Degusta O Segredo da Pororoca

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Próximos Lançamentos do Autor: • A Vingança dos Sete Galo • O Início do Fim da Escuderia dos Miseráveis • O Vale dos Motoqueiros Sombrios • A Longa noite dos 12 Cavaleiros da Luz

O Segredo da

Obra do Autor: • BR 101- Na Estrada da Morte, o Sangue não Seca no Asfalto

CATERPILLAR

Caterpillar atuou na área pública como mergulhador profissional, fotógrafo profissional, especialista em manutenção de aeronaves, asa fixa e rotativa. Realizou diversos cursos, destacando-se entre eles: Parasar FAB, Mergulhador Marinha do Brasil.

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Copyright © 2013 by Caterpillar Todos os direitos desta edição reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico ou mecânico, fotocopiada ou gravada sem autorização expressa do autor. ISBN: 978-85-8255-026-7 Revisão e Projeto gráfico: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Editoração eletrônica: Thiago Ribeiro Capa: Thiago Ribeiro e Zélia de Oliveira Imagem: Arquivo Google CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros – RJ C357b Caterpillar O segredo da Pororoca / Caterpillar. - Rio de Janeiro : APED, 2013. ISBN 978-85-8255-026-7 1. Ficção brasileira 2. Humanidade. I. Souza, Roberto Martins Ivo de. II. Título. 13-1122. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

20.02.13 22.02.13 042963 Todos os fatos, acontecimentos, locais, nomes narrados e citados nesta obra, embora existentes foram frutos da imaginário do autor.

Aped - Apoio & Produção Editora Ltda. Rua Sylvio da Rocha Pollis, 201 – bl. 04 – 1106 Barra da Tijuca - Rio de Janeiro – RJ – 22793-395 Tel.: (21) 2498-8483/ 9996-9067 www.apededitora.com.br aped@wnetrj.com.br

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Aos que buscaram, em seus trabalhos, mostrar que jaz em solo brasileiro algo que — por mais absurdo — deve ser de conhecimento de todos... Antes que seja tarde. Pois uma coisa é certa: uma luta silenciosa tem sido travada em busca dos legados de Deus. Aos pesquisadores: Coronel Bernardo de Azevedo da Silva Ramos (Inscrições e Tradições da América Pré histórica — Imprensa Nacional)

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Ludwig Schwennhagen (Fenícios no Brasil, editado por Moacir C. Lopes — Cátedra)

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Introdução

N

o início dos anos 80, eu trabalhava num hotel na zona sul do Rio de Janeiro, quando comecei um projeto que, de início, eu acreditava ser fácil de realizar; o tempo mostrou que o que eu pensava ser apenas uma simples reunião de um determinado grupo de pessoas em busca de aventuras ou para localizar — quem sabe — uma cidade perdida (naquele tempo ainda não havia surgido o Indiana Jones), na realidade, era algo difícil e extremamente perigoso. Eu tinha pesquisado o caso do coronel Falwcett e possuía alguns dados relacionados ao assunto. O tempo foi passando e, aos poucos, fui chegando à constatação de que, embora houvesse algumas dúvidas e

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questões que pareciam ser fáceis de sanar, o trabalho tornou-se algo muito difícil; onde se poderiam buscar respostas, as portas eram fechadas. Percebi que deveria desistir e seguir minha vida. O tempo já me havia feito quase esquecer o assunto, quando fui chamado para conversar com uma senhora de nome Raisa. Ela chegou ao calçadão de Copacabana (local de nosso primeiro e único encontro) e, com muito esforço, foi retirada do táxi e colocada numa cadeira de rodas. Ficamos conversando na calçada da orla, em um dos bancos; fiquei desconfiado. Apresentei-me e fiquei esperando, sem saber o real objetivo do encontro. Ela parecia saber muito a meu respeito, isto é... Tudo. Falou que estava de viagem para seu país e que tinha vindo ao Rio de Janeiro apenas para falar comigo sobre o trabalho que eu havia iniciado; disse que gostaria de ajudar de alguma forma, pois estava muito doente e teria pouco tempo de vida. Então, ela tirou de uma bolsa um saco que continha umas fitas cassete; eram cerca de cinco fitas de noventa minutos. Eu segurei-as sem perguntar coisa alguma; ela disse que o conteúdo das fitas poderia oferecer informações muito valiosas para o trabalho. Conversamos por mais alguns

