MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR - O Sentido do Lugar no Casal do Rebolo

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MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR O SENTIDO DO LUGAR NO CASAL DO REBOLO

Ana Rita Silvestre Caneira

Dissertação e Projeto para a obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura

Orientador Científico: Professor Doutor José Aguiar Co-Orientador: Professor Doutor Pedro Marques Abreu

Júri Presidente: Professora Doutora Isabel Augusto Sousa Rosa Vogal: Professora Doutora Luísa Dos Reis Paulo Orientador: Professor Doutor José Aguiar

Lisboa, Junho 2014


19.806 palavras

!


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

I


II


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

AGRADECIMENTOS

Aos meus orientadores, Professor Doutor José Aguiar e Professor Doutor Pedro Abreu, pelas conversas, ensinamentos e especial orientação no início desta jornada. Ao Presidente da Junta de Freguesia de Almargem do Bispo, Rui Maximiano, pela disponibilidade e interesse demonstrado neste projeto. À Xana, pelas sucessivas leituras, correções e ânimo transmitido. Ao Professor Diogo Burnay, pela transmissão da paixão pela arquitetura. À Filipa Paisano, Mariam Daudali e Mariana Calvete pela amizade e por tudo o que contribuiriam para evoluir mais. Em especial à Ana Amaral, Catarina Castro, Joana Lagos, Rita Almeida, Rosa Amaral e Sara Fontainhas por termos vivido lado a lado estes últimos anos quase como família. Pela presença, contributo e amizade nesta e noutras ‘lutas’. Aos restantes colegas da faculdade que fizeram parte deste marcante ciclo. Pelas suas partilhas, que em muito contribuíram para a aprendizagem e motivação ao longo de todo o percurso. Aos de Sintra e de Negrais pelo apoio e compreensão em momentos de maior ausência. Aos meus irmãos, Sara e Gustavo, pelos ouvidos pacientes durante os meus monólogos e momentos de menor tranquilidade. Aos meus pais, por tudo terem contribuído na aquisição do entusiasmo e gosto pelo trabalho. Pelo apoio incondicional e constante, por acreditarem e quererem sempre mais.

III


TÍTULO

Memória da História no Reabilitar

SUB-TÍTULO

O Sentido do Lugar no Casal do Rebolo

ALUNO

Ana Rita Silvestre Caneira

ORIENTADOR

Professor Doutor José Aguiar

CO-ORIENTADOR

Professor Doutor Pedro Marques Abreu

Mestrado Integrado em Arquitetura Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa Lisboa, Junho de 2014

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MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

RESUMO

Cientes do avanço global e da perda dos lugares de memória e identidade genuína de parte do património nacional, material e imaterial, pretendeu-se com este trabalho restituir e revitalizar a lembrança do que eram esses lugares. Vivemos num país enriquecido pela diferenciação cultural distinta em cada região territorial construída ao longo do tempo da nossa história. São traços identitários de culturas, expressos não só pelas construções vernaculares como também pela ação do homem nas paisagens humanizadas. Consequente do abandono e esquecimento de parte do interior do nosso país, identificamos a Região Saloia como símbolo desta problemática. Distinta pelas suas especificidades e identidade, cultural e arquitetónica, original. Com vista à requalificação desta região, elegeu-se o Casal do Rebolo (Almargem do Bispo, Sintra), como símbolo desta cultura vernácula. Desenvolveu-se a sua leitura fenomenológica, com base na experiência da realidade atual, identificando o seu sentido verdadeiro para dar continuidade ao significado original do lugar.

PALAVRAS-CHAVE: Reabilitar, Conservar, Identidade, Memória, Arquitetura Vernacular

V


TITLE

Memory of History in Reabilition

SUBTITLE

The Meaning of Place in Casal do Rebolo

STUDENT

Ana Rita Silvestre Caneira

MAIN ADVISOR

Doctorate Professor José Aguiar

CO-ADVISOR

Professor Doutor Pedro Marques Abreu

Master’s Degree in Architecture Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa Lisboa, June 2014

VI


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

ABSTRACT

Being aware of the global advancement and of the loss of memory places and also those of genuine identity, part of the national heritage, material and non-material, the purpose of this work is to remember what those places used to be and to revitalise them. We live in a country enriched by the cultural differences in each territorial region built throughout our history. They are identity traits, shown not only in vernacular constructions but also through man’s action in humanized landscapes. The Saloia Region, included in part of the countryside abandoned and forgotten in our country, is identified as a symbol of this problematic. Its difference lies in its original specificity and identity, both culturally and architectonically. In order to rehabilitate this region, Casal do Rebolo (Almargem do Bispo, Sintra) has been selected as a symbol of this vernacular culture. A phenomenological approach has been taken, based on the current reality, identifying its true meaning so as to ensure the continuity of the original significance of the place.

KEY-WORDS: Rehabilitation, Conservation, Identity, Memory, Vernacular Architecture

VII


VIII


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

ÍNDICE

I – INTRODUÇÃO

1

II – O CONSTRUÍDO

7

1 – UM PATRIMÓNIO EDIFICADO -

O Património

11

-

Construção Humanizada

14

-

Paisagem Cultural

17

-

9

Preservação

A salvaguarda da memória

2 – UMA CULTURA VERNÁCULA

20 23

27

-

A Arquitetura Popular e Erudita

31

-

A Região Saloia

35

-

As Influências

35

-

A Evolução Territorial

38

-

Morfologia Arquitectónica

43

3 – DA REGIÃO A UM LUGAR

47

-

O Enquadramento Geográfico

51

-

A Evolução Territorial

55

-

Origem da Freguesia

A História do Casal do Rebolo -

Origem do Casal do Rebolo

61 63 67

IX


III – O CONSTRUIR

69

1 – O SENTIDO DO LUGAR

71

-

-

Uma Reflexão Fenomenológica -

Relação sujeito, objeto e lugar

73

-

Preservação da identidade

79

O Significado do Casal do Rebolo

82

-

A Aproximação do lugar

82

-

O Espírito do Lugar

89

-

Privilegiado

89

-

Humanizado

93

-

Sistemático

96

-

Submisso

98

2 – A CONSTRUÇÃO

101

-

O que o lugar pretende ser

103

-

O que a arquitetura pretende ser

107

-

A solução de projeto

111

-

Estratégia construtiva e programática

111

-

Estratégia de projeto

117

-

X

73

-

Sistematização do Lugar

117

-

Concepção

117

-

Funcionalidade programática

127

Ambiências

129


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

131

V - ÍNDICE DE IMAGENS

135

VI – BIBLIOGRAFIA

143

VII - ANEXOS

149

-

Sintra – Paisagem Cultural

151

-

Tipologias e Variantes

157

-

-

-

Tipologias

159

-

Variantes

165

-

Índice Imagens

173

Processo de trabalho -

Fotomontagens

177

-

Maquetas

183

Peças desenhadas

191

XI


XII


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

I| INTRODUÇÃO

‘Só se ama aquilo que se conhece. É também de uma história de amor que este livro trata: amor pela paisagem, amor pelo território, amor pela arquitetura, nascida ‘deste chão duro e ruim’ (...). É desse amor que tem que nascer a vontade de imaginar um futuro para o passado. E é talvez esse a principal mensagem deste livro, hoje.’1

1

Prefácio da 4º Edição de ‘A Arquitetura Popular em Portugal’ escrito por Helena Roseta, em Maio de

2003. AAP (2004), p.VIII

1


INTRODUÇÃO

2


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

O tema proposto para a obtenção do grau de mestre em arquitetura assenta no estudo da preservação da memória, da história e da identidade do sentido dos lugares. O interesse pelo tema foi surgindo ao longo do primeiro semestre do ano letivo 2012/2013 na disciplina de Laboratório de Projeto VI, com o tema ‘’Construir no (e com o) Construído’’, em que era salientada a importância para uma reflexão sobre a preservação da cultura material e imaterial existente no nosso país no exercício da arquitetura. Ao percorrer o território português observamos a existência de traços distintos de cada região, características de um passado influenciado por particularidades locais, relacionadas com os recursos e características naturais. Tais fatores territoriais passam a ser identitários de uma determinada cultura que tem sido construída ao longo da nossa história e que, atualmente parece reduzir-se a uma memória. Começa-se a perder o Portugal Rural2 com o desaparecimento dessas práticas ancestrais - dos modos de ser, saber e de viver; dos territórios e das paisagens – causado pelo despovoamento dos genuínos, consequência do desenvolvimento pós Revolução Industrial. Deixou de haver necessidade de recorrer ao que a terra nos dava e começou a existir o ‘querer chegar’ à inovação, perceção que pode determinar a perda do património. Hoje, o património, riqueza associada durante muito tempo à noção de estrutura arquitetónica, marcada pelas suas características diferenciadoras e de representação memorial, é mais abrangente do que isso. Incluí não apenas as construções de raiz erudita ou popular, mas igualmente as expressões culturais e as paisagens, quer naturais quer aquelas construídas pelo homem – o património material e imaterial.

2

Temática do livro de Álvaro Domingues Viver no Campo. O autor usa o título como metáfora ao

despovoamento e abandono que se vive hoje no interior do nosso país. 3


INTRODUÇÃO

Devemos nós, arquitetos, restituir a Memória da História 3 da nossa cultura. Estudá-la e trabalhá-la de modo a manter presente a identidade original dos lugares para uma contínua e harmoniosa evolução natural da arquitetura e da cultura. Revela-se, por isso, urgente admitir estas problemáticas através de um reconhecimento da arquitetura vernacular atendendo à conservação dos aspetos culturais, evitando o esquecimento daquilo que as valoriza e defende. Conhecendo a situação de degradação, abandono e desconhecimento existente pela maioria da população portuguesa face a lugares perdidos no interior do nosso país, pensamos explorar esta temática aplicando-a ao estudo do

património

cultural

e

construído

das

arquiteturas

vernaculares,

particularidades de uma determinada região caracterizada pelo paradigma geográfico, social e antropológico em que se enquadra. Para tal, foi escolhida a Região Saloia, por manifestar especificidades tão evidentes e distintas da sua identidade original. Dedicou-se à análise e exploração das raízes culturais, naturais e arquitetónicas do lugar do Casal do Rebolo, encontrando novas formas de vivenciar e habitar esse lugar de acordo com a experiência e o sentido que transmite. Este lugar insere-se na freguesia mais interior do Concelho de Sintra, Almargem do Bispo. Considerada uma das que ainda contém maior número de exemplares desta cultura vernácula. Entendemos serem relevantes os valores paisagísticos e os aspetos antropológicos e arqueológicos presentes no local e a sua localização geográfica como focos de interesse para a composição e desenvolvimento do trabalho, salientando a preservação da memória física e cultural da região onde se insere. Foi proposto para o lugar o projeto de um Centro de Acolhimento Temporário e Permanente à Comunidade Sénior que faça a reinterpretação da cultura desse(s) lugar(es) com a preservação da sua memória e sentido na

3

4

Memória como fenómeno cultural vivido no presente e História como uma representação do passado.


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

integração de novos elementos construtivos. Paralelamente, considera-se importante preservar uma área destinada à vertente antropológica dos valores, conhecimentos e hábitos da Cultura da Região Saloia num Centro Interpretativo da História e dos seus Vestígio arqueológicos. Com vista ao entendimento desta pré-existência, o presente trabalho tem por objetivo explorar, na especificidade do projeto de reabilitação do território do Casal do Rebolo, uma abordagem que visa a compreensão do carácter essencial e próprio deste lugar no exercício de projeto. A investigação do seu espírito e do sentido do lugar fazem a caracterização da sua identidade inicial e a relação com a envolvente da paisagem e a influência dessa experiência no homem, o seu ‘Genius Loci’. Procedeu-se ao estudo do que já foi e ainda é este lugar para uma intervenção neste aglomerado rural, convertendoo num novo uso que não esquece a Memória da História do lugar e da população, expondo os valores, conhecimentos e perceções aos outros com a exploração dos seus potenciais formais em projeto. Neste âmbito, a compreensão desse espírito parte da nossa experiência no lugar reforçada pela análise dos elementos da forma que o comunicam e dos fatores ligados ao desenvolvimento cultural e paisagístico do lugar ao longo do tempo da nossa história. Valores universais de uma experiência que ao ser imaginada por quem a faz, é representativa do Homem em geral. Com isto foi também intenção deste Trabalho Final de Mestrado desenvolver um projeto em todas as suas escalas, mostrando que o papel do arquiteto deve ser a capacidade de resolver os problemas específicos de desenho em situações existentes, mas aliado à capacidade de interpretação fenomenológica de cada lugar. Foi intuito traçar as linguagens culturais, arquitetónicas e construtivas desta região, fazendo a comunicação e a sensibilização para o seu reconhecimento, através da caracterização e identificação da arquitetura vernacular deste(s) lugar(es) com a envolvente natural e territorial. Ao fazer o enquadramento do território, da paisagem e dos lugares circundantes do Casal do Rebolo, representativo do património cultural e 5


INTRODUÇÃO

imaterial desta realidade saloia, estudou-se a relação do objeto com um possível conflito com todos os elementos territoriais e intangíveis referidos anteriormente, com o intuito de potenciar o contínuo carácter natural no lugar e dos objetos no conjunto.

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MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

II| O CONSTRUÍDO ‘Dedicatória: Aos camponeses, pastores, moleiros, almocreves, pescadores e gente de outros ofícios, pela maior parte já desaparecidos, dedico esta obra, nutrida da sabedoria dos velhos e das esperanças e anseios dos novos, aos que nunca a poderão ler: gente humilde que aceitou um destino simples, exerceu com esforço o que aprendeu dos antigos, modelando a fisionomia dos lugares e prolongamento no mar a obscura energia dos homens. Que ao menos tenha sabido guardar, sob a severa disciplina da Ciência, a amorosa compreensão da terra e da gente, que constitui a essência da Geografia, insufla o seu espírito, anima as descrições, ilumina a interpretação e tem constituído, para o autor, a mais convicta e entranhada vocação.’4

4

RIBEIRO (1993), p. 7. 7


UM PATRIMÓNIO EDIFICADO

8


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

1| UM PATRIMÓNIO EDIFICADO ‘Deus deu-nos esta terra durante a nossa vida; não é mais que um bom sujeito à

restituição. Pertence aos que virão depois de nós (...) não temos o direito, por atos e negligências, de condiciona-los a penalizações inúteis, ou de priva-los de benefícios que estariam entregues à nossa mão (...) Quando dizemos que construímos, então, construímos para sempre (...) Que seja um trabalho para o qual os nossos descendentes estejam agradecidos; pensemos, colocando pedra sobre pedra, que chegará um tempo em que estas pedras serão consideradas sagradas porque as nossas mãos as tocaram e que os homens dirão considerando a matéria trabalhada: Vejam! Aqui está os que os nossos pais fizeram por nós! A maior glória de um edifício não depende, de facto, nem de pedra nem de ouro. A sua gloria está na sua idade(...)’.5

5

RUSKIN (1849), p.222-223. 9


UM PATRIMÓNIO EDIFICADO

10


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

1| O PATRIMÓNIO

Ao falar-se de património, a generalidade da população assume intuitivamente o enfoque no património construído antigo e em particular no património monumental ou ‘clássico’ 6. Mas mais do que isso, é um vasto campo de matéria, que nos encaminha para uma discussão desde esse e doutro tipo de património construído, ao património cultural e às paisagens culturais ou humanizadas. A própria palavra património, proveniente do latim patrimonium, significa herança paterna e bens de família, portanto, bens materiais ou não, especialmente de origem cultural, que exprimem o reconhecimento e valorização de determinada identidade. Uma noção de ‘herança’ que se quer mantida pela transmissão dos bens legados através das várias gerações7. Uma cultura passada trazida até ao presente e que se quer viva no futuro. Hoje, a visão que se tinha como monumentalista do que é o património já não é entendida da mesma forma. Começou a valorizar-se não só

6

Como exemplo os castelos, os sítios arqueológicos, objetos em ruínas, ...

7

‘Com estas manifestações de dinamismo cultural intenta-se preservar, para as gerações vindouras, a precariedade dos

vestígios materiais de milénios de história humana e de identidade cultural (estudar para conhecer, conhecer para conservar e conservar para legar)’. In JORGE (2005), p.44-45. 11


UM PATRIMÓNIO EDIFICADO

a ‘brutal’ massa construída como todos os elementos significativos8 com que nos cruzamos no dia-a-dia. São elementos cuja presença constante no nosso quotidiano é dada como adquirida, mas cuja ausência seria notada. Trata-se, do que se designa como património por proximidade ou património difuso, de objetos sem expressão monumental e que decorre do reconhecimento experienciado: estruturas produtivas implantadas nos solos, marcações territoriais, fontes, tanques, marcos de propriedade, ou mesmo ainda, de marcos na terra que evidenciam a passagem do tempo e da natureza como são exemplo aglomerados de árvores que assinalam a passagem de uma linha de água ou trilhos pela passagem de gentes ao longo de diferentes épocas. Este paradigma atual influenciou a origem e a entrada no vocabulário comum de expressões como ‘paisagens culturais ou humanizadas’. Porque, na realidade, quase não existe uma paisagem totalmente natural. A maioria dos espaços da terra já foram, de alguma forma, vivenciados e modificados pelo homem, em consequência da humanização do homem ao longo da sua conquista do território no decorrer do tempo. Património é tudo aquilo que consegue traduzir a epifania9 de um lugar. Aquele que através das suas qualidades gera uma relação entre o sujeito e o espaço 10 existente que torna esse espaço num lugar 11 .

Torna possível a

apreensão do seu significado pelo meio da qualificação intervencionada. Pelo que toda a obra de arquitetura, pertencendo por outro lado a um objeto do passado suscita a possibilidade de através dela podermos aceder à vida que ela testemunhou. Ela comunga da identidade daqueles que a desejaram, que a pensaram, construíram e habitaram. ‘Ela é o documento e testemunho dessas existências humanas.’12

8

Com significado de cariz de identidade e memória.

9

PEREIRA (2005), p, 10.

10

‘Edificar, é assim fazer espaço.’ In PEREIRA (2005), p, 10.

11

‘Um lugar tem de se tornar uma paisagem interior para que a imaginação comece a habitar esse lugar e fazer dele o seu

teatro’. Citação de I. Calvino in TAINHA (2006), p.103. 12

ABREU (2007), p.123.

12


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

Concluímos também que os bens que quantificam o património não são suficientes para o limitar. Estamos perante um universo em permanente aceitação de novos enriquecimentos, considerando-o ‘por definição ‘aberto’. Ou seja, não se pode confinar em absoluto nem pré-definir, uma vez que se trata de um universo em permanente crescimento.’13 Assim sendo, é acrescentada ao património construído toda a vertente cultural que lhe está inerente, um património imaterial que não se pode tocar nem contar, que está intrínseco ao significado e identidade de cada lugar distinto, o dos saberes. Culturas de gentes, específicas de cada região, que marcam no território a identidade da sua terra. São estas culturas intangíveis que constroem o património/paisagens humanizadas, contando a história das suas memórias e hábitos. Mais que uma memória física, transmite os valores emocionais e sentimentais. Conceito afirmado quase há um século por Carl Sauer, através do qual defende que as paisagens culturais são fruto da intervenção transformação da natureza pela ação da mão do homem14, que só conseguiu adquirir notoriedade para a obtenção de classificação depois15 da Convenção para a Proteção do Património Mundial Cultural e Natural, com o caráter de património resultante da obra combinada entre o homem e a natureza. O reconhecimento de um património comum no desenvolvimento da identidade de culturas regionais.16

13

PEREIRA (2005), p, 62.

14

‘The geographer, therefore, properly is engaged in charting the distribution over the earth of the arts and artifacts of man,

to learn whence they came and how they spread, what their contexts are in cultural and physical environments.’ . In SAUER (1925). 15

Em 1992, pelo Comité do Património Mundial.

16

‘O conceito abrangente de salvaguarda do património cultural é considerado, cada vez mais, como um modo de defesa

global do ambiente que não se preocupa só com a protecção do espaço vital natural mas também com a do espaço vital colectivo, desenhado pelo homem no decurso da sua existência.’ In JORGE (2005), p.39. 13


UM PATRIMÓNIO EDIFICADO

1.1 | CONSTRUÇÃO HUMANIZADA

‘A arquitetura não termina em ponto algum, vai do objecto ao espaço e, por consequência, à relação entre os espaços, até ao encontro com a natureza.’17

Desde os nossos antepassados que a natureza e a paisagem são participantes nas atividades e manifestações físicas do homem. Partindo da ideia que Norberg-Schulz defende, a maneira como nós nos comportamos na terra é habitar.18 Nem tudo é obra da natureza. ‘No principio, Deus criou o céu e a Terra’, assim começa a Bíblia. Os objetos anexados foram criação do homem, adicionando ao pré-existente uma forma de manifestar a sua existência. Sendo a Terra o começo sem transformações, essa sim é considerada como ‘natureza ou natural’19. Antes de procurar ou criar um abrigo, o homem teve necessidade de reconhecer o que o rodeava através da sua experiência. Só assim se sentiu perante a presença de um ambiente que lhe era familiar. Por isso, as mais remotas construções iniciaram-se como marcos na paisagem, constituindo uma expressão do entendimento do espaço e da vontade de o alterar. Foi a partir desse momento, em que tomámos consciência do espaço e da nossa existência no mundo, que as estruturas começaram a ter esse sentido de integração no espaço e na natureza. Estes novos limites ou perceções espaciais tornaram-se as condições para o habitar do homem. A sobreposição

17

SIZA VIEIRA (2012), p.31.

18

‘The way in which you are and I am, the way in which we humans are on the earth, is dwelling...’ in NORBERG-

SCHULZ (1991), p.10 19

‘natureza’ ou ‘natural’ é toda a envolvente que não teve ainda intervenção antrópica.’ In REBELO (2011), P.10.

14


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

desses marcos na paisagem vão somando e sobrepondo a história de cada região. Erguem uma hierarquia na sua paisagem, condicionadora de construções humanizadas futuras, alterando-se, se necessário, para responder às mudanças sociais e culturais das sociedades. No âmbito do que se estuda neste trabalho, percebemos que para se adquirir a essência emocional e sentimental do que são esses lugares é necessário fazer uma análise experienciada 20 dos lugares intervencionados, permitindo a elaboração de intervenções com base em decisões que preservam a memória antropológica desses lugares. O estudo do seu Genius Loci - estudo dos fenómenos e percepções naturais na compreensão dos espaços construídos – encaminha o projeto para a identidade do lugar e aquilo que o edifício deve ser. ‘A intervenção projectual deverá, consolidar ou reinventar ‘lugares praticados’ que, como os lugares antigos, inventariados e classificados fossem, como eles, promovidos a ‘lugares de memória’’.21 No passado as obras do homem tinham o carácter de ‘ilhas’, relativamente limitadas no confronto com a natureza. Hoje observamos o oposto, o aumento exponencial da obra do homem em locais que são confrontados com o carácter da paisagem, tornando-se assim uma problemática. ‘As obras do homem devem manter com a natureza uma relação significativa (...) a intenção é integrar o homem na terra por ele habitada. Esta relação funcional deve necessariamente ir ao encontro de uma forma exterior correspondente. Só quando a relação entre a natureza e a obra do homem é significativa a forma tem carácter e satisfaz.’22

20

‘Não se pode defender um património que não se conhece nem se compreende (inventariar, conhecer, classificar)’. In

JORGE (2005), p.42. 21

Citação de Alexandre Alves Costa in Poster #4 – Transformação: Capital urbano e cultural.

22

NORBERG-SCHULZ (1968), p.52. 15


UM PATRIMÓNIO EDIFICADO

Estes ideais deverão dar a base das leis de preservação do património e das futuras intervenções. Passa não só pelo uso dos mesmos materiais, mas também pelo entendimento de como e que implicações têm nos modos de vidas daqueles que os habitam. 23 – um respeito pela arquitetura popular e erudita dessas identidades vernaculares. São estas construções/paisagens vivas que nos interessam em particular pela associação que estabelecem com os modos de vida tradicionais e mais naturais e genuínos, demonstrando o processo evolutivo das gerações humanas. É fundamental uma gestão consciente e sustentável para que estes sistemas frágeis sobrevivam, criando uma estratégia que narre os testemunhos originais – tangíveis e intangíveis – destes lugares de memória.

23

‘definir e explicar as suas características (...) O que surpreende nas ‘Vilas do Norte de Portugal’ é a sua cientificidade

positiva. É a tentativa de aliança multidisciplinar com outros saberes (...) É o reconhecimento directo, não só dos documentos, mas do próprio território (...) a que sucederam outros (...) a tornam mais complexa e de leitura obrigatoriamente mais detalhada’. Citação de Alexandre Alves Costa in Poster #4 – Transformação: Capital urbano e cultural. 16


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

1.2 | PAISAGEM CULTURAL

‘A paisagem é um cenário vivo duma luta continuada e sem heróis vistosos’.24 Como uma língua ou história, torna-se um poderoso marcador identitário de uma região, que tal como a sociedade não está estagnada. Ao mesmo ritmo que a comunidade muda, os sentidos dessa natureza também sofrem as alterações desse ritmo. Como Álvaro Domingues diz ‘não há paisagens para sempre’25.

