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Bryan Douglas Martins de Miranda

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“FUTEBOL É PAIXÃO, COPA DO MUNDO É NEGÓCIO”: a reforma do Mineirão pelo olhar da imprensa Belo-Horizontina1

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"Soccer is passion, the world cup is business": The reform of the Mineirão through the eyes of the Belo Horizonte press

Bryan Douglas Martins de Miranda2*

Resumo: Este estudo tem como objetivo investigar as mudanças estruturais executadas na cidade de Belo Horizonte e no estádio Governador Magalhães Pinto, “Mineirão”, no contexto da copa do mundo sediada no Brasil em 2014. Pretende-se analisar os sentidos históricos atribuídos pelos jornais para a reforma ou modernização do estádio. Para isso, este trabalho apresenta a investigação dos periódicos da capital mineira a partir da análise de diferentes veículos em busca de identificar a articulação entre a difusão do referido tema no imaginário sobre o futebol em Belo Horizonte e as questões políticas e sociais referentes ao contexto analisado. Como resultados, observamos o alinhamento do olhar dos jornais com o regime de historicidade presentista.

Palavras-chave: Reforma. Mineirão. Presentismo.

Abstract: This study aims to investigate the structural changes executed in the city of Belo Horizonte and in the Governador Magalhães Pinto stadium, "Mineirão", in the context of the World Cup hosted in Brazil in 2014. It is intended to analyze the historical meanings attributed by newspapers to the reform or modernization of the stadium. To this end, this paper presents an investigation of the newspapers of the capital city of Minas Gerais from the analysis of different vehicles in an attempt to identify the articulation between the diffusion of the referred theme in the imaginary about soccer in Belo Horizonte and the political and social issues concerning the analyzed context. As results, we observe the alignment of the newspapers' gaze with the presentist historicity regime.

Keywords: Renovation. Mineirão. Presentism.

O Estádio Mineirão

O estádio Governador Magalhães Pinto, mais conhecido como Mineirão, é, desde o momento de sua construção, um espaço do esporte e do lazer da cidade de Belo Horizonte. Na época de sua construção era reconhecido como o segundo maior estádio coberto do mundo, com capacidade para 130 mil pessoas. Com o Brasil escolhido para sediar a copa do mundo de

1 O título faz referência à fala de Sérgio Barroso, secretário da Secretaria Extraordinária de Estado da Copa do Mundo em 2011. 2* Graduado em História. Professor de História. E-mail: bryanmartins@outlook.com.

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2014, o estádio passou pela sua maior reforma que transformou não só suas estruturas físicas, mas também simbólicas.

Antes de poder completar 45 anos de sua inauguração, o Mineirão foi fechado no dia 6 de junho de 2010. Com um vasto público ao longo dos anos, algumas formas de convívio foram se construindo ao redor do estádio. Pereira (2004) analisa o Mineirão como um espaço público onde floresceram redes de sociabilidade.

Segundo Pereira (2004), nas adjacências do estádio, a concentração de muitos torcedores ocorria em frente às barraquinhas credenciadas pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Ali os torcedores se divertiam, bebiam, conversavam, cantavam músicas referentes aos clubes, provocavam o adversário. Segundo a autora, os encontros eram breves, conversas rápidas e sem abordar temas mais polêmicos, como também havia grupos que se conheciam e se reconheciam como frequentadores daquela barraca, estabelecendo, assim, sociabilidades específicas daquele espaço. Podemos perceber essa sociabilidade na reportagem “Novo Mineirão mostra sua cara” do jornal Hoje em dia do dia 29 de abril de 2011.

Todo mês junto R$ 50 para comprar ingressos para mim e minha esposa. Sei que vai ser caro, então comecei cedo. Quero vir num jogo da Copa”, garantiu atleticano, ele diz sentir saudade do tropeiro e do clima de amizade da barraca da Dona Naná, que ficava em frente ao portão 12. (MORENO, 2011).

O montador de ferragens Fábio Nascimento demonstrava sua saudade do Mineirão antes dos portões serem fechados e sua expectativa e esforço para voltar ao estádio durante a Copa do Mundo. Além disso, o Mineirão foi palco de grandes conquistas do futebol mineiro que ficaram marcadas na história esportiva da cidade. Tais momentos tornaram o estádio, de certa forma, num espaço “sagrado”, principalmente quando, no início das obras de modernização em 2010, a rede do estádio foi retirada e veio a se tornar artigo de museu. (CASTRO,2010). Belo Horizonte e o futebol têm uma história bem próxima. Ambos estão ligados à modernidade que alicerçou a construção da cidade. Se nos seus primeiros anos quem praticava e vivia um estilo de vida voltado para o esporte eram as elites da cidade moderna, com o passar dos anos, as multidões, ou as massas, tomaram o protagonismo e os estádios passaram a ser erguidos.3

3 Para saber mais sobre os primeiros anos do esporte na cidade de Belo Horizonte, veja o estudo de COUTO (2003).

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O Mineirão também é reconhecido como uma das causas do sucesso do futebol mineiro.

Afinal, após a sua inauguração, o Cruzeiro venceu a Taça Brasil de 1966 e a Libertadores de 1976 enquanto o Atlético Mineiro venceu o Campeonato Brasileiro de 1971. Esses, e muitos outros títulos que vieram depois, transformaram o Mineirão, que antes era um monumento da modernidade, em um templo do futebol Mineiro. Para pensar este imaginário em torno do papel dos jornais para a difusão de uma imagem em volta da reforma do Estádio Governador Magalhães Pinto, este trabalho pretende analisar os jornais como construtores de discursos que serão aqui analisados de modo contextualizado. Para Marc Bloch, a história consiste não apenas em saber como os acontecimentos ocorreram, mas igualmente como foram percebidos (BLOCH, 2001). Dessa forma, não basta saber somente que houve a reforma do Mineirão. É necessário entender como tal acontecimento foi percebido pela opinião pública da capital mineira. Em outras palavras, o objetivo da investigação presente neste trabalho é compreender como a reforma foi vista, de certa forma, pelos periódicos da cidade de Belo Horizonte.

Num país onde a imprensa é livre, todos os aspectos da opinião pública têm chance de se refletir nos jornais: uma análise bem feita, isto é, que faz uma seleção judiciosa, que utiliza uma imprensa tão variada quanto possível, constitui, portanto, uma abordagem qualitativa da opinião pública que não se deve desprezar. (BECKER, 2006, p. 196).