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minutos e chamei um táxi; o homem que estava com ela — que ficara distante de nós durante toda a conversa — colocou-a dentro do carro e ambos foram embora. Eu não tinha gravador e só depois de uma semana é que consegui um; ouvi uma fita, mas não toda; confesso que fiquei meio entediado e deixei para ouvir depois. Com isso, o tempo foi passando e só ouvi um pouco da primeira, que falava sobre a guerra. Para dizer a verdade, devido às turbulências da vida, pouca atenção dei às fitas: uma perdi, gravando música por cima de seu conteúdo original; outra se foi, destruída por ficar enrolada no mecanismo do gravador. Quer dizer, depois de passar por três mudanças de residência, acabei ficando com apenas duas das cinco que havia recebido de D. Raisa. Um dia, quando não tinha muita coisa para fazer, decidi ouvir as duas fitas; uma delas estava impregnada de mofo, causado pela umidade. Ainda procurei um amigo que trabalhava com equipamentos de som, mas ele nada pôde fazer: ela estava perdida. Na outra, a que estava perfeita, estavam, para minha surpresa, os fatos que relatarei neste livro.

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O fato é que, cinco anos depois da conversa com aquela senhora, escutei a fita (a que restou) cujo conteúdo — acredito eu — poderia ter mudado os acontecimentos mundiais. Anos mais tarde, decidi que deveria, de alguma forma, fazer o simples relato dos fatos, deixando para o leitor a tarefa de tirar suas próprias conclusões. Para isso, foi preciso reunir um apanhado de situações, o que possibilitou manter a coerência com as provas verdadeiras, que, aliás, estão à disposição de todos que, porventura, se aventurem à busca da verdade. Espero, assim, poder conduzir o leitor à investigação, fazendo-o concluir, por si só, de uma história que começou numa casa de família humilde — em algum lugar da Alemanha — e que poderá mudar muitos conceitos.

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Capítulo i

A

quele senhor careca, com seu terno surrado preto, sapatos velhos, em farrapos, estava em desespero: — Eles não podem pegar estes papéis! Vamos, rápido! Você deve levar tudo para o lugar combinado. Aconteça o que acontecer, temos de salvar o que temos. Vá! Naquela casa, havia um grupo de cinco pessoas, a maioria de idade avançada; entre elas, uma jovem de 14 anos, neta do chefe daquela família. Não deu tempo, freio brusco de pneus, alerta de que era tarde demais para fugir; a morte estava chegando.

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— Rápido, não dá mais tempo! Pegue a garota, vamos! Suba para o teto e não saia de lá até que tudo tenha terminado! Guarde isto com você e, depois, entregue para Isa, ela saberá o que fazer. Vamos, suba, suba. O barulho dos tiros e das portas sendo abertas à força chegou assustadoramente. Em poucos instantes, a porta era derrubada, deixando surgir as botas negras e polidas dos soldados da SS; eles ficaram perfilados, lado a lado, deixando um vão para que passasse o oficial Cruz de Ferro, da SS. Ele parecia saber o nome de todos e foi direto ao seu objetivo: — Sabemos que você tem o que estamos procurando. Entregue-nos, agora! As pessoas estavam acuadas no canto da sala, estáticas, sem reação. O oficial aplicou um violento chute no rosto de uma senhora, uma simples anciã, que caiu com o rosto sangrando, fazendo com que Abraham se manifestasse: — Não sabemos de nada do que vocês querem. — Pode deixar, logo teremos resposta. — A voz fria não deixa dúvida: é a Gestapo com seus homens, os “carniceiros”.

