Crazy Mary

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Thiago Assoni

“Viu-se na estrada, de noite, no escuro. Não podia ver um palmo à sua frente. Nenhum som, nenhum movimento que não fosse o próprio, tentando encontrar algum lugar ou adivinhar em qual ponto da estrada estava.

agitariano, de lua, de fogo!

Nascido em São Paulo, sente o sangue cinza de tanto que ama

Ouviu um gemido. Alguém em seu último suspiro. De repente, um clarão e mil rostos lhe derrubaram...

a cidade.

C

urioso sobre verdades

e certos mistérios antigos, gosta de vampiros, bruxas e fantasmas e é fã incondicional da Literatura Fantástica brasileira, admirador de Poe e

Foi quando acordou.”

CRAZY MARY

S

Sentia frio. Caminhou para o lado e sentiu o chão mudar de textura. Estava pisando em lama. Mas, era como se não tivesse mudado de lugar, somente. Era como se houvesse um lapso de memória e não se lembrasse de que estava ali há algum tempo. Suas mãos... Não conseguia vê-las, mas sentia que estavam pastosas, como se encharcadas com algo viscoso.

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escaradamente inspirado em obras de Joe Hill e Stephen King (filho e pai), e livremente inspirado na música que dá nome ao livro (originalmente cantada por Victória Williams, regravada e mais conhecida na voz de Eddie Veder do Pearl Jam), Crazy Mary mergulha na mente doentia de uma pessoa capaz de matar, somente para tirar um problema do caminho. Mas, quem seria essa pessoa? Todos podem ter um bom motivo para matar. Ou não.

T

udo acontece numa pequena cidade serrana, envolto por um clima meio morto, onde é possível encontrar um mercadinho bem aconchegante e uma lanchonete que serve panquecas americanas. Ruas arborizadas, caminhos de terra entre a mata, e um rio calmo que corta a cidade, lá nos fundos da Serra. Tudo isso, num clima cheio de suspense e com um “Q” de grunge.

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é nesse clima que se desenrola o primeiro romance de Terror psicológico do jovem paulista Thiago Assoni.

Azevedo.

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Copyright © 2012 by Thiago Assoni Todos os direitos desta edição reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico ou mecânico, fotocopiada ou gravada sem autorização expressa do autor. ISBN: 978-85-98792-96-5 Projeto gráfico e editoração eletrônica: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Revisão: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Capa: Ellen Sanches Vieira

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´ Dedicatoria

Aos meus professores, em especial aos da disciplina de Português, que sempre me incentivaram a boas leituras. À professora Elizabeth, da da primeira e segunda série, na escola Luís Vaz de Camões, meus sinceros agradecimentos. À professora Lúcia, amiga e querida, que ousou me comparar com Álvares de Azevedo em uma peça de Teatro na escola — O Auto da Barca do Inferno. À professora Ione, à qual muito admirei e apreciei o ano letivo em sua presença. E, claro, jamais poderia me esquecer dos professores: Rosimeire, a Tarja Turunen Brasileira; ao Zequinha e à Edisângela, que fizeram das aulas de Matemática muito mais legais para mim; à Lucimara e seu latifúndio inesquecível; à Telma, sempre traduzindo músicas em uma época onde o acesso à internet não era muito presente no meu dia a dia; e a todos os outros que não quero pecar em esquecer. Meu muito obrigado a todos. 5

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Agradecimentos Ao Grande Arquiteto, que edificou calmamente minhas estruturas atĂŠ aqui. Aos meus familiares. Aos que escolhi que fizessem parte de minha famĂ­lia: meus amigos.

