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O DESTINO EM NOSSAS MÃOS

PAULO LUDMER

Se não se alastrar a guerra russo- ucraniana, entre dois históricos irmãos, desde as bacias dos rios Dnieper e Dniester, ao Mar Negro, então ela houve por bem escancarar e chacoalhar o felizardo Brasil, que dispõe de riquezas incomensuráveis para o futuro.

Há décadas escrevo nesta coluna que colhemos anualmente mais de 200 milhões de toneladas de grãos, cuja palha queimamos. Pois neste resíduo rural está o biogás e o fertilizante que nos capacita a autoabastecimento estratégico, liberando ajuda de outros insumos a terceiros.

A biodigestão nos insere no desejado rumo do carbono zero, permite repor na terra energia e nutrientes que havíamos retirado e ainda cumprir obrigações internacionais com as gerações futuras. Descentralizada, distribui renda que interioriza; ao mesmo tempo amplifica nosso perfil ESG (meio ambiente, responsabilidade social e eficaz governança); consolida nossos compromissos com todas as Nações do Acordo de Paris (pela contenção das mudanças climáticas) e traz recursos internacionais pela venda de títulos de sequestro de gases de efeito estufa (seja pela produção natural de fertilizantes, seja pelas queimadas de palhas de lavouras evitadas).

A expansão urgente e dramática da biodigestão no Brasil requer de imediato conhecimentos que já dispomos. Na suinocultura de Santa Catarina é uma tecnologia há anos aplicada (vide a Gelnex que produz gelatina industrial a partir de restos de porcos). Mas é claro que as universidades brasileiras poderão pesquisar índices de desempenho num território amplo, estudando, por exemplo, as fezes das galinhas no Crato (CE) em cotejo com as de Santa Maria (RS). Há que considerar o gado leiteiro estabulado, a avicultura e a piscicultura no mesmo radar.

Os projetos são simples e rápidos, bem como os retornos sobre os investimentos. Por ora, este retorno só promete crescer em decorrência da ele-

vação dos preços do petróleo, carvão e gás, no que se batizou de transição energética, em direção às maiores presenças das fontes renováveis na matriz mundial. Os energéticos habitam vasos comunicantes, qualquer anomalia num sempre impacta em todos os outros.

O Brasil pode ampliar a produção de álcool de cana de açúcar e/ou de milho. O preço dos hidrocarbonetos em alta (mesmo com o dólar perdendo valor diante do Real) eleva a competitividade do etanol. Isso depende da atratividade do açúcar no planeta e da segurança jurídica e política que o setor canavieiro precisa de Brasília.

O País há anos orbita ao redor da autossuficiência de petróleo, hoje bem menos vulnerável do que nos anos do presidente Figueiredo, no século passado, quando produzia menos de 20% de suas necessidades. No curto e médio prazo, algumas Nações pedirão a benevolência brasileira para complementar sua carência com algum embarque.

Se a sociedade entender que se justifica (bônus melhor do que ônus), pode-se retomar a rápida construção de hidrelétricas com reservatório de acumulação, liberando também pequenas centrais hidrelétricas às voltas com monumentais resistências paroquiais às suas possibilidades.

O potencial eólico também só faz aumentar à medida que se conhece melhor o Atlas Eólico brasileiro no mar e no Norte. Daí a produzir células de hidrogênio será um degrau a mais, já latente. A métrica indica que no mar, de início, teríamos rapidamente uns 350 GW à nossa espera. Mas os conhecimentos ainda incipientes vão sustentar o aumento desses números.

A insolação no território nacional é superior, em quase toda sua extensão, àquela europeia (por exemplo à alemã), tornando a fonte fotovoltaica ou a termovoltaica a bola da vez. A combinação vento-sol nas mesmas fazendas geradoras, nas mesmas terras, serão o Romeu-Julieta dos novos tempos.

Por último, mas não por fim, o aproveitamento de lixo sólido (ou não) melhorará enormemente a saúde e a vida urbana, sendo que todos os municípios (consorciados ou não) têm suas portas por ser abertas. A reciclagem do lixo salva energia e riquezas. A queima já se faz em todos os países mais desenvolvidos do mundo. As tecnologias e as soluções não param de evoluir. Incluem lodo, entulho, resíduos de catástrofes e que tais. E entre nós já estão os agentes capazes de exponencialmente erguer a quantidade e a qualidade das plantas desta modalidade.

Não me estenderei pelo impulso que a alta dos preços do petróleo inocula na energia nuclear, biomassa, cogeração, conservação, maremotricidade, calor da Terra e outras, porque o essencial é que a bola está nas nossas mãos.

“A biodigestão nos insere no desejado rumo do carbono zero, permite repor na terra energia e nutrientes e ainda cumprir obrigações internacionais com as gerações futuras”

Paulo Ludmer é jornalista, engenheiro, professor, consultor e autor de livros como Derriça Elétrica (ArtLiber, 2007), Sertão Elétrico (ArtLiber, 2010), Hemorragias Elétricas (ArtLiber, 2015) e Tosquias Elétricas (ArtLiber, 2020). Website: www.pauloludmer.com.br.

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