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Pela fresta do teto, ela podia ver a mais bestial crueldade humana contra pessoas indefesas. Sem emitir um só ruído, ela viu quando um dos homens sacou sua pistola “lugger” e a disparou na cabeça de um senhor, o pai de Abraham, que, aliás, já estava em estado deplorável de tanto apanhar. As lágrimas escorriam dos olhos da menina e, por azar, um pingo alertou um dos soldados, que então começou a fazer disparos em direção ao teto. Abraham passou a gritar e, dizendo que iria entregar o que eles queriam, pediu à jovem que aparecesse. Ela, então, abriu a tampa do sótão e, com a ajuda dos homens que estavam na casa, desceu com a pasta de papéis e alguns objetos, dizendo: — Por favor, vocês já têm o que queriam; está tudo aqui! Essas pessoas não têm culpa de nada! Podem me levar! As pistolas “lugger” trabalharam com precisão, acertando um a um, com um furo na testa. Sentado à mesa, prostrado em sua cadeira, com o rosto desfigurado, Abraham, o pai da menina, em suas últimas palavras, implorou para que não fizessem nada com ela, que estava em pé, ao lado

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dos homens, calada, estática, assistindo a matança de sua família. Finalmente, um tiro, jogou o rosto de Abraham para trás, espalhando seus miolos na parede. Era o fim: os homens da Gestapo deram por encerrado seus trabalhos ali e sairam levando a jovem. No corredor do prédio, corpos de pessoas que moravam ao lado, fumaça, fogo, um verdadeiro clima de destruição; estamos no local onde ser judeu era risco de vida. Era o início da caçada; o início da Segunda Guerra Mundial. O ano era 1936, em plena vigência da lei de cidadania do Reich, uma lei cruel, segundo a qual os judeus eram perseguidos implacavelmente, sem qualquer direito ou proteção, sendo vítimas do terror imposto pelo Estado e seus instrumentos: a SS e a temível Gestapo; estávamos em plenos preparativos para os Jogos Olímpicos de 1936 e, muito em breve, nos anos seguintes, o mundo iria sentir o gosto amargo da guerra. Descendo a escada, ao chegar à rua, como o comboio já estava com muitos presos, a jovem foi levada até a viatura da Gestapo que seguia os veículos. Eram sufocantes os dias em Potsdam; dias sombrios, em que a calma sutil da estrada era

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um alento. Sob o sol do entardecer e atravessando uma relva que fazia sumir algumas planícies, em uma estrada ladeada por árvores, o comboio seguiu por uma estrada paralela e, aos poucos, foi se afastando, até desaparecer. O rosto da jovem estampava uma tristeza profunda: a perda da família, a perda da inocência... Naquela estrada sem fim, seus olhos buscavam uma resposta para tanta maldade dos homens; ela se questionava se não haveria um castigo para os que haviam feito tudo aquilo. O comboio chegou a um algum lugar próximo a Brandenburg. Era um castelo com jardins gigantescos e belos, muito bem cuidados. Na entrada, a bandeira-símbolo do nazismo revelava que o local pertencia à SS. Lá dentro, não havia sorrisos; apenas o olhar frio de uma governanta, seguido por um corredor — cujo chão de tão polido poderia servir de espelho — que exibia, nas paredes, quadros com pinturas magníficas, além de móveis e cristais. Ao fundo, uma sala com sentinelas medievais, ou seja, armaduras em cada lado da porta. O homem da Gestapo entrou e a jovem ficou frente à frente com seu opressor: um homem, com seu uniforme impecável, no qual podia se ver

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a Cruz de Ferro de primeiro cavaleiro. Ela estava diante de Dietrich Dillway, o oficial primeiro de Himmler, homem querido pelo próprio Fuhrer (não era difícil imaginar o motivo da preferência de Hitler. Bastava ver nos olhos frios daquele homem o olhar da própria morte). Ele recebeu a pasta, fazendo sinal para que os agentes saíssem da sala e sentou-se à frente de uma mesa grande, numa cadeira cheia de detalhes em madeira; na parede, um quadro retratando uma batalha medieval, em que cavalos e espadas se misturavam numa pintura de sangue e dor. Sentado, ele verificava o conteúdo da pasta; além de papéis, havia um objeto cuja forma era difícil identificar. Em pé, calada, aquela jovem de 14 anos, de cabelos encaracolados, de olhos azuis grandes e bonitos, já esperava sua morte, quando o oficial começou a falar: — Muito bem, você é filha do judeu Abraham, não é? Seu nome é Raisa e, para sua idade, você é muito inteligente! Na escola, você conseguiu algo que deixou todos surpresos: você, uma judia, tem aproveitamento melhor do que alguns alunos alemães! Eu diria até que você seria a pessoa ideal para nos trazer uma medalha nos Jogos

