi de lá que viemos. Os administradores estão nos Conselhos de Gerência e sã.o eles próprios órgão de gestão. Se sao bons, por que é má a administração? Até 1971 em todos os hospitais a organização atribuía a primeira responsabilidade - e portanto, o predomínio - a órgãos individuais e, geralmente, não médicos. O funcionamento dos hospitais era mau, portanto era má a organização. Em 1973 - Trabalho citado - o Rui Araújo recomendava que se reconsiderasse «a composiÇão e a competência dos órgãos de administração dos hospitais em geral, de molde ao seu funcionamento se verificar em termos racionais e democráticos», certamente porque lhe não agradava a situação que existia. Em 1975 o Estado assumiu a primeira responsabilidade pelos Hospitais, através da sua oficialização. Desde 1971 que a primeira responsabilidade pelos Hospitais está atribuída a órgãos colegiais com predomínio técnico e presididos por médico·' em todos os hospitais trabalham administradores diplomados, responsáveis pelo apoio em «Know how» dos órgãos a que pertencem; a legislação de 1977 democratizou a gestão dos hospitais contribuindo para dar aceitação às decisões dos órgãos eleitos. E ó funcionamento dos hospitais e, portanto, a sua organização, continuam maus e assim é que nova reforma está já anunciada para concretização a breve prazo.

.

Em que pontos deverá actuar-se por forma a superar a legítima insatisfação que os hospitais provocam nos utentes e nos seus responsáveis aos diversos níveis? Que prejuízo poderá fazer-se sobre a organização do hospital? Detenhamo-nos nestas questões , já que é flagrante a sua importância e actualidade. Já em 1982 o Institute of Health Service Administrators editou um volume sobre a organização e administração dos Serviços de Saúde no Reino Unido. Sobre este problema da situação da responsabilidade - e, obviamente, para o contexto britânico que não é de serviços autónomos afirma-se a pág. 470:

«Em principio, espera-se que os Ministros da Saúde e os seus Departamentos tenham conhecimento e influência detalhada sobre o Serv. Nac. de Saúde. Na prática, contudo, isso não é possível nem desejável e a responsabilidade ministerial pormenorizada pelo S.N.S. é, largamente, uma ficção constitucional».

Isto é, também no Reino Unido se reconhece que a responsabilidade, ou gestão, do Hospital tem de situar-se no hospital. E isto porque continuo a citar - :

<<As duas principais funções do Governo são dar directivas gerais e orientação de política ao S.N.S .. Cada vez que o Governo dá orientação de política que envolve consequências financeiras deve atribuir os recursos necessários para seguir essa orientação. Do mesmo modo, se o Governo sente que podem fazer-se economias, deve deixar claro em que espera que se traduzam as poupanças. Fazer menos do que isto é levantar expectativas nos utentes a que os serviços são incapazes de corresponder». (Ibidem, pág. 470).

Quais serão as razões pelas quais os hospitais funcionam tão teimosamente mal? Haverá razões condicionantes pelas quais os hospitais tenham que funcionar mal?

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Em Portugal tem algum curso um ditado que dizia: encomenda sem dinheiro é descanso do meu burro. Nós dizemos:

Os hospitais portugueses têm de funcionar mal porque ninguém responde por eles. Não responde o Governo:

- porque a gestão do hospital só é possível dentro do hospital; - porque faz encomendas que não paga; - porque interfere onde não deve, minando e desacreditando a autoridade de quem deve actuar.

tos e do pessoal hospitalar - ele próprio o mais pesado dos investimentos - são presente que temos certo como futuro? Poderá não ser assim. Não o será se se actuar de f arma adequada, o que passa indispensavelmente por duas etapas:

l.º - Remover os pressupostos que determinam o mau funcionamento, criando novo enquadramento no qual os hospitais possam funcionar bem. 2.º - Exigir que os hospitais funcionem bem.

Definir responsáveis pelos hospitais e exigir-lhes a sua responsabilidade. Não respondem os órgãos de gestão do Hospital:

- porque os poderes que a lei lhes confere, estão anulados na prática; - porque, não dispondo de um financiamento que garanta a dos recursos às necessidades, ordenar os meios exigidos pelos

sistema de adequação não podem programas;

- porque, nesse contexto, sendo inconsistentes as acções ou programas que desencadeiem, não têm credibilidade, nem poder de mobilização para os .objectivos, nem autoridade para fazer a responsabilização a dentro do Hospital.

Assim sendo, os hospitais portugueses funcionam como funcionam. Bastante bem, a meu ver. Os investimentos que neles se façam, sem prévia definição clara deste contexto - sem criação de pressupostos - estão antecipada e necessariamente condenados à produção de resultados diminuídos. Todos os Jmzos negativos, vindos donde vierem, sobre o modo insatisfa tório de funcionamento do hospital são correctos mas são ilegítimos: não pode esperar-se outra coisa, porque nos jogos de azar a hipótese favorável não acontece sempre, por definição necessária. Havemos então de concluir que o mau funcionamento dos hospitais portugueses é fatalidade insuperável? A má qualidade do atendimento e dos cuidados, a subprodutividade dos investimen-

O que significa criar novo enquadramento no qual os hospitais possam funcionar bem? Pouco mais do que o seguinte - se é que há mais - : - Reconhecer a autonomia do hospital, isto é: que a Lei define o Hospital, o Governo emite directivas gerais e orientações de política, avalia e controla os resultados, substitui os gestores que não revelem competência mas não gere: deixa aos hospitais os poderes necessários para escolher as acções e os meios mais adequados à produção dos resultados. Alternativa é a proclamação da irresponsabilidade dos gestores e do hospital; -Aceitar que não é possível viver em ficção permanente. As hipóteses só produzem resultados quando se verificam; na inversa, produzem frustrações. É preciso ser capaz de suprimir programas quando não houver meios para os financiar e não entrar na ficção de que existem os meios para manter os programas. Dito de outro modo: os hospitais só podem ser responsabilizados pelos meios que lhes são dados. E o que deve entender-se por exigir aos responsáveis pelo hospital a sua responsabilidade? O que é gerir o Hospital?

Gerir o Hospital significa: - Interpretar e adequar ao hospital os objectivos fixados com a sua participação; - Sectorizar esses objectivos por forma que, dentro do hospital, fique claro o que compete a cada um dos seus serviços;

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- Fixar os prazos em que os resultados qualificados e quantificados deyem ser atingidos; - Assegurar, compatibilizar e repartir os meios adequados aos objectivos distribuídos; - Definir as regras da utilização dos meios dis tribuídos; - Motivar e dinamizar com vista aos resultados prosseguidos; - Avaliar os resultados e introduzir ou provocar as correcções necessárias para os manter ou melhorar.

Resumindo, podemos dizer que administrar o hospital é ser responsável por aquilo que o hospital faz ou produz. Isto é, quem responde pelo hospital gere o hospital, porque gerir o hospital é responder pelo seu funcionamento. No desenvolvimento destas actividades, nas quais se desdobra a responsabilidade própria dos órgãos de gestão, alguns princípios ou atitudes assumem particular importância. Por isso realçamos os seguintes:

- Não é pelas instalações e pelo equipamento que os hospitais funcionam mal. Estes são factores importantes e podem impor algumas limitações, mas é o pessoal hospitalar que é decisivo para o bom funcionamento. Por isso: - A primeira prioridade de actuação da ges· tão deve incidir no pessoal hospitalar. Da complexidade do hospital e das múltiplas colaborações que exige deriva que a sua gestão só é possível com uma definição clara dos centrôs de responsabilidade intermédia, abrindo largo campo à participação e ao empenhamento nos objectivos. A compreensão que em toda a actividade hospitalar há uma dimensão de gestão deve ser prosseguida sem desfalecimentos por actuação adequada visando todos os grupos profissionais;

informação adequada, fiável e periódica circule no sistema e o verifique;

Os diplomas que criam órgãos e estabelecem princípios têm, inevitavelmente, natureza programática: aquilo que determinam não entra em vigor porque ocorreu uma data do calendário, mas tão somente quando determinado programa se realizou. Significa isto que a «décaiqge entre o previst~ em lei e o praticado na realidade» é um facto cuja extirpação exige tempo: o tempo necessário para que as novas soluções e princípios acolhidos na lei sejam implementados e os seus resultados submetidos ao teste da avaliação.

com a necessidade de garantir a competência dos eleitos deverá ser prosseguida pela exigência de requisitos de elegibilidade suficientemente indicadores da competência exigível.

Resta abordar uma última questão que ganha oportunidade perante o projecto do Ministério de, mais uma vez, alienar os órgãos dos hospitais, a sua constituição e a distribuição de compe1 tências.

Em Junho de 1981 afirmou-se no Vimieiro, em Encontro para a Melhoria da Gestão Hospitalar, que entre nós «há excesso de legislação e de acento tónico na criação e extinção de serviços e dá-se pouca importância à metodologia, à investigação, às ligações, circuitos e trabalho conjunto, à promoção de encontros dentre o pessoal».

Não tendo sido divulgados os textos e não tendo sobre as suas soluções informação precisa, não é possível opinar sobre a adequação e justeza das soluções que, em concreto, .o Ministério preparou para pôr em vigor, e muito menos sobre o equilíbrio de distribuição de poderes que nelas se faz. As considerações seguintes - que, sendo pessoais, estão em consonância com a posição da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares e da sua Direcção - afirmam-se pela positiva e não em referência às soluções previstas num texto que não conhecemos.

Parece-nos, pois, que a revisão que se anuncia do Regulamento dos órgãos de Gestão e Direcção dos Hospitais não poderá ainda apoiar-se nos resultados de uma experimentação suficiente da legislação que vai ser revista e, nessa medida, poderá contribuir para criar a convicção de que o mal está nos órgãos. Ora, a convicção que temos é a de que, na grande maioria dos casos, a qualidade da organização deriva da qualidade das pessoas que a servem e de que não há organização satisfatória se for servida por pessoas de qualidade deficiente.

última consideração que pretendemos expôr diz respeito ao administrador do Hospital. Como é sabido ele é o único órgão individual de gestão, tendo funções que são predominantemente de execução. É nossa opinião que essa competência executiva deve ser alargada em termos de o transformar, nesta área, no órgão de competência residual, libertando assim o órgão colegial para a decisão dos assuntos de maior importância. Entendemos, porém, que o estatuto de subordinação do administrador ao órgão colegial deve ser mantido sob pena de se transformar este em mero órgão consultivo e desresponsabilizado.

- A aceitação do estatuto de gestor ou de qualquer outro cargo particularmente envolvido na produção de resultados deve implicar - uma vez que tenham sido criados os pressupostos necessários para uma actuação eficiente - a aceitação do afastamento natural de quem, objectivamente, se não tiver revelado capaz. O julgamento pelos resultados, em confronto com os meios disponíveis, é o que define as responsabilidades de gestão e direcção.

Também nos parece inevitável que a insatisfação pelo funcionamento dos hospitais sobreviva enquanto se mantiverem os pressupostos que determinam que os hospitais funcionem mal. Por isso nos parece muito mais importante intervir eficazmente no sentido de alterar em sentido favorável esses pressupostos do funcionamento do Hospital. Se tal não acontecer a revisão orgânica limitar-se-á a criar bodes expiatórios que, num tempo subsequente, serão acusados pelas deficiências do hospital.

A organização dos hospitais consta, actualmente, da legislação de 1977. É indiscutível que proceder à sua revisão é responsabilidade do Governo. Não seria um administrador . hospitalar, exercendo funções que se caracterizam pela integração do hospital, que viria defender aqui uma posição corporativa. O que pode questionar-se é a oportunidade da revisão. Em 1973 - trabalho citado - o Rui Araújo concluía: 1

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- A criação de nova mentalidade e comprometimento nos objectivos do hospital é responsabilidade a exigir aos gestores. Este objectivo exige transparência, consistência das decisões, força lógica das acções ou adequação dos meios decididos para produzir os resultados visados. Exige também, de forma imprescindível, que

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«Importa e urge exercer controle rigoroso a nível superior sobre a actividade dos órgãos de administração dos hospitais em geral, de molde a evitar a «décalage». entre o previsto em lei e o praticado na realidade».

Pensamos efectivamente que é importante que, no Hospital, o predomínio seja atribuído a órgãos colegiais cujos membros provenham dos vários grupos profissionais, não em sua representação, mas em vista de integrar as decisões mais importantes com a pluralidade de contributos que a formação específica de cada um pode assegurar. A conciliação das vantagens de aceitação decorrentes da designação por eleição

No que se refere à representação instituicionalizada da Comunidade na gestão do Hospi~ tal parece-nos possível e conveniente num órgão com competência de recomendação ou proposta mas não parece admissível em qualquer órgão cujas decisões exigam competência específica ou com funções executivas.

RESUMO

O p r esente texto constitui a comunicação apresentada pelo autor na qualidade de Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares nas I Jornadas de Saúde de Aveiro, em Outubr o de 1982. Essas Jornadas partiram de iniciativa do Administrador Hospitalar e sócio da APAH, Rui Araújo, que entretanto faleceu. A sua r ealização constituiu, por isso, uma homenagem póstuma ao Colega que permanecerá na memória de todos os administradores hospitalares portugueses. O autor sintetiza ra s posições que a própria APAH vem assumindo na defesa das es.t r uturas que considera indispensáveis na gestão dos hospitais portugueses, resumindo a sua evolução desde a década de 70 até ao presente, defendendo que a responsabilidade, ou gestão, do hospital tem de situar -se no próprio hospital. Com esse objectivo p r econiza que ao Governo deve competir u nicamente a fixação de directivas gerais orientadadoras de políticas, avaliando e controlando os resultados, deixando aos hospitais os poderes necessários para escolher as acções e os meios mais adequados à produção de resu ltados.

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Por ú ltim o defende o princ1p10 da colegialidade da gestão de form·a a integrar as decisões mais importantes, sem prejuízo do alargamento da competência executiva que deve competir ao administ r ador do hospital.

That symposium was aslo a la te tribute p aid to the Colleague, who will always remain in ever y Portuguese Administrator s' mind. The author summarizes the p rinciples also dSSU· m ed by the P .H.A.A. itself concerning the necessary structures to manage a hospital, analysing their evolution in the seventies, till the present time.

SUMMARY

He argues that responsability or management of hospital must lay within the hospital itself.

This is the paper work pr esented b y the author at the Fir st Health Symposium in Aveiro last October 82, as the Vice-Chairman of the Portuguese Health Adminis trator Association.

With this objective in mind, the author considers that government should only give general policy guidelines, assessing and controling results. Hospitais should have the necessary power to choose the activities and the most suitable means to obtain results. At last, the author defends the sharing management to integrate the most important decisions no domage to the executive competence, which belongs to the hospital administrator.

That symposium had been Rui Ar aújo's initiative. He was an Hospital Administrator and memb~r of the Portuguese Administrator Association, who passed away meanwhile.

Administração Médica no contexto hospitalar 1

J. M. CALDEIRA DA SILVA*

t

A questão que se poderia levantar, para

iniciar o tratamento deste tema, consistiria em perguntar que tipo de participação e em que grau, devem ter os médicos de um serviço, na sua organização. e gestão, de modo a provocar uma melhor eficiência do trabalho médico? A partir desta, a segunda questão limitar -se-ia a interrogar se existe, então, um envolvimento dos médicos nos p roblemas de administração dos serviços e das unidades hospitalares. A resposta será afirmativa . Existe, de facto, um envolvimento dos médicos na área da gestão de serviços hospitalares ou outros. Mas, que se entende por a dministração médica? Trata-se, em nosso entender, da contribuição dada por médicos, enquanto no desempenho das suas funções específicas, na gestão de serviços prestadores de cuidados médicos ... Há, por isso, três componentes, que caracterizam a administração médica: a) respeitar a serviços médicos ; b) ser realizada por médicos; c) o médico manter -se no exercício específico da sua profissão. A gestão de serviços de cuidados médicos realizada por não médicos não é administração médica. O envolvimento do médico em administração deverá ter como objectivo obter uma melhor efi-

* Assessor da Direcção-Geral dos Hospitais. Professor Auxiliar da Escola Nacional de Saúde Pública. Vice-Presidente da Feder ação lntern·a cional dos Hospitais.

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cácia e eficiência dos serviços face ao doente. Melhor ar a qualidade e a eficácia dos cuidados a prestar ao doente, no contexto de recursos limitados, constitui o verdadeiro móbil da chamada de médicos, como tais, a assuntos de gestão. Trata-se de um tema um tanto árido, no exacto s entidÓ da expressão, já que não se identifica um profundo e largo conteúdo e é igualmente débil o manancial de literatura diversificada sobre o assunto. Dur ante anos o tema limitou-se à velha quer ela, que opunha os defensores da tese «funções de director/ administrador de um hospital obrigatoriamente par a um médico», àqueles que consideravam que aquelas funções não exigem que seja médico, havendo, mesmo, vantagens em que não se seja. Entretanto, muitos países usam, ainda, a figura impr escindível e indiscutível do superintendente médico, como elemento no topo da responsabilidade directiva e administrativa do hospital. Comparativamente com o que se passa no sector da enfermagem, nota-se, neste, uma participação muito maior das enfermeiras em administração. Interesses das enfermeiras em matéria dos profissionais de enfermagem, de .organização dos serviços de saúde e sua administração podem ser mais facilmente identificados, desde longa data. Desde Florence Nightingale - que associa à enfermagem os aspectos organizativos e de governo da enfermaria e do hospital - as enfermeiras têm mostrado sempre maior vocação para aderirem e participarem nestas actividades e funções.

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Por vezes, isso acarreta-lhes o abandono do exercício profissional de enfermagem e de prestação de cuidados, outras vezes acumulam os dois exercícios. Programas de formação, cursos e mesmo escolas, são dirigidos integralmente para o ensino e treino de administração para enfermeiras. O tema que nos prende aqui é fundamentalmente o da administração médica no hospital e a ele nos cingiremos. É que, para além deste, existe o vasto campo da administração médica na comunidade, entendida no seu sentido lato e afastando-se da ideia de gestão. A saúde pública e a medicina comunitária envolvem fartes componentes de administração, que vão desde o planeamento até à avaliação de serviços. Esta forma de administração médica exige, basicamente, em termos de qualificações, forte formação em epidemiologia, bioestatística, técnicas de planeamento de saúde e técnicas de avaliação de serviços. É a saúde e são os cuidados de saúde que os médicos - e exclusivamente os médicos administram, a nível de concelho, de distrito ou de região. Os delegados e sub-delegados de saúde, os directores de saúde são consideraos administradores de serviços de saúde. No exercício destas funções domina o carácter fortíssimo da estrutura hierárquica, particularmente no que respeita ao processo de tomada de decisão. Entretanto, duas correntes disputam a caracterização dos chamados «administradores de saúde», expressão de conteúdo tão lato que daria para aí incluir uma enorme variedade de profissionais de saúde. É que, enquanto uma das correntes exige que os administradores de saúde sejam médicos, a outra não o faz, fundamentando, antes, a caracterização, nos atributos e qualificação do profissional. Trata-se de uma qu~stão que se mantém em aberto. Como, ainda em aberto, continua a questão da relutância demonstrada pela 0.M.S., durante muitos anos e presentemente em modificação, em aceitar nos seus programas técnicas modernas de gestão e gestores devida e expressamente preparados para essas funções, colocando o acento tónico em licenciados em Medicina. Concentremo-rios, então, na administração médica no contexto hospitalar. Deve-se começar por reconhecer que o que ·atrai fortemente os médicos para o exerdcio da Medicina é a relação directa e pessoal com o doente e o usufruto da liberdade ou autonomia

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clínica, que lhes dá um gosto de independência pessoal e profissional. Na medicina organizada e na época das restrições, a ideia de liberdade clínica mantém-se, mas deverá pôr-se de outro modo, isto é, mais no sentido de decidir o que é melhor para o doente usando apenas os limitados meios que haja disponíveis. Outra constatação a fazer de princípio, consiste em reconhecer que, de uma maneira geral, os médicos comportam-se como individualistas e encaram o colectivismo, as grandes organizações e os interesses diluídos, com cinismo e cepticismo. O enorme desenvolvimento da ciência médica e a progressiva complexidade da equipa de saúde não têm sido acompanhados por um desenvolvimento corespondente do interesse e qualificação dos médicos em administração. No nosso país o panorama agrava-se pela manutenção, nas Faculdades, dos curricula de graduação médica desactualizados, voltados essencialmente para o médico hospitalar, ignorando quaisquer matérias de organização e administração, esquecendo que o futuro médico é um profissional que irá, forçosamente, ser enquadrado numa estrutura e ser parte de um sistema onde há recursos, os mais diversos, a gerir. Para o médico, em muitos casos, administração, significa «O processo de obter as coisas feitas». Mas, a inversa também é verdadeira e ' muitos dirão que a «administração é o processo que impede, adia ou atrasa que as coisas sejam feitas». Quando os administradores eram poucos e a estrutura administrativa fraca e ténue, a influência clínica era muito elevada na tomada de decisão; esta influência diminuiu com o desenvolvimento da estrutura de gestão, não ·se podendo afirmar, no entanto, que estejamos em presença de uma pura relação de causa a efeito. Nos tempos em que a famosa liberdade clínica era pura e simplesmente invocada para obter uma decisão do responsável pela obtenção dos recursos, a questão punha-se entre dois profissionais investidos com autoridade em áreas diferentes e, de uma maneira geral, a resolução era favorável e imediata, admitindo que existiam disponíveis os meios indispensáveis à execucão do pretendido. Será, então, a gestão, uma inimiga do médico? De modo algum. Como em tudo, somente uma gestão indevida ou menos qualificada será inimiga do médico, do seu exercício profissional e da satisfação dos doentes.

Nestes casos, onde pode abundar a confusa, menos lógica e abundantemente complexa e menos significativa burocracia, o médico, então, retrai-se e confina-se à segurança familiar da prática clínica. Perde a confiança no sistema e na sua capacidade de o influenciar, devido ao obstáculo burocrático, a que, por princípio e formação, é avesso. A gestão médica, pode tender para aparecer muito distante - e até dissonante - da gestão global do hospital e pensar-se que a prática clínica tem pouco ou nada a ver com esta e que os actos clínicos estão isentos de qualquer componente administrativa. ~ ~erdade é que, praticamente, toda e qualquer decisão clínica ou acto médico interfere na gestão corrente do hospital. Os médicos não podem, por isso, ficar silenciosos, sentados nas bancadas dos espectadores e deixar, pura e simplesmente, que outros profissionais, sem o seu concurso, tomem as decisões que afectam as suas actividades clínicas. Têm que proteger os interesses da sua prática médica. Trata-se, assim, muitas vezes, de uma manobra defensiva. Por outro lado, os médicos, depois de saberem que a sua contribuição é importante em termos de administração, devem saber quais são os resultados a esperar. Porquê, quando e como, são interrogações pertinentes para um completo envolvimento lúcido e qualificado. Como se lê num documento editado pela Universidade de Birmingham - Management for Clinicians - «existe actualmente crescente reconhecimento por muitos médicos de que se (eles) são chamados a participar, devem compreender o sistema e a estrutura organizacional e as contribuições específicas e as qualificações que outros, incluindo administradores, podem trazer para a organização e planeamento do serviço. Todos os médicos necessitam de entender porquê a sua contribuição é tão importante e qual a contribuição que lhes é solicitada». Tal como o Dr. David Grimes afirma «não há que fugir; management é para benefício, portanto, é da nossa responsabilidade». O médico não pode, pois, alhear-se da administrarÇão. Mas a administração do hospital deve actuar de modo a tornar claro e consciente junto dos médicos que os seus actos - os actos principais e razão de ser da instituição - ainda que praticados individualmente, têm uma alta repercussão e influência noutras áreas e noutros profissionais. Já que assim é, os médicos devem ser chamados

a corresponsabilizarem-se, de forma apropriada, na administração geral do hospital. Há que compatibilizar o interesse clínico de carácter individual, incidindo sobre um doente e o interesse de toda a organização e da administração geral, ela própria motivada por toda uma gama de problemas, de uma maneira holística e não só pelas questões e interesses médicos. Não deixa de ser verdade, entretanto, que uma das principais preocupações de uma organização hospitalar é facilitar a actividade médica. Em face da verdade incontestável de que os recursos são limitados e, muitas vezes, insuficientes, é desejável e correcto que o clínico seja chamado às actividades de planeamento e às de gestão desses recursos, sendo indispensável uma consciencialização (e corresponsabilização) de que cada decisão· clínica tem repercussões sobre os recursos. O uso devido, pelos clínicos, dos limitados recursos hospitalares postos à disposição de toda a estrutura hospitalar, constitui a componente essencial da administração médica. Os médicos devem, então, reconhecer a importância e as vantagens das componentes da gestão e da administração global e devem preparar-se para darem um contributo qualificado, dentro desta perspectiva. A prescrição, que vai de um simples medicamento até uma admissão hospitalar para cirurgia complexa, constitui um atributo médico e, em conjunto com a referida liberdade clínica, representa uma atitude em conflito com o estado de limitação e mesmo escassês de recursos. inegável o muito citado dilema de que o pedido de provisão de serviços e cuidados mé· dicos é infinito enquanto se mantém finita aquela mesma provisão. É

Em época de restrição de recursos e limitações, à atitude de prescrever mais deve contrapor-se a de prescrever diferente e será salutar reflectir se o que se tem estado a fazer é certo. A aplicação de critérios de prioridade e a aplicação de racionamento de cuidados a prestar, são métodos realistas que não podem então ser ignorados. O médico terá que utilizar todos os recursos tendo em atenção o princípio da eficácia - o mais importante para o doei;ite - mas também o da eficiência, vital para o sistema. Aos recursos clássicos a bem gerir - organizacionais, pessoais e materiais - deverá juntar o recurso tempo. Tempo representa, actualmente,

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um dos mais preciosos recursos e há que considerar a correcta gestão do tempo próprio e o dos outros. Em termos de administração, a liberdade no exercício clínico, de que o médico goza mesmo dentro do hospital, a liberdade de prescrever as etapas para um diagnóstico ou o tratamento a seguir, contraria ou contrapõe-se ao sentido global de gestão e de controlo de gestão. Já se referiu que o direito de tomar decisões clínicas (com repercussões não clínicas) com total independência é invocado pela profissão médica, ciosamente guardado e defendido e está radicado na essência do exercício profissional. O próprio doente, na sua relação com o médico, exige essa garantia, que consiste na relação de natureza pessoal e confidencial e que é assumida pelo médico, com carácter pessoal, responsabilizado, então, pelas acções que se seguem, serviços e cuidados a prestar. Em termos institucionais, o exercício desta liberdade e independência, levaria à anarquia se não fosse condicionada automaticamente pelo sentido daquilo que é devido e pelo respeito pelos outros direitos e pelos outros serviços. A independência clínica não é um mero acaso, ou uma impertinência cega de profissionais. Não se aplica porque se é simplesmente diplomado em Medicina. É sim um atributo indispensável, já que é central e capital que exista uma responsabilidade pessoal e final pelos cuidados prestados aos doentes, como indivíduos. Nas especialidades laboratoriais e outras a responsabilidade final e individual por cada doente é, de certa maneira, transferida, funcionando estes serviços, em termos de gestão, como serviços intermediários ou de «agência». Como pode a administração central interferir na liberdade clínica, então? As decisões devem resultar de compreensão, acordo, racionalização de processos, partilha de bens e recursos limitados e de harmonização de interesses, tendo uma base de consulta médica e não da invocação do poder ou da autoridade institucionalizada. O processo é mais complicado, ainda, porque, de uma maneira geral, as decisões médicas e o exercício clínico em liberdade, envolvem outros profissionais que, em equipa, suportam a actividade clínica. Sabe-se como mudanças no desenvolvimento do exercício médico determinam mudanças na prática de enfermagem e vice-versa. O envolvimento de outros profissionais que decorre de decisões e de acções médicas levanta

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o problema da chamada primazia (ou chefia de equipa). Sempre que se trabalha em equipa, onde um certo número de profissionais de disciplinas variadas trabalham numa certa área comum de interesse, a uma dessas disciplinas ou profissões caberá a primazia e, portanto, capacidade de decidir com responsabilidade inerente. O que for responsável pela orientação de novos casos para a área, será o que deterá a primazia. Na área da saúde/doença, a responsabilidade, normalmente, assenta no médico que determina ou prescreve a orientação que vai envolver os outros profissionais, ou, quando não o faz, pelo menos coordena as acções dos outros profissionais. Também se pode verificar a primazia de uma especialidade em relação às outras, quando estas participam secundariamente para os fins primeiros determinados pela especialidade primaz. O princípio da primazia de uma disciplina ou de uma especialidade, numa época de subespecializações, aparece como uma defesa e protecção dos interesses do doente, como um todo, factor que é comummente evocado. O concertar de actuações desenvolvidas por motivações diferentes, mas visando, no termo da cadeia, os melhores cuidados para o doente, obtem-se pela atitude de administração. De facto, o hospital, representa um sistema demasiado complicado para ser gerido por impulsos, justificações e objectivos parcelares num contexto de independência clínica e utilizando apenas o instrumento organizacional da hierarquia. O hospital exige verdadeira gestão ou «management».

No hospital - diferentemente do que se passa na clínica geral comunitária-à relação personalizada entre o médico e doente, que se constata sempre no acto médico, adiciona-se o carácter institucional do estabelecimento, o interesse geral, o envolvimento de disciplinas afins, de profissões diversas, de recursos comuns e limitados, através de uma organização complexa, o que obriga ao uso de administração, com todas as suas implicações e conteúdo técnico qualificado. Princípio fundamental em administração médica consiste em manter o médico como tal, no exercício específico da sua profissão e actuando como tal, participando ou colaborando de maneira apropriada na gestão do hospital e dos serviços._ «Um profissional médico comprometido em admi-· \ nistração geral, estaria a actuar numa completa capacidade de não médico».

Em gestão médica, o clínico tem que actuar enquanto clínico e segundo a visão clínica dos assuntos. Um médico pode ser um profissional de administração, desde que devidamente habilitado, mas, aí, não está a realizar gestão médica. Daí que seja controverso que o Regulamento Geral dos Hospitais, de 1968, aponte a possibilidade de o director clínico ser dispensado do seu trabalho habitual, ou que a legislação sobre a gestão hospitalar, de 1977, indique um trabalho mínimo diário de 6 horas no exercício destas funções, também para o r.lirector clínico. Este princípio estará, eventualmente, na origem do carácter predominantemente de consultadoria que, em termos de administração, a participação médica tem lugar. Comissões e conselhos médicos, têm muito esta característica (designadamente no caso português na legislação de 68 e 77). De sublinhar, no entanto, a importância de que se reveste a indicação precisa quanto à obrigação de ouvir estes órgãos para certos actos de administração. Os aspectos de organização e particularmente de organização médica e organização do trabalho médico estão intimamente ligados à administração médica, dela fazendo parte, mesmo. Com a organização e estrutura médica estão relacionados a caracterização do trabalho correspondente a cada grau da carreira médica e lugar ocupado, a autonomia clínica e a autoridade em administração (traduzindo-se em influência sobre outros médicos, outros profissionais e outros serviços). Cada posto de trabalho médico apresenta, segundo o relatório de um grupo de trabalho do King's Fund, seis importantes características, que são as tarefas atribuídas e realizadas, o lugar e a ocasião em que o trabalho é executado, o nível de qualificação, capacidade e apreciação pessoal que a execução do trabalho requer, a formação e treino previamente exigidos, a responsabilidade ligada ao exercício das funções e, finalmente, a remuneração que lhe corresponde. Em termos de organização médica e sua repercussão em administração, tem particular relevo o que se refere às atribuições dos clínicos que atingiram o grau de autonomia clínica e aqueles que se consideram em fase de formação, o que, dentro do hospital, significa obtenção de grau de especialista. A diferente grau de responsabilidade clínica corresponde diferente grau de responsabilidade de gestão. Os médicos em fase de preparação deverão ser sempre supervisionados clínica e administra-

tivamente por médicos que atingiram a autonomia clínica. As decisões tomadas pelos médicos hospitalares em treino para a sua especialização e, portanto, autonomia, podem ser assumidas pelos médicos mais graduados do serviço. Somente quando um médico terminou a sua fase de formação é que beneficia plenamente do direito de tomar decisões, aceitando a correspondente responsabilidade. Mas, mesmo entre os médicos que atingiram a autonomia clínica, o grau de envolvimento e responsabilidade em administração não é idêntico para todos. Muitos médicos juntam à sua responsabilidade perante os doentes, responsabilidades pelo trabalho de outros médicos e de outros profissionais. A autoridade administrativa terá que incluir, no entanto, autoridade para influenciar a selecção e admissão de pessoal, determinar · o seu trabalho, avaliar a sua adequação e qualidade e propôr acções disciplinares. Tradução organizacional têm os grandes princípios da representatividade e consultadoria em que assenta o sistema da contribuição médica .para a administração do hospital. Em administração médica, encontra-se fortemente implantada a função de consultadoria. Esta deriva do princípio fundamental, já enunciado, que o médico, ao participar em administração, \ deve fazê-lo como tal e sem perda da sua qualidade profissional específica. Funções e órgãos· de consulta deverão, portanto, ser típicos do envolvimento médico em gestão. O que é importante é regulamentar cuidadosa e criteriosamente a obrigatoriedade ou a faculdade de consultar esses órgãos ou esses profissionais, no processo de administração do hospital, incluindo o planeamento e a elaboração do orçamento. É de capital importância o modo como a máquina do poder consultivo dos médicos está montada, pois vai determinar o grau como eles participam e influenciam o processo da tomada de decisão e o nível de interferência na tomada de decisão de outros profissionais dentro do hospital, em matérias que lhes interessam e dizem respeito à prestação de cuidados aos doentes e à sua capacidade de «management». No que respeita à representatividade, como se lê no já citado relatório de Birmingham, os clínicos devem encontrar e usar vias claras para explicar os seus pontos de vista sobre necessidades e prioridades a o sistema de gestão, aos

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seus colegas noutras especialidades, aos membros de outras profissões e ao, público. A influência médica é, portanto, um processo plurifacetado. A comissão e o conselho são os instrumentos através dos quais o médico provoca o seu impacto na organização. Segundo o relatório, a máquina representativa e de consultadoria será eficaz na medida em que: - forneça às equipas de gestão, conselho e infarmação com autoridade, solicitados ou não· '

- forneça os meios para seleccionar e comunicar com os representantes médicos nas equipas de gestão, de modo que estes representantes possam partidpar confiantemente na definição de orientações e na administração; - ajude a identificar uma visão médica de conjunto sobre as grandes questões e a assegurar a responsabilização dos médicos envolvidos em decisões sobre estas questões; - dê assistência na resolução da concorrência entre especialidades, devida à limitação de recursos ; - encoraje a gestão eficiente da actividade clínica; - encoraje os médicos a iniciar a apresentação de ideias e planos para o futuro modelo de trabalho clínico; - ajude a informar e a educar os clínicos em matérias de desenvolvimento social e económico, relevantes para as suas actividades.

