O Livro Amargo

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Urn homem chtrmaclo (]uillrcrnre,\'{illcr clissc' tltrc' .lt'srls voltarriai em 18'1,1. N4uitas pcssoas acrec'litaritrr ttclc, irtc. ltrsivt' um jovenr chamaclo Jerryl ,\'lcNoÌan. O l-ìvro t\tvturgo ('orìtlr jurstamente a histór:ia dc Jerryl. Apaixonaclo pcla jovem r\llice , ele não cotlscgt tc ctttt'tttlc:r os motivos cle os pais clela não Ihe pernritir:cln zì cortc. Apc'ttrts

dcpois cle conhcccr a mensagcnr rnilerita, fitralntct'ttcr clc

<.rs

;ritis

Allice permitcm o Ì]iÌmoro. No entanto,

o

jovem casii] cnfrentiì LlnìiÌ iÌrììiÌìgiÌ clcccpção.

C) que era clocc torna-se umar clura batalha t-ra v'icla

clc,lcrrvl c

AÌlice. So:á clue a sr-ra fé pocleria resistir iì t:sscr iìcontcciltrcnttiì Porém, há mnis, mr-rito mais, na história deles.

Ìrxpcrimente o sLrspcnse e a emoção clestc livro.

V<rcô taLn-

seÌÌpre há muito mais pclo clttc vivcr.

bóm vaí clescobrir

clLre

Denis Cruz.

cnr l)ireiLo, é senidor clo cluac'lro cÌo Nlinistério ['úblicr,r

gracluaclo

clo Nl:ito Cìlosso clo Sul.

ir casa

É:rutorclc Alémtk

Nlogì.a t: c{c

outros ìivnrs.

lmfiilrilflilil

B


Direìtos rÌe 1 ublicação reseruados à C,tsR Pugr-rcaoor,q. Bnasrr-erna Rodovia SP 127 km 106

-

Caixa Postal 34 - 18270-970 - Tatuí, SP Tet.: (15) l20t-8800 - Fax: (15) 3205-8900 Atendimento ao cliente: (15) 3205-8888

www.cpb.com.br L''

edição:

I

mil exemplares

2012

Oliveirr e Michelson Borges Ldpa e Projeto Grif ro: Elcso Granieri lhuaaçãa d.a. Capa: Thiago Lobo Imagens da Capa: Fotolia Fotos dos Personagens Reais: AFC EJìtoragào: Neila

IMPRESSO NO BRASIL I Prìnted ìn Brazìl

6. Dia de lestiral .......

Dados Internacionais de Catakrgação na Publicação ((ìlP) (Câmata Brasileira do Livto, SP' Brasit)

Cruz, f)enis O livro nmarl;o: <lurnclo o sonho não

7. Fogos B. Conirontos

se

.

realiza /

Denis Cruz. -'[atuí, SP: Casa Publicadora Brasileira. 2Ol 2.

....

10. A primeira

........

I

rsrJN 97rJ-rìt-145- rt33-7

.. ......., .........

9. Guilherme Miller

I. O pedido

corte

.

........ ....,

12. Emboscada .....

lìicção rcl igiosa I. Título.

I

..

.

....

3. Marcas

14. O duelo r r-1

l8t7

I5. Preparativos 16. O enlace

cDD-869.930382 Índices para catálogo sistemático:

..

...... ......

..67

17. Sinais I.

Irit çiìo rt'ligiosa: Literatura brasileira

IB.

869.930382

..71

Sacrilício ...... .,......

..75 ..79

19. Chumbo e pólvora .. 20. Petalas antigas ... ..

21. Tempo de tardança 22. O liwo amargo ... . .. 23. A nora esperança 'ltxlos

os clireitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, ;rrrr <lrrirlrluer meio,lem pr6uìa antorização escrìta ào autor e da Editora 'l

i;rrl,rgia: lrrirlìrld

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Std 45

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-

1231

1

121769

64

83 87

.

..

.

..92

.97

....

24. Remanescente fie1 ................. Apêndice l: O que aconteceu em lB44 Apêndice 2: Personagens reais Apêndice 3: Personagens fictícios

l0l .

