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Luiz Marinho Luiz Inácio Lula da Silva Jose Alberto Mujica Cordano Fernando Haddad Jairo Jorge da Silva Gilberto Carvalho Nilza Aparecida de Oliveira Tarcisio Secoli Víctor Huerta Arroyo Antonio Bonfatti Jeroen Klink Yves Cabannes Giovanni Allegretti Evelina Dagnino Sergio Lírio Maria Gonçalves Antônio Amaral Pedro da Costa Angela Alves da Silva Rocha Jerônimo de Almeida Neto
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Participação Cidadã, Gestão Democrática e as Cidades no Século 21. Caderno do Seminário Internacional “Participação Cidadã, Gestão Democrática e as Cidades no Século 21” elaborado a partir da transcrição completa do evento realizado na cidade de São Bernardo do Campo em 28 e 29 de agosto de 2015. Organização: Nilza Aparecida de Oliveira Víctor Huerta Arroyo Secretaria de Orçamento e Planejamento Participativo – SOPP-PMSBC Diagramação e Arte gráfica: SOPP-PMSBC Fotos: Acervo fotográfico da Prefeitura de São Bernardo do Campo Versão eletrônica sbc2021.wix.com/ppro Prefeitura do Município de São Bernardo do Campo 1ª Edição, 2016 Todos os direitos reservados Distribuição gratuita
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Participação Cidadã, Gestão Democrática e as Cidades no Século 21 Caderno do Seminário Internacional
São Bernardo do Campo 2016
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Luiz Marinho, prefeito da cidade de São Bernardo do Campo
Bem-vindos. Bem-vindas! Que Deus abençoe cada um de nós, a nossa cidade, os nossos familiares! Quero em primeiro lugar agradecer os nossos talentos. Vocês sabem que todas as apresentações realizadas e as que serão realizadas durante o seminário, hoje e amanhã, são talentos de nossa cidade que nós selecionamos no preaquecimento para esse seminário e todos eles estão fazendo por amor à cidade. Então merecem uma salva de palma calorosa. Muito obrigado a todos nossos artistas! Quero dar as boas-vindas a vocês, cumprimentar aqui a mesa, Tarcisio Secoli, nosso secretário de Serviços Urbanos; Jeroen Klink, nosso professor, amigo, companheiro da Universidade Federal do ABC; Sérgio Lírio, jornalista-editor e uma das poucas revistas com reflexão de esquerda no país, Carta Capital. Nosso abraço ao querido Mino Carta, que por conta de uma cirurgia não estará hoje com a gente. Antonio Bonfatti, governador de Santa Fé, Argentina, muito obrigado pela presença é um prazer tê-lo aqui conosco. Querido Gilberto Carvalho, nosso grande amigo, hoje Presidente do Conselho Nacional do SESI. Jerônimo de Almeida Neto, grande amigo de longa data também representando aqui à sociedade civil. Quero também cumprimentar a todos os nossos convidados das demais mesas que participarão aqui conosco, Angela Alves, Giovanni Allegretti, Evelina Dagnino, Jairo Jorge, grande amigo, prefeito de Canoas; Yves Cabannes, amigo também de longa data aqui presente. Amanhã teremos Arthur Chioro, o Víctor e a Nilza que vão participar conosco e teremos, já na cidade, presente o presidente José Mujica e o presidente Lula que amanhã participarão com a gente.
