Degusta irresistível paixão

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Ariela Pereira

Irresistível Paixão APED - Apoio e Produção Editora Ltda.



Irresistível Paixão



Ariela Pereira

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Copyright © 2013 by Ariela Pereira Todos os direitos desta edição reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico ou mecânico, fotocopiada ou gravada sem autorização expressa do autor. ISBN: 978-85-8255-xx-xx Projeto gráfico: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Editoração eletrônica: Thiago Ribeiro Revisão: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Capa: Thiago Ribeiro

CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros – RJ

Aped - Apoio & Produção Editora Ltda. Rua Sylvio da Rocha Pollis, 201 – bl. 04 – 1106 Barra da Tijuca - Rio de Janeiro – RJ – 22793-395 Tel.: (21) 2498-8483/ 9996-9067 www.apededitora.com.br aped@wnetrj.com.br


Capítulo i

A

noite avançava lentamente, como se em câmera lenta, enquanto a tensão era quase palpável no ar. Encontrava-me sentada na direção do meu Jaguar, meus dedos apertados em torno do volante — como se este pudesse absorver toda a minha irritação —, meus olhos fixos na parede do estacionamento, embora não a enxergasse realmente, minha mente estava enevoada, povoada por pensamentos sombrios, não podia acreditar no que estava prestes a acontecer. E tudo por causa de Vanessa e sua libido descontrolada. Eu a conhecia desde criança; a cerca de cinco anos, ela se apaixonara por cinco caras diferentes, paixonites agudas desenfreadas e passageiras. Mas, desta vez, ela fora longe demais, terminara por me envolver em uma de suas insanas aventuras. Ah! Como eu queria ser capaz de arrancar os olhos dela. — Desculpe-me Juliana, por colocar você nessa situação desagradável. — Ela murmurou, com tom de súplica, como se lesse meus pensamentos. Apertei mais os meus olhos e a encarei com dureza, demonstrando-lhe toda a minha indignação. Ela encontrava-se sentada ao meu lado, no banco de passageiros, parecia frágil como sempre, claramente desconfortável sob meu olhar obscuro. Seus 5


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grandes olhos castanhos mostravam o quanto estava desconsolada. Ela parecia digna de compaixão. — Agora é tarde, o que está feito está feito. — Falei, corajosamente, soltando um longo suspiro para controlar minha raiva. — Logo tudo estará terminado. “Mas a que preço!” Exclamei intimamente, a irritação fazendo minha pele arder. Eu gostaria de ser capaz de descartar a amizade de Vanessa, mas apesar de me encontrar constantemente rodeada por pessoas, devido à minha personalidade extrovertida, espontânea e carismática, ela era a única em quem eu realmente confiava. Afinal, não havia maldade dentro de si, apenas aquela desprezível ingenuidade que a levava a cometer erros patéticos, como suas paixonites desenfreadas. E ainda havia aquela bendita sinceridade que fazia parte dela. Era a única capaz de apontar os meus erros, enquanto que todos os demais se preocupavam apenas em me bajular, devido ao fato de que eu era filha única de Alexandre Zottarelli, o mais rico e poderoso empresário carioca, herdeira de uma fortuna imensurável. Também era a garota mais popular no nosso meio social. Não apenas por ser rica, mas por possuir essa personalidade forte, extrovertida, cativante, a qual fazia questão de manter, pois gostava de ser bajulada e, acima de tudo, respeitada. Aos dezenove anos de idade, eu sabia exatamente qual era meu lugar neste mundo. Com meu nascimento, minha mãe Valentina Zottarrelli tivera problemas irreversíveis e jamais poderia conceber outro filho, então eu carregava a incumbência de um dia assumir a presidência das empresas Zottarelli, função para a qual eu fora cuidadosamente educada. Mas essa ideia não me parecia atraente, eu tinha verdadeira aversão ao mundo dos negócios. No tempo certo arranjaria um bom marido para tal função, é claro; alguém tão rico e poderoso quanto eu, e assumiria a posição atual de Valentina: uma socialite promotora de grandes festas voltadas para caridade. No entanto, para concretizar todos os meus objetivos, eu precisava manter minha preciosa reputação, a qual Vanessa parecia disposta a destruir, não deliberadamente. Desta vez, ela caíra 6


