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Boas práticas de Economia Circular na Fileira Casa

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Anexos

Anexos

Uma análise aos resultados do inquérito, complementado pela realização de entrevistas a alguns associados da APIMA permite concluir que:

As empresas do setor são PME e mais de metade tem décadas de atividade.

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Consideram pouco relevante realizar avaliações para conhecer os impactes ambientais associados à sua atividade, certamente por considerarem que já os conhecem e já tomarem medidas para os reduzir.

Revelam por outro lado que ainda têm de conhecer melhor a economia circular para a aplicar, considerando que ainda existe muita falta de informação sobre o tema. No entanto, como se verifica pelos resultados do inquérito, diversas empresas já aplicam estratégias que contribuem para a economia circular, mesmo não tendo noção de que é esse o efeito. Muito se deve ao facto de as estratégias de economia circular, no fundo, retomarem práticas antigas de períodos em que os recursos não estavam tão facilmente disponíveis, onde o normal era usá-los com parcimónia.

O resultado apresentado pelas empresas em relação à otimização dos seus processos revela que, apesar de esta ser realizada sobretudo com base na otimização de custos, tem muitas vezes como resultado melhorias ambientais. Aproveitar o desperdício de materiais em benefício da empresa, reduzir ou eliminar o uso de solventes sintéticos, subcontratar determinados trabalhos evitando a aquisição de maquinaria para uso esporádico, por exemplo, demonstram cabalmente que medidas positivas para o ambiente podem e devem estar associadas a medidas de redução de custos.

Com base no conjunto de estratégias para a economia circular e para o design ecológico e no levantamento de casos de boas práticas, definem-se 10 estratégias a adotar pelos atores da fileira casa para promoverem a economia circular “dentro e fora de portas”:

MODELO DE NEGÓCIO ESTRATÉGIA DESCRIÇÃO SUMÁRIA

Otimização

Colaboração e partilha

Sistema de produto-serviço Produto como serviço

Reduzir

Partilhar

Aumentar a eficiência na produção, consumindo menos recursos Privilegiar materiais e energia renovável

Desenvolver soluções de aumento do uso da capacidade dos equipamentos e produtos

Vender o serviço que os produtos providenciam

Prestar serviços de reparação e manutenção para prolongar a vida útil dos produtos existentes no mercado

Extensão do tempo de vida útil Reparação e manutenção

Valorização material

Marketing para a sustentabilidade Modularidade e Atualização (upgrading)

Produzir produtos em que podem ser acrescentados ou retirados módulos, consoante as necessidades. Melhorar o desempenho do produto através da atualização dos componentes existentes com componentes mais recentes.

Remanufatura

Recuperar e executar restauração ou melhoria da funcionalidade original dos produtos

Reciclagem Usar materiais reciclados e materiais recicláveis na produção

Valorização

Comunicação

Valorizar materiais desperdiçados (exemplo, uso de serrim em caldeiras, uso de subprodutos como matérias-primas)

Promover a economia circular ao comunicar as boas práticas da empresa

Nos parágrafos seguintes apresentam-se casos de aplicação das estratégias à fileira casa, em empresas associadas da APIMA e outros casos internacionais. Em cada caso são assinaladas, recorrendo aos ícones da tabela anterior, as estratégias que a empresa está a aplicar.

Otimização dos processos

Os limites do planeta determinam que no século XXI a evolução tecnológica e as boas práticas terão de ser orientadas no sentido de garantir ganhos de produtividade com os recursos. A economia circular pretende precisamente transformar as atuais ineficiências nas cadeias de produção-consumo em valor económico e ganhos ambientais.

As empresas têm de gerir de forma ecoeficiente a energia, as matérias-primas e os materiais auxiliares, através de boas práticas de otimização e com recurso a equipamentos mais eficientes.

Otimizar significa assegurar o rendimento ótimo de uma máquina, uma empresa, uma ação, criando as condições mais favoráveis ou tirando o melhor partido possível da mesma. A otimização ambiental significa assegurar este rendimento ótimo ao nível do consumo e uso dos recursos materiais, energia e água. Quanto mais otimizado o processo, menor o desperdício e menores os custos de produção.

A AM Furniture12, fundada em 1962, é uma empresa essencialmente exportadora que apresenta uma forte preocupação em melhorar e avaliar as suas práticas de qualidade, sociais e ambientais. Esta preocupação reflete-se pela grande quantidade de certificações obtidas pela empresa, como a ISO 9001, ISO 14001, NP 4427, PEFC e FSC – chain of custody. Numa lógica de melhoria contínua a AM Furniture adotou uma política zero resíduos nas suas instalações, reaproveitando e valorizando todos os desperdícios. Os materiais sobrantes são aproveitados, nomeadamente, para produzir equipamentos ou estruturas de apoio à produção.