106

r07

ilt


Para o tneu Deus, a quenx devo tudo. Paru a mìnha esposa Elisa' Seu sorriso enriqwece weus dias. Jatnais o ecamrttni2e. Para nxinha n+eninu Lívia,

criança ltnda e talentosa. Para o nrcu güroL7 Kalcl. Você é a expressão md-

xima

d.o

signtficado

d.e sew

nonte: "enttti'ado por Dews". Para os atnìgos qwe

nte ajudaratn ao longo d.esta jornada corno escritort Felipe d.e Oli:veìra,

Maeda, Keila Cruz, Haroldo Júnior, Francìellen Memdes os awad,os ìrncãos da

e

tantos outras. Para

lgreja Ad,temtìsta de Mwndo Nozo, MS.

fizeratn e fazeno wwìta d.ifurença em wìnha uida. E

Lwy

puror u7cê,

Swas orações

qwerido leìtor,

que teln tornaclo esta tarefa de escrever wn^t'erdadeiro desafi'o.

f\velho homem olhava para o céu e seu coração cra agracíado \-/um sentimento reconfortante: a esperança.

com

Sentaclo na cadeira de balanço da varanda na rústica casa de madeira sem pintura, ele oÌhou para o portão, por onde quatro jovens

entravam.

-

Boa-tarde, Sr. Jordan

*

disse

o

rapaz de camisa xadrez e calça

jeams, que se chamava Sam.

Boa-tarde, amigos - respondeu o homem, alargando um sorriso. - Vamos, entrem. - Meu pai mandou batatas - disse uma das moças que acompanhava os jovens. - Qr:e ótimo! Adoro batatas. - O velho esticou-se, pegou o saco com os tubérculos e o colocou ao seu lado. Olhou para os quatro jovens à sua frente, com estampado ar de inquietude (um olhava para o outro, como se dissessem "Vamos, falel'', "Não, fale você!"). Como ninguém iria dizer nada, ele mesmo puxou o assunto: - N{as vocês não vieram apenas trazer as batatas, não é? - Não, senhor! * falou Sam - Viemos pelas histórias. O homem deu uma grande risada. Recostou-se na cadeira e balançou duas vezes, - Está trem. Sentem-se.

-

_..]


OLHANDO PARA

S loLrvlì()AMARCC) ()s tlulttro sorrilittìì satisfeitos, oihando tlns Para os oulros. Sam puxot.t t-nìì lrrrnc'o. Vtnc'c Jill :rssentaram-Se no chão com o garoto nlais

ngvo, Mirtltc'1s (t,stc'tirrhat os cabelos vermelhos e o rosto cheio de sarclas; as cltns rno(:trs usiÌviìlrì vestidos de algodao, lclngos e dc um azul bem discrcto, conìUtìs rìrìs l)cclrenas cidades daquele início do século l9). - Jill, colttrluc ils l)iÌtatas para cozinhar. Será umiÌ longa história; por isso, é bom tcrrrros rlgtt para comer mais tarde - falou o homeirr'

-

Eu sei fazcr pLtrô cljsse Vane. Seus pitis sabcnr (llle vocês poderão demorar aqui?

-

Pergllntou

o Sr. Jordan.

Sim - rcsporrcÌerr Sam. Avisamos quc iríamos pedir que o senhot: contrÌsse urna história. Sc derrrorarmos, saberão que estamos aqui. - As batatas estão cozir-rÌranclo clissc Jilì. Cìolocluei rrrais clois pedaços cle mardcira no lìtgo, c, l)or ltalitr lrisso, sLtt lcnha cortatcla está no fìm. Eu possg cortrìr a lcnha mais tlrrrlc', otr irrnluthiì, sc o scnhor qtriser

-

-

disse Sam.

l,'aìarclrtos clisso clcg>ois - resl,oltclc'rr o ltonrcrrr. Mas j/l aclianto que scriit tlt' glitndc arirrcla. Podernos ctlllrcçitrì A rcsposlir ('strìvrì r-ro olhar dos quatro.iovc'ns, (luc s('lr.icitararrr cla melhor lìrrrrrir lrossívcl. Hntão, o Sr. Jorclarr illit iott.