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na lábia de um sujeito dono de uma das piores reputações do Rio de Janeiro, um carinha da faculdade, portador de uma fama de desordeiro, sobre o qual ainda rondavam boatos de que era usuário de drogas. E as consequências não podiam ser outras: ele gravara um vídeo de uma ardente noite de sexo entre ambos, ameaçando divulgá-lo nas redes sociais da internet, o que se tornaria um escândalo na alta sociedade carioca pelo qual certamente eu também seria afetada. Em troca do comprometimento em não divulgar as imagens, Felipe, como se chamava o “malfeitor”, fizera-a prometer que me convenceria a me encontrar com Vinícius, outro integrante do “grupinho de viciados de medicina”, como eles eram conhecidos na faculdade que frequentávamos. Todos nós fazíamos parte de um pequeno grupo privilegiado da elite carioca. No entanto, eu e Vanessa éramos populares, queridas, admiradas e respeitadas por todos. Íamos as melhores festas, estávamos entre os melhores dos melhores. Enquanto que eles eram os excluídos, rejeitados, devido à sua fama de desordeiros. E aqui estávamos nós, aguardando-os para meu indesejável encontro com Vinícius, no local mais discreto que eu fora capaz de pensar: o estacionamento rotativo de um shopping Center em construção, no Leblon, onde dificilmente seríamos flagradas por conhecidos na companhia dos desordeiros. O som estridente do telefone celular de Vanessa despertou-me dos meus pensamentos. — Oi mãe. — Ela atendeu, sua voz meiga e suave como de costume. — Estou com Juliana. — Ela ouviu por um instante e me ofereceu o pequeno aparelho. — Minha mãe quer falar com você. Ela se encolheu ainda mais sob meu olhar ameaçador. “Eu podia contar tudo a ela agora mesmo Vanessa e dar-lhe a chance de acabar de vez com esse seu fogo por homens”. As palavras ecoaram em minha mente e Vanessa podia decifrá-las em meu olhar. — Boa noite Dona Angélica. — Falei, com forçada descontração. — Vanessa me disse que vai dormir na sua casa, é isso mesmo? — Ecoou a voz da mulher do outro lado da linha. 7


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— Sim é isso, fique tranquila, amanhã ela estará em casa sã e salva. — Eu não tinha certeza disso. — Que bom querida, ela estando com você eu fico tranquila. Boa noite. — Boa noite. Vanessa tinha três irmãos, mas dona Angélica confiava-a mais a mim do que a eles. Era o preço, ou privilégio por ser uma garota responsável. — Minha mãe é tão chata. Gostaria que ela confiasse em mim como seus pais confiam em você. — Vanessa falou, descontente. Olhei-a espantada, pois de repente me ocorreu que eu gostaria que meus pais se preocupassem comigo como Angélica se preocupava com ela. Mas logo afastei o pensamento. Era bom ser responsável, isso atraía o respeito das pessoas. — Meia hora! — Falei, indignada, olhando o relógio no painel do Jaguar. — Aqueles miseráveis estão meia hora atrasados. Isso é demais! — Desculpe, Juliana. — Ela murmurou, encolhendo-se mais um pouco sob meu olhar duro. Mais dez minutos se passaram, quando o som barulhento de um rock pesado nos alcançou, primeiro ao longe, aproximando-se rapidamente e logo o Audi conversível estacionou ao lado do meu carro, cantando pneus sobre o chão do estacionamento. Vinícius diminuiu o som do barulhento rock e saltou, seguido por Felipe. Respirei fundo, ciente de que enfrentaria uma batalha de nervos e saltei; deixando Vanessa encolhida como uma criança assustada dentro do carro. — Boa noite madame. Você não pode imaginar o prazer que me proporcionas ao me encontrar. — Vinícius falou, aproximando-se de mim, devorando-me com seu olhar. Havia um bizarro brilho de satisfação estampado em seus olhos verdes, um meio sorriso em seus lábios e um toque de sarcasmos em sua voz. Ele era muito grande, cerca de 1,80 metros de altura, preenchidos por puros músculos. Usava uma jaqueta de couro cinza, jeans e camiseta. Tinha cabelos louros dourados, e uma postura 8