09 Antes de proferir aqui minhas palavras, eu quero lembrar que no dia primeiro de setembro nós teremos o lançamento do Memorial da Democracia ali no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, às 18 horas. Então já quero a quem está presente hoje fazer o convite para que nesta data. Dia primeiro, portanto, lá no sindicato, um grande debate no lançamento do Memorial da Democracia com a presença do presidente Lula. Quero convidar o Presidente da Câmara, José Luís Ferrarezi aqui presente, em nome dele cumprimentar todos os vereadores, vereadoras aqui, colegas da imprensa, empresários, deputados, deputadas, amigos das universidades, estudantes, secretários, secretárias, religiosos, enfim, a todos vocês, bem-vindos, bem-vindas nessa tarde! Eu quero primeiramente dizer da minha felicidade de estar abrindo esse seminário internacional para discutir temas tão relevantes e caros para todos nós, como participação cidadã, gestão democrática e as cidades no século XXI. Dizem que o primeiro passo nunca é o primeiro, sempre há um precedente, um momento anterior. A construção de uma visão compartilhada de futuro em São Bernardo do Campo não é exceção. A própria história de formação e consolidação do município tem sido um exemplo de sucessivos e entrelaçados esforços com olhares de futuro. Esse olhar a longo prazo insuflado pelos ventos do crescimento econômico, elevou à altura nossos edifícios e cortou a terra com modernas rodovias. Trouxe dinamismo e riqueza. Mas essa etapa do desenvolvimento, por ter sido descompassada, fragmentada e desigual, não foi capaz de vencer as mazelas trazidas pela exclusão. A tarefa de esboçar e implementar um plano de desenvolvimento à longo prazo para uma cidade não é tarefa fácil. Fazer dele um plano agregador e participativo, em que estejam priorizadas as diferentes visões comuns ou antagônicas é um grande desafio. Uma das iniciativas inspiradas em unir futuro e participação foi o projeto “São Bernardo do Campo 2021”, que sob a ótica da cidade desejada, elaborou propostas e desenhou caminhos de convergências com outras iniciativas da cidade que vinham surgindo na cidade desde 2009. Nessa linha, o processo do Plano Plurianual Participativo, o PPA, de espectro mais amplo, conseguiu edificar a partir dele uma plataforma de diálogo com a população, que articulada com os processos de Orçamento Participativo e acompanhada por iniciativas como o Plano Diretor, entre outras, deu coerência ao processo de planejamento na cidade e consistência à lógica do ciclo orçamentário à curto, médio e longo prazo. As motivações do projeto São Bernardo do Campo 2021, entretanto, não ficaram restritas a esfera do PPA, mas enveredaram para visibilizar os saberes da população partindo do conceito de protagonista, como fio de condutor de uma nova abordagem a ser desenvolvida. Em 2012, publicamos o primeiro livro que conjuga planejamento e memória histórica da cidade: “São Bernardo do Campo, duzentos anos depois. A história da cidade contada pelos seus protagonistas”. Este livro buscou enriquecer o fato histórico com a liberdade narrativa dos participantes, uma aventura crítica que não se esgotou na revisão do passado, mas sinalizou diretrizes e inquietações para o futuro.
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11 Em 2014, a proposta foi revisitar os saberes da população a partir de um projeto denominado: Protagonistas da participação em São Bernardo do Campo. Desta vez o objeto trabalhado foi a participação cidadã e o entendimento que a população constrói a partir dela desde seus espaços cotidianos de atuação. Os planos da cidade desejada exigem imaginação e atitude. Coloca-nos no momento anterior ao desfrute da cidade almejada. Marca um ponto de início para não esquecer onde estamos, desafia-nos ao exercício de aproximar o futuro ao presente. De materializar objetivos, de transformar a realidade. Contudo, não existe cidade desejada, sem sociedade desejada. Não há cidades sem pessoas, como não existe sonho sem desejo. A cidade das pessoas é uma ideia e o seu desenvolvimento o campo no qual se circunscrevem todos os nossos esforços. Esta ideia esteve alimentada por um propósito que esboça um caminho por onde andar e que termina onde se fitam os olhos, a nossa linha do horizonte. Entretanto, essa ideia e aquele propósito demandavam um objeto a partir do qual delimitar as margens da nossa reflexão. Surge assim a participação como tema maior, capaz de servir de guia e condutora nessa viagem de reconhecimento. Como vemos, às vezes somente uma ideia não é suficiente para iniciar a travessia, mas é dela que virão todos os próximos passos para alcançar os portos da nossa história. Podemos dizer que a cidade das pessoas é o resultado da própria natureza estabelecida sob o mundo de matéria artificial. O mundo