A A. Brito13, empresa de cariz fortemente exportador, fundada em 1970, especializou-se em mobiliário modular, tendo desenvolvido um layout industrial preparado para produzir centenas de modelos diferentes a partir de uma mesma base de componentes.

Para este objetivo a empresa investiu fortemente na otimização dos processos “com equipamentos e pessoal produtivo e não produtivo mais eficientes, designadamente ao nível de um gabinete técnico e administrativo mais cotado e um parque industrial devidamente organizado e estruturado. As sinergias criadas entre estes dois fatores permitem que a empresa esteja dotada do conhecimento e saber fazer para enfrentar as exigências das conjunturas políticas e ambientais.” Exemplo disso é o facto de atualmente utilizarem misturadoras, que permitem a redução de solventes, mas também a aposta num armazém inteligente que aumenta a eficiência do processo e, consequentemente, implica uma poupança ambiental.

A Zagas14 é uma empresa com mais de 70 anos que privilegia desde sempre a utilização de madeira maciça e óleos naturais na confeção dos seus móveis. Para a empresa, a sustentabilidade “mais do que uma tendência é uma responsabilidade e nesse sentido orienta a pesquisa para oferecer aos clientes soluções mais sustentáveis”. Além da aposta nos materiais “mais naturais” a empresa tem apostado fortemente na otimização dos processos de produção e no aproveitamento de todo o desperdício resultante desses processos. Como refere Albano Silva, CEO da empresa: “Aproveitamos os resíduos da madeira para queima, por um lado, para usar na caldeira para aquecer a empresa, por outro lado para aquecer a água das prensas. O nosso ponto de partida é reduzir custos e otimizar ao limite. Por exemplo, as pontas que sobram são por vezes aproveitadas para fazer partes interiores dos móveis, porque fazemos uma espécie de aglomerado que aproveitamos. E no limite, como disse, são aproveitados para fazer briquetes para o aquecimento da empresa.”

Albano Silva considera mesmo que as empresas teriam vantagem em colaborar no aproveitamento comercial desses desperdícios: “uma ideia que eu tenho é a de um dia financiar uma tese de mestrado ou doutoramento que analise o potencial do aproveitamento dos resíduos das empresas desta área ligadas ao mobiliário. Aqui nesta zona muitas pessoas têm em casa o seu fogão a lenha, a sua lareira ou salamandra e pode ser uma forma de aproveitar resíduos que estão próximos.”

A Zagas apostou também no design para otimizar a distribuição dos móveis: “Usamos cavilhas e ligadores metálicos em vez de espigas de madeira para possibilitar que os móveis vão desmontados no transporte. Por duas razões: uma é a possibilidade de podermos transportar mais peças de cada vez e outra prende-se como facto de em alguns países ser vantajoso fiscalmente enviar os móveis desmontados para serem montados e embalados por empresas locais.”

Reduzir o uso de matérias primas virgens

Outra forma de contribuir para a produtividade dos recursos é apostar no aproveitamento de desperdícios de outros processos. Na verdade, grande parte dos resíduos descartados são materiais com valor, que perdem esse valor no preciso momento que são colocados em aterros industriais ou sanitários.

A Magna Natura15 é uma marca registada The Cork Magicians Company, criada em 2013, que produz mobiliário, revestimentos ecológicos e peças de decoração. Numa lógica de simbiose industrial, a Magnanatura usa como matéria-prima para os

seus produtos a cortiça, que constitui um desperdício da indústria corticeira.

Fernando Américo, administrador da empresa explica: “Estamos a usar um subproduto que não serve para a indústria das rolhas nem de outros produtos. Geralmente vai para triturar mesmo sendo cortiça nova, e nós fazemos um upgrade, valorizando aquela cortiça. Apesar de usarmos a cortiça no seu estado mais puro conseguimos dar-lhe um ar refinado”. Por outro lado, a produção da cortiça em montado está fortemente associada à preservação da biodiversidade: “Nos nossos produtos a cortiça é o elemento essencial até por estar associada à dimensão de manutenção do ecossistema”.

Mas a empresa não pretende ficar por aqui: “Num outro projeto que estamos a desenvolver vamos usar outros materiais descartados, como madeira, aço, ferro. Vamos recolher esses produtos por exemplo em estaleiros de construção civil - partes de luminárias, madeiras de vigas e soalhos etc. Vamos recuperá-los, recondicioná-los e integrá-los em novos produtos que vamos conceber.”

