Matheus de Carvalho Maurício Pires Milton Maciel
Rhodys de Rodrigues Sigrist
Roberto Afonso Giampaolo
(& Pesadelos)
Ricardo Biazotto
Sonhos
Renato Carajelescov Nonato
Coletânea
Rafa Magiolino
Orgs: Claudio Quirino e Zélia de Oliveira
Mari Scotti
“Hoje sonhei uma coisa entranha... sonhei que as guerras estavam acabando com o mundo e o preconceito destruindo gerações. Sonhei que as crianças não podiam sorrir, pois carregavam fardos imensos. Sonhei que o céu não deixava as estrelas aparecerem por simples orgulho, e que as árvores não davam mais frutos bons. Sonhei com o dinheiro dominando pessoas e junto com ele a ambição. Sonhei com um mundo frágil, como se um simples sopro fosse capaz de destrui-lo... Vi também pessoas com sorrisos nos rostos, mas escondendo mãos calejadas. Lágrimas e sussurros dentro de quartos escuros e longe da sociedade. Vi casais de mãos dadas, mas com corações sangrando. Por fim, deduzi que não sonhei.”
Organizadores:
Claudio Quirino e Zélia de Oliveira
Coletânea
Sonhos (& Pesadelos)
Prefácio de Adalberto Scardelai
Os autores:
Allison Feitosa Amauri Chicarelli Ana Paula Chicarelli Angie Stanley Bruna Alves Eddy Khaos Fabiana Cardoso Felipe T.S. Flávia Vasconcelos de Brito
Sheila Schildt
JJ de Souza
Suzy M. Hekamiah
Jowilton Costa
Thiago Assoni
Jussara Pires dos Santos
Thiago Lucarini
Leônidas Grego
Thiago Roncada
Lucas Cardoso
Vanessa Orgélio
Marcio Souza
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Organizadores:
Claudio Quirino e Zélia de Oliveira
Coletânea
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Prefácio de Adalberto Scardelai
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Orgs.: Claudio Quirino e Zélia de Oliveira Copyright © 2013 by Claudio Quirino e Zélia de Oliveira Todos os direitos desta edição reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico ou mecânico, fotocopiada ou gravada sem autorização expressa do autor. ISBN: 978-85-8255-059-5 Projeto gráfico: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Editoração eletrônica: Thiago Ribeiro Beta reader: Roxane Norris Revisão: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Capa: Thiago Ribeiro CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros – RJ C658 Coletânea Sonhos (& Pesadelos) / organizadores Claudio Quirino, Zélia de Oliveira. - 1. ed. - Rio de Janeiro : APED, 2013. 160 p. : il. ; 21 cm. ISBN 9788582550595 1. Sonhos 2. Pesadelos. 3. Contos brasileiros. I. Quirino, Claudio. II. Oliveira, Zélia de. 13-02596
CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3
02/07/2013 02/07/2013
Aped - Apoio & Produção Editora Ltda. Rua Sylvio da Rocha Pollis, 201 – bl. 04 – 1106 Barra da Tijuca - Rio de Janeiro – RJ – 22793-395 Tel.: (21) 2498-8483/ 9996-9067 www.apededitora.com.br aped@wnetrj.com.br 4
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“Não desças os degraus do sonho para não despertar os monstros. Não subas aos sótãos — onde os deuses, por trás das suas máscaras, ocultam o próprio enigma. Não desças, não subas, fica. O mistério está é na tua vida! E é um sonho louco este nosso mundo...” Mário Quintana
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Prefácio
A Editora Aped tem se superado nestes últimos tempos revolucionando o mercado editorial brasileiro, e tem sido um grande desafio cutucar o marasmo em que estava a literatura nacional com provocantes e audaciosos autores que se revelam com talento e criatividade em cada publicação desta editora. O livro Sonhos & Pesadelos não poderia ser diferente, traz de forma deliciosa, novos autores que desafiam com suas histórias, seus sonhos, seus pesadelos e até sua poesia em prosa e verso; viajam de forma única por este mundo permeado de segredos não revelados, por sombras obscuras em noites sombrias ou por sonhos leves, apaixonados que provocam no leitor aquele gostinho de quero mais. Sonhos & Pesadelos não é um livro comum para se ler em uma tirada só, é um livro, como gosto de chamar, “livro de cabeceira”, é para ser lido de forma espontânea, antes de dormir, abrindo-o aleatoriamente em um dos seus textos, apreciando e degustando com intensidade cada história e, depois, com este incentivo, dormir sonhando seus próprios sonhos ou acordar repentinamente com seus próprios pesadelos. É algo mágico a forma como os autores 7