construído à base de ideias. Mas uma ideia não se basta como lampejo criativo, precisará de ferramentas que possam compensar as limitações da própria constituição do protagonista. A cidade das pessoas, portanto, deverá firmar suas ideias, trabalhar seus instrumentos e desenvolver as condições para o sonho acontecer. Para explicar o pensamento de um povo é preciso se situar no momento histórico particular daquela sociedade. Trata-se de observar o momento atual com discernimento crítico, refletir sobre tudo que foi feito, por aquilo que construímos, pelo resultado que as nossas ideias tiveram no desenvolvimento intelectual e cultural do mundo a nossa volta, mas observado com as lentes de uma moral e sentido estético, que vê do único ponto possível de observação: o momento presente. Uma cidade como a nossa, ou como todas, possui características que são maiores que a soma das suas partes em separado. E algumas leituras demandam do observador distanciamento e perspectiva para entendê-las na complexidade das suas partes componentes, mas também na sua totalidade e valor unitário. Um dia foi apenas um caminho. Hoje é um lugar de destino, visto como ponto culminante de quem vence a serra subindo o mar. Ou como antessala à barreira natural amuralhada que preserva o litoral. São Bernardo do Campo redefine-se como lugar de fronteira: somos, portanto, um produto social particular. Somos, sem chegar a ser totalmente, o retrato fiel de colonizadores portugueses, de indígenas nativos e de negros africanos. Incorporamos de norte a sul do Brasil diferentes bagagens culturais relativas aos povos imigrantes que chegaram em grandes quantidades durante décadas da Europa, da Ásia e da América Espanhola. Somos,
12 12 com singularidades, um povo em construção que viu passar na sua história transições infindáveis de gerações sem, contudo, alterar as velhas estruturas sociais de opressão que sobreviveram. Somos o resultado do agreste nordestino, do cerrado, das serras e restingas, dos pampas, do litoral e da floresta. Somos tudo aquilo que esta terra foi capaz de nos dar, e principalmente de nos negar. Milhares de meninos, homens e mulheres deixaram o lugar de nascimento rumo ao desconhecido destino das oportunidades. Desde as primeiras plantações de batatas às olarias, desde as tecelagens às marcenarias e aos móveis, das carvoarias à química, a metalurgia e a indústria do automóvel. Força criativa que alumbrou as primeiras cooperativas e sindicatos que organizaram as atividades e os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, assim como sua luta nesses tempos de crescimento e industrialização. Foram diversos motivos pelos quais filhos e filhas deste país justificaram a sua vinda, deixaram suas famílias e começaram uma vida nova nessa cidade em formação. E os caminhos serpenteantes de terra se uniram aos caminhos tempestuosos do mar e de todas direções, o encontro de muitos povos prosperou colocando em destaque a força da região. O ABC paulista era mais que um lugar entre Santos e São Paulo, era uma terra de desejos onde expectativas eram forjadas e materializadas a base de trabalho, suor e saudade. Daquela terra prometida construída por sucessivas migrações foi surgindo uma identidade com cara de trabalhador, retratada por sua luta e seu poder de grande transformação. E desse universo em formação o céu do ABC se iluminou com novos resplendores e matizes, os pés das chaminés sacudiram gigante suas fuligens e do alto viram a vida florescer em grande diversidade. Pelas suas estradas sem portas nem barreiras, a vila viu chegar artistas, poetas, estudantes. Aprendemos a produzir conhecimento, a universalizar o saber, a levantar o olhar e argumentar. As primeiras letras do alfabeto que nos deram identidade ficaram pequenas diante da grande utopia. Eram caminhos impensados no passado, ganhamos asas e um novo coração, orgulhoso e soberano. O chão que era dos outros passou a ser nosso, pois a história e a vida construída repousam no chão da terra onde se pisa. Dentro dos lindeiros que demarcam o horizonte da nossa vista. Cada lugar é à sua maneira, o mundo. E o lugar onde estamos é a parte desse mundo que nos foi dada para cuidar. Uma cidade demandante exigia ver muitas vidas numa só. Ninguém voltaria a ser como era, todos, de uma maneira ou de outra, sabiam que dessa viagem não havia forma de conservar-se imune. Olhando em perspectiva fica evidente que a memória de São Bernardo de Campo e sua identidade, por sobre qualquer outro período, beberam na fonte da história da industrialização do Brasil, são parte dela. E produto de seus sucessivos ciclos de formação, consolidação como cidade, é incontestável que o tempo da industrialização a fez adquirir os seus atuais matizes urbanos sociais e a configuração espacial que herdamos nos dias de hoje.