Fernando Américo reconhece que a Magna Natura não veio para se posicionar “no mercado mais tradicional, porque esse já está cheio de boas empresas e boas soluções”. E acrescenta: “Nós estamos a posicionar-nos mais para mercados que dão mais valor à sustentabilidade como é o mercado do Reino Unido e o da Alemanha.”

A Cork Magicians defende também fortemente a cooperação entre as empresas, no sentido de rentabilizar os equipamentos e as especialidades dos trabalhadores (ver secção Cooperação, sistemas produto-serviço). Nesse sentido, a Magnanatura privilegia a subcontratação de outras empresas para as diferentes fases da produção dos seus móveis.

A Tapeçarias Ferreira de Sá16, é uma das maiores e mais antigas empresas a produzir tapetes de luxo na Europa. De acordo com a comunicação da empresa, na produção são

usadas “matérias-primas ecológicas e sustentáveis, produtos químicos não poluentes

e um vasto processo de reciclagem”. A empresa privilegia o uso de materiais naturais produzidos de forma responsável, como é o caso da New Zealand wool, uma lã sustentável e biodegradável de acordo com o padrão Responsible Wool Standard (RWS), fibras de Mohair (biodegradáveis), a seda botânica - fio natural, biodegradável com o selo EU Ecolabel, entre outras matérias.

Mais recentemente, a Ferreira de Sá lançou uma coleção hand-tufting 100% sustentável, a Circular Collection, onde combina matérias-primas regeneradas, como é o caso do Econyl17, um fio de nylon regenerado. O Nylon é proveniente de redes de pesca e das alcatifas usadas dos hotéis.

Esta matéria-prima tem a mais-valia de poder ser reciclada infinitamente sem perder propriedades, tendo assim uma grande contribuição na redução do aquecimento global até 90%, em comparação com as matérias primas proveniente do petróleo.

A darono18 (“dar o nó”) é uma marca de mobiliário têxtil e artigos de decoração fundada em 2013 cujos artigos são inteiramente artesanais, usando teares manuais e técnicas baseadas em nós, alguns deles usados pelos pescadores para trabalhar e recuperar as redes de pesca.

Os materiais usados na concepção das peças - como puffs, redes, tapetes, almofadas ou baloiços – são excedentes de produção de indústrias europeias, como por exemplo uma fibra composta por poliéster e viscose. Como refere Catarina Carvalho, uma das fundadoras da marca: “O nosso foco, que é a essência da marca, é trabalhar com o desperdício têxtil. Ou seja, tudo aquilo que fazemos tem por base uma trança feita com excedentes de produção têxtil. É um upcycle. Recuperamos materiais que seriam deitados ao lixo e transformamos numa trança, que tem tratamentos especiais para ser usada também em ambientes de exterior”19 .

Outros exemplos internacionais da aposta na produtividade e uso sustentável dos recursos são:

A ChopValue20 que recolhe pauzinhos de bambu usados em restaurantes no Canadá e nos EUA e os transforma em placas de madeira que são utilizadas numa coleção de mobiliário e artigos para casa. Segundo os fundadores, desde 2016 mais de 32 milhões de pauzinhos foram desviados dos aterros e transformados em novos produtos para a fileira casa que são, inclusivamente, adquiridos por alguns dos restaurantes que fornecem os pauzinhos usados.

A Stolab21, na Suécia, que criou linhas de produtos sob a designação New Life, criados e concebidos usando desperdícios ou resíduos dos processos de fabrico de outros produtos seus, que de outra forma seriam descartados ou incinerados;

A Emeco22, nos Estados Unidos, que foi fundada em 1944 para fabricar cadeiras leves para a Marinha dos EUA, resistentes à corrosão e ao fogo e que fossem à prova de torpedos (!). Atualmente a sua política passa por explorar e inovar continuamente formas de utilizar resíduos industriais e urbanos e materiais produzidos de forma sustentável, para criar e construir mobiliário. A confiança na sua política ambiental levou mesmo a empresa a passar a medir e divulgar a pegada carbónica dos seus produtos.

Extensão do tempo de vida dos produtos

O objetivo principal da economia circular é maximizar o tempo que os produtos, componentes e materiais são mantidos em uso. Idealmente, o que se pretende atingir é um ciclo ininterrupto que aproveita os potenciais de valor inexplorados na cadeia de valor tradicional.