-

Unt horrrcnt chanrado Guiihcrmc N4illcr clissc c1Lrc Jcsus voltarja em l,çJ44. N4r-r itas lìcssoas acrecÌitarant nc'lr', c'rrÍrc c[aS, um jovem char-r-racl0.lcrryl McNolan. E a história d..lC cILrc vou contar paravocês âgora...

-ai:i-' It'rlyl McNolan saiu da ferraria. Olhor-r ì)itra o alto e vlu o sol do r,.'r'iro tÍc 1i342. Sentia um calor intenso, pois acarbara de sair da frente ,lrr lìrrrrallr,r, oncle batia uma barra de ferro PiÌlra seu pai, o Sr. Noian lVlc Nolan.

lirrxLrgoLr o sLtor com o punho da camisa e ahsou o ar,ental de couro slrrraclo. l)rlr nrrris cìuente que fosse a roupa, ela era uma prOleção Contrtr o fogo c sLrAS ltaíscas.

gritou o Sr. Nolan de clentro do galpão c1a ferraria. ljstá con'r calor hoje? - Deu uma risada com seu gracejo. - Aqr-ri fora cst/r mais fresco - sorriu o filho. Quer água? Acho que vou buscar un'r balde no poço.

- Ei, íìlho! -

-

Quero. Aproveite

e

o ALTO I 9

jogue Llm na cabeça, para esfriar a cucar. Te-

mos três arados para terminar.

Jerryl encaminhou-se para os fundos. Jogou o balde no poço e o puxou com a manivela de madeira, com seu peculiar e ríf,mico "clanc, clanc". Bebeu a água fresca em uma caneca de metal, reita peÌo próprio pai. . Qr-Lancl<-r entrou no galpão, viu Nolan parado na grande porta dupla. À Írente dele estava ur-,-r ho-"- bem vesticlo, qr" ãirio, - Você mc cleve um cavaÌo, McNolan. Jerryl o reconheceu imediatamente. Era Zachary Brat, um dos burgueses do Condaclo Novo, no estado de Nova York. Um encrenqueircr com roupas finas e um sobrenome desejado pela marioria das mclçers das outras famílias.

- Não dcvo nada para vocô, Sr. Brat disse o senl-ror McNolan enquanto Jerryl se aproximava cleles. NIeu cavaÌo quebrou uma cÌas patas depois que você colocou ferraduras nele, ferreiro dissc Zachary, com tom arrogante. Arrumou o chapéu fino na cabeça e alisou o bigocle sobre um sorriso cínico. -'Iive que sacrifìcar o animaÌ por sua culpa. Se seu cavaÌo quebrou a pata, não foi em razão das fer:rzrduras novas que coloquei. - Cuidaclo com o tom, fèrreiro. - Ao dizer isso, dois capangas se coÌocaram ao lado cle Zachary e as mãos de ambos se apoiaram no cabo de revólveres que traziam à cintura. JerryÌ repetiu o gesto, ficando ao lado clo pai, mas não tinha arma para impor presença maior que a dos comparsas de Brat. - Vá para casa, Jerryl - disse Nolan. Mers o Íìlho não obedeceu. - Pague o que me deve, lVlcNoÌan, ou vou quebrar uma das suas pernas - ameaçou o burguês. - Nao me venha com ameaças, Sr. Brat - clisse o ferreiro com um tom cle indignação -, ou Ìevo nosso caso para o xerife Brautigarn. O homem cleu um passo em direção a Nolan, ficando a menos de um palmo de se u nariz. Faiou com o mesmo tom ameaçador: - Nada aqui scrá resolviclo na presença do xerifè. Vamos fazer dai maneira antiga, McNolan. Como homer-rs de verdade. Cowto cotardes ile verd.ade, pensoll Jerryl, oÌhando para os homens armados, mas preferiu não f'alar nada, ou iria piorar a cena. - Scu ar,ô jamais aprovarr'tr isto! * argllmentou Nolan. - N.'leu falecjdo avô não tem nada a ver com nossos r-regócios


10 | o

LtvRoAMARGO

clisse o burguôs, apoiirnclo a mào direita no trabalhado cabo de um fÌorctc cluc trazitr nar cinta. A esparcla fora feita pelo próprio NIcNolan e clarda clc prcsctrtc a um de seus melhores amigos do Condado Novo' o Sr. Cìustaph lìrat, o patriarca daquela família. - Trinta dias, ferreiro. Esse é o prazo (lllc cLì dou para você indenizar meu prejuízo. - F'le se virou e saiu Para â rlla poeirenta do condado, com seus dois homens mal-encartrclos no cncaÌço.