13 Mas desse modelo de cidade não surgiram somente chaminés, mas expressões robustas de ação coletiva possíveis de ocorrer apenas em uma cidade formada por pessoas. A chamada cidade industrial suburbanizada e desumanizada presenciou o nascimento, no seu seio, de movimentos engajados na promoção e defesa da justiça social, do direito à cidade, no novo sindicalismo, entre tantos outros. A cidade das indústrias transformou-se na cidade das pessoas, pois é delas o patrimônio da aprendizagem para dialogar e construir novas plataformas de negociação e interação. É das pessoas, portanto, o protagonismo, e o ponto de partida para qualquer novo projeto alternativo de nação. Em São Bernardo do Campo, a identidade mais representativa, dentre as muitas identidades que nos conformam escrevem-se no legado trabalhista, na força do trabalhador e no trabalho, a ação sindical e seu legado. A representatividade regional, a participação como grande eixo de transformação. Dessa maneira, valores coletivos estão permeados pelos padrões constitutivos da própria cidade, sua trajetória e herança histórica. Nada mais justo e próximo da realidade do que afirmar que somos São Bernardo. O desenrolar da história democrática brasileira deve ser entendida como longa jornada de avanços e retrocessos, que alcança um dos seus ápices com o fim da ditadura militar. O Brasil redemocratizado provocaria na sociedade um sentimento de recuperação da liberdade e uma crescente expectativa no rompimento de antigas insubordinações e injustiças, origem das primeiras insurgências. Surgiria assim a tarefa inacabada de resignação, ressignificação, sobre o que deveria ser a participação em tempos de democracia. Entender o significado da participação nos dias de hoje foi uma tarefa que nos coube provocar, mas foi o protagonista, definitivamente o encarregado de traduzir e interpretar. O Projeto Protagonistas da Participação teve a motivação de buscar na sociedade de São Bernardo do Campo, as pistas necessárias para entender os padrões de comportamento, hábitos e condutas que fazem do cidadão dessa cidade um protagonista singular. Em São Bernardo do Campo a mudança é vista com um valor positivo, como uma característica de evolução e desenvolvimento. Pessoas mudam, cidades mudam, conceitos mudam. Mudar é bom! Mas dentro de limite apropriados. Mas quem define esses limites? Sem respostas, uma aproximação é trazida pela arte da interpretação, da tradução e da explicação necessária diante das complicações a que nos expõe a linguagem. O que temos é uma soma de versões, variações, modulações, leituras, perspectivas e enfoques que não são independentes. Portanto, da mesma forma que uma prática pode ser encapsulada por um conceito, um conceito se debate dentro dos limites das interpretações que se tenham dele e das novas significações que surjam das liberdades interpretativas. Da disputa política ou apenas da mobilidade das linhas de fronteira que nos posicionam sempre em relação aos outros, num ponto mais conservador ou protagonista da sociedade da qual formamos parte.