O velho modelo económico tem-se concentrado em construir produtos e vendê-los, encorajando os compradores a continuar a comprar mais. O novo modelo, circular, passa por criar produtos duráveis e reparáveis assegurando que os recursos naturais são usados de forma mais eficiente.

A extensão da vida útil dos produtos ou dos seus componentes é conseguida apostando na reutilização, reparação, restauro, remanufactura ou realocação (de partes, ou componentes, em novos produtos). Quando estas opções já não são possíveis ou rentáveis, os materiais incorporados nos produtos devem ser separados e reciclados para incorporar novos produtos

Reciclar

Fim de vida

Renovar/ Remanufaturar

Reutilizar/ Redistribuir

Manter/ Prolongar

Partilhar

Figura 2 – Estratégias de extensão do tempo de vida dos produtos e componentes (Adaptado de Lemille, 2019)23

A LBF – Lino Barros e Ferreira Lda., é uma empresa com mais de 50 anos de atividade que concebe produtos cuja montagem recorre a sistemas de fixação em detrimento da colagem, para facilitar a substituição de componentes danificadas. A empresa apostou também na otimização no corte da placa, na aquisição de equipamento de menor consumo energético, na utilização de lixadoras com aspiração (e consequente aproveitamento do serrim na caldeira) e no reaproveitamento dos solventes como diluente.

Falando sobre a estratégia da empresa, Daniel Barros refere que “todos os investimentos que temos feito ao longo dos últimos 5 anos têm tido a preocupação da sustentabilidade. Tentamos aproveitar ao máximo os recursos que temos. O aproveitamento do serrim na caldeira é apenas uma das componentes. Temos atualmente 600m2 de painéis de energia solar e está nos nossos horizontes aumentar esta área”.

Sobre os produtos Daniel Barros afirma que “a preocupação com a questão da durabilidade vem de trás. Se o cliente tiver algum problema com as componentes dos nossos produtos, garantimos que estas podem facilmente ser reparadas ou substituídas. Esta possibilidade foi ainda mais desenvolvida quando fomos para o mercado internacional. Tentámos aplicar a possibilidade de reparar componentes danificadas, mas revelou-se muito dispendioso. Trazer o móvel do estrangeiro para retocar é caro em termos logísticos. Então começámos a desenvolver ainda mais a componente em que todos os nossos móveis e as nossas peças acabam por ser substituíveis.”

“Nós comunicamos aos nossos clientes (lojistas, profissionais) as vantagens da durabilidade e da possibilidade de substituição, é-lhes dada formação nesse sentido, precisamente para poderem argumentar e vender com base nestes argumentos e nestas características. Se isso é usado como argumento de venda ou não, não sabemos. Mas sei de clientes que adquiriram móveis há anos e que vão à loja pedir substituição de peças. Sei que nem questionam se é possível, assumem logo que a peça é substituível. Por isso presumo que esta possibilidade será de alguma forma comunicada ao cliente final”.

A JLC24 é uma empresa na área da decoração de interiores, especializada na conceção e produção de coleções de mobiliário clássico e contemporâneo, iluminação e artigos de decoração. É também editora de uma coleção própria de tecidos.

A maioria dos móveis da JLC são feitos por medida, indo ao encontro das necessidades dos clientes. No entanto, a empresa está a pensar em preparar uma coleção com peças modulares, permitindo, nomeadamente, a aquisição faseada das peças dessa coleção ou de componentes das mesmas.

Como atividade complementar e sempre que se justifica, a JLC retoma móveis que, depois de devidamente recuperados, são comercializados em espaço que detém para o efeito.

A SERIP25 é uma empresa com 60 anos de história na fabricação, desenvolvimento e criação de iluminação decorativa de luxo. Na última década, exportou para mais de 90 países, fundamentalmente para profissionais da área da decoração, Designers, Arquitectos, Contractors e Hospitality.

Nos últimos anos a empresa tem apostado no desenvolvimento de mecanismos para a desmaterialização documental, reduzindo drasticamente a dependência de recursos físicos, atribuindo prioridade ao uso dos meios digitais em vez do papel.

Tratando-se de uma empresa com várias décadas, o processo de mudança e de redução do uso destes recursos tem sido gradual com adoção de novos procedimentos e uso de ferramentas para reduzir ainda mais esta dependência. Segundo a comunicação da empresa, “a realidade virtual veio contribuir para acelerar esta mudança, com o surgimento, por exemplo, de sistemas de armazenamento digitais de documentos na cloud, que vieram permitir uma maior flexibilidade para a concretização destes objetivos internos.”