A citação de Becker nos dá alguns importantes apontamentos para articularmos nossos jornais à procura da compreensão acerca do debate público sobre a reforma do estádio. Devemos lembrar que os veículos de imprensa são empresas e têm um propósito mercadológico na difusão de seus produtos. Entretanto, segundo Becker (2003), se não pretendermos extrair uma abordagem quantitativa dos jornais e não nos contentarmos com um único jornal, tudo o que reunirmos ilustra a opinião pública. Dessa forma, neste artigo, serão analisados os jornais: O Estados de Minas, O Diário da Tarde, O Diário do Comércio, Hoje em Dia, Minas Gerais e O Tempo, entre 2007 e 2012, que estavam disponíveis no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, com o objetivo de entender os sentidos históricos atribuídos pela imprensa ao processo de reforma do estádio. Por fim, para podermos pensar no contexto de reforma do estádio usaremos o conceito de regime de historicidade de François Hartog. Dessa forma, tentaremos entender, em certa medida, o regime que compõe a conjuntura do período de construção do estádio. Em outras palavras, Hartog (2013) propõe que um regime de historicidade é apenas uma maneira de engrenar passado, presente e futuro de um determinado tempo, ou melhor, a proposta é que

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existe em cada contexto temporal e/ou local, um presente específico. Tal presente é o que trataremos como imaginário a ser entendido através dos periódicos.

No dia 5 de setembro de 2010, o jornal Hoje em Dia, na reportagem intitulada "Copa abre mercado milionário para construtora”, nos dá pistas sobre os sentidos históricos da referida reforma e do papel do Mineirão no imaginário da população de Belo Horizonte.

No lugar do Governo do Estado, gestor do estádio nos últimos 45 anos, deve entrar em campo o consórcio formado pelas empresas mineiras Egesa Engenharia e Hap Engenharia, lideradas pela paulista Construção, em um modelo de gestão compartilhada com clubes inéditos no país. [...] Hoje o Mineirão é um estádio deficitário, que só em 2009 custou ao Tesouro de Minas Gerais uma suplementação financeira de R$ 3,395 milhões, por meio da Administração de Estádio dos Estado de Minas Gerais (Ademg), uma autarquia estadual. Para se transformar em um negócio lucrativo, o Mineirão deixará para trás o conceito de sede de jogos de futebol para reabrir as portas como um espaço multiuso, com centro de serviços, lojas, melhor infraestrutura para eventos, centro de convenções e, possivelmente, até um hotel, caso o concessionário avalie que sua implantação é viável: Só na vizinha UFMG há uma demanda potencial de 55 mil pessoas por dia. [...]Durante as obras realizadas em 2011 e 2012, o Mineirão será transformado em um espaço multiuso com potencial de arrecadação mensal de R$ 2,8 milhões. (EPONINE, 2010)

A partir do que pode ser observado no jornal, para obter mais lucro, o estádio deveria criar condições para lucrar de várias formas, aproveitando da melhor forma possível seu espaço. De acordo com a reportagem, a criação de lojas e estruturas para outros tipos de eventos é uma saída para combater o déficit que o Estado não conseguiu. Ainda de acordo com a reportagem, o estádio também se tornaria “palco para mega shows''. Em outras palavras, o Mineirão, além de se tornar um centro comercial com potencial lucrativo, poderia se tornar o destino de megashows. “O novo Mineirão colocará a cidade nos circuitos mais importantes”. Para alcançar esse patamar de importância, algumas obras entram em destaque como o rebaixamento do gramado, que facilitaria a entrada de caminhões para descarregar equipamentos. Uma vez que a logística estivesse mais eficiente, mais condições de capitalizar no Mineirão seriam abertas. O Mineirão começava a deixar seus aspectos de Estádio para trás e os planos para transformá-lo em Arena já começavam a ser postos em prática. Primeiro, o Mineirão deveria se tornar um espaço comercial com capacidade de retorno financeiro para seus administradores extrapolando sua identidade principal ligada ao esporte. Agora se tratava de um espaço multiuso com a necessidade de realizar eventos e estabelecer lojas para poder lucrar o máximo possível dentro do espaço disponível.

Artigos Livres A modernização do Mineirão dos anos 2000

O Mineirão, fechado em 2010 para se preparar para a Copa do Mundo de 2014, passaria, nos anos seguintes, por uma grande reforma física e simbólica. Dessa forma, vamos focar nos significados que estiveram ao redor do Estádio durante todo esse processo. Em reportagem do dia 28 de outubro de 2010 do jornal O Tempo, observamos uma articulação temporal com a reportagem apresentada na primeira seção.

Novo Mineirão já tem “dono”

O governo de Minas Gerais divulgou ontem que o consórcio formado pelas empresas Construcap S.A. Indústria e Comércio, Egesa Engenharia S.A. e Hap Engenharia Ltda foi o vencedor do processo de licitação para a terceira e última fase do projeto de modernização do Mineirão. [...]. A terceira etapa tem início previsto para dezembro, quando será executado o projeto arquitetônico. Ele prevê toda a adequação final do Mineirão aos padrões exigidos pela Fifa, garantindo mais segurança, visibilidade e conforto, além de melhores condições de trabalho para os profissionais que atuam no estádio em eventos esportivos e não esportivos. Será feita ainda a cobertura adicional das arquibancadas e a esplanada no entorno do Mineirão, onde funcionarão o estacionamento coberto e a área de serviço, com a abertura de lojas e restaurantes. [...] No modelo de gestão compartilhada proposto para o Mineirão, o Estado não investe recursos públicos diretamente na obra. Em contrapartida, ele cede ao

parceiro privado o direito de explorar comercialmente o complexo durante 27

anos, [...]. O modelo de gestão compartilhada adotado pelo governo de Minas já é utilizado na Alemanha, Holanda, França e Cingapura. (ANDERSON, 2010). (grifo nosso)

De acordo com o jornal, os vencedores da licitação se tornaram os “donos” do Mineirão. Mesmo que o repórter tenha colocado a palavra “dono” entre aspas ela nos chama bastante atenção. As empresas Construcap S.A. Indústria e Comércio, Egesa Engenharia S.A. e Hap Engenharia Ltda seriam as responsáveis por mais uma etapa da modernização do Mineirão. Tal modernização é justificada para dar mais segurança, visibilidade e conforto ao estádio. O debate sobre segurança nos estádios não é uma novidade. Dois episódios na década de 80 acabaram em tragédias que acarretaram mudanças nos estádios de futebol. O primeiro foi na final da liga dos campeões de 1985 entre Liverpool e Juventus que acabou com 39 mortos e 600 feridos. O segundo foi a semifinal da copa da Inglaterra entre Liverpool e Nottingham Forest que acabou com 96 mortos. A partir disso, algumas mudanças foram sugeridas como retirada de alambrados e a colocação de cadeiras em todos os lugares da arquibancada para

evitar a superlotação. (ROUBICEK, 2020)

Entretanto, podemos observar nos jornais que ela também está ligada à capacidade de lucro que as empresas poderiam obter na administração do estádio. Percebe-se, na reportagem,

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que os “parceiros” privados teriam o direito de explorar comercialmente o complexo durante 27 anos.