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permeiam a mente humana, tentando desvendar seus mais profundos mistérios e se torna único, pois cada autor, com seu estilo próprio, encara de uma maneira particular seu mundo de sonhos e pesadelos. Acredito que nem Freud conseguiria explicar ou teorizar sobre estes delírios escritos. É uma coletânea onde podemos perceber que muitos autores são estreantes na escrita, mas que provam que vieram para ficar e ousar, também encontramos textos de autores já conhecidos do público da Aped, e tenho certeza absoluta de que neste universo autoral novo, que surge em um país que carece de cultura e de mentes brilhantes, muitos destes autores estarão em breve em sua estante com suas obras próprias, cativando e tornando este universo literário mais rico com ideias e estilos diferentes; devemos estar abertos ao novo, pois o novo nos traz de forma significativa a evolução da escrita, a evolução de conceitos, a evolução de pensamentos. Todos os sonhos são válidos quando se almeja o crescimento da cultura no país, e temos a responsabilidade de afastar os demônios que nos trazem pesadelos e transformar nossas ideias em pequenos livros como este, para que possamos caminhar em direção a liberdade de expressão. Este livro traduz sentimentos, traduz forma e cor, traduz medos, desilusões, fracassos, amores perdidos, sonhos impossíveis, pesadelos terríveis sobre a angústia de se estar só. Mas, ao mesmo tempo, nos instiga e nos mostra que esse é o caminho, que estamos na direção certa, e que nossos sonhos se tornem realidade e que nossos pesadelos se tornem lições de aprendizado, que nos mostre os erros do passado e nos transforme em pessoas melhores no presente. Sonhos & Pesadelos consegue mexer com a alma do leitor por sua mensagem simples e por vezes crua e rude, consegue arrancar sorrisos quando se está triste e nos prender em medo em uma noite sem lua; consegue mudar a paisagem tornando-a tenebrosa e transformar o leitor em um companheiro de viagem, divagando por sonhos de seus per8
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sonagens; e nos faz sentir com eles os seus pesadelos. De certa forma, hipnotizado por esta leitura, deixo-me levar por estas hist贸rias para outros lugares e convido o leitor a caminhar comigo. Boa leitura! Adalberto Scardelai Escritor e Acad锚mico da Academia de Artes e Literatura de Fortaleza
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Sumário
A Moça da Praia................................................................................15 Amauri Chicarelli A Porta ................................................................................................21
Sheila Schildt A Sorte Grande ................................................................................25
Milton Maciel 25 Às cinco...............................................................................................29
Lucas Cardoso As Crônicas do Vale.........................................................................33
Suzy M. Hekamiah Décimo-sétimo Dia..........................................................................39 JJ de Souza
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Destino ...............................................................................................45 Allison Feitosa Do Céu ao Inferno............................................................................51
Ricardo Biazotto Doces ou Travessuras?...................................................................57
Maurício Pires Há Fantasmas em sua Casa...........................................................63
Felipe T.S. Não, Romeu!.......................................................................................67
Angie Stanley O Amuleto...........................................................................................71
Fabiana Cardoso 71 O Circo.................................................................................................77
Rafa Magiolino O Labirinto.........................................................................................81
Ana Paula Chicarelli O Ladrão de Sonhos.........................................................................85
Thiago Lucarini O Mestre das Ferramentas............................................................91 Matheus de Carvalho O Salto..................................................................................................95
Thiago Roncada O Soldado............................................................................................99
Mari Scotti Os Movimentos Rápidos dos Olhos......................................... 105 Jowilton Costa Presas............................................................................................... 109 Vanessa Orgélio Rainha de um Castelo de Ilusão............................................... 113 Eddy Khaos
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Sonhos & Pesadelos
Réquiem for a Dream................................................................... 117 Thiago Assoni Saudades.......................................................................................... 123
Flávia Vasconcelos de Brito Sonhando Acordado .................................................................... 127 Jussara Pires dos Santos Sonho Dentro de Outro Sonho.................................................. 133 Marcio Souza Sonho Eterno.................................................................................. 139 Bruna Alves Sonho Infernal............................................................................... 141