14 14 No caso da participação como política pública cabe o esforço de identificar suas diferenças e visualizá-las. Nem todo processo que se diz participativo é concretamente transformador e emancipatório, como diz meu amigo Jairo Jorge, aqui presente. Aqui, vale mais as diferenças do que as semelhanças. Somente assim será possível identificar o erro quando chamamos algo pelo nome equivocado. Talvez por isso, longe de entender concretamente o que é participação, resulta bastante útil compreender primeiro o que não é. Não é uma questão de definição ou indefinição, mas um estado de intensidade. Assim sendo, precisamos abandonar qualquer esforço em busca de uma definição correta e finalizada em torno da participação e abraçar o reconhecimento do seu valor como obra prima e inacabada em construção. Talvez por causa disso, assim como Gonzaguinha, precisamos destacar quando questionado sobre uma definição para a vida: “eu fico com a pureza das respostas das crianças, afinal é a vida, é bonita e é bonita”. A participação está nas coisas simples e na sua simplicidade foi capaz de provocar profundas transformações e nos aproximar dessa visão idealizada que alguma vez tivemos de nós mesmos. Em São Bernardo do Campo, a nossa cidade é constituída pelo encontro e desencontro de grupos e indivíduos, e pelo perfil urbano desenhado no território em sucessivas ondas migratórias. A cidade como unidade é um traçado interligado de fluxos e comunicação, uma vila interligada por meio da tecnologia, mas ainda fraturada e segregada na herança histórica da grande desigualdade. As preocupações de nosso geógrafo universal Milton Santos, não são apenas pertinentes para o local e o global, mas também para o legal e o ilegal, na medida em que a cidade está chamada a enfrentar as tensões e precisa reconhecer no mapa os problemas dos seus enclaves de pobreza e o tamanho e a situação de sua periferia. A São Bernardo desejada não pode ser apenas o trajeto entre a nossa casa e o trabalho, entre a escola e o shopping, ou entre o lazer e a fé religiosa. A cidade das pessoas é uma aldeia de relações e aprendizados. Será, portanto, um território maior que a soma de seus pontos interconectados. Se é tarefa da aldeia educar a crianças, será tarefa de todas as aldeias de nossa vila formar a grande aldeia educadora que poderemos chegar a ser. Para tanto precisamos encarar que a nossa aproximação com a política costuma ser tensionada pelas cordas da desconfiança e da insatisfação. É vista como um terreno de irrealidades da qual uma importante maioria evita fazer parte. Deslinda-se ou esquiva-se. para quem olha de fora o primeiro diagnóstico é excludente e muitas vezes equivocado. A política, assim como a participação, é um construir de relacionamentos sociais, pautados pela diversidade de percepções, pela cotidianidade e pela contínua construção de ação inacabada. A vida política, portanto, não está restrita apenas às ciências de governo de um Estado ou nação, nem ao complexo sistema de representatividades democráticas, coligações ou engenharia de poder. Assim sendo, é possível fazer política na família, no bairro, no trabalho, na escola, enfim. Participar, opinar, influir, trabalhar em prol da
15 convivência humana é fazer política. A política é a arte do possível. A política assume um componente de governança e de ação pública a partir da qual é possível reverter cenários sociais e econômicos, impulsionar as diversas diretrizes que as cidades demandam para seu desenvolvimento, assim como ofertar paz, prosperidade e qualidade de vida para as pessoas. O sistema político será o catalizador dos esforços convergentes da sociedade e seus representantes no caminho sempre complexo de uma construção de acordos e lineamentos compartilhados. No Brasil, a expressão “reforma política” remete para as alterações propostas para melhoramento do sistema político eleitoral. É urgente qualificar a nossa reflexão e entendimento sobre a política que nos cabe a todos, participar dos espaços institucionalizados no sistema democrático, investir para que possa exercer seu papel emancipatório. A participação cidadã como recurso anticíclico, como eficaz ferramenta de reforma política precisa ser posta em evidência, ganhar destaque, conteúdo e naturalidade da vida em sociedade. Para tanto ressalto que é importante para São Bernardo, é imprescindível para o Brasil que a política passe a ser urgentemente um caso de poesia para todos nós. Quero terminar aqui minha fala dedicando esse seminário ao querido e saudoso Eduardo Galeano que muito contribuiu para o debate democrático participativo na América Latina. Quero aqui agradecer a presença de todos vocês homens, mulheres, dirigentes e militantes, enfim, os nossos convidados que de coração agradeço a presença de vocês e a colaboração. Quero cumprimentar a Leila aqui presente, nossa grande dirigente da Faculdade das Américas e grande colaboradora para ajudar a viabilizar esse evento; quero cumprimentar também os amigos da Faculdade de Direito de São Bernardo, da Universidade Federal do ABC, da Universidade Metodista, todos eles apoiadores desse evento, meu muito obrigado! Quero agradecer ao povo da nossa cidade, é a eles em especial que nós dedicamos esse encontro, mas também ao militante, a cada homem e mulher que reflete o nosso país, que luta por melhores condições de vida, que é um batalhador, uma batalhadora de transformação da nossa sociedade. Desejamos que esse seminário possa colaborar para resgatar debates, conceitos e ideias. Que seja uma reflexão para dias melhores. Abraços! Que Deus abençoe a todos, meu muito obrigado! Declaro aberto o seminário! Agora é com vocês.