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altiva, imponente. Era um homem bonito, tinha muitas garotas aos seus pés; no entanto, pessoalmente, eu nutria um desprezo íntimo por ele, devido ao fato de que me despia com o olhar cada vez que passava por mim nos corredores da universidade. Felipe estava logo atrás dele. Este era mais franzino, magro, cabelos e olhos castanhos. Também usava jaqueta de couro e mantinha um sorriso malicioso. Para qualquer garota, eles poderiam parecer intimidadores, mas não para mim, pois eu também sabia ser altiva e arrogante quando necessário, e agora o era. Empinei ainda mais meu nariz, já naturalmente arrebitado, franzi a testa e o encarei diretamente nos olhos, dizendo: — Infelizmente não posso dizer o mesmo, pois é um grande desprazer ver vocês dois. Quero deixar bem claro que este é um encontro meramente formal. Podemos jantar e talvez dançar um pouco, mas se você se atrever a tocar em mim, te dou minha palavra de que serei a última garota em que você porá suas mãos. — Minha voz soou tão firme e áspera quanto eu gostaria. Ótimo! — Ei gata, não precisa morder. Vou te levar num lugar bem legal. — Ele abriu a porta do seu Audi, esperando que eu entrasse. — Nada disso! — Retruquei. — Eu no meu carro, e você no seu. Nós seguimos vocês. Finalmente o sorriso se desfez dos lábios dele. — Mas que tipo de encontro é esse? Você vem comigo, ou nada feito! — Ele esbravejou. Era o momento de tirar minha carta da manga. Calmamente retirei o documento minuciosamente elaborado, redigido pelo advogado da minha família e estendi para ele, dizendo: — Ok, entro no seu carro, mas antes Felipe terá que assinar isso. — E que merda é essa? — Felipe perguntou, manifestando-se pela primeira vez. — Leia. — Falei. Receoso, ele pegou o documento das minhas mãos e começou a ler. Ali ele se comprometia a se responsabilizar por qualquer imagem inadequada de Vanessa que fosse divulgada a qual9


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quer pessoa em qualquer lugar, sujeito a pena de cinco anos de prisão, sem direito a fiança. Ao terminar de ler o documento, jogou-o de volta para mim e esbravejou: — Eu não vou assinar essa bosta! Calmamente segurei o documento e falei: — Ótimo. Trato desfeito. — Virei-me para entrar de volta no meu carro, quando ouvi Vinícius gritar às minhas costas: — Espere, ele vai assinar. — Não vou não! — Felipe retrucou. Voltei-me novamente para os dois, agradecendo aos céus por ter escolhido a roupa certa para aquela noite: calça e blazer de linho marrom, folgados o bastante para ocultar cada curva do meu corpo, pois Vinícius me fuzilava com os olhos, como um animal faminto. — Então, vai assinar ou não? — Perguntei, com firmeza. — Ele vai. — Vinícius falou. — Não vou! — Assina agora, Felipe. — Vinícius pronunciou cada palavra com um autoritarismo impressionante, ainda sem desviar seus olhos de mim. Sem mais palavras, Felipe tomou-me o documento e o assinou, devolvendo-me em seguida. Seus olhos faiscavam de raiva, enquanto meus lábios se curvavam em um meio sorriso vitorioso. Afinal Vinícius não era tão desprezível assim, era o líder do “bando” e isso merecia certa consideração. — Será que podemos ir agora, madame? — Ele gesticulou para a porta aberta do seu Audi conversível. — Só mais um detalhe. — Fui até meu jaguar, onde Vanessa ainda se encontrava encolhida, no banco do carona e segurei-lhe a mão, puxando-a para o exterior do refúgio do veículo. Eu podia compreender o quanto era difícil para ela rever Felipe. Passara-se uma semana desde que a gravação dos seus momentos de intimidade com ele fora feita, dias em que ela não pisara na faculdade e estivera em prantos a maior parte do tempo. As negociações sobre o atual encontro foram feitas pelo telefone. — Vanessa vem 10


