Mari Scotti
Mari Scotti
Mari Scotti é paulistana. Nasceu em 22 de fevereiro de 1980. Formou-se em Recursos Humanos pela Faculdade das Américas. Tímida, risonha e blogueira literária, aprendeu a amar a literatura desde os dez anos de idade e a desejar escrever com a mãe que também é apaixonada por esta arte. Teve coragem de mostrar suas histórias a outros apenas em 2009 como escritora de fanfics no Twilight Brasil Fanfics, o que a impulsionou a buscar por mais. Apoia sem reservas a literatura Nacional. Já gravou CD como cantora de banda, compôs. Atualmente, dedica-se aos seus queridos personagens.
No entanto, Suzanna não pode negar a sucessão de acontecimentos obscuros que acercam sua vida. Há alguns anos perdera os pais em um trágico acidente, no qual mal se recorda.
“(…) Não acreditei no que estava vendo, as casas ficavam cada vez menores abaixo de nós. Não havia vozes ou aromas, nenhum som além do vento sendo cortado por duas asas enormes que batiam no ar, elas saiam das costas nuas de Arthur. Meu peito travou, não conseguia respirar. Estávamos voando.(...)”
Desde então, a jovem sofre de insônia, como se fosse um estigma. Na sua busca por respostas, mais um enigma se apresenta, a presença de dois rapazes, que frequentemente materializam-se em sua vida. Os dois são absolutamente lindos e parecem perdidamente apaixonados por ela, porém ambos guardam um segredo capaz de abalar as estruturas do mundo meticulosamente montado por Suzana, lançando-a em direção a uma verdade avassaladora.
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A vida de uma adolescente de 17 anos não deveria ser tão complicada: casa, escola e festas. Seus piores temores deveriam se resumir a não estar no peso adequado ou embarcar em um relacionamento com algum rapaz rebelde, do tipo que nenhum pai aprovaria. Esses dilemas eram tudo que ela almejava — uma existência descomplicada.
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O tempo de escolher logo se aproxima. E o preço a se cobrar por uma decisão equivocada, resultará em muito mais do que apenas um coração partido. Acarretando na destruição de vidas inocentes.
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Copyright © 2013 by Mari Scotti Todos os direitos desta edição reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico ou mecânico, fotocopiada ou gravada sem autorização expressa do autor. ISBN: 978-85-8255-023-6 Projeto gráfico: Aped — Apoio e Produção Editora Ltda. Editoração eletrônica: Thiago Ribeiro Revisão: Aped — Apoio e Produção Editora Ltda. Capa: Thiago Ribeiro e Mari Scotti CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros – RJ S439i Scotti, Mari Insônia / Mari Scotti. - Rio de Janeiro : APED, 2013. ISBN 978-85-8255-023-6 1. Romance brasileiro. I. Título. 13-1119.
CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3
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Aped - Apoio & Produção Editora Ltda. Rua Sylvio da Rocha Pollis, 201 – bl. 04 – 1106 Barra da Tijuca - Rio de Janeiro – RJ – 22793-395 Tel.: (21) 2498-8483/ 9996-9067 www.apededitora.com.br aped@wnetrj.com.br
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Dedico aos meus pais Ricardo e Ignez Scotti por acreditarem mesmo antes desta hist贸ria ganhar forma. A Fernanda Pila, Eliane Oliveira, Karina Baliega, Carol Mraz e Cristina Pereira por me incentivarem e n茫o deixarem desistir. Amo voc锚s!