Dessa forma, nota-se que o processo de modernização que não é mencionado diretamente nos jornais está conectado à capacidade do estádio de gerar lucro para seus gestores e/ou investidores. Nesse novo complexo, a participação popular só se tornaria real através do consumo nos espaços planejados como as lojas, os restaurantes e até o estacionamento. Para Hartog (2013), o mundo após o fim da Guerra Fria entrou em um “presentismo”, onde nosso campo de experiência foi encurtado juntamente com nosso horizonte de expectativa. Em outras palavras, é como se nossa experiência com o passado tivesse se encurtado e nossa expectativa para o futuro não tivesse um longo alcance. Dessa forma, mais reagimos do que agimos de acordo com ganhos ou perdas imediatas. (KOSELLECK, 2006).

Razão do valor tranquilizador de uma fórmula como "a retomada"(retomar significa, de fato, repartir de onde se estava), diretamente ligada à nossa incapacidade coletiva de escapar ao que agora é usual chamar, na França, de "court-termisme", ou seja, a busca do ganho imediato, e que eu prefiro denominar "presentismo". O presente único: o da tirania do instante e da estagnação de um presente perpétuo. (HARTOG, 2013, p. 11)

O autor ainda argumenta que o imediatismo do tempo dos mercados e do capitalismo financeiro são os grandes protagonistas do presente perpétuo voltado para o ganho imediato. Podemos perceber, nos periódicos abordados, certa aproximação com um imaginário presentista, que busca formas variadas de lucrar, e pouco se pensa nas questões culturais do

espaço. Em reportagem do dia 22 de dezembro de 2010 do jornal Hoje em Dia, intitulada “Novo Mineirão começa em janeiro” nota-se um alinhamento no olhar para o Mineirão entre os periódicos abordados e com o conceito de presentismo proposto por Hartog. Além disso, o conceito de “novo Mineirão” começa a aparecer, sugerindo uma ruptura entre o velho e novo estádio.

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Novo Mineirão Começa em janeiro

[...] o Mineirão será administrado pela iniciativa privada, com acompanhamento

e fiscalização do Governo estadual, seguindo modelo já adotado em outros países.

Para marcar este momento histórico do principal estádio de Minas Gerais, que terá como primeiro grande capítulo o recebimento dos jogos da Copa do Mundo de 2014, os envolvidos passaram a chamá-lo de Novo Mineirão. “(A terceira etapa) vai significar não só um novo estádio, completamente sob o ponto de vista físico, mas

também uma gestão inovadora, que vai permitir aos mineiros e aos brasileiros que venham aqui muito mais conforto e uma forma mais adequada de termos

um estádio bem administrado entre os clubes, as empresas e o Governo”, afirmou Anastasia.O investimento estimado do consórcio para as obras de modernização será de R$ 743,4 milhões. Parte dos recursos, num total de R$ 400 milhões, será

disponibilizada pelo BNDES, por meio de linha de crédito especial concedida às

12 cidades-sedes da Copa. (SILVA, 2010) (grifo nosso).

Nota-se que a “iniciativa privada” ganha espaço nos jornais acompanhada da fiscalização do Estado. O modelo adotado em outros países é tratado como inovador pelo então governador do Estado Antônio Anastasia. Novamente, temas como segurança e conforto são levantados como pontos altos do processo de modernização do Mineirão. Além disso, fica evidente, mais uma vez, que o Estado não tem interesse em participar da gestão do “Novo” Mineirão, pois, o próprio Estado financia as obras de reforma do estádio com uma “gestão inovadora” e vê com otimismo a futura gestão que seria “bem administrado entre os clubes, as empresas e o governo”.

Nesta terceira etapa, considerada a mais complexa, estão previstas três importantes obras, como a cobertura adicional das arquibancadas e a construção de uma esplanada de 70 mil metros quadrados no entorno do Mineirão, com área reservada para estacionamento coberto, restaurante e lojas de serviço. (SILVA, 2010) (grifo nosso)

Através desse trecho, podemos observar novamente o destaque para o estacionamento, o restaurante e as lojas de serviço. O que está em jogo é preparar o Mineirão para receber consumidores. Embora a justificativa da obra seja a realização da Copa do Mundo de Futebol, o Mineirão precisa se tornar um lugar rentável para além do esporte. Dessa forma, estacionamento, restaurante e lojas são de grande importância para a estabilidade financeira e para o potencial de lucro do espaço. Uma nova forma de torcer começa a ser exigido pelo novo espaço físico, o que torna a mudança, em grande medida, simbólica. O torcedor, nessa nova lógica, não estaria indo mais ao estádio para vibrar com a partida, mas sim para se entreter. Ele deixa de ser somente o torcedor apaixonado e se torna, também, um consumidor de múltiplos produtos naquele espaço.

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Além do Mineirão, quando Belo Horizonte foi escolhida como uma das cidades sede da Copa do Mundo FIFA, alterações visando à melhoria em sua infraestrutura, segurança pública e de mobilidade urbana começaram a ser pensadas e executadas.

Governo federal vai criar Secretaria

O ministro do Esporte, Orlando Silva Júnior, anunciou ontem a criação de uma secretaria para cuidar da segurança durante a Copa do Mundo de 2014. [...]. “Vai integrar as forças de segurança das 12 cidades que receberão a Copa. [...]