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conosco. Felipe pode ir com meu carro. — Declarei, passando meu braço em torno da cintura dela, num gesto de proteção. Antes de entrarmos, Vanessa lançou um olhar discreto sobre Felipe, enquanto ele retribuía com um sorriso de pura malícia. “Pervertido!” A palavra ecoou na minha mente. — Como quiser Juliana. Agora vamos logo, a noite está passando. — Vinícius falou, ainda segurando a porta aberta do Audi. Em poucos minutos encontrávamo-nos em alta velocidade pela Avenida Presidente João Goulart, em direção à zona norte da cidade. Eu estava sentada no banco do carona, ao lado de Vinícius; e Vanessa, estava instalada no banco de trás, parecendo-me mais pálida do que o normal. O vento gelado tornava-se insuportável à medida que o Audi mostrava sua potente velocidade na avenida. Era mês de setembro e os vestígios do inverno ainda estavam presentes. — Será que dá pra abaixar a capota? — Eu precisei gritar, para que minha voz se sobressaísse ao horrível rock barulhento que partia do som do carro. — Com frio, madame? — Vinícius gritou, sem ocultar sua satisfação em me torturar. Ele baixou a capota do carro e a temperatura se tornou mais suportável. — Agora abaixa o volume dessa coisa, estou ficando surda. — Gesticulei para o som do carro. — Mandona você, heim! — Ele diminuiu o volume do som. Era bom que ele visse meus defeitos, pois assim desistiria de qualquer tentativa de me seduzir. Preocupada com meu jaguar, lancei um olhar para trás, pelo retrovisor e constatei aliviada que Felipe nos seguia de perto no meu carro. À medida que nos afastávamos da zona sul da cidade, a precariedade se tornava mais evidente nas ruas. Os prédios eram mais toscos, os carros mais antigos, a ausência da brisa do mar deixava o ambiente abafado, quase fétido. Por um lado era assustadora a direção para a qual Vinícius nos conduzia, mas por outro 11


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lado era reconfortante saber que ali dificilmente seríamos vistos juntos por alguém conhecido. Em certa altura, ele deixou a avenida, seguindo pela Linha Vermelha. Quando então me senti realmente assustada. — Por Deus! Posso saber pra onde estamos indo? — Perguntei, apreensiva. Ele lançou-me um sorriso largo, quase diabólico e disse: — Um lugar que você nunca mais vai esquecer. “O que ele estava tramando?” Perguntei-me, preocupada. Mas vindo de Vinícius nada se podia esperar de bom, eu só precisava ser forte. — E então, o que está rolando entre você e Sergio é realmente sério? — Ele disparou de repente, com o semblante sério desta vez. Sergio era meu colega de sala na faculdade, um grande amigo que se mostrava cada dia mais dedicado e apaixonado. Eu gostava demasiado de sua companhia, sempre saíamos juntos, eu ele e Vanessa. Era meigo, calmo, gentil e tão rico quanto eu, um dos melhores partidos do Rio de Janeiro e forte candidato a meu futuro namorado. Mas, por enquanto, eu não tinha certeza de nada, portanto continuávamos nos comportando apenas como amigos. — É muito sério. — Disparei de volta, a fim de desencorajá-lo. — Estamos namorando firme. A fisionomia dele se contraiu, e eu gostei de vê-lo chateado. Estávamos muito longe da zona sul, um lugar totalmente estranho, esquisito, parecia o subúrbio da cidade. “Que diabos Vinícius queria aqui?” De súbito, recordei-me dos boatos sobre eles serem viciados em drogas e meu estomago se revirou. — É melhor a gente voltar, estamos muito longe de casa. — Falei. O largo sorriso de satisfação iluminou o rosto dele novamente. — Com medo, Juliana? “Sim estou. Você não vale nada e está me levando para os recônditos do Rio de Janeiro. Quem não ficaria com medo?” 12