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Um

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á era tarde demais pra fazer alguma coisa. Eddy segurou o braço de Mary, que chorava sentada no chão, e fez com que ela ficasse de pé. Olhos borrados com a maquiagem negra que escorria pela face pálida da garota. A velha camiseta cinza do Ramones, cortada para parecer menor, estava suja de sangue. Mary estava só de calcinha, as pernas brancas nuas. O cabelo desgrenhado, o corte parecido com o da Cindy Lauper nos anos oitenta. Os brincos também lembravam os da cantora: triângulos coloridos, um dentro do outro, em um estilo bem “retro”. Era, também, um contraste com a camiseta a qual usava. Mary nunca foi mesmo roqueira, mas a camiseta do Ramones era do Eddy, por isso ela estava cortada, deixando a barriga de Mary à mostra. Ela usava para ficar em casa, tinha o cheiro dele e isso a agradava. Mas não havia tempo para pensar em combinação de roupa e estilo. Era preciso ir embora antes que o pior pudesse acontecer, ou que alguém chegasse. Mary não podia ser vista daquele jeito por mais ninguém, e Eddy queria levá-la embora o mais rápido que conseguisse. Mas Mary não estava em condições de colaborar e parecia não querer sair dali. Ela chorava copiosamente, soluçando. Tinha o olhar vago, tal qual o de quem vê uma assombração. 9

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O rosto estava pálido, a pele gelada, e tanto as pernas como os braços tremiam. Eddy puxou Mary, fazendo-a arrastar os pés sobre o piso de madeira da casa pequena, atrás do mercadinho, à beira da estrada. Ela bateu em alguns móveis, mas nenhum dos dois deu importância para isso. Eddy parou e olhou para Mary. — Precisamos ir. Pegue algumas roupas, rápido. — ... Não tive culpa... — Ela dizia perdida nos olhos cheios de lágrimas. — Não tive... Era preciso sair dali e Mary realmente não colaborava em nada. Eddy a sentou no sofá velho, com o estofado corroído e a espuma aparecendo pelos buracos. Correu até o único quarto da casa e parou na porta, observando mais uma vez aquela cena. A cama de casal estava desarrumada, os lençóis jogados para todos os lados assim como os travesseiros e uma coberta xadrez verde e cinza. Deitado ali, o homem grande, não gordo. Os olhos arregalados em espanto, a boca aberta e a cabeça pendendo para fora da cama em desordem. O sangue manchava o lençol amarelado que cheirava a roupa de cama velha. Tirando os olhos daquela cena que fazia sua espinha dorsal gelar, Eddy abriu as gavetas da cômoda e foi jogando algumas roupas que pareciam ser de Mary dentro da primeira mochila que encontrou. Era uma mochila grande, de exército. Pelo menos, o tecido camuflado deixava parecer que era de um soldado. Eddy voltou para a sala e a segurou pelo braço, levando-a para o Mustang GT 65 que estava mal parado, no estacionamento do mercadinho. Ainda tinha as portas abertas e a música tocava no rádio. Eddy sentou Mary no banco do carona e fechou a porta para depois ir até seu lugar, o banco do motorista. Abaixou um pouco o som, que tocava uma música do Alice In Chains. A voz rouca, grave e adocicada de Layne Staley, invadia o carro que seguia pela estrada enquanto a noite começava a cair. Mary estava encolhida no banco do passageiro, os olhos perdidos com a paisagem que corria lá fora: um borrão negro cheio de árvores. Vez ou outra, Eddy olhava para ela e tentava 10