Teremos um esforço especial para que o Mundial ocorra com segurança e

conforto”. O ministro afirmou que a reunião de Dilma com prefeitos e governadores está marcada para 30 de maio. A intenção é acelerar as ações do transporte urbano. Segundo ele, 70% das obras devem começar ainda neste ano, e 54 projetos já foram selecionados para melhorar a mobilidade nas cidades. Sobre os aeroportos, Orlando Silva revelou que a recomendação de Dilma é conceder parte das reformas à iniciativa privada para acelerar as obras. (MINEIRÃO..., 2011) (grifo nosso)

O que estava em jogo na cidade nos anos que precederam a copa eram investimentos de curto prazo que foram justificados pelo Estado como possíveis legados do megaevento.

Segundo Oliveira Júnior e Freitas (2014), a gestão municipal e estadual indicava um planejamento urbano que se subordinava àsdemandas do mercado neoliberal e criava condições para sua realização. No que diz respeito à mobilidade urbana, as obras tinham forte tendência de privilegiar o empreendimento do setor imobiliário, uma vez que articulou as obras entre a expansão do vetor norte e a requalificação da região centro sul que historicamente concentra investimentos do mercado imobiliário.

De acordo com dados levantados por Oliveira Júnior e Freitas (2014), 53% dos valores totais foram destinados às obras no vetor norte da cidade.

Grande parte da tendência identificada para o vetor norte está relacionada à combinação de dois processos: a viabilização de grandes projetos de estruturação urbana, que, em parte, recuperam a infraestrutura deficiente da região; e a demanda reprimida do setor imobiliário em busca de novas frentes de atuação diante da saturação das frentes mais tradicionais do município de Belo Horizonte [...] Em 2005, teve início um expressivo conjunto de intervenções que incluiu o início da duplicação da Antônio Carlos; a construção da Linha Verde ao longo do corredor da Cristiano Machado, até o Aeroporto de Confins – ambas relacionadas ao vetor norte; além do primeiro trecho do Boulevard Arrudas (que melhora a articulação deste corredor à área central) e parte da Requalificação do Anel Rodoviário. (OLIVEIRA JÚNIOR; FREITAS, 2014, p. 82).

A entrada de pessoas através do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) fez com que a região tivesse uma valorização considerável. Além disso, a expansão da cidade para o vetor norte, financiada pelo Estado, agradava os olhares do mercado imobiliário. Em reportagem do dia 10 de dezembro de 2012, o jornal O Estado de Minas trouxe um breve trecho

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demonstrando o contentamento de empresários com as ações do governo no vetor norte da cidade.

De acordo com Luiz Alberto, o anúncio do governo em agosto de um aporte de R$ 572 milhões para obras de infraestrutura no local reforçou a confiança dos empresários no desenvolvimento do Vetor Norte. “Esse é considerado o segundo maior investimento do Executivo na região, que integra o pacote de mobilidade para a Copa de 2014: duplicação da rodovia que dá acesso ao Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, além da revitalização de 29 quilômetros de vias e construção de viadutos e trincheiras ao longo da Avenida Cristiano Machado”, acrescenta. O impulso para esse crescimento foi dado com o pleno funcionamento do aeroporto em Confins, a partir de 2005. “Depois, foi consolidado com o início das atividades na Cidade Administrativa, sede oficial do governo de Minas”, completa. (VETOR..., 2012).

Dessa forma, o governo está mais envolvido com a ideia de presentismo de Hartog, uma vez que suas ações são voltadas para a maior possibilidade de ganho no mercado especulativo. As demandas advindas de problemas estruturais da cidade acabam sendo deixadas de lado em prol do mercado imobiliário e, dessa maneira, um planejamento de longo prazo para a melhoria da mobilidade urbana de Belo Horizonte como um todo foi rapidamente descartado. Sendo assim, o prometido legado para a Copa do Mundo não seria algo aproveitado por todos os cidadãos de Belo Horizonte, mas sim por um pequeno grupo de empresários. Na área da segurança pública, o Estado brasileiro mobilizou recursos para a integração das forças de segurança para a Copa do Mundo. Para os jogos em Belo Horizonte, a proposta foi criar um órgão específico, o “Centros Integrados de Comando e Controle” (CICC) que, no caso da cidade, teria profissionais das polícias Militar, Civil e Federal, além de agentes da Defesa Civil, do Corpo de Bombeiros e da própria Prefeitura. Investimentos de R$ 60 milhões foram destinados à construção do prédio e equipamentos como telões, com imagens das câmeras da cidade, 200 computadores de bordo acoplados às viaturas e um sistema composto por um robô e um conjunto de roupas especiais para o desarmamento de explosivos (SEDS, 2012).

Para Sousa, Marinho e Shynnier (2014), a realização pacífica e bem-sucedida de um megaevento como a Copa do Mundo, serve para os grandes capitalistas envolvidos na promoção desses empreendimentos, como uma espécie de indicador sobre o contexto social dos países. A preocupação com a segurança era importante por vários motivos. Primeiro, para que o evento ocorresse de forma ordeira e que o público dos jogos e os turistas da cidade pudessem ter seus direitos humanos respeitados. Segundo a segurança era importante naquele momento

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em Belo Horizonte pois imagens da cidade seriam transmitidas para todo o mundo, o que poderia resultar em investimentos futuros. Dessa forma, podemos dizer que os esforços na infraestrutura da mobilidade urbana e na segurança da cidade têm um forte compromisso com a especulação financeira e com a potencialidade da cidade em atrair futuros investimentos. Mesmo que seja importante para a sustentabilidade da cidade, pouco foi feito para a população em geral. Além disso, ao falar dos aeroportos, a então presidente da república Dilma Rousseff sugeriu conceder parte das obras em aeroportos para a iniciativa privada para acelerar as obras. Dessa forma, as transformações no Mineirão e na cidade seguiram uma lógica de mercantilização dos espaços públicos. Segundo Souza (2006, apud TONUCCI FILHO; SCOTTI; MOTTA, 2014, p. 27), o que acontece na cidade é o enfraquecimento do planejamento de longo prazo ditado por investimentos públicos e a sua substituição por perspectivas mercadófilas. Dessa forma, seriam criados planejamentos estratégicos sobre áreas fragmentadas do espaço urbano, ações necessárias para a cidade ou o país se inserir competitivamente no mundo globalizado. Entretanto, esse modelo de administração urbana não é algo que a Copa do Mundo trouxe e sim algo que ela amplificou. Essa modernização que ocorreu em Belo Horizonte não foi algo isolado, mas fez parte de um processo em escala nacional. O governo federal de Lula e, posteriormente, de Dilma, já haviam elaborado um projeto de equilíbrio fiscal e feito menções a reformas estruturais que favoreciam uma política neoliberal, como as reformas tributária, agrária, previdenciária e trabalhista (SILVA, 2002). Para Rudá Ricci (2006), trata-se de um discurso pragmático que procura declarar compromissos com a estabilidade da ordem econômica e política, aumentando a competitividade internacional do país. O imediatismo do lucro, a necessidade das reformas para agradar e estimular os movimentos do mercado financeiro foram aos poucos se tornando a cara da política brasileira.4 Dessa forma, o Brasil estava no cenário econômico internacional e Belo Horizonte, potencializada pela Copa do Mundo, entrava cada vez mais nessa conjuntura. Norteada por um projeto político que não pensa no desenvolvimento a longo prazo, mas sim nos lucros sustentáveis em um curto período, mesmo que várias pessoas fiquem de fora. As transformações