Paisagem-Património torna-se um caso específico no contexto das Paisagens Culturais. O valor patrimonial da paisagem acaba muitas vezes por se limitar aos exercícios das condições intrínsecas de produção e evolução dessas paisagens, sobrevalorizando os elementos vernáculos – socalcos, ruínas, sítios arqueológicos, simbologias, ... – e convertendo-os em ícones e em imagens de modos de vidas supostamente harmoniosos e rurais.26 ‘Mais do que uma morfologia, (...) as paisagens geográficas continham uma espessura antropológica, uma memória reveladora de diversas sedimentações ou marcas deixadas por sucessivas transformações.’27 ‘Pays / paysans / paysages’, de origem francesa, não está distante da etimologia portuguesa de paisagem. Em ambas as denominações são subentendidos que os habitantes de um determinado pays são genericamente associados aos de carácter rural, os camponeses.

24

Associação dos Arquitectos Portugueses (2004), p.15.

25

DOMINGUES (2011), P.15.

26

‘O conceito de Paisagem como Arquitectura ou o de Arquitectura como Paisagem geram um equívoco do qual ambas

saem maltratadas’. In TAINHA (2000), P.90. 27

DOMINGUES (2001), P.56 in Finisterra. 17


UM PATRIMÓNIO EDIFICADO

‘A paisagem domina a obra do homem e é sempre aquele fundo unificador sobre o qual se delineia.’28 Sem isto não poderíamos falar de paisagem, e é na cidade que o denotamos, tendo talvez daí surgido o terno inglês ‘townspace’ – paisagem urbana ou construída, equivalente à origem da palavra ‘landscape’ que nasce do holandês 29 e designa ‘terra trabalhada’ ou ‘parcela de terreno’ ocupada e transformada pelo homem. As paisagens refletem assim a identidade cultural de um povo. Um património cultural, que retrata a memória da evolução e o equilíbrio da nação. Da mesma forma como a língua, as tradições e a religião definem uma memória e uma cultura social, também a paisagem corresponde a uma memória coletiva do passado que vai sofrendo alterações. Fora da área científica, hoje a ‘Geografia das Paisagens’ está fixada na dualidade entre a realidade natural e a construtiva, ‘socialmente inculcada e difundida como um dos factores centrais da identidade nacional’.30 Ao abordar a temática da paisagem e do nosso território natural, não podemos deixar de referir um dos geógrafos que mais documentou e estudou a paisagem portuguesa, Orlando Ribeiro. O seu trabalho guiou-nos para entender as divisões geográficas e culturais do nosso país. É em ‘Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico’ que faz uma reflexão daquilo que o une e separa.31 ‘Havendo de repartir Portugal, as divisões principais serão dadas pelo contraste entre as influências mediterrâneas e atlânticas e, nestas, pela sua atenuação com o afastamento litoral.’ 32

28

NORBERG-SCHULZ (1968), p.55.

29

‘landschaaf’ in PEREIRA (2005), p, 26.

30

Citação de Alain Corbin (CORBIN, Alain. L’homme dans le paysage. Paris: Textuel. 2001) in A

Paisagem Revisitada de Álvaro Domingues. 31

‘Nesta mistura de gente e de plantas, assim como na variedade das regiões, reside o segredo da unificação portuguesa.’ In

RIBEIRO (1993), p.163. 32

RIBEIRO (1993), p.172.

18


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

Este tema da identidade regional criada pelas raízes da terra também foi desenvolvido pelo historiador José Mattoso num retrato histórico e geográfico, disponibilizado através de textos acompanhados por registos fotográficos, na obra ‘Portugal, O Sabor da Terra’. ‘É nela que nos apoiamos, dela que nos alimentamos, ela que configura o nosso espaço, (...) Nela moraram os nossos antepassados. Marcados pelo território, transmitiram-nos as estruturas sociais com que nos organizamos, as técnicas agrícolas que em parte a dominam, e tudo o mais que foi moldando as nossas comunidades até hoje. O território é o elemento permanente da identidade.’33

Concluímos deste modo que a Paisagem, a Arquitetura, o Ambiente e o Território são os quatro ingredientes de uma única receita que agrega a história daquilo que somos, mantendo presente a memória do que fomos.

33

MATTOSO; DAVEAU; BELO (2011) 19


UM PATRIMÓNIO EDIFICADO

1.2.1 | PRESERVAÇÃO

Nos últimos trinta anos, Portugal, conhecido como o último país rural da Europa, começou a ser alvo de profundas transformações sociais e culturais, sendo caracterizado pela crescente urbanização versus despovoamento territorial. Estes fatores quase levaram à extinção da história transmitida nos pedaços de paisagem, dando lugar a novos paradigmas emergentes consequentes de uma sociedade dita moderna – elemento mais notório dessa ‘crise’. Estes novos efeitos conduziram à instabilidade das áreas da Paisagem, reestruturando-as em novos conceitos de espaço e de território. Desta reorganização renasceu a importância dos valores patrimoniais e ambientais que conferem à paisagem e às culturas tradicionais uma visibilidade social.34 Tal como a vemos hoje, a paisagem é um cenário vivo de uma história de milhões de anos com uma surpreendente variedade de aspetos, ‘é quase por inteiro o produto de dois mil anos de obstinada desertificação, desflorestação, criação de pastagem, construção de aldeias, vilas e cidades, estradas, ...’ É por este motivo que Orlando Ribeiro a designa de paisagem ‘natural’ (tratada pelo autor entre aspas), por, como já foi sugerido anteriormente, não existir nada a que possamos chamar de natural. ‘Cada vez há mais Meio e menos Natureza’35 – disse Karl Max36 há mais de um século. Ao mesmo tempo que se muda a paisagem, também se altera o reconhecimento que tínhamos dela. As imagens da paisagem evidenciam uma estranheza nas quais mais facilmente se reconhece aquilo que se perdeu do que o que se ganhou. É fundamental percorrer o seu reconhecimento desde o

34

‘(...) não só aumenta a diversidade dos estudos e dos investigadores da paisagem, como contribui para o

reforço dos valores da ‘autenticidade’ cultural das ‘paisagens patrimoniais’. In DOMINGUES (2001), P.58 in Finisterra. 35

Citação de Karl Max in TAINHA (2000), P.91.

36

Karl Max (1818-1882), foi um intelectual e revolucionário alemão fundador da doutrina comunista

moderna. Influenciou diversas áreas tais como a Geografia, a Sociologia, a Antropologia e até mesmo a Arquitetura. 20


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

próprio significado formal ao modo de comunicação entre a paisagem cultural e o património construído. É muito vasto o caminho da preservação e valorização do património. Só com a convenção para a Proteção do Património Mundial Cultural e Natural pelo Comité do Património Mundial em 1992 foi adotada a necessidade de distinguir o património resultante da combinação do homem com a natureza e das suas relações culturais associadas às formas de domínio no território. Esse reconhecimento patrimonial das paisagens como culturais veio comprovar a crescente consciência para a consolidação de identidades culturais locais e a valiosa ação do homem no espaço e no tempo. Foram definidos três critérios para a sua classificação: -

Intencionalmente Concebida pelo Homem37;

-

Essencialmente Evolutiva, Relíquia ou Fóssil e Evolutiva e Viva38;

-

Associativa39;

Em Portugal existem três paisagens classificadas como culturais: a Paisagem Cultural de Sintra, distinguida em 1995 (consultar anexo 1 – Sintra Paisagem Cultural; p.145) ; o Alto Douro Vinhateiro, distinguida em 2001; e a Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico, distinguida em 2004. São estas paisagens que conservam um papel ativo junto das culturas mais tradicionais e nas quais permanecem as possibilidades evolutivas. Sendo estas regiões frágeis e vulneráveis, é necessária uma estratégia que relacione esses lugares de memória com testemunhos locais de modo a manter presente os seus valores tangíveis e intangíveis. Quando falamos de intervenções na paisagem, surge-nos Christian Norberg – Schulz, como já referimos anteriormente na referência ao estudo do

37

Geralmente associadas a razões estéticas em construções.

38

Tendo como origem um imperativo social, económico, administrativo e/ou religioso. Hoje distinguem-

se pela conservação dos seus traços originais ou a um modo de vida tradicional em evolução. 39

Associadas sobretudo a elementos naturais, apesar dos testemunhos culturais, hoje, poderem não ser

significantes ou mesmo terem desaparecido. 21


UM PATRIMÓNIO EDIFICADO

Genius Loci. O autor defende a teoria do espírito do lugar, no qual entende que as pessoas, a paisagem e as construções têm as mesmas características que determinam o nosso comportamento perceptivo face às mesmas. A experiência na arquitetura baseia-se na questão de proximidade com as suas formas, e a experiência perceptiva que adquirimos delas dirige o nosso comportamento, e, consequentemente, o nosso modo de atuar. Fator importante da arquitetura especialmente em questões focadas na preservação do património construído.

22


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

2 | A SALVAGUARDA DA MEMÓRIA

‘Eu sou tal como tu vês e daqui faço parte.’40

Identidade e património (objeto), associado à permanência dos lugares, são uma forma de preservação da memória coletiva. A valorização do passado, do património material e imaterial das cidades, a riqueza que herdamos como cidadãos e que é transmitida de geração em geração, adquirem já alguma relevância para a sociedade contemporânea que a legitima na preservação das suas memórias. Assim o conceito de memória remete-nos ao conceito de património

quando se trata da preservação do mesmo. Os problemas

consistem na integração desses monumentos no seu espaço histórico peculiar, entendidos como testemunhos materiais do passado, riscos de informação concentrada, que devem manter o seu significado e valor de antiguidade.41

40

TÁVORA (1999), p.22-23.

41

‘Estes não devem ser reconstruídos, exatamente como mesmo grau de beleza, ou renovados na totalidade, segundo operações

paliativas e de cosmética moderna, (...)’. ‘ Na área da salvaguarda do património arquitectónico, a linguagem inequívoca dos ‘R’ (restauro, renovação, reabilitação, reconstrução, revitalização, ...) exige uma preocupação deontológica acrescida. (...) 23


UM PATRIMÓNIO EDIFICADO

‘Portadoras de mensagem espiritual do passado, as obras monumentais de cada povo perduram no presente como o testemunho vivo de suas tradições seculares. A humanidade, cada vez mais consciente da unidade dos valores humanos, as considera um património comum e, perante as gerações futuras, se reconhece solidariamente responsável por preservá-las, impondo a si mesma o dever de transmiti-las na plenitude de sua autenticidade.’42 Ruskin acreditava que a expressão da arte e cultura passada, baseada na conservação dessa arquitetura, nos permitia entender a relação entre as diferentes matérias do trabalho de uma determinada cultura, valendo-se da história dessas construções como veículo de desenvolvimento cultural. Ao manter vivo o testemunho cultural dos antepassados na sociedade atual, possibilita-se a identificação de marcos referenciais de identidade de memória antiga nos espaços urbanos atuais. Para o autor, os objetos pertenciam ao seu ‘primeiro construtor’43 e assim a população de determinada localidade tornava-se herdeira desses bens culturais, estabelecendo uma relação de compromisso social, entre o presente e o futuro dessas gerações. A preservação das edificações históricas era entendida como o bem de maior valor que se poderia delegar às próximas gerações. O que constitui estas preservações e intervenções é a tradição. Os produtos que o passado deixou e que conferem hoje uma operatividade na sua experiência, conduzem-nos ao significado especifico que só naquele lugar, mesmo com outro uso, se sente da mesma maneira. De tal modo que permite evocar lembranças de um passado e produzir sentimentos aptos a recriar a forma de vida daqueles que no passado o utilizaram.

adverte que a ‘tecnologia contemporânea, mal aplicada, danifica as estruturas antigas.’ In JORGE (2005), p.44 e 57, respetivamente. 42

Carta de Veneza (1964), IPHAN.

43

O termo “primeiro construtor”, é uma ligação metafórica que Ruskin estabeleceu para referenciar os

grupos sociais como os responsáveis pela manutenção e conservação dos bens de valor histórico e cultural, entendendo essa tarefa como um dever à preservação da arquitetura. 24


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

Cada objeto é composto por um inúmero de experiências, técnicas e significados vividos no tempo, e a sua perda levaria consequentemente ao desaparecimento do sentimento de pertença e memória das pessoas àquele lugar e ao passado, dessas referências e tradições. Memória, como já foi referido anteriormente, é a capacidade de não esquecer e manter presente o passado através da lembrança de algo que 44

consideramos ser identitário. O conhecimento das nossas raízes, através da

memória, ajuda-nos a distinguir o que nos une e o que nos divide. Devemos garantir a permanência dos traços e valores culturais que determinam tal lugar e não confundi-lo com outro. Definir claramente estas propriedades é tarefa das ações de preservação. Devemos aliar o conceito de identidade 45 ao da memória quando falamos de preservar lugares com sentido de património cultural. A memória refere-se às características que tornam algo inconfundível, aos traços identificadores dos lugares que funcionam como símbolos da história social. A articulação dessa memória com a identidade de bens culturais num processo de aprendizagem, deve ser exposto à percepção das populações para possibilitar a formação de uma identidade ‘coletiva’, evitando suprimir a experiência da memória popular. A arquitetura estabelece neste campo um parâmetro essencial à identidade urbana , por transmitir através dos seus objetos, pela sua forma, linguagem e carácter simbólico, a recordação coletiva do reconhecimento de um lugar especifico.46

44

45

Segundo a Carta de Cracóvia, 2000 ‘entende-se (identidade) como referência coletiva englobando, quer os valores

atuais que emanam de uma comunidade, quer os valores autênticos do passado’. 46

‘O nosso sentimento e compreensão estão, no entanto, enraizados no passado. É por isso que o significado que criamos com

o edifício deve respeitar a memória’. In ZUMTHOR (2005), p.17. 25


UM PATRIMÓNIO EDIFICADO

Ao falar desta ‘renovação’, é necessário repensar à cerca do que lhe é 47

útil , do que é que se pode considerar vantajoso, proveitoso e relevante, no âmbito de cada caso distinto do património construído. Capaz de passar, através do uso e da experiência da obra, identidade e significado que lhe era característico.48

47

‘’utilidade’ e ‘utilização’. (...) como sendo aquilo que é ‘proveitoso’, ‘vantajoso’, ‘bom para alguma coisa’’. In PEREIRA

(2005), p. 80. 48

‘utilidade ou utilitas, quando aplicada no sentido de reconhecer funcionalidade e imediatez de uso a um edifício.’ In

PEREIRA (2005), p. 80. 26


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

2| UMA CULTURA VERNÁCULA ‘Deus deu-nos esta terra durante a nossa vida; não é mais que um bom sujeito à restituição. Pertence aos que virão depois de nós (...) não temos o direito, por atos e negligências, de condiciona-los a penalizações inúteis, ou de priva-los de benefícios que estariam entregues à nossa mão (...) Quando dizemos que construímos, então, construímos para sempre (...) Que seja um trabalho para o qual os nossos descendentes estejam agradecidos; pensemos, colocando pedra sobre pedra, que chegará um tempo em que estas pedras serão consideradas sagradas porque as nossas mãos as tocaram e que os homens dirão considerando a matéria trabalhada: Vejam! Aqui está os que os nossos pais fizeram por nós! A maior glória de um edifício não depende, de facto, nem de pedra nem de ouro. A sua gloria está na sua idade(...)’.49

49

RUSKIN (1849), p.222-223. 27


UMA CULTURA VERNテ,ULA

28


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

Partindo do pressuposto que não é possível identificar uma tipologia ou morfologia genérica que distinga o que é a arquitetura portuguesa, decidiuse incidir o estudo sobre um tipo de património cultural e construído de uma cultura vernácula específica.50 Aos atributos formais que reconhecemos como distintos de cada cultura chama-se arquitetura vernacular - um qualquer tipo de construção que demonstre características únicas e daí permita identificar o carácter local ou regional de onde a obra está implantada, reconhecimento que ocorre pela utilização de materiais e recursos próprios que orientam uma morfologia única de cada região. Nos percursos atentados pelos arredores de Lisboa ou em fotografias da antiga pequena cidade de Lisboa, nota-se a frequência constante de habitações

de

reduzidas

dimensões,

marcadamente

cúbicas

ou

paralelepipédicas, com igual presença de pequenos vãos e telhados de quatro águas com curvatura característica. São as denominadas tradicionais casas saloias que atualmente tendem para a decadência e ao abandono. Todavia, continuam a despertar algum interesse associado aos fatores geográficos, de influência e culturais.

50

Portugal, por exemplo, carece de uma unidade em matéria de Arquitectura. Não existe, de todo, uma ‘Arquitetura

Portuguesa’ ou uma ‘Casa Portuguesa’. Entre uma aldeia minhota e um ‘monte’ alentejano, há diferenças muitos mais profundas do que certas construções portuguesas e gregas.’ (Associação dos Arquitetos Portugueses, 2004. P. XX) 29


UMA CULTURA VERNテ,ULA

30


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

1 | A ARQUITETURA POPULAR E ERUDITA

A herança comum das culturas vem de longe. São séculos moldados pelos condicionamentos do dia-a-dia, regidos pela tomada de consciência de população que a cria perante as adversidades ou recursos que a natureza coloca ao seu dispor. Populações que se tornaram sábios instrutores de novas culturas e métodos, cumpridores de um retrato cultural das gentes. Cada região adquire assim uma caracterização exemplificativa daquilo que nesse local pode ser oferecido

ao

indivíduo

comum,

determinando

os

seus

traços

e

comportamentos. No gradual afastamento da área metropolitana de Lisboa, caminhamos para o interior do território do nosso país. Aí estão implantadas as maiores concentrações de pequenos aglomerados de características arquitectónicas inconfundíveis - criações que foram gerando diversas variantes e pequenas diferenciações pela ação conjunta da necessidade e do trabalho de qualquer tipo de cidadão, desde o mestre ao simples curioso. Fizeram nascer uma variedade especifica de construção rural. Por estas razões é, ainda hoje, é questionável até onde vai o limite entre o popular e o erudito. De que modo é mantida a distinção susceptível de clarificar as contribuições do passado no domínio da arquitetura. Os esforços 31


UMA CULTURA VERNÁCULA

parecem existir na passagem de testemunho entre arquitetos e construtores, na tentativa de permanência da simplicidade construtiva e do desenho tradicional das formas populares. Em Portugal não é justificável a separação entre a arquitetura popular e a arquitetura erudita51. ‘é possível detectar cruzamentos, influências mútuas, características comuns’. 52 Estes limites tornam-se diferenciados quando observamos numa humilde habitação com janela pombalina. Nós, portugueses, consideramos bastante relevante esta mútua relação contrariamente ao caso da vizinha Espanha53. Passados dez anos da edição de ‘Itinerários de Arquitetura Popular Española’, em Portugal já se entendia que o mesmo não sucedia com a nossa arquitetura. Cada região é influenciada pelas condicionantes do território podendo estar contudo ligada a algum tipo de ‘parentesco’, ‘certas constantes, de subtil distinção, (...) a qualquer coisa do carácter da nossa gente, revelada nos edifícios ...’.54 Foi mais recentemente, neste conjunto de relações, que Raul Lino tentou fazer uma extração da ‘Arquitectura Portuguesa’ - erudito – e da ‘Casa Portuguesa’ – popular. ‘Não temos modelo de casa que se distinga tão absolutamente do de outros países que o pudéssemos caracterizar, como sucede, por exemplo, com a casa romana na antiguidade, de planta bem definida e inconfundível. (...) A nossa casa não se distingue por qualquer

51

‘Existem pois, em geral, no património arquitectónico dos povos, obras de raízes diferentes mas que até certo ponto se

completam e influenciam. Os grandes estilos eruditos ganharam, frequentemente, aqui e além, expressões locais, resultantes de uma adaptação às condições particulares das regiões diferenciadas. E as feições populares enobrecem-se, por vezes, com a apropriação das regiões diferenciadas. E as feições populares enobrecem-se, por vezes, com a apropriação de elementos ou ensinamentos das arquitecturas eruditas, (...)’. In Associação dos Arquitetos Portugueses (2004), p. XIX. 52

CALDAS (1999), p. 54.

53

‘Advertimos, evidentemente, la escasa relación que existe entre ambas; si en la arquitectura como bella arte son pocas las

influencias y aportaciones que puede tener el llamado arte popular, en este sólo pueden aplicarse redimentarmente los avances técnicos y si en cambio ciertas elementos ornamentales y decorativos, ... Una rápida vision sobre la casa popular en España confirma sus profundas raíces en el medio ambiente, (...).’ Citação de Luis Feduchi (Luis Feduchi e colaboradores – Itinerários de Arquitetura Popular Española, 1º vol, Barcelona: Editorial Blume. 1974. P.8) no livro que antecedeu em dez anos a 1º Edição da Arquitectura Popular em Portugal. 54

Associação dos Arquitetos Portugueses (2004), p. XX.

32


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

disposição geral de planta que seja típica no seu todo, se bem que não lhe faltem feições especiais características que só a ela pertencem. Mas, dada a variedade etnográfica, a diferenciação de climas e paisagem que existe no continente, menos é de espantar que não haja um tipo único de casa portuguesa (...) ’55 O Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal, durante os anos de entre 1955 e 196056, investigou o reconhecimento do retrato arquitectónico na procura da identidade das seis regiões distintas, divididas logo à partida antes do início do trabalho pela consciencialização adquirida anteriormente. Os aspectos tipológicos enquanto classe de análise, a materialidade, os aspectos geográficos e antropólogos, informavam estes seis grupos, constituídos por vários arquitetos 57 , que memória e tradição aliados à contemporaneidade poderiam permanecer num mesmo diálogo. Foi constituído o reflexo mais genuíno alguma vez feito da arquitetura nacional, com o intuito de servir de base para o estudo de projetos futuros nestes lugares, ricos de cultura passada adquirida pela memória da história.

55

Excerto do livro A Casa Portuguesa (A Casa Portuguesa, Escola Tipográfica da Imprensa Nacional de

Lisboa, 1929. P.5,6) in CALDAS (1999), P.92 56

Deu origem mais tarde, em 1961, a primeira edição do livro ‘A Arquitetura Popular em Portugal’ que

mostra o resultado do trabalho desta investigação. 57

Foi constituído pelos arquitetos Nuno Teotónio Pereira, António Pinto de Freitas e Francisco Silva

Dias, a área abrangente ao território saloio, delimitada pela costa e pelos vértices entre Setúbal, Abrantes, Coimbra e a Praia de Mira. Denominada de Zona 4. 33


UMA CULTURA VERNテ,ULA

34


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

2 | A REGIÃO SALOIA 2.1 | AS INFLUÊNCIAS

Tudo indica que a designação saloio tenha nascido pelos habitantes dos arredores de Lisboa, sendo possível o seu aparecimento em épocas anteriores à chegada de D. Afonso Henriques, limitando os novos ocupantes a dar continuidade a um costume muçulmano. Estas raízes mantiveram-se no vocabulário, na toponímia e segundo a opinião de alguns escritores e historiógrafos, nos próprios traços físicos58. (Figura 1 e 2) FIGURA 1 | A MULHER SALOIA

Aceita-se ‘que a população saloia nunca deve ter constituído um grupo populacional distinto, que se tenha diferenciado ou individualizado, fisicamente, do povo português em geral, cuja raiz bioantropológica profunda sempre se revela indiscutivelmente mediterrânica, mas se isolou e distinguiu apenas por aspectos culturais próprios e

58

‘entregue ao cultivo das hortas, com a água a escorrer da nora gemedora. É desta população consentida, mourisca e

subalterna, que deriva o mais da gente que habita os contornos de Lisboa—o saloio de tez morena, pele tisnada, olhos e cabelos negros ou castanhos, membros secos, tipo sem finura de raça e beleza plástica de linhas , (...)Psicologicamente, caracteriza- o o espírito de rotina, a curteza de vistas, a avareza levada à sordidez, e essa atitude de desconfiança que, sob o nome de esperteza saloia, (...).’ citação de Raul Proença (PROENÇA, Raul. Guia de Portugal. Edição de texto integral da 1a edição de 1924. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991. 1o Volume. p 464) in ANASTÁCIO (2008), p.67 FIGURA 2 | O HOMEM SALOIO 35


UMA CULTURA VERNÁCULA

particulares’ 59 . Foi Leite de Vasconcelos que condensou as origens mais prováveis da naturalidade saloia, simultaneamente, dos mouros60 e cristãos61. Ao explorar a etimologia do vocábulo ‘saloio’, compreendemos as transformações e formulações que foi sofrendo desde o séc. XVIII. Identificamos que esta designação deriva do árabe ‘çahrói’

- habitante do

campo – romanizado com ‘çahrói’, evoluindo posteriormente para ‘çaroio’, ‘çaloio’ até chegar a ‘saloio’.