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Agradecimentos
A Deus que é a fonte de toda a inspiração, por me dar este dom e me ajudar a aprimorá-lo! Aos meus pais Ricardo e Ignez Scotti por me incentivarem a publicar, à minha mãe por me ensinar o gosto da leitura e da escrita. A Eros, para quem escrevi a primeira versão deste livro, obrigada por tudo. A Cristina Pereira, Carol Mraz, Eliane, Fernanda Pila e tantos leitores que acompanharam esta obra ganhando vida através das postagens feitas no site de fanfics. Cada comentário, e-mail e incentivo foram primordiais para essa conquista. E não posso deixar de citar aqueles que me incentivaram mesmo sem entender minha fissura em publicar: Dener Savoldi, Marcos Logrado, Erica Zenker, Vanise Biajoti e Marcos Vasconcelos, obrigada por me darem liberdade de escrever, por me deixarem quietinha na hora do almoço, ouvir meus argumentos relacionados 7
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aos personagens e darem suas opiniões e até ideias para melhorias. Ter vocês em horário comercial é um privilégio para poucos. São a melhor equipe com quem já trabalhei. Amo vocês, mesmo mal humorada quando estou inspirada. Ao meu pastor Davi Rodrigues, por entender minha paixão e apoiar a publicação dos meus livros. A Nazarethe Fonseca, escritora da Saga Alma e Sangue, por mesmo sem me conhecer, ajudar a melhorar minha escrita, respondendo minhas perguntas e e-mails e por me fazer acreditar na literatura nacional. A Isabelle Vitorino, agente literária da Editora Aped e à Zélia de Oliveira, por aguentarem todas as minhas questões, respondê-las carinhosamente e me ajudarem nesta decisão tão importante. Vocês são guerreiras!. Este é apenas o primeiro passo, obrigada a todos que me apoiaram e que não citei aqui, cada um tem um espaço importante na minha vida.
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Prólogo
A
paisagem estava densa, borrões de verde musgo e marrom passavam lentamente diante dos meus olhos formando imagens de árvores e vegetação. A escuridão do lado de fora do carro de papai — uma Brasília bege de duas portas — dava-me calafrios. Estava cansada da viagem, e não me lembrava da minha casa ser tão longe assim da casa da vovó. Bocejei pensando em reclamar com papai, mas o resmungo saiu baixo e sem sentido, por isso talvez ele não tenha dado muita atenção. Ajeitei-me no banco de trás observando-o ao volante, parecia tenso, focado no trânsito à nossa frente, mas agora me recordando, havia algo mais naqueles lábios pressionados, no modo como ele olhava alternadamente, com seus olhos azuis pensativos, para mim e para mamãe . Ele sorriu para mamãe, uma mulher morena de olhos num castanho tão vívido que parecia líquido. Papai tinha ao redor dos olhos manchas escuras e arroxeadas por causa da tensão, seus cabelos estavam grudados na testa pelo calor que fazia dentro do veículo. Ele sorriu consolando-a, tentando lhe transmitir uma tranquilidade que claramente não possuía. Sorri para papai quando me olhou, rindo baixo ao sentir seus dedos alcançarem meus pés descalços fazendo cócegas. Ele chamou minha atenção para uma pracinha do lado de fora do 9
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carro que estava decorada com luzes de Natal, havia um papai Noel gigante no centro da praça. Várias crianças brincavam de pega a pega entre as árvores. Olhei com certa inveja, a brincadeira parecia muito melhor que ficar dentro do carro no calor da estrada para São Paulo. Uma árvore me chamou atenção, estava decorada com luzinhas formando um S em sua copa. Chamei papai para que visse, cutucando o braço dele e puxando a manga de sua camisa toda empolgada. — Olha pai, S de Suzanna! — Falei admirada. Foi então que tudo escureceu. Tentei abrir meus olhos, mas estavam embaçados, o cheiro de queimado era forte e ardia nas minhas narinas, gritei alto, algo pesava sobre minhas pernas e tudo doía. Algum tempo mais tarde, mãos frias me puxaram por debaixo dos ombros, a voz falava com autoridade me chamando pelo nome, o que me acalmou, pois fez parar de me debater acreditando que era papai. — Olhe para mim, somente para mim! — Ele disse. Quando o peso sumiu do meu corpo, consegui abrir os olhos e encarei o homem, os olhos acinzentados me fitaram com medo e exaustão, inquietos. Um barulho ensurdecedor me fez encolher em seu colo e gritar. O cheiro de queimado e o calor me atingiram e tudo ficou nublado e distante. Acordei no hospital horas mais tarde, a pele das pernas chamuscada, o corpo dolorido e dormente em várias partes. Perguntei aos meus avós sobre o homem que me ajudou, mas a resposta que tive foi que a explosão me jogou fora do carro e que me encontraram abraçada a mim mesma a alguns metros do acidente. Herdei um problema de labirintite por causa do som da explosão, fiquei órfã de pai e mãe no mesmo dia e sofrendo pesadelos constantes com aquele par de olhos cinza, o sangue e o dourado bruxuleante da explosão.