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Em termos organizacionais é, ainda, importante, destacar que o sistema de representatividade deve pressupôr que os representantes mantêm contacto com os representados, que assim se fazem ouvir através do sistema médico de consultadoria e que a programação de eventuais reuniões no âmbito do sistema representativo e de consulta não vai prejudicar ou entrar em conflito com a actividade clínica diária. Outros elementos organizacionais a referir, em termos de facilitar e qualificar a administração médica, são os indispensáveis apoios de secretariado e de informação trabalhada, designadamente de dados estatísticos gozando de fiabilidade, actualidade e pertinência.

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Pela importância que lhe atribuímos, não podemos deixar de referir, ainda, no âmbito de arranjos organizacionais, o que é afirmado no 2.º Relatório sobre a Organização do Trabalho Médico nos Hospitais, editado pelo Ministério dos Assuntos Sociais Britânico, acerca da dificuldade de separar os aspectos «administrativos» do conteúdo clínico do trabalho médico, dificuldade que leva a uma atitude corporativa para tratar dos problemas de gestão resultantes da provisão de serviços médicos considerada a mais adequada e apropriada ao próprio exercício da liberdade clínica. O trabalho dos médicos deveria ser tão organizado que eles pudessem exercer as suas habilitações profissionais livremente e ao serviço dos doentes, mas certas providências deveriam, igualmente, permitir o planeam,ento, coordenação e controlo necessários para garantir que os meios limitados colocados à disposição são eficazmente usados para aquele fim. Quereria isto dizer que os arranjos organizacionais deveriam permitir aos médicos hospitalares: a) actuar como a fonte principal de consulta e conselho junto do órgão executivo máximo do hospital; b) conseguir uma coordenação entre eles e com outro pessoal, de modo a promover uma eficaz gestão dos serviços médicos;

A hierarquia médica, de fundamentação técnica e científica, indo buscar raízes aos diferentes graus de uma carreira e às diversas categorias dos postos de trabalho, tem sido a componente mais importante e prestigiosa na estruturação e organização do trabalho médico dentro do hospital e, simultaneamente, método utilizado para a gestão dos serviços. antiguidade, com a correspondente carga de experiência e saber feito no treino, têm sido reconhecidas potencialidades e prerrogativas com feição de administração. A

Como já foi reconhecido, cada acto médico acarreta, hoje em dia, componentes «administrativas» e, por isso, as acções médicas mais simples e mais distantes representam outras tantas tomadas de decisão, como impulsos num sistema de administração. Aos chefes e directores cabe, no entanto, a capacidade objectiva da tomada de !fecisão médico-administrativa, a capacidade de prescrição no sentido lato do termo e no seu conteúdo mais rico. A disciplina tem estado sempre vinculada à organização do trabalho médico intra hospitalar e à hierarquia e tem sido elemento importante no trabalho de equipa. As regras de disciplina, a forma de a exercer, a capacidade de avaliar e de actuar na sua esfera, encontram-se associadas, de certa maneira, à clássica contribuição dada pelos médicos na gestão hospitalar.

c) proceder à revisão dos serviços que eles prestam e analisar criticamente o uso que fizeram dos recursos.

Devemos terminar o tratamento deste tema apontando a eficiência como o grande objectivo a alcançar com a administração médica no hospital.

No sentido de alcançar estes objectivos, disposições organizativas devem, igualmente, orientar a confiança do pessoal médico, e apontar delegados com suficiente autoridade para representar o pessoal médico nas negociações e discussões com outros profissionais e para fornecer liderança executiva. É necessária uma eficaz organização do pessoal médico, no caso de médicos, enfermeiras e administradores trabalharem em conjunto, como equipas na busca de objectivos comuns de obtenção de altos níveis de cuidados aos doentes e do melhor emprego dos recursos existentes. Nos serviços médicos facilmente se identificam componentes e instrumentos tradicionalmente utilizados na organização e gestão desses serviços. A hierarquia, a antiguidade, a capacidade de decisão e a disciplina são elementos deste tipo.

A eficiência, esse critério integrado de avaliação, que põe em confronto os resultados obtidos com os meios utilizados. Somente através do envolvimento em gestão, os médicos poderão contribuir para a eficiência do serviço ou da unidade de serviços. Não se nega que a motivação médica se movimenta no contexto da liberdade clínica e que o seu interesse profissional directo e imediato é a eficácia dos cuidados e dos serviços junto do doente. Este é, também, no fundo, o Norte que orienta toda a organização, que se põe ao dispôr e ao serviço da mais alta qualidade e eficácia dos cuidados aos doentes, facilitando o trabalho clínico. Mas o exercício hospitalar é uma realidade no seio de outras realidades, a mais importante das quais consiste no reconhecimento da limita-

ção e mesmo da escassez de recursos. Daí que, a atitude e a motivação médica rode, sintonizando-se na eficiência do seu trabalho, o que s_ó pode ser conseguido através do reconhecimento do valor da gestão global e do envolvimento na administração médica. Na vida de um hospital, muita da administração diária é levada a cabo por pessoal médico, incluindo jovens internos e clínicos em fase de formação, a maior parte da qual sem que dêm por isso. Um maior empenhamento e consciencialização, bem como uma melhor preparação técnica no campo da administração, resultaria numa melhor eficiência do trabalho e dos serviços. Foi pensando em eficiência e no modo de envolver os médicos mais efectivamente na administração dos serviços hospitalares, que os britânicos reestruturaram o trabalho médico nos hospitais, através do seu famoso modelo Cogwheel (1967).

Basicamente, as virtualidades da estrutura Cogwheel consistem em fazer com que os interesses e as preocupações médicas, bem como as decisões tomadas ultrapassem as fronteiras rígidas da «tira», da enfermaria ou do serviço. É criado o interesse médico supra serviço, a visão mais larga dos problemas através das divisões , a cooperação e a colaboração. Os serviços médicos de utilização comum são partilhados, pela via da colaboração, através de uma gestão mais integrada. Blocos operatórios, listas de espera, gestão de camas, serviços de patologia clínica, serviços de emergência são verdadeiramente administrados com a intenção de obter o seu melhor rendimento para todos os serviços utilizadores. Os recursos do hospital são geridos no sentido de tirar deles resultados maximizados para todo o estabelecimento e não só no interesse particular de cada serviço. estabelecido o sistema da colegiedade, da representatividade médica culminando numa comissão executiva médica, associando.-se assim, ao carácter de consultadoria da estrutura médica, a capacidade de decidir e obter as coisas feitas. É

O modelo Cogwheel não é mais do que um exemplo da organização do trabalho médico no hospital, no sentido de tornar mais efectiva a participação dos clínicos na administração, procurando, essencialmente, a eficiência do sub sistema que presta cuidados aos doentes.

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BIBLIOGRAFIA Closures and change of use of health facilities. A handbook on the administrative processes involved, London, King's Fund Centre, 1980, 71 p. Corporate management programme, London, King Edward's Hospital Fund, i983-3, s.p. CUMMING, Gordon - The involvement of the clinician the management process, Manchester, Hearth Services Management Unit, Department of Social Administration, University of Manchester, 1980, 12 p. + 2, mimeog. DENNIS, John-Course 741. Introductory management course for hospital consultants and senior registrars 16 th - 20 th June 1980, London, King Edward's Hospital Fund for London, 1980, 3 p., mimeog.

SUMÁRIO Os médicos não podeni e não devem ficar silenciosos, sentados nas bancadas dos espectadores, e deixar, pura e simplesmente, que outros profissionais tomem sozinhos as decisões que afectam as suas actividades clínicas. Alicerçando-se nesta posição, o autor defende o envolvimento do médico na administração hospi talar, particularmente no que respeita a serviços clínicos, mantendo-se no exercício específico da sua profissão. Para isso o médico, deverá qualificar-se e atender não só o princípio da eficácia, mas também ao da eficiência, particularmente quando se reconhece, sem dúvidas, que os recursos disponíveis são limitados.

ESKIN, Frada - Doctors & management skills, Dewsbury, J. Ward & Co., 1981, 78 p.

Aspectos como os da independência e liberdades clínicas, da primazia na equipa de saúde, do c·a rácter predominante de consultadoria na intervenção médica, bem como instrumentos tradicionais usados nrt «gestão clínica» dos serviços - a hierarquia, a disciplina e a antiguidade são abordados ao longo do artigo.

EVANS, A. M. e outros-Medical advisory machinery. Occasional paper n.º 40, Birmingham, University of Birmingham, Health Services Management Centre, 1981, 7 p., mimeog.

O autor termina por analisar o envolvimento médico na administração hospitalar através da rees· truturação feita pelos britânicos e conhecida pelo modelo Cogwheel.

DOLTON, Duncan - Medical adv.i.sory machinery, Manchester, Health Services Management Unit, Department of Social Administration, University of Manchester, 1980, 24 p. + 3 p. mimeog.

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SUMMARY The involvement of doctors in hospital administra tion, as doctors and particulary in medical departmen ts is supported and ·a nalysed by the author. It is not acceptable that physicians do not participate in the decision making process within the hospital in the matters related to clinical activity. Hospital doctors should think ·and act taking in consideration efficiency and scarcity of resources. On the other hand physicians must keep clinical freedom, independency and leadership of the health team. Tradicional compor.ents in medical administration like discipline, hierarchy and seniority 'a re commented and the importance of consultancy is stressed. Reference is made to the British Cogwheel System.

A Engenharia e os Hospitais EDUARDO CAETANO*

1 - O PAPEL DA ENGENHARIA NOS HOSPITAIS 1.1. - O papel da engenharia no âmbito hospitalar é permanente por acompanhar os hospitais desde a altura em que é decidida a sua existência até à sua eventual extinção. Ef ectivamente, o papel da engenharia começa antes de um hospital nascer como instituição ao serviço de doentes em virtude da sua acção se fazer sentir desde o planeamento à programação e desde os projectos à construção e ao equipamento; continuar no arranque do hospital; e permanecer no apoio à acção e investigação médicas e na gestão do hospital. Consequentemente poderá com o seu funcionamento através da manutenção. dizer-se que a engenharia é uma constante na vida hospitalar. E é sempre importante, embora com maior ou menor relevância, desde o começo.

Dentro da engenharia de saúde, a engenharia hospitalar tem um lugar de relevo pelo volume, complexidade, custo e manutenção das instalações e equipamentos dos hospitais. Se é verdade que a finalidade de um hospital é tratar de doentes também não é menos verdadeiro que, para isso, hoje, é necessário um grande somatório de actividades que se desenvolvem em instalações, com o apoio de equipamentos, o

* Assessor da Secretaria-Geral do MAS. . -Professor-Engenheiro da Escola Nacional de Saúde Pública - Lisboa.

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suporte de instalações técnicas especiais e a colaboração de serviços técnicos, uns e outros da área de engenharia. Considere-se uma hipótese absurda: a partir de um dado momento deixará de existir qualquer apoio da área de engenharia a um hospital central em funcionamento. Num prazo quase imediato o hospital teria de cessar o seu funcionamento por falta de electricidade, vapor e outras instalações técnicas especiais. Sem elas paralisariam os equipamentos e a vida técnica activa do hos· pital. Como poderia um hospital central continuar a viver sem meios complementares de diagnóstico e terapêutica (raios X, ultra-sons, ECG, análises, monitorização, etc.), sem esterilizados, sem cozinha, etc.? Assim, por absurdo, também se demonstra a indiscutibilidade da necessidade da acção da engenharia nos hospitais. 1.2. -A vida hospitalar tem lugar em instalações e com o apoio de instalações técnicas espe· ciais e de equipamentos cujos custos sempre foram, são e serão muito elevados. As percentagens relativas daqueles custos sectoriais variam no tempo, verificando-se hoje e no futuro próximo e a médio prazo uma subida muito acentuada da percentagem dos equipamentos relativamente ao total cujo custo, por sua vez, também cresce (e mais do que a inflação). O valor «estático» do património de um hospital moderno é consideravelmente elevado. Se, nesta data, se adjudicar um hospital distrital de 500 camas, o custo previsível total final da construção e equipamento rondará os 2 000 000 000 de

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escudos e o de um hospital geral central de 1000 camas não será inferior a 6 000 000 000 de escudos, sendo a diferença de custo por cama devida ao maior número de metros quadrados por cama e ao maior número e maior sofisticação de equipamentos e instalações técnicas especiais. Aqueles números são consideravelmente elevadJs quando comparados com o orçamento geral do Estado para 1982 : cerca de 1,4 % do orçamento seria o encargo com um hospital distrital de 500 camas e um hospital central de 1000 camas! Mais do que o valor «estático» interessa o valor «dinâmico» do hospital que, no aspecto puramente materialístico, seria anualmente da ordem de 1/3 (para o hospital distrital) e de 1/2 (para o hospital central) dos capitais investidos. A engenharia hospitalar compete tomar conta daquele património (o lado material do hospital). É evidente que os aspectos humano e social do hospital assumem maior relevância embora sejam, respectivamente, inquantificáveis e de difícil quantificação dada a subjectividade que os afecta. Nestes aspectos também a acção da engenharia hospitalar se faz sentir, por exemplo, no conforto do ambiente, na diminuição da demora média através da redução dos tempos-mortos dos equipamentos de diagnóstico e de terapia, na qualidade do serviço prestado através da calibração e verificação das aparelhagens de medida e controlo, etc .. Qual o valor puramente materialístico da acção da engenharia hospitalar num hospital? Se se tomar como exemplo o novo Hospital da Universidade de Coimbra, o orçamento anual do seu S.I.E.H. - Serviço de Instalações e Equipamento do Hospital - não deverá ser inferior a 200 000 000 escudos por ano, atendendo a que: este novo hospital custará cerca de 7 000 000 000 de escudos; o conjunto de todas as instalações e equipamentos dos HUC terá um valor da ordem dos 8 000 000 000 de escudos; o seu orçamento geral anual rondará os 4 000 000 000 de escudos; e se aplica a percentagem média usada nos grandes hospitais europeus similares. Aquele valor crescerá substancialmente no futuro, assim como também aumentará se desde o início o sector de engenharia bio-médica tiver um papel activo no que respeita à sua colaboração com a acção e investigação médicas. A conclusão a tirar é a da grande importância do papel da engenharia nos hospitais tanto nos aspectos materialísticos de modo directo como, indirectamente, nos aspectos humano e social.

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1.3. - Para que a acção da engenharia hospitalar se torne mais eficaz quantitativa e qualitativamente, há que especializar os respectivos técnicos uma vez que, praticamente, eles não existem no mercado de trabalho. Só no campo dos equipamentos médico-cirúrgicos (bio-engenharia) os hospitais portugueses necessitam de 80 a 100 engenheiros, de acordo com os índices médios internacionais de países desenvolvidos. Nesta data para todo o serviço de .engenharia nos hospitais existem apenas sete engenheiros licenciados e menos de trinta engenheiros técnicos. Pretendeu-se organizar mais um Curso Intensivo de Engenharia Hospitalar (o terceiro) como primeira preparação e sensibilização para os engenheiros que, estando fora, pretendessem trabalhar nos hospitais onde, aliás, são muito necessários. Embora tal contribuição para a melhoria dos hospitais praticamente nada custasse ao Estado, ela não foi autorizada! É evidente a falta de sensibilização para os problemas técnicos de engenharia hospitalar. As barreiras opostas à entrada de técnicos de engenharia hospitalar ou de serventes nos hospitais têm sido as mesmas! Não estão em causa, como é óbvio, nem a dignidade de todas as profissões e actividades nem o direito de cada um a procurar emprego no Estado; mas estão em causa as necessidades reais do País. Parece haver funcionários públicos a mais num país com os condicionalismos de Portugal, tanto em população como, sobretudo, em industrialização e P.I.B .. Não se contestam, consequentemente, medidas restritivas. Todavia, a medida elementar a tomar seria restringir o supérfluo e admitir o que é efectivamente necessário para o País progredir. Em termos muito gerais poderá afirmar-se que os governantes portugueses não têm sido sensíveis à importância da técnica e dos técnicos de engenharia (incluindo evidentemente o sector hospitalar) para o progresso do País, salvo raras excepções de homens lúcidos que perceberam o problema mas que não tiveram o poder, o tempo ou a coragem de impor as soluções apropriadas. Por falta de sensibilização para os pr.o blemas técnicos de engenharia (tanto nos aspectos humanos como materiais) os povos subdesenvolvidos não progridem; como o avanço dos desenvolvidos se processa mais aceleradamente, dadas as posições relativas, aqueles manter-se-ão subdesenvolvidos ou quase. Esta é a realidade nua e crua que nos afecta, de nada valendo as ramagens com que, por vezes, se tenta camuflá-la.

2 - A IMPORTÂNCIA DA ENGENHARIA NO PLANEAMENTO E PROGRAMAÇÃO DOS HOSPITAIS

Por vezes verifica-se uma certa confusão entre planeamento e programação hospitalar, quer englobando-se os dois capítulos num só quer invertendo-se as suas funções. O planeamento e a programação são duas acções complementares, embora distintas. A sequência lógica atribui o primeiro lugar ao planeamento já que, antes de se elaborar a programação de um hospital, há que planeá-lo ou seja estabelecer a sua existência e certas premissas como a localização, tipo, natureza, lotação, etc .. 2.1. - O papel do planeamento é importantíssimo na medida em que a própria existência dos hospitais dele depende. Pelo menos em teoria. Efectivamente, o planeamento tanto pode criar hospitais novos como eliminar hospitais existentes ou alterar-lhes a natureza. Cabe aqui perguntar com toda a frontabilidade: há um planeamento hospitalar em Portugal?

dos feitos ao planeamento pelos programadores de hospitais portugueses. Como isso se tem verificado ao longo de anos, e até muito recentemente, tudo leva a crer que continua a não haver um planeamento hospitalar em Portugal. 1

A engenharia tem especial apetência para o planeamento dada a sua for·m ação técnica e matemática de base, o que torna recomendável a integração da engenharia no conjunto de valências profissionais constituintes do núcleo de planeamento hospitalar português. 2.2. - O papel da programação é basilar. Quem conheça um pouco de tecnologia hospitalar sabe que um hospital novo será o que for o seu programa. É evidente que a um programa de um hospital bem elaborado corresponde um bom hospital, pelo menos em teoria, enquanto que a um programa deficiente não pode corresponder um bom hospital. '

O programa define a concepção funcional escolhida para o hospital e mostra a sua composição por grandes agrupamentos, departamentos, serviços, unidades, sectores, etc., até ao simples compartimento. Todos os componentes dele fazem parte.

No caso afirmativo, perguntar-se-á quais são as suas linhas orientadoras principais, que bases foram estabelecidas, se têm sido seguidas e de que maneira.

As grandes definições e opções de natureza hospitalar são elementos de programação e nela estão implícitos.

No caso negativo afirmar-se-á que a não existência de um planeamento hospitalar válido será responsável por muitos dos males que afligem o sector hospitalar, nomeadamente pelo recurso à improvisação, aliás muito do agrado de alguns.

sobre os programas que são elaborados os projectos que, aliás, têm de lhes obedecer; e é sobre os projectos que assenta a construção. Não se pretende de modo algum retirar mérito à ar·q uitectura mas apenas salientar a importância da programação.

evidente que, para se planear bem, é preciso haver um vasto somatório de conhecimentos de natureza técnica e social, bem alicerçados e amadurecidos no estudo permanente do sector e no domínio fácil da matemática. Para improvisar basta ter-se feitio ou queda para uma certa conversa fiada ... O planeamento a sério não se compadece com amadorismos. Exige um trabalho absorvente, em dedicação exclusiva, para que a actualização possa ser permanente, como se impõe.

Para alguns principiantes da tecnologia hospitalar o importante é a construção! Ficam deslumbrados com os pilares a subir e depois com o volume enorme do edifício que qualquer hospital moderno do tipo monobloco apresenta. Não sabem (ou até por vezes pretendem esconder para não dividirem o mérito perante os leigos e o público em geral) que a base de um hospital é o seu programa.

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No caso de hospitais novos, ou de planos directores de ampliações e profundas remodelações de hospitais antigos, compete ao planeamento estabelecer as premissas básicas sobre as quais se apoia a programação. Há muitos anos que t-êm ficado sem resposta, ou quase, os pedi-

A engenharia faz parte das valências profissionais que programam um hospital. É um dos seus elementos básicos já que os projectos são elaborados por engenheiros (com excepção do projecto de arquitectura) baseando-se no programa. Quem projecta e constroi deve integrar o núcleo que concebe teoricamente o hospital.

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3 - OS PROJECTOS E A CONSTRUÇÃO DOS HOSPITAIS

A área dos projectos técnicos é do domínio exclusivo da arquitectura e da engenharia. O projecto de arquitectura é basilar por traduzir, dentro da concepção do arquitecto, a passagem do programa teórico para a realidade teórica do edifício, já que a materialização ou realidade prática é do domínio da construção. Para se pôr de pé um edifício hospitalar é necessário o projecto de estabilidade (engenharia civil). Mas um hospital é mais do que as paredes e os pavimentos de um edifício. É um corpo com vida técnica para servir de suporte à vida humana. Para isso são necessários outros projectos relativos aos equipamentos e às instalações técnicas especiais eléctricas e mecânicas, todos eles de engenharia. Os projectos mostram no papel o que vai ser na prática o hospital: a sua concepção básica em monobloco, pavilhonar ou mista; as suas circulações; a implantação dos diferentes agrupamentos e serviços; a prioridade das proximidades entre serviços de inter-relações intensivas; os pormenores de construção; a localização dos equipamentos fixos; as centrais e os traçados das instalações técnicas especiais; etc., etc., até à localização dos interruptores eléctricos. A colaboração entre os projectistas de hospitais nos campos de arquitectura e da engenharia tem de ser permanente para que o hospital resulte bem. Basta pensar-se nas 30 a 40 instalações técnicas especiais centralizadas, espalhadas por todo o hospital, e nas muitas centrais donde elas partem e, em alguns casos, onde voltam, para se avaliar das dificuldades que . su;rgem durante a elaboração dos projectos. Frequsntemente as implicações de um problema afectam todos os projectos. Construir um hospital é materializar o seu programa através dos respectivos projectos. Nos proJectos concebe-se ou inventa-se e na construção realiza-se. Surgem sempre problemas durante a construção, mas de pormenor. A construção dos hospitais é uma área do domínio quase total da engenharia em que a arquitectura colabora principalmente na parte de engenharia civil. As engenharias electrotécnica e mecânica dos equipamentos e das instalações técnicas espe-

c1ais têm tido um papel progressivamente mais relevante na medida em que cada vez há mais equipamentos de diferentes naturezas (médico-cirúrgica, sanitária, electromecânica, etc.); se exige mais conforto para os doentes e .o pessoal; se fornecem mais meios automáticos e mecânicos em substituição dos manuais; se deseja um trabalho mais rápido, com maior segurança, melhor controlo e mais quantificado. O que leva a pensar que, dentro de 20 a 25 anos, os equipamentos e as instalações técnicas especiais de um hospital ·central «de ponta» poderão custar 75 a 80 % do custo total. Assim se evidencia a importância absoluta e relativa das engenharias electrotécnica e mecânica num hospital do futuro, desde .os projectos à construção e equipamento e desde a manutenção à actualização desse hospital.

subdesenvolvimento ... A verdade é que os anos continuam a passar e tudo se mantém na mesma, como se todos os outros países europeus fossem burros e nós a excepção inteligente! Por falta de visão e coragem para impor a solução correcta ... O arranque de um hospital é, fundamentalmente, uma atitude de administração através de uma equipa polivalente onde a participação da engenharia é saliente. Efectivamente o hospital não pode arrancar se não dispuser de electricidade, água e vapor. Estas instalações técnicas especiais são basilares na medida em que abastecem equipamentos fundamentais como os autoclaves de esterilização, o equipamento médico-cirúrgico, as telecomunicações, o equipamento de alimentação, os aparelhos elevadores, etc., sem o funcionamento dos quais o hospital não pode arrancar. Sob a batuta do administrador, a orquestração das diferentes valências profissionais interessadas na abertura do hospital tem de ser perfeita. Poderá afirmar-se, sem qualquer exagero, que não é possível à administração de um hospital planear a abertura do mesmo sem a colaboração intensa e permanente da área de engenharia.

4 - O PAPEL DA ENGENHARIA NO EQUIPAMENTO E ARRANQUE DOS HOSPITAIS

Os equipamentos são concebidos, fabricados e instalados nos hospitais, desde os mais complexos aos mais simples, no domínio da engenharia. Se se considerarem, por exemplo, um tomógrafo axial computorizado, um aparelho de angiografia em dois planos computorizado, uma central de .oxigénio, um gerador de vapor, um monta-camas, uma marmita de vapor, uma cama, um forceps, uma pinça e um bisturi, todos eles são equipamentos hospitalares do âmbito da engenharia quer o seu grau de tecnicismo seja muito desenvolvido como no t.a.c. quer seja simples como no bisturi.

5 - A ENGENHARIA BIO-MÉDICA

Os engenheiros bio-médicos apareceram há relativamente pouco tempo. Todavia a sua actividade é cada vez mais solicitada nos hospitais. Por esta razão existem muitos cursos de formação em engenharia bio-médica nos EUA e na Europa. Num país com uma população tão pequena (8,5 milhões) como a Suécia havia dois cursos em 1979.

A engenharia intervem activamente tanto no equipamento de hospitais novos como no reapetrechamento de hospitais existentes pela simples razão de que se trata de equipamentos.

Cada ano que passa significa um ou mais degraus subidos na escada da importância relativa destes profissionais nos hospitais. O seu avanço é muito rápido, o que explica o crescimento a ritmo muito acelerado da sua importância absoluta e relativa no contexto hospitalar.

A propósito, não se pode deixar de referir o caso original e insólito a nível europeu de, em Portugal, ser o Ministério de Obras Públicas a equipar um hospital novo. O que, evidentemente, está errado. O que estaria certo e seria normal era o ministério da tutela da Saúde, através da Secretaria de Estado da Saúde, fazê-lo. Várias tentativas houve para modificar tal estado de coisas, mas sem sucesso. Quando nos diferentes países europeus os técnicos de engenharia tomam conhecimento do que se passa em Portugal, eles ficam estupefactos e levam isto à conta do nosso

Dentro de alguns anos os engenheiros bio-médicos serão indispensáveis nos principais hospitais portugueses como colaboradores directos dos médicos no diagnóstico, na terapêutica e na investigação. Por exemplo, os estudos dos campos eléctricos, dos micro-potenciais e das micro-

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-correntes, da dinâmica dos fluídos, da resistência de materiais, da dinâmica das articulações, dos órgãos de substituição, etc., são cada vez mais necessários aos médicos para poderem ir mais longe no tratamento dos doentes. A colaboração activa dos engenheiros bio-médicos naqueles estudos é imprescindível. No futuro, os hospitais mais diferenciados serão verdadeiros laboratórios para tratar os doentes. A quantidade, a complexidade e a sofisticação dos diferentes equipamentos serão enormes. Para os alimentar e apoiar terá de existir uma grande quantidade de redes centrais de instalações técnicas especiais e serviços de engenharia. Igualmente será necessano um ap010 de engenharia bio..;médica nas áreas da informática médica e da construção de aparelhagem. Nada custa a crer que, no futuro, por exemplo nos hospitais universitários, os engenheiros (incluindo os bio-médicos) se contem por duas ou mais dezenas, além dos técnicos de engenharia menos diferenciados que os apoiarão. Nesta data os grandes hospitais portugueses deveriam dispor de dois ou três engenheiros bio-médicos. Eles apoiariam os hospitais mais pequenos cuja dimensão não os comportaria por enquanto. O exemplo estrangeiro é significativo. O velho Hospital Hammersmith de Londres dispõe de uma bem apetrechada oficina (em meios materiais e . humanos) para apoio à investigação médica. O novo Hospital Universitário de Roterdão dispõe de excelentes oficinas e laboratórios e dos meios humanos adequados para um eficiente apoio à investigação médica. Para progredirem estes hospitais desenvolveram os meios que apoiam o seu progresso. Poderiam provavelmente fazê-lo com o apoio do exterior mas isso não seria nem funcionalmente desejável nem prático.

6 - O SERVIÇO DE ENGENHARIA HOSPITALAR

Desde há anos que a terminologia usada para este serviço dos hospitais é a de «Serviço de Instalações e Equipamento Hospitalares», sendo a sua sigla: S.I.E.H .. A razão do H é para não se confundir com o S.I.E. a nível central.

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6.1 - A intervenção do S.I.E.H. na vida do hospital não se limita apenas à manutenção técnica das instalações e dos equipamentos. Efectivamente ela faz-se sentir, de modo relevante, em outras áreas, nomeadamente: - na aquisição de equipamentos e de certos produtos ou bens de consumo como, por exemplo, os combustíveis; - na colaboração prestada à elaboração de planos directores sectoriais, parciais e geral, tendo em vista a actualização do hospital ao longo do tempo; - na gestão da sua área de competência; - nos transportes;

necessárias e suficientes e, também, os meios materiais apropriados (oficinas, equipamentos, material de controlo, peças e partes de reserva). Esta premissa elementar raramente é cumprida nos hospitais portugueses. Provavelmente pela notória falta de apetência dos portugueses para os aspectos técnicos de engenharia (passe o pleonasmo ... ). Ou, então, pela tendência natural de alguns para construirem barraquinhas, sentindo-se felizes e realizados deste modo! Que interessa um hospital dispor de todos os equipamentos, dos melhores e mais especializados, se não funcionarem? Será pior do que não os possuir porque se investiram somas elevadíssimas que não rendem, se admitiu pessoal que não trabalha e se criaram espectativas de apoio que não se realizam.

- na incineração; - na informática; - no apo10 à investigação científica, no campo médico (nos hospitais mais diferenciados) . Um aspecto a ser considerado, no futuro, com maior ênfase é o da sua participação na actualização permanente do pessoal de modo a que saiba tirar maior rendibilidade dos aparelhos e mais proveito de todas as suas possibilidades.