4 Para saber mais sobre os anos do Governo Lula ler: ANDERSON (2011).

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dos estádios em arenas e as reformas estruturais das cidades seguiram uma lógica de mercantilização das cidades que estão dentro do regime de historicidade presentista. Tal percepção pode ser encontrada na reportagem intitulada “Pontapé inicial para sediar copa de 2014” do dia 1 de agosto de 2007 no jornal O Tempo. A matéria noticiava que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) formalizava o Brasil como sede para a Copa do Mundo de 2014. Em um evento em Zurique, o Brasil apresentava um vídeo divulgando o país que foi comentado pelo jornal.

Vídeo maquia graves problemas do país

Foram 12 minutos de promoção do Brasil como destino de investimentos e discursos de potência. Enquanto as imagens mostravam cidades e cenários do país, dados eram projetados na tela, como o crescimento do PIB, o fato de ser a décima maior

economia do mundo e o fato de ter o décimo maior complexo industrial do

planeta.Segundo o vídeo da CBF, o Brasil ainda representa a 35% do PIB da América Latina, registrou o maior programa de privatização do mundo, com US$ 130 bilhões de investimentos, e um fluxo de capital que aumentou em 3.000% em dez anos. Com imagens de um país industrializado e urbano, a campanha apresentou o Brasil como “um país de oportunidades sem fim”. (PONTAPÉ..., 2007) (grifo nosso) Mesmo com o filtro do jornal, é possível observar alguns pontos relevantes do vídeo reproduzido. Nele, o Brasil se mostrava para o mundo como um país de oportunidades pela sua capacidade de se integrar ao cenário neoliberal. O destaque para o programa de privatização, o aumento do capital e o tamanho do PIB brasileiro em relação à América Latina são sintomas de uma conjuntura presentista. Além disso, um dossiê com 900 páginas, projetos para as cidades que queriam ser sede, e uma declaração governamental assinada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com 11 garantias, foram encaminhadas na proposta brasileira para sediar o megaevento. Entre elas, havia garantias de isenção de impostos para importação e exportação de mercadorias e bens relacionados à Copa, isenção de impostos para estrangeiros, entre outros. 5 Em um seminário intitulado “Soberania e política externa: o embate entre "nacionalistas" e ‘entreguistas’” realizado pelos professores Loque Arcanjo, Juarez Guimarães e Dawisson Lopes, foi debatido sobre a soberania (ou a falta dela) das nações latino-americanas. (CICLO DE DEBATES, 2018). Para Lopes, o Brasil falhou em implementar um projeto de soberania nacional, sempre se alinhando com potências neoliberais. Juarez Guimarães complementa dizendo que o Brasil

5 Ibidem.

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sempre foi um país cosmopolita, que nunca se colocou para o mundo com sua cultura, sua economia e sua política. No futebol, podemos perceber como esse alinhamento se dá de forma mais clara. As ligas no Brasil e na América Latina como um todo mudaram seus formatos de acordo com formatos europeus como os sistemas de ligas e, mais recente, a final da Taça Libertadores da América substituindo os jogos de “ida e volta” por apenas um jogo em um estádio sorteado.

Juarez ainda argumenta que, ao tentar se adaptar aos “ares do mundo”, o país entra na terceira fase do neoliberalismo em que a própria ideia de democracia vem sendo desorganizada por programas neoliberais. O país estaria vivendo desde os anos 90 o ápice do cosmopolitismo, em outras palavras, o Brasil não se colocava para o mundo com suas identidades, sua cultura e sua forma de pensar, pelo contrário, sempre acabava se alinhando às demandas internacionais. Quando o governo assinou as 11 exigências da FIFA, ficou claro um alinhamento político com o que Juarez Guimarães chama de cosmopolitismo. O Brasil abre mão de sua soberania para receber não só a Copa do Mundo, mas para receber a mercadoria dos parceiros da FIFA. Além disso, o Estado isenta a organização de impostos e possíveis danos. Por fim, a Copa do Mundo serviu, também, para o Estado brasileiro aprofundar um projeto de mercantilização das cidades e “arenização” dos estádios. Ainda em 2008, o jornal O Diário do Comércio debatia como o projeto do Mineirão era pensado para receber marcas e melhorar as viabilidades econômicas.

Estado vai licitar obras do Mineirão

[...]. As obras incluirão painéis eletrônicos de última geração, proteções em todo o entorno do estádio nas áreas que atualmente separam os bares e a criação de segurança. O objetivo do contrato é a consultoria técnica especializada para elaboração de estudos preliminares de modernização do complexo. As cinco etapas estão divididas em custos iguais de R$ 486,560 mil, segundo informações da SEEJ. A primeira delas consiste em um diagnóstico e análise do mercado para a implementação das adequações. A segunda etapa compreenderá a pesquisa e associação de marcas ao complexo, sendo que a terceira contemplará estudos de viabilidade econômica e elaboração do plano de negócios. A quarta fase consistirá no projeto conceitual e quinta etapa na conclusão e recomendação de alternativas de implementação. (FERNANDES, 2008). (grifo nosso)

Nota-se que a grande preocupação era tornar o Mineirão em um polo lucrativo. Através das análises de mercado, possíveis marcas que poderiam ser associadas ao estádio e outros tipos de viabilidade econômica tinham o objetivo de tornar o Mineirão em um negócio muito além do sustentável, a necessidade era torná-lo lucrativo para quem fosse administrar o consórcio do estádio.