Denota-se uma etimologia toponímia de um carácter geográfico por aludir ao campo ou ao deserto62. Os primeiros a ganharem essa denominação viviam em locais com este cariz. Eram os habitantes expulsos ou fugidos da cidade, sobretudo berberes e indivíduos de outras etnias (como moçárabe) trazidas pelos árabes, permitidos por D. Afonso Henriques, mediante o pagamento de certos tributos após a reconquista dos cristãos so séc. XII. A designação de ‘saloio’ surge cada vez mais associada a uma conotação depreciativa e reportada ao interior, que aos olhos do citadino e do habitante urbanizado se resume a percursos turísticos de fim-de-semana pelas áreas campestres. Estes lugares encontram-se às portas da cidade, alcançáveis através de caminhos antigos e consolidados em pequenos aglomerados ainda de carácter rural, cujo território é rigorosamente marcado pela geometria dos

59

Citação de José Caria Mendes (CARIA MENDES, José. Acerca das características bioantropológicas da

população da região saloia – nota prévia in ‘Resumo das Comunicações do I Colóquio de Etnografia da Região Saloia’, Sintra, 1987 p.4) in CALDAS (1999), p.114 60

‘O vocábulo mouros tem acepções diferentes conforme os autores. Enquanto Alberto Pimentel, ao separar os povos assim

designados dos árabes e dos berberes, se deve reportar aos habitantes da antiga Mauritânia incluídos nos hostes islâmicas que invadiram a Península, Leite de Vasconcelos adopta o sentido que deve ter tido na Idade Média e seguiu tendo na acepção corrente: conjunto de povos islamizados que ficaram no país depois da reconquista cristã fosse a sua origem árabe, berbere, moura propriamente dita ou peninsular convertida’. CALDAS (1999), P.114 61

‘Critãos, isto é, moçárabes, que constituíam a população autóctone. Mais claro: a primitiva gente de que provieram os

Saloios, regulando-os pelo étimo, constava pois de Mouros e Cristãos’. Citação de Leite de Vasconcelos in CALDAS (1999), P.114 62

’çalé’, ‘salé’ ou ‘çaa’la’.

36


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

alinhamentos dos muros de pedra e dos campos lavrados. Aldeias que abrigam um povo laborioso, de hábitos especiais mas fechado, que alimenta a cidade mas resiste à sua influência. O saloio é então reconhecido pelos citadinos como ‘o agricultor que traz a vender os frutos e pão à cidade’63 ou homenageado pelo carácter de ‘homem justo’64 associado a esse profissionalismo, perfeição e equilibro, invocado também à arquitetura. Mais do que uma alcunha para definir um género cultural, define uma região ‘étnico-geográfica’

65

, uma delimitação território-cultural em

66

permanente evolução .

63

Citação de José Vasconcellos (VASCONCELLOS, José Leite. Etnografia Portuguesa: Tentame de

Sistematização. Vol III. Lisboa: Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1980 – p.428) in ANASTÁCIO (2008), p.67. 64

nome próprio derivado do verbo ‘saleha’.

65

Termo utilizado pela Arquiteta Maria Amélia Anastácio na sua tese para obtenção do grau de mestre

em Arquitetura, para designar uma população que para além de ser definida por uma cultura também define uma área geográfica. 66

‘morar nos saloios, ou lá para os saloios, ir aos saloios, ou para os saloios, vir dos saloios’. Citação de José

Vasconcellos (VASCONCELLOS, José Leite. Etnografia Portuguesa: Tentame de Sistematização. Vol III. Lisboa: Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1980 – p.432) in ANASTÁCIO (2008), p.67. 37


UMA CULTURA VERNÁCULA

2.2 | A EVOLUÇÃO TERRITORIAL ‘Para poente do vale e Alcântara era terra de saloios, como o demonstram as produções tradicionais até finais do século XIX, como indicia a ocorrência de numerosos topónimos de origem árabe – Alcântara, Algés, Carnaxide, Benfica. Esta identidade cultural prolonga-se à Margem esquerda – Almada, Caparica, Murfacém, Trafaria. Por isso não estranha que, logo na Reconquista, as acções de gestão do primeiro Rei fossem comuns – de um lado o Reguengo de Algés, do outro o Reguengo de Caparica.’67

A arquitetura vernacular tradicional da região Saloia identifica a existência de uma arquitetura com um carácter próprio dos aglomerados mais rurais dos arredores de Lisboa. Acredita-se que a sua origem e limites se definem pela fixação dos povos arabizados e da gradual formação da cultura moçárabe ao longo dos séculos que se seguem às invasões muçulmanas na região da Estremadura. É afirmado por Paulo Freire na sua obra que descreve a fisiologia, psicologia e etnografia da cultura saloia ‘que após a batalha de Tarik, que abriu as portas da Península à invasão árabe, (...) quando os Árabes tomaram conta de Lisboa, os berberes espalharam-se pelos arredores formando o que depois se chamaria a região saloia.’68 A delimitação desta região e do termo de Lisboa ajudam a definir com mais clareza a localização geográfica deste povo, permitindo a sua identificação antropológica e consequentemente morfológica. De acordo com Jorge Gaspar69 não existe uma delimitação científica desta comunidade vernácula nem uma consagração da designação por nomes

67

Citação de Jorge Gaspar (GASPAR, Jorge. Identidade das duas Margens: dos saarois aos belenenses. Texto

policopiado para ‘Encontros à Esquina’, Centro Nacional de Cultura, 1982.) in CALDAS (1999), p. 113. 68

Citação de Paulo Freire (FREIRE, João Paulo. O Saloio – Fisiologia, Psicologia, Etnografia. Porto,

1948) in FERNANDES; JANEIRO (1991). P. 17. 69

Geografo pela Universidade de Lisboa em 1965, doutorou-se em Geografia Humana no tema ‘Sistemas

de Funções e Lugares Centrais’. Tem-se dedicado a diversos campos de estudo na investigação de sociedade e territórios, estudos urbanos e regionais, geografia humana, entre outros. 38


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

de lugares. Nunca se fez um estudo sistemático sobre o limite deste território, permanecendo apenas a hipótese de ter correspondido inicialmente a toda a Estremadura (Cistagana e Transtagana) contrariando a percepção adquirida pelos Lisboetas (quem lhe terá dado e fixado a tradição do nome) e pelos próprios visados. Apesar da controvérsia relativamente à delimitação da Região Saloia, é normalmente aceite a circunscrição por Leite de Vasconcelos na margem Norte do Rio Tejo, a qual é incluída, por José Manuel Fernandes, ainda alguns concelhos da margem Sul. Guilherme Cardoso acrescenta ainda alguns concelhos a Norte da área Metropolitana de Lisboa como área de ‘expansão’, especialmente por razões de expressividade construtiva. Como por exemplo o caso de Vila Franca de Xira, rico em exemplares de arquitetura doméstica tradicionais da Região Saloia. Ainda o escritor Alberto Pimentel, em 1908, definiu o que designou por ‘Região dos Saloios e suas zonas’, classificando os seus limites em duas áreas territoriais: a ‘zona de instalação’ 70 e a ‘zona de penetração ou irradiação’71, contestada por Leite de Vasconcelos. Na década de 60, também o escritor e jornalista, Gustavo de Matos Sequeira, fez referência a um núcleo interior no qual eram mais evidentes a presença da autenticidade desta cultura. A relação íntima entre as duas margens do Rio Tejo está maioritariamente evidenciado por atravessamentos de peregrinação ou de romarias72, desde o círio de Nossa Senhora da Nazaré com direção ao Cabo Espichel – da extremidade norte à sul da ‘antiga Estremadura’. O tipo de vestígios arquitetónicos ainda existentes nestes locais confirma também a sua

70

A ‘Zona de Instalação’ corresponde à área geográfica inicialmente ocupada por foragidos da conquista

lisboeta, correspondente ao Termo de Lisboa. 71

A ‘Zona de Penetração ou Irradiação’ seria ocupada progressivamente pela expansão setentrional dos

ocupantes da primeira área, estendendo-se até Óbidos. 72

‘Ainda hoje a área de atração da Romaria da Senhora do Cabo corresponde à área dos saloios, reproduzindo para os

cristãos o que já fora uma peregrinação muçulmana e mantendo assim unidas as duas margens, cujo passo mais estreito se situa entre Belém e Porto Brandão.’ Citação de Jorge Gaspar (GASPAR, Jorge. Identidade das duas Margens: dos saarois aos belenenses. Texto policopiado para ‘Encontros à Esquina’, Centro Nacional de Cultura, 1982.) in CALDAS (1999), p. 113. 39


UMA CULTURA VERNÁCULA

FIGURA 3 | EXEMPLAR NO ARQUIPELAGO

Habitação na Ilha de Porto Santo, Vila Baleira, e respectivo levantamento.

FIGURA 4 | EXEMPLAR NO ARQUIPELAGO 40

Habitação Torreada na Ilha de Santa Maria, nos arredores de Almagreira, e respectivo levantamento.


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

ocupação ao longo de todo este território. (figura 5) Nos dias de hoje, este território da Terra Saloia, está cada vez mais condicionado pela expansão urbana. A diminuição das áreas em que são mantidas um carácter tradicional está a levar à perda do seu território mais inicial e do saber cultural do indivíduo. O espólio arquitectónico destas comunidades, apresenta atualmente uma dissonância entre as duas margens identitárias. Ao analisarmos a margem sul, apercebemo-nos da presença de uma carácter isolado ou mesmo em ruína dos exemplares ainda viventes. Derivado da intensa migração que a região sofreu sobretudo com população oriunda do Alentejo. Situação oposta acontece na margem norte, na qual as aldeias exibem ainda uma forte coesão e vitalidade dentro do quadro saloio – o que só reforça a importância do estudo desses vestígios como testemunho de uma cultura em extinção. Foi ainda encontrado um exemplar no Arquipélago dos Açores, conhecido como o único modelo que se pode relacionar diretamente com estas raízes e características vernaculares da Região Saloia. Pensa-se que poderá ter surgido pela transposição direta via habitantes ou pela coincidência de fatores geográficos e materiais semelhantes com a partilha de uma base cultural e construtiva equivalente.73 (figura 3 e 4)

3 1 2

2

FIGURA 5 | TERRITÓRIO SALOIO 73

in Arquitetura Popular dos Açores, trabalho colectivo em que os autores deste texto participaram

(1982-1985, em fase de edição pela Associação dos Arquitetos Portugueses), com os arquitetos Ana Tostões, Filipe Jorge Silva, João Vieira Caldas, Nuno Barcelos, Victor Mestre 41

1-Núcleo de autenticidade 2-Área preconizada por J. Vasconcellos e J. M. Fernandes 3-Área acrescentada por G. Cardoso


UMA CULTURA VERNテ,ULA

FIGURA 6 | CONJUNTOS COMPACTOS

Vila chテ」 de Ourique, Cartaxo

FIGURA 7 | CONJUNTOS COMPACTOS

Conjunto saloio nos arredores de Sintra. 42


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

2.3 | MORFOLOGIA ARQUITECTÓNICA

As aldeias, as vilas ou as cidades são mais do que os aspetos materiais que as conferem. Para além da apresentação conferida pelos elementos construtivos possuem uma vida. São reflexos das necessidades dos somatórios das vidas dos seus habitantes transposto em expressão dum habitat humano criado nos aglomerados habitacionais. Mostram a constituição social de um determinado povo e muito das características culturais da sua maneira de viver. Funciona como um centro populacional em que os habitantes são donos das suas terras e com uma evolução do aglomerado quase biológica – casal rural. A sua estrutura reflete a razão do condicionamento pelos recursos naturais, sociais

e/ou

geográficos.

Em

qualquer

aglomerado

estruturado

o

desenvolvimento urbano desenrola-se geralmente em torno de um largo central. Acontece ai o centro da vida comunitária e o desenvolvimento de algum equipamento principal – igreja, poço, ... (figura 6) Não há aperto num terreno que é vasto. As casas chegam à rua e deixam para trás os quintais, nos quais cada proprietário lavra a terra que serve de amparo ao sustento familiar. Nos núcleos mais compactos, os limites das habitações com a rua passam a definir um plano de fachadas em que as aberturas dos vãos aparecem como acidentes. Sentimos o domínio da superfície da fachada fechada. É o sol que impõe os contrastes de claro-escuro nestas superfícies, assinalando as molduras dos vãos ou os beirados salientes. (figura 7 e 8) Se há arquitetura verdadeiramente característica e individualizável é a desta região saloia. De tipologia facilmente apreensível, são as formas e medidas semelhantes de caso para caso que permitem uma restrição das variantes, fortemente condicionada pela organização em planta que a define. Caracteriza-se pelo formalismo cúbico, por vezes cintilante e pela brancura do caio. FIGURA 8 | AGREGAÇÃO EVOLUTIVA DOS CASAIS 43


UMA CULTURA VERNÁCULA

À semelhança da maioria das arquiteturas regionais, esta também é fortemente condicionada por questões económicas e pelos recursos materiais facilmente acessíveis nos lugares de implantação. Muitas vezes a casa assume mais do que um aspeto programático não indo muito além das quatro paredes.74 A habitação saloia está inserida num ‘tipo’ arquitectónico característico mais da zona sul, inscrevendo-se num grupo de transição a nível nacional ponderado por Orlando Ribeiro75. Enquanto que a tradicional casa do sul é predominantemente térrea, a casa saloia possui uma organização interior distribuída, em muitos casos, em dois pisos. É uma casa com características mediterrâneas, rebocada, caiada, com cobertura em telha portuguesa, distanciando em construções anexas abrigo para os animais e ferramentas agrícolas, adegas, etc. Para além dos fatores referidos anteriormente conseguem-se detetar três tipos fundamentais de casas elementares que constituem as bases de ‘grelha de combinações e ampliações extensíveis’76 neste tipo de arquitetura vernacular: (ver anexo 2 – Tipologias e Variantes da Arquitetura Vernacular Saloia; p.151) -

Casa térrea com duas ou três divisões e telhado de quatro águas; (figura 9)

74

‘Não são boas as condições de habitação, de trabalho ou o equipamento social do nosso povo, e não é preciso rebuscar os

aspectos que mostram ser baixo o seu nível de vida. São, infelizmente, bastos e eloquentes, mas quem os quiser sentir através das construções, que são um espelho fiel de todos os pormenores e da síntese da sua vida, depara com tarefa ingrata. Porque, paralelamente com condições chocantes, com o frio e o desconforto que se adivinham, não podemos deixar de admirar nas soluções tudo o que elas têm de valor emotivo. E é de justiça homenagear quem em tão duras circunstâncias consegue casa, palheiros, poços, moinhos ou fontes, tão acertados e belos.’ (Associação dos Arquitetos Portugueses, 2004. P.55) 75

‘A casa do sul caracteriza-se tanto pela forma mais simples como pela função mais especializada: construção de um só

piso, destinada apenas à habitação. No litoral da Beira e no vale baixo do Mondego, para oeste, nos plainos de Castelo Branco e do Alto Alentejo, por leste, a transição faz-se por uma casa de andar, mas com escada interior de madeira, que já não resguarda gados, fenos ou palha.’ Citação de Orlando Ribeiro em (Portugal o Mediterrâneo e Atlântico, Esboço de relações Geográficas. Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1967, p.91) in CALDAS (1999), p.114 FIGURA 9 | TIPOLOGIA TÉRREA

76

CALDAS (1999). P.105

44


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

-

Casa torreada, constituída por um corpo de aparência cúbica com dois pisos e telhado de quatro águas a que é encostado um corpo térreo; (figura 10)

-

Casa rectangular de dois pisos, correspondente à união de dois corpos cúbicos com a mesma característica da casa anterior. (figura 11)

Da mesma forma que salientamos aquilo que une os tipos fundamentais, também não podemos deixar de referir o que as separa. Casas ligadas a diferentes aspetos sócio-económicos não são necessariamente identificadas ou distinguidas pelos seus valores expressivos ou tipológicos. Estes últimos dizem respeito à forma geral da habitação e à sua organização interna, à relação que estabelece com outros espaços – interiores ou exteriores – do mesmo conjunto rural (casal) e com os caminhos de acesso. Os solstícios árduos e os equinócios quentes influenciaram em alguns

FIGURA 11 | TIPOLOGIA AGREGADA

casos o carácter de espaço exterior continuo à habitação. Quando existe, este constitui essencialmente um espaço de transição climática entre os ambientes tórridos ou gélidos do exterior e a temperatura amena no interior das habitações. Por estar de certo modo configurado à recepção, adquire alguma

FIGURA 10 | TIPOLOGIA TORREADA

importância nos valores plásticos da construção, pela cuidadosa composição dos seus elementos formais e escolha dos materiais, embora a variedade seja reduzida. (figura 12) Toda a atividade familiar ou mais privada passa-se no interior desses quintais ou de pequenos espaços exteriores roubados à rua. São áreas entre as casas, limitadas por um muro que nos parece verdadeiramente integrado no arranjo urbano e que funciona como um prolongamento da vida privada que

FIGURA 12 | ELEMENTOS TRANSITÓRIOS

ocorre dentro das habitações. É neste espaço exterior e perante as características que lhe conferem que é demonstrado o gosto que estas populações têm pelo ar livre. Sempre que possível fogem aos espaços fechados e interiores ‘e, ao mesmo tempo apreciam a intimidade que a rua lhes nega’77.

77

Associação dos Arquitetos Portugueses, 2004. P.30

FIGURA 13 | LUGARES DE ENCONTRO 45


UMA CULTURA VERNÁCULA

Os locais de reunião social acontecem na espontaneidade da escolha momentânea, geralmente acontecem num largo, numa rua ou numa esquina, as gentes encontram-se porque existe uma árvore, um banco ou um espaço urbano que lhes transmite algum aconchego e amparo, como um largo ao sol. (figura 13)

46


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

3| DA REGIÃO A UM LUGAR

47


DA REGIテグ A UM LUGAR

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MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

FIGURA 14 | CASAL DO REBOLO

A escolha deste lugar específico partiu do princípio de escolher um sítio com características particulares, que fosse ao encontro da busca por um património cultural que se está a perder. Sendo a autora de naturalidade ‘saloia’ e conhecendo todo o potencial destes lugares, considerou pertinente a relevância deste tema de estudo na sua região. Como forma de ser mantida a discussão sobre estas realidades tão próximas da capital e que começam a ser ‘absorvidas’ pela industrialização. Estando consciencializados da identidade singular que são as culturas saloias e os lugares campestres, pareceu-nos pertinente escolher o Casal do Rebolo. Um lugar que pertence ao património público (Junta de Freguesia de Almargem do Bispo) e que nele está inerente todas as qualidades e contactos sensoriais que à partida o campo nos consegue transmitir. Atributos que estão aliados a uma forte presença do fator tempo no lugar ao longo da história da nossa existência, por conter vestígios arqueológicos da época romana e do paleolítico, e ser notório em toda a sua construção mais recente os traços identitário da arquitetura vernacular da região saloia. Apresenta-se como um privilegiado por toda a realidade que lhe está envolvente. Numa área singular de encontro com a natureza e de enfiamento com a Serra de Sintra78.

78

O maciço estremenho serve de fundo a grande parte das paisagens da Zona. As serras redondas e acaçapadas, as pedras

que a erosão descarnou e a vegetação curta que entre elas cresce formam ao longe uma mancha parda e imponente.’ (Associação dos Arquitetos Portugueses, 2004. P.11) 49


DA REGIÃO A UM LUGAR

FIGURA 15 | ENQUADRAMENTO TERRITORIAL

Localização do Casal do Rebolo no contexto distrital. Sub-divisão dos concelhos.

FIGURA 16 | ENQUADRAMENTO REGIONAL

Localização do Casal do Rebolo no contexto regional. Sub-divisão das freguesias.

FIGURA 17 | ENQUADRAMENTO LOCAL

50

Localização do Casal do Rebolo no contexto local. Limite da Freguesia de Almargem do Bispo.


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

1 | O ENQUADRAMENTO GEOGRÁFICO

A villa do Casal do Rebolo situa-se no territorium do municipipium olisiponense, localizado no interior rural do distrito de Lisboa numa área predominantemente agrícola. Insere-se numa das Freguesias mais extensas do Concelho de Sintra, com cerca de trinta e sete quilómetros quadrados, fortemente marcada por características vernaculares identitárias da região. (figura 15, 16 e 17) Situada na extremidade nordeste do concelho, encontra-se afastada por quinze quilómetros da vila de Sintra, vinte e três de Lisboa e a apenas três de umas das antigas estradas reais que ligavam Lisboa a Mafra.79 Esta freguesia, Almargem do Bispo, é caracterizada como aquela que ainda preserva e possui um dos maiores espólios da distinguida arquitetura vernacular da Região Saloia.

79

Durante o início do século XIX, o território do distrito de Lisboa era atravessado por duas Estradas

Reais. A ‘Estrada Real Lisboa-Sintra’ e a ‘Estrada Real Lisboa-Mafra’. Essas estradas partiam de Lisboa e seguiam por uma via comum até ao Lugar da Porcalhota de Cima, aí bifurcavam e seguiam em direção a cada uma das vilas. Era por estas estradas que a nobreza passava durante os períodos de veraneio ou de refúgio político ou de saúde. Influenciou de tal forma a região que se tornaram igualmente importantes do ponto de vista económico, para escoar os produtos que a região dava. Ainda hoje são encontrados solares, quintas e casas apalaçadas que mostram esta passagem, assim foram sendo desenvolvidas ao longo das Estradas Reais aglomerados populacionais que exploravam os bens naturais que esta região campestre produzia. 51


DA REGIÃO A UM LUGAR

FIGURA 18| ENVOLVENTE DO CASAL

Fotomontagem da paisagem humanizada a oeste do Casal do Rebolo.

Um povoamento secular com a forte movimentação de fluxos, principalmente comercias, foi decisivo para o desenvolvimento urbano destes lugares. Feito inicialmente através de ocupações de carácter totalmente rural, de pequenas dimensões e totalmente independentes dos recursos existentes no exterior do casal. Cuja localização dependia essencialmente da proximidade a tais recursos naturais - presença de linhas de água e qualidade dos solos – e vias. Sabe-se que foram lugares elegidos desde a pré-história, do paleolítico até a atualidade. Factos, ainda hoje, não totalmente descodificados, motivados pela continua descoberta ao longo das últimas décadas de vestígios arqueológicos. Tal o caso do Casal do Rebolo, inserido no complexo arqueológico de Olelas, classificado como SIP – Sítio de Interesse público pelo IGESPAR. O Casal do Rebolo está implantado numa encosta direcionada a poente a uma altitude de 200m, claramente marcada pela existência do maciço da Serra de Sintra a oeste do lugar. Constituindo uma barreira natural de aproximadamente cinco quilómetros de largura no horizonte visual, no enfiamento do Vale da Calada. Este acidente montanhoso é responsável pelo microclima da região, com uma densidade de humidade bastante elevada, evidente quando comparada com as regiões localizadas a sul do mesmo. (figura 18)

52


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

A envolvente ao lugar compõe a qualidade de Cultura Humanizada80 pela continua conservação da presença de antigas estruturas vernaculares que definiram e mantêm o carácter próprio destes lugares e das suas paisagens. (figura 19) Pela proximidade e fácil acessibilidade aos centros, foi uma comunidade desde sempre esteve conectada a uma forte independência económica. A intensa economia agrícola81 que serve os mercados de Sintra, Cascais e Lisboa, mas completada na atualidade pela atividade industrial em que se destaca a exploração mineira, no comércio do reconhecido mármore Amarelo e Encarnada de Negrais, e o comércio alimentar, do tradicional leitão assado à moda de Negrais82.

80

Lugares enriquecidos pela paisagem cultural, que adquiram ao longo da história o contributo do

equilíbrio das construções humanizadas contraídas. 81

Atividade em que figuravam algumas profissões já desaparecidas como as de moleiro, ferrador, latoeiro

ou lavadeira. 82

Contrariamente da região da Mealhada, conhecido pela sua tradição em ser assado ‘fechado’. Em

Negrais ganha reputação também a nível nacional pela tradicional forma de assar ‘aberto’. Embora hoje FIGURA 19 | A FREGUESIA

em dia sejam os dois provenientes de criações alentejanas. 53


DA REGIテグ A UM LUGAR

54


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

2 | A EVOLUÇÃO TERRITORIAL

Já vimos que a presença humana deste território em estudo remonta à pré-história. Durante esses períodos, as comunidades migratórias alimentavamse daquilo que a natureza lhes podia oferecer, deslocando-se de lugares em lugares na procura de mais e melhor. Foi desta necessidade que deram início à mais antiga industria humana – a construção de instrumentos de pedra, osso e madeira – e assim conseguiam controlar o seu habitat, quer natural quer animal. Para a melhora da capacidade do aumento das produções e do sustento de outros grupos vizinhos. Deste modo foi conduzido o aumento das populações e o crescimento dos primeiros povoados mais consistentes. Dando, por sua vez, origem às primeiras trocas comerciais entre povoações afastadas geograficamente. Sintra, a Shantara ou Chentra dos muçulmanos, terá sido conquistada nos inícios do séc. VI. Até ao século XIX, destacava-se pelo seu aspecto escalvado e selvagem sempre envolvida em fortes neblinas. Uma finisterra atlântica representada para os povos antigos como um eixo no mundo simbólico que dividia ‘as terra, o mar e o céu’83. (figura 20)

83

Plínio Velho, naturalista romano do Séc. I 55


DA REGIÃO A UM LUGAR

FIGURA 20| A PAISAGEM

’A View of Mr. De Visme’s Country Seat at Monserat’’ de Noel, 1795.