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Olímpicos. Eu tenho tudo sobre você. — Nesse instante, ele se levantou e ficou ao lado de Raisa. — Sua ida para a escola, o que faz, com quem conversa, sei até sobre sua amiga alemã Sophie. Quero que você saiba que seu pai fez uma coisa muito ruim e, por isso, teve o que merecia, ele trabalhava no museu de Berlim e pegou algo que, para nós, parecia sem importância, mas — para seu povo — tem um valor inestimável. Só que é algo que nos pertence. Ah! Você deve estar querendo saber por que está viva; eu direi: eu queria ver você pessoalmente, não apenas por fotos. Ele então soltou o cabelo da jovem, deixando à mostra a menina-mulher que ela já era, o que foi logo percebido por Dillway. Ele não resistiu e beijou a jovem, que não correspondeu e permaneceu estática, enquanto ele, olhando-a fixamente, disse: — Você irá ceder, mais cedo ou mais tarde. — E se afastou em direção à mesa, onde apertou uma campainha. Minutos depois, chega Frida, a governanta, que levou a jovem para fora da sala. Dillway era o oficial responsável pela limpeza, quer dizer, pelo extermínio dos judeus. Sua “lugger” e seus homens ceifaram várias vidas, o

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que lhe valeu, “a boca pequena”, o apelido de “o carniceiro de Himmler”. O telefone tocou. — Alô! Sim, estou seguindo para lá, senhor; tudo já está pronto, não se preocupe, senhor. — Despede-se com a saudação ao “Fuhrer”. Pouco depois, chegam os homens da Gestapo, que seguem com Dillway, de carro, até a parte dos fundos do castelo e todos embarcam num avião, que decola rumo ao mais novo campo de extermínio de judeus: o Dachau, do outro lado da Alemanha. Seis dias se passaram. Ao final da tarde de uma sexta-feira, chegava o avião. O barulho dos motores era ouvido à distância. Em poucos minutos, a viatura chegou à porta e Dillway desembarcou, sendo recebido por Frida. Da janela, no alto, Raisa, por entre as cortinas, assistia a tudo. Não demorou muito e o palácio foi tomado pelo som de musica clássica, que invadia seus recantos mais secretos. Na imensidão dos jardins, era possível ouvir Mozart, Bizet, Wagner, Bach, Grieg etc. A noite chegou e, com ela, em um quarto fechado, a jovem Raisa vivia o terrível drama da incerteza de seu destino.

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Já era tarde — talvez umas três horas da manhã — quando a porta se abriu de forma brusca, fazendo com que Raisa levantasse assustada, vestida com um traje longo, sapatos finos, roupas que foram colocadas por Frida no guarda-roupas. A luz, em tempos de guerra, não era de boa qualidade, mas era suficiente para deixar perceber que Dillway estava bêbado. Com seu uniforme negro, enfeitado por suas medalhas de glórias obtidas pelas muitas atrocidades que cometera, estava realmente muito bêbado. Com a garrafa na mão, veio em direção a Raisa; queria fazer sexo. Entretanto, ao ver que seu cabelo tinha sido cortado, perguntou com voz torpe: — Quem cortou seu cabelo? — E ele mesmo respondeu. — Frida! Maldita! — E saiu. O dia amanheceu e a música não parava de tocar. Podia-se ouvir o motor do carro que vinha buscar Dillway para levá-lo ao anexo do castelo, onde havia um quartel com cerca de 500 homens, todos da SS. Comentava-se que o local era a “menina dos olhos” de Himmler e que, por isso, era guardado pelo seu fiel carniceiro. No quarto, o café. Frida mandou que a empregada saísse. Raisa ficou assustada ao ver que Frida estava com o