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Tais aspectos também faziam parte das exigências da FIFA, as quais foram prontamente adotadas desde os primeiros projetos do estádio. Por exemplo, os painéis eletrônicos de última geração, que possibilitariam outros tipos de entretenimento dentro da arena como câmera do beijo e momentos em que os torcedores deveriam vibrar ao aparecerem na tela. Nota-se, portanto, no imaginário construído pelos jornais, que a modernização do Mineirão para a Copa do Mundo significa transformá-lo em um polo lucrativo. Entretanto, não se trata só do Mineirão, mas sim de um projeto nacional que aparece nas diversas arenas reformadas e construídas no país. Percebe-se uma articulação com esse imaginário no jornal Hoje em dia de 04 de novembro de 2012 em reportagem intitulada “Caldeirão para dar Lucro”. O Mineirão seria transformado num complexo de negócios que iria “muito além do futebol”. Dessa forma, de deficitário, passaria a gerar lucros.

Caldeirão para dar lucro O Mineirão será transformado num complexo de negócios que irá muito além do futebol[...]Jáo novo Mineirão, com reabertura prevista para janeiro do próximo ano, terá a carteira de negócios diversificada e multiplicadas várias vezes. E, de

deficitário, deverá passar a gerar lucro. O princípio é simples: o fim do subsídio do governo do estado e a profissionalização do futebol mineiro. [...] Agora, a expectativa é que o consórcio Minas Arena, que irá gerir o estádio até 2037, tenha um faturamento de R$ 76 milhões já no próximo ano, com uma receita líquida de R$ 66 milhões anuais. Para atingir essa expectativa de receita, a Minas arena vai oferecer produtos diferentes do que existiam no antigo Mineirão, tais como áreas comerciais, área vip, camarotes, restaurantes, espaço para eventos não esportivos (shows, feiras, convenções, seminários etc), naming rights, apoios e patrocínios. (MORENO, 2012). (grifo nosso) Esse trecho já projeta um Mineirão completamente diferente do que era antes de todo o processo de reforma, sugerindo que ele irá muito além do futebol. Percebe-se um grande alinhamento com o imaginário presentista que temos apontado ao longo do artigo. Todos os aspectos do “novo” Mineirão são vistos como positivos, incluindo até a possibilidade de profissionalização do futebol mineiro. Baseada em uma projeção feita em 2009, a transformação do Mineirão em um complexo de negócios poderia oferecer múltiplos produtos que transformaria o estádio em um “caldeirão para dar lucro” através “de áreas comerciais, área vip, camarotes, restaurantes, espaço para eventos não esportivos (shows, feiras, convenções, seminários etc.), naming rights, apoios e patrocínios”. É importante lembrar que existia uma preocupação em manter o Mineirão sustentável após a realização da Copa do Mundo de 2014. A saída encontrada foi entregar um bem público

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nas mãos da iniciativa privada. Dessa forma, as mudanças foram planejadas para que se pudesse arrecadar a maior quantidade de lucro dentro dos limites do território do estádio. Tais mudanças acabariam, também, modificando os significados simbólicos do estádio, uma vez que seu objetivo principal, antes, eram jogos de futebol, no novo Mineirão esse esporte seria só mais um dos atrativos do espaço.

Produtos - O consórcio pretende fazer o lançamento dos produtos no final de novembro, mas alguns deles já foram revelados. O plano da Minas arena é implementar as unidades comerciais em 2 etapas. Na primeira, serão ofertadas 25 lojas, entre 52 metros e 198 metros, com possibilidade de uma loja âncora de até 1.680 metros. Na segunda etapa estão previstas outras 27 lojas de 60 metros cada. Entretanto, as datas não estão fechadas e segunda etapa pode ficar para após o Mundial de 2014. Uma área de aproximadamente 10765 m² abrigará 98 camarotes totalizando 2100 lugares, além do restaurante panorâmico, lounges e sanitários. Os camarotes contaram com ar-condicionado, TV de plasma, mobiliário e cadeiras exclusivas, alimentação e bebidas não alcoólicas, os camarotes 18 e 20 pessoas terão até 5 vagas de estacionamento. (MORENO, 2012). (grifo nosso)

A partir disso, podemos observar que o que está em jogo no “novo” Mineirão, ou no Mineirão moderno e confortável é a potencialidade de consumo dentro do espaço. Aos poucos, a tentativa era transformar o Mineirão em uma espécie de “não-lugar”.

Shopping centers, caixas eletrônicos, elevadores, vagões de metrô, saguões de aeroportos, interiores de avião, máquinas de café expresso são alguns desses não lugares, semelhantes em todo o mundo, com as mesmas cores, a mesma ambiência e até o mesmo aroma, independentemente dos países. (SILVA; MORAIS, 2017, p. 121)

A partir da reforma, o Mineirão representaria um padrão que se aplica em contextos socioculturais diferentes. Ao mesmo tempo, estão presentes nos mais diversos lugares, tornando-se parte e palco da vida de milhões de pessoas ao redor do planeta, como os outros estádios preparados para a Copa de 2014 ou os que serviram de inspiração em outros países. Contudo, existem vários valores ligados ao Mineirão como “Gigante da Pampulha” que se articulam nesse contexto e, de várias formas, esses princípios emergem no cotidiano do estádio.

À primeira vista, a imponência impressiona. [...] a imensa estrutura da esplanada de 80 mil metros quadrados chega a encobrir os 88 pórticos de concreto armado [...]. Parece até que o Mineirão sumiu. De certa forma faz sentido: do velho estádio inaugurado em 5 de setembro de 1965, palco de momentos memoráveis do futebol mineiro, pouco restou. [...] Do conforto do acesso por meio de catracas eletrônicas e elevadores à chegada aos 62.170 assentos numerados, passando por um restaurante que proporcionará visão completa do gramado, foi essa a impressão do Estado de Minas ao conhecer ontem em detalhes o remodelado Gigante da Pampulha. Praticamente pronto, com mais de 96% das obras executados, o novo Mineirão, que será inaugurado no clássico Atlético x Cruzeiro em 3 de fevereiro, está em fase de finalização de detalhes de acabamento com a expectativa de ser muito mais que um estádio de futebol: soluções e recursos preparados pelo consórcio Minas Arena – que o administrará nos próximos 25 anos por meio de