FIGURA 21| OLISIPO

Planta estratégica do termo de Lisboa durante o domínio romano. 56


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Com a chegada e domínio romano, Olisipo 84 afirma-se como urbe adquirindo o controlo de uma vasta área rural (agri olisiponensis) de forma a providenciar o abastecimento das populações citadinas e dos exércitos. Era delimitada pela extensa zona entre o Cabo da Roca (sul), Ribeira de Ilhas (norte) e Almargem do Bispo e Negrais (leste). (figura 21) Olisipo seria uma localização estratégica no estuário de Tejo em que constituía uma importante via fluvial de entrada no território Europeu. Para além de dispor do melhor porto natural da Hispânia, era considerado como um importante porto de apoio à navegação atlântica. A forte vocação desta área territorial, dada a abundância de água e a notável fertilidade dos solos, é reconhecida desde os mais antigos povos, estando também claramente presente durante a ocupação romana e tendo atingindo grande relevo durante a ocupação muçulmana. Atualmente, a Estação Eneolítica de Negrais 85 é continua a ser reconhecida pelas suas características geológicas, sobretudo pelo vastíssimo campo de Lapiás e o seu coberto vegetal de características mediterrâneas. Regiões nas quais as populações neolíticas e calcolíticas deixaram abundantes vestígios da sua passagem por estas terras. Infelizmente, já não é possível observar grande parte das estruturas arqueológicas.

84

Em latim: olisippo. Foi a denominação romana para a cidade de Lisboa, uma das principais da Lusitânia

Romana. O sufixo ‘ipo’ pode ser identificado por toda a Península Ibérica por influência Tartessa ou Turdetana. 85

Sítio Classificado pelo Decreto-Lei n.º 393/91, de 11 de Outubro, foi a primeira estação arqueológica

instaada num campo de lapiás a ser descoberta em Portugal. Integra um conjunto de formações geológicas resultantes de processos cársicos, gerando unidades territoriais de excecional importância e singularidade paisagística. Abrange um conjunto edificado de características vernaculares para a produção agrícola e um coberto arbustivo e arbóreo representativo da vegetação espontânea da região. É testemunho da história geológica da Terra. A sua relevância geológica de caracter relevante a nível nacional, vocacionado para abordagens do ponto de vista científico, pedagógico, didático e turístico. É essencial garantir a continuidade da sua geoconservação, processo que pretende a gestão do património integrando os recursos naturais presentes. 57


DA REGIÃO A UM LUGAR

FIGURA 21| ITINERÁRIO DE ANTONINO

FIGURA 22| VIAS ROMANAS DE LISBOA

FIGURA 23| MAPA DO SÉC. XVI

58


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A avaliar pela extensa presença de vestígios arqueológicos, este território apresenta ter sido um denso povoado, ligado pela rede viária mais importante para o estudo da comunicação peninsular do Império Romano – Itinerário de Antonino86. (figura 21 e 22) Em meados do séc. XVI, estes espaços ainda eram conhecidos por comarcas, províncias ou regiões com delimitação diferente daquela que conhecemos atualmente. Era na comarca de Torres Vedras que era abrangido Cintra e na de Alenquer a povoação de Almargem do Bispo. Uma estampa cartográfica gravada no ano de 1704 em cobre pelo mestre alemão Gabriel Bodenehr87 no seu ‘Atlas Curiex’, mostra-nos a região envolvente à atual cidade de Lisboa – ‘Comarca di Povos’. Nela é incluída a área de Almargem do Bispo, com referência ao Robolo. (figura 23) Nesta época a ‘freguesia’ ainda se encontrava dividida em duas zonas administrativas – Sintra e Lisboa. Esta situação fronteiriça manteve-se até ao séc. XVIII. Só com a nova divisão administrativa promovida pela reforma de 1835-36, é que foi determinada a desanexação do termo de Lisboa, de grande dimensão, para a criação de novos concelhos, ficando Almargem do Bispo88 integrada no Concelho de Sintra. Com base nas leituras setecentistas que chegaram até aos nossos dias, Almargem do Bispo começou a surgir documentada com as mesmas

86

Em latim: Antonini Itinerarium. É um registo baseado em documentos oficiais, provavelmente do

levantamento levado a cabo à época de Júlio César das estações e distâncias ao longo das várias estradas do Império Romano. Embora seja uma fonte inestimável, desconhece-se o seu autor e a data de publicação. Presume-se que datará no inicio do séc. III e tradicionalmente é reconhecida como uma autoria de Antonio Augusto (imperador romano de 138 a 161 d.c.). Saía de Lisboa com direção a Benfica e a Belas, em São Miguel de Odrinhas entroncava com o ramal proveniente da Ribeira de Cheleiros – ainda navegável no período romano -, e continuava o percurso para os arredores de Torres Vedras. 87

Famoso cartógrafo alemão, nascido em 1673 e falecido em 1765, foi herdeiro de uma ilustre família de

gravadores e editores de Augsburg, tendo-se celebrizado pelas obras ‘Atlas Curieux’ e ‘Curioser Staats und Kriegs Theatrum’. 88

‘Almargem do Bispo. Lugar na Provincia da Estremadura, Patriarcado de Lisboa, Comarca de Alenquer, Termo da

Villa de Cintra. Está fundado entre hum monte, e huma varzea (...) Os frutos que os lavradores recolhem em mais abundancia, saõ: trigo, cevada, e cebollas (...) As águas que usa o povo saõ finas, saudaveis, e de bom gosto.’ Citação de Luiz Cardoso no Dicionário Geografico (1747-1751) in PATO (2013), P. 136 59


DA REGIÃO A UM LUGAR

características que apresenta nos dias de hoje. Um retrato marcadamente rural, com uma paisagem pontuada por vinhas, searas e hortas que também serviam o abastecimento dos centros urbanos mais próximos. Noutras áreas da freguesia, mais afastadas das principais linhas de água, eram a indústria da construção que ganhava mais relevância, principalmente para a construção de inúmeros monumentos de Lisboa em ‘amarelo’ e ‘encarnado de Negrais’. Também o fabrico de cal, através da cozedura a altas temperaturas

da

pedra

calcaria

em

fornos

adequados,

encontra-se

documentado desde estas épocas. Este litoral sintrense está à mercê de uma esplêndida paisagem para a Serra de Sintra, exterior à área classificada como Património Mundial (consultar anexo Sintra - Paisagem Cultural; p.145) transformada numa zona privilegiada de segunda residência, sobretudo para férias estivais de que ainda hoje são testemunhados nos exemplares mais característicos desta arquitetura vernacular. (figura 24)

FIGURA 24| DISTINÇÃO CULTURAL

Fotografia de uma senhora lisboeta com a proprietária da sua habitação de férias. Registado na década de 40.

60


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

2.1 | ORIGEM DA FREGUESIA

Uma das referências mais antigas que faz alusão ao povoado envolvente de Almargem do Bispo, data de Abril de 1203, numa carta de venda de uma vinha no lugar de Almargem vendida no valor de 7 morabitinos89 feita por D. Paio Gonçalves, Prior do Mosteiro de S. Vicente. E mais tarde, em Março de 1264, por uma adoção efetuada ao Mosteiro de Santa Cruz Coimbra ‘dum herdamento de herdades e viñas e de casaes com seus corraes e montes e fontes e águas, entradas e saídas e pasigos e todos dereitos (...) no termo de sintra em loco que dizem Almargeo.’90 O seu nome originário surge da grande fertilidade presente nos solos de Lisboa e das periferias, documenta desde a conquista de Lisboa numa carta em que é referido ‘os seus terrenos, bem como os campos adjacentes, podem comparar-se aos melhores, (...) pela abundância do solo fértil. (...) Nada há nela inculto ou estéril’91. O Topônimo principal (Almargem) é de origem árabe que traduz o significado verdadeiro daqueles lugares. Provém da palavra ‘al-marj’, que significa ‘o prado, o pântano’, quanto ao designativo ‘do Bispo’, está relacionado com o facto de Dom Miguel de Castro, Bispo de Viseu e Arcebispo de Lisboa, e senhor de muitas terras na freguesia, ter mandado construir uma Ermida em Almargem (Capela de S. Pedro).

89

moeda de ouro cunhada na península Ibérica inicialmente pelos Almorávidas – império formado entre

os séc. XI e XII - moeda da época de D. Afonso Henriques 90

Citado em http://www.jf-almargemdobispo.pt/articles (consultado a 19-06-2013)

91

Citação de José Augusto Oliveira in PATO (2013) p. 24 61


DA REGIテグ A UM LUGAR

62


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

3 | A HISTÓRIA DO CASAL DO REBOLO

Só a partir da época medieval é que o Casal do Rebolo começou a ter a sua história documentada. Em 1481 foi feita referência de que o Casal era ‘aforado por cem alqueires de trigo e noventa de cevada, um porco de dois anos e uma dúzia de queijadas, a pagar ao Convento da Trindade’92. Seu nome deve a Vasco Martins Rebolo, nascido em Lisboa no inicio do séc. XIII. Foi fidalgo da Casa Real de D. Afonso III e cavaleiro da Ordem do Templo e da Ordem de Santiago, desempenhando ainda o cargo de vereador da cidade de Lisboa. De ilustre família era filho de D. Paio Delgado, cavaleiro que ao lado de D. Afonso Henriques tomou parte na conquista de Lisboa aos mouros. Era sobrinho de Pedro Hispano ou Juliano, também conhecido por Miguel Rebolo, prelado de Lisboa que participou na batalha de Navas de Tolosa e irmão de Pedre Annes – prior da igreja de São João da Praça – e de Gil Rebolo – deão da Sé em Lisboa. A posse destes terrenos por parte da freguesia de Almargem do Bispo foi sofrendo alguns equívocos e alterações senhorias ao longo dos séculos, mantendo-se na mesma situação nos últimos anos.

92

PATO, 2013. P.91 63


DA REGIÃO A UM LUGAR

Vasco Martins Rebolo era um homem afortunado, quer por herança própria, quer pelos serviços prestados ao rei. Possuindo várias propriedades no termo da cidade de Lisboa, fez um primeiro testamento ao qual deixava ‘após a morte do dito meu irmão, a parte da herdade do herdamento que tenho a Almargem’93. Devoto dos frades da Ordem Trinitária, voltou a redigir o testamento em 1299 em que alterou as suas vontades anteriores, transformando-os nos principais benificiários no qual novamente mencionou as suas propriedades em Almargem do Bispo. Este lugar ainda ficou na posse do convento da ordem da Santíssima Trindade do Resgaste dos Cativos94 até ao séc. XV quando foi entregue a Vicente Fernandez, morador do termo de Sintra, por um foro anual de ‘seys moyos e tres quarteyros de pão meado e dous carneyros e dous pactos’95. Já no séc. XIX, foi herdado pelo General Barnabé António Ferreira, nascido em Elvas, através do seu segundo casamento, em 1862, com D. Amélia Sophia Gonzaga. Foi a partir deste momento que se estabeleceu a ligação entre o lugar e a freguesia, pela sua mulher ser proprietária de uma grande proporção de propriedades e terrenos na Freguesia de Almargem do Bispo. (figura 25) Foi nesta quinta que o General costumava passar bastante parte do seu tempo livre e que gostaria de um dia viver. Tendo seguido a carreira militar, permanecia em Lisboa a sua residência diária, mas era no Casal do Rebolo que conseguia passar algumas temporadas refugiado num lugar tranquilo e sereno, como assim o caracterizava. Viria a falecer a 11 de Janeiro de 1901, na sua residência principal em Lisboa. Por não ter filhos de nenhum dos seus dois casamentos, legou, no seu testamento em 1887, as propriedades ‘à junta da Paróquia da Freguesia de São Pedro

93

Citação do Testamento de Vasco Martins Rebolo por José Mendes Hormigo (1994) in PATO, 2013.

P.92 Designado deste nome por se dedicar à libertação de presos e escravos cristãos na posse de

94

muçulmanos. FIGURA 25| TESTEMUNHO

Principais ex-proprietários do Casal do Rebolo.

95

PATO, 2013. P.93

64


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

de Almargem do Bispo, ou, à Corporação que de futuro a possa substituir no Concelho de Sintra, com a obrigação de estabelecer na casa de Minha Quinta, denominada Rebolo, uma escola mista e a qual será chamada Escola Ferreira’96. O seu desejo de instalar uma escola na sua propriedade em Almargem do Bispo foi efetivamente cumprido anos mais tarde, com a abertura de uma escola primária mista durante a I República. Tendo sido benemérito desta freguesia, em quase todas as suas localidades existe uma rua, largo ou avenida com o seu nome. Para além da existência de uma estátua erguida no centro da povoação onde é concentrada a administração da Freguesia. Durante a primeira década deste século foram retomados os trabalhos arqueológicos no lugar em estudo devido ao início das obras para a nova ‘Casa das Seleções’ da Federação Portuguesa de Futebol. O arranque deveria ter começado no ano de 2001, tendo sido atrasados por quatro anos com a descoberta de novos vestígios arqueológicos que ocupavam cerca de vinte por cento da área doada97. Segundo o diretor do MASMO98 estas descobertas não impediam a construção da obra, apenas obrigavam a uma alteração do projeto de arquitetura e por sua vez aos protocolos assinados com a autarquia de Sintra em 1999. Com o passar dos anos e com o adiamento sucessivo da elaboração da construção, a Freguesia de Almargem do Bispo exigiu a reversão do direito de superfície dos terrenos cedidos (cerca de 65 mil metros quadrados), alegando o incumprimento do prazo de construção.99

96

PATO, 2013. P.93

97

http://www.record.xl.pt/arquivo/interior.aspx?content_id=303110 (consultado a 27-06-2013)

98

Museu Arqueológico São Miguel de Odrinhas.

99

http://www.record.xl.pt/arquivo/interior.aspx?content_id=410276 (consultado a 27-06-2013) 65


DA REGIÃO A UM LUGAR

FIGURA 26| ESTÍGIOS NATURAIS E CONSTRUÍDOS

Fotomontagem da paisagem humanizada a oeste do Casal do Rebolo.

FIGURA 27| VESTÍGIOS ARQUEOLÓGICOS

Registo fotográfico de um dos tanques pré-existentes no território do Casal do Rebolo.

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MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

3.1 | ORIGEM DO CASAL DO REBOLO

No Casal do Rebolo, a riqueza dos solos e as boas condições para a fixação de comunidades é testemunhada pela presença de materiais que comprovam uma ocupação desde a pré-história até aos nossos dias. Na área da Freguesia de Almargem do Bispo, a estação arqueológica do Casal do Rebolo merece especial destaque. Terá sido ocupada inicialmente entre os séculos I a.c. e IV d.c., integrando um espaço habitacional, uma área sepulcral e algumas estruturas hidráulicas. (figura 26) A villa rústica possibilitou a descoberta de cerâmicas do quotidiano, de armazenamento e de transporte, bem como artefactos metálicos e algumas moedas, possibilitando datar uma ocupação posterior de entre os meados do séc. II e III d.c.. Da área correspondente ao Casal do Rebolo, apenas 10% corresponde a áreas resultantes do estudo da necrópole. (figura 27) A existência de estruturas residenciais, predominantes de uma possível vila romana, na propriedade rural – que se situam em parte sobre o atual casal – é afirmada pela presença de uma necrópole a sul destas estruturas habitacionais. Foram posto a descoberto, durante várias campanhas arqueológicas pelo MASMO, uma sepultura de inceneração e várias de inumação com esqueletos de homens, de mulheres e de uma criança entre os três e os cinco anos. Junto a esta área sepulcral foram ainda identificadas estruturas hidráulicas compostas por dois tanques paralelos. Os arqueológicos inclinam-se para a hipótese de se tratar da mãe de água de um aqueduto que servisse a ‘villa’ romana, pelo facto de apenas possuírem aberturas para a entrada e saída da água. Segundo José Cardim Ribeiro, diretor do MASMO, crê-se que exista um paralelo com a estação arqueológica romana de Freiria, localizada no Concelho de Cascais, pela reconhecimento de que a maioria das sepulturas se encontrarem orientadas para a Serra de Sintra.

67


DA REGIテグ A UM LUGAR

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MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

III| O CONSTRUIR

‘Todo o homem cria formas, todo o homem organiza o espaço e se as formas são condicionadas pela circunstância, elas criam igualmente circunstância, ou ainda, a organização do espaço sendo condicionada é também condicionante.’101

101

TÁVORA (1962), p.73. 69


O SENTIDO DO LUGAR

70


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

1| O SENTIDO DO LUGAR

‘The existential purpose of building (arachitecture) is therefore to make a site become a place, that is, to uncover the meanings potentially presente in the given environment.’102

102

NORBERG-SCHULZ (1991), p. 18. 71


O SENTIDO DO LUGAR

72


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

1| UMA REFLEXÃO FENOMENOLÓGICA

1.1| RELAÇÃO SUJEITO, OBJETO E LUGAR

‘Quando a história de arte, por exemplo é tal como é geralmente ensinada, nos descreve formas sem as enquadrar na sua circunstância, comete, a nosso ver, dois erros graves: em primeiro lugar deixa-nos supor que as formas são livres e aparecem um pouco por acaso (...) e, em segundo lugar (...) dá-nos apenas um conhecimento vago delas e não nos aproxima da sua verdadeira realidade.’103

Perante o processo de consciencialização do que seria o lugar em estudo

considerou-se

pertinente

abordar

através

de

uma

postura

fenomenológica o pensamento arquitetónico para a intervenção desse espaço. Na qualidade de arquitetos deve o nosso papel e pensamento incidir sobre a significação dos ambientes, naturais ou não, por meio da sua forma

103

TÁVORA (1999), P.22-23. 73


O SENTIDO DO LUGAR

construída. Este trabalho parte da procura do valor de uma realidade concreta104 através dos diversos tipos de elementos que a constroem. Uma apreensão adquirida pela prática da experiência no espaço, contraída na captura dos sentidos desses elementos. A fenomenologia entende-se como uma atitude de reflexão relativamente àquilo a que somos expostos, relativamente ao estudo das nossas essências de perceção, de consciência ou de existência. Entendida como uma busca expositiva da nossa experiência direta, é acessível através de um método descritivo que procura na consciência do sujeito a expressão das suas experiências e a interpretação daí obtida.105 Ao adquirir o conhecimento do que é essencial, Merleau-Ponty afirma que o homem toma plena consciência de um lugar através da experiência pessoal, indicando por pura intuição a sua essência e significado. A questão reflete-se não naquilo que nos é disponibilizado à partida, mas na forma como se apresenta para nós. A forma como o podemos ver, compreender e comportarmo-nos, retira os pressupostos desse conhecimento e consciencializa-nos do seu carácter verdadeiro. O nosso entendimento do lugar é refletido na forma como nos comportamos perante o ambiente106. ‘É que o espaço tem poder e modela as acções. Este factor, e o reconhecimento do ‘único’ que cada pessoa representa (...) tem de ser indagada e apreciada.’107

104

‘Our everyday life consists of concrete ‘phenomena’. It consists of people, of animals, of flowers, trees ans forests, of stone,

wood and water (...) sun, moon, stars (...) of night and day and changing seasons (...) Everything else such as atoms amd molecules, numbers (...) are abstrations or tools wich are construted to serve other purposes than those of everyday life.’ In NORBERG-SCHULZ (1991), p. 6. 105

‘A fenomenologia é o estudo das essências (...) é também uma filosofia que repõe as essências na existência (...) tentativa

de uma descrição direta de nossa experiência tal como ela é, e sem nenhuma deferência à sua génese psicológica e às explicações causais (...) É em nós mesmos que encontramos a unidade da fenomenologia e seu verdadeiro sentido.’ In MERLEAU-PONTY (1999), p.1-2. 106

O modo como o vemos, percorremos e para onde nos dirigimos. ‘O meu movimento não é uma decisão do

espírito, um fazer absoluto que decretaria, do fundo do Isolamento subjectivo, qualquer mudança de lugar miraculosamente executada no espaço. Ele é a sequência natural e a maturação de uma visão. Digo de uma coisa que ela é movida, mas o meu corpo, ele move-se, o meu movimento desdobra-se.’ In MERLEAU-PONTY (1992), p.20. 107

74

KAHN (1962), p.24.


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

Este caminho que a obra de arquitetura suscita no leitor, através dos movimentos e sentimentos, durante a experiência, é o ‘gesto’108. Os gestos que obtemos significam o conjunto de impressões subjetivas de geração objetiva. O gesto é aquela unidade de movimentos e sentimentos com que o espetador-leitor manifesta ter acolhido ao movimentar-se pela obra. Para vermos, mais que olhar, também ‘desenhamos’, e esse gesto é, por isso, também sinal do conhecimento adquirido da forma da arquitetura – é préconsciente no sujeito, o sentido da expressão da obra. Apenas com a absorção do sentido pela experiência conseguimos entender o verdadeiro significado existencial que o lugar transmite. Um sentido que embora pareça ser subjetivo, possui um carácter universal comum a qualquer ser humano, próprio da interação do sujeito com o ambiente. Este carácter único de cada lugar foi investigado pelo defensor da leitura fenomenológica e também arquiteto, Christian Norberg-Schulz. Ao conjunto dos tais elementos ‘concretos’109 que definem um lugar, este autor define-os como os ‘caracteres ambientais’110 que traduzem a essência do lugar. Distingue o significado da ‘composição ambiental’ do lugar entre ‘estrutura espacial’

e

‘carácter’,

respetivamente,

espaço

enquanto

geometria

tridimensional e espaço enquanto campo percetivo. Defende que a análise da identidade não se deve restringir ao estudo da forma, sob pena de se perder o que realmente importa na relação do homem com o lugar.

108

O ‘gesto’ considera as ações momentâneas influenciadas pela progressão do corpo pelo espaço face à

comunicação com a obra. ‘É pelo gesto que podemos obter o significa da forma externa, ‘porque o gesto é um conjunto de impressões subjectivas de geração objectiva. O gesto é aquela unidade de movimentos e sentimentos com que o sujeito-leitor manifesta ter acolhido a obra.’ In ABREU (2007) p. 264. ‘A manifestação de existência de uma relação, da comunicação entre a obra e o leitor. O gesto é por isso também já sinal de conhecimento substancial da forma da arquitectura, é já assimilação existencial activa da obra – é pré-consciente expressão, no sujeito, do sentido da obra.’ In ABREU (2007) p. 265. 109

Rever nota 3.

110

‘Together these things determine an ‘environmental character’, which is the essence of place’. In NORBERG-

SCHULZ (1991), p. 6-8. 75


O SENTIDO DO LUGAR

A representação da memória, dos valores, dos sentimentos, dos significados e das conceções dos comportamentos e da experiência estão implícitos na atmosfera de cada ‘ambiente’. ‘A arquitectura tem o seu espaço de existência. Encontra-se numa ligação física especial com a vida.’111 Perante esta lógica, o autor apresenta-nos a definição de lugar enquanto ‘uma totalidade de coisas concretas com materialidade, substância, forma, textura e cor’112 referenciada pelos quatro pontos metodológicos que evidência: a imagem, o espaço, o carácter e o espírito do lugar113. Este conceito romano de ‘Genius Loci’ simboliza um ‘espírito guardião’ que determina o seu carácter e essência na experiência pessoal de determinado ambiente físico. Tais princípios próprios e genuínos que geram aquilo que deve ser preservado e que corresponde à relação que deve ser criada entre o ser humano e o lugar através da arquitetura. Concluímos então que cada lugar contém um sentido existencial próprio, uma personalidade que reconhece o seu sentido. ‘Any real presence is intimately linked with a character’114 Uma personalidade que não tem forma mas é por ela transmitida, contudo não são esses aspetos físicos os mais relevantes para entender a sua essência. É uma ‘presença humanizada’115 que exterioriza as características mais relevantes para a compreensão dos seus fundamentos através da maneira como se relaciona connosco. O entendimento desta personalidade parte da perceção emocional instintiva do homem perante o primeiro contacto com a ‘atmosfera’, partindo depois para a compreensão da forma o ponto de vista morfológico, com o

111

ZUMTHOR (2006), P.12.

112

Tradução nossa in NORBERG-SCHULZ (1991).

113

O seu Genius Loci.

114

NORBERG-SCHULZ (1991), p.14.