O ferreiro tirou o chapéu surrado e coçou o calvo cocuruto' um gesto que sempre repctia quando estava preocupado com algo. Jerryl

bem sabia. - O que foi isso, pai?

Maluquice dessc homem, Jerryl. Ele culpa minhas fcrraduras no.1to,ln de scul cavalo e quer quc eLÌ o indenize pela perda do pela vas

-

animal. - E o senhor vai pagar? - E como eu poclcrin pagar o valor clo uy'pukxxttt clo llrilt? Sem perccbeq Jcrryl repetiu o gcsto tìcrvoso cl<l 1tai, coçrinclcl a pró-

pria cabcça. - Vtmos voltar ao trabalho - dissc o Sr' lVlcNolarl. O jovent xtravcssou a bagunçada Ícrrariir, chciir clc ntctitis pcnclurados e pcças csc<lrarclas por todos os lados. l,oi lrtó a lìrrrralha e felnexeu numa placa clc rtrctul mergulhada na brasa. (lotn Lttl f'ole, soprou as brasas c;r-rc Íìcirrarn ainda mais vermelhas. l)uxorr coln um alicate o metal e o colocou sobre a bigorna, modelancltl sttit lìrrnra com Pancadas de martclo. A cada batida, uma miríade cìc laíscirs cintilava e morria no chão terroso.

l\T: dia seguinte, a pedido da nãe, Jerryl foi aré o armazém clo I \ Sr. Fearnot comprar alguns mantimentos. A meio caminh,o de seu destino, o jovem viu um garoto em frente a um outro armazém clue vendia guìoseimas.

-

chamou ele. O menino respondeu com um imenso sorriso. JerryÌ! - disse o garoto depois de atravessar a rua. - Tudo bem

Jclel

-

com você?

- Sim. Estou ótimo! disse JerryÌ, mas oÌhava por sobre os ombros de Joe, como se procurasse mais alguma coisa. - Você está sozinho? - Nao. Vin com meu pai e com minhas irmãs. Olhe! - ele tirou do

bolso uma pequena faca, com cabo metálico. - Eu a trouxe comigo. Tcm sido muiro útil. Jerryl pegou a fãca na mão e confèriu o fio, venclo que estava bem afiada.

-

É ód-u para descascar frutas e reahzar outras tarefas emergen-

ciais na fazenda

I

\1t1ttlrxr,,t('

rrìr

rirçlr tlt' crvalo ttrmbém conhecida colno

ctrvalolin|ado

-

disse Joe.

Um mês antes, o jovem ferreiro, aproveitando a visita do pai daquele garoto na ferraria para fazer a encomenda de um arado, o presenteou com uma faca (ferramenta muito útil para uma pessoa da área rural). A partir daí, Joe o considerava um grandc amigo. * E não é melhor você estar junfo de seu pai? disse Jerryl, sem tenteìr mostrar muito interesse.


o vrA,ANrË | 13

12 lO LtvRoAMARCO

- disse o garoto. - Já estou indo lá. ao lado de Joe, conversana caminhar e começou Jerryl estremeccu

-

Ele está no armazém clo Sr. Fearnot

do ã]eátoriamente até chegarem à venda. Subiram os três degraus de madeira e atravessaram a portinhola. Duas pessozrs es[avam sendo atendidas no balcão de madeira amarronzada peÌa poeira e oLltras duas andavam por entre rústicas Prateleiras. Oi cheiros do ambiente se misturavam, mas o aroma de carnes rcssecadas e clefumardas preclominava. F,ntre uma clas pratelóiras, Jerryl viu uma moça com vestido longo e discreto, num tom pérola, olhanclo uma peça de tecido. Era Aliice, A pele bianca combinava perfeitamente com o tom loiro irmã de Joe.

cle seus cabelos lisos.