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parceria público-privada (PPP) com o governo de Minas Gerais – apontam que num curto espaço de tempo ele poderá se tornar também um saudável espaço de convivência para a família. O vasto sistema de ar condicionado em praticamente todos os setores, lojas, bares e estacionamento (distribuído em níveis subterrâneos semelhantes aos de shoppings) e uma inédita central de segurança dão uma ideia do que está por vir. (FREITAS, 2012). (grifo nosso)

Esse trecho, dias antes da reabertura, já projeta um Mineirão completamente diferente do que era antes de todo o processo, sugerindo que ele sumiu ou pouco restou do “velho estádio”, a não ser por sua imponente grandeza. Percebe-se que há uma naturalização de um “novo” Mineirão que abrirá suas portas no dia 21 de dezembro de 2012 e a expectativa é que seja muito mais do que um estádio de futebol. Nesse novo Mineirão, nota-se novamente um alinhamento a um imaginário ligado à possibilidade de lucro quando o jornal valoriza os setores comerciais como lojas, bares, estacionamento, ar condicionado e medidas inéditas de segurança. O conforto dos assentos, catracas eletrônicas e restaurante com vista para o gramado, poderiam criar as condições perfeitas para que o indivíduo pudesse consumir em paz naquele espaço. Além disso, esse texto demonstra um tom conservador ao afirmar que o Mineirão se tornaria um lugar saudável para a convivência da família.

Nota-se também, em reportagem do jornal O Tempo intitulada “Muito mais que um estádio” do dia 27 de maio de 2012, certo saudosismo com o Mineirão de outros tempos. Segundo a reportagem, o Mineirão voltará a ser, após a reabertura, um lugar de família, paz e lazer como nos “bons tempos do Gigante da Pampulha”.

Muito mais que um estádio

Atrativos farão com que as pessoas possam chegar mais cedo ao estádio, evitando confusões ao que tudo indica, está sendo dado um grande passo para que o Mineirão

volte a ser dedicado às famílias, à paz e ao lazer da população, assim como

acontecia nos bons tempos do Gigante da Pampulha. Nada de chegar em cima da hora e no desespero para acompanhar partidas de futebol, shows ou qualquer tipo de evento. O conceito de arena multifuncional aplicado na construção do novo Mineirão promete trazer uma nova realidade para os torcedores. Com muito mais conforto, segurança e opções de entretenimento, as pessoas poderão chegar bem mais cedo, com mais tranquilidade e tendo várias opções para usufruir dos benefícios que estarão à disposição no estádio. (RIBEIRO, 2012). (grifo nosso)

Para que tais valores fossem recuperados e as famílias pudessem ter paz no Mineirão, o jornal sugere o modelo de arena “multifuncional” que proporciona conforto e segurança. As variedades de benefícios seriam essenciais, em outras palavras, é graças a esse projeto que o estádio voltaria “nos bons tempos do Gigante da Pampulha”.

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Para acabar com a aglomeração que acontece nos momentos que antecedem os jogos e deixar o Mineirão mais atrativo, serão criados restaurantes, lanchonetes e lojas. Porém, a grande aposta para transformar o palco de jogos em um espaço de convivência para a população está na esplanada que vai envolver a arena. No local, que será liberado durante todos os dias da semana, as pessoas poderão caminhar,

correr, passear com familiares, amigos e cachorros, andar de bicicleta, patins e skate, enfim haverá uma interação da sociedade.

“[...]. As pessoas poderão chegar mais cedo, já que terão opções. Depois do jogo, as pessoas poderão jantar nos restaurantes e ficar nos bares por mais tempo. O fluxo de 60 mil pessoas entrando e saindo ao mesmo tempo é muito ruim para o estádio e para a cidade”, explicou Silvio Todeschi. (RIBEIRO, 2012) (grifo nosso).

O arquiteto Silvio Todeschi, em entrevista ao jornal, demonstra como todo o espaço do Mineirão é pensado para que o torcedor fique mais tempo no estádio. Em dias de jogos, poderia chegar mais cedo para aproveitar os diversos benefícios. Tal mentalidade sugere que a arquitetura do novo estádio foi planejada como a de um shopping, pois é pensada com o mesmo princípio: criar condições para que as pessoas fiquem confortáveis e permaneçam no espaço por mais tempo.

Os shopping Centers assumem uma característica ambígua. Não se constituem a partir da cultura local e, ao mesmo tempo, tornam-se espaços de vivências, consumo e desejo dos indivíduos na região em que se encontram (SILVA; MORAIS, 2017, p. 122).

A reforma deixaria como legado a interação social familiar na esplanada. Além de um lugar com potencialidade para shows e eventos, o jornal ressalta que quando não houver jogos, a população poderia utilizar a área para atividades de lazer, como patins, bicicletas, skate, corridas e caminhadas. A arena se firmaria ainda mais como uma das atrações da Pampulha. A população poderia, segundo os jornais, se beneficiar do conforto e da segurança e, dessa forma, consumir com mais tranquilidade.

Nesse periódico, o Mineirão, ou melhor, o novo Mineirão, já é definitivamente tratado como arena cheia de possibilidades. A esplanada viria para substituir a difícil acessibilidade ao estádio, pois antes o entorno era formado por um imenso parque de estacionamento no qual as pessoas precisavam “desafiar os carros e, depois, enfrentar os degraus para que chegassem às bilheterias e às catracas”.

Agora, com a nova esplanada, não haverá a obstrução dos veículos nem das escadarias e declives em volta do Mineirão, o que vai dar um campo maior de visão e ação para que os policiais realizem a segurança. (RIBEIRO, 2012)

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Agora, o estacionamento estaria abaixo da esplanada, que consiste em uma área de 80 mil m². O público estaria livre para se deslocar em volta do estádio. Mas, além disso, o projeto da “nova Arena Mineirão” facilitaria o trabalho da polícia, pois com o terreno nivelado seria mais fácil conter os avanços das “tropas alvinegras e celestes”. Percebe-se, no jornal Hoje em Dia, certa articulação temporal dentro desta lógica. Segundo a reportagem do dia 22 de dezembro de 2012 intitulada “Um novo Gigante da Pampulha”, foi construído um centro comercial com aproximadamente cinco mil metros quadrados para tornar as horas do torcedor na arena mais agradáveis.