115

‘(...) a arquitectura dispõe uma presença, uma presença humanizada, na sua mais perfeita alteridade – é o acesso a esta

presença que se procura realizar na leitura (do lugar)’ in ABREU (2007), p.168. 76


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intuito de ver mais e entender o seu carácter. Peter Zumthor qualifica esta primeira impressão como a única que vê a verdade116. Aparenta à partida que o carácter de ‘Genius Loci’, como experiência individual, seja um processo subjetivo ao entendimento desta leitura. Mas, da mesma forma como todo o ser humano faz parte da mesma realidade e vive segundo os mesmo valores existenciais, também tem em comum o mesmo sentimento de afinidade perante determinada atmosfera. Deriva não só destes fatores, a emoção e a preferência de certos lugares, como da especificidade da personalidade de cada indivíduo. É certo que quando se experimenta um lugar e este nos ‘toca’117, sabemos estar perante um tipo de experiência comum a qualquer ser humano. Merleau-Ponty expõe que apesar da subjetividade na experiência, por existir racionalidade entre as perceções que se confirmam e um sentido que aparece, ambiciona-se que venha a pertencer à área das ciências exatas, considerando-a como uma ‘subjetividade-objetiva’118. Para o conhecimento e compreensão de um qualquer espaço ou referência arquitetónica devemos por isso considerar toda a sua configuração e representação – carácter, significado e expressão. A entrada neste espaço fenomenológico é-nos apresentada pelos tais fatores já referidos anteriormente - a essência, reflexão, experiência e sentido – que transmitem o carácter universal do lugar, restringindo-o à experiência conscientizada daqueles que o vivenciaram. Cada lugar é único mesmo que espaços distantes geograficamente apresentem a mesma morfologia. Do mesmo modo Husserl defende também o pressuposto de haver um relação natural espetador-objeto. Propõe que se deva referir às coisas como

116

‘Uma denominação para isto é a atmosfera. Todos nós a conhecemos: vemos uma pessoa e temos uma primeira

impressão’. In ZUMTHOR (2006), p. 11. 117

‘Qualidade arquitectónica só pode significar que sou tocado por uma obra. Mas porque diabo me tocam essas obras? (...)

atmosfera’. In Zumthor (2006), p.11. 118

‘A aquisição importante da fenomenologia foi sem dúvida ter unido o extremo subjectivismo ao extremo objectivismo em

sua noção do mundo ou na racionalidade.’ In MERLEAU-PONTY (1999), p.18. 77


O SENTIDO DO LUGAR

elas se apresentam na experiência da consciência, entendidas pelo seu imo e significado verdadeiro. Por esse modo o espírito de um lugar só é único por tudo o que nele existe e nos é dado a ocupar, sejam os valores materiais ou imateriais. Em vez de se discutir as propriedades da realidade, propõe-se um retorno ao que é fundamento.119 Assim, esse lugar passa a ser Aquele120 lugar. Somente ele é identificável por ser possuidor de determinadas características que lhe são intrínsecas, não existindo outro igual. Somos levados a dirigirmo-nos lá por essas perceções sensoriais especificas e são as mesmas que determinam o que de correto acontecer lá. Sem a experiência e o conhecimento do que é o lugar não pode haver arquitetura desse lugar, não existe identidade no desenho arquitetónico.

119

‘Temos de analisar o carácter e o conteúdo sensorial que lhe corresponde. (...) A percepção envolve um carácter de ato,

direcionado para objectos através de qualquer sentido’. Edmund Husserl 120

Um lugar com determinadas características únicas que apenas nele se encontram. Sendo esses

elementos que o definem a identidade e identificação desse lugar. 78


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1.2 | PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE

‘Um espaço arquitectónico deve revelar por si próprio a razão de ser da sua criação.’ 121

Perante o tipo de intervenção arquitetónica e a condição atual do lugar em estudo, consideramos de igual modo pertinente acrescentar a esta reflexão fenomenológica o âmbito das intervenções sobre um ambiente já construído e alvo de anteriores manipulações do homem. Tendo consciência de que um meio edificado pressupõe à partida uma coerência entre o sujeito e o ambiente físico onde se encontra, é necessário abordar de especial modo a leitura que os fenómenos percetíveis nos transmitem acerca do que é e já foi este espaço. São os caracteres singulares nele existentes que definem e individualizam a sua identidade e essência, logo a sua qualidade imortalizada122. Os seus limites referem-se à relação local da arquitetura, determinada de forma espacial e temporal, pela sua memória.123 Enquanto possuidor também de uma identidade própria, esses objetos pré-existentes, compreendem diversos tipos de elementos interligados e relacionados entre si. Cada um deles é fundamental na leitura e compreensão

121

KAHN (1962), p.26.

122

‘Tudo se pode procurar na obra desde que seja a obra a advetir-nos de que ainda é necessário procurá-lo, porque ainda

falta algo ao seu pleno entendimento. O segredo da obra é o seu ser lei a si própria, a regra individual da sua própria formação (...) é o como foi feita. Sabê-la executar, sabê-la interpretar significa apossar-se deste.’ In PAREYSON (1985), P.59. 123

‘A arquitectura tem o seu espaço de existência. Encontra-se numa ligação física especial com a vida.’ In ZUMTHOR

(2006), p.12. 79


O SENTIDO DO LUGAR

do todo, no somatório de valores e características que determinam o seu significado e identidade. ‘Existe uma incomensurabilidade entre as essências e os factos e, aquele que começa a sua investigação pelos factos jamais conseguirá encontrar as essências.’124 Sem atingirmos essa identificação não devemos intervir, fazer arquitetura, pois não compreendemos a verdadeira realidade do objeto para com o lugar e do lugar para com o objeto, não conseguindo percepcionar o essencial para respeitar o que existiu125. Ao refletirmos sobre os fatores que contribuem para a construção da identidade em arquitetura (dos objetos), sabemos que advêm de uma análise não só à individualidade da matéria, como também, aos valores culturais que lhe estão subjacentes e tornam a sua expressão. 126 Factos que se tornam fundamentais para a interpretação e compreensão dos seus valores identitários. Ao intervir num lugar com esta natureza, possuidor de objetos formais pré-existentes, para além do propósito de desvendar o seu ‘Genius Loci’ e tornalo identificável na nossa obra arquitetónica, devemos ponderar primeiramente acerca da qualidade e significação da construção pré-existente, a fim de perceber se ali se encontra presente a identidade original do lugar. Desta forma, ao operar sobre realidades já existentes, deve haver o entendimento do seu todo com vista à compreensão do significado do lugar, produzindo uma nova intervenção sem corromper com o estabelecido. Se por outro lado, a realidade de um lugar é de tal forma transformada que se perde a sua identidade, sem possibilitar o reconhecimento do seu

124

Edmund Husserl.

125

‘A arquitectura tem limites. Quando tocamos esses limites invisíveis, então sabemos alguma coisa mais acerca do que está

contido neles.’ In KAHN (1962), P.26. 126

‘Creio que, exactamente na revelação, de alguma forma, do carácter concreto de tal ‘união’ (entre o homem e o edifício)

seja reconhecível uma possibilidade de colher o proprium de uma arquitetura (...) Existe assim um núcleo duro de significação, perceptível como dado imediato de correspondência feliz entre o eu e o facto de arquitetura, em torno do qual cada um se move com a interpretação (...) e muitos modos de verdade em arquitetura, nascem a montante daquela, (...) onde é questão de identidade cultural e tradição.’ Cit de CRIPPA (1999) In ABREU (2007). 80


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significado verdadeiro e original, estamos perante ‘a perda do sentido de pertença’127, cada vez mais comum nos dias de hoje motivado pelo extremismo da contemporaneidade. ‘Hoje, relativamente à arquitectura, nota-se “desinvestimento de si”, como descrença no Presente e preferência pelo Passado; “desinvestimento” que se manifesta na desistência de procurar uma expressão arquitectónica contemporânea com a qual o homem actual se identifique interiormente, na qual encontre o mesmo nível de acolhimento que os antigos monumentos lhe proporcionam.’128 Pretendemos assim fazer uma contextualização para a compreensão do interesse e importância do estudo da atmosfera em que se insere o lugar no âmbito do pensamento arquitetónico, trabalhando esta disciplina com base na essência original, compreendendo o seu significado e traduzindo-o em forma. Podemos então concluir que o trabalho do arquiteto, perante um exercício de reabilitação, deva começar pelo entendimento e compreensão do significado existencial do lugar a intervir, compreendendo o seu ‘Genius Loci’ de forma a encontrar o sentido para a realização da intervenção, afastando-se de qualquer tipo de estímulos inerentes ao seu objetivo real.

‘Phenomenology, then, rather than a theory, is a path that has as its purpose the providing of access to the structures and the meanings of the world of life.’129

127

‘this loss of place is evolving in lockstep with the progressive alientation of man, which is another distinctive characteristic

of our times. (...) The term ‘alienation’ entails the loss of a sense of belonging, and indeed it is not easy to belong to a place that is being thwarted and rendered fruitless’. In NORBERG-SCHULZ (2000), p.33. 128

ABREU (2007), p.362.

129

NORBERG-SCHULZ (2000), p.21. 81


O SENTIDO DO LUGAR

2 | O SIGNIFICADO DO CASAL DO REBOLO

2.1 | A APROXIMAÇÃO DO LUGAR

Perante a procura e revelação do ‘Genius Loci’ presente no lugar do Casal do Rebolo, achamos pertinente fazer referência ao enquadramento territorial e à situação social do Casal do Rebolo, com vista a um melhor entendimento e percepção do espaço e da envolvente que o constitui. Conhecido o contraste da envolvente geográfica com a qual a maioria de nós se encontra do dia-a-dia, a urbe, procederemos a uma exposição descritiva e experienciada da nossa aproximação ao lugar em estudo, com vista a um melhor entendimento do que lhe é significado. Hoje o campo já não é visto como um local de saudação, mas tende a ser procurado para o encontro com um ‘eu’ descansado. Causado talvez por todas as sensações despertadas em nós quando de algumas pequenas experiências que adquirimos na sua vivência – os cheiros, sons, visões e aberturas (vazios). 82


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

Dada a descaracterização e afastamento presente na relação entre os objetos pré-existentes que constroem o lugar, decidimos incidir a análise fenomenológica sobre o aglomerado que contém, segundo nós, maior identidade na relação com o ambiente.

FIGURA 28| CASAL DO REBOLO

Fotografia do conjunto total do edificado do Casal do Rebolo. 83


O SENTIDO DO LUGAR

FIGURA 29| NATURAL VS CONSTRUÍDO

Predominância de áreas permeáveis em contraste com a pouca densidade construída.

No decorrer do avanço por entre estes percursos e lugares campestres, prosseguimos em estradas quase vazias, cercadas pelos campos verdes e aromáticos da agricultura fresca, intervalados pelas várzeas douradas da palha e do trigo prontos para a ceifa. Vamos esquecendo a densidade urbana à medida que nos intrometemos pelo verde natural, observando a evidente exceção dos lugares cerrados a que estávamos habituados na cidade.130 Compreendemos que aqui o particular são os espaços fechados causados pela densidade urbana, fator que cria em nós uma livre abertura para o que está para lá daquilo que nos rodeia. (figura 29) Ao longo do nosso trajeto não conseguimos deixar de identificar alguma da rotina da vida quotidiana daquela gente. Vão estando presentes por entre os trilhos dos campos cultivados, debruçados no trabalho árduo da vida do campo, que outrora não conhecíamos. E é assim nestas tomadas de consciência que denotamos a entrada num mundo rural, vivido e sentido às portas da capital.

130

‘(...) Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, / Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de

todo o céu, / Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar, / E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.’ Alberto Caeiro, Heterónimo de Fernando Pessoa em ‘’O Guardador de Rebanhos’’, poema VII. 84


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É ao longo deste percurso que nos deparamos com o lugar do Casal do 131

Rebolo , numa encosta mais afortunada diante de uma planície que nos dirige a um último plano cerrado pela Serra de Sintra. Está situado no cimo de um dos tantos montes que circundam o Vale da Calada, a vislumbrar todos esses campos e a admirar o delinear do horizonte desenhado pela Serra de Sintra. Começamos a compreender que está ali por algum motivo que supera o simples fato de ser implantado no alto de um monte perante uma planície. (figura 30) Quase sozinho, acompanhado apenas por um ou dois pares de modestas habitações distantes ao fundo, também tipicamente tradicionais da arquitetura vernácula da região saloia, como aquelas que nos fomos cruzando no nosso percurso. Ao tentar alcançar o lugar, rápido desaparece pela presença da densidade de algum arvoredo e pela topografia um pouco acidentada. Encontramos uma quebra no seguimento de um dos limites naturais do lugar que revela um caminho estreito coberto por saibro. (figura 31) Ao visualizar esse rasto de tons claros somos levados a percorrê-lo, subindo também por entre o verde e dourado dos campos. Contornamos o último limite físico que nos separa desde a sua descoberta. Um muro construído em blocos de pedra, alto e com aspeto rugoso, que nos impede de continuar a decifrar o que lá existe. (figura 32) Finalmente ladeamos o último pedaço de pedra e confrontamo-nos FIGURA 32| MURO

Matéria com caráter denso, pesado e marcado pela passagem do tempo.

FIGURA 30| DESVENDAR O LUGAR

Primeiros contatos visuais com o edificado na aproximação ao lugar.

131

‘Já no séc. XIX, o Casal do Rebolo e o seu edificado solarengo são herdados pelo General Barnabé António Ferreira

(...) tendo seguido a carreira militar, era nesta quinta tranquila que gostava de viver apesar de manter a sua residência em Lisboa’. In PATO (2013), P.93 85

FIGURA 31| CAMINHO

Continua aparência orgânica do percurso até ao conjunto edificado.


O SENTIDO DO LUGAR

FIGURA 33| PLANO DE CHEGADA

Fotografia do primeiro momento na chegada ao edificado, evidenciando os elementos naturais e construídos que conferem esse espaço.

com o esplendor do que tinha sido sugerido anteriormente. Estamos num espaço amplo, hoje coberto por vegetação baixa causada pelo abandono do lugar, definido pela pré-existência num dos lados e três ou quatro árvores de pequeno porte no outro. O suficiente para que o nosso olhar seja encaminhado para o que está à nossa frente e acima dos limites espaciais. Somos intuitivamente encaminhados a percorrer da construção para descobrir mais. Apenas as árvores e o próprio edificado nos conseguem limitar no espaço, os mesmos que nos dão um sentido de acolhimento e segurança para a entrega ao que lá existe. Um espaço com características familiares, protegido e abrigado do redor. (figura 33) São a Serra, os montes e o Vale a compor o porquê de ali estar e para onde o nosso olhar é levado. Todo um conjunto de sentidos completados pela presença da luz refletida naqueles lugares. Sente-se que ali está pelo encontro com a natureza. A leitura do espaço exterior num plano mais elevado adquire em nós uma liberdade que não é infinita, limitada pelo desenho do horizonte. Experienciamos o miradouro de Bachelard.

86


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‘(...)lugares altos que nos oferecem uma vista panorâmica. Pertencem ao grupo das imagens de dominação pacifica. (...) A visão ampla, essa sensação de imensidão, desperta em nós um orgulho’.132 Conhecido apenas pelas observações feitas a partir do exterior do complexo, anteriormente entendido como uma pré-existência térrea, a verdadeira revelação formal é feita apenas no fim deste percurso visual. Durante a meticulosa observação formal num dos extremos do edifício habitacional, o nosso olhar foi rapidamente levado a deslizar horizontalmente por toda a forma do objeto. Apesar de existir afinal a existência de dois pisos, é pela implantação no ligeiro desnível topográfico que é gerado o piso inferior, naturalmente. (figura 34) A sua forma robusta, regular e linear, marcada pela presença de blocos de pedra maciços para o desenho da definição dos vãos e das configurações formais de exceção (arcadas e escadaria exterior) é acompanhada pelo carácter horizontal do objeto e pelo próprio desgaste motivado pela erosão do tempo. Apesar do edifício não se deixar desvendar totalmente pelas marcas da passagem do tempo e do desuso, não consegue esconder a diferenciação volumétrica entre os dois andares bem definidos. O piso térreo é marcado pela continuação topográfica do lugar, que faz o desenho dos limites do terraço exterior do piso superior. Limites esses que são formados por um plano contínuo de alvenaria de pedra rebocada, apenas interrompido pelos elementos de exceção.

FIGURA 35 | ESCADARIA

A escadaria, em blocos de mármore maciço, apresenta no seu conjunto

Um dos elementos de exceção formado por blocos em mármore maciço.

um aspeto piramidal de exagerada dimensão altimétrica, em que cada degrau acentua o carácter bruto e natural do elemento. (figura 35) As arcadas, também em pedra maciça, formadas por sete colunas paralelepipédicas, de elemento único e sem ornamentação, e seis arcos de medio punto, impostos por dois blocos de pedra que formam a aduela e um terceiro a formar a chave do arco. (figura 36) FIGURA 34 | IMPLANTAÇÃO HUMANIZADA

132

Fachada sul de uma das préexistências, caracterizada pelo surgimento inato que adquire através da sua implantação

ESTEVEA, p.20. 87


O SENTIDO DO LUGAR

A fachada faz adivinhar a simplicidade da configuração interior do objeto. Desenhada de forma regular e metódica, recuada em relação ao plano mais nobre do edifício, abre saliências retangulares proporcionais entre vãos e portas que pouco deixam ver o interior. Neste plano, são também os elementos de pedra que marcam as entradas de luz. (figura 37) Apesar da sua aparência simples percebemos um ligeiro contraste do desenho arquitetónico em comparação com as restantes humildes habitações observadas no percurso da nossa rota133. Esta passa a possuir um carácter nobre transposto pela materialidade, desenho e presença desses elementos de exceção. Depois são os outros sentidos que começam a ser ainda mais despertados. Começamos quase a esquecer o que está a nossa frente para começarmos a sentir as outras experiências sensoriais. O brilho da luz refletido pelos campos nos nossos olhos e o calor transmitido pela pedra na nossa pele. E o que ouvimos? Só o vento nas folhas secas, os pássaros nas árvores,

FIGURA 37 | ‘ESTRUTURA’

Organização regular interna evidente no desenho da fachada marcado pelos vãos.

os insetos que nos tentam evitar e o som da água a escorrer pela fonte.

133

FIGURA 36 | CONFIGURAÇÃO DA ARCADA

Um dos elementos de exceção formado por blocos em mármore maciço.

‘(...) a vila (...) atrai a nobreza. Os palácios de Lisboa são desdenhados em favor das casas de campo, sem contudo dar-se

um enraizamento nelas. (...) Com a estagnação da vida rural, a classe nobre, com o seu evidente assentamento na propriedade fundiária, vai absorvendo aos poucos as quintas e os casais’ . Citação de António Matta in PATO (2013), p. 117 88


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2.2 | O ESPÍRITO DO LUGAR 2.2.1 | PRIVILEGIADO

Este lugar é definido maioritariamente pelo contacto e relação que estabelece com a natureza envolvente. Pelo modo como e onde está implantado, institui uma supremacia com o redor. Encontra-se sozinho, localizado no enfiamento do Vale da Calada com a Serra de Sintra (figura 38), numa cota superior à vida quotidiana do resto da população local. Entende-se assim como privilegiado, num lugar de exceção, em que tudo parece ser vivido mais lentamente. Numa velocidade que permite viver e sentir aquilo que nós é dado a conhecer pelo lugar. Não notamos aquilo a que chamamos de densidade urbana, porque aqui não existem espaços densos de construção. A construção que vemos está para a natureza numa grandeza oposta à que existe na cidade. Da mesma forma como vemos na cidade matéria construída, aqui vemos matéria orgânica. (figura 39, 40 e 41) A arquitetura nestes lugares apresenta-se como uma forma de resposta ao entendimento do homem na relação com a natureza. Ao longo do nosso trajeto e principalmente depois da chegada, quando finalmente estamos parados para assimilar tudo o que nos está a ser oferecido, sentimos o que realmente a natureza nos consegue dar para além das vistas. Apreendemos os cheiros, os sons e as sensações táteis que nos são quase desconhecidos. Todas novas sensações que nos remetem para o imaginário e o fantasiado.

FIGURA 38 | DIRECCIONADO A SINTRA

FIGURA 41 | PAISAGEM VEGETAL

Corte esquemático da topografia do lugar até à Serra de Sintra. 89


O SENTIDO DO LUGAR

FIGURA 39 | DENSIDADE URBANA

Planta da cidade de Lisboa.

FIGURA 40 | DENSIDADE CAMPESTRE

Planta da freguesia de Almargem do Bispo.

90


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É um espaço que nos dirige a algo, que nos encaminha para a frente (ver figura 33). Sítio cujo limite é definido pelos dois aspetos mais significativos do lugar: a natureza de um lado e o objeto edificado do outro. (figura 42) Indica a direção do nosso caminho e do nosso olhar. O suficiente para que o nosso olhar seja direcionado para o que está à nossa frente e acima dos limites espaciais. Força o olhar para o horizonte e encaminha-nos a percorrer mais. A nossa perceção do lugar leva-nos a erguer naturalmente uma postura confiante para o que há-de vir e queremos descobrir. A percorrê-lo sempre com esta postura hirta e dirigida para o que está à frente ou sugerido por recortes de imagens que fomos conseguindo espreitar, num movimento lento e contínuo. Pelos limites que conferem o espaço de chegada ao lugar, fomos encaminhados a percorrê-lo num trajeto reto. São os dois planos, físicos e naturais, que limitam o espaço que levam o nosso corpo a comportar-se de tal forma a encaminhar-se para o horizonte. Sentimo-lo como um espaço horizontal, por esta ligação que cria entre o nosso olhar e com o que está ao fundo, o horizonte134. Este olhar em frente, reflete em nós um esquecimento do passado e o pensamento sobre o futuro. Nestes atos de reflexão, o nosso corpo está aqui, mas sentimo-nos longe desta realidade. O nosso espírito sente-se liberto do presente. Vemos nos planos mais altos do edificado esse futuro e o desejo de alcançá-lo. Talvez por isso tomamos a decisão de descobri-lo de forma ascendente pelo seu interior, na espectativa que seja essa também a surpresa por aquilo que não conhecemos. Transpomos o exterior, através da galeria criada pela arcadas do piso térreo. Um espaço exterior mas coberto, que controla a presença do ambiente interior com a mesma relação homemnatureza: a brisa, os cheiros, os panoramas. Sensações e espacialidades que são transmitidas por três planos que conseguimos distinguir, nas cotas mais altas do edificado, até ao alcance do horizonte. O primeiro plano é limitado pela construção e pela vegetação mais densa próxima do objeto, o segundo gerado pelo Vale da Calada e pela planície FIGURA 42 | LIMITES ESPACIAIS 134

Corte transversal e longitudinal do lugar e representação dos seus limites espaciais.

Definido pelo grego antigo como um ‘limite’. 91


O SENTIDO DO LUGAR

que advém dele e o terceiro que encerra todo este cenário, o perfil da Serra de Sintra. Já no topo, no terraço exterior da habitação, ficamos totalmente desligados do mundo exterior, vinculados à paisagem natural e ao último limite físico do horizonte, a Serra de Sintra. Esta desocupação finita transmite em nós uma ‘liberdade limitada’. Como se os três planos físicos existentes na envolvente ao lugar nos segurassem à terra enquanto a nossa mente viaja. Sentimos, neste plano mais elevado, uma leveza e libertação das inquietações que tínhamos deixado para trás.

FIGURA 43 | TOPO

Plano mais elevado de todo o complexo. 92


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

2.2.2 | HUMANIZADO

Apreendemos logo à partida, no plano inicial de chegada, (ver figura 33) a força da presença dos elementos que limitam o espaço, os naturais e os construídos. A força controlada pela sua presença transmite no sujeito a confiança para a experiência, pelo traço protetor e de segurança que lhe são naturais. O carácter de acolhimento gerado pelos dois limites físicos marcados pelo edificado e pelo volume da vegetação, oferece-nos parte do conhecimento do que pode existir mas não a sua totalidade. Impõe-se como um impedimento para a independência total, possibilitando o seu conhecimento por fases. Percetivamente parece que estamos num palco. Limitados, apenas com uma face livre à nossa frente para onde nos orientamos. É a demarcação do desenho no horizonte que nos dirige mas também nos segura. Como que funcionasse como um lugar de refúgio. Refúgio no duplo sentido da palavra, um lugar considerado seguro para algo ou alguém se acolher num abrigo, asilo ou retiro ou na busca de auxílio, proteção e socorro. São por estas sensações que nos sentimos num porto seguro. Livres, mas protegidos e resguardados. O surgimento natural da implantação do edifício no terreno, gerado pela topografia mais acentuada neste determinado espaço, produz o piso com a cota mais inferior. Assim sendo, dependendo do sítio onde nos encontramos e aquilo que conseguimos ver do edifício, temos perceções diferentes quanto à nominação do piso térreo e do que é o objeto. Mais um vez é-nos dado algo

FIGURA 44 | PERCEPÇÕES VISUAIS

Esquema representativo das distintas percepções do lugar.

FIGURA 45 | TOPO

Fotomontagem da fachada na qual é mais evidente a diversidade perceptiva que pode adquirir

93


O SENTIDO DO LUGAR

que n達o desvenda a totalidade da verdade. (figura 44 e 45) O objeto apresentase assim

FIGURA 46 | AFETIVIDADE VERTICAL

Esquema representativo dos sucessivos planos verticais.