Foi igualmente criado nos últimos anos um Departamento Técnico & Qualidade, que acompanha ao pormenor a produção, garantindo a qualidade, evitando o desperdício e assegurando a reciclagem e o reaproveitamento de todos os materiais nos processos de fabrico: existe uma clara tentativa de aproveitamento dos desperdícios, “por forma a que possam ser utilizados como materiais reutilizáveis. A utilização de materiais duráveis, como o vidro e bronze também reduz o impacto ambiental que a produção “do nosso tipo de produto poderia ter a curto ou médio prazo.”

“Ainda relativamente ao produto e respetivo fabrico, a utilização exclusiva de iluminação LED nas nossas peças, tecnologia mais eficiente em termos energéticos, mais económica e mais durável, tem um impacto claro para uma utilização mais eficiente dos recursos existentes, aumentando por outro lado a competitividade na indústria, contribuindo para uma economia mais sustentável.”

No final do processo de fabrico, o embalamento é considerado pela empresa outro dos elementos importantes para uma efetiva redução dos impactos ambientais: “A utilização de material reciclado como o OSB para o embalamento é uma excelente alternativa que é utilizada, face a qualquer outro material, pois confere segurança, robustez, imagem cuidada e simultaneamente uma possível reutilização desse material pelo final destinatário da mercadoria.”

Exemplos internacionais revelam-nos também algumas das boas práticas adotadas com vista à extensão do tempo de vida dos produtos e componentes:

A empresa inglesa Benchmark26 de mobiliário em madeira desenvolveu um sistema de retoma, em que o cliente pode devolver o seu produto usado. Este é então remodelado, reequipado ou doado pela empresa a instituições sociais.

De forma semelhante, a IKEA, multinacional de mobiliário, criou recentemente o “Serviço 2ª Vida”. Através de uma ferramenta online é feita uma avaliação preliminar dos móveis da marca de que o cliente se pretende descartar, o cliente entrega o móvel montado, um colaborador avalia-o para confirmar a oferta e o cliente recebe um cartão de reembolso com a quantia acordada para gastar na loja.

A Etsy27, marketplace online de produtos da fileira casa, tem no seu website uma secção com mais de 6000 entradas só dedicada a mobiliário recuperado, sendo um importante meio de escoamento destes produtos que têm um importante potencial de mercado, nomeadamente junto das novas gerações

Cooperação, sistemas produto-serviço e marketing para a sustentabilidade

A economia circular pratica-se e promove-se para além da fábrica. Pratica-se através da cooperação e da adoção de novos modelos de negócio, e promove-se comunicando as ações da empresa em termos de sustentabilidade.

Analisando a realidade das empresas da fileira, verifica-se que estas estratégias são as que têm sido menos adotadas pelos associados da APIMA. Existe a este nível um grande potencial de melhoria das práticas e de retorno económico, ainda por explorar.

Cooperação – rentabilizar os equipamentos e as equipas

A colaboração efetiva na cadeia de valor da fileira casa é imperativa para o estabelecimento de um sistema circular. Muitas empresas adquirem grandes máquinas ou equipamentos que, por motivos de alteração de mercado ou mesmo de dinâmicas internas da organização, têm taxas de utilização muito inferiores à sua capacidade.

Como assinala Fernando Américo, da The Cork Magicians (Magnanatura): “há muitas carpintarias muito bem instaladas, com um bom parque de máquinas, e que estão paradas, subaproveitadas. É pena que existam muitas máquinas que custam centenas de milhares de euros, que são usadas duas horas por semana, mas que podiam estar a trabalhar 24 horas por dia.” E acrescenta, exemplificando: “podíamos fazer em Portugal como fizeram em Itália, onde criaram organizações que prestam serviços aos seus associados ou cooperantes. No caso das CNC, por exemplo, estas trabalham 24 horas sobre 24 horas.”

O administrador reconhece, no entanto, que isto já se verifica em Portugal, no caso dos acabamentos de superfície e no corte: “há empresas que prestam serviços de lacagem e há serralharias que prestam serviços de corte de plasma de chapa. Este é um bom exemplo em que é possível criar empresas numa lógica de cooperação”.

Um caso paradigmático das potencialidades deste novo modelo de negócio é o da empresa FLOOW228 que desenvolveu uma plataforma online de partilha businessto-business que permite às empresas e instituições de qualquer ramo de atividades partilhar a sua sobrecapacidade de ativos. Recorrendo a esta plataforma as empresas e organizações podem partilhar equipamentos, resíduos, materiais, serviços, instalações e pessoal com outras organizações, com benefícios financeiros, ambientais e sociais.