Oi, Allice - disse ele aproximando-se c tentanclo controlar o descompasso emocional ao ver a Elarota. - Oi, Jerryl - respondeu ela c<ltl-l rttl s<lrris<l' -ltic sefezatproximou, Para meu alternanclo o olhar cntrc os dois. - l,lLr vi a ltacir rlttc vrlcê mttittl. gostott irmìo. f,le você também' - Eu... È.,... gagucjou McNolan' l-tr lìz algo l)ttra Nlats, antes de sr-trraclo. palctti ckr Ele enflor-r a mão no bolso interno atrtrrazí't.t-t: clo tirar, o Sr. Geralcl Norton gritou clo or-rtr<l lac|r -Allice Iì Jlt encontrou o que procurltvit? _ Nao, pai responcleu a moça, af'astanckl,sc, irrconscicr-itcmente, um passo de Jerryl. tom Sever', - Entao deixe para outra Vez - gritor-r tt lttltrtt'ttt r'ìLlm que a filha ver ao lìc!{ra da botina a ponta batendo impacieniemente pegou Joe cabeça, a abaix,Lr Allice gesto, não foi atA e te. Entendendo o aPcrras' dissc pelar mão e sariu pela porta. O menino -'fchau, Jerryl! I jovem c1r-rancki o homem também ferreiro o .hat.ì:ìo., Norton Sr. -

-

st' viroLt parra ir embora. gcraÍcl parour sob o umbral da porta. Jerryl sc aproximou e disse Acho clue o senhor me conhece, soLl... O Íìlho cle McNolan, o ferreiro' Sim, eu o cor-rheço

Scnhtlr, caso não se importe, eu gtlstaria de l)itfiì...

Não clucro você na minha fazencla

-

ir até sua

,

fazenda

interrompeu Norton, seca-

rrtt'tttc. N,las..

.

Olha, É{âroto, sei muito bem quais são suas intcnções' Saiba que

tìlto ('stalÌos ltrocuranclo um namorado para nossa Allice' Nãcl aprovo

l.,

sua corte e não me faça ser mais cÌaro do que isto. - Ele se virou sem dar oportunidade para qualquer outra palavra. erryl Íìcou ali, engasgado com o complexo conjunto de argunentos -f previamente ensaiados. "Sou de uma família conhecida na cidade", ' já

tenho uma profissão e minhas próprias ferramentas para exercê-Ia", "frequentamos a mesma igreja aos domingos", e aí por diante. Recostou-se no baicão e empurrou a Ìista de compra para o Sr. Fearnot, que a pegou com sua carranca mal-humorada de sempre. - Não se preocupe com essas coisas pequenas, garoto - disse um homem de barba branca e espessa recostando-se ao seu lad<_r. Jesus vai voltar muito em breve. O olhar qr-re Jerryl direcionou para o homem fbi de franca surpresa. Não pela frase que ele usou, mas por ter visto e compreendido ioda a cena que se desenrolciu entre ele e cl Sr. Norton. Outras pessoas tatubún Ttcrceberctnr?. pensou o jovcm.

*

Lá vem você, Têd, com essa história de Jesus voltando - disse Fearnot, colocando uma piÌha de sacos no balcão. - Você acreclita na Bíblia, Fearnotì - perguntou Ted. - CÌaro, sou metodista, como você. Então, meu caro. A Bíblia diz que Jesus vai voltar até 2l de rnarço

de 1844. - Onde está escrito isso, Têd? * desafiou o dono do armazém. - Não está escrito em nenhum lugar, velho maluco. Tem que in-

terpretar.

- l\llaluco é você - disse Fearnot, fazendo um gesto com a mào. Farecia que estava espantanc{o uma mosca, e voltou para pegar outros itens da lista dos N4cNolan. - Como é isso? - interessou-se Jerryl. - Já ouviu falar de Guilherme MilÌer?