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Capítulo 1
E
ra madrugada quando despertei sabendo que não dormiria mais, mesmo que tentasse, afinal, já me era rotineiro perder o sono beirando as duas ou três da manhã. Ergui meu rosto do travesseiro de plumas de ganso para olhar no relógio e eram exatamente duas horas da madrugada. Sentei-me na cama observando meu quarto enquanto meus olhos se acostumavam com a falta de iluminação; inúmeras sombras dançavam pelas paredes e móveis, dando a impressão de que eu não estava sozinha, mas infelizmente, apesar dos tantos empregados e de meus avós morarem junto comigo, era exatamente assim que me sentia: completamente sozinha. Meu quarto é luxuoso, quase como o de uma princesa de contos de fadas. Cama com dossel e uma cascata de seda cor de rosa presa a ele, travesseiros, um closet enorme com todas as roupas que eu quisesse ter, o piso de madeira coberto por um fino tapete lilás bordado com motivos de tulipas e girassóis e a a janela grande com cortinas no mesmo tom do tapetinho. À noite, porém, — principalmente com as luzes apagadas e o prateado da lua invadindo por minúsculas frestas da janela — ele parece comum, igual ao de qualquer adolescente normal. Olhando agora eu quase conseguia me sentir em casa. Desde muito mais nova, 11
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não me lembro de ter achado que este lugar era o meu lar, mesmo com vovô e vovó me tratando como uma filha. De repente, estremeci ao sentir o vento frio roçar meu rosto, ele escapava pela fresta da janela de alumínio invadindo meu quarto, as cortinas brancas balançando com seu toque. Suspirei pesado afastando a coberta para alcançar um livro na escrivaninha, eram raras as noites em que conseguia ficar sem trocar o dia pela noite,. Sabia que não adiantaria tentar dormir, então, acendi a luz amarelada do abajur da Barbie — meu quarto ainda era o mesmo de quando me mudei para a Mansão — na tentativa de ler a bibliografia de um cara que se tornou muito rico por suas habilidades intelectuais, mas nem essa chatice me devolveu o sono, desistente, vesti minha velha calça jeans, o all star de cano alto preto com cadarços pink e azul e uma camiseta preta da Avril Lavigne, deixando meus cabelos soltos em cachos negros e nos lábios um batom rosado, pois nunca saio sem batom. A casa estava silenciosa fora do quarto, o piso abaixo dos meus pés rangeu com meu peso o que me fez pisar na ponta dos dedos para fazer o mínimo de barulho possível, até minha respiração estava presa na garganta. A sensação de fuga sempre me sobressalta quando escapo do quarto no meio da noite, mesmo isso me sendo tão comum. Deixei para trás a escuridão da sala de estar para ganhar a cozinha, lá respirei fundo. O ambiente estava claro me possibilitando enxergar, as janelas grandes é que o iluminavam com a luz da lua. Avistei a porta ao fundo de vidro e aço, o balcão da pia de mármore num tom que se confunde com negro e verde escuro, dependendo do ângulo em que se olha. Piso branco com pontilhados verde escuro como no mármore, os eletrodomésticos todos em aço inox, uma típica cozinha de novela. Na mesa central de madeira maciça havia uma pequena garrafa térmica com chocolate quente, abri um sorriso enorme ao me deparar com ela. Maria, a nossa cozinheira, conhece minhas manias como ninguém. Coloquei a garrafa na mochila junto com os livros e minha mantinha e sai pela porta dos fundos que dá para o jardim. 12