6.2 - Se o valor «estático» do património hospitalar é elevadíssimo (conforme se indica em 1.), não oferece dúvidas que interessa mais e fundamentalmente o seu valor «dinâmico», ou seja, o valor das instalações e dos equipamentos a trabalharem em boas condições, para poderem cumprir cabalmente os seus objectivos. Tem-se repetido ao longo dos anos que, num hospital, para além do valor materialístico há que se atender sobretudo ao valor humano, muito mais importante como é óbvio. Efectivamente, se os aparelhos funcionarem bem, sem tempos-mortos, a demora média baixará, ou seja, o sofrimento dos doentes será menor, obtendo-se ainda uma maior eficácia no trabalho do pessoal e maior conforto para todos, doentes e pessoal. É evidente que isso só será possível se no

hospital existir um serviço de engenharia, um S.I.E.H., adequadamente estruturado e dimensionado quantitativa e qualitativamente. Sem empolamentos, mas com as unidades de pessoal

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6.3 - Para não se deixarem degradar as instalações, para se manterem a funcionar adequadamente os equipamentos e as instalações técpicas especiais que os abastecem e apoiam, para se efectuar a actualização necessária, é preciso que o quadro de pessoal do S.I.E.H. seja dirigidc por um engenheiro com um somatório de qualidades que não é fácil encontrar. Ele tem de ser tecnicamente competente, totalmente devotado ao seu trabalho e permanentemente disponível, tal como o administrador hospitalar. Os problemas, de uma enorme polivalência, absorvem-no totalmente. Esta polivalência e a responsabilidade inerente a um hospital afugentam muitos eventuais candidatos àquele lugar. A solução é formar este pessoal. Pelo menos prepará-lo previamente. Era precisamente isso que se pretendia com os Cursos Intensivos para Engenheiros Hospitalares realizados na E.N.S.P .. Que foram agora suspensos!

6.4 - A tendência actual em novos hospitais centrais europeus é no sentido deles praticamente se bastarem a si próprios no campo da manutenção técnica. Citam-se, como exemplo, os hospitais de Linkoping na Suécia, o de Bruges na Bélgica e o universitário de Roterdão na Holanda, para referir apenas países europeus com populações da ordem da portuguesa. Cabe à manutenção preventiva um papel de importância primordial. A um aumento da manutenção preventiva corresponde uma diminuição mais acentuada da manutenção reparadora · traduzindo-se o somatório final por um custo mais reduzido. O que significa que além das

vantagens de ordem funcional (maior regularidade de funcionamento dos equipamentos e das instalações técnicas especiais, maior rendibilidade dos equipamentos, maior conforto) há igualmente uma vantagem económica. Só em muito poucos hospitais portugueses se pratica a ma nutenção preventiva e, mesmo assim, sectorialmente. O Hospital do Funchal foi um dos primeiros, possivelmente o primeiro, a praticá-la. No que se refere a equipamentos e a instalações técnicas especiais, o S.I.E.H. deverá encarregar-se praticamente de toda a manutenção, preventiva e reparadora. Exceptua-se um ou outro aparelho muito diferenciado cuja manutenção deverá ser efectuada pelo fornecedor. Todavia o S.I.E.H. deverá poder actuar na chamada «primeira linha» da sua manutenção. No que toca a edifícios, o S.I.E.H. deverá equacionar problemas, elaborar cadernos de encargos e fiscalizar devidamente as obras a ef ectuar pelo exterior. É evidente que pequenas obras urgentes devidas, por exemplo, a infiltrações, a esgotos, etc., serão executadas pelo pessoal do S.I.E.H.

6.5 - Verifica-se, de há uns anos para cá, uma importância relativa crescente dos equipamentos tanto em quantidade com em complexidade, o que exige um maior grau de tecnicismo para os manter em boas condições. A tendência inevitável no futuro será a necessidade de mais pessoal com maior diferenciação. Ou seja, os novos hospitais exigem já no S.I.E.H. um grupo de pessoal tecnicamente diferenciado, com conhecimentos de electricidade (electrónica, etc.). de mecânica , etc., necessários e suficientes para cuidar adequadamente dos equipamentos e instalações técnicas especiais. É evidente que outro pessoal menos diferenciado, como marceneiras, estucadores, pedreiros, vidraceiros e pintores, continuará a ser necessário, especialmente os pintores - vidraceiros. Alguns hospitais apresentam um aspecto desmazelado porque não se verificou a intervenção de pintores atempadamente. O segredo do conforto de muitos hospitais velhos ingleses reside na pintura feita a tempo e no aquecimento.

6.6 - Poderá afirmar -se que, em geral, a estrutura dos S.I.E.H. dos hospitais portugueses é mal concebida, Um exemplo flagrante é o dos HCL. De um modo geral é quantitativamente muito insuficiente. Ainda há alguns meses nem

sequer havia S.I.E.H. no Hospital Distrital de Leiria! Se, por hipótese, tudo corresse bem no campo das instalações e dos equipamentos, ou seja da engenharia, nos hospitais portugueses, ainda se poderia pôr em equação a validade de mudança. Mas a realidade é bem difer ente. Há muita coisa, de grande importância, que é necessário mudar. E tanto melhor quanto mais rapidamente for possível fazê-lo. Na engenharia hospitalar passa-se o mesmo que em outras áreas de actividade: o problema é idêntico. Ou se estruturam os serviços adequadamente e se investe para se obter rendimento ou as coisas a ndam quase que por inércia, arrastando-se com faltas, baixo nível funcional, mau ambiente geral, etc .. É isso que não se quer para os hospitais portugueses.

7 - A ENGENHARIA E A GESTÃO DOS HOSPITAIS

Se um hospital é constituído por edifícios, instalações técnicas especiais e equipamentos (a componente material do hospital) onde trabalha pessoal (os meios humanos do hospital) para se cuidar de doentes, quem deve gerir os meios materiais? Deverá ou não incluir-se o sector de engenharia (S.I.E.H.) na gestão do hospital? A resposta lógica a estas perguntas será que a gestão dos meios materiais do hospital dever á ser feita por quem tem vocação para tal, embora subordinada a uma gestão de cúpula no que se refere, por exemplo, às implicações financeiras e às prioridades globais do hospital. 7.1 - A nível de hospital, no que respeita à gestão sectorial de engenharia , a administração (individual ou colectiva) expõe os objectivos, estabelece as prioridades gerais e trata do financiamento. Todos os outros problemas são do âmbito da engenharia, nomeadamente, a gestão de obras, de equipamentos, da manutenção, da energia, de alguns produtos de consumo, de materiais e dos meios humanos relativos ao sector na parte que lhe respeita. A gestão de obras é restrita ao campo da engenharia e diz respeito tanto à sua oportunidade e urgência como ao seu projecto, desenvolvimento e avaliação.

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A gestão de equipamentos é essencialmente do âmbito da engenharia e compreende tudo o que respeita ao seu planeamento, à sua substituição, à avaliação do seu trabalho, à sua manutenção, à constituição de «stocks» de materiais, peças e partes de reserva e à constituição de parques de equipamentos com afinidades. A gestão da manutenção hospitalar, tanto curativa ou reparadora como preventiva, é fundamentalmente do foro da engenharia. A gestão da energia no que toca às fontes alternativas (como a energia solar e o aproveitaitamento da energia dos materiais a incinerar), ao aumento do rendimento energético da Central térmica, à diminuição das perdas da energia (problema do isolamento das redes de distribuição, das fugas em aparelhagens, do aproveitamento de condensados, da poupança de água quente sanitária, do problema da energia no tratamento de arrastadeiras, etc.), é restrita ao âmbito da engenharia. A gestão dos bens de consumo relacionados com as instalações técnicas especiais, nomeadamente, a electricidade, o gás combustível, as águas quentes e frias, os gases medicinais, os combustíveis líquidos (nafta, petróleo e gasóleo), os óleos lubrificantes, os produtos químicos para os tratamentos de água e de condensados, tendo em vista a sua poupança e maior eficiência de utilização é, fundamentalmente, do campo da engenharia. A gestão do «stock» de materiais, peças e partes de reserva para obras e manutenção das instalações técnicas especiais e equipamentos é do âmbito da engenharia. Igualmente é do foro da engenharia, na parte que lhe re·s peita, a gestão dos meios humanos integrados no sector de engenharia, tendo em vista a manutenção reparadora e preventiva e também o apoio à acção em outras áreas hospitalares como, por exemplo, a investigação médica (em hospitais mais diferenciados).

7.2 - Na aqms1çao de equipamentos o papel da engenharia é fundamental, embora o modo de agir seja controverso. Efectivamente, alguns administradores consideram preferível ser .o serviço de aprovisionamento do hospital a tratar do processo da aquisição de equipamentos, socorrendo-se do serviço de engenharia (o S.I.E.H.)

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para tudo o que é de carácter técnico (estabelecimento das características técnicas gerais e especiais, apreciação de propostas, parecer, ensaios e recepção dos equipamentos). Nesta perspectiva caberá ao serviço de aprovisionamento apenas o que fica de fora no processo, ou seja, a parte burocrática administrativa relacionada com o anúncio, a recolha de propostas e a adjudicação. Se, por um lado, a parte principal e verdadeiramente importante do processo é da competência da área da engenharia hospitalar, parecia lógico que o processo de aquisição de equipamentos deveria correr por ela (S.I.E.H.) com o eventual apoio do serviço de aprovisionamento na parte que lhe compete. Mas se, por outro lado, as aquisições estiverem centralizadas no serviço de aprovisionamento que logicamente terá vocação para elas, então todas elas, quaisquer que sejam, deverão ser da sua competência. Para além deste diferendo de competências, susceptível de controvérsia, interessará referir, desde já, alguns aspectos da problemática das aquisições. Assim, as características técnicas, funcionais e construtivas, a constar do caderno de encargos, devem ser ape~as as que têm relevância para a escolha dos equipamentos, dados os inconvenientes tanto das insuficiência como do excesso. Os mapas comparativos não deverão ser elaborados arbitrariamente mas organizados segundo a metodologia aconselhável. O parecer de escolha terá de ser baseado ein parâmetros e f actores (características funcionais e construtivas, resistência técnica, obsolência média, preço, garantia, referências, etc.) devidamente ponderadas, o que poderá levar à preferência de um equipamento que não seja o mais barato. É evidente que só poderá ser responsável por tal parecer quem estiver profissionalmente habilitado a dar um parecer técnico. Além do mais trata-se, no caso de hospitais públicos, de dinheiros públicos o que significa que há, entre outras, uma responsabilidade de quem escolhe perante a comunidade. O que demonstra ser basilar o papel da engenharia na aquisição de equipamentos hospitalares.

7.3 - A ·presença do dirigente (director ou chefe) do S.I.E.H. num conselho de gerência ou numa administração colegial hospitalar é, para alguns, um ponto polémico no âmbito da administração hospitalar. Deverá a administração ser

colegial? No caso afirmativo, o dirigente do S.I.E.H. deverá ou não dela fazer parte? Ao abordar-se o problema parte-se do prmcípio de que aquele dirigente será um engenheiro com qualidades médias (dado que em todas as valências profissionais haverá pelo menos as classificações de medíocre, suficiente e bom). Poderá considerar-se a sua presença irrelevante, e portanto dispensável, argumentando-se que a gestão a três (administrador, médico e enfermeira) é mais eficiente. Também se poderá considerar a sua presença útil, ou mesmo imprescindível, atendendo a que os problemas e as questões do âmbito da engenharia hospitalar são diárias e que o colégio gestionário não deixará de ser eficaz se passar de 3 para 4 membros, ganhando sobretudo com a presença de uma competência no foro dos meios materiais. A realidade hospitalar mostra, até ostensivamente, que os problemas onde o engenheiro intervem são muitos, importantes e permanentes. Duas atitudes se poderão tomar: ou se rotulam estes problemas de secundários, minimizando-se a acção do sector de engenharia; ou, pelo contrário, lhes é atribuído o relevo e a importância que realmente têm, valorizando-se a sua actividade. primeira opção corresponde a exclusão da engenharia do conselho de gerência ou da gestão colegial. Razões pessoais, muito subjectivas, poderão, por vezes, estar na base da escolha desta opção. Outras vezes o adminitsrador cai, meramente, num equívoco ao julgar que ele próprio pode substituir o engenheiro e por isso considera secundária a sua acção. A

segunda opção é inerente a presença da engenharia na gestão colegial. Dir-se-á que é baseada numa apreciação objectiva do problema. Basta pensar que decorre o ano de 1982 e que sem instalações e equipamentos não haveria hospitais! O que serão os hospitais dentro de 20 ou 25 anos? Autênticos laboratórios cheios de aparelhagens, muitas de grande complexidade, que substituem o homem em muitas acções por ele hoje executadas e vão mais além no diagnóstico e na terapêutica. Talvez só então os que actualmente sofrem de visão curta consigam ver a realidade já hoje existente e que nessa data será, obviamente, mais flagrante. Todavia, hoje, muitos administradores hospitalares consideram necessária a presença da engenharia entre as valências profissionais que integram o colégio,

em regime de administração colegial. No caso deste tipo de gestão, o presidente será o administrador: não oferece dúvidas esta posição, porque o administrador hospitalar foi preparado para gerir o hospital. Em princípio, de entre as outras valências profissionais do colégio a que terá melhor preparação gestionária de base será a engenharia. O administrador inteligente não hostiliza a engenharia hospitalar; pelo contrário, terá interesse em atraí-la para beneficiar da sua colaboração. Será um erro primário ver no engenheiro um elemento que lhe fará sombra, que diminuirá o seu prestígio, o seu «status» de administrador. Pela simples razão de que o administrador está acima, no que respeita à administração colegial. Quanto melhores e mais prestigiados forem os colaboradores tanto melhor é a gestão e melhores são os resultados apresentados pelo primeiro responsável da gestão hospitalar: o administrador. A verdade é que, com maior ou menor relevância, tudo o que se passa no hospital se reflete na pessoa do administrador. Se, por hipótese, se considerar um engenheiro - hospitalar medíocre e um bom administrador hospitalar, não será pela substituição daquele engenheiro por outro bom que o bom administrador deixa de o ser. Bons e maus profissionais existem em todas as profissões. O que o administrador deve evitar é interferir directamente em campos de acção para os quais não , está preparado profissionalmente. Para isso dispõe, ou deve dispor, de outros profissionais. Por exemplo, mandar fazer obras é uma tentação de quem dirige. Não haverá mal nisso desde que se justifiquem e a sua realização se processe através do S'e rviço competente. O que nem sempre se verifica.

A

Em termos gerais poderá dizer-se que assim como os médicos se devem dedicar à medicina e deixar-se de amadorismos administrativos, também os administradores devem praticar a administração e deixar os problemas de engenharia para os engenheiros. Secundarizar a engenharia hospitalar no âmbito da gestão hospitalar é artificial por não corresponder à realidade e é errado pelos prejuízos que acarreta. Quem não quiser ver esta evidência é porque sofre de miopia administrativa. Para benefício da administração hospitalar deverá a área da engenharia hospitalar continuar a manter o lugar que tem ocupado por direito próprio.

29


SUMÁRIO

CONTENTS

1- O papel da engenharia nos hospitais.

1 - Hospital engineering role.

2-A importância da engenharia no planeamento e programação dos hospitais.

2 - Engineering importance on hospital planning and programming.

3 - Os projectos e a construção dos hospitais.

3.

4- O papel da engenharia no equipamento e arranque dos hospitais.

4- Engineer ing role on equipment and launching of hospital.

5 - A engenharia bio-médica

5 - Bio-medical engineering.

6 - O serviço de engenharia hospitalar

6 - Hospital engineering department.

7 -A engenharia e a gestão dos hospitais.

7 - Engineering and hospital management.

Hospital design and building.

Do ajustamento da oferta e da procura dos cuidados .hospitalares (*) J. J. SANTOS CARDOSO ** M. EUGÉNIA OLIVEIRA

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inter-relação dinâmica), que recebe estímulos do exterior (objectiv.os que a sociedade lhe atribui), e produz respostas (cuidados que presta à sociedade). O hospital é inter-dependente da comunidade que serve. P oderá constatar-se também que a prestação de cuidados por cada hospital não é assegurada em regime de exclusividade - não só são distribuídos por vários hospitais, como por vários serviços que lhes são periféricos - constituindo um sub-sistema do sistema global de saúde onde se integra. O hospital é inter-dependente dos restantes hospitais e serviços prestadores de cui dados (Fig. 1).

1 - PRESSUPOSTOS

1.0 - Se quisermos utilizar o instrumento conceitua! de sistema para compreender a actividade de um hospital, poderemos concebê-lo como conjunto de partes interligadas (componentes em

* Comunicação às Jornadas de Planeamen to da Saúde - ENSP -Lisboa 7-9/ Junho 1982. '"':' Administrador do Hospital Pediátrico de Coimbra. H"' Enfermeira-Chefe do Hospital Pediátrico de Coimbra.

FIG. 1 - SUB-SISTEMAS/ PRESTAÇÃO DE CUIDADOS

COMUNIDADE

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ESTIMULOS

CUIDADOS

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PRIMARIOS

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RESPOSTAS

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RESPOSTAS

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CUIDADOS HOSPITALARES

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ESTIMULOS

31


FIG. 2 - OFERTA/ PROCURA/ RESTRIÇÃO DOS CUIDADOS DE SAÚDE

StM

MEIOS

1.2 - Detectar os problemas que o aumento de procura de cuidados provoca na evolução da capacidade da oferta constitui uma preocupação corrente dos gestores hospitalares, mas nem sempre se preocupam saber até que ponto será prioritária a racionalização da procura e a obtenção de melhor equidade na distribuição da oferta. O aumento da procura provoca normalmente a preocupação quase exclusiva por parte dos mesmos gestores de tentar ajustar a capacidade da oferta: como .o sector hospitalar constitui o maior peso económico em qualquer sistema de saúde, esta atitude é sempre motivadora de me-

32

- Evitar a hospitalização da criança, sempre que possível; - Se a hospitalização é inevitável, procurar não separar a criança da mãe ou do familiar com maior ligação afectiva;

2.0 - Dada a falta de definição de uma política global para a prestação de cuidados pediátricos, o HP tem tentado adoptar progressivamente .o conceito segundo o qual: a Pediatria deve constituir a medicina integral do período evolutivo da existência humana que vai desde a concepção até ao final da adolescência, implicando o desenvolvimento das especialidades pediátricas como modos diferenciados de assistência naquele grupo etário.

2.1. - Para a prossecução de'Stes objectivos o HP tem desenvolvido três áreas de serviços, privilegiando o sector ambulatório:

Esta concepção da Pediatria decorre da ideia fundamental de que a criança não é um adulto em miniatura, impondo alguns objectivos fundamentais que o HP procura assumir, em consonância com a própria necessidade de racionalizar a procura de cuidados:

a) Nas situações de urgência, com serviço permanente, através de adequado atendimento de balcão. A grande maioria destas situações (83 %) são casos relativamente benignos, não carecendo de meios complementares de diagnóstico e tera-

- Reduzir ao mínimo as demoras das hospitalizações (Fig. 4).

GASTOS

NAO

1.1- A disponibilidade dos serviços é reconhecida hoje como factor de relevo na indução da procura de cuidados. O Hospital Pediátrico de Coimbra (HP) iniciou a sua actividade em 1-6-77 como único hospital infantil central para a Região Centro, pelo que pareceu interessante averiguar a evolução da oferta e da procura de cuidados que tem prestado, não só em números absolutos, como em números relativos com os restantes hospitais e serviços extra-hospitalares, abrangendo os Distritos de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu.

2 - MEDIDAS ADOPTADAS PELO HOSPITAL PEDIÁTRICO DE COIMBRA

FIG. 3 - HIERARQUIZAÇÃO DE CUIDADOS DE SAODE

didas externas de restrição - quer restringindo o financiamento adequado à sua exploração (restrição da oferta) - quer impondo o pagamento parcial pelos utentes dos custos dos cuidados (restrição de procura) (Fig. 2). 1.3 - Se os hospitais são inter-dependentes entre si, como rede hierarquizada, são igualmente inter-dependentes dos sectores de prestaçãc de cuidados extra-hospitalares a incluir no conceito, mundialmente aceite, de cuidados primários de saúde. A defesa do princípio da hierarquização da rede hospitalar, na base da complementaridade, assenta no objectivo fundamental de possibilitar a sua desconcentração com critério demo-geográfico, considerando o aumento de rentabilidade nos vários níveis tanto nos aspectos qualitativo como quantitativo. O desenvolvimento da rede de cuidados primários é hoje considerado o meio indispensável para a expressão das necessidades de acesso aos cuidados hospitalares com critérios exclusivamente clínicos, sendo, portanto, a metodologia mais correcta para se planear o ajustamento da oferta e da procura de cuidados hospitalares (Fig. 3).

H.P. HOSPITAL DISTRITAL

HOSPITAL CONCELHIO , "UNIDADE DE SAUDE·" ,

CENTROS

,

DE SAUDE

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FAMILIA, MAE, ENFERMEIRAS·~ PARTEIRAS, POPULAÇ.

33


FIG . 4 - HP - DEMORA S

M~ D IA S

DE INTERNAMENTO - 1900

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DEMORA MÉDIA GERAL 10,3 30 .0

Em 81 % dos casos, as situações da UICD evoluem de modo a permitir que a criança volte para casa dentro do período previsto com o seu problema resolvido (ou pelo menos esclarecido) sem que tenha sido necessário separá-la da família ou prolongar o afastamento do seu meio. Nos restantes casos é hospitalizada numa das enfermarias (Fig. 5) .

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15.0

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criança não está esclarecida, é feito o internamento na Unidade de Internamento de Curta Duração (UICD), uma pequena enfermaria de 10 camas sob a vigilância da equipa médica e de enfermagem do Serviço de Urgência, onde a criança fica sempre acompanhada pela mãe ou seu substituto.

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3 - EVOLUÇÃO DA OFERTA E DA PROCURA

rIG. 7 - EVOLUÇ ÃO OOS CUIDADOS U RGENT ~ NA ~ E'GIÃO CEN TRO

A disponibilidade do HP constituiu realmente factor de relevo na indução da procura de cuidados nos três sectores (Urgência, C. Externa e Internamento), como se demonstra pelos dados compa rativos com os r estantes hospitais da Região Centro, provocando o progressivo desajustamento da oferta patente nalguns serviços e evidenciando já a tendência para a degradação do nível de qualidade (Figs. 7, 8 e 9).

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10 1980

1979

1978

3.1 - Pelos dados disponíveis, o HP mantém

ainda uma maior área relativa de ambulatório, comparativamente com os restantes hospitais da região (Fig. 10) .

FrG. Q - EVOLUÇ ÃO DAS CONSULTAS EXTE RNAS NA REGIÃO CENHO

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FIG. 6 - HP - CONSUL TAS EXlER NAS -

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3.2 - O número de crianças que acorrem à

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Urgência, e que recebem unicamente tratamento de Balcão (sem recurso a MCDT), constitui, basicamente, aquelas que não foram sujeitas a qualquer triagem clínica prévia, vindo ao HP por simples iniciativa dos familiares.

30

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MEDICINA

pêutica, e podem regressar a casa após a consulta deste tipo. Quando o médico admite que a criança precisa de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, prevê que poderá ter alta nas 24 horas seguintes, ou ainda quando a situação clínica da

ORTO - TRAUMAT.

20 f978

1979

1980

CIRURGIA ALERGOLOGIA f ! G. 9 - EVOLUÇ ÃO DE INHRN AMrnTOS

NEURO-PEDIATRIA

A primeira constatação parece-nos ser relativa à distribuição global de cuidados pediátricos (incluindo HP, HHDD, SMS e CS), em permilagem com a população residente, onde a mancha de maior consumo parece corresponder aos melhores indicadores da taxa de mortalidade infantil (Fig. 11), designadamente nos distritos de Coimbra, Castelo Branco e Leiria, dado que os dados relativos ao HD de Aveiro são bastante incompletos (vide Cadernos do DGFSS).

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HEMATOLOGIA PNEUMOLOGIA

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5= 19% ENFERMARIA

34

b) Desenvolvimento das consultas externas, onde se consegue diagnosticar e tratar muitas cria nças com a mesma qualidade e com consideráveis benefícios r elativamente à hospitalização. Como regra geral, o acesso às Consultas E xternas obedece a triagem clínica e marcação prévia (Fig. 6) . c) Procura ndo conseguir a demora média mais baixa possível no internamento, o HP aceita a «hospitalização» simultânea da mãe, embora com gr andes restrições e obedecendo a pr iorida· des estabelecidas.

1980

1979

1978

P rocurando relacionar a distribuição de cuidados pediátricos na Região Centro com os indicadores de saúde infantil, julga-se possível chegar a algumas conclusões pelas tendências verificadas .

Comparando o consumo de cuidados prestados pelo HP com a mesma taxa de mortalidade infan-

FIG. 10 - DISTRIBUIÇÃO DAS ÃREAS DE CUIDADOS - 1980 -

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HOSPITAIS CENTRAIS E DISTRITAIS

35


til, constata-se o grande consumo do Distrito de Coimbra e Leiria, sem qualquer equidade relativa aos distritos eventualmente mais carecidos de cuidados diferenciados, ou aqueles que apresentam piores taxas (Fig. 12).

De notar que o Distrito de Castelo Branco recebe grande parte de cuidados hospitalares na Região Sul. Tentando comparação idêntica, mas com cuidados prestados pelo HP obedecendo a triagem

FIG. 13 - CUIDADOS COM TRIAGEM CL!NICA - 1980

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36

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FIG. 12 - CUIDADOS SEM TRIAGEM CLINICA - 1980 o

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FIG. 14 .. CUIDADOS SEM TRIAGEM - 19·80

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FIG . 11 - CONSUMO DE CUIDADOS/INDICADORES DE SA0DE - 1980

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clínica prévia (Fig. 13), e embora mantendo-se as excepções de Coimbra e Leiria, julgamos evidente a melhor equidade de distribuição e pelos distritos com taxas de mortalidade infantil mais elevadas. Procurando estabelecer relações idênticas com a taxa de mortalidade neo-natal, e tendo como

base o grupo etário até aos 28 dias de idade que recebeu cuidados no HP, por mil nascimentos vivos em cada distrito, parece-nos ainda mais evidente a melhor equidade de distribuição dos mesmos cuidados, quando obedecem a Triagem Clínica, embora ainda com claro privilégio para os distritos de Coimbra e Leiria (Figs. 14 e 15).

37


- O HP atravessa grave crise de crescimento, como progressivo desajustamento da oferta face ao crescimento da procura, o que poderá provocar a curto prazo a degradação do nível de qualidade de cuidados. - A distribuição dos cuidados não obedece a princípio de equidade e de possíveis neces-

Da comparação relativa, por distritos, dos cuidados prestados pelo HP, ressalta a maior equidade na distribuição dos cuidados que tiveram triagem clínica (~ig. 16). 3.3 - Desta análise apontam-se as seguintes conclusões :

sidades, com maior benefício para os distritos de Coimbra e Leiria e em desfavor dos distritos eventualmente mais carenciados, constatando-se haver uma melhor distribuição quando a prestação de cuidados obedece a critérios de Triagem Clínica.

FIG. 15 - CUIDADOS COM TRXAGEM - 1980 o

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TRIAGEM CLINICA :C:: 28 DIAS IDADE

FIG. 16- CUIDADOS COM TRIAOEM/CUI'DADOS SEM TRIAGEM CLíNICA - 1980

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TRIAGEM CLINICA

38

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4.0 - Na inter-dependência do sub-sistema HP com os restantes sub-sistemas prestadores de cuidados na Região procurou-se estabelecer relações, atendendo a permilagem da população residente em cada distrito, no grupo etário dos O a 9 anos.

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- A cada internamento no HP correspondem os seguintes internamentos nos HHDD (Hospitais Distritais) : LEIRIA ....... ....... .......... ......

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GUARDA

m

COIMBRA . .. .. ... . .. .. .. . ... .. ... ..

2,4

VISEU

·~

AVEIRO .... ...... .... ...............

37,7

LEIRIA .... ...... ,........... ....... .

41,0

VISEU ...............................

68,4

GUARDA ...........................

76,1

C. BRANCO

9,1

LEIRIA . . .. . . . . . . . . . . .. . . . . .. . . . . . . . .

30,3

VISEU .......... ........ ... ...... ....

49,4

AVEIRO . . . . . . .. .. . . . . . . .. . . . . . . . . . . .

48,4

GUARDA . .. . . . .. .. . ... .. . . . . .. .. .. .

54,7

CASTELO BRANCO

4.1 - Da análise dessas relações julga-se poder concluir das assimetrias de prestação de cuidados a nível local, com detecção de alguns distritos possivelmente prioritários para planeamento, como se verifica nos seguintes exemplos (por mil crian ças residentes) :

TAXAS MORT. NEO- NATAL

o o o .-

COIMBRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

t.n

HP - CONSUMO COM

o .. o o

4 - INTER-DEPENDÊNCIA COM OUTROS SERVIÇOS

- A cada Consulta Externa no HP correspondem as seguintes consultas no C Saúde + + S. Médico-Sociais :

CASTELO BRANCO

.. . . ... ..

13,8

. . .. . . . . .

115,7

5 - PROPOSTA DE CONCLUSÕES FINAIS

5.1 - Os gestores hospitalares não devem simplesmente procurar aumentar a capacidade da oferta de ·cuidados, face ao crescimento de procura.

5.2 - Na óptica do micro-planeamento os hospitais devem desenvolver a colheita de dados estatísticos que permitam não só prever a evolução da procura de cuidados, mas também a sua distribuição e as relações de inter-dependência com os restantes hospitais e outros serviços prestadores.

5.3 - A organização da análise desses dados em serviços de planeamento e análise de gestão em cada hospital poderá constituir uma componente importante para o macro-planeamento em saúde. ·

-A cada criança assistida na Urgência do HP correspondem as seguintes consultas nos Centros de Saúde + S. Médico-Sociais : FONTES DE DADOS UTILIZADAS :

1 HP - CONSUMO SEM TRIAGEM CLINICA

CASTELO BRANCO

. . ... .. ..

132,2

- Cadernos do Depar tamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde - Lisboa - 1982; - Esta títiscas do Serviço Administrativo de Doentes do Hospital Pediátrico de Coimbra - Boletim «I NFORMAÇÃO» - Coim b ra - 1980/ / 1981;

39


- Dados estatísticos cedidos pela Comissão Inter. -Hospi-talar de Coimbra, Serviços Centrais dos Serviços Médico-Sociais e pela Direcção Gera] de Saúde; - Instituto Nacional de Estatística - Folhas de Divulgação - Lisboa - Julho - 1980.

Com estes objectivos, preconizam o t r atamento de dados estatísticos em serviços hospitalares de planeamento e análise de gestão, com vista a prever ·a evolução da procura de cuidados, a sua distribuição e as relações de inter-dependência com os restantes hospitais e outros serviços.

o

Enfermeiro Gestor e a organização dos cuidados de enfermagem

(Integração do registo do plano individual de cuidados de enfermagem ao doente, numa unidade de internamento)* SUMMARY M. GILBERTA CÂMARA GOUVEIA **

SUMÁRIO

Os autores, utilizando o instrumento conceitual de sistema, abordam o problema do aumento da procura de cuidados hospitalares face à disponibilidade da oferta. Baseando-se na experiência do Hospital Pediátrico de Coimbra, que entrou em funcionamento em 1-6-1977 confirmando o princípio da indução da sua procura, defendem a prioridade de adopção de medidas organizacionais tendentes à racionalização da oferta, em vez da preocupação, muitas vezes exclu· siva, de procurar desenvolvê-la, exemplificando com alguns princípios adoptados. Consideram a rede de cuidados primários como meio indispensável para a correcta expressão das necessidades de acesso aos cuidados hospitalares. Comparando a procura de cuidados fundaJT1entada na triagem clínica prévia, com •a procura deixada à livre iniciativa dos utentes, demonstram a maior equidade e ajustamento da primeira, defendendo-c1. como único critério razoável a ser adoptado pelos gestores hospitalares a fim de evitar a imposição externa de medidas financeiras restritivas da oferta e da procura.