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— Claro que não. — Menti. — Apenas não gosto de me afastar tanto assim de casa. E além do mais estou com fome. — Você não gosta de se afastar de casa na companhia de alguém como eu, pode falar. — Ele ainda estava sorrindo. Eu encontraria uma forma de arrancar aquele sorriso do seu rosto. Olhei para Vanessa muito quieta no banco de trás, parecia ainda mais pálida, sem vida. Estaria passando mal? Então me ocorreu que saímos de casa sem jantar. — Nós estamos com fome, será que você é surdo ou retardado?! — Dessa vez eu gritei. Mas o sorriso dele cresceu em seu rosto, como se estivesse se divertindo às minhas custas. — O que você tem contra mim, seu infeliz? — Você se acha demais Juliana. — Seu sorriso se desfez. — Realmente, você é demais, só não precisa fazer questão de mostrar isso às pessoas em cada gesto seu e em cada palavra sua. — Ah, então quer dizer que isso não é um encontro, é uma sessão de tortura como punição pelo fato de que sou melhor do que você? — É um encontro. Você vai gostar de onde estamos indo. Você gosta de dançar, não é? — Sim, mas com fome não vou conseguir dar um passo, menos ainda em um lugar horrível como esse. Ele refletiu por um instante, depois perguntou: — Você realmente está com fome? — O que você acha? — Acho que está só me azucrinando para me afastar. Até que ele não era tão idiota assim. — Te afastar é meu objetivo esta noite, mas realmente estamos com fome. Olha pra Vanessa, está quase desfalecida. — Talvez esteja assim pela emoção de rever Felipe. — Seu tom era sarcástico. Agora eu quis alcançar-lhe o rosto com minhas unhas crescidas e deixar-lhe algumas marcas, mas contive meu impulso, não me rebaixaria ao seu nível. — Aguenta mais um pouco, já estamos quase chegando. Onde vamos tem comida... Eu acho. Ademais, não podemos pa13


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rar em qualquer lugar por aqui. — As últimas palavras foram pronunciadas quase com alarme. A cidade parecia ter acabado. Não se via mais que poucos prédios mal arquitetados e muitos terrenos baldios. Atrás de uma imensa igreja, como se do nada, surgiu um morro, muito alto, mal iluminado, por onde Vinícius nos conduziu, subindo, com o carro em baixa velocidade a ruela que se estendia entre uma sucessão de barracos toscos, alguns de tijolos sem reboco, outros de madeira. — Você ficou louco?! — Protestei alarmada, agora sim eu estava em pânico. — Isso aqui é uma favela! — Agora você está com medo, Juliana? — O sorriso se alargou no rosto dele novamente. — Sim, estou em pânico, se sua intenção era essa já podemos voltar. — Calma gatinha, você ainda não viu nada. — Não estou interessada em ver nada aqui. Pelo amor de Deus, seja prudente e vamos dar o fora! Ele permaneceu em silêncio enquanto continuava nos conduzindo morro acima, o sorriso estampado em seu rosto. Como o carro se encontrava em baixa velocidade, pensei na possibilidade de abrir a porta, pular fora a sair correndo. Mas seria mais sensato ficar, pois quando os bandidos aparecessem ficaria mais fácil, ou menos impossível fugir estando com o carro. Ele deixou a ruela e seguiu por um beco ainda mais estreito, por onde continuava a sucessão de barracos cada vez mais toscos. Algumas pessoas circulavam por ali, a maioria delas jovens afro-descendentes, mal vestidos que subiam o morro a pé. O lugar parecia um labirinto, repleto de desvios e becos que se estendiam por todos os lados. Talvez nunca mais conseguíssemos sair dali. Na medida em que subíamos, a movimentação de pedestres se tornava mais intensa, rumo ao alto do morro. Onde estavam indo? Perguntei-me, quando de súbito, senti meu sangue gelar nas minhas veias, minha respiração quase parou: fomos abordados por dois homens em uma motocicleta, um deles carregava uma moderna metralhadora e o outro empunhava o que parecia um fuzil de guerra. 14