Leônidas Grego Sonho ou Realidade?................................................................... 145 Roberto Afonso Giampaolo Talismã ............................................................................................ 149 Renato Carajelescov Nonato O Vilarejo......................................................................................... 155 Rhodys de Rodrigues Sigrist
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A Moça da Praia
Amauri Chicarelli
A
quela moça insistia em frequentar meus sonhos todas as noites. Parecia que tinha comprado todos os ingressos e que sua presença era de alguma forma obrigatória ou essencial. Antes, eu nunca conseguia lembrar inteiramente dos meus sonhos, a não ser que acontecessem durante o dia, quando acordava e não dormia outra vez. Os sonhos noturnos, por algum motivo, sempre acabavam me despertando, e então eu tinha uma visão nítida de tudo que acontecera enquanto estava inconsciente. Mas quando dormia de novo, as lembranças se apagavam, sumiam, como se uma borracha de apagar mentes fizesse seu trabalho na segunda parte da noite. Na manhã seguinte, não lembrava de quase nada, apenas de vagos fragmentos que acabavam se perdendo durante o dia. Sempre foi assim. Ficava impressionado quando ouvia alguém contar suas experiências noturnas com uma riqueza de detalhes tão grande que, às vezes, achava que a pessoa estava inventando tudo aquilo. Só quando percebi que minhas noites eram sempre divididas em duas partes foi que pude entender porque não me lembrava de nada: o “segundo tempo” apagava tudo. 15
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Mas desde que ela apareceu, a noite tornou-se uma só e não me esqueci de mais nada. Como eu disse, era raro lembrar de algum sonho, mas por uma estranha razão, sempre lembrava dos pesadelos. O mais frequente era com o Seu Avelino, que foi o terror da minha infância. Naquele tempo, ele passava na rua caminhando muito reto sem olhar para os lados e sem falar com ninguém. Parecia uma estátua de algum militar que ao invés de andar, simplesmente pairava subindo a ladeira com seu imutável terno cinza que já apresentava tons amarelados nos ombros, onde o sol batia com mais intensidade. Ninguém nunca o vira com outra roupa, ou sem seu chapéu de feltro igualmente desgastado. Todos diziam que no passado ele havia matado sua ex-esposa, e enterrado nos fundos da casa onde morava. Uma casa que parecia uma cripta cinzenta e ficava na mesma calçada que a minha, um pouco acima na rua, e onde nenhum vizinho entrava depois que ele morreu. Nos pesadelos, ele sempre vinha subindo a ladeira com o rosto quase encoberto pelo chapéu e um toco de cigarro de palha no canto da boca, enquanto eu ficava no portão, tremendo de medo sem poder sair do lugar, até que ele se aproximava e tentava me pegar. Então eu acordava. Mas naquela noite o pesadelo repetido centenas de vezes foi diferente. Avistei de longe a figura do Seu Avelino subindo a ladeira, mas conforme se aproximava, os contornos daquela aparição foram mudando lentamente e quando estava bem próximo vi que era uma mulher muito bonita que caminhava nua em minha direção, embora a nudez não fosse totalmente visível, era indistinta. Somente o rosto era perfeitamente visível. Um rosto de menina onde se podia ver algumas sardas dos lados do nariz fino e jovem. Ela não tentou me pegar como o velho. Fazia sinais para que eu a seguisse, o que não tive dúvidas em fazer. Então, de repente, a paisagem mudou por completo. Ela caminhava numa praia onde não havia mais ninguém, e continuava a fazer sinais para que eu a acompanhasse. Fui em sua direção, hipnotizado por sua beleza que eu conhecia de algum lugar. Mas quando 16
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me aproximei, e ia tocá-la pela primeira vez, a figura macabra do Seu Avelino apareceu entre nós e o sonho virou fumaça e eu acordei muito assustado. Fiquei sem sonhar ou ter pesadelos por alguns dias mas não conseguia esquecer aquele rosto. Parecia uma lembrança vaga que não se sustentava nas minhas recordações. Algum tempo depois, voltei a sonhar com ela e o mais incrível é que o sonho continuou de onde havia parado, mas sem a figura de Seu Avelino, naquele momento. Caminhei de mãos dadas com ela durante muito tempo na areia, sempre perto do mar. Não havia diálogos entre nós, apenas o aperto das mãos e os sorrisos que trocávamos de vez em quando. Não dá pra falar quanto tempo sonhei. A medida de tempo, com certeza, não é a mesma de quando estamos acordados. Em certo momento, ela soltou minha mão e correu para dentro do mar. Ela estava dentro do mar e ao mesmo tempo não estava, e quando eu me aproximei de sua mão estendida, o fantasma de meu vizinho da infância apareceu rodeado de sombras se interpondo entre nós, e eu acordei. Então, a sensação de vazio e de perda ocuparam todas as horas do meu dia, e eu só pensava em abandonar o trabalho e ir pra casa dormir e encontrá-la de