The authors, using the concepttual instrument system, approach the problem of hospital care demand increase facing offer availability based on the experience of Paediatric Hospital of Coimbra, which began working on the lst of Juin 1977, and confirming the method of its demand induction, the authors de!fend the priority of organization measures leading to the reasoning of the offer instead of expanding it, as it is often general concern. They illustrate with some principies, they adopted. They regard the primary care network as an indispensable way towards the correct expression of the needs to hospital care admission. Comparing dem·a nd for care, relying on a previous clinical selection to demand left authors show the better equity and adjustment of the first cme. They consider it the only reasonable method to be adopted by the hospital managers, in order to avoid the externa! imposition of financial measures restricting demand and offer. Bearing in mind these objectives, they recommend the statistics data analysis in the planning and managment hospital departments, trying to forsee the care demand evolution, its distribution and the inter-dependence relations with the remaining hospitais ánd other services.

1. INTRODUÇÃO

Muito se fala sobre a importância da implementação de registo do plano individual de cuidados de enfermagem, para uma assistência global ao indivíduo. Sem dúvida que na quase totalidade dos hospitais portugueses os cuidados são ainda prestados com base em planos mentais forçosamente incompletos para cada '"'S ituação apresentada, o que leva a maior parte das vezes a «cair-se na rotina», provocando a frustração do pessoal de enfer·m agem e a insatisfação do doente. Esta situação, no nosso ponto de vista, é muito mais grave nos serviços hospitalares do que nos serviços de saúde pública, pois nestes últimos geralmente o indivíduo não enfrenta estados críticos de saúde que exijam uma assistência rigorosa e infalível como sucede nos serviços hospitalares. Em qualquer dos casos o enfermeiro precisa desenvolver uma actuação 1netódica e de rápida aplicabilidade, baseada em conhecimentos técnico-científicos, partindo de conhecimentos genéricos sobre administração, e desenvolvendo ·a metodologia de planeamento e organização para a realização das suas actividades. Com este objectivo parece-nos necessário motivar e esclarecer através de acções de formação em serviço as equipas de enfermagem sobre a importância das acções a empr eender, partindo do tr abalho pr é-

* Do trabalho apresen tado no I Curso de Pedagogia e Administração para Enfermeiros Especialistas, na EEAE, Porto, 1982. ** Enrfermeira Especia'lista do Centro de Saúde do Bom Jesus (Funchal).

40

via de caracterização das mesmas equipas, de forma a obter a expressão das necessidades de for·m ação, adequadas em cada caso, tendo em vista actualizar os profissionais com conhecimentos mínimos relacionados com o plano individual de cuidados de enfermagem. Simultaneamente, o enfermeiro gestor terá de organizar, ou reorganizar, o método de trabalho a seguir na respectiva unidade de cuidados, com melhor integração e continuidade das actividades. Para uma .m elhor compreensão julgo conve. niente apresentar algumas definições prévias. Assim, adoptamos o conceito de enf er.magem segundo o qual esta consiste na «ciência e arte de assistir o ser humano - indivíduo, família, comunidade - na satisfação das suas necessidades básicas, de forma a torná-lo independente dessa assistência logo que possível, através do ensino do auto-cuidado; de recuperar, manter e promover a saúde, em colaboração com outros profissionais» (1) . Para Horta, cuidados de enfer·m agem fundamentam-se <<na acção planeada, deliberada ou automática, do enfermeiro resultante da percepção, observação e análise do comportamento, da situação e da condição do ser humano» (1) . 1

Isto implica o desempenho de actividades acção ou conjunto de acções, que se realizam em sucessão cronológica, para atingir um objectivo definido e mensurável (2) - as quais concorrem para a concretização da função humanística e técnico-científica junto do ser humano. Neste sentido, para que a sua acção resulte de forim a eficaz e eficiente, a actuação do enfer meiro terá de ser organizada, ou seja ordenando e estabelecendo prioridades, uitlizando os meios que tem ao seu alcance para atingir os objectivos propostos (2).

41


2. O PLANEAMENTO COMO PRIMEIRA FASE DE ORGANIZAÇÃO Para organizarmos qualquer acção temos de a planear. Se definir mos planeamento como um «processo dinâmico de pesquisa e fixação de objectivos, de políticas e de grandes linhas de acção tendentes à satisfação de necessidades e aspirações de um dado grupo social, ou ao cumprimento de missões que lhe tenham sido cometidas» ( 3 ), compreenderemos que o enfermeiro não deve realizar actividade alguma sem o devido planeamento, ou previsão das etapas a que a sua execução deve obedecer para resultados eficazes ou eficientes. Significa que o planeamento deve anteceder a acção, isto é, o enfermeiro antes de agir deve prever o trabalho a desenvolver, preparando a actividade com vista a uma dada finalidade. Para isso deve conhecer as fases gerais de planeamento, que compreendem ( 3 ) : - Planear o plano; - Fixação das orientações e políticas gerais; - Recolha e tratamento de informação; - Fixação de prioridades; - Identificação das vias alternativas de acção, no âmbito das prioridades definidas; - Desenvolvimento do plano pormenorizado; - Execução ou implementação do plano; - Avaliação e rev1sao. Para que qualquer acção resulte com o mínimo de eficiência, e no caso concreto para que o plano individual de cuidados de enfermagem a prestar seja uma realidade, o gestor terá de considerar estas etapas antes de actuar. As acções empreendidas sem qualquer planeamento e programação serão geralmente executadas ao acaso, sem uma reflexão ou conhecimento da importância do porquê da actuação.

3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTEGRAÇÃO DO PLANO INDIVIDUAL DE CUIDADOS DE ENFERMAGEM Para cuidados namento ferimos,

42

a integração do plano individual de de enfermagem numa unidade de interconsideramos fundamental, como já reque o enfermeiro gestor elabore o res-

pectivo plano da sua implementação (planear o plano). Após a fase inicial de conhecimento da teoria, deve averiguar da capacidade da sua aplicação pela respectiva equipa. Para a acção não basta dominar a teoria respectiva, torna-se necessário também motivar toda a equipa de enfermagem, ou levá-la a reconhecer a sua necessidade. Daí a importância das acções de formação em serviço, realizando as sessões teóricas que forem necessárias à implementação dos planos individuais de cuidados, acções essas que podem ficar dependentes do próprio enfermeiro gestor, ou do Departamento de Educação Permanente da Instituição. Passaremos a referir alguns conceitos que consideramos fundamentais: O planeamento de cuidados de enfermagem significa o estudo e análise da situação particular de cada doente, de forma a identificar as suas necessidades de saúde, com o objectivo de estabelecer os meios de acção mais eficazes e adequados na prestação dos cuidados (4 ) .

- Englobar a participação da família do doente, consoante a sua capacidade potencial; - Utilizar, com conhecimento, os instrumentos básicos da enfermagem, nomeadamente a técnica de observação, de comunicação e destreza manual; - Prever a avaliação contínua e a sua adaptação à evolução das necessidades individuais do doente; - incluir acções de ensino para a saúde, como função essencial do enfermeiro. Com estes princípios, a mesma autora estabelece os seguintes objectivos a alcançar com o plano individual de cuidados de enfermagem: - Dirigir a acção do pessoal de enfermagem com vista à prestação de cuidados individualizados;

O p}ano de cuidados de enfermagem pode ser definido como um registo escrito que abrange a identificação do doente, das suas necessidades de enfermagem, assim como das acções necessárias para satisfação dessas necessidades, como guia diário na coordenação das acções de toda a equipa, em adequação específica ~ cada caso (1).

- Ordenar as prioridades de cuidados, consoante as necessidades do indivíduo;

DEIMAN refere que o plano deve proporcionar as respostas às perguntas: o . quê? porquê? onde? quem? ( 4 ) . O plano de cuidados de enfermagem deve obedecer aos princípios seguintes ( 5 ):

- Prevenção de erros e perturbações na prestação de cuidados;

- Haver coordenação com o plano integral de cuidados ·m édicos; - Ser baseado em princípios científicos e ser terapeuticamente efectivo; - Assegurar a máxima saúde, segurança física e emocional ao doente; - Basear-se nas necessidades imediatas de saúde do doente; - Incluir a previsão a longo prazo da ajuda a prestar ao doente para recuperar ou manter o grau máximo de saúde, abrangendo a sua promoção, prevenção da doença ou invalidez, e reabilitação;

- Obter o acordo e adesão da equipa de enfermagem para as intervenções de que o doente carece; - Optimizar o trabalho da equipa de enfermagem;

- Dispôr de informação para controlo e avaliação da qualidade de cuidados, e sua actualização constante conforme forem alteradas ou detectadas novas necessidades do doente.

4. ELABORAÇÃO DO PLANO INDIVIDUAL DE CUIDADOS DE ENFERMAGEM Na elaboração do plano de cuidados de enfermagem, e continuando a seguir a doutrina de Deiman, devem ser consideradas as normas seguintes:

- Identificação do doente e das suas necessidades de cuidados de enfermagem; - Descrição dessas necessidades; - Descrição dos cuidados de enfermagem a prestar em harmonia com as necessidades; - Avaliação e revisão dos cuidados que estão a ser prestados, consoante a reacção do doente e a evolução do seu estado.

O primeiro passo a dar consiste em narrar a situação do doente, isto é, identificá-lo, descrever o seu estado físico, psíquico e a sua condição sócio-económica e cultural. Interessa igualmente mencionar qual a predisposição do doente em relação à situação de doença, assim como relativamente ao hospital e à própria equipa de enfermagem. Para o registo destes dados o enfermeiro deve utilizar como fontes:

- A história clínica; - O próprio doente; - Os familiares; - As visitas; - Toda a equipa de enfermagem.

Na recolha de dados, e na formulação da sua síntese, o enfermeiro terá de utilizar todos os conhecimentos científico-profissionais, para poder identificar os problemas existentes e as necessidades humanas afectadas, de forma a poder ser prestada a assistência global face ao grau de perda de autonomia que o doente apresenta. Ao estabelecer o programa de cuidados, estes deverão ser especificados, com indicação de datas e periodicidade, para permitir a avaliação e revisão diárias, sem quebra de continuidade. A título de exemplo, apresentamos o plano individual de cuidados elaborado com base num caso concreto:

- Reflectir as necessidades psicológicas e fisiológicas do doente e a inter-acção destas necessidades ;

43


HOSPITAL: ......... SERVIÇO: ............... PLANO DE CUIDADOS DE ENFERMAGEM Nome: ........................................................................................... Enfermaria: ............ Cama:

Ref:

Proc.º

Início: ...... / ...... / ..... .

Diagnóstico: Tetraplegia

Horários

Cuidados

1)

Mudança de decúbito: lateral direito e esquerdo; semi-ventral; ventral (se possível).

2)

Penso às úlceras de decúbito, com utilização de soluto Dakin, nas regiões: escapular direita e esquerda; costal direita e esquerda; dorsal; lombar; glútea ou nadegueira direita e esquerda.

Primeiros passos para a reorganização do actual sistema de informação no sector dos cuidados especializados de Saúde Mental

Observações

J. G. SAMJ>iAIO-FARIA * ALFR'EDO SILVA** GABRIELA NOGUEIRA* **

2/2 horas pelo menos

2

X

dia

Até desagregação dos tecidos necrosados. INTRODUÇÃO

3)

Algaliação permanente com drenagem contínua.

8/8 dias

4)

Sugerir ao médico um antibiograma para identificar o germen em causa.

Próxima visita médica

5)

Administração de uma colher de sopa de Agarol.

Diária, à noite

6)

Observação do abdómen -

7)

Banho acamado.

8)

Avaliação de temperatura termia.

detectar timpanismo.

Mudar a algália até col'\trolo da infecção.

Diário Diário

despiste de hiper-

3

X

dia

Uma vez ao me10 da manhã.

N.B.: Prognóstico: Situação grave eventualmente terminal. Actuar de f-0rma adequada junto do doente e familiares. MUITO IMPORTANTE: Plano de cuidados com premência de avaliação e revisão diárias.

SUMÁRIO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Introdução. 2. O pl·a neamento como primeira fase de organização. 3. Considerações sobre a integração do plia no individual de cuidados de enfermagem. 4. Elaboração do pl'ano individual de cuidados de enfermagem.

(1)

CONTENTS 1. Introduction. 2. Planning as the first step towards organiza'tion. 3. Comments on the integ.m tion of the individual nursing care plan. 4. Elaboration of the .individual nursing care plan.

44

HORTA, Wanda de A. - Teorias de Enfermagem. Separata da Revista «Servir», n.º 25, 1977. (2) Apontamentos tirados na disciplina de Administração dada pela Enfermeira-Professora Bandeira Correia, CPAEE, EEAE, Porto, 1982. (3) Apontamentos cedidos pelo Administrador Hospitalar Dr. Menezes Correia, CPAEE, EEAE, Porto, 1982. (4) DEIMAN, Patrícia A. - O plano de cuidados individual Organização Pan-Americana de Saúde - OMS, 1971. (5) Nursing Care, Study Program, in Nun;ing Care Mianagement, Chicago, 1966, citado por Patrícia A. Deiman in publicação referida no número anterior.

A presente estrutura sectorizada da prestação de cuidados de saúde mental exige um adequado sistema unificado de registos para as informações de natureza clínico-administrativa, referentes aos utentes dos seus serviços. Esta necessidade torna-se mais aparente, se se considerar a evolução organizacional dos actuais serviços para o modelo de Centro de Saúde Mental, estrutura que, pela multiplicidade do seu tipo de serviços, continuidade e compreensividade dos cuidados a prestar, requer um adequado sistema de informação, que constitua uma sólida base para as futuras acções de planeamento, administração e avaliação. Se pensarmos, ainda, que a presente situação de recessão económica fomentará, sem dúvida, toda uma série de medidas de fundo, que visem a contenção dos gastos em saúde, lógico se torna admitir que, entre outras medidas, o estudo e investigação de formas e processos alternativos de cuidados mais eficazes e eficientes ocuparão, sem dúvida, lugar preponderante. E, para este efeito, tem-se como fundamental a existência de um sistema de infarmação que possibilite uma melhor tomada de decisões, tanto a nível estratégico, como táctico, e permita avaliar os resultados obtidos em termos médicos, epidemiológicos e sociais, única porta de saída para a análise dos benefícios colhidos.

1

"' Especialista do Hospital Miguel Bombarda -Lisboa. Docente da Escola Nacional de Saúde Pública -Lisboa. ** Enfermeiro do Hospital Miguel Bombarda -Lisbo'a . *** Responsável pelo Serviço de Estatística do Hospital Miguel Bombarda - Lisboa.

Como resultado do desenvolvimento dos serviços psiquiátricos, ao longo do último século, pode dizer-se que o actual sistema de registos clínico-administrativos se reparte basicamente por três tipos de estruturas: o hospital, a consulta dispensaria! e os serviços de urgência. Todos eles possuem impressos, arquivos e tratamento próprios e separados, constituindo, de facto, um sistema tripartido de registos, com os consequentes inconvenientes que resultam não só da duplicação existente, mas também do facto de cada um conter elementos complementares e que, assim, ficam inacessíveis, sempre que um profissional é contactado por um utente, em qualquer ponto da rede de serviços existentes. Não beneficiam, pois, os doentes, porque, muitas vezes, se torna necessário repetir pela vigésima vez um resumo das queixas presentes ou passadas, com as imprecisões e impaciência que tal provi0ca; porque se não tem acesso ao passado clínico e terapêutico com o detalhe requerido, obrigando a mudança de medicações ou imprecisões diagnósticas. Não beneficiam os membros da equipa terapêutica, porque se vêem tantas vezes confrontados com registos insuficientes ou inapropriados, vendo-se na necessidade de múltiplos e repetidos exames que possibilitem melhores diagnósticos e acção terapêutica mais eficaz, etc.; e aos gestores, na medida em que lhes é praticamente impossível definir índices de actividade e padrões de procura, avaliar resultados, realizar análises de custos-eficácia, etc.; também os responsáveis pelo planeamento, quer regional ou local de serviços de saúde mental, pouco beneficiam da actual situação tripartida dos registos, na medida em que lhes não são facultados dados ligados por doente, por tipo de serviço, por diagnóstico, por gravidade clínica, por recursos (humanos, físicos e económicos), por área (sector) e por resultados obtidos. Mas, se o problema da dispersão institucional dos registos existentes constitui obstáculo à prática de melhores cuidados de saúde, para isso


'

contribui também, decisivamente, a manifesta insuficiência quantitativa e qualitativa dos dados que actualmente se colhem. Tradicionalmente orientados para informações que permitissem classificar os doentes em termos diagnósticos e que fornecessem dados relevantes sobre a situação legal e profissional do doente, para efeitos de cobrança dos custos da intervenção à entidade responsável, o certo é que já não se adequam às presentes necessidades clínico-terapêuticas, de gestão, avaliação e planeamento de serviços. Não é possível, com efeito, conhecer actualmente e de modo sistematizado, por exemplo, a situação sócio-familiar do doente, as suas necessidades em terapêutica ocupacional e de reinserção social, as taxas de prevalência e incidência das principais doenças mentais, a eficácia dos métodos terapêuticos utilizados, o grau de disfunção pessoal, familiar e social, a incapacidade para o trabalho, a dependência da família, ou estimar índices de actividade e produtividade dos serviços, etc .. Daí que uma reformulação urgente dos actuais items clínico-administrativos a colher se deva efectuar a curto prazo, tendo presente que o problema não consiste apenas em definir os novos elementos a registar, mas também a eliminar todos aqueles para os quais se não vislumbra já qualquer utilidade. Tal tarefa terá de obrigar à realização urgente de encontros de trabalho entre os vários profissionais da equipa terapêutica, e desta com os gestores, planeadores e investigadores, no sentido de determinarem os elementos indispensáveis que cada um julgue necessário colher, para poder encontrar a sua acção presente ou futura. A multiplicidade dos serviços que integram o Centro de Saúde Mental, associado aos princípios de continuidade e compreensividade dos cuidados a prestar pela mesma equipa terapêutica, torna obsoleto, a médio prazo, o actual sistema de colheita, armazenamento, processamento e tratamento. dos dados registados. Se a isto juntarmos a tendência verificada para o aumento significativo da pressão feita a nível dos serviços psiquiátricos, mormente nas áreas urbanas, indispensável se torna o recurso à utilização de computadores para processamento e análise dos dados colhidos. A criação recente dos Serviços de Informática do M.A.S. assim o atesta para o campo da saúde em geral e da saúde mental em particular. Por isso se recomenda vivamente que as necessárias adaptações e reformulações sugeridas para o actual sistema de registos se processem tendo em vista a sua adequação futura a todo um processo de informatização que se afirma indispensável.

46

Finalmente, tem-se bem presente o esforço que num futuro próximo será necessário desenv.o lver para integrar no Registo Unificado os registos respeitantes aos Centros de Saúde e Postos dos S.M.S. da área de actuação da Equipa de Saúde Mental e que respeitem aos cuidados por aqueles serviços prestados no domínio da saúde mental e psiquiatria. Numa primeira fase de desenvolvimento, podem identificar-se quatro tipos de acções sequenciais e que devem ser separados por um período experimental de testagem e aperfeiçoamento dos respectivos métodos e processos:

A. Unificação do actual sistema tripartido existente, pela simples reunião dos actuais registos respeitantes ao internamento, urgência e consulta num único registo (dossier) com características que permitam a sua utilização na todo ou em partes destacáveis, em qualquer dos serviços contactados pelo doente. Pensa-se que as seguintes medidas permitiriam, a curto prazo, o início desta fase: A.1. Criação de uma dependência, no Hospital, de fácil acesso para o pessoal do Serviço de Urgência, onde seria colocado o ficheiro geral.

• localidade • freguesia • concelho

A.6. Neste Serviço, seriam colocados profissionais com experiência do serviço, que teriam a seu cargo a coordenação e controlo do movimento das fichas através dos serviços, organização do arquivo, documentação, passagem de declarações, etc ..

• residência há seis meses • concelho

A. 7. Para que este sistema funcione, torna-se necessário que os vários sectores colaborem, mormente os Serviços de Admissão, Urgência, Internamento e Dispensário.

• residência há um ano • •

A.8. Deve notar-se que o processo do doente não corresponde ao processo clínico clássico, mas a um dossier único por doente, onde estão contidas informações actualmente dispersas pela Consulta, Hospital e Urgência. Este dossier (processo) apenas deve conter a informação relevante, ou seja, a que for estabelecida pelos diferentes profissionais como essencial.

concelho

residência há cinco anos 1

concelho • • • • •

Profissão Situação na profissão Estado civil Situação legal Data do 1. º contacto com os Serviços • Idade quando contactou pela primeira vez os Serviços • Serviço contactado • Quem o enviou

A.9. Outra característica que o dossier (processo) deve ter é a de possuir um sistema de acoplação e de destacagem fácil, que possibilite a utilização em separado das suas partes mais importantes. A capa deve também ser de material resistente, de modo a poder ser manuseada e transportada frequentemente.

B.2. Informação administrativa A.2. Nessa estante-arquivo, seria colocada, doente, toda a tivas consultas,

dependência, deveria existir uma organizado por sectores, aonde num único processo para cada informação referente às respecinternamentos e idas à Urgência.

A.3. No caso de o doente ser atendido na Urgência, um elemento do Serviço deslocar-se-ia de imediato à sala da estante-arquivo,. onde recolheria o processo do doente (se 2.ª consulta). No caso de se tratar de l.ª consulta, seria preenchida uma ficha, que seria depositada no correspondente processo e depositado na estante-arquivo, logo após a saída do doente. A.4. Os enfermeiros responsáveis pelas consultas, antes de se deslocarem para os dispensários, teriam de recolher os processos referentes aos doentes com consulta marcada e a serem atendidos. Estes processos, juntamente com as fichas da l.ª consulta, seriam, finda esta, novamente colocados na estante-arquivo respectiva. A.5. Sempre que o d<?ente fosse internado, o seu respectivo processo acompanhá-lo-ia para a enfermaria até ao dia da sua saída, data em que seria recolocado no local correspondente.

B. Reformulação dos elementos a registar, quer na área clínico-terapêutica, quer nas de gestão, planeamento e investigação. Apontou-se já a premência de se efectuarem encontros de trabalho multiprofissional, englobando todos os interessados em obter informação pertinente para as suas acções, com a finalidade de determinarem os dados a colher bem como a melhor forma de os registar. Sugere-se que o processo único de cada doente esteja dividido nos seguintes blocos informativos devidamente sinalizados:

A ser elaborada pelos gestores, quer a nível institucional, local ou central.

B.3. Informação sócio-familiar A ser elaborada pelos profissionais do Serviço Social. Presentemente, está em estudo um conjunto de informações básicas a colher na área social e que poderão vir a fazer parte dos dados a registar sistematicamente.

B.1. Identificação geral

identificação código) • identificação • identificação • identificação • • • • • •

do processo do sub-sector do sector do doente

nome nome do pai nome da mãe sexo data do nascimento residência actual

(n.º de

B.4. Informação clínica •

Diagnóstico • •

Principal Secundário (s)

História clínica

A história clínica deve ser colhida no 1. º contacto que o doente faz com a rede de serviços, independentemente do tipo de serviço contactado.

47

1

1 1


• Internamento Esta secção deve conter uma primeira ficha-síntese, em que são registados todos os internamentos (se os houver) que o doente sofreu e por ordem cronológica de cada um deles. A propósito de cada internamento, recomenda-se, no mínimo, que sejam registados os seguintes elementos: nome da instituição em que foi internado, idade do doente à data da admissão, data da admissão, data da alta, diagnóstico à saída, grau de gravidade, motivo da alta e resultado à saída e serviço onde foi enviado. Além desta ficha-síntese dos internamentos, devem aqui ser incluídas as fichas de história e observação clínica respeitantes a cada internamento, bem como outros registos que se julguem pertinentes, como programas de terapêutica ocupacional realizados, etc .. • Ambulatório Nesta secção devem estar as fichas de consulta, precedidas de uma ficha-síntese, que informe sumariamente dos serviços ambulatórios frequentados e os respectivos períodos de tratamento. •

Cuidados domiciliários

Em moldes semelhantes ao anterior. • Urgência Em moldes semelhantes aos do Internamento. Deve dizer-se que outros blocos informativos podem vir a ser acrescentados, se se julgarem necessários. As sugestões apresentadas não esgotam, de maneira nenhuma, o tipo de elementos a colher, entendendo-se que apenas através de uma acção concertada de debates interprofissionais é possível defini-los exaustivamente. C. Projectar o Registo Unificado para a sua ulterior informatização, pelo que se considera indispensável a colaboração do Serviço de Informática, ou o recurso a uma entidade privada, para efeitos de elaboração das fichas e sua codificação. Esta fase deve seguir-se ou acompanhar mesmo a segunda, pois apenas depois de determinados os tipos de elementos a colher e a registar sistematicamente se poderá proceder à sua informatização. D . Em cada área ou sector de actuação da

Equipa de Saúde Mental, logo que as circunstâncias o permitam, devem iniciar-se os esforças

48

de integração no Registo Unificado aqui proposto e descrito nas suas linhas mais genéricas, dos registos psiquiátricos e de Saúde Mental eventualmente existentes em Centros de Saúde e Postos dos S.M.S ..

AGRADECIMENTOS Pelas facilidades concedidas na preparação deste documento, aqui deixamos o nosso agradecimento ao Conselho de Gerência do Hospital Miguel Bombarda, tornando-o extensivo ainda à D. Ema Ponte, do Secretariado da E.N.S.P., pelo trabalho impecável de correcção e dactilografia.

O ensino da Saúde Pública na Pré-Graduação

RESUMO Tradicionalmente disperso por vários Serviços e com um conteúdo profundamente desajustado das múltiplas necessidades em informação, que um moderno e eficaz Serviço de Saúde Mental requer, impõe-se que o actual Sistema de registos clínico-administrativos existente no sector dos Cuidados de Saúde Mental 'E specializados (Hospitais ou S(;!rviços de Internamento Psiquiátrico), seja substancialmente

revisto e reorganizado. Neste artigo os autores apontam as razões mais significativas da actual situação e propõem as medidas imediatas a tomar com vista à implementação a curto prazo do Sistem·a de Informação existente na Área dos Cuidados de Saúde Mental e Psiquiátricos em Portugal.

SUMMARY It's well known the present situation of dispersion and inadequacy showed by the Portuguese Mental Health Information System. The authors in this paper try to characterize the situation and put forward severa! first step measures aiming at the improvement and progressive adaptation of the System to the new demands of a modem and effective Mental Health Service.

BIBLIOGRAFIA SAMPAIO-FARIA, J. G.; SILVA, A.; NOGUEIRA, G., Proposta para a reorganização do actual sistema de informação do Sub-sector do Montijo, Moita e Alcochete, incluindo sugestões para um modelo standard do registo clínico-administrativo, relatório entregue ao Conselho de Gerência do H.M.B., Lisboa, 1981.

NUNO GRANDE,.,

No fim da década de sessenta, os sistemas sociais foram postos em causa, em todas as latitudes, dado que não davam já respostas às carências das populações, com a consequente perda dos valores ético-culturais de referência. A estrutura que mais directamente sofreu os efeitos da crise foi a Universidade, onde se entrecruzam as classes, as culturas e as ideologias, tendo sido a partir dela que, em Maio de 1968, em Paris, se desencadeia a mais significativa contestação.

Os Governos, os Grupos Sociais e as Agências Internacionais debruçaram-se sobre as condicionantes gerais do fenómeno e procuraram solucioná-lo nos diversos aspectos, tendo a OCDE proposto a criação de um grupo que estudasse o modelo Universitário mais preparado para acompanhar a grande transformação social em evolução. O CERI, como se chama este grupo (CENTRE POUR LA RECHERCHE ET L'INNOVATION DANS L'ENSEINEGMENT) propôs um

* Professor 'do Instituto de Ciências Bio-Médicas «Abel Salazar», da Universidade do Porto.

tipo de Universidade com vocação temática e voltada para a problemática da Região onde está inserida: a UNIVERSIDADE REGIONAL TEMÁTICA. Ora, já estão em actividade as Universidades Regionais de Saúde, com um perfil diferente consoante os pontos de mundo em que foram criadas, obedecendo, no entanto, às características comuns de serem constituídas por um conjunto de Escolas que investigam e ensinam a problemática de saúde da respectiva Região. Este tipo de Universidade tem uma grande economia de recursos humanos, materiais e financeiros, pois os curricula são desenhados a partir das áreas de aprendizagem comuns às diversas profissões de saúde.

Deste modo, estudantes de Medicina, Farmácia, Enfermagem, Administração de Saúde, Técnicos Superiores dos diversos Serviços de Apoio Médico, Secretárias de Saúde, frequentam estas Escolas, de tal modo que se habituam a colaborar na resolução dos diversos problemas, criando-se deste modo o espírito de trabalho em grupo pluridisciplinar.

O ensino é estruturado de um modo mais realista porque se apoia no conhecimento dos

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problemas dominantes na Região, dado que as diversas Escolas mantêm com os Serviços de Saúde nacionais ou regionais um permanente diálogo contribuindo para o levantamento e caracterização desses problemas.

Em Portugal, criou-se em 1975 o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade do Porto, tendo como patrono o Prof. Abel Salazar, homem de Ciência e pedagogo que constitui um exemplo de previsão desta nova forma de orientação pois já a defendia nos anos 40. Este Instituto pode vir a tornar-se o núcleo de uma Universidade Regional de Saúde por ter sido pensado segundo a filosofia enunciada. Escola voltada para o meio e em diálogo constante com ele, tem como finalidade programar o ensino da Medicina e de outras profissões que promovem a Saúde na Região Norte e no País. O ensino desenrola-se por Ciclos sequenciais, progressivamente profissionalizantes:

curando estabelecer a continuidade entre o primeiro período de formação com a aplicação profissional directa que se processa naturalmente no último Ciclo. No caso da licenciatura em Medicina os alunos aprendem a definir o Homem São, os mecanismos de agressão e defesa, os processos de recuperação do equilíbrio hígido e o conhecimento das estruturas existentes para preservar e desenvolver a qualidade da vida. Nesta fase desenvolve-se a importância da Saúde Pública sendo fornecida informação em Epidemiologia, em Investigação Operacional em Saúde, Econometria de Saúde e a Ecologia Humana, Higiene Pessoal, Familiar, Escolar, Profissional e do Lazer. Durante este Ciclo obrigatoriamente, são os alunos distribuídos por trabalhos de campo que se diversificam por sectores muito diversos: o Saturnismo nos linotipistas dos jornais diários, o saneamento de alguns bairros do Porto, a suberose na Vila da Feira, a relação custo/benefícios de alguns actos médicos no ambulatório, o comportamento da tuberculose pulmonar em tratamento ambulatório, etc., foram já estudados. Estes trabalhos são apresentados em rela· tórios separados pelo grupo de alunos que o realizou e pelo respectivo supervisor.

CICLO BÁSICO -+ CICLO INTERMÉDIO -+

-+ CICLO PROFISSIONAL

O Ciclo Básico é constituído por um conjunto de áreas de conhecimento consideradas fundamentais para a preparação do pensamento científico dos jovens nesta fase de aprendiz~gem. devendo ser mais formativo que informativo. Logo nesta fase, se ensina a Estatística Geral, Matemática e Dinâmica de Populações assim como Psicologia do Comportamento, ao lado das disciplinas de Biologia Geral e Humana, <las Químicas e Físicas, procurando que os alunos, voluntariamente, participem em trabalhos de pesquisa aplicada em que o Instituto está comprometido em colaboração com os Serviços de Saúde, com as Autarquias e com as Agências Internacionais que apoiam Portugal. Deste modo, se vai desenvolvendo a valorização da metodologia da Saúde Pública, desde os primeiros anos da f armação escolar.

O Ciclo Intermédio serve de plataforma d~ adaptação das diversas saídas profissionais, pro·

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O principal objectivo a conseguir nesta fase é o de dar ao aluno uma perspectiva dos problemas sanitários antes do contacto com a vida hospitalar que centrará a aprendizagem no Ciclo Profissional. No último ano do Ciclo Clínico os alunos tomam contacto com a Medicina Extra-Hospitalar através da disciplina de Medicina Familiar e Social. Com esta disciplina, ensinada com a ajuda do Instituto de Clínica Geral e com o Centro de Saúde Concelhio pretende-se, em simultâneo com o ensino da Medicina Interna e Cirurgia Hospitalares, mostrar as diferenças fundamentais do tipo de patologia que se encontra fora do Hospital com a que habita o Hospital, altamente seleccionada e por isso não demonstrativa da realidade quotidiana; mostrar-se-á também a responsabilidade da atitude terapêutica, assumida individualmente e não, como acontece no hospital, de modo colectivo, e aumentar a aproximação entre o clínico e o doente, enquanto indivíduo. Para melhor se conseguir esta finalidade, os alunos são enviados em pequenos grupos de dois ou três a viver a actividade dos clínicos gerais da periferia, durante pelo menos uma semana. Este contacto com uma realidade completamente diferentes da conhecida até a esta fase da sua formação médica, das peculiariedades que rodeiam a actividade

clínica em cada um dos ambientes possíveis, o que permitirá educar a hierarquização das situações e das atitudes.