O novo Mineirão vai inaugurar uma maneira inédita de o torcedor acompanhar

as partidas do seu time do coração. São 98 camarotes, com 2.024 assentos e serviços exclusivos, como elevador, vaga no estacionamento, banheiros VIPs, varanda, ar condicionado e serviço de buffet. [...]. As arquibancadas superiores comportam 39.084 pessoas, e a inferior 20.842, todas com lugares numerados. [...] Para tornar

as horas no local mais agradáveis, foi construído um centro comercial com

aproximadamente cinco mil metros quadrados. Serão 19 lojas nesta primeira fase, com possibilidade de ampliação em mais 28 num segundo momento. (UMO NOVO..., 2012) (grifo nosso)

O jornal não deixa claro como o novo Mineirão mudaria a forma de torcer do torcedor. Porém, como demonstrado até aqui, tal maneira de torcer se dá através da individualidade. Os lugares numerados sugerem a exclusividade do indivíduo. Além disso, a ideia de que o centro comercial tornaria as horas do torcedor mais agradáveis reforça ainda mais a hipótese do “nãolugar”.

Os jornais sugerem um novo perfil de torcedor que frequenta o estádio. Um torcedor que tira o dia para andar tranquilamente pela esplanada do Mineirão, enquanto espera a partida de futebol começar. Enquanto caminha, terá o conforto e a segurança garantidospela arquitetura do local. Os carros não atrapalhariam mais, pois estariam em um piso abaixo. Por fim, teria sossego para poder se tornar um consumidor naquele espaço, comprando produtos das lojas oficiais.

A matéria do Hoje em Dia se parece muito com a do O Tempo citada anteriormente. Aqui, se ressalta também a esplanada como um local de convívio social, algo teoricamente possível só no novo Mineirão. Além disso, para a cidade, o espaço é de grande importância, pois teria a capacidade de atrair shows ou outros eventos (UM NOVO..., 2011). Nota-se que o imaginário em torno do projeto de modernização do Mineirão sugere que ele traria grandes avanços em conforto, segurança, acessibilidade e visibilidade. Entretanto, se olharmos em retrospecto, o Mineirão desde seu nascimento já era um estádio moderno.

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O que está em jogo na modernização do Mineirão planejada e executada entre 2008 e 2012 não era simplesmente a realização da Copa do Mundo de 2014. Percebe-se, pela articulação temporal dos jornais, que a modernização do Mineirão que traria conforto, segurança, acessibilidade e visibilidade significa transformá-lo em um polo lucrativo para o pós-Copa além da sustentabilidade e isso não é uma política particular do Mineirão ou de Belo Horizonte. Trata-se de um projeto de governo que adota a mesma fórmula nas diversas arenas construídas e reformadas ou modernizadas no país. Porém, o Mineirão já é carregado de valores. As reportagens recuperam e articulam na temporalidade valores, representações e sentidos. Os jornais lembram do estádio e de seus grandes públicos, de seus grandes jogos, dos grandes jogadores que recebeu e das grandes emoções vividas em todos os setores possíveis. Dessa forma, as antigas formas de torcer no Mineirão deveriam encontrar uma nova possibilidade na sua reabertura ligada ao consumo. Por fim, é relevante trazer a fala do presidente da BWA em 2012 quando tentou entrar na licitação para administrar comercialmente o Mineirão. A empresa havia acabado de se unir com outra internacional e se tornado uma das maiores administradoras de arenas do mundo.

Segundo o presidente, “quanto mais arenas melhor”. Nessa linha de raciocínio, a frase “futebol é paixão, Copa do Mundo é negócio” de Sérgio Barroso têm campo fértil para emergir. (MORENO, 2012). Segundo o secretário extraordinário da Copa, a obra estaria ocorrendo sem nenhum viés político, mas sim para o povo, “para o torcedor mineiro, e principalmente para Belo Horizonte, Minas Gerais, que briga pela abertura do mundial” (RIBEIRO, 2011). Entretanto, baseado no que foi exposto, a Copa tem sim um lado e não está livre de viés político. A obra está alinhada com um imaginário presentista, consumista e de mercado.

Considerações Finais

Em 2007, escolhida como cidade-sede da Copa do Mundo FIFA, novamente um discurso de modernização recaiu sobre a cidade de Belo Horizonte. Quando o país foi escolhido como sede do megaevento, o estádio moderno passou a ser reconhecido, aos poucos, pelos jornais, como o velho Mineirão, que precisaria passar por um processo de modernização. Para Hartog (2013), um regime de historicidade é apenas uma maneira de engrenar passado, presente e futuro de um determinado tempo, ou melhor, a proposta é que existe em cada contexto temporal e/ou local, um presente específico. Dessa forma, o desenvolvimento do

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presente artigo possibilitou uma análise de como a reforma do Mineirão e, em certa medida, da cidade de Belo Horizonte, foram percebidas dentro de seu tempo pelos jornais da capital mineira.

A partir da análise dos jornais, podemos perceber uma articulação no imaginário que se aproxima ao regime presentista proposto por Hartog. Ao longo dos anos da reforma de preparação para a Copa do Mundo FIFA 2014, os jornais detalharam diariamente aspectos de como o novo estádio seria após a abertura. As descrições, em grande medida, apontavam para um velho estádio que havia fechado as portas para dar lugar a uma arena moderna com grandes características de um não-lugar. A arena reforçaria a ideia de um espetáculo que precisa ser apreciado individualmente, se tornando um espaço de consumo, rompendo com as tradições de torcida coletiva.

Dessa forma, percebe-se que o Mineirão, no imaginário dos jornais, está, em grande medida, ligado ao regime de historicidade presentista, pois sua nova configuração preza pelo ganho imediato em cima de um bem público. Tal perspectiva não é necessariamente boa ou ruim, pois é preciso ser sustentável para continuar funcionando, a questão aqui é perceber quais são os significados das ações no contexto estudado. Entretanto, o Mineirão é uma arquitetura com mais de 50 anos de idade. Várias formas de apropriação ocorreram ao longo do tempo. Apropriações que se chocaram com o Novo Mineirão, aberto em 2013. Nesse sentido, uma pesquisa oral com torcedores, que frequentavam o estádio antes da reforma e não vão mais, ou torcedores que iam e continuam indo, ou torcedores que só conhecem o novo Mineirão, poderia render um rico estudo sobre como o estádio é percebido.

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