1 A empresa A regista na plataforma equipamento que não usa 100% do tempo e define a sua disponibilidade 2 A empresa B tem necessidade de determinado equipamento

3

Antes de proceder à aquisição do equipamento a empresa B procura na plataforma, verificando que a empresa A disponibiliza precisamente o equipamento de que necessita.

6

Através da colaboração a empresa A obtém rendimento extra, a empresa B poupa nos custos e ambas poupam energia e evitam CO2. 4

A empresa B contacta a empresa A, e se concordarem com os termos assinam o acordo e a empresa B paga via plataforma.

5 A empresa A envia ou disponibiliza o equipamento à empresa B

Figura 3 – Esquema de funcionamento da plataforma de partilha de equipamentos FLOOW2

Vender os serviços, não os produtos

Comunicação – dar a conhecer as boas práticas aos clientes e outros stakeholders

O modelo de negócio que substitui a propriedade dos bens por pagamentos com base numa licença de utilização é fundamental no quadro de uma economia circular. As empresas produtoras e vendedoras de bens devem começar a posicionar-se como fornecedoras de serviços, através de contratos de aluguer em detrimento da venda da propriedade do bem. Este modelo de negócio já se pratica há muito no caso do aluguer de mobiliário para eventos, mas pode estender-se a qualquer categoria de mobiliário (habitação, escritórios, hotéis). Numa primeira fase o público-alvo deste modelo de negócio é, sobretudo, aquele que pratica aluguer de apartamentos em curta duração (por exemplo estudantes), mas as vantagens das licenças de utilização facilmente se estenderão a qualquer cliente assim que o mercado expanda.

No mercado norte-americano já existem diferentes opções deste modelo de negócio. A Brook Furniture Rental29 apresenta três alternativas de serviço para casas de família, para escritórios e para estudantes: aluguer de peças de mobiliário individuais, mobilação de assoalhadas ou mobilação e decoração de uma casa por inteiro. A empresa oferece o serviço de planeamento da mobilação da casa e, para garantir a satisfação dos seus clientes, troca o mobiliário ou aceita devoluções durante a primeira semana de contrato.

A Feather30, fundada em 2017, aposta no aluguer de mobiliário durável e de qualidade permitindo que mesmo em alugueres de habitação de curta duração os clientes possam usufruir de qualidade e design. A Feather assume também pretender permitir a clientes que não possam adquirir a pronto determinado tipo de mobiliário, possam usufruir do mesmo. Para isso, a empresa oferece planos de aluguer de 3 e de 12 meses, renováveis, e permite ao cliente adquirir os móveis no fim desses períodos.

Com esta estratégia as empresas contribuem para reduzir a produção de resíduos associada ao aluguer de alternativas mais baratas, que não são construídas para durar, e rentabilizam os seus ativos.

Outra forma importante de as empresas promoverem a economia circular é usarem a comunicação e o marketing para disseminarem as suas práticas de sustentabilidade. As técnicas de comunicação evoluíram no sentido de transmitir experiências, emoções e partilha de propósitos com o consumidor. Desta forma, as empresas que se apresentam como promotoras de um ambiente mais sustentável, capitalizam no reforço do seu posicionamento competitivo.

Algumas empresas como a italiana Natuzzi31, a norueguesa Vestre32 ou a vel_you33 do grupo belga Veldeman, que se apresenta como a fabricante do “primeiro sistema de dormir amigo do ambiente”, têm-no feito de uma forma exemplar. A visita aos websites destas empresas permite perceber como a mensagem da sustentabilidade e da economia circular pode assumir um papel preponderante na comunicação das empresas.

Boas práticas - Estado da arte

O diagnóstico às práticas de sustentabilidade e economia circular dos associados da APIMA permitiu concluir que já são adotadas diversas boas práticas no setor sendo vários os exemplos de uma boa conjugação entre redução de custos e benefícios ambientais.

Determinadas estratégias para a economia circular são, no entanto, ainda encaradas com alguma desconfiança pelos associados, existindo a esse nível um grande potencial de melhoria e de aproveitamento das mais valias associadas. No quadro seguinte faz-se uma análise genérica do estado atual e do potencial ainda por explorar relativamente a cada estratégia de economia circular junto dos associados.