Acho que sim. Eu o conheci, há uns dez anos, num barco, enquanto viajava pelo rio Hudson - disse Ted. - Quer ouvir minha história? Jeri.gÌ olhou para o dono do armazém e viu que demoraria um pouco para completar a listn. Ì\,leneou aÍìrmativamente a cabeça e Ted

-

-

começou:

- Bem, garolo, sou um viajante. Ando por aí vendendo minhas tralhas desde qlle me entendo por gente. Em 1833, eu estava num barco, viajando pelo rio Hudson. Eu discutia com outros viajantes sobre os avanços que \iemos uitimamente. Essas maravilhas todas, você sabe


14 | O LrvRoAMARco

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bem: luzes de gás, máquinas de extrair caroços de algodão, comidas em latas, fotografia, colheitadeiras, trens a vapol essas coisas. O próprio barco em que estávamos era a vapor, soìtando sua fumaça negra sobre nossas cabeças e deslizando numa velocidade sem igual. Num certo momento da conversa, um dos homens chegou a dizer que as coisas não podiam continuar daquele jeito, ou em trinta anos o homem se tornaria mais que humano. Ted fez uma pausa e continuou: - Nesse momento, outro homem se aproximou de nós. Disse que seu nome era Guilherme Miller e citou com suas palavras Daniel l2:4: "Nos últimr)s dias, muitos correrão de um lado para o outro e a ciên-

cia se multiplicará." Achamos interessante a visão daquele homem

e

esperamos que ele continuasse a falar. E continuou. Miller começou a contar sobre as profècias do liwo de Daniel, cxatamentc nos capítulos 11 e 12, dando uma síntese sobre a história do rnunclo. Ficamos todos boquiabertos com o que eÌe falava, até cyucr Íìrrulrnente ele se desculpou, dizendo que não queria ter tornackr tanto do nosso tempo. Na verclade, nem notamos que havia passaclo tanto tempo assim. Durante a viagem, continuamos no encalço clele c- ouvimos coisas interessantíssimas sobre o livro de Daniel, incluír-rclo Lrma profecia sobre 2.300 tardes e manhãs que, segundo Miller, prccliz o retorno de Jesus para muito em breve, aproximadamente em lU43.l - E como é essa proÍècia? - perguntou Jcrryl. -Ah, garoto. Eu tinha alguns panfletos (ÌLrc, na época, peguei com Miller. Também achei outros impressos por aí, l]alando do assunto, mas já distribuí tudo. - E tudo balela - disse Fearnot. - Esses rrrileritas são todos uns desocuparcÌos. Estão é torcendo para que o munclo acabe. Sinceramente, ('sl)cÌro qr:e não apareçam aqui na nossa cidiicle com essa história. - Lamento desapontá-lo - disse'led corn unr sorriso. - Mas o pastor Arratoli convidou um pregador milerita para explicar a tese das 2.300 tirrdes c manhàs na sua congregaçào. meLl ciìro amigo. Fearnot soltou os sacos sobre o balcão com violência. Fechou ainda mais a carranca e voltou para outra seçào de produtos.

f erryl r,oltou para casa pensanclo tanto na postura do Sr. Norton em permitir sua aproximação de Allice quanto nas palavras cle Ted. JAndava ".uo

pelas ruas do condado Novo puxándo uma Ëarrocinha cheia .h"gu, em casa, situada mais aos

cle p-rovisões para o mês e, quando

fundos da ferraria, na extremidud" .,oit" da pequena vira, aiudou a mãe, Sra. Marta, a descarregar e guardar a compra. - Está preocupado c_om alguma coisa, Jerryì? _ perguntou a mãe, notando a expressão do Íìlho. o jovem sorriu desconcertado, pois não esperava deíxar marcada rras feições sua atuaÌ condição.

- Ainda não sei se é algo para preocupação _ disse ele, evasivo. _ Mas prometo que contarei se realmente merecer atencão. Nesse momento, chegaram à despensa os doís i.-ão, mais novos, lìalph e Palmer, evitando a conrinuidìde da cena. * touxe

-

Nãol

-

perguntou palmer do vão da porta. respondeu Marta. - Seu pai mandou que comprasse na

doces?