FIGURA 47 | ESCALA HUMANIZADA

FIGURA 48 | ESCALA HUMANIZADA 94


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

como uma massa agarrada ao terreno com diferentes planos verticais que estabelecem e fazem a transição dos diversos níveis de afetividade e de entrega para com o lugar. (figura 46) Este caráter humanizado que é apresentado no edifício também faz reflexo da presença da escala do homem em toda a sua definição formal, acentuando a dimensão doméstica do mesmo. Permite ao sujeito estabelecer um contacto ‘olhos nos olhos’ ao vê-lo, aumentado a afetividade mútua. É no desenho dos elementos de exceção, nas suas dimensões e proporções, que é refletido a experiência do lugar. As arcadas, a galeria, a escadaria exterior e a existência de namoradeiras em todos os vãos interiores, aumentam a nossa consciencialização do seu significado. Realçam a nossa ligação com ele e convidam-nos a ver e a sentir mais. A proporção que existe no conjunto das arcadas enaltece a aproximação à escala humana. A sua presença e simplicidade assemelha-se a um companheirismo com o sujeito. Estão ali para nos acolher e proteger, fazem o filtro entre o abrigo e a liberdade. (figura 47) A total sensação de abrigo é vivenciada apenas no interior da habitação. É a galeria, produzida pelas seis arcadas e pela massa da construção da parede em alvenaria de pedra, que faz a transição entre essas duas realidades. Diferentes planos verticais que parecem ter a escala das nossas mãos, pela proximidade ao toque entre ambos. Dois limites que ao mesmo tempo não são totalmente físicos e que não conduzem a uma sensação de encerramento. As arcadas têm o papel de fazer o filtro imaginado de um limite, controlando o que se vê. A parede maciça aumenta esse controle na saliência dos vãos. Estes para além de controlarem o que se vê controlam também o que deixa ver e a existência das namoradeiras no seu desenho diz-nos ‘senta-te e aprecia este pedaço de paisagem’. (figura 48 e 49) Por fim, a dimensão de cada bloco de pedra que compõe a escadaria exterior complementa o convite do edifício à experiência da natureza. Cada degrau, por exagerada dimensão do espelho para subir, conforta a posição ergonómica ao sentar. 95

FIGURA 49 | FILTRO

Controlo visual que existe no edificado em espaços de transição. Mesma realidade traduzida através do dimensionamento das paredes em alvenaria de pedra.


O SENTIDO DO LUGAR

2.2.2 | SISTEMÁTICO

Este objeto arquitetónico é, à vista daqueles que já tínhamos observado no decurso deste trabalho, semelhante e formalmente comparado com o desenho da arquitetura vernacular da região saloia. Apresenta formas regulares e proporcionais em toda a sua composição na imagem da fachada exterior. Transmite uma figura rígida e maciça pela linguagem dos recortes dos vãos no desvendar das paredes espessas em alvenaria de pedra. (figura 50 e 51) FIGURA 53 | PLANTA/CORTE VÃO

O caráter metódico deste estilo arquitetónico e o ordenado posicionamento dos vãos, deixa adivinhar a disposição da sua organização interna. São estes elementos que conferem alguma subtração do peso geral do edifício e acentuam a assertividade dos seus recortes. Marcam a importância do desenho ‘estruturado’, parte integrante do significado objetivo do lugar. (figura 52 e ver figura 44 e 45) Esse elemento espesso, que é a parede, realça a dimensão pesada do seu volume constituindo uma barreira física entre o interior e o exterior. Componente que alberga os elementos arquitectónicos de mediação (soleiras, cantarias, ...) que marcam a entrada no interior e geram as direções visuais e o

FIGURA 52 | ELEMENTOS DE MEDIAÇÃO

controlo daquilo que vê (para o exterior) e daquilo que se deixa ver (para o interior). Esta barreira física pouco rasgada entre o que ainda é desconhecido aumenta a vontade de intrometer e descobrir o que desvenda o interior. (figura 53)

FIGURA 51 | DESENHO TRADICIONAL

Desenho da fachada de um dos objetos do conjunto.

O seu dimensionamento foi estudado de forma controlada e equilibrada de modo a que cada espaço interior usufruísse do indispensável. Todos os espaços são amplos, sem existência de corredores entre eles, e com o controlo lumínico especifico para cada um. Os mais desafogados desfrutam de duas aberturas para o exterior e estão sempre direcionados a sul, enquanto os menores (cerca de metade da área) possuem apenas um vão orientado a norte. Cada localização foi ponderada tendo em conta os alinhamentos e disposição

FIGURA 50 | EXEMPLAR TRADICIONAL

Exemplar de estremenha.

uma

aldeia

interior como também a oferta ao leitor do que existe lá fora, acompanhada 96


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

pelo anexo que permite o desfrute dessa imagem talhada. Como quando um pintor escolhe o pedaço de imagem que deseja pintar para simbolizar toda a paisagem que vê. (figura 54)

FIGURA 54 | O EXTERIOR NO INTERIOR 97


O SENTIDO DO LUGAR

2.2.2 | SUBMISSO

Parte integrante do que é este lugar é também transmitida através da importância da materialidade e do detalhe (ou da sua falta) na formalidade das pré-existências. A utilização de modestos materiais, aliados à maneira como foram dispostos na construção, evidencia o carácter genuíno e simples desta identidade. A pedra, mármore trazido das pedreiras locais, e a cal, acabamento tradicionalmente utilizado nas construções destas regiões, comprovam a pureza do lugar. Um conjunto humilde, em que a utilização da pedra auxilia a marcação das interrupções na construção e gera os elementos altivos na sua simplicidade. Estes elementos de pedra, como as cantarias, escadas ou as arcadas, finalizam os limites dos planos, marcam os elementos de novas cotas e dão acesso aos novos pisos. Aliada à cal, é pontualmente utilizada a cor para demarcar a fronteira dos volumes construídos. É através destas modestas ornamentações que é caracterizada a presença de uma ligeira notoriedade comparativamente ao entendimento adquirido da generalidade das construções observadas ao longo do nosso caminho até aqui. Simples, mas com uma presença ilustre no seu conjunto, transparecendo a nobreza deste lugar. É através da materialidade que denotamos que se foi submetendo ao tempo. Um tempo transformado em cansaço, evidente no estado atual dos revestimentos. O desgaste presente na cal, transfigurado agora numa cor dócil FIGURA 56 | TONALIDADE FIM DE TARDE

de tons acastanhados, que ao longo do dia e pela incidência solar vai adquirindo tonalidades quentes, louvando a passagem do tempo. (figura 55 e 56) Tempo que é também acompanhado pelo percurso da sombra no edifício, apesar da presença acentuada de planos vertical e da quase inexistência de recuos que evidenciem o contraste luz/sombra, a galeria formada pelas seis

FIGURA 55 | TONALIDADE MATINAL

98


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

arcadas apresenta-nos o trajeto da luz ao longo do dia. O desenho e o movimento da sombra no plano do chão e da parede, que limitam esta antecâmara, salientam a passagem do tempo no lugar. Notamos a consciência do controle da luminosidade solar ao longo dia, quer através das proporções entre altura, largura e espessura de todo este espaço, que faz a transição para o interior, quer no ligeiro recuo dos vãos, aliados à dimensão da largura da parede da fachada que protege o interior. A luz projetada nas

namoradeiras,

conferidas

no

espaço

de

proteção

gerado

pelo

dimensionamento da parede em alvenaria de pedra, intensifica a distinção daquele espaço. A presença da luz e a sua exposição aos elementos arquitetónicos influencia a forma como este espaço é vivenciado ao longo do dia. A luz refletida nos elementos de pedra produz o aquecimento da matéria que nos aproxima do edifício, os pequenos contrastes luz/sombra evidenciam as irregularidades e anomalias que os matérias já apresentam e a gradação de tonalidades, desde o tom claro ao torrado no antigo revestimento a cal, simboliza o percurso da manhã até ao fim do dia. (figura 57) Para além desta presença do tempo ao longo do dia, o aglomerado no seu conjunto também nos fala da passagem do tempo ao longo dos anos e a erosão causada. Em primeiro lugar, é notória a oposição entre o interior/exterior. Apesar de também existir alguma degradação no seu interior, causada pelas deformações a partir do exterior (coberturas, proteções de vãos, ...), identificamos um desgaste físico com vitalidade psicológica. O tempo evidenciou aquilo que dá significado ao lugar. Os elementos que se apresentam em ruína (figura 58 e 59) cobertos em parte pela vegetação ou com graves deficiências na cobertura (figura 60 e 61), são exatamente aqueles que não acrescentam valor ao lugar. Sem eles continuamos a compreender o porquê de ali estar e de assim ser, o seu sentido.

FIGURA 57| EROSÃO DA MATÉRIA 99


O SENTIDO DO LUGAR

FIGURA 58| EM RUÍNAS

FIGURA 59| EM RUÍNAS

FIGURA 60 | DEFICIÊNCIAS NA ESTRUTURA

FIGURA 61 | DEFICIÊNCIAS NA ESTRUTURA 100


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

2| A CONSTRUÇÃO

‘ If the architecture is any good, a person who looks and listens will feel its good effects whitout noticing. The environment educates in a critical fashion. As for the critic, he discovers the truth of things...’136

136

Carlo Scarpa, A Thousand Cypresses (1978). 101


A CONSTRUÇÃO

102


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

1| O QUE O LUGAR PRETENDE SER

‘Onde encontro a realidade à qual devo dirigir a minha imaginação, quando tento projectar um edifício para um determinado lugar e para um determinado objectivo?’ 137

Após a compreensão do significado do lugar, tendo como finalidade a realização e integração do projeto de reabilitação do Casal do Rebolo, torna-se essencial pensá-lo num contexto atual e imaginá-lo num tempo futuro. Fomos consciencializados ao longo de todo o estudo teórico que uma obra deve ir ao encontro dos sentidos e dos significados verdadeiros da história do conjunto, num processo entre o pensar e o sentir o espaço. Cada área do projeto deve explicar por si só o seu significado. ‘Um lugar tem de se tornar uma paisagem interior para que a imaginação comece a habitar esse lugar e fazer dele o seu teatro.’138 Devemos pôr de parte o pensamento racional que procura a estética e uma composição formal de ‘excelência’. O desenho deve ser por si só parte

137

ZUMTHOR (2006), p.31

138

Citação de I. Calvino in TAINHA (2000), p.103. 103


A CONSTRUÇÃO

FIGURA 62 | VESTÍGIOS NATURAIS E CONSTRUÍDOS

FIGURA 63 | VALOR CONSTRUTIVO DO EDIFICADO

104


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

integrante do lugar e também suficientemente apto para a longo prazo servir programas pertinentes de cada tempo. Deste modo, referimos a seguir, a propósito das reflexões fenomenológicas e de outras investigações estudadas, as características e as capacidades que este lugar tem e que não podem ser corrompidas com a introdução da nova intervenção aliada a um novo programa. Apercebemo-nos, desde o momento de chegada, da singularidade que o lugar adquire, para onde se vira e o que nos mostra: a ligação direta com a essência genuína do campo transmitida no contacto e na relação que estabelece com a natureza. Este sítio tem a capacidade de gerar em nós um sentimento de entrega ao desconhecido, aliado ao desejo de descobrir mais, por nunca desvendar por completo o que realmente é. Vai-nos mostrando, pela progressão de diversos planos, pedaços de imagem escolhidos com ponderação e assertividade que alimentam em nós o desejo de alcançar mais. Talvez pelo carácter topográfico em que se insere, comparativamente à cota inferior da envolvente, essa descoberta também é realizada de forma ascendente e pausada. Reconhecendo, inconscientemente, que o valor daquilo que vai sendo desvendado também vai superando ao que víamos antes. Cada espaço que transpomos manifesta em nós um estado emocional distinto, quer pela distância com o mundo natural, ora pelos sons que ouvimos do percurso da água nas fontes e tanques, quer pelos animais que vão passando. Todos estes fatores deslocam-nos para outra realidade. Um modo de estar refletivo e de repouso e um querer viver tranquilo sem agitações. Da mesma forma que nos remete para a nossa história também nos incentiva a conhecer a sua. Através dos trilhos que vemos desenhados no terreno, somos intuitivamente levados a percorrê-los e a alcançar marcos da história deixados ao longo desta história. Vestígios de outras épocas que estão hoje a descoberto e que afirmam, mais uma vez, o significado verdadeiro deste lugar singular, escolhido desde há milénios como lugar de habitar e de descanso eterno. (figura 62) 105


A CONSTRUÇÃO

Para além dos marcos arqueológicos, o tempo também se encarregou de escolher e identificar as pré-existências que o caracterizam. Antigos espaços cobertos amplos ou ‘armazéns’ que foram sendo anexados ao conjunto inicial e hoje não passam de ruínas ou edificações consumidas pela natureza. As mesmas nas quais não identificamos a atmosfera e a atenção entre o natural construído e por isso objetos que apenas nos confundem na identificação da essência e do espírito do lugar. (figura 63) Tendo em conta as conclusões provenientes da análise fenomenológica e interpretando-as para a realidade que vivemos hoje, entendemos que o lugar deve servir um programa que faça sentido no contexto social, urbano e experienciado em que se insere. Deste modo, entendemos que este lugar deve ter como finalidade a sua procura por um lugar de repouso, de reflexão, de retiro espiritual. Propomos um novo programa inserido numa solução que vai ao encontro do seu ‘Genius Loci’ e que procura não só transmitir a vocação deste lugar enquanto elemento servidor da população local, como a memória de miradouro para a abertura que nos encaminha à Serra de Sintra. Propõe-se para o lugar uma atmosfera de paragem em relação ao ambiente que se vive no exterior. Um lugar tranquilo, que leva à reflexão e a olhar para a frente, para o futuro e esquecer o passado, em momentos de contemplação no contato com a natureza.

106


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

2| O QUE A ARQUITETURA PRETENDE SER

Serviu a compreensão do significado do lugar para estabelecer as ligações e as relações que clarificam a sua identidade, inerentes na integração de uma nova intervenção arquitetónica. Uma vez entendidos os padrões que lhe conferem o seu significado verdadeiro, estamos aptos a continuar a produção da linguagem que lhe é própria. Também no caso do Casal do Rebolo, essas características que lhe são próprias servem como premissa na concretização do projeto de reabilitação numa realidade atual. Como referido anteriormente, a posição a tomar ao nível de projeto parte a um primeiro grau, da preocupação em assegurar e manter as qualidades espaciais já existentes no contato da obra construída com a terra e com a envolvente humanizada. Aspetos que devem certificar que o lugar permanecerá enquanto ponto de contemplação e de reflexão. Para além da importância destas configurações que estão subjacentes aos atributos de âmbito mais sensível e perceptivo, referido no ponto anterior, é fundamental fazer o reconhecimento das propriedades mais concretas ao nível da construção arquitetónica. Ao se ter identificado o significado verdadeiro que desvenda o próprio ‘Genius Loci’, reconheceram-se as relações e características distintas do lugar que 107


A CONSTRUÇÃO

devem estar subjacentes ao pensamento durante o desenho da nova estrutura arquitetónica. Consideramos quatro especificidades que determinam a especifidade do lugar, traduzidas através da configuração de como os objetos arquitectónicos se relacionam e implementam naquilo que é hoje o lugar em estudo e que deverá permanecer nos elementos futuros. A partir do conhecimento que adquirimos da nossa experiência elogiados o carácter privilegiado deste lugar na relação com a sua envolvente, traduzido pela presença de sucessivos planos a diferentes cotas altimétricas. A existência destes diversos momentos, conferidos pela construção ou pelos limites da vegetação, adquire em cada um deles uma distinção sensorial específica. O carácter privilegiado é igualmente traduzido na dualidade entre a densidade construída e o contacto com os aspectos naturais, da matéria ou das intervenções nos terrenos envolventes, tanto ao nível visual como táctil. Não podemos ainda esquecer a importância singular que o lugar adquire enquanto espaço horizontal, na distinta relação que estabelece com o horizonte e na forma como o nosso olhar, e caminho, é atraído por este. Outra particularidade do lugar é a maneira como este se vai revelando à medida que o percorremos e como nos é oferecida a sua verdade. A sua realidade acaba por nunca ser desvendada na totalidade, mas pela transposição de diversos planos verticais, naturais ou presentes na massa construída pelo homem, que fazem a transição dos diversos níveis de afetividade do homem para com o lugar. Constituintes que são desenhados com base na escala e dimensão humana e que vão deixando desvendar parte do que existe do outro lado. Mais especificamente no desenho dos objetos construídos é evidente a clareza das formas regulares e proporcionais que comprovam a dimensão sistemática da arquitetura vernacular da região saloia. Aparências unidas ao caráter maciço e pesado que os elementos espessos verticais transmitem. Os mesmos que, através dessa dimensão ampliada, fazem o filtrar da luz solar quando directamente projetada na construção, evidenciando a intensidade da passagem do tempo transposta na sombra. 108


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

É importante, aliado à volumetria construtiva evidenciar a matéria que a define, outra característica determinante naquilo que o lugar é. A clareza e a falta de detalhe presente nos materiais modestos e genuínos existentes no local, e característicos da zona, assumem os traços humildes destas construções. A cal e o mármore das pedreiras locais definem e simbolizam os objetos construídos e o aspecto submisso do Casal do Rebolo. Em algumas situações, podemos identificar pequenos apontamentos de cor, um detalhe específico que marca o limite do volume edificado. Constata-se a necessidade de preservar e reintroduzir estas configurações integrantes da experiência que o lugar proporciona na solução de projeto. A sua não inclusão quebraria com parte integrante do que é a identidade do mesmo e impediria o reconhecimento do seu significado enquanto lugar.

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A CONSTRUÇÃO

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MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

3| A SOLUÇÃO DE PROJETO

3.1 | ESTRATÉGIA CONSTRUTIVA E PROGRAMÁTIVA

Neste contexto será pertinente voltar a referir e contextualizar os aspectos significantes que a uma escala urbana determinam o modo como estes espaços são gerados, desde a sua criação até às questões evolutivas que vão sofrendo no decorrer dos tempos. Agora, com um enfoque mais particular nas preocupações e direções de que fomos sendo conscientizados no decorrer do nosso estudo e experiencia local. Percebemos que as estruturas edificadas foram sendo estabelecidas entre pequenas parcelas agrícolas e aglomerados habitacionais que se assumiam enquanto conjuntos isolados e auto-suficientes. (figura 64) Apresentam uma realidade introvertida, confinada à comunidade que a habita, que maioritariamente, admite alterações evolutivas decorrentes de novas situações familiares ou provenientes de necessidades profissionais. Essas novas realidades construtivas vão sendo anexadas ao existente, de forma espontânea, partindo exclusivamente do sentido mais prático e acessível que consegue ser 111


A CONSTRUÇÃO

FIGURA 64 | INDEPENDÊNCIA COMUNITÁRIA

FIGURA 65 | CASAL APÓS EVOLUÇÃO DA AGREDAÇÃO

Casal do Falcão..

FIGURA 66 | AGREGAÇÃO ATUAL DA INTERVENÇÃO

Casal do Rebolo 112


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

disposto para o efeito pretendido. São geralmente edificadas através de estruturas regulares que permitem uma fácil evolução agregada mantendo sempre a ligação de confronto com o meio natural, parte integrante e geradora destes lugares. (figura 65 e 66) No âmbito da intervenção da reabilitação do Casal do Rebolo, adequase o repensar destas questões de filiação ao lugar no pensamento de novas estruturas edificadas no mesmo. A solução prevista, propõe a reafirmação destas questões evolutivas dos pequenos ‘casais’, aliada à relação que o lugar estabelece com o meio envolvente. Neste último caso, fazendo referência à experiência que o lugar transmite e à preocupação em manter a sua verdadeira identidade. Interessa-nos confirmar o carácter fundamental das qualidades do lugar, não só enquanto características da sua identidade, mas também enquanto programa e estrutura da e para a população e urbanidade envolvente. Pretendese através de novas relações arquitectónicas e programáticas devolver ao lugar a possibilidade de desafogo, de refúgio e respiro na experiência do que são os lugares campestres, conservando a sua realidade de isolamento libertador, tão marcante na construção da sua atmosfera. Posteriormente à compreensão dos aspetos significativos do que são estes lugares, é imprescindível pensá-los, para além do presente, enquanto realidade futura. É de grande importância a reflexão sobre as possibilidades de integração do mesmo no contexto em que se insere e a que deve responder. Para tal, foi ponderado o equilíbrio entre as considerações sociais, culturais e económicas, desde a escala urbana à escala da envolvente mais próxima, de forma a ser avaliado o tipo de programa que melhor se insere nesta realidade. Motivações programáticas sempre associadas ao reconhecimento do significado inerente ao Casal do Rebolo. Assim, enquanto parte fundamental dos valores significativos, referimos anteriormente, a serem preservados, é essencial dar a conhecer os aspetos que foram deixados como marcas culturais ao longo dos séculos. Os valores materiais e imateriais, que estão presentes, mas que tendem a desaparecer com a passagem do tempo. Para além dos valores arquitectónicos presentes nos objetos construídos, dos valores arqueológicos existentes a descoberto, também os valores civilizacionais de culturas que se estão a 113


A CONSTRUÇÃO

esquecer devem ser manifestados. Crê-se pertinente abranger a possibilidade de vivenciar a sua experiência, para além do óbvio carácter privado, a um nível totalmente público, estendido a toda a população interessada. Assim sendo, propomos para o lugar um Centro de Acolhimento Temporário e Permanente à população idosa, associado a um Centro Interpretativo da História e dos Vestígios da Arquitetura Vernacular da Região Saloia. Não esquecendo o cuidado a ter entre a dimensão privada e a pública a que um lugar de exceção como este deve responder. Defendendo por isso, o facto do carácter isolado ser especifico deste lugar e de isso contribuir para a essência e experiência do Casal do Rebolo, respeitando-o e preservando-o no pensamento do novo programa. (figura 67) Relativamente ao Centro de Acolhimento

Temporário

e

Permanente, pensou-se distingui-lo entre o pré-existente e as novas intervenções. De acordo com o estudado e referenciado anteriormente, o carácter permanente dos casais tende a ser evolutivo, por isso, propomos que este centro a um nível permanente, seja gerado a partir da ideia de comunidade e de vivência do que era esta realidade no passado. Desse modo, propõe-se o desenvolvimento de diversos aglomerados agarrados a elementos de maior relevância presentes na área a intervir, água, paisagem e arqueologia. Núcleos comunitários, constituídos por pequenas habitações reinterpretando as características do lugar e da arquitetura vernacular saloia, que preveem a possibilidade evolutiva da construção, abrangendo o conjunto global ou a

114 FIGURA 67| LOCALIZAÇÃO ESQUEMÁTICA DO PROGRAMA

Centro de Acolhimento Temporário e Permanente Centro Interpretativo da história e dos Vestígios da Arquitetura da Região Saloia


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

própria habitação individual. Pensa-se que será dirigido a pessoas reformadas, que ambicionam passar os últimos tempos da sua vida num local tranquilo longe da agitação citadina. Quanto à secção de Acolhimento Temporário, considerou-se pertinente inseri-la nas áreas habitacionais a reabilitar. Servirá estadias de curta duração, pelo que dará a conhecer o lugar sem entrar em conflito com o mesmo. Funcionará como espaço de transição e de chegada ao lugar, fazendo, através do desenho dos espaços exteriores e da vegetação, a permeabilidade entre o pré-existente e o proposto. Foram tratadas com especial cuidado as áreas de encontro entre o novo e o velho, intervencionadas de acordo com o significado do lugar e com o que este suporta. Sendo áreas de carácter privado, foram pensadas formas de como poderia ser aliada a dimensão totalmente pública para usufruto da mesma experiência. O Centro Interpretativo da História e dos Vestígios da Arquitetura Vernacular da Região Saloia, pelo que tenciona oferecer à população, está ligado a uma outra pré-existência de natureza industrial e cultural. Permite o contato direto com o trabalho de campo e de laboratório, possibilitando a visita aos vestígios arqueológicos existentes no exterior. Localizado na mesma área do Centro de Acolhimento Temporário, encontra-se implantado a uma cota inferior de forma a integrar todas as pré-existências e a estabelecer conexão com os vestígios arqueológicos presentes no local à mesma cota. Estas novas intervenções não esqueceram a dimensão humanizada que deveriam cumprir no contato com o solo. Tanto no Centro de Acolhimento como no Centro Interpretativo, as extensões construtivas às pré-existências adquiriram uma leitura natural por surgirem do relevo topográfico do próprio terreno. Não pretendemos defender o seu isolamento programático, pelo contrário, Pretendemos maioritariamente um afastamento conferido pelas estruturas físicas que ao serem conservadas possibilitam a integração do visitante na dimensão ilimitada da envolvente. Tenciona-se responder, não só às necessidades inerentes do funcionamento programático, mas também à

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A CONSTRUÇÃO

experiência que estes lugares possibilitam na sua vivência e significação existencial do seu território (diurno e noturno).