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Para meu espanto, Vinícius saltou do Audi e foi cumprimentá-los com bastante naturalidade, como se fossem velhos conhecidos. Trocaram saudações alegres e logo Felipe juntou-se a eles, agindo da mesma forma. Após conversar por alguns minutos com os dois homens armados, Vinícius abriu a porta do carro, do lado em que eu me encontrava e falou: — Desça Juliana, eles querem conhecer você. — Virou-se para Vanessa, que parecia mortificada e completou: — E você também, Vanessa. Eu apenas gesticulei minha cabeça negativamente para ele, já que o pânico roubara-me a voz. — Relaxa gata, os caras são meus amigos. — Ele observou-me por um momento e seu rosto ficou sério. Eu tinha consciência de que não havia uma gota de sangue em minha face. — É serio Juliana, você e Vanessa precisam descer. — Havia um tom de urgência na voz dele. Com grande esforço para mover minhas pernas, paralisadas pelo medo, deixei o Audi, cautelosa, fui até Vanessa e estendi-lhe a mão. Ela parecia tão apavorada quanto eu, mas ainda assim me seguiu. De mãos dadas e mantendo-nos atrás de Vinícius, aproximamo-nos dos homens armados. A aparência deles era quase tão assustadora quanto as armas que empunhavam. Ambos eram afro-descendentes, muito grandes e parrudos; usavam roupas surradas, manchadas de suor, embora não estivesse fazendo calor; seus olhos eram vermelhos, certamente pelo efeito das drogas. Um deles tinha uma cicatriz horrível que ia de sua testa até o canto de sua boca. — Meninas, quero lhes apresentar meus amigos Jorge e Tatu. — Vinícius falou, com descontração. — Estas são Juliana e Vanessa, minhas colegas de faculdade. Finalmente consegui desviar meus olhos das armas. Estendi minha mão para o sujeito que conduzia a motocicleta e abri meus lábios, esboçando meu sorriso mais encantador, embora consciente de que meu olhar não acompanhava o gesto. 15


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— É um prazer conhecer os senhores. — Murmurei. Sem desviar seus assustadores olhos vermelhos do meu rosto, o homem segurou minha mão, apertando-a com força e falou: — O prazer é todo meu. Seja bem-vinda à nossa comunidade e não se assuste com as armas, elas não são para machucar ninguém, apenas uma precaução para evitar possíveis conflitos. Espantei-me com sua educação, como falava bem. Na realidade, eu esperava um punhado de gírias incompreensíveis, como falavam os bandidos que se via nos telejornais. O outro homem, o da cicatriz, saltou da garupa da moto e veio em minha direção, seu olhar cravado em meu rosto. Segurou-me a mão e falou: — Minha nossa, você é espantosamente linda. Parece uma modelo americana. — Talvez ele não estivesse acostumado a ver pessoas com a minha aparência, alta, loura de olhos azuis. Afinal, todo mundo ali parecia afro-descendente. — Desculpe a ignorância dos nossos amigos, eu sou o Jorge e ele é o Tatu. Sintam-se em casa aqui, divirtam-se e se alguém mexer com você é só nos avisar que estaremos aqui. — Suas palavras pareciam tão sinceras que me fizeram relaxar um pouco. Finalmente eu consegui recuperar o ritmo da minha respiração. Ambos cumprimentaram Vanessa com a mesma gentileza, mas ela não conseguiu pronunciar sequer uma palavra, apenas os observava com olhos chocados. — Agradecemos muito por nos receber em sua bela comunidade. — Falei, me sentindo mais tranquila, ou menos apavorada. — Vocês sabem onde encontramos algo para comer por aqui? Todos me olharam ao mesmo tempo, espantados, talvez pelo meu tom casual diante de tal situação. — Bem, tem uma barraca de cachorro-quente ao lado do barracão. — Foi o Jorge quem anunciou. — Barracão? — Repeti confusa. — É... O barracão do baile. — Ele se virou para encarar Vinícius, visivelmente pedindo uma explicação. 16