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entender o que havia acontecido ali. Uma confusão se criara em sua mente naqueles últimos dias e tudo estava meio nublado na sua cabeça. Tentava se lembrar de algumas coisas, mas só conseguia recordar coisas de anos atrás. Era como se uma grande parte dos momentos atuais tivesse sido removida de sua memória. Mas via claramente aquele instante ao qual se aproximava da árvore. Naquele dia meio frio e nublado... A noite era bonita de se ver. O céu negro coberto por estrelas. A Lua não aparecera naquele dia, mas isso não diminuía a beleza do céu. Não havia muitas casas ao redor, e isso deixava o lugar em silêncio quase total, não fossem os grilos por ali por perto. Havia também os vaga-lumes que, vez ou outra, apareciam na varanda. Eddy gostava de ver aquela paisagem bonita da casa da Serra que seus pais compraram há algum tempo. Adorava o rio que passava, manso, na parte de trás da casa, era como uma daquelas casas de filmes americanos que costumava ver na televisão. Tinha lareira, chaminé, rede na varanda... Ele adorava ir para perto do rio quando era noite e ficava vendo as “famílias” de sapos que estavam por lá. Gostava de ver os sapos abertos nas aulas de Biologia, e seria interessante vê-los em seu habitat natural. Levava sempre um pote de vidro, caso conseguisse capturar algum, já teria onde colocar. Sentou-se numa pedra grande, um pouco molhada. Para não sujar a calça, tirou a camisa flanelada e colocou-a sobre a pedra. Ficou lá, olhando os sapos, e pensando se deveria ou não ter o seu próprio para poder abri-lo e estudá-lo. O pote de vidro estava ali, só não sabia ao certo se pegaria mesmo um deles. Quando finalmente um sapo menor estava bem perto, Eddy resolveu capturá-lo. Seria fácil, já que era um sapinho realmente pequeno e sozinho. Levantou-se devagar e abriu o pote. Tinha de ser rápido o bastante para não deixá-lo pular antes de capturá-lo. Olhou para o chão, observando se não teria nada que fosse fazer barulho quando ele pisasse. Não queria espantar o sapinho. Eddy estava quase conseguindo quando ouviu um gemido baixo, vindo não de muito longe. Alguém, não muito distante, parecia ter se machucado. 11

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O sapinho pulou e Eddy o perdeu, mas não importava mais. Estava curioso para saber de onde tinha vindo o tal gemido. Sentiu um arrepio ao imaginar que poderia não ser uma pessoa, e sim um espírito. Andou devagar, observando o chão o tempo inteiro. Não queria fazer barulho e ser pego por uma alma penada que vagava pela mata em busca sabe-se lá o quê. Aproximou-se de uma árvore e ouviu o gemido novamente. Estava perto agora. — Cuidado, Eddy... — Ouviu sua voz em alarme mental. — Cuidado. Eddy sentiu que estava tremendo mais do que deveria. Não sabia bem se era por causa do frio, já que havia deixado a camisa de flanela sobre a pedra, ou se era mesmo porque estava com medo do que iria encontrar pela frente. Não precisava ouvir nenhuma lenda urbana para saber que espíritos rondavam qualquer lugar, a qualquer momento, e aqueles gemidos estavam se repetindo cada vez mais. Era alguém chorando... Chorando baixo e sofrido... Aquele gemido, era um choro, era o único som que se unia ao rio que corria lento por ali. Eddy sentiu a mão fria e sabia que aquela árvore era a única coisa que o separava do suposto fantasma. E o gemido continuava, sôfrego e sentido. Fosse o que fosse, aquele era o momento. Eddy respirou profundamente, encheu-se de uma falsa coragem e saltou para enfrentar o tal fantasma... Qual não foi sua surpresa ao ver aquela garota encolhida ali, junto ao rio, lavando suas pernas e braços. Ela chorava. jogando água fria sobre sua pele e Eddy tremeu ao ver a cena, como se a água jogada nela causasse frio nele. Ficou alguns minutos ali parado, encostado na árvore, vendo a menina se lavar. Ela jogava água com raiva, como se estivesse com alguma coceira ou tentando tirar algo que não era sujeira. Eddy via a água vermelha escorrendo por suas pernas e percebeu que era sangue. Lentamente, Eddy aproximou-se da garota que continuava jogando água nas pernas, se limpando sem parar. O gemido, o choro. Eddy encheu-se de coragem, enfim, e, após respirar fundo, falou manso: — Oi... 12