O clínico geral que resulta desta orientação fica a conhecer os problemas e os métodos utilizados em Saúde Pública, mas não fica um especialista nesta matéria. Todavia, de igual maneira que deve ser um interlocutor correcto do especialista hospitalar, o deve ser do especialista de Saúde Pública, participar na execuçã~ dos planos de acção sanitária com conhecimento das regras, sem o que o custo e o êxito de tais programas serão duvidosos.

A aprendizagem dos cuidados básicos realizada sistematicamente desde o Ciclo Intermédio dará a possibilidade deste jovem clínico vir a influenciar a transformação necessária da orientacão médica portuguesa, em vias de ruptura do~ meios humanos, materiais e financeiros. Os meios humanos, aparentemente excessivos, não o são realmente, pela baixa rendibilidade da actividade médica em Portugal quando comparada com os Países Europeus, mesmo os que têm uma dimensão demo-geográfica semelhante à nossa. No meu ponto de vista, é urgente deixarmos de pensar em termos de quantidade e passarmos a raciocinar em termos de qualidade, e então verificaremos que há mais de dois decemos que a preparação dos médicos portugueses não corresponde às necessidades do País que a desordem dos Serviços que utilizam a actividade médica atinge o paroxismo, com a sobreposição de competências, diluição de responsabilidades, e desperdício de diferenciações e especialidades. Os meios materiais quase todos de difícil manutenção e de custo progressivamente crescente, são mal aproveitados e a respectiva gestão mostra que, entre nós, não é difícil conseguir-se obter meios de trabalho, mesmo importados, mas a respectiva utilização é pouco rentável, assim como a respectiva conservação. Tudo isto se reflete na administração dos meios financeiros, tanto mais que o predomínio da actividade hospitalar desiquilibra o cálculo orçamental, sendo necessário atribuir mais de 50 % desse orçamento à gestão hospitalar que, pela natureza da sua vocação, dá entre nós, uma resposta percentual muito baixa. Cerca de 90 % dos actos médicos podem vir a realizar-se fora do hospital se se organizar a carreira do am-

bulatório de um modo racional e de exigência crescente. Ora, essa será a forma mais económica de gerir o orçamento, tentando passar a actividade médica para a habitação dos doentes e para os Centros de Saúde, podendo reservar-se grandes dotações financeiras para enriquecer e melhorar o parque habitacional em vez da construção de uma rede hospitalar progressivamente mais cara, com custos crescentes na manutenção e socialmente menos útil. Se este ponto de vista está certo, a solução mais útil a Portugal é o regresso ao médico de f amília de que temos largas tradições, mas com um perfil moderno: competência técnica numa vasta gama de assuntos clínicos, execução de algumas técnicas instrumentais de fácil manejo e baixo custo, noções de gestão e planeamento de saúde.

O prestigio e a eficiência deste clínico apoiar-se-á numa erudição profissional e geral que resulta da completa integração social que tem que ter, do senso comum, da tolerância e da compreensão que o tornem o confidente e o conselheiro previlegiado das famílias que estão a seu cargo.

As esperanças que temos nos primeiros 57 . jovens médicos que acabaram a licenciatura no ICBAS-HGSA fundamenta-se nas prespectivas que procuramos abrir-lhes em face das carreiras profissionais que os esperam, mas só o futur0 poderá julgar a justeza da nossa acção.

RESUMO

O autor trata, no âmbito do ensino médico, 0 problema da criação da Universidade Regional Temática, recomendada pelo Centro de Investigação e Inovação do Ensino, criado pela OCDE. Segundo esta filosofia, foi criado em Portugal, no ano de 1975, o Instituto de Ciências Bio-Médicas «Abel Salazar», na Universidade do Porto, escola voltada para o meio e em diálogo constante com ele, tendo como finalida1de programar o ensino da Medicina e de outras profüssões que p romovem a Saúde na Região Norte e no País.

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Sintetiza 'a s áreas de aprendizagem neste Instituto visando preparar médicos de família de que temos largas tradições, mas com um perfil moderno: competência técnica numa vasta gama de 'a ssuntos clínicos, execução de algumas téonicas instrumentais de fácil manejo e baixo custo, noções de gestão e planeamento de saúde. Aponta ·a inda a vantagem do desenvolvimento dos cuidados ambulatórios extra-hospitalares com base neste clínico, prevendo que cerca de 90 % dos actos médicos podem vir a realizar-se fora dos hospitais, com as vantagens em custos/benefícios que tal meta traduzirá.

SUMMARY

On the field of medical teaching, the author deals with the problem o'f the creation of the Re-

gional Thematic University, as advised by the Research and Innovation Teaching Centre, by OCDE.

A consulta de Planeamento Familiar

Under this view, the · Bío-Medical Sciences Institut «Abel · Salazar» Was created at Oporto University, in 1975, it is a school linked to the community and its goal is the planning of the medical anrl other health profession teaching, whioh prometes health at the Northern Region and in the country. He summarizes the learning areas at this Institut aiming at the training of family doctors, the traditional ones but with a modern look, e.g. technical competence in S'e veral clinical subjects, skill in performing 5ome easy-handling ·a nd low cost ins· trumenta'l tecnics and some general ideas about health management and p'lanning. He stresses the impovtance of developing ambulatory care based on the family doctor outside the hospital. He forsees that 90 % of medical acts can take place outside the hospitais, with the following cost/benefit advantages.

Aspectos técnicos (*) CARLOS FREIRE DE OLIVEIRA(**) DAVID M. REBELO(***)

1. - INTRODUÇÃO O Planeamento Familiar não encara apenas a Contracepção, como forma racional e saudável de evitar uma gravidez não desejada, mas igualmente tem como objectivo o tratamento do casal estéril, a informação sexual e o tratamento das disfunções sexuais. A complexidade do estudo e, sobretudo, do tratamento da infertilidade ou da esterilidade conjugal determinou a criação de consultas especializadas nesta · matéria e que habitualmente funcionam nos grandes estabelecimentos hospitalares e cobrem uma vasta área populacional. Quanto aos aspectos relacionados com a sexologia médica, sobretudo o tratamento das disfunções sexuais, a necessidade do recurso a técnicos altamente especializados e a meios sofisticados de abordagem da doença conjugal, exige igualmente a criação de consultas de Ginecologia Psicossomática e de Sexologia, cuja proliferação se não justifica (nem é possível nos anos mais próximos) e que normalmente funcionam, ou devem funcionar, nos grandes estabelecimentos hospitalares. Em consequência das necessidades específicas referidas, o Planeamento Familiar é, habitualmente, fragmentado em diferentes modalidades de consultas, resultando assim que o que se chama, na prática, Consulta de Planeamento Familiar não é mais do que uma consulta de contracepção, de informação sexual e de ligeira abordagem ao estudo do casal estéril.

* Para a elaboração deste trabalho contamos com a colaboração do Arquitecto Lopes Galvão, da Direcção-Geral das Construções Hospitalares, a quem agradecemos. ** Professor Associado de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Coimbra. Chefe de Serviço dos Hospitais da Universidade -Coimbra. *** Assistente hospitalar do Serviço de Gine~ cologia dos Hospitais da Universidade -Coimbra. Presidente da Delegação Regional de Coimbra da Associação para o Planeamento da Família.

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Nesta circunstância, a Consulta de Planeamento Familiar passa a ser uma consulta acessível aos pequenos centros de assistência e que por isso mesmo deve ser largamente difundida, com vista a uma cobertura eficaz de toda a população. Se há cerca de 10 % de casais estéreis, há, pelo contrário, mais de 90 % de casais que necessitam de recorrer a uma contracepção eficaz. Em Portugal as consultas de Planeamento Familiar funcionam em todos os hospitais centrais, na grande maioria dos hospitais distritais e, legalmente, deveriam funcionar em todos os Centros de Saúde, integradas na ·valência materno-infantil. Por outro lado, sobretudo nos grandes centros populacionais, há entidades privadas ou semi-privadas que mantêm consultas com tal objectivo. Embora, teoricamente, pareça haver uma ampla cobertura a nível nacional do Planeamento Familiar, na realidade iss.o não sucede por razões diversas, que vão desde a falta de infra-estruturas, às resistências por parte de diversas entidades, inclusive do médico e do pessoal para-médico. O objectivo deste trabalho é o de fornecer, sobretudo aos mais jovens, um elemento auxiliar que lhes possa permitir a criação e o funcionamento eficaz de consultas de Planeamento Familiar nos locais onde desempenham a sua actividade, desde que para tal estejam motivados. Deste modo, parece-nos útil abordar, embora de forma sumária, alguns aspectos relacionados com as instalações e o equipamento; com a equipa técnica e os apoios de que necessita; com a forma de acolhimento das utentes na consulta; com a história clínica; e, finalmente, com a escolha, aplicação e controlo do método contraceptivo.

2. -AS INSTALAÇÕES E O EQUIPAMENTO

Iremos apresentar um modelo teórico, facilmente adaptável às mais variadas circunstâncias e que parte dos seguintes princípios:

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(1)

A consulta de Planeamento Familiar funciona integrada num estabelecimento de saúde ou outro.

(2) A consulta de Planeamento Familiar não está integrada num serviço de Ginecologia e/1ou Obstetrícia (*) . (3)

- 1 armário envidraçado para equipamento

Fig. 1

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A consulta funcionará por um período de 6 horas diárias, de 2. a 6.º feira, devendo atender 20 mulheres por dia, das quais 4 serão de «1.ª vez» e 16 de «control0>>. Calcula-se em 30 minutos uma consulta de «1. ª vez» e em 15 minutos uma de «controlo».

1 1

2.1.2. -Gabinete de enflermage·m e dre apoio

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(4) No período de 6 horas deverão ser 2 ou 3 equipas a participarem na referida consulta, porque não aceitamos que se possa exigir a um médico ou a uma enfermeira um trabalho contínuo em consulta de 6 horas. Este período poderá ser repartido em 3 consultas de 2 horas (.o mínimo aceitável), numa consulta de 4 horas e noutra de 2 horas, ou em duas consultas de 3 horas (o que preferimos).

médico -1 estante com vestiário incluído (em opção) - 1 candeeiro de secretária

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.. D CLJ~ consulta

O gabinete de enfermagem e de apoio deverá comunicar por uma porta com o gabinete de consulta e por outra porta com o exterior. Nesse gabinete a enfermeira acolhe as utentes, dá explicações sobre .os vários métodos de contracepção, completando as informações prestadas pelo clínico e pela assistente social. Além disso, guardará em «stock» os diferentes meios de contracepção como: contraceptivos orais, c.ontraceptivos injectáveis, cremes espermicidas, preservativos, diafragmas, dispositivos intra-uterinos, etc. Este gabinete também, preferencialmente, receberá luz do exterior e como mobiliário deve considerar-se: - 1 secretária com gavetas

2.1. - INST ALAÇõES E MOBILIARIO

A área disponível para uma Consulta de Planeamento Familiar deverá compreender um gabinete de consulta com a área aproximada de 20 a 24 m 2 , um gabinete de enfermagem e de apoio com a área de cerca de 12 a 16 m 2 , uma secretaria e arquivo com 12 a 16 m 2 , uma sala de espera com cerca de 30 m 2 e instalações sanitárias. Deverá ainda haver uma pequena . arrecadação e, sempre que possível, um gabinete para assistente social com cerca de 16 m 2 (Fig. 1).

O gabinete de consulta nunca pode ser interior e deverá possuir em anexo dois «vestiários». que comuniquem com o exterior por portas independentes e que, além disso, sejam totalmente isolados, sob o ponto de vista acústico, do interior do gabinete de consulta.

Em condições ideais as consultas de Planeamento Familiar deveriam estar integradas em Serviços de Ginecologia e/ou Obstetrícia, o que nem sempre é possível por inexistência desses mesmos serviços em pequenas unidades assistenciais. (*)

Assim, pensamos .que na secretaria não deve haver «guichets», mas antes uma porta ligando-a à sala de espera. O mobiliário e equipamento poderá ser o seguinte:

Os «vestiários» destinam-se a permitir um melhor aproveitamento das estruturas, evitando-se os «tempos mortos», enquanto as utentes se preparam para serem examinadas. Nestas circunstâncias, durante o exame de uma mulher prepara-se a outra no pequeno cubículo. É fundamental que a porta que separa este do exterior fique a cerca de 10 a 15 cm do solo e que possua uma pequena janela de vidro fosco, evitando-se assim os fenómenos de claustrofobia. Pelo contrário, a porta que permite o acesso ao gabinete de consulta não deverá ter qualquer janela e a sua abertura só poderá ser comandada do interior do gabinete de consulta. Em cada «vestiário» deve existir uma cadeira, cabides de parede e um espelho. Terá ainda iluminação artificial. No gabinete de consulta existirá um lavatório, com os respectivos acessórios, um pequeno esterilizador de álcool e um negatoscópio (de preferência incluído na parede). Quanto ao mobiliário, consideramos necessário .o seguinte:

- 1 secretária com gavetas - 1 cadeira rodada com braços - 2 cadeiras sem braços -1 banca de apoio com tampo inox, armários e gavetas - 1 cesto de papéis

- 1 cadeira rodada com braços

- 2 cadeiras sem braços - 1 candeeiro de secretária - 1 bancada de apoio com tampo inox e lava-loiça incluído, gavetas e armários - 1 armário amplo para guardar um «stock» diário ou semanal de contraceptivos

- 1 cesto de papéis - 1 estante com vestiário incluído (em opção)

2.1.3. - Secretaria e arquivo Em nossa opimao o apoio administrativo a uma consulta de Planeamento Familiar deve ser individualizado e separado do serviço normal de aceitação de doentes para as restantes consulta e; das especialidades mais variadas. A problemática de ordem psicológica e sócio-cultural que pode interferir na ida de uma mulher ou de um casal a uma consulta de Planeamento Familiar não se compadece com «bichas» que aguardam vez para serem atendidas num «guichet» por um funcionário anónimo e indiferente ao acolhimento específico exigido por uma consulta de Planeamento Familiar. A recolha dos dados de interesse administrativo tem de ser feita em ambiente íntimo, com sigilo total e grande discrição em eventuais comentários.

- 1 mesa redonda baixa (mesa de centro) - 3 poltronas de braços - 1 secretária pequena com mesa de dactilografia anexa - 1 cadeira de dactilografia -1 ficheiro - 1 arquivo de processos clínicos - 1 cesto de papéis -1 estante - 1 máquina de escrever e material de secretaria

2.1.4. -Sala de espera A sala de espera deve ser ampla, bem iluminada, com cadeiras cómodas e decoração apropriada. Na nossa opinião há que dedicar particular atenção à decoração, podendo aproveitar-se para tal motivos que divulguem e informem sobre os objectivos e os meios do Planeamento Familiar. O ideal será incluir nessa sala equipamento mais ou menos sofisticado de informação por meios audio-visuais que poderá ir da projecção de diapositivos, à de filmes ou mesmo ao recurso ao «video-tape». O mobiliário da sala de espera comportará mesas de centro e/ ou de canto, poltronas e cadeiras sem braços. Prevêm-se instalações para cerca de 20 pessoas em simultâneo, porque se parte do princípio recomendável que a mulher frequente a consulta de Planeamento Familiar sempre acompanhada pelo cônjuge e há que instalar ambos comodamente.

2.1.5. - lnsfo1lações. sanitárias São indispensáveis as instalações sanitárias próximas do gabinete de consulta e a mulher deverá ser informada e educada pela enfermeira no sentido de as utilizar antes de ser observada na consulta. Uma bexiga cheia de urina já foi muitas vezes confundida com um quisto do ovário!

55


'

2.1.6. - Gabinete da AsSistente Social

2.1.7. -Arrecadação

Em condições ideais uma consulta de Planeamento Familiar deveria poder contar sempre com o apoio de uma assistente social, particularmente sensibilizada para esta matéria. Em nossa opinião após a passagem burocrática da utente pela secretaria, aquela deveria ser orientada para o gabinete da assistente social.

Poderá haver uma pequena arrecadação próxima do gabinete de enfermagem para armazenamento de material diverso de apoio à consulta e para arrecadação dos diferentes contraceptivos que devem ser distribuídos gratuitamente às utentes das consultas de Planeamento Familiar.

O papel da assistente social é fundamental e, infelizmente, na maior parte das consultas, ele é desempenhado pelo pessoal administrativo e/ou de enfermagem, sem habilitações próprias para o fazer.

A aceitabilidade de um método de contracepção depende muito da informação que a mulher ou o casal recebe sobre esse mesmo método. Cabe à assistente social fornecer toda a gama de informações referentes aos vários métodos de contracepção, permitindo ao casal fazer uma escolha livre, consciente e racional. A assistente social deverá ainda indagar, sem qualquer intenção policial ou fiscal, qual a situação familiar, profissional, social e económica do agregado familiar. Deverá ter um mínimo de treino psicológico que lhe permita interpretar o perfil psicológico da mulher ou do casal com quem dialoga. Durante a entrevista a assistente social colherá discretamente todos os elementos indispensáveis a uma correcta avaliação das necessidades do casal e que regista em ficha própria ou no processo clínico. Citam-se como elementos mais importantes: a idade, a situação familiar, o número e â idade dos filhos, o número e as condições de eventuais abortos, a profissão, as habilitações, a idade ~ profissão do cônjuge, o alojamento e outras particularidades sócio-culturais e religiosas. Quanto ao mobiliário e equipamento do gabinete da assistente social poderá comportar:

4 caixas para aplicação de D.I.U. com o seguinte material cada: - 1 histerómetro - 1 pinça de pensos - 1 pinça de POZZI - 1 espéculo médio

-1 tesoura

2.2.1.3. - Outro material - 1 termómetro

2.2.1. - Gabinete de consulta 2.2.1.1. - Equipamento hospitalar e médico-cirúrgico

Na descrição deste equipamento iremos basear os nossos dados numa consulta para 20 mulheres nas instalações idealizadas e descritas anteriormente. - 1 mesa ginecológica - 1 banco rodado -1 foco eléctrico fixo na parede ou rodado

- 1 mesa de apoio rodada em inox - 1 balde de pensos com comando de pé -1 suporte com caixa de ·compressas e comando de pé -1 marquesa

-1 aparelho de diatermo-coagulação (em opção)

- Espátulas de madeira para colheitas para exame citológico - Lâminas para esfregaços para exames citológicos - Luvas esterilizadas -

Zaragatoas Gráficos de temperatura basal Seringas Colecção de anéis para escolha das dimensões dos diafragmas - «Spray» fixador citológico (pode ser uma laca de cabelo) ou mistura de álcool e éter em partes igu_a is -

Solutos anti-sépticos Compressas pequenas ou «bolas» de algodão Vaselina líquida ou similar Solução de lugol para teste de SCHILLER (1 g de iodo + 2 g de iodeto de potássio + + 100 g de água destilada)

2.2.2. - Gabinete de ·enfermagem e de apoio

- 1 microscópio (em opção)

2.2.1.2. - Instrumental

-1 -1 - 1 · -1

balança com craveira aparelho de tensão arterial pequeno ebulidor pequena estufa

3. -A EQUIPA TÉCNICA E OS APOIOS

-1 mesa redonda baixa (mesa de centro)

- 25 espéculos (CUSCO ou COLINS) 5 espéculos grandes 18 espéculos médios 2 espéculos pequenos

- 3 poltronas de braços

-

3.1. - A EQUIPA TÉCNICA

- 1 pequena secretária - 1 cadeira rodada com braços - 1 cesto de papéis - 1 candeeiro de secretária - 1 estante com pequeno ficheiro

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2.2. - EQUIPAMENTO HOSPITALAR, MÉDICO-CIRÚRGICO E INSTRUMENTAL

-

4 tabuleiros inox

- 25 pinças de pensos

4 pinças de POZZI 4 histerómetros 2 sondas de NOVAK

2 colecções de velas de HEGAR do n.º 4 ao n.º 7

Ao abordarmos de forma sucinta os aspecto:s relativos à equipa técnica responsável por uma consulta de Planeamento Familiar pensamos que nos devemos cingir à realidade portuguesa e às nossas disponibilidades materiais e humanas. Não duvidamos que o ideal ser.ia poder ter uma

equipa composta por um ginecologista e/ ou obstetra, por um psiquiatra (eventualmente um psicólogo), por uma enfermeira e por uma assistente de consulta, como preconiza o Movimento Francês para o Planeamento Familiar. A necessidade de uma ampla cobertura do território nacional, a escassez em especialistas competentes e motivados para o Planeamento Familiar, as limitações em pessoal de enfermagem e em assistentes sociais e as restrições impostas pela crise económica que o nosso País atravessa (limitando a contratação de pessoal para a função pública), leva-nos a considerar utópico exigir-se, neste momento, que a equipa participante nas consultas de Planeamento Familiar tenha a composição supra-citada ou semelhante. Na nossa opinião não é possível contar, actualmente, mais do que com o médico (imprescindível), a enfermeira (imprescindível) e a assistente social (muito aconselhável, mas nem sempre possível) .

3.1.1. - O Médico A consulta ideal de Planeamento Familiar deveria ser feita por um especialista competente em Ginecologia e/ ou Obstetrícia, que para além do treino normal da especialidade estivesse motivado pela filosofia do Planeamento Familiar e tivesse, se p.ossível, frequentado cursos de pós-graduação em técnicas de reprodução humana. Não se podendo contar sempre com a presença de tal especialista, admitimos que um clínico geral, um pediatra ou mesmo um policlínico possa participar numa consulta de Planeamento Familiar, embora com grandes limitações. Além disso, esse não especialista em ginecologia ou obstetrícia teria que ter um treino suficiente em semiologia ginecológica e ser capaz de realizar um exame ginecológico em condições satisfatórias. Mesmo assim, pomos em dúvida a sua capacidade na introdução correcta de um dispositivo intra-uterino ou na avaliação de eventuais incidentes ou acidentes resultantes do emprego de contraceptivos hormonais ou mecânicos. A nível muito primário aceitamos que o não especialista seja capaz de recomendar e controlar a contracepção oral, saiba indicar um preservativo e um creme espermicida ou conheça a técnica e os inconvenientes dos métodos rítmicos ou do método da temperatura. Caberia ainda a esse não especialista orientar para centros melhor equipados, sob o ponto de vista técnico,

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todas as utentes candidatas à contracepção intra-uterina, à esterilização ~ mesmo aquelas que levantem dificuldades na prescrição e controlo de uma contracepção hormonal. Cada um deve ser suficientemente orgulhoso de conhecer as suas próprias limitações profissionais. Em qualquer das circunstâncias, todo aquele que participar numa consulta de Planeamento Familiar é obrigado a saber fazer um exame correcto das mamas, um exame ao espéculo, uma colheita para estudo citomorfológico e um toque vaginal bimanual. Consideramos também imprescindível que o médico não especialista em ginecologia ou obstetrícia tenha tido um treino prático numa consulta idónea de Planeamento Familiar e que de preferência tenha frequentado um curso pós-graduado sobre Planeamento Familiar.

3.1.2. - A Enfermeira Quanto à enfermeira julgamos que uma técnica de enfermagem com o curso de Saúde Pública e depois de frequentar um estágio teórico-prático sobre Planeamento Familiar está em óptimas condições para ser um elemento extremamente útil a integrar uma equipa de Planeamento Familiar. É evidente que as enfermeiras, mesmo sem o curso de saúde pública, que estejam motivadas por este tipo de medicina preventiva, que tenham um mínimo de conhecimentos teórico-práticos sobre a matéria e sejam competentes na sua profissão são elementos tão ou mais válidos que as enfermeiras de saúde pública. Se pusermos nos pratos de uma balança umas e outras · temos dúvida para que lado irá pender o fiel. Em conclusão e em relação à enfermeira entendemos que os pontos mais relevantes são a competência profissional e o grau de motivação. O papel de uma enfermeira numa consulta de Planeamento Familiar deverá ser o de completar, antes da consulta, as informações prestadas às utentes pela assistente social, colaborar no exame clínico da mulher verificando o seu peso e altura, inquirindo sobre os métodos contraceptivos já empregues e o pretendido, determinando a pressão arterial e realizando toda uma série de pequenos exames ou colheitas que facilitam e aliviam o papel do médico, aumentando a rentabilidade da consulta. É evidente que terá ainda de dar apoio ao médico no exame clínico, nomeadamente no exame ginecológico.

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Após a realização da consulta, a enfermeira deverá completar as informações fornecidas pelo clínico quanto ao método aplicado e nalguns casos particulares treinar a cliente no uso de determinados meios contraceptivos, como por exemplo, o diafragma. Cabe ainda à enfermeira fornecer os contraceptivos orais ou injectáveis prescritos, os preservativos ou cremes espermicidas recomendados ou o diafragma escolhido. Poderá ainda participar activamente e periodicamente no controlo das mulheres, sobretudo nas submetidas à administração de contraceptivos hormonais.

3.1.3. -A Assistente Social

Depois das considerações feitas em parágrafo anterior (2.1.6.) julgamos dispensável alongarmo-nos sobre esta matéria. Acrescentaremos apenas que para além do papel da assistente social na consulta ela terá uma função preponderante na divulgação do Planeamento Familiar, participando activamente em todas as actividades levadas a cabo nesse sentido.

devem ser repetidas periodicamente. Também o citopatologista poderá responsabilizar-se pela execução do espermograma, exame fundamental e prioritário no início da investigação de um casal estéril. Há igualmente necessidade de se poder recorrer a um serviço de radiologia onde alguns exames terão de ser executados. Citam-se como exemplo o estudo da cavidade pélvica e abdominal sem preparação, quando se pretende localizar um D.I.U. cujos fios não são visíveis ao exame ao espéculo; ou um estudo radiológico da sela turca, quando uma mulher apresenta uma amenorreia em consequência da administração de anovulatórios. Finalmente dentro desta alínea cabe ainda referir que toda e qualquer consulta de Planeamento Familiar que funcione num pequeno centro e/ ou seja da responsabilidade de um médico não especialista deve estar em íntimo contacto com um centro maior· para onde os casos difíceis e mais complicados devem ser drenados.

H.U.C.

Fig. 3

CONSULTA DE PLANEAMENTO FAMILIAR

Nome ........ . .. . .

Idade .

É evidente que hoje em dia é impossível fazer

Admitindo que a consulta que idealizamos funciona num pequeno estabelecimento de saúde há que garantir, à partida, o apoio de um laboratório de análises clínicas onde se possam executar os exames hematológiC:os, bioquímicos e bacteriológicos considerados de rotina. Entre estes citam-se, apenas a título de exemplo: a determinação da ficha lipídica mínima (triglicerídeos, colestrol e lípidos totais), da glicémia em jejum e 2 horas após a refeição, do hemograma, da velocidade de sedimentação, etc. Poderá haver necessidade de se solicitar o estudo cito-bacteriológico e parasitológico de uma leucorreia ou mesmo uma análise parasitológica das fezes. Além do laboratório, dito de análises clínicas, a consulta de Planeamento Familiar tem de estar apoiada por um citopatologista treinado que forneça a leitura dos esfregaços das colheitas cérvico-vaginais, cuja realização é obrigatória quando a mulher vai pela primeira vez à consulta e que

])

1 FISIOLOQICOS 1 Menerça ................. Clc loo d• lnfclo . ....._/. ........./.......... UIUm1mont1 ........./.......... Fluxo .............. ...............................

A

.. Tele f.

Morada ..

qualquer tipo de medicina, mesmo a preventiva, prescindindo dos serviços complementares de diagnóstico laboratorial ou radiológico.

Propositadamente ao tratarmos da equipa da consulta de Planeamento Familiar não nos referimos ao papel do médico, dado que pensamos que melhor se insere neste parágrafo que dedicamos à história clínica. Depois da entrevista com a assistente social e das informações prestadas pela enfermeira a mulher, ou de preferência o casal, apresenta-se face ao médico com uma ideia mais ou menos definida sobre o método contraceptivo pretendido. O papel daquele não é o de indicar ou escolher o método de contracepção para o casal, mas apenas o de lhes explicar as eventuais contra-indicações que possam existir ao método pretendido e sugerir-lhes alternativas, cabendo sempre a última palavra à mulher ou ao casal. A elaboração de -uma correcta história clínica é imprescindível e obrigatória até para defesa da responsabilidade profissional do clínico. Para facilitar a exposição sobre a orientação que deve ser dada à elaboração da história clí-

Fig. 2

Serviço de Ginecologia

3.2. - OS APOIOS

4. - A IDSTóRIA CLtNICA

. Profissão ... . ............................. lnatruçto• .

Estado•

.............. . Religião• .... ..

MARIDO ; Profissão . .. .... ....

· ·. ·. · ~

:. 11_

11

· ···· - -

. ...... ........... ..... lnetruçlo• ....

Perturbeçõo1 dea regre• .... -. D11mono,,..11 :

Sim .... ....... Nlo ............ .

Prlmir11 ..... .. . . ... Pr' .................

Ugelr9 ..........

Tr9n1. ................... Secund6rl1 ............ Póe ... ... .............

.

..... , ....... . ··············-

M6dl1 ................. , . lnt11111 ...•.............. , ···- ·········-···

Leuoon 1l1 .....

B

MOTIVO DA CONSULTA' .

(JiRAVIDICOS

1

Fonte de ·1nformoção• ..

M61<>do

N .o de 1borto1 precocea .

N.o do geet1çõoo ...........

Métodos contraceptivos já uudos : .

0u,.,10

N.• de 1borto1 tardio• ...

gemel1rea ..

Rulo do ab1ndono

Eapon!AneM ... ...................................

N.o do parto• 1 tenno ...........

·················-·········· - ......................................... ·················-··················-······ .... ·-··-······················•········-····

normal• .........

Provoeadoe .... .... . .................... .... ................•.

forcep1 . ...........-............ .........................- .. ..

N.• d• ftlho1 vivo• ............ ... .

ventoae1 ....... - ...............

Idade doe !Ilho•

c:eaarla n11 ............ _..........

D1t1 do flm da últlma geataçlo :

···················· ..

Método contreceptivo desej ado

C

1 ANTECEDENTES HEREDITAAIOS

1

(Em caso afirmativo convém especif icar)

N.o de parto• prem1turo1 ...

Porto ...... .......... ......................• ........

N.o de nadoa vivo•

Aborto ...

N.o da nado• mortoo . .

Cirurgia glne co l6glca

Oiabetee

Como p 111ou durante 11 geateçõeo :

Hipertensão .

Doença cerdfaca

Quanto• Irmãos teve ..

A. V. C.

Quantos Irmãos faleceram em criança

ANTECEDENTES PESSOAIS

Actlvldade Sexuar• .......... Problem.. Sexusla ... .

1

(Em ceeo efirmetlvo especificar)

E

PATOLôGICOS-MWICOS

1 EXAME FIS!CO GERAL 1 Peao ..... ······-···· Altura ........ ......... T. A. .... ... ..... Pele

Rubéola .

Diabetes ..........

Hipertensão ...

Parotldite ..... .

O. Renal .........

D. Cerdfaca .... .................. .... .

Sistema plloeo . . ...

Tube rculose .......

Epilepsia

A. V. C.. . ....................... . .

Mamei .............. ..

Febre r aumét lca

DepreosAo ......

Trombofleblte .....

Asma .............. ... .

Cefaleias ........ . .......

Varize1 .........

Alerglea .. . .

Desenv. Mental ....

Abdómen ......... .............. ............. OINECOLOOICO

Colo ..... . ..

D. L P.

Palpação , Colo ....

Corpo ' Po1lção ... ... PATOLOGICOS·CIRúRCICOS

(U. M. ............ ............) Perlneo ....... ......• .................... Anui ············ ···-·····················

Vulva .................. . ..................................... .............. V1gln1 .................. ............ ................ ··················-··················- ····

Selo• ........... ..................................... ...................................

Hepatite .......

1

Cefelolao .......................... .

Quanto• filho• deeejerte ter . . .

Neople9IH ...

1

Vómito• ......

Ver1ze1

1

Con111t6nci1

Cir, ginecológica ..................... ........................ .................. ,,_............................................................................................................

.................................................................................................. ....................

..................•.. Tamanho ... ....... .S.111lbHldad1 ................................................................................

Mobilidade ............................. ............................. ..... ..............- .......... .

.