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— Ela ainda não sabe sobre o baile. É uma surpresa. — Vinícius falou, sem graça. Jorge dirigiu-lhe um olhar de repreensão. “Bem feito!” — Pois então leve-a logo, não se deixa uma dama tão bela com fome. Com pressa, Vinícius abriu a porta do Audi para que entrássemos, enquanto eu sorria por dentro. Mas apesar do breve momento de descontração, ainda estava apreensiva, pois nos encontrávamos em terreno estranho e muito perigoso. Subimos mais alguns metros do morro e logo o som da música agitada nos alcançou, tornando-se mais próxima. Quando a música era quase ensurdecedora, avistamos o que parecia ser o tal barracão do baile. Um amplo casarão, construído de tijolos sem rebocar, coberto por uma estrutura metálica oval. Uma pequena multidão de jovens pairava por ali, a maioria afro-descendente, mal vestido e com aparência desnutrida. A curiosidade para ver o que havia do lado de dentro daquela pitoresca construção, de repente se tornou maior do que minha fome. A música que partia de lá era envolvente, fazia-me desejar balançar o corpo. Mas pensei em Vanessa, ela não parecia bem, precisava se alimentar. Vinícius estacionou o Audi próximo a outros carros, modelos antigos e arruinados, alguns talvez mais velhos do que eu. — Vamos ao cachorro-quente. — Disse ele, abrindo a porta para nós. Caminhamos até a pequena barraca, onde uma senhora idosa preparava a guloseima. Vinícius se ocupava em fazer o pedido, enquanto eu observava o lugar, fascinada. O barracão parecia se localizar no pico do morro; diante dele se estendia uma extensa área de terreno arenoso, onde os grupos de jovens se reuniam, conversando descontraidamente. Notei que muitos deles se drogavam, com naturalidade, diante uns dos outros. Enquanto eu e Vanessa comíamos, Vinícius e Felipe cumprimentavam várias outras pessoas, eles eram bastante conhecidos ali. A postura de Vinícius já não parecia tão altiva, mas humilde, talvez até curvilínea, o que me fazia sorrir por dentro novamente. 17


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Ao final da breve refeição, adentramos o salão do baile. Eu segurava a mão de Vanessa, colocando-me sempre entre ela e Felipe para que ele não tivesse a chance de chegar perto. Do lado dentro as cenas eram chocantes: uma multidão de jovens agitava-se freneticamente ao ritmo da música, a qual soava tão estrondosa que fazia o chão estremecer. No fundo do barracão, havia um palco, construído de madeira, sobre o qual um DJ conduzia toda a manifestação, interrompendo, de vez em quando, a música para fazer sua fala. Ao lado dele, duas belas mulatas, vestidas com minúsculos shortinhos e bustiês, encenavam uma coreografia que me parecia no mínimo obscena. O lugar era imenso, mal iluminado, lotado de pessoas que se deliciavam ao sabor da música. Enquanto abríamos caminho em meio à multidão, uma criança, suja, descalça e maltrapilha, esbarrou em mim, parou, olhou para cima, para meu rosto e voltou a seguir o seu caminho. Ela não era a única, havia outras crianças circulando por ali, na mesma situação deplorável. O que elas faziam naquele lugar? Perguntei-me. A cada passo que dava, algo novo me chocava: as pessoas se drogavam ali, diante de todos com espantosa naturalidade. De repente, Vinícius me puxou para o lado, bruscamente; a princípio, não entendi sua inatenção, mas logo vi a fila de homens armados passando apressadamente por nós. Era uma fila organizada com cerca de dez homens, todos armados. — Esse é o bonde do mal, saia da frente toda vez que os avistar. — Vinícius precisou gritar para que sua voz se sobressaísse ao som estrondoso da música. Deixando a mão de Vanessa pela primeira vez, desde que entramos, cruzei meus braços diante do meu corpo, apertei os meus olhos com exasperação e o encarei, dizendo: — Então é isso que você chama de encontro? — O que? — Ele gritou, aproximando seu ouvido da minha boca. Estava perto demais e isso me parecia bastante desagradável. — Esquece deixa prá lá. — finalizei. 18