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A garota saltou, ficando em pé de forma desajeitada, deixando uma alça do vestido florido escorregar pelo ombro, quase caindo entre as pedras. Eddy não deu mais nenhum passo para não assustar mais a garota que parecia arisca. — Fique longe de mim. — Ela gritava. — Calma... Não quero lhe fazer nenhum mal. A menina tinha os olhos azuis, lindos e muito arregalados. Era nítido que estava desesperada e sentia medo. Eddy sentou-se numa pedra ao lado, já não se importava mais se a calça ia ou não sujar... — Meu nome é Eddy... E o seu? Ela não se mexeu mais. Ainda tremia e estava com os braços abraçados em torno de si, como se aquilo a protegesse do perigo e do frio. Ela limpou o nariz com a mão e, com a mesma mão, limpou as lágrimas dos olhos. Triste, respondeu: — Maria... Mas me chamam de Mary. E agora estavam ali, na estrada, calados um ao lado do outro ouvindo a voz de Layne Staley saindo pelos autofalantes do Mustang. Mary estava quieta, parecia dormir encostada no vidro fechado da janela. Eddy não sabia bem para onde deveria ir. Achou melhor levá-la para a casa dele mesmo. Seguiu um pouco mais adiante e fez a curva. Observou que ainda havia o esqueleto da pequena casa que era de Mary há alguns anos atrás. A estrada fazia uma curva em s fechado e a pequena casa era um marco na infância dele. Sempre via a casinha quando ia passar as férias de meio de ano na Serra. Ficava imaginando quem moraria ali, na beira da estrada, numa casa tão pequena? Dizem que a vida trata de nos dar as respostas para tudo... Eddy teve sua resposta também. Até mais do que imaginava. O Mustang entrou na estradinha de acesso à casa de Serra e os faróis iluminaram o portão de madeira da propriedade da família de Eddy. Tão logo estacionou o carro bem em frente à porta de entrada da casa, saiu e foi até a porta do passageiro. Não se preocupou em fechar nenhuma das duas portas. Pegou Mary no colo e foi para dentro, tal como se fosse um casal entrando no 13

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quarto na noite de núpcias. Ele a colocou no sofá e sentou-se ao seu lado. Segurou as mãos de Mary, chamando pelo seu nome repetidas vezes, como se querendo fazer com que ela despertasse do transe ao qual se encontrava. Os olhos mortos de Mary se moveram e, finalmente, olhou para Eddy. — Está tudo bem?— Eddy arriscou, mesmo sabendo que a resposta não seria um “sim”. — Fala comigo, Mary. Ela não respondeu. Esticou o corpo no sofá, abraçando uma almofada e fechou os olhos após respirar fundo. As lágrimas ainda escorriam, mesmo de olhos cerrados. Eddy ficou ali, observando-a em silêncio. Como amava aquela garota! Soube disso desde aquele primeiro encontro, na mata. Depois de muito conversarem naqueles primeiros momentos, Eddy achou melhor levá-la para aquela mesma casa. Em momento algum questionara o porquê de ela estar chorando e qual havia sido o motivo que a fizera sangrar. Apenas decidiu que o melhor seria levá-la até seus pais e pedir ajuda para Mary. Uma pilha de pratos caiu da mão de Sandra, mãe de Eddy, assim que viu a menina cruzar o umbral da porta de entrada. Lana, a irmã mais velha de Eddy, uma rebelde sem causa, riu dizendo algo como “e depois eu sou a doida da família” ou qualquer coisa assim enquanto ia para a parte de cima da casa. Antony, o pai de Eddy, foi até os dois recém-chegados. — Mas o que é isso, Eddy? O que houve com ela? Antony fechou a porta atrás deles e levou Mary até o sofá, deixando Eddy parado ali. Antony sentou-se ao lado de Mary e indagou: — Está machucada? O que houve? — Não foi nada... — Mary ainda estava inquieta e quase chorava novamente. Olhou para Eddy e afirmou. — Falei que não ia ser uma boa ideia vir até aqui. Eddy tomou a palavra, olhando para o pai. — Eu a encontrei na mata, chorando à beira do rio, sangrando. Achei que ela estava ferida e ela ficou nervosa em me ver. Conversamos sobre várias coisas e disse que seria melhor ela vir 14