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rosto roxo, resultado de espancamento. Ela foi em direção a Raisa e deu-lhe um tapa em seu rosto, fazendo com que ela caísse. Sem dizer uma palavra, saiu e fechou a porta por fora. Pela janela, era possível ver algo novo naqueles dias de solidão e incerteza: os jardins tomados por prisioneiros — vigiados por soldados armados — fazendo o serviço de jardinagem. Talvez uns cem, ou mais, homens e mulheres. “São judeus, meu povo.”, pensou a jovem, que, por um instante, refletiu que podia fazer algo: lutar para continuar viva e buscar a vingança tal qual a descrita num livro que lera. Entre outras coisas, o livro dizia que, para lutar pela vida, fortalecer-se e passar de vencido a vencedor, é preciso aprender com o inimigo. Passou um dia de grande movimentação e preparativos para a festa do dia seguinte. Mas, à noite, o silêncio voltava a tomar conta do lugar e as luzes eram apagadas. Rotina de tempos de guerra, que mais uma vez era quebrada com a volta da música e, com ela, a certeza de que Dillway estava no castelo. “O que fazer?”, pensou Raisa. O gosto da morte estava chegando, o pavor de ser violentada. Ceder para poder manter-se viva ou deixar que

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suas roupas se juntassem àquelas que encontrou e que foram de tantas outras? O que aconteceu com aquelas outras mulheres que ali haviam estado? Elas cederam ou não? Onde estariam? Só havia uma solução: a fuga. Durante horas, que pareceram séculos, ela pensou e, ao final, a decisão foi tomada. Logo amanheceria e sair pela porta não seria difícil; a chave ficava no buraco e tirá-la seria fácil, coisa que qualquer criança saberia fazer. Pelo corredor frio e longo, ela seguiu em busca de uma saída. É preciso fugir, mas a música a procurar o lugar de onde vinha o som, como se ele fosse a saída. Cada vez mais perto, os ruídos de dor e prazer, gritos e sussurros. Aos poucos, ela chegava mais perto da porta, que, entreaberta, deixava ver tudo, tudo que jamais pensou. Frida vestida com uma farda de homem, com a braguilha aberta e um pênis artificial sendo penetrado no ânus de Dillway, que gritava de prazer quando ela, com um chicote, o espancava. Em sua cabeça, algo como uma peruca, feita com o cabelo de Raisa, que ali estava em pé, estática diante do que via. Frida a vê e olhou para ela com um sorriso sarcástico, como a querer mostrar a ela quem realmente dava as ordens. Raisa saiu lentamente,

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dando passos para trás, sem ser vista por Dillway, que, com o rosto virado para o canto da parede, emitia seus gritos de dor e prazer. Era inútil; não havia como sair. De volta ao quarto, Raisa chorava, pois agora desejava que estivesse morta como seus pais. O dia começava e a névoa se dissipava, deixando os jardins à mostra. Ao longe, surgia os caminhões que traziam os empregados que trabalhariam na festa. Eles eram muitos. Raisa assustou-se quando a porta se abriu e surgiu Frida, que vinha em sua direção. Sacou uma pistola “lugger”, e apontou para sua cabeça dizendo: — Quando acabar a festa, eu darei fim a você, que será então apenas mais uma maldita que ele acredita poder fazer dele um homem de verdade; um tolo, uma fêmea que sabe muito bem que eu sou seu homem! Vou matá-la com prazer, judia, tenho fé de que o povo alemão fará sua gente desaparecer da face da Terra! Já era noite. Hora da festa. Muito embora Dillway fosse apenas um coronel, seu prestígio era grande no alto comando alemão, haja vista os generais do Estado Maior e muitos civis de destaque ali presentes. Enquanto isso, Raisa já se sen-

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tia como que diante das horas finais de sua vida e decidiu que lutaria contra a morte: com o auxílio de um garfo, ela abriu o armário onde estavam os vestidos de tantas que perderam a vida nas mãos daqueles monstros e escolheu algo que cabia de forma adequada em seu corpo. Ela abriu a porta e saiu. Já no corredor, pôde ouvir que havia muitas pessoas na festa. Não havendo mais como recuar, começou a descer a escada; era como se, aos poucos, a força de sua beleza provocasse a atração de todos os olhares. De degrau em degrau, passo a passo, os homens olhavam fascinados para Raisa, cuja beleza e elegância realmente chamavam a atenção. Exibindo um penteado perfeito para os cabelos curtos, ela seguia sutilmente em direção à saída, quando foi pega pelo braço por uma senhora, que lhe fez elogios sobre o vestido, muito embora não deixasse de observar que os sapatos não estão muito apropriados. Perguntas e mais perguntas. Raisa, de forma sutil, respondia com evasivas. A senhora disse que iria apresentá-la marido: — Você precisa conhecê-lo. Eu lhe digo uma coisa: nestes dias, é muito difícil eles ficarem em casa!

