DAN GALERIA São Paulo, Brasil 2018
RELEVOS
UQ! EDITIONS
ÉTICO, ESTÉTICO, POÉTICO
Até o final de 2016 o bairro de Copacabana, no Rio, tinha um habitante singular. Era um homem aparentemente esquálido, com as longas mãos perpassando as longas mechas de cabelo inteiramente branco. Era homem e tigre, um tigre feroz, provocador e polêmico, sempre pronto a rosnar contra a mediocridade.
Saudades de Ferreira Gullar... Da janela do primeiro andar na Rua Duvivier, em Copacabana, onde morava, ainda pende no teto uma coleção notável de móbiles de “Calder” refeitos por Gullar com arame e papelão pintado. Ele também fazia pinturas d’après Mondrian. E com estas brincadeiras terminou por realizar “A Revelação do Avesso”, editada em 2014 pela UQ Editions com a Dan Galeria: 60 relevos em papel que deram origem a obras em aço e um livro de arte com poemas do próprio Gullar.
A edição se esgotou inteiramente. O autor do Manifesto Neoconcretista, que lançou as obras de Lygia Clark e Helio Oiticica, estava aos 86 anos de idade na plenitude do viço e do frescor criativo. Após o lançamento das obras na galeria, a residência de Glaucia e Peter Cohn se abriu para uma recepção onde Gullar contestou, debateu, criticou, tudo sem meias palavras.
Gullar nunca economizou nada. Nem em integridade e nem nos gestos e palavras com que a expressamos. Ele dizia que “a vida não basta”, por isso ela precisava ser reinventada a cada dia. Dizia também que a criação vinha de um espanto. E é isto o que devemos reter de sua obra: o espanto que nos faz mais fortes, porque nos mantém eretos diante da indignidade.
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Gullar era também muito divertido. No texto do livro, assim escreveu:
“Estas colagens em relevo, que aqui são mostradas pela primeira vez, nasceram do acaso. Na verdade, há muito tempo, venho fazendo colagens. Inicialmente, desenhava garrafas, bules e cálices, recortava papéis coloridos e colava em cima. Um dia, porém, já havia posto os recortes sobre o desenho para em seguida colá-los, quando meu gato deu um tapa na folha de papel e desarrumou os recortes. Colei-os tal como estavam: disso resultou que o desenho era a ordem e os recortes coloridos, a desordem.”
Adiante, no mesmo texto, explicou Gullar a gênese dos relevos: “Estava recortando um papel de cor verde, quando de repente o avesso desse papel, que era de outra cor, se mostrou: colei o recorte assim mesmo, isto é, a forma verde que recortara e mostrando o avesso da cor cinza, que se relevara inesperadamente. E assim nasceram as colagens em relevo, que passei a fazer em formato maior.”
Foi uma honra ter trabalhado com Gullar. Ele deu corpo e forma não apenas à sua obra, como à nossa editora. Realizamos com a DAN as duas edições, já previstas desde o início, de “A Revelação do Avesso”, cada qual composta de 30 relevos que ganharam forma em aço, com tiragem de 3 exemplares cada. Agora os originais destes 60 relevos, nunca mostrados antes, são apresentados como o que são: marcas significativas para a história da arte brasileira.
Lucia Bertazzo e Leonel Kaz4
Foto: Nana Moraes
Nota:
A exposição apresenta 92 relevos, realizados e assinados pelo artista, dos quais 60 foram transpostos para o aço nas edições de A Revelação do Avesso.
Nosso agradecimento a Luciana Gullar e Claudia Ahimsa
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