ESTRATÉGIAS ONDE ESTAMOS ONDE PODEMOS CHEGAR

Conhecer os impactos ambientais

A maioria das empresas não tomou qualquer medida no sentido de medir os impactos ambientais associados à sua atividade. As questões ambientais estão praticamente ausentes dos planos de estudos dos designers em Portugal, com consequências nas opções tomadas na conceção dos produtos. A transparência das empresas relativamente aos impactos das suas atividades é um requisito cada vez mais difundido em todos os setores de atividade. Adicionalmente, conhecer os impactos prepara as empresas para potenciais problemas associados a esses impactos, nomeadamente em resultado da evolução das políticas ambientais. Avaliar e comunicar a Pegada Ecológica ou Carbónica dos produtos e a disponibilização e publicitação de Declarações ambientais de produto são formas de demonstrar essa transparência, podendo constituir uma vantagem competitiva em determinados mercados. Apesar de as questões ambientais serem matérias cada vez mais divulgadas em diferentes meios de informação, qualquer opção tomada na conceção de um produto para reduzir um determinado impacto ambiental pode ter consequências em outros impactos ambientais. A sensibilidade em relação aos critérios ambientais exige conhecimentos e experiência. A formação em ecodesign é crítica para apoiar os designers a tomar as melhores opções e a saber onde procurar a melhor informação para apoiar a decisão.

Otimização (redução do uso de recursos)

Em geral, a fileira casa envolve setores que têm contribuído, tradicionalmente, para a sustentabilidade, seja pelos materiais que privilegia, como a madeira (recurso renovável) ou os metais (materiais permanentemente recicláveis), seja pela manutenção de algumas práticas artesanais. Os associados têm adotado medidas no sentido de otimizar os processos de fabrico, tendo em consequência conseguido atingir redução de custos de produção e simultaneamente baixos níveis de desperdício de recursos. Alguns associados têm instalado painéis solares nas suas instalações, o que permite reduzir a componente não renovável da energia necessária ao funcionamento das empresas. Diversos associados revelam-se preocupados com o excesso de embalagem que têm de usar para garantir a integridade dos seus produtos quando são distribuídos. Esta preocupação advém também do tipo de materiais que existem à disposição numa relação ótima qualidade-preço, implicando muitas vezes a opção pelos plásticos. É possível restringir cada vez mais o uso de soluções não renováveis (ex. º melaminas) e tóxicas (ex. º formaldeído) no fabrico dos produtos. O estudo de soluções alternativas e inovadoras ao plástico e ao excesso de cartão para embalagem pode ser oneroso para uma empresa individualmente, mas pode ser realizado numa lógica colaborativa entre os associados, envolvendo centros tecnológicos e centros de investigação universitários (projetos de investigação e inovação). Uma importante fração dos impactos ambientais indiretos do setor está associada à produção, extração e processamento das matérias-primas. Numa ótica de melhoria contínua e de responsabilidade alargada as empresas devem controlar as práticas dos fornecedores, - nomeadamente através de matrizes de avaliação de fornecedores - sensibilizá-los para a necessidade de adotar processos menos impactantes e exigir cada vez mais certificações ambientais dos materiais.

Colaboração

Diversas empresas da fileira recorrem a subcontratação para realização de determinados trabalhos de especialidade. Algumas empresas chegam a subcontratar trabalhos para as diferentes fases do processo de fabrico dos seus produtos, ficando a cargo apenas da conceção dos produtos, da sua comercialização e distribuição. Há empresas que trabalham para a fileira que se dedicam apenas a determinados serviços de especialidade como a lacagem ou o corte de plasma. É desejável alargar o universo de empresas que se dediquem a trabalhos especializados e que por essa razão garantam a rentabilização de equipamentos muito onerosos, que em algumas empresas acabam por ter taxas de utilização muito inferiores à sua capacidade. Numa lógica colaborativa conjuntos de empresas podem organizarse cooperativamente para adquirir equipamentos que sirvam ao conjunto de cooperantes (exº CNCs) e, eventualmente prestar serviços a outras empresas fora do universo da cooperativa. Para aproveitar todo o potencial do parque de máquinas existente é possível desenvolver uma plataforma inspirada na Floow2 para os associados da APIMA e outras empresas da fileira.

Produto como serviço

À exceção do aluguer de mobiliário para eventos e para escritórios, não existem soluções conhecidas de aluguer de mobiliário para apartamentos e moradias no país. Os associados da APIMA consideram, em geral, que adotar um sistema de aluguer dos seus produtos ao invés da sua venda, é uma solução que não é viável para o seu negócio A servitização (economia dos serviços) é uma das apostas do plano europeu para a economia circular (ver O pacto ecológico europeu e o futuro impacto na fileira casa). Os casos internacionais descritos demonstram a efetividade deste modelo de negócio para a fileira casa. Antecipando a aposta da UE na promoção deste modelo de negócio pode ser desenvolvida uma análise económica e financeira do modelo de negócio para a fileira no nosso país. Este estudo pode avaliar diferentes modalidades da servitização numa lógica de custo-benefício da alteração das práticas comerciais correntes.