-

rrrercearia do Sr. Fearnot.

- se ele vendesse doces, tenho certeza de que teria uma cara - resmllngou Ralph, enquanto ]erryl lhe despenteava

nlenos amarga o cabelo. L

Daclos extraídos de

(ì NIcnyn Nlarrrcll, Hì:tòrìa doAdventisruo (SantoAndÉ,

BrasiÌeira, \982), p. 22, 23.

SP: Casa Publicaclora

. - Papai vai me dar uma parte dos lucros de alglrmas ferramentas que Íì2. Prometo levar vocês na Azul celeste .o-pïu, balas disse JerryÌ. "


16 lO

LTvRoAMARCO

A rcsposta veio num sonoro "Ebaaaa!" dos irmãos, que foi ouvido lá dentro cla lerrarria onde, logo depois, o jovcm Ì\'lcNolan entrou para começar suars ativiclaicles de ajudante. - Pclr ltavor, ilqLleça a fbrnalha, Jerryl! grìtou Nolan, carregando algunras peças clc metal. O filho obeclcccu imediatamente, inclo para â boca incandesccnte do grarrdc forno. Jogou madeira dentro dele e, com o fole, o abrasou aincla mais. Alguns nrlnutos depois, a fornalha estava no ponto. - Tudo ccrto coÌn F'earnotì perguntou o pai, parando ao lado dc Jerrl,l e assistindo a revitalização do fogo. Sin-r. F,le tinha tr-rdo da lista, mas os meninos reclamaram Por ell não tcr trazido cloce. Ambos riram e fìcaram em silêncio, cluvindo o cstaltir cla madeira qr:eimanclo. - Pai, o senhor tem alguma irrirlizitclc cotlì o Sr. N<lrton? - perguntou JerryÌ, quebrtrr-rdo o silêr'rcio. - Não. Pelo contrário, semprc nos clcrros r.nuito bem. Já Íìz muito serviço para ele, em trocâ cle boa nrtclcira (lttc sltiÌ fazcnda nos forncce. Mas, por clue a pergunta? - Cois:r boba, acho disse o jovclrt cr.rcabrrlmdo. - Creio que ele não gostou de eu estar conversandcl cotìr a Íìlhl clcle, a Allice. -Ah, Jerry você está querendo cortc.iti-lrrì - pcrgLtntou Nolan. A resposta foi apenas o coçar.de cabeça do íìlh<i. O hornem riu e deu um tapa ,-ro c,-bro do garoto. -Àr r,"r"t, esqueço (lLtc nleLÌ pequeno McNolan 1'á é um homern. Venha, vamos nos eifastar cla Ítornall-ra. Não precisamos Íìcar aqui qucin-rando os pelos se não cslivct'trtris trabalhando nela. Forerm para o or-rtro laclo c1o gaÌpão e, cn(lLt.trìto Jerrvl vestia o avental clc couro, Nolan serviu-se de um copo clc'aígura. Então, disse: Clcralcl lem uma superproteção com essa frllra. Foi sempre assim c .já tcvc épocas cle fìcarmos meses sem vê-ìai rra cidade ou na igreja clo conclaclo. - F, o sernhor sabe o motivo?

Não exatamente. Mas há boatos a respeìto. Dizern que ela é dedicacìa a Deus, com voto de casticlade. Se este Íbr o caso, não poderá se casar; portanto, podc desistir da corte. N.4ais uma vez, Jerryl repetiu o gesto de preocupação e o pai emen'

dou dizenclo:

-

Agora vamos ao trabaÌho. 'lemos encomendas para tcrminar'

E voltaram à licla.

A RosA |

17

Jerry[ ficou os dias seguintes cuidando do movimento da rua, esperando ver alguém da fanília Norton na ciclacle. Nenhum deÌes passou

por aÌi. No domingo, logo que

a noite caiu, os McNolan arruÌrìaram_se com as melhores roupas e f'oram caminhando juntos para a lgi-eja Metodis-

ta, situada n0 centro do condado. Havia um consideráveÌ movimento de pessoas cheganclo, a pé, a cavalo o' famílias ir-rteirars em charretes. E.,trava- ,ro patio áa igreja, cercada com balaústres pintados em branco. A própria igreja, toàa ãe madeira, era branca, e, sobre o haLl de entracla, hãuia ,-â pequena torre da qual pendia um sino e sobre a qual havia uma cruz. os moradores da cidade e das fazendas ao redor vinham para assis-

tir ao culto de domingo.