116


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

3.2 | ESTRATÉGIA DE PROJETO

3.2.1 | SISTEMATIZAÇÃO DO LUGAR

Será pertinente referenciar questões de sistematização geral da proposta para o Lugar do Casal do Rebolo, agora a uma escala de maior enfoque na estrutura existente no seu território construído. Durante o desenvolvimento do trabalho, reconhecemos o significado existencial do Casal do Rebolo junto do meio construído, mas apercebemo-nos da necessidade de manter o carácter desconstruído da restante área. Desse modo decidimos incidir a área de maior densidade construída integrada na área das pré-existências. (figura 68) Após o reconhecimento e estudo da organização atual deste lugar constatou-se uma forte incongruência entre os elementos construídos. As pequenas e dispersas construções, que foram sendo anexadas ao longo do

FIGURA 68 | DENSIDADE CONSTRUTIVA PARA O LUGAR

Área a construir Área com possibilidade evolutiva Área de contínua desconstrução

117


A CONSTRUÇÃO

A demolir A manter

FIGURA 69 | A MANTER E A DEMOLIR

FIGURA 70 | ACESSOS E ‘PERCURSOS

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FIGURA 71 | NOVAS CONSTRUÇÕES


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

tempo, acabam por contribuir para a inexistência de um desenho lógico e coerente entre as mesmas. É notória a pouca qualidade habitacional de alguns objetos, consequente do carácter evolutivo na adição de volumes sucessivos aos pré-existentes e do mau estado construtivo em que se encontram. (ver figura 63) Identificamos por isso o edificado com maior valor patrimonial e qualidade construtiva, que melhor clarificam o sentido enquanto lugar que se pretende neste projeto. Assim, considera-se na intervenção a demolição de parte do edificado construído à exceção das duas habitações mais opulentas e do pequeno armazém que servia de apoio aos trabalhos da terra. (figura 69) Com vista à libertação espacial do território do Casal do Rebolo, assumimos ser importante a demolição das restantes construções que acabam por adulterar não só a escala construtiva destes lugares, mas também a atmosfera de contemplação e sossego que reconhecemos ser essencial e especifica do lugar. Relativamente à estruturação topográfica do lugar, pretendemos respeitar as cotas atuais do terreno. Assumimos na cota do edifício mais a norte a plataforma de acesso e de maior vocação com o significado existencial e envolvente, fazendo a partir daí a distribuição paras as relações mais íntimas entre o sujeito e os restantes ambientes. Por outro lado recuperamos o papel protagonista do edifício mais a sul, remetendo para a relação que originalmente estabeleceria com a Serra de Sintra. (figura 70) A lógica formal das novas intervenções serve para criar coerência construtiva entre as pré-existentes e estabelecer ligações programáticas entre as mesmas. Permite manter a mesma linguagem topográfica, tornando-se pouco rígida nos momentos de chegada. Os novos elementos servirão como espaços percorríveis ao nível da cobertura, quer do ponto de vista público ou privado, diurno ou noturno. Pretendemos que este seja um local disponível para ser vivenciado a todos os níveis perceptivos. (figura 71) O pensamento que defendemos tem por base a preservação do limite exterior original do lugar, por razões culturais ou identitárias, que poderá apresentar uma mais-valia em oposição à abertura do seu espaço à envolvente.

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A CONSTRUÇÃO

FIGURA 72 | ACESSOS CONTROLADOS

120

FIGURA 73 | FOTOMONTAGENS DA PROPOSTA


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

3.2.2 | CONCEPÇÃO

No seguimento das conclusões da análise fenomenológica e do entendimento da estrutura atual do Casal do Rebolo, estabeleceu-se a estratégia interventiva a considerar para a elaboração do projeto. Ainda sem fazer uma descrição das funcionalidades programáticas do mesmo, achamos pertinente referir algumas temáticas e aspectos que motivaram e acabam por estar presentes na concepção arquitectónica. Para tal, consideramos ser mais fácil para o seu entendimento, uma abordagem mais geral ao nível da linguagem construtiva que está presente em toda a intervenção, nova e existente, e posteriormente fazer referência aos dois tipos de tratamento considerados na área de reabilitação das pré-existências e nos novos aglomerados implantados de início. Em toda a intervenção foi notória a preocupação em manter os aspectos específicos do lugar descritos em O que a arquitetura deve ser como forma de responder a O que o lugar deve ser. Os pontos de acesso ao complexo serão integrados em passagens controladas por planos verticais definidos por muros, existentes ou novos, ou por vegetação mais alta que nos conferem uma espacialidade mais limitada. Funcionam como pontos de comunicação entre a realidade exclusiva do lugar e a comum da vida quotidiana. É no percorrer destes momentos de transição que começa a ser sugerido, por entre os recortes dos mesmos elementos, o que o lugar tem para nos oferecer Uma descoberta faseada, que pelo próprio desenho dos percursos é ascendente. (figura 72 e 73)

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A CONSTRUÇÃO

FIGURA 74 | REFERÊNCIA PRÉ-EXISTENTE

FIGURA 75 | PROPOSTO 122


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

Formalmente, conseguimos identificar nas novas construções a leitura proporcional e regular, característica do desenho da arquitetura vernacular. Segue as mesmas métricas e proporções entre cheios e vazios e cria do ponto de vista estrutural a mesma flexibilidade e possibilidade adaptativa a novos acréscimos ou usos programáticos. Também quisemos manter na obra a mesma aparência maciça gerada pelo dimensionamento das paredes em alvenaria de pedra que agora adquirem a linguagem espessa traduzida pela tradicional construção em alvenaria de tijolo agregada a uma área de arrumos ou serviços. Quisemos manter a mesma experiência de transpor elementos densos no acesso a um novo espaço interior. (figura 74 e 75) As novas ampliações surgem como necessidade de responder ao contexto e usos atuais, estruturando espacialmente o existente. A pouca definição e subdivisão destes novos volumes, garante uma maior flexibilidade da arquitetura às novas funções ou a futuras alternativas distintas possibilitando o acréscimo das mesmas com o mesmo carácter estrutural e proporcional. (figura 76 e 77) Sucintamente, a intervenção arquitectónica nas

FIGURA 78 | PÁTIOS DE TRANSIÇÃO

pré-existências pretende clarificar o carácter genuíno que os objetos contêm. Para isso eliminamos os excessos construtivos que não lhe acrescentam valor, provenientes

de

intervenções

posteriores

à

construção

inicial.

E

reintroduzimos, em alguns casos, características originais que teriam sofrido alterações ao longo dos séculos. Como forma de responder à problemática que é o contacto entre o novo e o pré-existente, foram desenvolvidos pequenos pátios, que fazem a transição entre estas duas realidades distintas. Os mesmos foram desenhados com a preocupação existencial e perceptiva do que

FIGURA 77| PROPOSTA EVOLUTIVA

Planta cota 229, Centro Acolhimento Temporário.

é o sentido do lugar: o contacto com os materiais autênticos do local, com a vegetação e com os recursos naturais predominantes. (figura 78) Do ponto de vista das novas habitações individuais, pretendemos fazer uma reinterpretação da arquitetura vernacular saloia, com a mesma lógica organizativa, não descuidando os principais aspectos identitários – cobertura, volumetria proporcional, pequenos anexos e carácter evolutivo. (figura 79, 80 e 81) As habitações estão organizadas em aglomerados implantados no terreno de acordo com os três marcos significativos do lugar: os vestígios

FIGURA 76 | PROPOSTA EVOLUTIVA

arqueológicos, os recursos naturais e a paisagem. Desse modo as pequenas

Planta cota 221, Centro Histórico e Interpretativo. 123


A CONSTRUÇÃO

FIGURA 79 | ALÇADO/CORTE DE UM EXEMPLAR TRADICIONAL

FIGURA 80 | PROPOSTA

124

FIGURA 81 | ESQUEMA EVOLUTIVO DA CONSTRUÇÃO


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

‘comunidades’ foram geradas, respectivamente, a partir da ligação visual com os vestígios, do contato com um grande tanque de água e, por último, do usufruto do local com maior declive no terreno. A sua organização foi estudada de forma a nunca haver interferência visual para a paisagem e possibilitar a sua evolução quer ao nível da habitação quer do conjunto, a mesma realidade existente no que eram os tradicionais casais saloios.

125


A CONSTRUÇÃO

FIGURA 85 | PROPOSTA

1

3 2

FIGURA 86 | PROPOSTA

1 – Vestígios Arqueológicos | 2 – Tanque pré-existente | 3 – ‘Miradouro’ Sintra 126


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

3.2.3 | FUNCIONALIDADE PROGRAMÁTICA

Posteriormente às ideias conceptuais do projeto, é necessário fazer uma descrição mais aproximada e objectiva de alguns momentos e organizações do mesmo. A partir da pré-existência presente na cota inferior do terreno, na qual é possibilitado o acesso aos vestígios arqueológicos, será gerado o Centro Interpretativo da História e dos Vestígios da Arquitetura Vernacular da Região Saloia. A entrada é feita pela introdução de um novo volume que nasce do seguimento da horizontalidade espacial existente na habitação pré-existente na cota superior. Esse objeto surge da topografia do terreno e desenrola-se subterraneamente até ao contato com o armazém. (figura 82) O percurso do visitante é direcionado sempre no trajeto do novo para o antigo, através de entradas de luz que vão aumentando a amplitude visual do mesmo. Maioritariamente, quando totalmente desvendados, essas entradas de luz, revelam-se pequenos pátios exteriores que nos dirigem a um novo espaço

FIGURA 84 | CORTE DIRECÇÕES VISUAIS

seguindo o trajeto da água. (figura 83) No decorrer destes percursos interiores, o sujeito tem a possibilidade de ir observando e de estar em contacto com os aspetos culturais significativos do lugar, tanto a nível visual como táctil. Através de pequenas diferenças de cotas nos pavimentos interiores, este consegue observar os espaços de trabalho interior ou de campo a uma cota superior em relação aos mesmos. (figura 84)

FIGURA 83 | PÁTIOS, ENTRADAS DE LUZ E PERCUSOS DE ÁGUA

A uma cota superior foi organizado o Centro de Acolhimento Temporário. Entre os dois objetos presentes, surgiu um novo que estabelece a ligação entre ambos e faz a gestão da diferença topográfica entre os mesmos. Essa gestão foi desenhada através de sucessivos planos e pátios, que oferecem ao transeunte distintas consciências existentes. (figura 85) Na pré-existência com maior valor patrimonial, ficam inseridos os aspetos programáticos de maior importância social e comunitária. Para além de 127

FIGURA 82 | PERCURSOS E ACESSOS


A CONSTRUÇÃO

servir a ala temporária também serve de apoio comunitário aos habitantes permanentes. No volume existente a Este foram organizados os quartos ao longo de dois pisos, e é este edifício que estabelece ligação interna com a nova extensão. Como já foi referido anteriormente, os aglomerados que servem a habitabilidade permanente estão filiados aos locais de maior significado local e são gerados a partir de um ponto central, que funciona como pátio comunitário. A sua organização prevê uma realidade evolutiva do ponto de vista construtivo ao longo dos tempos. Foram separadas em dois volumes distintos as áreas de carácter público e privado: o volume da cozinha e da sala de estar está conectado com o dos quartos e da casa de banho através de um elemento que estabelece a reunião com a envolvente natural e vence as cotas topográficas quando necessário. (figura 86 e 87)

FIGURA 87 | ESQUEMA + PROPOSTA

128


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

3.3 | ÂMBIÊNCIAS

Enquanto definidor da integridade ambiental do lugar, reconhecemos a importância que o valor material dos elementos significa na especificidade da atmosfera. Anteriormente, ainda não tinha sido referenciado a relevância do detalhe da matéria, das texturas e da sua configuração ao longo de todo o conjunto, porque no âmbito dos temas abordados, de carácter mais geral e estrutural, não ganhava pertinência e sentido devido. Deste modo, no domínio de todo o projeto foi refletido o cuidado a dar a cada momento e a forma como se comunica e influencia o sujeito. Os elementos que conferem o espaço exterior ou a relação com o mesmo, assumem a definição da atmosfera do lugar, possibilitando a continuidade da essência com o lugar pré-existente. Cada espaço ou momento define-se não só pela sua estrutura e relação com a envolvente, mas também pelo caráter transmitido através dos componentes que o controlam. Considera-se essencial manter a pureza e aspeto tectónico dos materiais que existem na atualidade. Assim, interviremos nas novas ações com o trabalho da pedra, do reboco, madeiras e do apontamento do azulejo em áreas mais húmidas, evocando a utilização deste material como revestimento protetor presente também nas tradicionais arquiteturas saloias. Mantendo o mesmo sentido original, o mármore insere-se nas novas propostas com a marca de ‘bloco’ para assumir as interrupções nos planos verticais. Nas áreas de maior permanência é inserida a madeira como revestimento para expressar e dar continuidade ao carácter familiar e acolhedor do lugar. Se por um lado os muros do jardim se assumem em blocos de mármore local e ganham a mesma densidade maciça dos existentes, para uma textura natural, sólida e dura, por outro, são quebrados de forma a deixarem 129


A CONSTRUÇÃO

ver parte do que existe do outro lado. Adquirem um carácter manipulado remetendo para uma experiência dinâmica ao longo do nosso movimento. Essa deslocação pelo lugar vai sendo direcionada e encaminhada através da intuição perceptiva que vai surgindo ao longo do caminho. Acontece, consequentemente, pela continuidade da linguagem das matérias – textura, estereotomia, diferenças de materiais – ou pela presença de elementos naturais, como a água, que desenha o trajeto do nosso percurso. Essa diferenciação tectónica foi marcada de acordo com o tipo de experiência que deve ser experienciado em cada lugar – o percorrer, o estar e o ver. Quisemos que, em qualquer espaço exterior, o visitante fosse conduzido a um espaço de permanência e de experiência sensorial. O mesmo foi desenhado nas intervenções em contato com as pré-existências ou nas construções novas. (86 e 88)

FIGURA 88 | PROPOSTA

130


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

IV| CONSIDERAÇÕES FINAIS

131


CONSIDERAÇÕES FINAIS

132


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

O desenvolvimento deste trabalho nasceu da consciência da problemática do que são hoje as realidades mais remotas dos centros urbanos. Na sua maioria, começam a ser lugares omitidos. Um abandono que consequentemente leva ao esquecimento dos seus valores materiais e imateriais, patrimoniais e culturais. Não podemos ignorar que a nossa génese nasceu em tempos passados e continua descrita na identidade e memória desses lugares. Ganhamos consciência que o futuro da Memória da História está nas nossas mãos e que o devemos garantir. Para dar contributo a esta preocupação, elegemos a região saloia de onde a maioria dos lisboetas são oriundos mas que tão pouco a valorizam. Estamos conscientes que numa acertada intervenção arquitetónica contemporânea é essencial respeitar o sentido existencial de cada lugar na abordagem para com o legado que nos propomos a pensar. Pretendeu-se realizar uma requalificação no território do Casal do Rebolo, reconhecendo a importância de uma intervenção informada que compreenda a sua natureza singular enquanto lugar, valor cultural e contexto de um tempo e espaço particular. Para tal procedemos a uma investigação desde um âmbito totalmente alargado ao caso especifico do lugar a intervir. A pertinência do tema encaminhou-nos a realizar um estudo acerca do património edificado, da objetividade da arquitetura vernacular saloia e das reflexões fenomenológicas. Através

de

alguns

conceitos

desenvolvidos

no

âmbito

da

fenomenologia, assumimos uma abordagem defensora da arquitetura que transmite um significado no decorrer das nossas vivências. Uma capacidade de transmitir um sentido ao sujeito que a experimenta, compreendendo a necessidade de preservar a sua essência verdadeira. A sua realização consciente pressupôs a criação de novas ligações entre o homem e o lugar de acordo com o contexto atual, prevendo uma transformação por necessidade futura, não considerando apenas a situação urbana mas também o entendimento social e económico em que se insere.

133


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As questões centrais de estudo ao longo deste trabalho, influenciaram e determinaram a solução de projeto proposta, na medida em que a principal intenção incidiu no desenvolvimento de um trabalho de respeito para com a realidade concreta e verdadeira do lugar.

‘Nós não somos do século de inventar as palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas.’139

139

ALMADA NEGREIROS (1921).

134


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

V| ÍNDICE DE IMAGENS

135


ÍNDICE DE IMAGENS

136


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

FIGURA 1 | A MULHER SALOIA Fonte: ANASTÁCIO, Maria Amélia. Território e Identidade: Aspectos Morfológicos da Construção do Território e a Identidade Cultural Saloia no Concelho de Cascais. Lisboa: ISCTE, 2008. p. 73.

FIGURA 2 | O HOMEM SALOIO Fonte: ANASTÁCIO, Maria Amélia. Território e Identidade: Aspectos Morfológicos da Construção do Território e a Identidade Cultural Saloia no Concelho de Cascais. Lisboa: ISCTE, 2008. p.73.

FIGURA 3 | EXEMPLAR NO ARQUIPELAGO Fonte: FERNANDES, José M.; JANEIRO, Maria de L.. Arquitectura Vernácula da Região Saloia . Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, 1991. P.53.

FIGURA 4 | EXEMPLAR NO ARQUIPELAGO Fonte: FERNANDES, José M.; JANEIRO, Maria de L.. Arquitectura Vernácula da Região Saloia . Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p.57.

FIGURA 5 | TERRITÓRIO SALOIO Fonte: Produção da autora.

FIGURA 6 | CONJUNTOS COMPACTOS Fonte: ASSOCIAÇÃO DOS ARQUITETOS PORTUGUESES. Arquitectura Popular em Portugal. Edição da Ordem dos Arquitetos. Lisboa: Centro Editor Livreiro da Ordem dos Arquitetos, 2004.

FIGURA 7 | CONJUNTOS COMPACTOS Fonte: FERNANDES, José M.; JANEIRO, Maria de L.. Arquitectura Vernácula da Região Saloia . Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p.23.

FIGURA 8 | AGREGAÇÃO EVOLUTIVA DOS CASAIS Fonte: Esquisso da autora.

FIGURA 9 | TIPOLOGIA TÉRREA Fonte: CALDAS, João Vieria. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.167.

FIGURA 10 | TIPOLOGIA TORREADA Fonte: CALDAS, João Vieria. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.172.

FIGURA 11 | TIPOLOGIA AGREGADA Fonte: CALDAS, João Vieria. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.187.

FIGURA 12 | ELEMENTOS TRANSITÓRIOS Fonte: ASSOCIAÇÃO DOS ARQUITETOS PORTUGUESES. Arquitectura Popular em Portugal. Edição da Ordem dos Arquitetos. Lisboa: Centro Editor Livreiro da Ordem dos Arquitetos, 2004. p. 47.

FIGURA 13 | LUGARES DE ENCONTRO Fonte: Fotografia da autora. FIGURA 14 | CASAL DO REBOLO Fonte: http://www.jf-almargemdobispo.pt/articles/category/freguesia, consultado a 19-06-2013.

FIGURA 15 | ENQUADRAMENTO TERRITORIAL Fonte: Produção da autora.

FIGURA 16 | ENQUADRAMENTO REGIONAL Fonte: Produção da autora.

FIGURA 17 | ENQUADRAMENTO LOCAL Fonte: Produção da autora. 137


ÍNDICE DE IMAGENS

FIGURA 18 | ENVOLVENTE DO CASAL Fonte: Autoria da autora.

FIGURA 19 | A FREGUESIA Fonte: PATO, Heitor Baptista. Almargem do Bispo - História e Tradições. Sintra: Junta de Freguesia de Almargem do Bispo, 2013. p.40.

FIGURA 20 | A PAISAGEM Fonte: PATO, Heitor Baptista. Almargem do Bispo - História e Tradições. Sintra: Junta de Freguesia de Almargem do Bispo, 2013. p.63.

FIGURA 21 | OLISIPO Fonte: http://planeta-reboque.blogspot.pt/2004_10_01_archive.html, consultado a 08-12-2013.

FIGURA 22 | ITINERÁRIO DE ANTONINO Fonte: Motor de busca Google. Pesquisa de ‘itinerário de antonino’ em imagens.

FIGURA 22 | VIAS ROMANAS DE LISBOA Fonte: Motor de busca Google. Pesquisa de ‘vias romanas’ em imagens.

FIGURA 23| MAPA DO SÉC. XVI Fonte: PATO, Heitor Baptista. Almargem do Bispo - História e Tradições. Sintra: Junta de Freguesia de Almargem do Bispo, 2013. p.115.

FIGURA 24 | DISTINÇÃO CULTURAL Fonte: PATO, Heitor Baptista. Almargem do Bispo - História e Tradições. Sintra: Junta de Freguesia de Almargem do Bispo, 2013. p.41.

FIGURA 25 | TESTEMUNHO Fonte: PATO, Heitor Baptista. Almargem do Bispo - História e Tradições. Sintra: Junta de Freguesia de Almargem do Bispo, 2013. p.41.

FIGURA 26 | VESTÍGIOS NATURAIS E CONSTRUÍDOS Fonte: GONÇALVES, Alexandre Marques. A necrópele Romana do Casal do Rebolo. Lisboa: ULFL, 2011. Anexo.

FIGURA 27 | VESTÍGIOS ARQUEOLÓGICOS Fonte: GONÇALVES, Alexandre Marques. A necrópele Romana do Casal do Rebolo. Lisboa: ULFL, 2011. Anexo.

FIGURA 28 | CASAL DO REBOLO Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 29 | NATURAL VS CONSTRUÍDO Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 30 | DESVENDAR O LUGAR Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 31 | CAMINHO Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 32 | MURO Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 33 | PLANO DE CHEGADA Fonte: Fotografia da autora. 138


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

FIGURA 34 | IMPLANTAÇÃO HUMANIZADA Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 35 | ESCADARIA Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 36 | CONFIGURAÇÃO DA ARCADA Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 37 | ‘ESTRUTURA’ Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 38 | DIRECCIONADO A SINTRA Fonte: Esquisso da autora.

FIGURA 39 | DENSIDADE URBANA Fonte: Produção da autora.

FIGURA 40 | DENSIDADE CAMPESTRE Fonte: Produção da autora.

FIGURA 41 | PAISAGEM VEGETAL Fonte: Fotomontagem produzida pela autora.

FIGURA 42 | LIMITES ESPACIAIS Fonte: Esquisso da autora.

FIGURA 43 | TOPO Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 44 | PERCEPÇÕES VISUAIS Fonte: Esquisso da autora.

FIGURA 45 | TOPO Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 46 | AFETIVIDADE VERTICAL Fonte: Esquisso da autora.

FIGURA 47 | ESCALA HUMANIZADA Fonte: Produção da autora.

FIGURA 48 | ESCALA HUMANIZADA Fonte: Produção da autora.

FIGURA 49 | FILTRO Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 50 | EXEMPLAR TRADICIONAL Fonte: FERNANDES, José M.; JANEIRO, Maria de L.. Arquitectura Vernácula da Região Saloia . Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p.46.

FIGURA 51 | DESENHO TRADICIONAL onte: Produção da autora.

FIGURA 52 | ELEMENTOS DE MEDIAÇÃO Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 53 | PLANTA/CORTE VÃO Fonte: Produção da autora.

139


ÍNDICE DE IMAGENS

FIGURA 54 | O EXTERIOR NO INTERIOR Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 55 | TONALIDADE MATINAL Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 56 | TONALIDADE FIM DE TARDE Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 57 | EROSÃO DA MATÉRIA Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 58| EM RUÍNAS Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 59 | EM RUÍNAS Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 60 | DEFICIÊNCIAS NA ESTRUTURA Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 61 | DEFICIÊNCIAS NA ESTRUTURA Fonte: Fotografia da autora.

FIGURA 62 | VESTÍGIOS NATURAIS E CONSTRUÍDOS Fonte: GONÇALVES, Alexandre Marques. A necrópele Romana do Casal do Rebolo. Lisboa: ULFL, 2011. Anexo.

FIGURA 63 | VALOR CONSTRUTIVO DO EDIFICADO Fonte: Base - Aplicação Mapas do sistema operativo Macintosh. Produção esquemática da autora.

FIGURA 64 | INDEPENDÊNCIA COMUNITÁRIA Fonte: Aplicação Mapas do sistema operativo Macintosh.

FIGURA 65 | CASAL APÓS EVOLUÇÃO DA AGREDAÇÃO Fonte: Aplicação Mapas do sistema operativo Macintosh.

FIGURA 66 | AGREGAÇÃO ATUAL DA INTERVENÇÃO Fonte: Aplicação Mapas do sistema operativo Macintosh.

FIGURA 67 | LOCALIZAÇÃO ESQUEMÁTICA DO PROGRAMA Fonte: Base – curvas de nível desenhadas com base em plantas regionais. Produção esquemática da autora.

FIGURA 68 | DENSIDADE CONSTRUTIVA PARA O LUGAR Fonte: Base – curvas de nível desenhadas com base em plantas regionais. Produção esquemática da autora.

FIGURA 69 | A MANTER E A DEMOLIR Fonte: Base – curvas de nível desenhadas com base em plantas regionais. Produção esquemática da autora.

FIGURA 70 | ACESSOS E ‘PERCURSOS Fonte: Esquisso da autora.

FIGURA 71 | NOVAS CONSTRUÇÕES Fonte: Esquisso da autora.

FIGURA 72 | ACESSOS CONTROLADOS Fonte: Esquisso da autora. 140


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

FIGURA 73 | FOTOMONTAGEM DA PROPOSTA Fonte: Produção da autora.

FIGURA 74 | REFERÊNCIA PRÉ-EXISTENTE Fonte: Produção da autora.

FIGURA 75 | PROPOSTO Fonte: Produção da autora.