Reparação e manutenção

Modularidade e atualização

Remanufatura

Entre os associados da APIMA já se praticam diversas estratégias de suporte à extensão do tempo de vida dos produtos: desenvolvimento de guias de montagem e manutenção, conceção modular e mesmo retoma para restauração. No entanto, o modelo de negócio da generalidade das empresas – venda a lojistas e não ao cliente final – torna a relação com o cliente final praticamente inexistente, desincentivando as opções de reparação, atualização e retoma. Assim, os exemplos de empresas que o fazem são ainda escassos. O distanciamento existente entre as empresas e os clientes finais pode ser reduzido recorrendo aos meios digitais. À semelhança das estratégias adotadas por determinados fabricantes de outros setores (ex. º equipamentos elétricos eletrónicos), as empresas da fileira casa podem criar plataformas de comunicação direta com os clientes finais: o cliente regista-se no website da empresa e passa a ter um veículo de comunicação direta com a mesma, podendo adquirir novas peças, solicitar serviços de reparação, adquirir novos móveis contra retoma dos antigos etc. As empresas do setor podem constituir, em conjunto, uma organização que pratique a retoma de móveis e outras peças, as encaminhe para recuperação nas empresas associadas e venda em mercados de 2ª e 3ª mão. O rendimento obtido poderia ser usado para organização de eventos de sensibilização do setor e projetos de investigação e inovação para resolução de problemas comuns.

Reciclagem

É comum, no setor, o uso de aglomerados de madeira e de materiais com elevada reciclabilidade, como os metais. Apesar de constituírem um aproveitamento de madeira residual, os aglomerados incluem na sua composição determinados produtos químicos (como resinas à base de formaldeído) que podem ter consequências na saúde humana. A reciclabilidade dos materiais que compõem os produtos da fileira casa só pode ser potenciada se os produtos forem desenhados de forma a facilitar a separação dos materiais (ex. º diferentes tipos de madeira, diferentes tipos de metais etc.) permitindo o correto encaminhamento desses materiais para a reciclagem ou valorização. A facilidade de separação também permite que algumas peças possam ser reaproveitadas para novos produtos, evitando o desperdício.

Valorização

Diversos associados da APIMA valorizam os resíduos (do corte) da madeira produzidos nas suas instalações. O uso mais comum é o aproveitamento destes resíduos para queima em caldeiras, permitindo o aproveitamento do calor para aquecimento das instalações e para o funcionamento de equipamentos que usem vapor. Também existe aproveitamento destes resíduos para outros fins como a utilização em partes interiores dos móveis (ex. º suportes de prateleiras e gavetas ou produção de massa de madeira). O aproveitamento dos resíduos da produção pode ser potenciado: 1.Através da colaboração (criando efeito de escala e, portanto, reduzindo os custos da gestão individual desses resíduos); 2. Pelo desenvolvimento de projetos de investigação e inovação que avaliem novas soluções de aproveitamento dos resíduos.

Marketing para a sustentabilidade

A comunicação das práticas de sustentabilidade e economia circular é ainda muito incipiente no universo dos associados da APIMA. As empresas devem divulgar as suas práticas e preocupações com a sustentabilidade, desde logo nos seus websites e nas suas contas nas redes sociais. É cada vez mais comum os websites corporativos terem uma secção dedicada à sustentabilidade. Outras empresas fazem da sustentabilidade o seu lema e os websites estão desenvolvidos em torno do tema, provocando a sensação no cliente de que adquirir aqueles produtos constitui um contributo para a sustentabilidade. A estratégia de divulgar as boas práticas, associada à criação de plataformas onde os clientes se podem registar, como referido anteriormente, permite criar uma imagem de transparência da empresa e atrair uma vaga crescente de clientes com preocupações ambientais. Adicionalmente, esta comunicação serve de veículo de promoção da economia circular, potenciando o seu desenvolvimento no país. É importante, no entanto, distinguir marketing verde de greenwashing, garantindo que não se usa a comunicação de forma abusiva, apresentando práticas que na verdade possam não estar a ser levadas à prática ou não estejam a ser levadas à prática de forma correta.

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