Aeglõe1 Anex1111 : Dtntlta ................... ........ ·····························-······················............................................................

Clr. nao glnecológlca .. ......... . ......................................................... ~todo

Eaquerdl ......................... ···-······················- ·······················-·····-···········-·································-···· co•trectptlvo 11colhldo ...................

Data do último exame glnecol6glco ......... /. ........./... ....•

59


nica, apresentamos nas figuras 2, 3, 4 e 5, o modelo de processo clínico, elaborado por um de nós , e que foi adoptado na Consulta de Planeamento Familiar do Serviço de Ginecologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Como se pode verificar, na figura 2, há informações diversas na história clínica que não necessitam de ser obrigatoriamente colhidas pelo médico, como já tivemos a oportunidade de afirmar. Assim, os elementos de identificação, os dados familiares e sócio-culturais, contidos nos

Fig. 4 F

espaços A e B podem ser colhidos pela assts·· tente social e/ ou pela enfermeira. Quanto aos antecedentes hereditários, pessoais ou patológicos, incluídos no espaço C, devem ser anotados pelo médico, dado que logo aí podem surgir factos que, por exemplo, contra-indiquem de forma absoluta a tomada de contraceptivos hormonais. Na figura 3 os elementos contidos no espaço D e que se referem aos antecedentes fisiológicos e gravídicos, são dados que têm de ser colhidos pelo médico porque a recolha nem sempre é fácil e, além disso, a sua interpretação no contexto geral do exame da mulher irá permitir ao clínico

EXAMES LABORATORIAIS Hemogrem1 ····················~-···-··-··-··--···-·--···--·····-········-·---··--·---·-··-·-----··--···-·-

V. S. ··-··-··-··-··-···-··· Gllc6mla ···--·····-·--··-·- Coleoterol - - ·-·-···-···-- Trtgllcerfdeoe --·- -- ·· --

Fig. 5

Llpldeoo Total• ..·-···-··················· TllXll de Protromblna __·-·-·--·-·--··-···----··-···-··-···--···--··-··-·--THte de Gr9Yfd•• ·-··-··-·······-·········· Citologia morfológica

.

AMll.. de Leucorrolo -······-·······-····--···-········-··············-··········-···-·---··-·-

Sum•rl• / Hlotobacterlológlca da Urinai ·········- ·······-·-···-·-

·-····-·-·· - - -- -

M

-·-·-·-······-·- - --··-···--

-··-·-·--····--·-·········-·---····-······-·······-··-·-- ·

-···--·-··-·································· ······-·······················-··············-··-----······--········--··········--····-·····-···-·-······-··-····-·-··--·---··-··-·

.

Peso ................ l . A, .

úl~ma

no o o

.._I_ _ _ _ __ _ _ ,

Men1tru1çlo .... ......................................

MOTIVO DA CONSULTA : Controlo ................. nlo

competência do médico. A propósito, entendemos que numa consulta de Planeamento Familiar, sobretudo na primeira consulta, que é uma consulta de ginecologia geral, a mulher deve apresentar-se perante o médico totalmente despida, podendo recorrer-se, por questões de pudor por parte da cliente, ao uso de um bibe ou de uma bata ampla que permita um exame objectivo completo de todo o corpo. Repetimos que o exame ginecológico é imprescindível e obrigatório seja em que circunstâncias for, desde a rapariga virgem que pretende iniciar uma actividade sexual protegida, à mulher a quem se recomenda um simples preservativo com creme espermicida. Durante o primeiro exame ginecológico, desde que não haja uma contra-indicação (por exemplo uma leucorreia purulenta) é obrigatória a realização de uma colheita cérvico-vaginal para a realização de esfregaços para estudo citomorfológico.

5.1 . - CONTRACEPTIVOS ORAIS

(A) Exames solicitados ou realizados na l.ª consulta: - Exame ginecológico - Exame citomorfológico - Glicémia em jejum e pós-prandial - Triglicerídeos -Lípidos totais - Colesterol -Peso - Tensão arterial (B)

Ao fim de 3 meses: - Exame ginecológico -Peso - Tensão arterial

Outn11 -·········· .. Afecçõee a·.1rglda• ep61 e conaulte anterior ................_ ...................................................- ···-······............... ··············-···--·-

1 CONCLUSõEI 1 . Queixes relacloned1a com o m•todo eacolhldo ...

M6todo adoptldo .......................... ······················-- ··-···-·············· ···········-···-···-··-·-·-··--·················--·······-······-··Potologla ancontnda ........... ················-··-···-······-·-···-······-········-·········-··-···-··-···- -···-·-·-·--·-···-··-··-····-··-··-

Satiafaçlo .......

-····-·-···················-······-·-·-······················-··-······ ···-··-···-··-·..-·--······-·-······-··-········ ---·-·--·--··-·-·-··--··-······-·-··-············-···••·······················-··-·········-······ ..............-................ .......................-----·-····-·---··-·······---··-·--··- ··-

Actlvld1de Sexuat•

-

T1r11p&utlce . -·

EXAME FISICO - Selo• ................. .......................... ..........................

. -· .... ·- ........... ·-· .• . . ·---···- · -·- ·-· -· ... ...... · · · - - -- - ·-··--·-· · ···· - ·--··--··-·-··Abdómen ........................................ Vulvl • vagina . .

..... ........................-.......... ·····-···-·..··········-···-···-···..········-··-·..-··········-····..··-·· .........·-···········-··--··-···-·······-··--------

-

-·-············--·-··-·-·-··-····-··-····"··-·--····--...-.._........ ............._____.....--..·-·-··············- -·······-···---·-···-···-·-···-------···-

·-·-··--·-····-----··-··---···-···..·········--··..·-···················- ·-··-·······-····-·-·····-·-·..·····-··----·--··-···..-·..·-···-··-- ········ ··-··- ··-··-.. ............. .................................-....... ....................... ...............................-----·-··-·······-·------·- -·---· ..-·--·-·

-

-

_

Colo ················-·····

.......... útero . ....... ...........................

Aeg. An1x1111 ..... ............ _.. - ..........-............... ..................... -....

Mude de rMtodo p1r11 .......

An•n..,

............................................ .. .................................

...... Relo .................................. ...............................

ped1d11 ....... .................................. ····························-············ .........................

Patologle 1ncontr11d1 T1r11p6ut1ce ............................

......... ,_..._........................... ····-···--................-·-·----·---·-·..····--··-..·--·-···-- - -···-··-------·-- Data do próxlme con1ulto1 ......... J......-../........-

-·-

.,....,,__ Mnoool.._-----~

.

NOTAS AUXILIARES PARA O PREENCHIMENTO:

Alecçõea 1urvldu apóa 1 con1ult1 1nterlor ···························-·····························-··-···-···-···-·-·························-··-··-·····

-··- ..·--·····-··-······---· ..-···"··-····.. ··..···....·-··"""''''"·····..·············· ...................-········-----·-·····.................·-··--···-·····-··················-··Queix11 r11laclon1d11 com o m6todo t1colhldo ... ····-··················-········-·················-·········-·-··········-·············-···-········

INTRUÇÃO: O grau de escolaridade mais elevado que completou. ESTADO: casada; divorciada; separada; viúva e solteira.

SaUlfeçlo ................................ Ac!Mdade Sexual° ............ .

RELIGIÃO: Católico; Protestante; Testemunha de Jeová; Ateu.

• MOTIVO DA CONSULTA: Aconselhamento pré-relações; evitar a primeira gestação; espaçar as gestações: recusa de mais gestações. •

FONTE DE INFORMAÇÃO: Por utente da consulta; Por outra pessoa amiga; Publicidade; Sessão de esclarecimento da AiFF; Enviada pelo Serviço de Ginecologia; Enviada por outros serviços do HUC. Enviada pelo médico assistente.

60

- Exame ginecológico - Peso - Tensão arterial (D) Ao fim do l.º ano: - Exame ginecológico - Exame citomorfológico (repetido depois de 2 em 2 anos) - Glicémia em jejum ] (repetidos e pós-prandial l anualmente - Triglicerídeos r ou de 2 em - Lípidos totais J 2 anos) - Colesterol -Peso - Tensão arterial

ACTIVIDADE SEXUAL: 1 - Sem actividade ; 2 - Com actividade irregular; 3 - Com actividade em ligação ma ri tal.

Na figura 5 reproduzem-se as fichas de controlo cujo preenchimento deverá ser feito pelo médico à excepção dos elementos já referidos como sejam o peso e a tensão arterial que podem ser determinados pela enfermeira.

I

EXAME F1SICO - Seloa .................... . ·····················-························· ...................

Abdómen .. ......... .... ····-·············· Vulv1 • v1g1n1 ......................•..................................

Colo .............................

com o preenchimento de todo o impresso reproduzido na figura 3, sendo então solicitados os exames complementares julgados convenientes e que serão transcritos numa consulta seguinte para o espaço F (Fig. 4) onde igualmente se anotam as conclusões mais importantes, nomeadamente o método adoptado. Em certas circunstâncias o preenchimento do impresso reproduzido na figura 4 poderá ser feito na primeira consulta com pequenas excepções, como seja a transcrição do resultado do exame citomorfológico.

(C) De 6 ou de 9 em 9 meses:

Paio ............. .... T. A. ·········-·-··- últtma Menetrueçlo ······················-···-···-···-···· MOTIVO DA CONSULTA: Controlo ................. nlo ············· ········-···-········-·················- ·············· ·····-··················-···- ····

A primeira consulta frequentemente termina

(E)

..... útero ····-····-··········-··-······

Reg. Anexlal1 ..... ·······-····-············· ···················-···-··-·--······-···········-················· ······-········-···-·--········-···-··-···-··-··-··-··Muda de !Ntodo p1r11 ····-························ Razio ····-··········-······················-·······--·················-···-··································

An611191 podida• ······················································· ····-·······-········-···········································-·············-··················-········· Patologia encontrada .... ~ ............................................................._..._............................-.................._ ...............................

5. - A ESCOLHA DO MÉTODO E

O SEU

CONTROLO

T1r11p6u!ICll ....... ....................................:.....·-········-·····················-·······························-·-··-·-··-······················-·····················

-·~-

~

ter uma ideia das vantagens ou eventuais inconvenientes de determinado método pretendido pelo casal. Relativamente ao exame físico, incluído no espaço E, pensamos, como já afirmámos, que a determinação do peso, da altura e da tensão arterial deve ser feita pela enfermeira. Os restantes passos do exame objectivo são da exclusiva

Suspensão do contraceptivo:

Como repetidamente afirmamos, cabe ao casal a última palavra na escolha do método, devendo o médico recomendá-lo ou não caso existam vantagens ou inconvenientes, nomeadamente contra-indicações absolutas. Na Consulta de Planeamento Familiar do Serviço de Ginecologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra seguimos os seguintes critérios, para os métodos mais empregues:

- Nas mulheres que pretendem engravidar ou voltar a engravidar deve suspender-se a pílula ao fim de 2 anos realizando-se no período de repouso a colheita da temperatura basal. O contraceptivo pode ser novamente administrado desde que surja um ciclo ovulatório. - Nas mulheres que não pretendem voltar a engravidar não há necessidade de suspender a pílula, mas a partir dos 40 anos preferimos não administrar anovoluatórios e recorrer a outro método de contracepção.

!> 1


5.2. - DISPOSITIVO INTRA-UTERINO (D.I.U.)

5.3. - PRESERVATIVOS E CREMES ESPERMICIDAS

(A) Exames solicitados ou realizados na l.ª consulta:

(A) Exames solicitados ou realizados na 1. ~ consulta:

- Exame ginecológico - Exame ginecológico

- Exame citomorfológico

- Exame citomorfológico

- Hemograma e V. S.

-Peso

- Taxa de protrombina (em opção)

(C) Seis meses após a esterilização: - Exame ginecológico (D) Anualmente após a esterilização: - Exame ginecológico - Exame citomorfológico (repetido depois de 2 em 2 anos) -Peso - Tensão arterial

- Tensão arterial

-Peso

KLEINMAN, R. L. - Contraception: les dispositives intra-uterins, Ed. I.P.P.F., 1968. KLEINMAN, R. L. I.P.P.F., 1969.

M,a nuel Medical, Ed.

KLEINMAN, R. L. - Manuel de Planification Familiale à l'usage des médecins, Ed. I.P.P.F., 1975. WEILL HALLE, M. A. e MARVINI, G. Teoria e Prática do Planeamento Familiar, Ed. Família 2000, Porto, 1976.

6. - O CffiCUITO DA UTENTE

- Tensão arterial

(B) Ao fim de 1 ano: - Exame ginecológico

(B) Um mês após a aplicação do D.I.U.: - Exame ginecológico (correcção do tamanho do fio, se necessário)

- Exame citomorfológico (repetido depois de 2 em 2 anos)

RESUMO A título de conclusão e para sintetizar o que se afirmou neste capítulo, apresentamos em esquema o circuito que a mulher ou o casal deve fazer numa consulta de Planeamento Familiar:

-Peso (C)

BIBLIOGRAFIA

- Tensão arterial

De 6 em 6 meses: - Exame ginecológico

No caso da mulher pretender manter este método por longos períodos, o que não é frequente, pois habitualmente ele é empregue como método de transição, é controlada anualmente, sobretudo com o objectivo de detecção de eventuais afecções oncológicas e prevenção das mesmas.

- Peso - Tensão arterial (D) Ao fim do l.º ano:

RECEPÇÃO NA SECRETARIA

ENTREVISTA COM A ASSISTENTE SOCIAL

ACOLHIMENTO PELA ENFERMEIRA

SUMMARY CONSULTA MÉDICA

- Exame ginecológico

l

- Exame citomorfológico (repetido depois de 2 em 2 anos)

5.4. - ESTERILIZAÇÃO FEMININA

- Peso

(A) Exames solicitados ou realizados na l.' consulta:

- Tensão arterial

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES PELA ENFERMEIRA

M~RCACÃO

- Exame ginecológico

(E) Mudança do D.I.U.:

Na opinião dos autores o que se chama na prática Consulta de Planeamento Familiar não é ~ais do que uma consulta de con tracepção, de mformação sexual e de ligeira abordagem do estudo do casal estéril, o que a torna acessível aos pequenos centros de assistência ao nível de cuidados primários, tendo em vista a cobertura eficaz de toda a população. Nesse sentido, dão indicações quanto a instalações e equipamento necessários, equipa técnica, elaboração de histórias clínicas, escolha de método e seu controlo, e dos aspectos organizacionais.

DE CONSULTA DE CONTROLO NA SECRETARIA

The authors consider that what is commonlv called a Family Planning Consultation is only a birth control and sexual information and a slight approach to the sterile couple investigation. Therefore it is possible to be carried out at the small primary care centres to meet efficiently the whole population demands. Guidelines are given related to facilities and equipment, staff, history sheet elaboration, choise of the method and its control and organizational aspects.

- Exame citomorfológico - Dispositivos activos com _p rogesterona = 1 ano - Dispositivos activos cobre = 2 anos

com 200 mm2

=

- Tensão arterial de

- Dispositivos activos com 250 mm2 de cobre = 4 a 5 anos - Dispositivos inertes

=3a

- Peso

4 anos ou mais

- E. C. G. - Hemograma - Urémia - Glicémia - (Termo de responsabilidade)

Na consulta em que retira o D.I.U. «velho» é colocado o «novo» não havendo necessidade de qualquer período de repouso desde que a mulher não apresente qualquer justificação clínica para tal.

62

(B) Um mês após a esterilização: - Exame ginecológico

63


SIEMENS

2N

SOMA TOM ' TOMOGRAFO

COMPUTORIZADO

' NEUROLOGICO

Tomografia Assistida por Computador TAC J. ALMEiiDA PINTO*

A TAC resultou do extraordinário progresso tecnológico dos últimos vinte anos e da convergência de diferentes áreas do conhecimento, em que médicos, físicos, matemáticos, engenheiros, conjugaram o seu saber no sentido de uma alta criatividade. O que é a TAC, que vantagens introduz e que mudanças no funcionamento e na estrutura hospitalar implica são pontos que sucintamente vão ser tratados.

A fotografia acima mostra o primeiro sistema de tomografia computorizada em funcionamento numa entidade estatal (Hosp. Geral de Santo António - Porto). O segundo equipamento do mesmo tipo entrará em funcionamento no Hospital de Egas Moniz - Lisboa, nos próximos dias.

Desde a descoberta dos Raios X por Roentgen em 1895 até à descoberta da TAC por Hounsfield nos fins da década de 60, a imagem radiológica não evoluira significativamente. O ecran radioscópico e a película radiográfica são o suporte dessa imagem, são os receptores onde tem expressão a infarmação contida no feixe de raios X, modulado após atravessar o objecto biológico em estudo. Mas esses receptores são demasiado grosseiros para aproveitar toda a informação contida no feixe modulado de raios X. Para simplificar citamos apenas a radiografia, já que as razões são idênticas às da radioscopia. Na radiografia apenas são expressas distintamente as estruturas que provocam atenuações do feixe original de raios X muito diferentes entre si. Na radiografia do crânio por exemplo, vê-se o osso, que atenua fortemente o feixe de raios X, vê-se o ar, que, pelo contrário, exerce

SIEMENS, SARL DIV. ELECTROMEDICINA AV. ALM. REIS, 65 1011 LISBOA CODEX

R. BENTO JúNIOR , 15 4200 PORTO

TEL. 538805

TEL. 496061

AV. CAL. GULBENKIAN, 19

3000 COIMBRA TEL. 22283

* Chefe do Serviço de Neuroradiologia do Hospital Geral de Santo António-Porto.

atenuação muito baixa, e entre estes dois extremos pouco mais se pode ver. Todos os tecidos moles intracranianos, substância branca, substância cinzenta, sangue, líquido céfalo-raquidiano, atenuam diferentemente o feixe de raios X, mas numa faixa de variação tão estreita que na radiografia são representados na mesma tonalidade de cinzento. Há portanto, muita informação perdida e aqueles tecidos moles não são visualizados. Para obviar esse inconveniente a utilização de contrastes artificiais no seio das estruturas biológicas, como por exemplo nos ventrículos cerebrais, nas artérias, no espaço sub-aracnoideu, usados há mais de cinquenta anos, permite avaliar as alterações anatómicas que as condições patológicas provocam nos tecidos moles. Estes processos implicam a invasão do meio interno por objectos e substâncias que só por si estão na origem de alto grau de iatrogenia, e, além disso, abrem esse meio interno à invasão de agentes infecciosos. São meios de diagnóstico invasivos. São também dispendiosos porque implicam internamento, apetrechamento sofisticado, utilização de materiais, substâncias e mão-de-obra de alto custo. A mudança fundamental da imagem radiográfica convencional para a TAC reside no modo de colheita do feixe modulado de raios X. Na TAC há detectores especiais que são por um lado muito mais sensíveis que o ecran radioscópico ou a película radiográfica, e, por outro têm a capacidade de transfarmar a radiação X em sinal eléctrico, de intensidade homóloga, passível de uma avaliação correcta, permitindo, por-

65


ESQUEMA 1

1-Tubo de Rx em movimento de rotação. 2 - Colimadores. .......

......

'

3- Feixe de Rx.

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Este esquema mostra bem como o feixe de Rx é de ta-1 modo colimado, sendo transformado numa fina faixa que só atinge o co11po humano numa espessura de alguns milímetros. Contrariamente, na radiografia, o feixe, não serrdo colim'a!do, diverge amplamente atingindo a área a radiografar glO'balmente num só 'd isparo.

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I /

...

~

-....

-- - .__ ____ _.... --- _., ESQUEMA 2

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1-Túnel, por onde passa o corpo do doente. 2 - Corpo humano, visto em corte transversal (axial). 3 - Tubo de raios X. 4 - Placa de de'tectores.

Este esquema sugere a rotação do tubo de Rx e da placa de detectores havendo centenas de dis paros durante os 360º.

tanto, distinguir atenuações pouco diferentes entre si. Para essa avaliação, os sinais eléctricos que são de 'uma grandeza analógica, serão submetidos a um tratamento digital. A esta versão analógica - digital segue-se a reversão digito-analógica para se obter a imagem num ecran, em papel ou em película. A imagem obtida é tomográfica, porque o feixe de raios X é de tal modo colimado, diafragmado que apenas uma fatia, um tomo, de alguns milímetros de espessura, 2 mm por exemplo, atinge o objecto biológico e identicamente os detectores. A ampola de raios X de um lado e os detectores do outro lado do objecto biológico,

66

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Não sendo à . partida um método invasivo, não obriga a internamento.

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pode conhecer-se o valor da atenuação de cada ponto de cruzamento desses feixes por meio de cálculo integral. Quanto maior é o número de leituras em cada corte, maior é o número de cruzamento estudados. São os pontos de cruzamento de uma malha, de uma rede, cujas linhas correspondem aos feixes de raios X emitidos . É a matriz. Quanto mais apertada é a matriz , maior é o número de leituras, maior é o número de pontos especificamente calculados, melhor e a resolução espacial, mais perfeita é a imagem obtida. A atenuação de um ponto é o mesmo que a sua densidade radiológica. Na verdade a TAC é fundamentalmente um processo de conhecer pontualmente a densidade radiológica e através dela presumir a constituição histológica, pelo conteúdo em sangue, cálcio, gordura, água, ar, etc .. Daí a denominação de tomodensitometria, também usada para a TAC.

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/

vão rodando e num percurso de 360º são emitidos centenas de disparos de raios X, 720 por exemplo, ou seja 1 de 0,5 em 0,5 graus, a que corresponde um número de leituras por disparo igual ao número de detectores. Porque as leituras se vão fazendo sucessivamente, dá-se o nome de scanning a este processo e o aparelho é um scanner. Na radiografia a imagem é, pelo contrário, obtida globalmente, de uma só vez. Cada imagem, cada corte, é o resultado do conjunto dos pontos analisados. Cada ponto é cruzado por um feixe de raios X tantas vezes quantos disparos feitos numa rotação completa e a esses feixes correspondem outras tantas leituras das atenuações sofridas. Conhecendo o valor das atenuações de cada um dos feixes,

Evidencia directamente a anatomia, mesm0 das partes moles, permitindo o diagnóstico topográfico da maioria das situações patológicas mais facilmente que outros meios de diagnóstico. Por via destas duas inegáveis e vantajosas qualidades, foi suposto, pouco depois da TAC ter surgido, tratar-se do método ideal que iria destronar todos os outros exames invasivos e dispensar a laboriosa e demorada formação dos neurorradiologistas de tal modo se afigurava fácil o seu manuseamento e a interpretação das imagens. Simultaneamente os agentes de venda faziam crer que apesar do elevado custo do apetrechamento e da sua manutenção, a sua aquisição originaria uma tal poupança em internamentos e outros meios de diagnóstico, que seria indispensável adquiri-lo para poupar dinheiro. As afirmações anteriores não são verdadeiras. De facto: - Não elimina os outros meios de investigação. Particularmente no que respeita às doenças neurológicas, não elimina a dispendiosa investigação neurorradiológica. E é esta que deve ser tomada em conta, já que o uso da TAC só no capítulo das doenças da cabeça é incontroverso, e mesmo em casos de instalações para o corpo inteiro, a ocupação para doenças neurológicas anda à volta dos 95 % . Por isso é ao TAC neurológico que as considerações feitas dizem respeito. Quanto ao TAC para corpo inteiro é preciso antes de mais perguntar se é

rentável a sua aquisição e esse é um ponto que não vai ser tratado aqui. verdade que a TAC provoca uma acentuada diminuição das pneumoencefalografias, mas o número de angiografias mantem-se idêntico, embora com outro propósito. Decrescem muito as angiografias de despiste e aumentam as executadas para precisão de diagnóstico, em patologia já despistada pela TAC. Estas angiografias, são mais dirigidas e minuciosas; delas se exige muito mais, o que torna cada exame mais demorado e mais dispendioso. -

É

No caso particular da patologia vascular angiografia é indispensável e insubstituível.

º

- Só profissionais da imagem, devidamente treinados, quer na componente técnica, quer na componente clínica, indispensáveis à forma ção do neurorradiologista, podem tirar rendimento aceitável deste método. A orientação do exame, espessura do corte, uso de contrastes intra-venosos, número de leituras, condições radiológicas e a leitura das imagens obtidas, exigem preparação especial que cabe ao neurorradiologista. Os métodos de diagnóst ico só por si podem criar mais confusão que melhoria do diagnóstico. É condição sine-qua-non para a aquisição de um apetrechamento tão dispendioso como o TAC, a existência prévia das pessoas competentes para garantir o rendimento mínimo aceitável. -A TAC acarreta forçosamente um considerável aumento de despesas o qual pode ser compensador se a sua utilização correcta levar a um maior número de doentes tratados e melhor tratados. O que poderá ser verdadeiro é haver uma redução dos gastos por serviço prestado, mas os encargos globais são obviamente mais elevados. 1

A TAC tem três campos distintos de aplicação: 1 - Rastreio. 2 - Complemento de outros meios de diagnóstico. 3 - «Follow-up». Talvez seja na sua utilização como rastreio que pode estar a razão do seu maior benefício. Se com a TAC se fizer uma triagem muito mais perfeita e mais rápida dos doentes a ter alta, a continuar na consulta ou a serem internados, é possível baixar significativamente o ga sto por serviço prestado. Para isso é preferível usar a

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TAC em rastreio como primeiro exame. Está demonstrado que a grande maioria dos doentes que inicia o estudo por raios X simples ou electroencefalogramas, acaba por fazer também uma TAC, tendo sido maior a demora e os exames acumulados. Daqui que a primeiro alteração a promover diz respeito ao funcionamento das consultas externas. O conceito de l.ª consulta deve mudar; a l.ª consulta deve ser dividida em 3 fases: 1. ª - Observação, diagnóstico prov1sor10 e requisição dos exames complementares. Se esses exames não são invasivos, por exemplo raios X simples ou TAC, passa a: 2.ª - Execução desses exames. 3.ª - Diagnóstico definitivo, ministração de tratamento ou alta, ou internamento. A utilização da TAC como complemento de outros meios de diagnóstico é mais de um exame entre outros e comporta mais um benefício de qualidade do que quantidade. Pelo contrário, a TAC em «follow-up» está na origem do aumento do n. º de doentes tratados por permitir desviar para esse fim as camas que se destinavam a «follow-up» por exames invasivos. Para além disso a qualidade e o rigor do «follow-up» são melhores. Pelo que se disse acima, facilmente se aceita que a introdução deste apetrechamento num hospital vai criar a necessidp.de de certas mudanças conducentes ao melhor aproveitamento, que aqui mais se justifica pelo elevado capital empregado. São mudanças a operar sobre o ·pessoal, funcionamento e estrutura dos Serviços e do Hospital. Há novas exigências de espaço, de fornecimento de água, de climatização, de manutenção dos novos apetrechamentos. Aos médicos surgem exigências de contactar com novos conceitos, uns dentro das próprias ciências médicas, outros menos acessíveis, do foro de outras ciências, matemática, estatística, física, electrónica, etc., que embora não assumidos culturalmente em toda a sua profundidade são necessários para o correcto desempenho das novas funções, i.e. para que essas funções não sejam desempenhadas como puros gestos automáticos, para melhor eficiência e melhor realização profissional. Aos serviços impõem-se uma actividade disciplinada capaz de garantir uma gestão correcta

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de tão dispendioso bem. Esperemos que a TAC possa ser aproveitada na promoção do bom funcionamento dos serviços, da tão necessária «profissionalização» dos médicos e que este efeito possa estender-se a outras áreas do hospital, como por arrasto, em mancha de azeite. Numa primeira fase, doze horas de funcionamento contínuo, das 8 às 20 h, parece ser o horário mais adequado. Eis uma razão que implica a reorganização e disciplina do Serviço. Eis também porquê a condição prévia da existência das pessoas e esquemas organizativos antes dos aparelhos, sobretudo quando são muito caros. Ao hospital cabe a responsabilidade de analisar os resultados obtidos e facilitar na medida do possível as mudanças necessárias a operar nos Serviços utilizadores da TAC, de modo a criar-se um todo funcional e harmónico sem estases, nem estrangulamentos. Quantas vezes de um simples ditafone ou máquina de escrever, ou de um funcionário, depende uma perda considerável de rerrdimento. É necessário mudar o funcionamento das consultas externas? É necessário uma pronta e eficaz ,m anutenção do apetrecha,m ento? É necessário o fornecimento contínuo de água e energia eléctrica? O hospital deve proporcionar todos os meios e facilidades para a consecução destes e outros objectivos porque está muito dinheiro em jogo. Finalmente, o hospital tem o dever de verificar os resultados obtidos não só pelo núme.ro de TAC's executados mas também e principalmente pelos resultados dos Serviços utilizadores quer em consulta externa quer em internamento.

RESUMO Após a expos1çao, para não iniciados, do princípio de funcionamento do Tomógrafo Axial Computorizado, o autor aborda considerações diversas sobre a inserção deste método de diagnóstico e de «follow-up» na Neurorradiologia e no Hospital, focalizando especialmente a incidência que pode ter na melhoria da organização e no aumento do rendimento assistencial da Consulta Externa e do Internamen to.

REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ADMINISTRADORES HOSPITALARES

DA HISTÓRIA DOS HOSPITAIS PORTUGUESES

Rilhafoles e a acção do Prof. Miguel Bombarda Por JOSÉ FERNANDO REIS DE OLIVEIRA *

Numa tarde de Agosto, em 1977, transpus pela primeira vez o portão de ferro do Hospital Miguel Bombarda. Os altos muros sobranceiros à Gomes Freire e os doentes que se precipitavam implorando cigarros pareciam manter intactas as tradições do primeiro hospital psiquiátrico português. Visões Kafkianas de um mundo em que os vultos deslizavam entregues aos seus solilóquios, conversas infindáveis com interlocutores imaginários.

SUMMARY

A sala onde reunia a Comissão Instaladora estava situada no r / c e para lá me encaminhei. A direita uma escada larga de madeira carcomida deixava entrever um corrimão de ferro e, carregado de pó, o medalhão em bronze do Marechal Duque de Saldanha. Solícito um doente ofereceu-me os seus préstimos e à memória ocorreu-me o diálogo travado com aquele internado no Hospital Sobral Cid que

CAT Scanner's functionning principles ·are exposed, and several considerations are expended about this diiagnosis and follow-up m ethod. It is specially shown the CAT Scanner's influence on organis.ational improvement and on the out-patients and inpatients iallowed increase.

* Administrador Hospitalar. -Hospital Miguel Bombarda - Lisboa.

um dia me perguntou - então por cá outra vez? - Pois, respondi. E, rápido, juntando o gesto à palavra inquiriu: - Voltou a beber outra vez, não é?! A troca de impressões com os representantes da C.I. foi rápida. Estava em férias e partiria no dia seguinte para a Grécia. A sala era desconfortável e o ar quase irrespirável devido ao fumo de cigarros acesos ininterruptamente. Estavam longe as manhãs frias de Inverno em que em Mafra vultos uniformizados de verde se escapuliam pelos corredores La Couture, La Lys, esquina com Champigny, ainda sonâmbulos a caminho da parada mastigando ódios contra a guerra. Também aqui havia vultos que se esgueiravam, uns pelo grande corredor junto à C.I., outros pelo portão ou amontoando-se no chão do átrio central, aguardando nada. De raspão uma frase desconexa - as ossadas , o Senhor Cardeal Cerejeira. Era o Raínho. Entrara na «engrenagem» dos hospitais psiquiátricos, sólidos bastões de resistência à mudança que só episodicamente homens dotados de invulgar capacidade intelectual, autoridade e espírito humanista conseguem romper .