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Caminhei pensativa. Não pertencia a este lugar sempre sentira isso, mas eu não tinha para onde ir até completar 18 anos. Meus hábitos noturnos são abomináveis para meus avós que me criam desde os oito anos quando fiquei órfã. Lembro-me pouco do acidente, às vezes me vem a memória algumas conversas que tive com meus pais, mas pouca coisa é clara o que me incomoda muito. Meus tutores são pacientes em responder minhas questões e até em suportar a ideia de me ver acordada lendo de madrugada, mesmo sem concordarem. Gosto da noite, sempre a apreciei com um olhar invejoso; pela liberdade e cumplicidade que ela me faz sentir, tudo bem que descobri o prazer da madrugada por causa da insônia, mas mesmo assim você já se imaginou escrevendo um livro sentado em uma pracinha, olhando as gaivotas e andorinhas durante o dia? Aquele monte de buzinas estourando nossos tímpanos ou dentro de casa as mesmas buzinas atravessando paredes, cortinas, o som da televisão martelando em nossas cabeças? Impossível. Mas a noite nos permite pensar, sondar, espreitar, esperar, desvendar... Até sonhar, mesmo que — no meu caso — acordada. Como em quase todas as madrugadas, andei até o velho carvalho que fica numa residência particular ao lado da casa dos meus avós. A família nunca me vira ali, pois claro, estavam dormindo. Nesta noite o céu está parcialmente nublado, o vento fino e frio balançando os meus cabelos me trazendo o perfume incrível de grama recém-aparada. Alguns passos mais e avistei a árvore, o seu tronco tão largo que dava para duas pessoas se encostarem a ela e ainda sobrar espaço; a copa esplêndida, estende-se quase à costa de toda a Mansão da família Santos. Este jardim fica aos fundos da casa dos meus vizinhos e é preciso pular o muro para chegar até aqui, e felizmente para mim, eles não têm cachorro. Estendi a manta no chão, sentando-me sobre ela, apoiei a mochila no tronco e me encostei satisfeita pela névoa ter se desfeito e a lua estar cheia me possibilitando ler sem precisar acender a lanterna. Respirei fundo e abri mais um livro, mais um que peguei aleatoriamente na biblioteca de meus avós um pouco mais cedo, pois sabia que seria útil de madrugada. 13
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Distraída na história de uma garota que conseguia ver, falar e até mesmo bater em fantasmas, não percebi que alguém estava se aproximando de mim. A pessoa me abordou com uma voz grave, porém suave. — Senhorita? Dei um pulo e um grito baixo que me fez derrubar o livro e a garrafa térmica na grama ao meu lado. O homem agachou-se para pegá-los e eu recuei, levantando-me imediatamente amedrontada sentindo minha garganta secar. — Desculpe-me ... Eu moro aqui do lado e... Perdi a voz, pois ele tinha o sorriso mais branco que já vi na vida! Dentes incrivelmente alinhados, combinados aos lábios médios, um rosto perfeito com traços masculinos marcantes, a face levemente retangular, bochechas sobressaltadas nas maçãs, um nariz fino e médio de tamanho ideal. Olhos em um tom acinzentado que poderiam muito bem ler a minha alma. Seus cabelos estavam molhados, talvez pela chuva que começava a cair, negros feito a noite, e desalinhados. Eu conseguia enxergar mesmo ele sendo bem mais alto do que eu que tenho quase 1,60 de altura. Após alguns segundos percebi que ele estendia meus pertences e segurava minha manta. — Está chovendo signora — disse colocando a manta, o travesseiro e a mochila sobre meus braços e me fitando com um olhar passivo, porém profundo —, melhor voltar para seu quarto. Fiquei feito uma lagartixa olhando para ele sem conseguir me mover, estava boquiaberta analisando as sobrancelhas grossas e as orelhas pequenas do homem. O sotaque dele parecia estrangeiro, mas não consegui identificar, pois enquanto analisava, algo me fez acordar do pequeno devaneio. O frio e a chuva intensificando-se sobre nós e o fato de ele ser um completo estranho e eu permanecer parada à sua frente desejando flertar! Enfiei minhas coisas dentro da mochila, joguei-a nas costas e sai andando apressada na direção do muro que separa as casas, porém, resolvendo ser educada, retornei para agradecer a ajuda. — Obri...gada. — Mas não tinha mais ninguém ali. 14