novo. Sonhava agora todas as noites com a moça na praia e não havia lapsos nos intervalos dos sonhos. Parecia a sequência de uma novela que seguia capítulo a capítulo avançando para um final desconhecido, mas que era sempre interrompido da mesma maneira. O mais interessante de tudo isso é que eu acordava cansado e com dores nas pernas, como se as longas caminhadas noturnas fossem reais e de certo modo abalassem as estruturas de minhas pernas sedentárias e do meu corpo acostumado a ficar sentado o dia inteiro no escritório. Não demorou muito, os colegas de trabalho e o chefe do departamento notaram minhas olheiras profundas bem como a sequência de erros primários que cometia todos os dias, pois trabalhava com cálculos complexos, e não podia errar. E depois de algumas conversas com o gerente do local, ele me aconselhou a 17
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procurar o médico da empresa e mesmo antes do diagnóstico, insistiu que eu tirasse férias, pois tinham duas vencidas de qualquer maneira. O médico concluiu que eu estava com os nervos abalados, devido ao excesso de trabalho e a insônia. Depois de vários exames, exigiu, como o gerente, que eu me afastasse do trabalho imediatamente. Receitou alguns comprimidos, entre eles um fortíssimo tranquilizante, e recomendou que eu o tomasse apenas quando tivesse certeza de que não conseguiria dormir. Na verdade, eu não tinha insônia, mas por algum instinto oculto, nada disse ao médico. Entrei de férias, comprei os remédios receitados, mas não tomei. Sabia que de nada valeriam. Os sonhos continuaram e o relacionamento com a moça foi se tornando cada vez mais íntimo. Agora, andávamos abraçados pela praia infinita, mas logo aparecia a figura daquele vampiro do passado, com um sorriso desdenhoso no rosto antigo e o sonho evaporava. Minha paixão pela moça e o ódio ao Seu Avelino consumiam minha vida. Quase não comia mais. Não suportava mais ficar acordado e não saber o que acontecia do outro lado. Pensava em mil maneiras de acabar com a vida daquela aparição do inferno, mas não sabia nem mesmo se ele tinha realmente vida. Passei a dormir com uma faca muito afiada que comprara numa casa de caça e pesca, na cintura, sob a camiseta e a usar os comprimidos pra prolongar o sono. Num desses sonhos, quando estava abraçado com ela, o homem chegou. Tirei rapidamente a faca e ataquei. Fiquei surpreso com a agilidade com que ele se desviou. Pude ver que a faca rasgou o paletó surrado, na altura da barriga, mas com o movimento do velho, ela escapou da minha mão e voou longe. Quando acordei agitado, mas quase entorpecido pelo efeito dos tranquilizantes, procurei a faca na cintura e não achei. Só meia hora depois, quando tive disposição suficiente para me levantar, notei que ela estava sobre o tapete perto da porta e bem longe da minha cama. Nesse tempo, já havia conseguido vários frascos de comprimidos de maneira clandestina e praticamente passava os 18
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dias dormindo e ao lado dela no sonho. Seu Avelino desapareceu por um tempo, mas acabou voltando, e eu tinha que acordar. Fiz inúmeras tentativas de matá-lo nos sonhos seguintes, mas ele sempre conseguia escapar, e depois voltava. Eu passava quase o tempo todo na cama, mas, num certo dia, tive uma ideia. Sabia que a antiga casa do Seu Avelino estava, à venda há anos, mas por algum motivo ninguém a comprava. Consegui pegar as chaves na imobiliária com a desculpa de estar interessado no imóvel, sem qualquer dificuldade e fiz cópias delas. No dia seguinte, meio entorpecido pelo efeito dos comprimidos, enchi o tanque do carro várias vezes e passei o combustível para dezenas de galões que espalhei pela casa inteira. A casa estava no centro de um grande quintal, de modo que o fogo não atingiria a vizinhança. Não foi difícil fazer um mecanismo pra dar início ao incêndio usando um balde, uma boia e dois fios descascados que se encontrariam à medida que a torneira pingando fizesse a boia subir. Não sobrou nada da casa. As paredes velhas caíram pouco depois do início do incêndio, enquanto eu observava de longe. Hoje voltei a encontrá-la. Está mais feliz do que nunca. Até a atmosfera da praia é outra e mesmo o sol parece mais gentil. Sei que Seu Avelino nunca mais vai voltar. Ele desapareceu junto com as ruínas da casa. Hoje também é o dia que termina minhas férias e que amanhã eu deveria voltar ao trabalho. O gerente e os colegas de escritório devem estar curiosos pra saber como eu estou. Olhei-me no espelho antes de dormir e acho melhor que eles não saibam. O que vi foi uma caricatura de mim mesmo, esquelético e com os olhos negros. Mas aqui estou feliz. Tomei os últimos dois frascos de comprimidos de uma só vez e é quase impossível voltar. Não quero voltar mais. Só quero saber o nome dela e aprender a viver por aqui, onde o tempo não anda tão depressa e a dor não existe de verdade.
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