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a história breve do Hospital de Rilhafoles e a acção de um desses homens, Miguel Bombarda, que aqui nos propomos contar. É

o

No lento processo de hominização que separa o primata do homem, a característica dominante é sem dúvida, para além da locomoção bípede e postura erecta, o aumento da capacidade craniana. E é exactamente no cérebro (humano) que se situam as alterações psíquicas traduzíveis em sofrimento moral que vêm delimitar a fronteira que se estabelece entre o homem são e o homo-demens. Correspondendo ao latim clássico follis (fole para atiçar o fogo; cheio de ar; balão), a palavra loucura traduz em linguagem vulgar que o doido é um homem cuja cabeça está cheia de ar. É o estado anormal das faculdades do homem, na definição de Júlio de Matos.

o

Os ideais da Revolução Francesa de igualdade, liberdade e fraternidade influenciaram decisivamente o tratamento humanitário dos dementes. Filipe Pinel em Bicêtre (1793) e na ~alpe­ triére (1795), num gesto espectacular, quebra as algemas aos alienados - alguns dos quais se encontravam presos com cadeias há mais de quarenta · anos - e inicia uma nova fase feita de mais tolerância, tratando os loucos como doentes e não como seres enraivecidos, esforçando-se também por eliminar o regime de cárcere. O Século XIX veio reconhecer ao louco o estatuto de doente ainda que de qualidade inferior. A medicina evoluira no aspecto da cura das doenças do corpo descurando a doença do espírito. Entre nós há notícia da existência em 1539 de «loucos» internados no Hospital Real de Todos os Santos. Destruído por sucessívos incêndios em 1601 e em 1750 este Hospital sofreu grandes melhoramentos sob o reinado de D. João V. Com o megasismo que assolou Lisboa em 1755 novo

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incêndio destruiu o hospital sendo os enfermos trazidos para baixo das cabanas do Rossio, posteriormente para as cocheiras do Conde de Castelo Melhor, sendo finalmente instalados no Convento de Santo Antão que passou a designar-se por Real Hospital de S. José. Aos alienados, isto é, «seres separados ou isolados da comunidade, seres que perderam os direitos humanos porque a doença lhes consumiu o espírito, atributo essencial do homem» (Miller Guerra) foram destinadas duas enfermarias especiais - a n. º 13, de S. Teotónio, para homens e a n.º 19, de Santa Eufémia, para mulheres. A assistência que lhes era prestada era imperfeita, rudimentar, mais cárcere que hospital (1). Pode mesmo perguntar-se, refere o Prof. Sobral Cid, «se o princípio que inspirou a criação deste primeiro e embrionário serviço manicomial, antes decorreu da premente necessidade de resguardar a sociedade e as famílias da presença sempre temida e dos contactos impressionantes dos loucos furiosos, do que propriamente do dever moral e social de hospitalizar o alienado com o fim generoso e altruista de o proteger, assistir e possivelmente, curar». Isolados da comunidade, amontoados nos «ghettos» n.º 13 e 19 os elementos foram vegetando e definhando até à transferência para Rilhafoles em 1848/ 50. Sabemos que as duas enfermarias de alienados eram dirigidas por um médico, geralmente o mais novo do quadro do hospital destacando-se dentre eles os Drs. Bizarro e António Maria Ribeiro, o primeiro aplicava nos seus tratamentos sanguessugas em torno das jugulares, à roda do ânus ou ao longo da coluna vertebral, socorrendo-se das ventosas, vesicatórios e bebidas ácidas, e também dos banhos, das emulsões antiespasmódicas e de digitais (Sobral Cid). Ambos desenvolveram um intenso trabalho de recolha de dados que permitisse o estabelecimento de estatísticas nosográficas da loucura e denunciaram bastantes vezes a situação degradante em que viviam os dementes. «Contemplar o passeio incerto e turbulento de 140 alienados no escuro corredor, frio e húmido, berrando e gesticulando, é um triste painel de miséria humana», acusa o Dr. Bizarro em discurso proferido na Sociedade de Ciências Médicas, reclamando a construção de um edifício próprio para o tratamento dos alienados.

(1)

de 1865.

Dados

obtidos · da

análise

do

Relatório

Começava a perfilar-se no horizonte a necessidade de alojar os doentes mentais em local próprio e condigno mas faltava a gota de água que faria transbordar a taça. Mas não apressemos os acontecimentos. Em 1841, António Sampaio deixou em testamento parte da sua fortuna a favor dos alienados, aumentando seu filho o legado para 20 contos e põe-no à disposição da Comissão Administrativa da Santa Casa da Misericórdia e do Real Hospital de São José. Corria o ano de 1842 e reinava D. Maria II quando por Decreto de 23 de Julho o governo cedeu o edifício do Colégio Militar da Luz para a adaptação a hospital de alienados, encarregando os Drs. Bernardino António Gomes e António Maria Ribeiro do estudo de adaptação do mesmo. Nesse ano, Bernardino António Gomes, primeiro médico da família real, parte em viagem de estudo pela Europa. Objectivos: entre outros, conhecer de perto o que no domínio do tratamento dos alienados se fazia pela Europa. Acompanhado pelo Marquês do Faial (presidente da Comissão da Misericórdia e Hospital de S. José) dará posteriormente conhecimento das suas observações numa memória denominada «Dos estabelecimentos para alienados nos Estados principais da Europa» indicando os propósitos da viagem: fornecer ao Marquês do Faial o maior número de dados que permitissem melhorar a sorte dos alienados em Portugal e a criação de estabelecimentos com condições próprias para servirem de asilo e tratamento aos alienados; conhecer os notáveis melhoramentos alcançados nesse ramo ainda tão desprezado por toda a parte. Durante quatro meses visitam a Holanda, Bélgica, Prússia Romana, Baviera, Reino Lombardo Veneziano, Sabóia, França, Inglaterra, recolhendo uma gama incrível de dados relativos ao tipo de construção do edifício, ao mobiliário, vestuário, quadro de pessoal necessário, organização médica, administrativa e policial, elaboração de estatísticas nosológicas, ocupação dos doentes, tratamentos, meios de repressão, regulamentos. Nos diversos países visitados ressaltavam alguns denominadores comuns: conventos adaptados a hospitais, rigorosa separação sexual, vestuário de uniforme, mobiliário em que predominavam as camas de madeira ou ferro (os doentes imundos tinham apenas palha solta ou enxergas), ocupação em quintas que possibilitavam os trabalhos agrícolas, a serração de madeiras; os tra-

balhos de alfaia te, de sapateiro; os trabalhos domésticos. No tratamento, os banhos. A Inglaterra liderava .o progresso no tocante à sorte dos alienados mas nos hospitais holandeses o seu estado era deplorável. «Dos estabelecimentos para alienados temos tudo para fazer em Portugal. Os mais infelizes destes doentes, e cuja presença pelas ruas ou no interior das famílias mais incomoda, são por isso recolhidos, não em asilos próprios, mas nos hospitais gerais das primeiras cidades do Reino, onde se lhe destina um local, que pela situação, extensão, distribuição e outros arranjos internos, mais vezes parece abrigo para feras , ou um despejo para resíduos inúteis que se querem condenar à sequestração, que habitação para doentes, onde devam encontrar o indispensável à sua existência, não digo já ao seu tratamento. «Este estado de coisas entre nós de ninguém é hoje ignorado. Quem terá entrado uma vez na divisão dos alienados em S. José, especialmente a parte consagrada às mulheres, não deixa de sair com o coração oprimido de observar tanta miséria: doidas nuas e desgrenhadas entregues a todos os seus desvarios, gritando e gesticulando, encerradas por vezes num cubículo escuro e infecto, onde mal podem obter um feixe de palha, em que possam revolver-se; um local ao todo apertadíssimo, com escassa luz, imprópria ventilação, e nele jazendo perto de 150 infelizes alienados com o diminuto número de três empregadas, que tantas são as destinadas ao seu serviço.» «A última das misérias humanas é ali que deve encontrar-se» referia Bernardino A. Gomes à laia de conclusão. As pistas apontadas eram múltiplas mas a semente não iria ainda dar os seus frutos. A discussão pública sobre a instalação de um hospital de alienados conduzida pela Sociedade de Ciências Médicas arrastou-se penosamente. Adaptar ou não adaptar o Convento da Luz, primeiro, ou o da Cruz do Taboado, depois, eis a questão. A instabilidade herança da guerra cofres do reino e tornavam azado o dimento.

política; a crise financeira, civil que deixara exaustos os a inércia feita árbitro não momento para tal empreen-

Os manicómios portugueses continuavam uma questão adiada.

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D

Em 1848 o Duque de Saldanha, Ministro do Reino, efectua uma visita ao Hospital de S. José ficando vivamente impressionado com o que lhe é dado observar. Ao episódio se refere o Marechal no «Estado da Medicina em 1858», opúsculo dividido em cinco partes, dedicado a Sua Majestade El-Rei o Senhor Dom Pedro V: «Vendo na muralha que sustentava o edifício uma porta, perguntei o que havia ali? disseram-me que era um doido furioso; mandei abrir, e apareceu uma grade de ferro, e junto dela um homem mirrado, que apenas se abriu a porta nos disse: um copo de água por amor de Deus! A poucos passos encontrei um vão de escada onde me disseram que dormiam os imundos: perguntei quantos eram? cinquenta e um foi a resposta; admirado exclamei: mas aqui apenas haverá lugar para se deitarem vinte e cinco homens. É exacto, mas .os outros estão em pé enquanto dormem os que estão deitados.» Dominador e impulsivo Saldanha consubstanciará na prática, com um gesto determinado, anos de indecisão. Ordena a transferência dos doentes para Rilhafoles vencendo as resistências dos que se opunham à mudança para Mafra do colégio militar que ocupava as instalações desde 1835. O convento de S. Vicente de Paulo, o Rilhaf oles, pertencera aos Padres da Congregação da Missão de 1720 a 1834. Dissolvida a Congregação com o decreto que aboliu as ordens religiosas em plena euforia liberal, aos padres sucederam os alunos, futuros militares, e a estes os doentes. Uma via pouco original, convenhamos. O esqueleto legislativo e assistencial que deu aos dementes portugueses uma nova dimensão humana veio a seguir. Da c·omissão nomeada para elaborar o Regulamento do Hospital fazia parte o Dr. Pulido que em 1849 foi nomeado director de Rilhafoles e a quem na expressão de Saldanha «a humanidade tanto deve pelo excelente estado a que tem levado o nosso hospital de lunáticos» (Ob. citada). O único estabelecimneto oficial para alienados em Portugal definia-se no primeiro capítulo do seu regulamento, como destinado a asilo, tratamento e curativo de alienados de ambos os sexos de todo o reino. Admitia alienados indigentes reputados curáveis e incuráveis desde que perigosos facultando à autoridade pública o remeter para Rilhafoles alienados sem necessidade

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de qualquer documento que nao fosse a ordem da mesma autoridade. O regulamento publicado a 7 de Abril de 1851 inspira-se na lei de 1838 publicada em França sob Luís Filipe, influenciado por Parchapé, o «Napoleão dos asilos». Concomitantemente a Portaria de 10 de Maio de 1850 determinava a obrigação de proteger os alienados promovendo o seu transporte para Rilhafoles «quando forem pessoas miseráveis e não tiverem família ou parente que os reclame ou tenha meios indispensáveis para ocorrer à sua sustentação e tratamento». Porém «só os alienados pobres não reclamados devem os administradores do concelho remeter para o hospital de Rilhafoles». A mentalidade asilar que perdura ainda em nossos dias mergulha, assim, as suas raízes nesta Portaria e no Regulamento de 1851 (2). Passavam-se factos insólitos em Rilhafoles, denunciava a imprensa, mas aberto um inquérito em 1862 nada de concreto foi apurado. Fora, entretanto, nomeada uma comissão encarregada de examinar o regulamento do hospital a fim de adaptar uma definitiva organização do serviço de alienados. A comissão interrompeu os seus trabalhos quando o Dr. Pulido se ausentou de Lisboa. Substituído interiormente, em 1864 pelo Dr. Guilherme Abranches, este passou no ano seguinte a director efectivo. O hospital dimensionado para 300 doentes começa por receber 322 transferidos do Hospital de S. José. Para obstar à aglomeração o monobloco de Rilhafoles fora acrescido com um andar e anexado em 1860 o edifício dos Recolhidos junto ao hospital. As admissões não cessavam de aumentar. A população efectiva de Rilhafoles caracterizava-se por uma existência média sempre mais sobrecarregada. A medida que as condições gerais pioravam a percentagem de pensionistas aumentava, passando de 35 %, em 1850, para 50 %, em 1860. Mas não só as instalações se ressentiam com um tal afluxo de alienados. O mesmo ocorria com o pessoal cujo quadro fora elaborado em termos de economia e a pensar em menor número de doentes.

( 2)

de 1851.

Regulamento

do

Hospital

de

Rilhaflores

O envio abusivo de doentes incuráveis e inofensivos para Rilhafoles era em parte o grande responsável pela situação a que se chegara. O governo de D. Luís, numa tentativa de moralização publicara a Portaria de 29 de Setembro de 1864 que determinava que aos governadores civis apenas competia enviarem para o Hospital de Rilhafoles «os alienados que ou sejam curáveis, ou incuráveis, mas perigosos», como aliás já previra a lei em 1851. A situação era porém incontrolável. Em 1 de Dezembro de 1864 existiam em Rilhaf oles 532 alienados a que vieram juntar-se 278 novas admissões durante 1865 atingindo a população do hospital no final do ano, deduzidas altas e óbitos, 513 doentes. As faixas etárias mais densas correspondiam às idades compreendidas entre os 41 a 50 anos seguindo-se os grupos de 21 a 30 anos e 51 a 60 anos; a percentagem mais elevada de alienados (58 % ) provinha dos residentes na capital e dos concelhos do distrito de Lisboa; dos 278 novos doentes, 78,1 % eram indigentes predominantemente solteiros (48,6 %) , sendo 163 do sexo masculino e 115 do sexo feminino. Sob o ponto de vista de actividade exercida não foi difícil determinar qual o grupo sócio-profissional mais representado ainda que ·o número de doentes admitidos em 1865, e cuja profissão era ignorada, ascendesse a 93 casos; os trabalhadores do campo e os operários constituíam, porém, a fatia mais substancial. Em percentagem insignificante os eclesiásticos, os proprietários e as meretrizes. Guilherme Abranches era adepto incondicional da hidroterapia e da ocupação dos doentes, particularmente nos trabalhos agrícolas da quinta, nos ofícios de sapateiro, alfaiate, carpinteiro, pedreiro, e nos trabalhos domésticos as mulheres. A percentagem de doentes ocupados nestas actividades rondava os 41,3 %. Aos alienados pensionistas ou provenientes de estratos sociais mais elevados Rilhafoles proporcionava outro tipo de distracção e recreio; os jogos de bilhar e o gamão, o desenho, a literatura, a música, a declamação e o canto; existia mesmo um pequeno teatro para o efeito. Defendia o uso do banho morno por imersão acompanhado de chuva de água fria sobre a cabeça e o tépido muito prolongado. O sucesso da hidroterapia era em parte consequência directa do pouco uso que os portugue-

ses faziam deste preceito básico de higiene - o banho. As pessoas lavavam-se no pátio, no chafariz ou nas gamelas onde os animais tinham de beber, elucida-nos, Suzanne Chantal. A rede de distribuição da água ao domicílio foi até meados do século XX precária em Portugal. Em Lisboa e noutras cidades do país o abastecimento de água era escasso, popularizando a figura do aguadeiro de que nos ficaram ecos e imagens, traduzidas em belíssimas litografias de Machpail e Falhares. E no entanto os banhos, referia Abranches, «são manifestamente de muita vantagem para o tratamento da alienação, uma vez que se empreguem com muita reserva e com todo o cuidado principalmente no Inverno, como se pratica no nosso hospital». No balneário de Rilhafoles inaugurado em 1853 por D. Maria II, ministravam-se a internados e pessoas de fora do hospital, banhos de toda a espécie: tépidos, frios, de vapor ( ª) . O seu número, em 1865, ascendeu a 8373 contra 3762 em 1864 a que havia que acrescentar 3518 banhos a pessoas de fora da instituição. Tal indicador tornar - se - á manifestamente importante com advento de Bombarda que reconstruiu em 1894 a casa dos banhos (que entretanto se degradou como tudo no hospital) instalando duas guaritas de duches vertical e circular, uma piscina com 2,40 x 2,25 m e uma sala de hidroterapia. A par dos rendimentos proporcionados pelos pensionistas e os produtos da quinta, a hidroterapia constituiu sempre uma apreciável fonte de receita para Rilhafoles (555.860 rs., em 1865). Pouco habituados a banhos, os resultados eram surpreendentes nos doentes que provinham dos estratos sociais mais carenciados, concorrendo para que: «com banhos gerais tépidas se obtenham os mesmos efeitos, que noutros países só se alcançam depois de banhos análogos muito mais tempo prolongados», afirmando António Maria Sena que «sem um bom estabelecimento hidroterápico não tomaria conta dum estabelecimento de alienados». Com frequência Lisboa assistia a deslocações macissas de doentes de Rilhafoles que iam a banhos de mar na margem do Tejo junto a Belém.

Tépidos (de t ina simples; de tina simples com emborcação; de tina com alcatrão; de tina salgados; de chuva; semicúpios; de lavagem), frios (de chuva; de duche) , vapor (simples, aromáticos). (ª)

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Tais banhos eram vantajosos no tratamento da mania idiopática e proporcionavam, simultaneamente, o prazer do passeio. Com Abranches, Rilhafoles conheceu momentos de eficiência e organização. Aquele clínico chegou a propor a criação de mais dois hospitais e dois asilos para recolher e tratar os alienados de todo o reino e na área de Rilhafales construir um novo hospital-modelo para 200 a 300 doentes. Conseguir-se-ia, assim, na sua óptica, desacumular a instituição.

o

Do hospital pouco ou nada se sabe no período que medeia entre 1872 e a tomada de posse de Miguel Bombarda. António Maria Sena, que visita Rilhafoles em 1891, condena o caos em que o estabelecimento de novo mergulhara e de cujo sono letárgico só acordará em 1892. A criação de um novo hospital no Porto, inaugurado em 1883, na sequência de um legado do Conde Ferreira a favor dos alienados não veio resolver o drama da acumulação de Rilhaf oles como inicialmente se previra (4 ) . Dados que compulsamos permitem-nos analisar a elevada taxa de ocupação e consequente saturação das instalações, com a existência média de 509 doentes, correspondendo a uma média anual de 291 admissões, 168 altas e 123 falecimentos, entre os anos de 1870 a 1893, ou sejam aproximadamente 800 doentes tratados por ano. A última década do século XIX veio encontrar o Hospital de Rilhafoles num caos indiscritível; o marco de viragem na sua história lúgubre foi o ano de 1892. Naquele antro, como a imprensa se referia ao hospital, as condições de vida e de assistência eram péssimas e a mortalidade elevada. Miguel Bombarda, qual Pinel com novas roupagens, esteve empenhado em acabar com a re-

«Ensinem as crianças p ob res e protej am os desventurados loucos : aí fica o grosso da minha fortuna p ara esses fins sagra dos», dispunha o Conde de Ferreira no seu testam en to. (4)

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putação horrorosa da instituição e «levantar Rilhafoles a uma altura não sonhada anteriormente». A par da abordagem da doença menta l, tanto quanto possível de forma científica, havia que libertar os doentes da marginalidade institucional a que estavam votados. Assim, todo o seu esforço, capacidade intelectual e organizativa são conjugados para alcançar os objectivos que se propõe e que foram brilhantemente explanados nos dois primeiros relatórios que elaborou. Basicamente o seu plano de acção traduziu-se na melhoria dos serviços clínicos e na radical transformação dos cuidados hoteleiros a prestar aos doentes. Deste modo são reformuladas as dietas, melhoradas as condições higiénicas, estabelecidos serviços regulares de banho de limpeza, implementada a terapêutica ocupacional e construídos novos pavilhões de forma a solucionar a aglomeração existente. Outros aspectos como a organização administrativa e a disciplina de funcionários e doentes não foram descurados; os processos inquisitoriais em voga - as cadeiras fortes, as coleiras, as prisões ao leito - foram eliminados. Como vaga de fundo da sua política, Bombarda propunha a independência de Rilhafoles face ao Hospital de S. José; a anexação do Convento de Santa Marta e sua cerca e a aquisição dos terrenos da quinta do Borba que se situava entre os dois estabelecimentos. Das medidas imediatas constavam a substituição das barracas na cerca, por pavilhões higiénicos; construção de um laboratório, museu, farmácia, casa mortuária e de autópsia e um chalet para pensionistas; alteração do quadro de pessoal; aumento dos ordenados da enfermagem e algumas modificações ao regulamento. A dependência de Rilhafoles da administração central de S. José constituiu sempre motivo de desagrado para os médicos directores, conscientes dos inconvenientes da gestão à distância e de que o hospital contribuía largamente para os cofres centrais com as receitas provenientes dos pensionistas, da quinta e dos banhos. Mas não havia orçamento privativo e em tudo se dependia de S. José. A autonomia que já o Regulamento de 1851 previra só virá a ocorrer em 1945. O ensino da Psiquiatria mereceu de Bombarda a melhor atenção iniciando em 1896 em

Rilhafoles o seu ensino livre. A formação de médicos alienistas já havia sido objecto de reflexão no relatório de 1892/ 93 aquando da a presentação das linhas programáticas da sua a ctuação. Pretendia-se em primeiro lugar colmatar «a falta de ilustração médica geral em questões de alienação mental» e em definitivo a cr iação em Rilhafoles do inter nato da especialidade. O Hospital do Conde Ferreira não veio desa· cumular Rilhafoles como inicialmente se previra, pelo que Bombarda insistentemente reclamará o aproveitamento do Convento de Santa Marta para instalar doentes mentais o que em sua opinião «não seria senão uma restituição, por que todos os conventos vagos pertencem de direito aos alienados do país», numa clara alusão à lei de 4 de Julho de 1889. A lei Sena, que dividiu o r eino em quatro círculos ( 5) para o efeito do serviço dos alienados, inseria disposições em que o governo de D. Luís se propunha construir tr ês hospitais - um em Lisboa com capacidade para 600 doentes de ambos os sexos; outro para 300 doentes em Coimbra também para ambos os sexos; e um terceiro para 200 alienados em S. Miguel e um asilo no Porto. Rilhafoles seria convertido em asilo para 300 idiotas, epilépticos e dementes inofensivos dos dois sexos. Para arrecadar ver bas para tais empreendimentos foi lançado um imposto especial de selo, respectivamente de 4 500, 15 000, 12 000 e 1 000 réis sobre breves ou diplomas de dispensa para casamentos entre consanguíneos, diplomas de títulos mobiliários, licenças para casas de penhores, orçamentos das irmandades e confrarias. Seriam remetidos para os mesmos objectivos todos os valores apreendidos nas casas de jogos proibidos, uma terça parte do produto dos trabalhos dos presos e metade dos bens dos conventos extintos depois de 1889. Em 1898, Miguel Bombarda, em artigo inserto no n.º 36 de «Medicina Contempor ânea», teceu críticas ao não cumprimento desta lei dos alie-

nados afirmando «hospitais novos ficaram no papel, conventos deram-se a quem os pediu e sabia pedir». A anexação do convento de Santa Marta permitiria reservar Rilhafoles ao que hoje denominamos «doentes agudos». Em Santa Marta seriam alojados apenas os doentes carecidos de cuidados hoteleiros. O convento constituiria a rectaguarda asilar. A aquisição dos terrenos do Borba ou do Redondo ( º) que se interpunham entre Santa Marta e o Hospital permitiriam aumentar a área a cultivar melhorando os rendimentos de Rilhafoles. No relatório de 1896/ 97 ainda M. B. insistia na necessidade da compr a de toda a quinta do Borba - 16 ha - já que «na pequena extensão de terreno que representa a cerca de Rilhafoles dispende-se por ano 332 368 réis e obtem-se produtos que valem 1 126 178 réis. O que quer dizer que em 15 ou 20 anos estaria pago, juro e amortizaçã o, o empréstimo que se levantasse para adquirir a quinta de Borba. E não seria explora r o doente. P or que, precisamente, o doente do que carece para seu tratamento é de trabalho e o que me falta hoje em Rilhafoles é trabalho a dar à imensa população. F az lástima ver as centenas de homens que na ociosidade dos passeios, sem nada que os distraia ou os r ecreie, passam a sua vida a gastar actividade desordenada e por isso mesmo fértil em distúrbios e perturbações de toda a ordem». A colónia a grícola, cujo modelo perfeito se encontr ava em Alt-Scherbitz, na Alemanha, e a que voltaremos oportunamente, fascinava Bombarda . Para tal conta va com a quinta de Borba. Mas a pretensão nunca foi atendida como se conclui da análise do r elatório de 1900/ 1901. A idealizada transformação de Rilhafoles numa colónia agrícola perdeu a viabilidade quando nos ter enos do Conde de Redondo se levantou o bairro Camões. A autonomia face ao Hospital de S. José, a anexação do Convento de Santa Marta e a transformação de Rilhafoles numa imensa coló-

D. Francisco de Sousa Coutinho, conhecido nos meios artísticos por Chico Redondo. Nasceu em 1867 e faleceu na Casa de Saúde do Telhal em 1924. Filho do 3.º marquês de Borba era artista lírico com voz de barítono, tendo cantado em quase todos os teatros de ópera do Mundo. Distinguia-se pelas suas interpretações no Mefistófeles, Falstaff e Fausto. ( 6)

Primeiro círculo constituído pelos distritos de Viana do Castelo, Braga, Bragança, Vilea Rea], Por to e Aveiro; o segundo pelos distritos de Coimbra, Viseu , Gu arda, Castelo Branco e Leiria; o terceiro pelos de Santarém, Lisboa, Portalegre, Évora, Beja, Faro e Funchal; e o quarto pelos de Horta, Angra do Heroísmo e Ponta Delgada. ( 5)

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nia agrícola foram batalhas perdidas. Mas a guerra contra a falta de higiene, a incúria e a desorganização foi ganha. Mais difícil era a mudança da mentalidade do pessoal. A supressão dos meios coercivos inseriu-se nessa perspectiva de mudança. Os doentes agitados, por exemplo, eram seguros com coletes de forças e atados ao leito. Tal prática foi vedada mantendo-se apenas o colete de forças que passou a ser colocado de forma mais folgada ao contrário do que acontecia, de tal maneira que os doentes só a muito custo conseguiam respirar. Em definitivo, Miguel Bombarda, aboliu as cadeiras fortes, as conhecidas cadeiras retretes às quais os doentes se encontravam presos de pés e braços. Passava a exigir-se dos funcionários uma vigilância mais aturada, conhecimentos técnicos e qualidades humanas que a maioria não detinha. Pessoal mal pago e pouco qualificado, alguns empregados eram «desapiedados senhores» que davam largas aos seus instintos primários com doentes indefesos (7). A r eforma de tais mentalidades foi sem dúvida a tarefa mais árdua e lenta que Bombarda empreendeu em Rilhafoles. A aplicação dos meios corc1vos foi disciplinada, a penas sendo permitido aos médicos a sua prática a fim de evitar abusos por parte de «enfermeiros» rudes e ignorantes. Só em casos de urgência estes os podiam aplicar exigindo-se-lhes que participassem por escrito o facto e indicando as ra zões de ta l atitude. P or isso Bombarda se impr essionou com o que lhe foi da do observar em Paris em 189S ao constatar na Salpêtriere a humilhação a que estavam sujeitos os alienados, «dentro de Salpêtriere eu vi, que ninguém mo disse, doidos presos a argolas de ferro chumba das nas paredes, - Não tinham nos pulsos os grilhões que Pinel despedaçou, não ! Mas evidente é que as fitas dos coletes de forças com que às argolas se

Era o seguinte o vencimento (rs) do pessoal de enfermagem: Hom ens: Enfermeiro 176 000; Chefe de Serviço 108 000; 7 Ajudantes 57 000; os outros 54 000; Serventes 43 200: Mulheres: Enfermeira 111 000; Chefe de Serviço 67 200; 10 Ajudantes 43 200; as outras 36 000; Criadas 30 000. A estes valores era acrescentada a importância das «comedorias» (72 000 rs/ano). Os vencimentos atribuídos em Rilhafoles eram inferiores aos pagos em S. José. (7)

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amarravam os alienados não eram senão puro eufemismo das correntes e dos grilhões». Não podendo maltratar os doentes, sob pena de serem despedidos, muitos dos que não se adaptavam à nova filosofia de vida só encontraram uma solução: reformarem-se ou mudarem de profissão. Os que teimaram nas suas práticas foram inexoravelmente despedidos e dois processados em tribunal. Em 1892 os doentes repartiam-se pelo edifício central, o anexo das Recolhidas e dois barracões de madeira instalados na cerca. Pavimentos destruídos, buracos ameaçadores, lixo, percevejos eram ambiente desolador que' havia que transformar, encarando os factos com determinação e firmeza. No 4. º andar do edifício, n·a denominada «Califórnia», amontoavam-se os doentes agitados e imundos! Em quartos de isolamento com cerca de 6 m2 de superfície «passavam clias e noites desgraçadas que tinham por único vestido a palha em que se revolviam e que todas as podridões maculavam», refere Bombarda. Fa ce a uma nova versão da enfermaria de Santa Eufémia os doentes foram despejados dos seus cubículos e distribuídos transitoriamente pelo corredor. Destinado aos doentes da P enitenciária, Miguel Bombarda mandou construir o pavilhão de segurança, a célebre 8.ª enfermaria . Edifício circular de piso térreo com os seus dor mitórios, celas e salas. Construção aberrante para quem tinha ideais tão progressistas, podemos ser induzidos a pensar. Mas a época dos psicofármacos r ealmente activos e r evolucionários só ocorre em 1953! A distância de quase um século digamos que a 8.ª enfermaria foi um mal necessário. Os três pavilhões em duplo. E cuja constr ução se arrastava há oito ano3, ficaram concluídos em 1894. Os doentes no anexo das Recolhidas for am de imediato transferidos par a o Hospital. As condições higiénicas da instituição melhorar am substancialmente, diminuindo a mortalidade, a qual passou de 26,4 % em 1893/94, par a 18 % em 1894/95 e 15,4 % em 1895/96. A plena utilização dos novos pavilhões e a mudança das doentes das enfermar ias na cave, onde tinham sido alojadas durante o período de obras, esteve na origem de tal facto. Entre 1902 e 1909 a taxa de mortalidade voltou de novo a ser factor destabilizador em Ri-

lhafoles atingindo os 24,2 % em 1902/03. Como causa próxima a epidemia de enterite nesse ano. Enterite que se manteve actuante nos anos subsequentes.

colheres de pau, tigelas, e roupas brancas para as camas.

As «caixas» que de noite eram colocadas à disposição dos doentes «gatistas» a fim de evitar que as enfermarias ficassem imundas parece terem estado na origem do contágio. Também a tuberculose, considerada como a doença geral que mais atacava os loucos, causava inúmeras baixas em Rilhafoles.

Por razões psicológicas estas passaram a ser mais claras.

Das construções de iniciativa de Miguel Bombarda, tais como, a casa mortuária, o laboratório, as oficinas de trabalho, o largo salão em arcos que veio substituir o refeitório que se situava logo à entrada do hospital, a portaria, a escada principal, o pavilhão de segurança, os palheiras e outras, a mais importante foi sem dúvida o edifício onde se instalaram as ex-5.ª e 6.ª enfermarias de homens. Nessa construção, concluída no período de 1900/01, Bombarda tentou aplicar os conhecimentos adquiridos na viagem que realizara pela Europa em 1898. O tipo de colónia agrícola, cujo modelo observara em Alt-Scherbitz, não poderia para aqui ser transplantado, por escassez de área. Fizer am-se adaptações. «Assim a nova construção foi fruto da necessidade de um pouco à feição das construções antigas, embora no detalhe se procurassé imitar quanto possível o que de perfeito se r ealiza nos países mais adiantados. O pavilhão tem dois andares perfeitamente simétricos e dividido em quatro r epartições cada uma delas devendo existir perfeitamente independente com o seu pessoal próprio, com suas instalações necessárias à vida e tratamento dos r espectivos doentes». Com este pavilhão, o edifício velho ficou quase exclusivamente reservado às mulheres e aos pensionistas. O projecto de constr ução de um «chalet» para pensionistas não veio a ter exequibilida de . Todas estas construções reduzira m substancialmente a área para cultura e trabalho dos doentes . Senão veja mos: três pavilhões em duplo E, edifício único (as actuais l.ª, 2.3, 4.ª e 9.ª enfermarias); as oficinas de tr abalho; a casa mortuária e a sala de autópsias. Os cuidados hoteleiros mer eceram de Bombarda a melhor atenção. O hospital foi dotado de móveis e utensílios funcionais - bancos, mesas, caixas de retrete, lavatórios, pratos de folha,

Mantendo os uniformes, Bombarda alterará as cores das fazendas .