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Olhei ao redor do enorme jardim e não havia nem sinal do homem, o que era praticamente impossível, já que de onde estávamos corriam cerca de 200 metros até a casa ou mais 200 metros para a casa do caseiro à minha direita. Ele devia ser muito rápido para, em menos de três segundos, simplesmente desaparecer. Respirei fundo sentindo o medo sugar meu ar e sai dali o mais rápido que pude, correndo pelos fundos da casa, até alcançar o muro. Espalmei as mãos no muro e saltei, caindo do outro lado com os joelhos levemente flexionados. Senti-me pouco segura, mas continuei apressada em direção a casa principal, meu coração estava disparado e a respiração bastante alterada. O jardim aqui era diferente do de meus vizinhos. Lá, o carvalho e alguns roseirais eram as únicas coisas que quebravam o manto verde que cobria cerca dos 500 metros de “quintal”. Mas aqui tinham roseiras de todos os tipos, girassóis, pequenas tulipas, jasmins e flores-do-campo espalhados num quase labirinto de formato oval. Eu adorava correr no meio dessas flores quando mais nova, agora elas me deixavam melancólica, pois eu nunca tinha ganhado uma flor em toda a minha vida e sonhava com um príncipe encantado me dando uma. Caminhei mais calma até em casa, quase me esquecendo do estranho de olhos acinzentados, podia sentir seu perfume por perto, um misto de rosas e madeira. Indiscutivelmente único. Subi as escadas em silêncio, vendo o primeiro raio de sol clarear o ambiente. Adentrei meu quarto, fui até a janela espiar, mas estava tudo calmo do lado de fora, por isso me joguei na cama do jeito que estava, com a roupa ensopada e de tênis, caindo no sono quase de imediato. — Olha o estado dessa menina Alfredo! Já reparou que ela passa o dia dormindo e as noites fora? — A voz em meu sonho parou de gritar para puxar o ar violentamente para os pulmões. — Deve participar de alguma gangue. Ah! Esses adolescentes de hoje em dia, com certeza andam se drogando e fazendo sex... — Alguém a interrompeu e senti mãos quentes tocarem minha testa. 15
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— Ela está febril Catarina. — A voz aveludada de meu avô me despertou. Abri os olhos e ambos me encaravam com aqueles olhinhos azuis que eu tanto pedi para ter herdado. — Er... oi. — Ajeitei-me na cama, puxando o cobertor até meus lábios. Odiava que sentissem meu bafo de manhã... Ops... De noite. Já estava escuro outra vez. — Você está suja e olhe o estado do seu colchão! Um lamaçal! — Minha avó gritava enquanto pegava minha mochila fazendo caras e bocas de nojo. — Vó, deixa... — Ela jogou tudo para fora da mochila, pegou a manta e a mochila e entregou para um dos empregados. Puxei meus joelhos e os abracei colocando minha testa neles. Podia ser pior? — Jogue fora e traga uma nova para ela. — Ordenou. — Vovó, a senhora sabe que eu gosto dessa mantinha, era... Vovó se voltou para mim e apesar de estarmos falando de algo delicado, o olhar dela permaneceu duro quando me cortou. — De sua mãe. Isso não te faz bem Suzanna e você sabe! — Ela fez um sinal com as mãos para que a empregada prosseguisse. Maria me lançou um olhar de sinto muito e se retirou. — Mas era da minha mãe, vovó! — protestei sabendo ter perdido mais uma vez —, e me chama de Suzie! — Corrigi alterada. — Que seja... Levante-se e apronte-se, hoje teremos visitas. — Vovó saiu levando mais dois empregados com ela. Depois que a porta se fechou, vovô se inclinou beijando minha cabeça e sentou-se na beirada de minha cama. — Querida onde foi para estar neste estado? Eu adorava falar com ele, era o típico avô que faz todas as nossas vontades e ainda ajudava no dever de casa. Um exímio matemático e jogador de xadrez. Campeão paulista na modalidade juvenil quando era bem jovem. — Vovô, eu estava lendo... — No jardim dos Santos de novo? Assenti uma vez e sorri. Ele era o único que sempre sabia onde eu estava. 16