FIGURA 76 | PROPOSTA EVOLUTIVA Fonte: Produção da autora.

FIGURA 77 | PROPOSTA EVOLUTIVA Fonte: Produção da autora.

FIGURA 78 | PÁTIOS DE TRANSIÇÃO Fonte: Produção da autora.

FIGURA 79 | ALÇADO/CORTE DE UM EXEMPLAR TRADICIONAL Fonte: FERNANDES, José M.; JANEIRO, Maria de L.. Arquitectura Vernácula da Região Saloia . Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 43.

FIGURA 80 | PROPOSTA Fonte: Produção da autora.

FIGURA 81 | ESQUEMA EVOLUTIVO DA CONSTRUÇÃO Fonte: Esquisso da autora.

FIGURA 82 | PERCURSOS E ACESSOS Fonte: Produção da autora.

FIGURA 83 | PÁTIOS, ENTRADAS DE LUZ E PERCUSOS DE ÁGUA Fonte: Produção da autora.

FIGURA 84 | CORTE DIRECÇÕES VISUAIS Fonte: Produção da autora.

FIGURA 85 | PROPOSTA Fonte: Produção da autora.

FIGURA 86 | PROPOSTA Fonte: Produção da autora.

FIGURA 87 | ESQUEMA + PROPOSTA Fonte: Esquisso da autora.

FIGURA 88 | PROPOSTA Fonte: Produção da autora.

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ÍNDICE DE IMAGENS

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MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

VI| BIBLIOGRAFIA

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BIBLIOGRAFIA

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MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

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MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

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148


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

VII| ANEXOS

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ANEXOS

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MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

1| SINTRA PAISAGEM CULTURAL ‘The cultural landscape of the Serra and the town of Sintra represents a pioneering approach to Romantic landscaping that had an outstanding influence on developments elsewhere in Europe. It is a unique example of the cultural occupation of a specific location that has maintained its essential integrity as the representation of diverse successive cultures. Its structures harmonize indigenous flora with a refined and cultivated landscape created by man as a result of literary and artistic influences. Its integrity is fragile and vulnerable to neglect and unsympathetic management and use.’ 1

1

Consultado a 9/03/2014 em http://whc.unesco.org/en/list/723. 151


ANEXOS

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MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

FIGURA 1| PATRIMÓNIO CONSTRUÍDO

Parte do património construído da Vila de Sintra. Em primeiro plano o Castelo dos Mouros, mais atrás o Palácio Nacional da Pena. Fonte: http://www.parquesdesintra.pt/parques-jardins-e-monumentos/parque-e-palacio-nacional-da-pena/., consultado a 12-03-2014.

Sintra apresenta a nível nacional um dos poucos exemplos de integridade contínua ao longo de um vasto campo de ação. Considerada como Paisagem Cultural pela UNESCO, em Dezembro de 1995 durante a 19º Secção do Comité do Património Mundial em Berlim, é um exemplo de ininterrupta ocupação humana num território com um exuberante património construído e natural. Especificidades aliadas ao seu ‘micro-clima’ e que fazem desta região um local de cariz único pelo agregado entre a paisagem geográfica, climática, botânica e zoológica.

FIGURA 2| PAISAGEM HUMANIZADA DA SERRA Fonte: http-//4.bp.blogspot.com/-rBQwF3LnAAk/T6qPSQr2rEI/AAAAAAAAa3k/jH4GCis6l0/s1600/010.JPG, consultado a 12-03-2014.

153


ANEXOS

Vista de longe, distingue-se dos arredores pelo seu carácter natural e muito vegetal que se eleva dos arredores rurais. É uma pequena montanha granítica, coberta por uma enorme floresta que nasce num dos limites da área metropolitana de Lisboa e acaba no mar. Ao percorrê-la, apercebemo-nos de que é muito mais do que isso. São séculos de história portuguesa assinalados pelas marcas culturais fortificadas. É uma área que desde muito cedo se assumiu com distinção pela presença bem notória do contexto cultural e ambiental que abrange os ‘mais longínquos e míticos significados e vivênvias que a época contemponea souber integrar, (...) sem lhe desvirtuar a essência.’ 2 Sempre foi escolhida, desde a corte e os nobres, pela sua situação climatérica muito específica: Verões frescos e invernos amenos e soalheiros. Cedo foi alvo de uma intensa ocupação humana por diversos motivos. Para além do peculiar clima, era reconhecida pela fertilidade das terras nas várzeas circundantes, a relativa proximidade ao mar e ao rio e à vizinha cidade de Lisboa. Estabeleciam-se nos arredores de Sintra e na sua vertente norte, e iam erguendo as villas e as quintas limitadas pelos jardins e parques naturais. Enquanto o lado isolado da serra atraia monges e eremitas que construíam o lados mais religioso e cultural do lugar.

FIGURA 3 | PARQUE E PALÁCIO NACIONAL DA PENA

FIGURA 3 | PARQUE E PALÁCIO NACIONAL DA PENA

Em 1931 iniciou-se a construção do novo palácio para o D. Fernando e a D. Maria II. Anteriormente era o Real Mosteiro da Nossa Senhora da Pena, fundado por D. Manuel I em 1503. Fonte: http-//4.bp.blogspot.com/rBQwF3LnAAk/T6qPSQr2rEI/AAA AAAAAa3k/jH4GCis6l0/s1600/010.JPG, consultado a 1203-2014.

‘O Parque e o Palácio da Pena, implantados na serra de Sintra e fruto do génio criativo de D. Fernando II, são o expoente máximo do Romantismo do século XIX

2

Consultado a 19/06/2013 em http://www.cm-sintra.pt/Artigo.aspx?ID=3383.

154


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

em Portugal, com referências arquitetónicas de influência manuelina e mourisca. O Palácio foi construído para ser observado de qualquer ponto do Parque, floresta e jardins luxuriantes com mais de quinhentas espécies arbóreas oriundas dos quatro cantos do mundo.’3

FIGURA 4 | CONVENTO DOS CAPUCHOS

‘Convento franciscano construído em contacto direto com a natureza e de acordo com uma filosofia de extremo despojamento arquitetónico e decorativo. O Convento dos Capuchos, de dimensões reduzidas e notável pela extrema pobreza da sua construção, é também conhecido como “Convento da cortiça”, dado o uso extensivo da cortiça na proteção e decoração dos seus pequenos espaços. A sua rusticidade e austeridade são indissociáveis da vegetação envolvente, numa integração total com a natureza, até ao ponto de incorporar na construção enormes fragas de granito.’4

Deste esta época e até aos inícios dos anos sessenta, transformou-se numa zona privilegiada para segunda residência pelas suas qualidades ambientais. Era procurada pela alta sociedade sobretudo em épocas festivas ou FIGURA 4 | CONVENTO DOS CAPUCHOS 3

Consultado a 12/03/2014 em http://www.parquesdesintra.pt/parques-jardins-e-monumentos/parque-

e-palacio-nacional-da-pena/. 4

Consultado

a

12/03/2014

em

http://www.parquesdesintra.pt/parques-jardins-e-

monumentos/convento-dos-capuchos/. 155

Mandado construir em 1560 por D. Álvaro Costa, conselheiro de estado do rei D. Sebastião. Fonte: http://www.parquesdesintra.pt/parqu es-jardins-e-monumentos/conventodos-capuchos/, consultado a 12-032014.


ANEXOS

para férias estivais, levando à construção de bastantes exemplos significativos da arquitetura tradicional da ‘Casa Portuguesa’. Construções de alguns dos mais importantes arquitetos portugueses da primeira metade do século XX – Raul Lino, Norte Júlio, ...

FIGURA 5 | CASA ‘RAUL LINO’

‘vale ameno, por entre rochedos que se elevam até aos céus, se recurva em graciosos outeiros por entre os quais se sente o murmurar das águas (...), [onde] tudo, enfim, nos encanta e perfuma o ambiente com a sua fragrância e com os seus frutos.’5

FIGURA 5 | CASA ‘RAUL LINO’

Foi construída na década dos anos trinta para o poeta Francisco Costa (1900-1988), natural de Sintra. Fonte: http//sintradeambulada.blogspot.pt/2013 /07/a-casa-que-raul-lino-fez-para-umpoeta, consultado a 12-03-2014.

5

Consultado a 19/06/2013 em http://www.cm-sintra.pt/Artigo.aspx?ID=3383.

156


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

2| TIPOLOGIAS E VARIANTES Arquitetura Vernacular Saloia

157


ANEXOS

158


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

1| TIPOLOGIAS

Não podemos deixar de apresentar as variáveis identificáveis no esquema base de cada um dos tipos arquitectónicos. Entendendo-se, à maneira do historiador de Giulio Argan6, ‘como redução de uma série de variantes formais a uma suposta estrutura comum’. Tratando-se do estudo da habitação rural é substancial a configuração geral do próprio edificado e o modo como a casa se confronta com os aspetos da envolvente. Ou seja, a sua disposição topográfica, a relação com a paisagem, a organização dos espaços complementares de apoio, a sua posição relativamente aos acessos e ainda a diferenciação hierárquica transmitida através de elementos formais de exceção, inseridos na fachada exterior. É na região do Concelho de Sintra que se encontra a pureza dos exemplares que melhor registam a existência deste arquétipo. ‘A quantidade

6

Giulio Carlo Argan foi historiador e teórico da arte italiano sendo reconhecido no meio acadêmico

internacional pelos seus estudos sobre arte medieval e renascentista. A importância da sua obra é considerada como bibliografia fundamental nas áreas da história de arte, destacando-se essencialmente os seus livros de Arte Moderna, Clássico e Anticlássico e História da Cidade. 159


ANEXOS

assim como a fidelidade tipológica e expressiva vão diminuindo à medida que nos afastamos deste núcleo e que vai sendo mais a permeabilidade a modelos urbanos e de outras regiões.’7 Denota-se uma forte robustez formal, marcada talvez, ainda pela influência moçárabe e do seu cruzamento com a cristã, na gradual evolução do modelo arquitectónico da casa saloia. Desta forma, é inevitável a comparação com a ‘caaba’. De configuração cúbica com escassez de vãos, serviu de referência aos exemplos de casas torreadas na região saloia. Entende-se que o volume derivado deste edifício religioso, pelas suas dimensões e proporções, funciona como um módulo gerador do corpo principal da habitação tradicional saloia em qualquer variante. Criada através de repetições e justaposições.

FIGURA 3 | INFLUÊNCIA MUÇULMANA

Capela do sítio da Nazaré.

FIGURA 2 | INFLUÊNCIA MUÇULMANA

Capela da Senhora do Cabo, junto ao santuário do Espichel, Sesimbra.

Distinguiu-se diversos tipos e suas variantes, com exceção dos exemplares que não tendo qualquer um dos tipos bem definidos também não possuem características individuais ou de conjunto que justifique a criação de uma nova variante tipológica. Estas diferenciações são normalmente causadas por transformações singulares que alteram a expressão formal base. São considerados três tipos de tipologia base:

FIGURA 1 | CAABA

Marcas da influência muçulmana nos traços da arquitetura vernacular saloia.

7

CALDAS (1999), P.105

160


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

Tipo A Casa térrea com duas ou três divisões e telhado de quatro águas. Este tipo para além do modo como associa os carateres expressivos da cultura, o forno e a chaminé adjunto ao único volume habitacional, pouco difere das outras casas térreas e caiadas existentes no sul do país.

FIGURA 10 | EXEMPLAR SALOIO

FIGURA 11 | EXEMPLAR ALGAVIO

Habitação térrea em Arneiro dos Marinhieros, Sintra.

Habitação térrea em Tavira.

Tipo B Casa torreada, constituída por um corpo de aparência cúbica com dois pisos e telhado de quatro águas ao qual encosta um corpo térreo. Esse corpo anexado, é exclusivamente preenchido pela cozinha, coberto por um telhado de duas ou três águas ou pelo prolongamento de uma água do corpo mais alto do edifício principal. A organização interior é distribuída com a sala no piso térreo e quarto no piso superior, unidos por uma escada interior em madeira. Este tipo alia, às diferenças de expressão traduzidas no forno e na cobertura, a sua individualidade volumétrica. É uma forma com uma presença facilmente identificável e que apresenta a influência muçulmana.

161


ANEXOS

FIGURA 12 | LEVANTAMENTO

Casa Torreada com cozinha e chaminé-forno em Pernigem, Sintra.

Tipo C Casa rectangular de dois pisos, correspondente à união de dois corpos cúbicos com a mesma característica da casa anterior. Com uma determinada organização interior, característica desta tipologia, localiza a cozinha e a sala no piso inferior, dois quartos no piso superior.

FIGURA 13| LEVANTAMENTO

Casa rectangular com com cozinha e sala no piso térreo e quarto no superior. Exemplar em Arneiro dos Marinheiros, Sintra.

Apesar de todas as habitações se destinarem à mesma conformidade social, existem pequenas divergências formais que traduzem alguma diferença 162


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

de estatutos entre as três classificações tipológicas. A existência de duplo beiral ou maior numero de divisões interiores são sinónimo da hierarquia entre eles. A maioria das tipologias e suas variantes, como veremos posteriormente, possuem duas entradas independentes – o uso de uma ‘principal’ para a sala e outra ‘secundária’ para a cozinha. Apesar destes compartimentos também partilharem uma ligação interior entre ambos.

163


ANEXOS

164


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

2| VARIANTES

Variante 1 Casa

quadrangular

formada

por

dois

corpos

rectangulares

independentes com a existência de um forno exterior. Não há necessariamente uma relação com o pátio, com a rua ou a paisagem.

FIGURA 14 | VARIANTE 1

Quinta das portas de Ferro, Camarate, Loures

165


ANEXOS

Tipo A Combinação irregular de módulos rectangulares com cobertura em telha com quatro águas.

FIGURA 15 | VARIANTE 1 – TIPO A

Quinta das Mesquitas, Santana, Loures.

Tipo B Variações e ampliações a partir dos dois corpos base. A habitação é posicionada perpendicularmente em relação à estrada e aos espaços exteriores de modo a evidenciar os tipos cinco e seis. Existência de elementos formais de dignificação no exterior como varandas, cunhais, frisos, ...

FIGURA 16 | VARIANTE 1 – TIPO B

Quinta da Luz, Azinhaga da Fonte, Carnide, Lisboa.

166


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

Tipo C ‘Quadrangularidade’, como no tipo base. Uniformidade em coberturas paralelas. Edificado com aspecto maciço e sólido. Cunhais e frisos em cantaria.

FIGURA 17 | VARIANTE 1 – TIPO C

Quinta do Outeiro, S. Julião do Tojal, Loures.

Variante 2 Configuração geral quadrangular. Frente direcionada à paisagem com varanda e/ou terraço entre dois torreões. Acesso principal ao nível do piso nobre.

FIGURA 18 | VARIANTE 2

Quinta Grande, Damaia, Amadora.

167


ANEXOS

Variante 3 Organização formal em U regular aberto ou fechado ou um muro e portão. Habitações com configurações gerais e influências diversas, organizando-se em parte em volta de um terreiro ou pátio.

FIGURA 19 | VARIANTE 3

Quinta do Cabeço, Moscavide, Loures.

Variante 4 Habitação rectangular com telhado único de quatro águas. A sua implantação não tem relação fixa coma estrada nem com as construções adjacentes.

FIGURA 20 | VARIANTE 4

Quinta de S. Lourenço, Pragal, Almada.

168


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

Variante 5 Casa rectangular com pátio rectangular. Organiza-se de modo a que o lado maior fique ao longo da estrada com o pátio em continuidade. O acesso principal faz-se por uma escada situada nesse pátio. Nos casos em que existe capela, esta situa-se no lado oposto da habitação, em relação ao pátio, com frontaria virada para o exterior do complexo.

FIGURA 21 | VARIANTE 5

Quinta de Val Flor de Baixo, Cova da Piedade, Almada.

Tipo A É adicionado às suas características a existência de uma fachada principal virada à estrada. Em casos mais tardios há uma tendência para a configuração quadrangular.

FIGURA 22 | VARIANTE 5 – TIPO A

Quinta de S. Francisco de Borja, Casquilho, Almada.

169


ANEXOS

Tipo B Edificado com acentuada quadrangularidade e fachada virada ao pátio ou terreiro de entrada.

FIGURA 23 | VARIANTE 5 – TIPO B

Quinta da Fonte do Calhariz, Benfica, Lisboa.

Tipo C Corpos simétricos de um lado e outro do pátio em relação ao eixo do portão. Um deles pode ter apenas uso de apoio agrícola.

Variante 6 Frontaria cuidada, recta e extensa, anteposta a um grande espaço exterior e virada à paisagem. Em contraste, apresenta traseiras irregulares com corpos salientes e pequenos pátios.

170


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

FIGURA 24 | VARIANTE 6

Quinta de Sta. Ana, Cova da Piedade, Almada.

Variante 7 Axialidade acentuada do percurso para alcançar a frontaria principal, independentemente da configuração global da residência.

FIGURA 25 | VARIANTE 7

Quinta do Monteiro-Mor, Granja de Alpriate, Vialonga, Vila Franca de Xira.

171


ANEXOS

Variante 8 Corpo principal rectangular com fachada do lado mais longo do edifício, simétrica e axializada. Passagem para o pátio ou terraço através de um edifício sob o corpo principal do edificado.

FIGURA 26 | VARIANTE 8

Quinta da Piedade, Póvoa de S.Iria, Vila Franca de Xira.

Tipo A Reforço da tendência para a suburbanidade. Desacentuação da axialidade em favor de duas entradas laterias.

FIGURA 27 | VARIANTE 8 – TIPO A

Quinta dos Ulmeiros, Lisboa.

172


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

ÍNDICE DE IMAGENS

FIGURA 1 | CAABA Marcas da influência muçulmana nos traços da arquitetura vernacular saloia. Fonte: http://www.bargah.org/images/Kaaba.jpg, consultado a 08-04-2014.

FIGURA 2 | INFLUÊNCIA MUÇULMANA Capela da Senhora do Cabo, junto ao santuário do Espichel, Sesimbra. Fonte: FERNANDES, José M.; JANEIRO, Maria de L.. Arquitectura Vernácula da Região Saloia . Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 33.

FIGURA 3 | INFLUÊNCIA MUÇULMANA Capela do sítio da Nazaré Fonte: FERNANDES, José M.; JANEIRO, Maria de L.. Arquitectura Vernácula da Região Saloia . Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 33.

FIGURA 4 | COMPOSIÇÃO TIPOLOGIA TORREADA Fonte: FERREIRA, Ana; FREIRE, Fernando; PAIXÃO, Jano; DUQUE, Marta; VALINHO, Pedro. Trabalho de investigação doméstica saloia nos concelhos de Sintra e Mafra. Lisboa: FAUTL, Optativa de Estudos e Projectos, 2008. p.6.

FIGURA 5 | TIPOLOGIA TORREADA Exemplar em Pemigem, Concelho de Sintra. Fonte: FERREIRA, Ana; FREIRE, Fernando; PAIXÃO, Jano; DUQUE, Marta; VALINHO, Pedro. Trabalho de investigação doméstica saloia nos concelhos de Sintra e Mafra. Lisboa: FAUTL, Optativa de Estudos e Projectos, 2008. p.7.

FIGURA 6 | COMPOSIÇÃO TIPOLOGIA CORRIDA Fonte: FERREIRA, Ana; FREIRE, Fernando; PAIXÃO, Jano; DUQUE, Marta; VALINHO, Pedro. Trabalho de investigação doméstica saloia nos concelhos de Sintra e Mafra. Lisboa: FAUTL, Optativa de Estudos e Projectos, 2008. p.6.

FIGURA 7 | TIPOLOGIA CORRIDA Exemplar em Santa Susana, Concelho de Sintra. Fonte: FERREIRA, Ana; FREIRE, Fernando; PAIXÃO, Jano; DUQUE, Marta; VALINHO, Pedro. Trabalho de investigação doméstica saloia nos concelhos de Sintra e Mafra. Lisboa: FAUTL, Optativa de Estudos e Projectos, 2008. p.7.

FIGURA 8 | COMPOSIÇÃO TIPOLOGIA TÉRREA Fonte: FERREIRA, Ana; FREIRE, Fernando; PAIXÃO, Jano; DUQUE, Marta; VALINHO, Pedro. Trabalho de investigação doméstica saloia nos concelhos de Sintra e Mafra. Lisboa: FAUTL, Optativa de Estudos e Projectos, 2008. p.6.

173


ANEXOS

FIGURA 9| TIPOLOGIA TÉRREA Exemplar em Lourel , Concelho de Sintra. Fonte: FERREIRA, Ana; FREIRE, Fernando; PAIXÃO, Jano; DUQUE, Marta; VALINHO, Pedro. Trabalho de investigação doméstica saloia nos concelhos de Sintra e Mafra. Lisboa: FAUTL, Optativa de Estudos e Projectos, 2008. p.7.

FIGURA 10 | EXEMPLAR SALOIO Habitação térrea em Arneiro dos Marinhieros, Sintra. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.167.

FIGURA 11 | EXEMPLAR ALGAVIO Habitação térrea em Tavira. Fonte: Motor de busca Google, com a pesquisa do termo ‘Tavira’ em imagens.

FIGURA 12 | LEVANTAMENTO Casa Torreada com cozinha e chaminé-forno em Pernigem, Sintra. Fonte: FERNANDES, José M.; JANEIRO, Maria de L.. Arquitectura Vernácula da Região Saloia . Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 34.

FIGURA 13| LEVANTAMENTO Casa rectangular com com cozinha e sala no piso térreo e quarto no superior. Exemplar em Arneiro dos Marinheiros, Sintra. Fonte: FERNANDES, José M.; JANEIRO, Maria de L.. Arquitectura Vernácula da Região Saloia . Lisboa: Instituto da Cultura e Língua Portuguesa, 1991. p. 43.

FIGURA 14 | VARIANTE 1 Quinta das portas de Ferro, Camarate, Loures. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.200.

FIGURA 15 | VARIANTE 1 – TIPO A Quinta das Mesquitas, Santana, Loures. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.209.

FIGURA 16 | VARIANTE 1 – TIPO B Quinta da Luz, Azinhaga da Fonte, Carnide, Lisboa. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.224.

FIGURA 17 | VARIANTE 1 – TIPO C Quinta do Outeiro, S. Julião do Tojal, Loures. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.224.

FIGURA 18 | VARIANTE 2 Quinta Grande, Damaia, Amadora. 174


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.238.

FIGURA 19 | VARIANTE 3

Quinta do Cabeço, Moscavide, Loures. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.255.

FIGURA 20 | VARIANTE 4 Quinta de S. Lourenço, Pragal, Almada. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.264.

FIGURA 21 | VARIANTE 5 Quinta de Val Flor de Baixo, Cova da Piedade, Almada. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.277.

FIGURA 22 | VARIANTE 5 – TIPO A Quinta de S. Francisco de Borja, Casquilho, Almada. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.286.

FIGURA 23 | VARIANTE 5 – TIPO B Quinta da Fonte do Calhariz, Benfica, Lisboa. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.300.

FIGURA 24 | VARIANTE 6 Quinta de Sta. Ana, Cova da Piedade, Almada. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.319.

FIGURA 25 | VARIANTE 7 Quinta do Monteiro-Mor, Granja de Alpriate, Vialonga, Vila Franca de Xira. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.335.

FIGURA 26 | VARIANTE 8 Quinta da Piedade, Póvoa de S.Iria, Vila Franca de Xira. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.370.

FIGURA 27 | VARIANTE 8 – TIPO A Quinta dos Ulmeiros, Lisboa. Fonte: CALDAS, João Vieira. A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII. 2º Edição. Porto: FAUP, 1999. p.385w. 175


ANEXOS

176


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

3| FOTOMONTAGENS

Elaboradas pela autora 177


ANEXOS

178


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

179


ANEXOS

180


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

181


ANEXOS

182


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

4| MAQUETAS

Elaboradas pela autora 183


ANEXOS

184


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

2

1

MAQUETA REGIONAL | 1:40 000 | 1 – Sintra | 2- Casal do Rebolo

1

MAQUETA LOCALIZAÇÃO | 1:10 000 | 1- Casal do Rebolo

1

MAQUETA IMPLANTAÇÃO | 1:2 000 | 1- Casal do Rebolo 185


ANEXOS

MAQUETA PROPOSTA | 1:250

MAQUETA PROPOSTA | 1:250

186

MAQUETA PROPOSTA | 1:250


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

MAQUETA PROPOSTA | 1:250

MAQUETA PROPOSTA | 1:250

MAQUETA PROPOSTA | 1:250 187


ANEXOS

MAQUETA ESTUDO HABITテ,ULO | 1:50

MAQUETA ESTUDO HABITテ,ULO | 1:50

MAQUETA ESTUDO HABITテ,ULO | 1:50 188


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

MAQUETA ESTUDO HABITÁCULO | 1:50

MAQUETA ESTUDO HABITÁCULO | 1:50

MAQUETA ESTUDO HABITÁCULO | 1:50 189


ANEXOS

190


MEMÓRIA DA HISTÓRIA NO REABILITAR

5| PEÇAS DESENHADAS

Elaboradas pela autora 191


ANEXOS

192


















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