Dificilmente os doentes toleravam os sapatos preferindo andar descalços pelo que Miguel Bombarda introduziu em Rilhafoles o calçado de fechadura. Foi alargado o número de enfermarias que passaram a beneficiar de iluminação pelo gás onde antes «uma ou duas lanternas de azeite se consideravam bastantes para dar luz à refeição de cinquenta doentes». A alimentação foi enriquecida e variadas as dietas. «A única refeição um pouco sólida que os doentes tinham no dia era o jantar; ao almoço e à ceia entretinham-se com uns chás aguados ou com umas açordas espapaçadas; e ao jantar mesmo, dia aparecia em que o doente era obrigado a contentar-se com esta coisa inimaginável - toucinho e feijões». As dietas em vigor em 1890/ 91 eram já substancialmente diferentes das aprovadas pelo regulamento de 1851 sendo substituídas por novas tabelas elaboradas por Bombarda .

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A a nálise de a lguns indicadores estatísticos é por si só elucidativo do intenso movimento que no Hospital de Rilhafoles se registou com o a dvento da administração de Bombarda . As admissões entre 1892 e 1909 não cessaram de aumentar. A população internada fixa em Rilhafoles foi atingindo, consequentemente, valores cada vez mais altos. De 536 residentes, em 1892/ 93, atingiu-se o número de 738 em 1908/ 09. A média diár ia de existência cifra-se em 695,5 doentes. O maior número de instalações colocadas à disposição dos utentes está intimamente rela cionado com o incremento das admissões; a acumulação é o reflexo directo da carga asilar. A abertura do Hospital Conde de Ferreir a em 1883 não parece ter influído na a fluência a Rilhafoles.

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As admissões de carácter urgente e as readmissões não apresentaram no período considerado, valores significativos.

As mensalidades em vigor estavam, em 1892, francamente desactualizadas não tendo acompanhado o aumento do custo de vida.

A curabilidade denota a melhoria substancial verificada no tratamento e cuidados hoteleiros influenciando os custos/dia de tratamento.

Sob proposta de Miguel Bombarda o governo publicou o Decreto de 8 de Novembro de 1892 que veio alterar os preços pagos pelos pensionistas e se mantinham inalteráveis desde 1851. Pensionistas (mensalidades): l.ª classe - superior a 24 000 rs; 2.ª classe - 24 000 rs; 3.ª classe 14 000 rs; 4. ª classe - 7 200 rs.

O largo uso dos banhos está bem patente ( 8 ), assim como o consumo de água elevado, particularmente entre 1895 e 1898, coincidindo com o período de maior actividade na quinta. Da análise de outros indicadores se infere que no período de 1892 a 1909 no afluxo a Rilhaf oles preponderaram os naturais do Distrito de Lisboa e muito em particular os residentes no distrito da capital, numa percentagem superior a 50 % , comparativamente com o resto do país. O número de residentes no interior, nas ilhas e nas colónias, e que eram remetidos para Rilhafoles, era pouco significativo. O mau estado e a escassez da rede viária retardava o internamento dos doentes pelo que a atracção geográfica de Rilhafales era restrita e poderia ser encarada não num contexto nacional mas distrital. Pela província, em asilos e hospitais ou nas próprias casas, proliferavam os doentes mentais entregues a si próprios. O grupo etário mais frequente entre estes doentes mentais continuou a ser a faixa dos 21 aos 35 anos, predominantemente solteiros e de filiação legítima. Os doentes cuja profissão era ignorada, ou não tinham profissão, constituíam os contingentes mais densos em Rilhafoles, no período que analisamos. A situação social dos doentes contemplava duas categorias - pensionistas e indigentes subdividindo-se a primeira em quatro classes. Os pensionistas constituiram sempre uma percentagem superiOr a 11 % da população total de Rilhafoles, chegando a atingir 20 e 23 % em 1893/94 e 1907/08, respectivamente. A f ante de receita mais importante de Rilhafoles sempre foi veiculada pelos pensionistas como já anteriormente referimos.

Duches (chuva, cadeira, circulares, lança); imersão (com afusões frias, sinapisados, aromatizados, sulfurosos, alcalinos, mercuriais, outros): estufa; russos. (8)

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Das quotas mensais passaram a cobrar-se os seguintes valores diários: l.ª classe - 1500 rs ou valor superior; 2.ª classe - 1000 rs; 3.ª classe - 600 rs; 4.ª classe - 300 rs. Simultaneamente foi executada toda uma política no sentido de atrair os pensionistas, beneficiando as instalações, a alimentação e os dados clínicos. As três primeiras classes de pensionistas era exigido, pelas normas regulamentares, um enxoval constituído por cerca de 80 peças de roupa.

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Toda a filosofia do trabalho-ocupação, nos hospitais psiquiátricos, deve ser encarada não propriamente como o «arbeit much frei» nazi, a exploração dos doentes pela instituição, mas sim como complemento do tratamento. Manter os doentes mentais ocupados é ideia antiquíssima; já no antigo Egipto os doentes melancólicos eram ocupados com tarefas agradáveis · à sombra dos templos. Miguel Bombarda considerava a ocupação dos doentes nos trabalhos agrícolas e nas oficinas de trabalho f actor de estabilidade emocional e vector de encaminhamento das suas aptidões. Sempre preocupado com a contenção das despesas o trabalho dos doentes era por ele encarado, também, como um redutor de pessoal necessário. Em certas circunstâncias, o doente mental, convertido em trabalhador, poderia assim ser vítima de exploração ainda que subtil. Hoje o trabalho dos doentes é analisado em perspectiva diferente pela terapêutica ocupacional num objectivo de reinserção na sociedade. Na época o trabalho em Rilhaf oles estava sujeito a uma rígida segregação sexual empre-

gando-se os homens nos trabalhos das enfermarias dos doentes, dispensa, cozinha, quinta, casas de banho, refeitórios, jardins, limpeza, portaria~ oficinas de colchoeiro, sapateiro, serviço de tracção, de pintura, secretaria, máquinas e as mulheres nas oficinas de costura, de engomagem e nas enfermarias de doentes. Bombarda considerava, na linha dos alienistas europeus, que a ocupação com trabalhos agrícolas era um trabalho adequado ao seu estado. E aduzia razões: «a vida ao ar livre é a condição mais essencial para a conservação da saúde e da vida dos doentes. Por outro lado uma grande parte da população dos manicómios é formada por trabalhadores do campo ou da cidade. Por outro ainda, a ocupação agrícola é a que demanda menor aprendizagem». Os doentes é que não afinavam pelo mesmo diapasão não se comovendo com tão sábias razões. Muitos recusavam-se a trabalhar alegando que eram doentes e como tal impossibilitados para o trabalho. Como estímulo, os antecessores de Bombarda distribuíram algum dinheiro aos mais cumpridores. Estes pecúlios, em dinheiro, substituiu-os M. Bombarda por tabaco aos homens e rapé ou bolos às mulheres. Em sua opinião «O dinheiro é numa casa de doidos um elemento de desordem e de indisciplina; não só dá lugar a todas as discórdias mas ainda incita o pessoal menos consciencioso a entrar em transações, em que, é claro, a vítima é o doente». Palavras actuais, afinal. O projecto de transformar Rilhafoles em colónias agrícola, tipo Alt-Scherbitz, não chegou a concretizar-se como é sabido. Alt-Scherbitz era uma propriedade rústica cujos pavilhões, fechados uns, semi-fechados .outros, estavam rodeados de jardins e dispostos em torno ao edifício da administração. A simetria apenas se descobria na análise da planta do hospital nada fazendo lembrar um asilo de alienados. Os doentes, homens e mulheres, ocupavam-se em perfeita liberdade nos trabalhos domésticos e nos serviços da lavoura. Nada lembrava o asilo já que os pavilhões se fundiam com as casas da aldeia e nelas os alienados tinham of icinas de sapateiro, alfaiate e carpinteiro. Em Alt-Scherbitz, 70 % dos doentes consagravam-se ao trabalho enquanto em Rilhafoles a percentagem era apenas de cerca de 30 % . A lei de 3 de Abril de 1896 que determinou a obrigatoriedade de exame médico-legal quando

houvesse crime ou delito praticado p.or indivíduo alienado veio sobrecarregar, extraordinariamente, o trabalho do escasso corpo clínico de Rilhafoles e aumentar a população de crónicos do Hospital. Os autores de crime por motivo de loucura ou os que durante o cumprimento da pena enlouquecessem eram remetidos a Rilhafoles. O seu número não cessou de aumentar, sendo alojados no pavilhão de segurança (a 8.ª enfermaria).

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Assassinado em 3 de Outubro de 1910, no gabinete de trabalho, em Rilhafoles, pelo ex-internado Tenente Aparício Rebelo dos Santos que sofria de delírio de perseguição vendo no director do hospital a figura a abater, Bombarda ficou indelevelmente ligado . à revolução republi.: cána a cujos ideais aderira e à qual imprimiu o vigor do seu carácter ardente e combativo.

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GESTÃO HOSPITALAR

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1 l'W.º l·Ano 1-.Jau. . lUar. S:-1

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.

,

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50.º an1versar10 da Maternidade Dr. Alfreda da Costa

- Lei de 4 de Julho de 1889. - Lei de 3 de Abril de 1896.

A propósito das comemorações do 50.º Aniversário da MAC, e por considerarmos com interesse geral, publicamos o discurso que na

de 80 % num e noutro investimento, a receita anual é idêntica; os custos de exploração iguais; o preço médio por viagem por passageiro idêntico ao de doente tratado.

altura foi proferido pelo respectivo Administrador, Morais Sarmento:

Senhor Presidente da República, Senhor Cardeal Patriarca, Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Um responsável da administração hospitalar francesa fez há tempos uma interessante analogia entre a exploração de um avião de longo curso, um Boeing 747 ou um DC 10, e um Hospital recém construído nos arredores de Paris, com cerca de 570 camas. Naquela interessante análise, feita ao nível da Europa das Comunidades Económicas, salienta-se que o custo da aquisição do avião foi sensivelmente o mesmo da instalação e arranque do Hospital. Mostra-se ali, também, que com uma taxa de ocupação

Esta a comparação feita através dos números. Mas o analista vai mais longe e demonstra que, transcorridos 10 anos, aquele avião estará na reforma, tendo transportado 180 mil passageiros. Durante o mesmo tempo, o Hospital recebeu ,o mesmo número de doentes, mas estará ainda na sua primeira juventude, pois, salvo a necessidade de substituir equipamentos médicos ou outros que, pela sua usura ou por obsolescência, terão de ser substituídos, no essencial está apto para servir mais várias dezenas de anos, ainda sem despesas de manutenção excessivas.

Trata-se de uma comparação económica e financeiramente impossível, pois se refere a empresas de lógica e finalidades bem diversas. Nin· guém se pode arriscar a avaliar o ganho de tempo dos 180 mil passageiros do avião, compa-

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rando-o com os anos de vida ou de s.obrevivência pessoal, familiar ou social ganhos pelos 180 mil doentes tratados num único Hospital. E muito menos com os 400 .ou 500 mil que ainda virão a ser tratados depois do avião ter ido para a sucata.

Quantos aqui trabalham, por vezes para além do exigível, tudo fazem para que seja sempre dada a assistência a quem dela carece, para que o vôo para uma vida mais digna e saudável se inicie. Procuram optimizar a saúde dos assistidos aos baixos custos e com maior segurança.

O aviao avalia-se em termos de mercado e de economia comparada, o Hospital também. Mas vai mais longe, àquele valor acresce uma mais valia humana incalculável.

Os que aqui trabalham representam 25 profissões, que vão das altamente diferenciadas carreiras médicas e passam pela enfermagem, pelos técnicos de diagnóstico e terapêutica, pelo pessoal operário dos serviços de manutenção, pelo pessoal auxiliar das valências de acção médica, hoteleira e geral, pelos técnicos de serviço social, técnicos superiores de saúde, funcionários administrativos e, finalmente os administradores.

Prolongando aquele exemplo para a MAC, com os seus 50 anos, que é em Portugal um Hospital de 500 camas, especializado na mais rica e sublime das actividades humanas, a maternidade e a saúde perinatal, tecnicamente de nível europeu, podemos dizer que a referida mais valia social e humana há muito que pagou dividendos iguais ao capital investido na sua fundação.

Mas o futuro apresenta-se de modo que esse pagamento de dividendos, com igual riqueza, seja prosseguido por esta instituição.

A MAC tem 50 anos mas não está na sucata como os aviões, pois tem-se renovado; tem dado os saltos qualitativos necessários procedido às correspondentes substituições; investido nas actualizações; tem adequado uma infra-estrutura obsoleta e acanhada à maior procura das populações e a uma sempre melhor qualidade das suas prestações.

A MAC resistiu à usura do tempo, teve quebras e sofreu críticas, mas não teve acidentes nem catástrofes. Tem pago sempre e acrescidos os dividendos devidos aos seus accionistas, as populações dela dependentes.

A MAC continua a voar. Teve e tem, desde a primeira hora, o golpe de asa de que falam os poetas, que lhe vem do exemplo e dinamismo do seu patrono, o Dr. Alfredo da Costa e dos que materializaram a sua obra, da força da dedicação e trabalho de quantos a viveram, vivem e sentem. Tantos quantos foram e são os funcionários trabalhadores da MAC.

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certo que alguns, por desajustamentos sociais, condições sanitárias, idade ou inadaptação funcional, não compartilham do esforço global. Porém isto não sucede por obstrução voluntária, mas sim por insuficiente estrutura organizativa, que ao longo dos anos não teve em conta os problemas de formação, integração e adequação funcional daqueles trabalhadores.

o Hospital uma empresa de extrema complexidade, organizacional e funcional, com profunda repercussão no rendimento interno bruto da sociedade em que se insere. Isto, quer em custos, quer em benefícios. Pode dizer-se que estes transcendem em muito aqueles custos, se tivermos em conta os largos dividendos já acima referidos. É

Para além disto, para além dos benefícios humanos, o Hospital é em regra uma empresa de profunda repercussão económica e cultural nas comunidades em que está implantado. É de salientar que hoje, nomeadamente o Hospital Distrital, tem na economia da localidade em que funciona, a posição de um dos principais, senão o principal agente económico.

de deliberação do conselho de gerência, coube ao Administrador, no dia-a-dia, na lenta execução das tarefas e negociação das resistências, a transformação e a tomada de decisões conducentes ao objectivo definido: a melhoria da antissépsia, da assépsia e da esterilização, em suma da higiene. Isto em colaboração com os técnicos, enfermeiras, pessoal dos serviços gerais, médicos, funcionários administrativos e técnicos de engenharia: obtendo meios, implementando rotinas e criando as soluções de compromisso indispensáveis de modo que a MAC hoje tem:

a)

Uma Central de Esterilização de que os produtos finais, beneficiados com as mais modernas técnicas de tratamento e embalagem, são, controladamente, da melhor qualidade e permitiram, em serviços de largo risco de infecções pós operatórias, diminuir a incidência das mais frequentes em cerca de 25 %, no decurso do 1. º ano da aplicação das melhoria e rotinas.

b)

Uma Comissão de Luta contra Infecções ou Comissão de Higiene Hospitalar pioneira, mas já com provas dadas de eficácia, em que importa realçar a colaboração do Laboratório de Bacteriologia do Serviço de Patologia Clínica da MAC.

É

Com efeito, houve ao longo destes 50 anos desajustamentos no recrutamento, distorções nos quadros e na avaliação em serviço. Tudo vícios de sistema nã:0 imputáveis historicamente à gestão hospitalar, mas sim a toda a administração pública.

Na realidade, com todos aqueles defeitos, os profissionais da MAC, nas suas 25 modalidades têm correspondido maioritariamente às exigências da evolução, às transformações super-estruturais que permitem o actual «UP to date» da MAC e por certo à sua expansão e ampliação. Face às crises do poder, aos excessos do poder, às ilusões do poder; face às exitações dos responsáveis, às insuficiências de pr.ogramação e definição de objectivos a nível central; face às obstruções e bloqueios legislativos à autonomia hospitalar, a MAC continuou e continua em frente. Isto mostra-nos que, em boa vontade, com bom senso e por vezes com rasgo de asa, contra as dificuldades e as insuficiências estruturais, os objectivos se alcançam e os fins assistenciais são prosseguidos com eficácia. Os dividendos são pagos em devido tempo.

Na actividade gestionária da empresa-hospital intervém como agente que reputo essencial, o administrador hospitalar. Técnico de nível superior, habilitado especificamente para a função de compreender a complexidade desta empresa nas suas múltiplas funções e prestações de serviços. Habilitado, portanto, para pôr ao serviço da empresa toda a sua inteligência e capacidade de trabalho, no sentido de organizar ou colaborar na organização dos serviços, optimizar os meios materiais, humanos e financeiros de que a empresa dispõe. Preparado, pois, para em conjunto com os técnicos das já referidas 25 profissões básicas que integram os quadros e trabalhadores hospitalares, analisar os problemas postos pelo funcionamento dos serviços e pelas exigências da evolução técnica e científica, abordar as várias soluções possíveis e, em colectivo ou, quando necessário, com total responsabilidade e coragem, tomar a decisão que reputar adequada.

Daí ser o administrador, dentro do hospital, quem, por força da situação orgânica, das suas aptidões e funções polimórficas, da sua vivência interdisciplinar, quem melhor pode visualizar e compreender a globalidade da empresa, a acção dos seus colaboradores e os objectivos que nas diversas áreas melhor e mais eficazmente se procuram e podem alcançar.

Um exemplo entre muitos: na MAC, pelo condicionalismo das suas instalações, com 50 anos de usura e concebidas por critérios arquitectónicos já há muito ultrapassados, em execução

e) Um circuito de remoção de lixos e sua eliminação que se traduz numa enorme diminuição dos riscos sépticos daí decorrentes, isto sem alterações das infra-estruturas.

d) Sistemas rotinados de tratamento para assépsia das áreas de risco, nomeadamente blocos operatórios.

Este, como disse, um exemplo, entre muitos, que se traduziu num aumento de custos de exploração, em materiais de consumo, mas que teve como contrapartida, diminuições de mão-de-obra; racionalização de actividades e, fundamentalmente, uma diminuição da infecção hospitalar: com a inevitável diminuição da demora de internamento ou de reinternamento; com o conse-

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quente abaixamento do custo assistencial; e, acima de tudo, o dividendo do menor sofrimento dos assistidos, a mais rápida inserção social destes e o consequente bem-estar e ingresso de riqueza nas famílias e no mercado de trabalho.

a administração hospitalar uma profissão recente em Portugal, pouco conhecida, mesmo ao nível do governo, uma profissão para que contribuiu e contribui, inolvidavelmente na sua actividade hospitalar a nível do poder central, e na Escola Nacional de Saúde Pública de que é Director, o Professor Coriolano Ferreira, aqui presente e a quem presto a minha homenagem.

da solução de conflitos, do controlo gestionário possível, da angústia das soluções que colidem com o colete de forças da legislação extravagante constante e, por vezes, contraditoriamente produzida que não atende à realidade específica e socialmente sensível que é o Hospital, actua o Administrador, como profissional.

É

Neste trabalho complexo do dia-a-dia, das decisões de fundo adequadas à empresa-hospital,

Por tudo isto sente-se o Administrador da MAC grato, devem estar gratos os Administradores seus colegas e colaboradores nesta Instituição, e todos quantos aqui trabalham. Todos estamos de parabéns pelo facto deste cinquentenário ser, não uma pausa, mas sim um passo meditado para o futuro, para a continuação do voo que historicamente caracteriza a Maternidade Dr. Alfredo da Costa e por continuarmos a pagar os dividendos.

Portanto do total de 962 crianças 487, 51 %, tiveram internamento curto (menor de 24 horas) durante o ano de 1981, isto é, mais de metade das crianças operadas necessitam de um tempo mínimo de internamento e de cuidados mínimos de enfermagem. A mistura destes casos, na mesma enfermaria, com outras situações mais graves, a entrada e saída de familiares, etc., prejudicou a prestação de cuidados de enfermagem, o que nos parece evitável. Por outro lado, a orgânica actual do Serviço será a mais adequada para responder às solicitações dos seus utentes? Parece-nos que não. Basta pensar no que foi dito atrás e ter em conta que, a continuar assim, os cuidados de enfermagem mais diferenciados, e o tempo de internamento a ser mais dilatado, sendo já um dado adquirido que o Serviço de Cirurgia não responde às solicitações de pequena cirurgia. Revista a lista de marcações da consulta externa (10 de Maio de 1982) vimos que há já 272 crianças à espera de pequenas intervenções.

a)

Obras

- Abertura da porta de acesso directo ao Serviço, no topo do edifício conforme projecto já aprovado. - Divisória na galeria, de forma a constituir uma sala de estar, para familiares de crianças de internamento curto. - Utilização da enfermaria de topo para Hospital de dia. - Arranjo do quarto localizado no cimo das escadas para consulta preparatória de internamento curto.

b)

Pessoal

- Aumento dos efectivos de pessoal de enfermagem de 17 para 20 elementos.

- Normas de funcionamento Perante este facto, porque não criar um internamento independente para os casos de pequena cirurgia (que foram 459 em 1981, ou seJa cerca de 40 por mês)?

Hospital de dia em Cirurgia Pediátrica Dado o interesse da experiência em curso no Hospital Pediátrico de Coimbra, com a criação de um pequeno sector de internamento curto no Serviço de Cirurgia, publica-se a proposta apresentada pela Enfermeira Chefe Georgeta Baio:

Numa revisão de 962 operados em 1981 (num total de 998), com o objectivo de separar os casos com internamento inferior a 24 horas, verificou-se o seguinte:

- Operados electivamente: Na enfermaria de cirurgia do Hospital Pediátrico são internadas crianças de vários grupos etários, e de variada patologia, que requerem soluções operatórias, quer da cirurgia plástica, de cirurgia digestiva, de cirurgia urológica ou de cirurgia torácica, etc. evidente que tão variada patologia e cirurgia, têm como consequência uma diversidade imensa nos cuidados de enfermagem. É

Não é raro que lado a lado esteja uma criança em pós-operatório de cirurgia torácica, ou qualquer outro pós-operatório complicado, e três ou quatro crianças de Herniorrafia ou circuncisão, todas acompanhadas dos respectivos familiares, situação que prejudica, sobretudo, a prestação de cuidados aos casos mais graves.

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Com internamento inferior a 24 horas ...... 459 Com internamento superior a 24 horas ..... .

239

Porque não a criação de um espaço o mais rapidamente possível, para estas crianças, com pessoal próprio, dias de utilização de Bloco Operatório independentes e funcionando como «Hospital de Dia», apenas? Pensamos assim diminuir as longas listas de espera, e o que é mais importante com a situação deprimente de se ter de mandar voltar para trás crianças que haviam sido marcadas para operar e que chegadas ao Hospital (que nem fez a marcação) se tornou impossível atender.

- Reserva de três dias por semana para hospitalização na enfermaria de dia para casos programados. - Adequação da actual distribuição de tempo do Bloco Operatório. - A consulta preparatória funcionará no mesmo dia (com horário a estabelecer) da consulta externa normal de cirurgia, onde serão seleccionados os casos para Hospital de dia, e logo ali enviadas. A consulta preparatória atingirá os seguintes objectivos: - Marcação do dia de hospitalização.

Para tentar melhorar esta situação propomos os seguintes objectivos:

- Operados de urgência: •

Com internamento inferior a 24 horas ......

1. Criação do sector do Hospital de Dia;

28

Com internamento superior a 24 horas . . . .. .

236

487 50,6 %

2. Criação de consulta preparatória de Hospital de Dia.

475 49,4 %

Para se atingir estes objectivos julgamos necessário conseguir os seguintes meios:

- Ensino à criança e familiares pelo pessoal de enfermagem. - Diagnóstico social, (pelo Técnico do Serviço Social). - Observação médica por parte do anestesista, avaliando o grau de ansiedade da criança de modo a adequar a pré-anestesia em relação ao seu estado emocional, e não somente em função do peso.

s


Legislação da organização interna dos hospitais

Censo hospitalar psiquiátrico na área metropolitana de Lisboa Está a decorrer nos dois grandes Hospitais Psiquiátricos de Lisboa o «Censo Hospitalar Psiquiátrica>>, promovido pelo Grupo de Planeamento da Saúde Mental da Área Metropolitana de Lisboa. Este Censo, referido ao dia 9 de Fevereiro do ano corrente, pretende recensear todos os doentes internados nessa data, no H.J.M. e no H.M.B., e determinar para cada um deles o destino (família, instituição, serviços de saúde mental, outros tipos de cuidados) que se entende estaria adequado para o prosseguimento do seu tratamento ou para a sua reinserção sócio-profissional. Assim para cada doente deve o seu Médico Assistente preencher um questionário, em que se identifica o doente através do seu n.º de processo clínico e se registam todos os dados relativos à sua situação clínica e sócio-profissional actual, e em que, numa gama ·m ultiforme da Serviços de Saúde, Instituições e Tipos de Cuidados, se devem assinalar as soluções alternativas mais indicadas, quer a curto prazo, quer a médio prazo. Os objectivos deste Censo enquadram-se no «Programa de desinstitucionalização dos doentes

crónicos», em estudo ao nível do referido GPSM/ / AML, que visa planear as acções conducentes à criação de novos tipos de Instituições em Saúde Mental adequados aos doentes de evolução prolongada e ao aproveitamento de outras Instituições já existentes, designadamente ao nível da Segurança Social e das autarquias, para a reinserção de doentes carecidos apenas de protecção social. Esta, pois, uma experiência nova e do maior interesse, não só porque irá proporcionar um levantamento da situação actual dos nossos doentes psiquiátricos, até agora votados a um ostracismo atroz, como pelas perspectivas que abre de uma futura saída dos muros do «asilo psiquiátrica>> de centenas de pessoas, que ali vegetam apenas por falta de outros apoios, e ainda pela esperança que suscita de se verem um dia funcionar os Hospitais Psiquiátricos, como verdadeiros Hospitais, dinâmicos, modernizados, intervenientes, com meios terapêuticos avançados e diversificados, no diagnóstico oportuno e correcto e na cura «possível» das perturbações mentais.

ARMINDA CEPEDA

· Remunerações de gestores hospitalares Em 15 de Dezembro último a Direcção da APAH, no âmbito das suas finalidades e após audição dos associados, entregou a Sua Excelência o Ministro dos Assuntos Sociais um documento onde expressa o ponto de vista considerado indispensável que as várias áreas de gestão hospitalar tenham remunerações idênticas em iguais níveis de responsabilidade. Considera assim inaceitável fazer corresponder aos níveis superiores de gestão remunerações inferiores a níveis mais baixos.

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Pela publicação do D.L. n.º 310/82, de 3 de Agosto, este princípio básico deixou de ser observado na medida em que se previu a atribuição de remunerações por funções de gestão na área médica superiores às remunerações atribuídas às funções de gestão desempenhadas por administradores hospitalares, em valores percentuais que vão até 77 % . Dada a situação criada, a APAH solicitou a correcção desta anomalia na base da solução encontrada no mesmo D.L. 310/82.

Logo após ter tomado posse, a Direcção da APAH avistou-se com Suas Enxelências o Ministro dos Assuntos Sociais e Secretário de Estado da Saúde, pondo ao dispôr do Governo a participação dos Administradores Hospitalares no estudo e elaboração de pareceres relativamente a problemas de gestão hospitalar, dado que a sua formação e actividade se situam no centro dessa problemática. Face a notícias públicas de que o Governo então em pleno exercício projectava rever a legislação em vigor relativa à organização interna dos hospitais, manifestou expressamente a vontade de colaborar nessa questão pontual, de interesse fundamental na área de Saúde. Ambos os governantes declararam a posição de impossibilidade de aceitar a colaboração oferecida de maneira for mal, mas dispondo-se a troca de informações e pontos de vista em reuniões infarmais.

de gestão hospitalares, dos gestores profissionais que são os AAHH e dos representantes dos grupos profissionais com funções determinantes. No documento entregue e já divulgado, a Direcção da APAH sintetiza, pela afirmativa, as soluções básicas que vem sendo preconizadas pela classe, que passam pelo integral cumprimento dos princ1p1os consignados no D.L. n.º 129/ 77, não anulando, na prática, os poderes e responsabilidades que essa Lei confere aos órgãos de gestão, e discordando da quebra do princípio da responsabilidade colegial, integradora da pluridisciplinaridade indispensável na resolução dos problemas da vida interna dos hospitais.

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A posição da Direcção da APAH nesses contactos acabou por ser mandatada pela Assembleia Geral em reunião realizada em 25-6-82. Nas Jornadas de Saúde realizadas em Aveiro, Moreno Rodrigues, na qualidade de Vice-Presidente, expressou publicamente pela primeira vez a posição dos Administradores Hospitalares, em comunicação que vem publicada neste primeiro número de Gestão Hospitalar. Em Dezembro chega casualmente ao conhecimento da Direcção um projecto concreto de diplomas legais que havia sido divulgado em alguns hospitais. Esta conjuntura leva a Direcção da APAH a entregar formalmente em 15-12-82 a Sua Excelência o Ministro dos Assuntos Sociais um documento onde formaliza a posição dos AAHH assumida na referida Assembleia Geral, exprimindo o ponto de vista de que a revisão orgânica anunciada não resolve, antes agrava, os problemas actuais da organização interna dos hospitais, opinando que a procura de soluções adequadas devia seguir uma metodologia que privilegiasse uma ampla auscultação dos órgãos

Conferência de Imprensa da APAH

A falta de qualquer informação sobre o acolhimento que possam ter merecido as críticas formuladas levou a Direcção da APAH a apresentá-las em conferência de imprensa no dia 24-3-83. Em entrevista dada ao jornal «Expresso» de 26-3-83 Sua Excelência o Ministro dos Assuntos Sociais terá declarado que as propostas de lei não deverão ser aprovadas em Conselho de Ministros, defendendo a necessidade de diplomas que introduzam alterações na estrutura dos hospitais, por forma a evitar «a diluição de responsabilidades» que, em seu entender, se verifica actualmente, mas entendendo também que o assunto tem de ser melhor ponderado. Segundo o mesmo «Expresso» disse ainda o Senhor Ministro que «não adiantará muito estar a produzir legislação que o próximo Executivo possa vir a alterar».

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O Hospital Geral da Colónia Portuguesa do Brasil (Covões), em Coimbra, passou a di.spor de Serviço de Urgência diário Com efectividade a partir do princípio do ano corrente, o Hospital Geral da Colónia Portuguesa do Brasil (Covões), parte integrante do Centro Hospitalar de Coimbra, passou a dispôr de serviço de urgência diária, que até aqui praticava só em fins-de-semana (sábados e domingos). Embora com base em realidades demográficas diferentes nas respectivas regiões, Coimbra passou a prestar serviços urgentes em três hospitais gerais centrais: Hospital Geral da Colónia Portuguesa do Brasil, Hospital Pediátrico (ambos do Centro Hospitalar de Coimbra) e Hospitais da Universidade; em Lisboa, mantem-se Hospitais Civis e Hospital de S.ta Maria; no Porto, Hospital de São João e Hospital Geral de S.to António (sem contar com o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia). Com os dados disponíveis, calcula-se que o número médio diário de socorridos será distribuído da seguinte forma, nos hospitais centrais:

LISBOA: HCL HSM

-

760

Total 1 720 PORTO: HSJ HGSA

-

950 550

Total 1 500 COIMBRA: HGCPB HUC HPC Total

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AResponsabilidade das Administrações Hospitalares» Por DR. JORGE PESSOA A.MA.R..t.L

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. . . «Os tempos presentes assistem, em todas ia s áreas de actividade, ao aparecimento dos administradores profissionais. A gestão, como fórmula científica de adequar os recursos aos objectivos das empresas, assumiu características e métodos de tal forma complexos que exclue liminarmente as improvisações e .os amadorismos, ainda que generosos e bem intencionados. Os hospitais foram, no campo da saúde, os primeiros serviços a dar-se conta desta necessidade, por virtude do volume e do valor dos meios que são obrigados a investir e a movimentar.»

• . . . «É para mim motivo de muita admiração a estranha apetência oue a administração dos hospitais de~perta nas mais variadas instituições e personalidades'. Desde as Misericórdias às faculdades de Medicina, das fitndações às Câmaras Municipais, das instituições de previdência às associações mutualistas, dos médicos aos políticos, todos desejam administrar hospitais e todos se consideram capazes de o fazer. Acontece, no entanto, que os hospitais são entidades extremamente complexas, das mais complexas dos tempos de hoje, pelo que, do meu ponto de vista, o amadorismo, qualquer que seja o seu fundamento, faz correr riscos graves, de grande montante económico e .de incalculáveis afrontamentos humanos. Por certo que estes riscos podem também verificar-se 1e m administradores de carreira. Só que, nesse caso, há um estatuto e uma responsabilidad«: profissional.» '7i

CORIOLANO FERREIRA


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