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À distância, numa roda de generais, estava Dillway, que ficou perplexo ao ver Raisa sendo conduzida em sua direção. Outros oficiais, por um instante, deixaram expressar seu vislumbre diante da beleza de Raisa. É aí que um homem, não muito alto para um alemão puro sangue, coisa que, naqueles tempos, era questão de vida ou morte, que estava de costas, virou-se com seus óculos redondos, seu bigode ralo e o queixo escondido pelo papo. Era o comandante supremo da SS, Heinrich Himmler. Carregava com ele a espada da Ordem dos Cavaleiros, como membro do grupo sinistro Thule. Muito se dizia do homem que estava à frente de Raisa; era como um deus ou um demônio, dono da vida e da morte. Se havia algo que se aprendia muito nas escolas alemãs era saber como se comportar; etiqueta era fundamental. Ali, no covil do inimigo, era difícil para Raisa encontrar palavras, mas sua presença de espírito fez com que ela, como num passe de mágica, lembrasse de uma piada — muito popular e engraçada entre os alemães — sobre dois judeus, alertando sobre a chegada de Himmler. A piada, é claro, mostrava o Comandante da SS como um homem sobrenatural, quase que Deus

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na terra e, por isso, dele ninguém podia fugir. Enquanto contava, seus olhos se fixaram em ver que Dillway estava com a mão na sua “lugger”, guardada no coldre. Parecia ser o fim. Risos e muitos risos foram surgindo; o próprio Himmler disparou um sorriso, o que nunca havia acontecido antes em sua maldita vida. Por dentro, Raisa queria correr pela porta afora, ir para bem longe. Porém, para sua surpresa, aquela senhora era esposa de Himmler, Marga, mãe da pequena Gurun, uma bela criança. Ela respirou aliviada quando viu as mãos de Dillway afastarem-se do coldre da sua pistola. Foi então convidada a visitar a família, que estava hospedada em uma casa próxima de Berlim. Dillway, então, a apresentou como Veronc Chirod Rugstall. — Ora, vejo que você soube escolher uma bela jovem. — Disse Marga a Dillway. Isso é um orgulho para nós, em especial pelo fato de você ser um brilhante oficial de sua terra natal. No dia seguinte, de manhã, a porta do quarto se abriu; era Frida, furiosa. Ela pegou a chave presa ao cinto, abriu o guarda-roupa, pegou um vestido e mandou que Raisa o vestisse.

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— Você foi esperta, mas eu vou dar fim em você, esteja certa. A cada hora, meu ódio aumenta. Você não ira escapar! A jovem é levada até o carro, que esperava para levá-la até a residência dos Himmler. Antes de entrarem no carro, Frida deixou claro para Raisa que tinha uma pistola embaixo da saia e que a qualquer tentativa de fuga seria punida com a morte, sem piedade. Já dentro do veículo, percebeu que o motorista — que demonstrava nervosismo — era, como ela, jovem e bonito e —principalmente — não era um SS. Sentada junto a Frida, ela pôde ver sutilmente, pelo vidro do retrovisor, o rosto do rapaz. Seguindo o veículo, estavam os homens da Gestapo. Durante o percurso, ela reparou que o país estava sofrendo transformações, mal sabia que a juventude estava nas mãos de loucos e assassinos. O ano de 1936 foi o ano dos treinamentos físicos; 1937 era o ano de recrutar meninos e meninas, os chamados jungvlk. Por quatro anos, Hitler organizara o Estado nazista como uma máquina Diplomática e Militar, que violava a maioria das cláusulas do tratado de Versalhes. Ele criou a Luftwaffe e, após celebrar pacto de não agressão, ocupou a Renânia. E na primavera de 1938, invadiu a Áustria e anexou-a ao Reich alemão.

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