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comigo, tomar um banho e trocar de roupa... Disse que você, pai, poderia levá-la até a casa dela... Que a mãe poderia cuidar dos curativos... Sandra olhou para Antony com ar reprovador e apenas sorriu, recolhendo os caquinhos dos pratos que haviam se espatifado no chão, indo para a cozinha. — Claro Eddy... — Antony respondeu. — Leve-a até o banheiro dos fundos, na casa da piscina, e logo sua irmã levará umas roupas para a garota. E, se precisar, faremos curativos nela. Eddy levou Mary até a casa da piscina, mais ao fundos da casa principal. Mais ainda ao fundo era possível ver a casa onde ficava Jó, o caseiro que tomava conta de tudo por ali. Assim que entraram, Mary foi direto para o sofá de vime que havia ali e cruzou as pernas, fixando os olhos no piso branco. Riu e comentou: — Sua casa da piscina é maior do que minha casa... — E onde é que você mora? — Você deve conhecer... — Ela sorriu, triste. — A casa na curva da estrada. Os olhos de Eddy brilharam e o sentimento que tomou conta dele foi algo desconhecido para ele. Então ela morava lá, naquele lugar que ele sempre ficava observando. Imaginava que fosse um casal de velhinhos que morava ali. — E mora com seus avós ali? — Não. — Mais uma vez, o sorriso triste. — Com minha mãe e o marido dela. — Não seria melhor ligar e avisar que está aqui? Ela vai ficar preocupada com seu sumiço... — Não se preocupe... — Agora Mary parecia prender o choro. — Talvez ela só sinta falta de mim quando acordar amanhã. Eddy calou-se, sem saber o que dizer. Agradeceu por ver a irmã surgir na porta da casa da piscina com uma muda de roupas nas mãos. Lana entregou a muda para Eddy, que entregou as roupas para Mary. A menina agradeceu e foi para o banheiro, ligando o chuveiro e sentindo a água quente cair sobre o corpo. Lana puxou o irmão para fora da casa da piscina e riu nervosa: 15

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— Você é louco de trazer essa menina que nem conhece até nossa casa? O que deu na sua cabeça? — Não enche Lana! Se nem o pai falou nada... — Ah, mas isso por que você não viu o que aconteceu depois que você saiu com essa sujinha de lá de dentro... A mamãe está irritadíssima com essa sua ideia maluca, Eddy! — Quando é que a mamãe não está irritada? — Indagou Eddy, ficando nervoso com a conversa. — Eu só sei que é melhor você levar essa menina embora logo! — Vou esperar ela terminar o banho e a levarei com a lambreta embora... — Melhor mesmo, por que se o papai levar essa sujinha... A mamãe tem um treco! Lana virou as costas para Eddy e voltou para dentro de casa, deixando-o sozinho ali sob a luz amarelada da lâmpada do lado de fora da casa da piscina. Eddy bufou e ignorou a irmã. Lana tinha mesmo esse jeito temperamental que era só dela. Sua irmã mais velha não gostava de ir até a casa da Serra. Reclamava dos insetos, do silêncio, da ausência dos amigos... Na verdade, Lana reclamava de tudo! Era uma adolescente, no auge dos seus dezoito anos, com a tal rebeldia sem causa, uma vez que tinha tudo o que os outros amigos da escola não tinham. O pai já estava acostumado com os ataques da filha e nem se importava mais com isso. Sabia que assim que ela tivesse a primeira chance, ligaria para aquele namorado malandro e ele iria buscá-la quando fosse madrugada. Os dois fugiriam e ela voltaria pela manhã, correria para o quarto e diria que estava indisposta, como sempre fazia, e ficaria a tarde toda no quarto, dormindo para repor a noite que passara acordada aprontando. Antony poderia ser um pai legal, mas não era tonto. Fazia de conta que acreditava quando Lana contava essa história, e deixava passar. Já tivera a idade dela e sabia que era péssimo ter de passar as férias num lugar tão distante da cidade. Mas, não poderia deixar a filha sozinha em casa. Não tinha um pingo de juízo e, com certeza, teriam de voltar para conversar com a polícia, que estaria parada 16