Quando Jerryl estava para entrar, Joe o puxou pekr braço e o condu_

ziu para a lateral da igrcja. - Tenho um recardo da minha irmã - clisse o gàÌroto, num tom baixinho. - Ela pediu que eu perglÌntasse o qu" uo.ã lãbricou para eÌa. De imediato, Jerryl se lembrou de que, no armazém cro sr. Fearnot, tentolr entregar o presente para AlÌice, rrìas o Sr. Norton o interrompeu. Colocou a mão dentro do_paletó enquanto pensava se queria en_ trcgar o objeto para Joe ou preferia tazê-lo p"rroãl-",-,te. Na vercÌade, ensaiou uma série cle vezes a cena; a r.naioria cÌelas era encerracla, em seus sonhos, com um beijo de agraclecímento da amada. Porém, ele não contava corì a oposição do Sr:. Norton. E, se de fato queria entreg.ìr o objeto, teria que usar o pequeno mensageiro à sua

frente.

F, isto - disse Jerryl, tirando clo bolso uma rosa com haste, uma ,. ..f'olha e pétalas de metaÌ prateado e polido. Eu mesmo fi2. - uaul - exclamou Joe, olhando para o objeto que meclia cerca <Je um palmo * É perfeita. Vou levar pu.u elu. - Espere, Joe - disse lVlcNolan, segurando o garoto pelo ombro assim que ele se virou. - Por que seu pai não gostãu quon.lu me viu falando com AlÌiceì Oner-iino não respondeu e apenas abaixou a cabeça. - Ela não pode ser cortejadaì - insistiu Jerryl. -.Não tenho permissão para faìar sobre esse assunto - clisse Joe, sem levantar o rosto.

Por um momento Jerryl ficou olhando para o garoto à sua frente.

Acharra que tinha mais ou menos a idade de Jc,e qrurrdo se apaixonou


18 lOLrvRoAMARco pela menÍna Allice. Conversou poucas vezes com sua amada, mas foi suficiente para aumentar ainda mais o que sentia. Seu sonho adolescente se tornou, com o tempo, a determinação de um homem, Mas agora tinha essa novidade. A proibiçao em cortejar a moça poderia destruir todos os seus pÌanos de um futuro em comum. - Não tem problema, amiguinho - disse Jerryl, colocando a mão sobre o ombro do garoto. - Apenas entregue a rosa para Allice e você já

estará fazendo o que está ao seu alcance. Joe levantou o semblante com um sorriso encabulado. Virou-se, entrou na igreja e foi ìogo seguido pelo amigo ferreiro. Como estava sentado nos últimos bancos, Jerryl pôde ver quando o menino entregou furtivamente o artesanato para a irmã. Sorriu, qllando viu o {ìr-ro traço clos lábíos alegres deAllice;porém, o que ele queria

contemplar eram os olhos azuis da jovem. - Boa-noite, irmãos! - disse o pastor Anatoli, assumindo o púlpito

e

dando início à liturgia metodista.

Os membros daquela igreja cantaram e depois oraram juntos. Em seguida, o pastor apresentou o pregador: - Este é o pastor UÌric. Ele irá nos esclarrecer melhor o que temos lido em panfletos e revistas assinadas por Cr-rilherme Miller, sobre a breve vincla de Jesus. Ulric, um sujeito magro e de sorriso carisrnático, que trajava um terno cinza e discreta camisa branca, adornada com uma gravata no mesmo tom do terno, Ìevantou-se, cumprimentou a todos e deu início à mensagem:

- Até o dia 2l de março de 1844, Jesus voltará para buscar Seus fiéis neste planeta. É o qu" a Bíblia diz e er-r vou mostrar para vocês nesta noite.


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