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Vinícius e Felipe começaram a dançar, com passos meio desengonçados, fora do ritmo da música. Eu queria fazer o mesmo, afinal o som era contagiante; no entanto, Vanessa não me parecia bem e não queria deixá-la deslocada. Mas com o passar dos minutos, meu corpo simplesmente não resistiu e quando percebi já estava me movendo no embalo da agitada melodia. Pouco a pouco fui me entregando àquele ritmo alucinante, que parecia penetrar minha alma, impedindo-me de ficar parada. Meu corpo se movia quase que involuntariamente de acordo com o ritmo e a sensação era maravilhosa, um inigualável misto de prazer e adrenalina correndo pelo meu sangue. A cada nova música introduzida eu me entregava por completo, experimentando aquela deliciosa sensação. As letras das músicas falavam sobre o mundo do crime, sem censuras, revelando a visão de quem estava do lado obscuro, certamente uma nova realidade para mim, a qual contribuía para que a adrenalina corresse solta em minhas veias e a sensação era extraordinária, misturada ao um ritmo quente, violento. Enquanto dançava, percebi que todos os olhares se voltavam para mim, algumas pessoas paravam de dançar apenas para me observarem e logo me tornei o centro de todas as atenções. O que também contribuía para meu prazer, pois gostava de ser o centro das atenções. Entre uma música e outra, o DJ parou para fazer sua fala, dedicando cada música a uma situação. Nesse intervalo, percebi que Vanessa estava quieta demais; quando a próxima musica começou, puxei-a mais para perto de mim, incentivando-a a dançar. Ela arriscou alguns passos tímidos, mas logo parou, via-se de longe que não se sentia nada à vontade, estava totalmente deslocada. Ao contrário de mim, que me sentia completamente relaxada, envolvida pelo funk. No intervalo seguinte, notei que Vinícius e Felipe estavam se drogando, eles dividiam um grosso cigarro de maconha, confirmando os boatos que corriam pelos corredores da faculdade. Embora não concordasse com tal atitude deles, decidi apenas ig19


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norar, afinal era vantagem para nós estarmos perto deles, pois assim evitávamos o assédio dos outros homens. Vinícius fez algumas tentativas de se aproximar, mas consegui afastá-lo em todas elas. Estando drogado, ele parecia mais lento que o normal, então não foi difícil mantê-lo longe. Graças aos céus, ali não tocava músicas lentas, assim ele não tinha muitas oportunidades. Felipe também se manteve longe de Vanessa. Encontrava-se rodeado por uma turminha de meninas, as quais não pareciam ter mais que quinze anos de idade cada uma e as quais se drogavam à custa dele, porém também pareciam disputar sua atenção. Era tudo muito divertido. Dancei durante toda a noite, embriagando-me com aquele ritmo novo, inebriante, que me contagiava por completo. Quando o baile terminou, os primeiros raios de sol já despontavam no horizonte, anunciando a chegada de um novo dia, um domingo de sol que eu pretendia passar nas areias da praia da Barra da Tijuca. Afinal, há muito não tínhamos um dia de sol no rio de janeiro. Ao deixarmos o local, me sentia relaxada, aliviada por ter cumprido o trato. Era como tirar um peso dos meus ombros. Vanessa estava livre da ameaça de Felipe e o encontro com Vinícius não fora tão terrível quanto eu esperava.

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