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na frente da casa deles, devido a denuncia do vizinho sobre o som alto e a bagunça que Lana fazia com os amigos. A mãe parecia alheia a essa fase da filha, achando que deveria ser menos rebelde e mais unida à família. Sandra era dessas mães sistemáticas, que não tinha muita paciência e estava preocupada mais com o status do que com o desejo de cada um. Antony não a culpava, sabia que a infância dela tinha sido difícil e fora acostumada a ter de se defender de tudo e todos, por isso, a agressividade atual. Eddy voltou para dentro da casa da piscina e viu Mary saindo do banheiro, amarrando o cordão da calça de moletom, alguns números maiores do que o dela. Mary jogou o vestido na lata de lixo que havia ali e sorriu triste para Eddy, que comentou: — A roupa ficou um pouco maior do que você, mas é melhor do que continuar com aquele vestido... Está com fome? Mary deu um sorriu triste, mais uma vez. Eddy estava sendo tão atencioso, mostrando-se tão preocupado e solicito. Era um garoto encantador e muito bonito também. Era possível gostar de alguém o conhecendo por tão pouco tempo? Conhecia Eddy por apenas algumas horas e ele a fez sentir a melhor garota do mundo, coisa que nem seu antigo — ou atual — namorado fazia. Sem esperar pela resposta de Mary, Eddy saiu da casa da piscina, deixando-a sozinha por alguns longos minutos. Ela sentou-se naquele sofá de vime e almofadas floridas. Olhava fixamente para aquele ponto inexistente, deixando o pensamento distante, perdido no silêncio do local. Ela sabia que deveria contar o que havia acontecido para Eddy, mas não queria afastar de si o único garoto que lhe fora tão gentil e amável. Não sabia ao certo o que fazer agora. Estava confusa, com medo de tudo. Mas sabia que não seguraria por muito tempo. E não demorou muito para Eddy voltar com alguns sanduíches e duas latas de Coca-Cola em uma bandeja de plástico pequena. Ele falava alguma coisa que Mary nem ouviu, até que ele sentou ao seu lado. — Ooooiii... — Ele arrastou a palavra para chamar atenção dela. — Ainda tem alguém aqui? 17

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Como se tivesse sido despertada de um sonho, olhou para Eddy, tentando fingir que estava atenta ao que ele dizia. Ela sorriu, mas não era um sorriso alegre. Era um sorriso estranho, forçado, meio afetado e doido. — Desculpa... Disse alguma coisa? — Huum... Nada não... Nem era importante mesmo. Vamos comer? Eddy abriu a latinha de Coca-Cola, reproduzindo aquele barulho tradicional e fazendo uma garoa de Coca voar aos lados. Ela repetiu o gesto, mas de forma meio robótica e alheia ao que fazia. Ele percebia o quão distante ela estava e queria saber o que havia acontecido, mas não queria começar um interrogatório com a garota. Seria melhor manter aquela distância entre eles, pelo menos por enquanto. Por algum motivo, sabia que deveria ser assim e não ousava discutir com sua intuição, sempre fora dessa maneira. Sempre que ouvia sua própria voz, sabia que ela tinha razão. Enquanto Mary dormia esticada no sofá da sala, Eddy levantou-se e foi até a cozinha. Abriu a geladeira e pegou a jarra de vidro suava de tão gelada com água. Encheu um copo grande e gordo, com desenhos de bolas verdes, e bebeu de uma só fez a água gelada. Sabia que precisava ajudar Mary. Mas só conseguia ter aquelas lembranças que não paravam de rodar em sua mente...

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