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— Mas choveu e... — Você não tinha uma sombrinha. — Sorri ainda com o cobertor na frente da minha boca. — E o que estava lendo desta vez, pequena? — Não sei... — espiei a porta antes de prosseguir — Um cara estranho me fez sair de lá. Meu avô franziu a testa e me olhou preocupado. — Ele te machucou? Quem era? O que ele disse? — Ele não me machucou, foi um doce comigo na verdade. — Sorri com a lembrança do sorriso dele. — Mas me pediu para ir me deitar porque estava chovendo. — Não precisava dizer que achava que ele era um assassino em série, não é?! — Toma mais cuidado, Suzie. A família deve ter contratado algum segurança.— Concordei sentindo vovô beijar minha testa. — Você está mesmo febril. Tome um banho morno e vista-se. Os Santos virão jantar conosco em meia hora. Fiz uma careta, pois odiava esses jantares sociais que minha vó inventava; conhecia a Sra. Santos apenas de vista e pelo que me lembro, eles não tinham filhos da minha idade para me fazer companhia. Gostava só de ir lá na árvore para ler e pensar na vida. Levantei-me depois que meu avô saiu e escolhi um vestido azul bem soltinho de algodão, com alças finas e decote “V” nas costas. Sabia que vovó não se agradaria das minhas calças jeans e botas de cowboy combinando com um cinto largo e fivela de peão. Não mesmo. Nem com a camisetinha branca e o colar com um pingente de madeira por isso, achei melhor o vestido azul que realça o tom pálido da minha pele. Tomei um banho rápido, lavando meus cabelos e os deixando molhados e soltos sobre os ombros. Fiz uma maquiagem mais ousada, do jeito que sempre gostei, lápis preto no contorno dos olhos, rímel para os cílios aumentarem e um batonzinho rosa claro, a maquiagem deixava meus olhos castanhos-claro mais claros ainda, o que me agrada bastante. Era perfeita para um encontro, se... Um dia fosse convidada a um. A sandália prata com salto não muito alto completou o modelito. 17
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Desci as escadas na hora combinada e vi quando a porta de entrada se abriu para receber os visitantes. Nem me dei ao trabalho de olhar, fiz um aceno de cabeça e corri para a saleta de música. Sei que me chamariam quando fossem servir o jantar. Continuei pelas escadas até o porão que vovô gentilmente me cedeu. O corredor era estreito e longo com duas portas à minha direita e a parede rosinha à esquerda. Na primeira, era um mini estúdio com aparelhagem de som e instrumentos musicais, porque de vez em quando eu trazia uma galerinha para fazer um som. Mais a frente, abri a segunda porta. Sempre que chegava aqui o cheiro das lembranças e dos momentos magníficos invadiam minhas narinas. O mofo e a madeira faziam minha mente flutuar entre o passado e o presente. O carpete de madeira no chão, os espelhos espalhados nas paredes me lembravam da época em que estudei jazz e ballet e das vezes que papai tocou no piano de caldas para me ajudar a estudar. Olhei o piano encostado num canto da sala de dança e fui até ele. Abri o tampo tocando as teclas amareladas pelo tempo. Toquei um acorde em dó maior e ouvi o som ecoar pela sala. A lembrança de risadas e rodopios me fizeram sorrir. Aqui tudo parecia ser vivo e eterno. Sentei na banqueta e comecei a dedilhar minha canção preferida, uma composição de papai sem título. O som melancólico logo invadiu a sala e de forma milagrosa espantou a solidão do meu coração. Arrisquei cantar baixinho uma melodia, essa era a única música que eu conhecia que meu pai não tinha colocado letra. Alguns minutos se passaram e alcancei o ápice da composição, o som do piano martelava sombrio e forte em meus ouvidos e a canção seguia seu ritmo final. Empenhei-me nos últimos compassos e finalizei. O acorde chorou no ar, deixando o silêncio predominar novamente. Respirei fundo com as mãos esticadas sobre as teclas pensando num passado que jamais irá retornar. — Perfeito. — Dei um salto e olhei para a porta do estúdio de dança. 18
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