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Prefeito Luiz Marinho
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“Não existe cidade desejada sem sociedade desejada!”
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Apresentações artísticas.
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Mesa 1 internacional, os movimentos sociais e as comunidades têm desempenhado papel de destaque no processo de redemocratização da sociedade e da transformação das cidades e suas periferias. Também no Brasil, a partir dos anos 1980, as reivindicações para o direito à cidade representavam ao mesmo tempo “uma queixa e uma exigência”. A queixa era associada às contradições sociais e ambientais das cidades brasileiras; a exigência era uma mobilização para mudar o espaço urbano e a vida quotidiana das pessoas. As insurgências nas cidades brasileiras desencadearam uma agenda de reformas estruturadas em torno da democratização do planejamento e da gestão, do fortalecimento das instituições e da retomada de programas de financiamento para os grupos sociais menos abastados. Parte desta agenda foi cumprida. Isso não apenas se refletiu na melhoria das condições de vida mas também na ampliação dos canais de participação no processo de tomada de decisões sobre o rumo das cidades brasileiras. Paradoxalmente, a consolidação dos avanços é ao mesmo tempo acompanhada por um novo e difuso sentimento de inconformismo com a vida contraditória na metrópole. Em várias cidades do mundo, e também no Brasil, surgem questionamentos sobre as dificuldades associadas à vida coletiva no espaço urbano que se refletem em torno de pautas como moradia, mobilidade, trabalho e renda e participação cidadã. A mesa objetiva discutir o significado desses novos movimentos e a sua relação com os processos institucionais de planejamento. Apesar dos avanços, por quê é tão difícil produzir uma cidade melhor e uma vida em coletividade mais agradável? E qual foi o papel do Estado (da prefeitura) e da própria sociedade para explicar este quadro? Como os novos movimentos podem enriquecer a democracia local, ajudar na construção de pactos sociais e contribuir para aperfeiçoar a atuação dos governos locais em prol de um projeto para uma cidade mais sustentável (social, econômico e ambiental)?
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Moderador: TARCISIO SECOLI Secretário de Serviços Urbanos da Prefeitura de São Bernardo do Campo
JERÔNIMO DE ALMEIDA NETO Convidado da sociedade
JEROEN KLINK Universidade Federal do ABC-UFABC
SERGIO LÍRIO Revista Carta Capital
ANTONIO BONFATTI Governador Prov. de Santa Fe, Argentina
GILBERTO CARVALHO Presidente do Conselho Nacional do SESI
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Tarcisio Secoli: Eu tenho aqui a tarefa de controlar o tempo. Serão 15 minutos para que cada palestrante possa fazer a sua explanação, a sua consideração. E eu deixo aqui uma pergunta provocadora para iniciar o debate. Uma pergunta que responde a um clamor sobre o momento atual: Porquê que é tão difícil mudar e melhorar a vida nas nossas cidades? Esse é um grande desafio para a gente. Então eu vou passar a palavra agora para Jerônimo. Jerônimo de Almeida Neto: Boa tarde senhoras e senhores. Quero saudar aqui meu companheiro Tarcisio na pessoa de quem saúdo todos os integrantes da mesa já devidamente nominados pelo cerimonial. Eu quero primeiro agradecer à prefeitura de São Bernardo, em particular a Secretaria de Orçamento e Planejamento Participativo, pelo convite e eu
confesso que eu escrevi esse texto tentando responder essa pergunta: por que é difícil melhorar a vida nas cidades, que já era uma provocação feita pelos organizadores do seminário, mas também no meu caso em particular, em casa foi uma provocação feita pela minha esposa? Ela é professora da rede municipal aqui em São Bernardo e chegou em casa com o folder do seminário e me disse o seguinte: - “Você vive dizendo que é difícil administrar, que é difícil consertar as coisas que a cidade precisa, então eu acho que você devia responder esta pergunta”. E aí eu aceitei o desafio de escrever um texto e fiquei muito feliz o dia que a Nilza me ligou dizendo: “Olha você foi escolhido”. Então o que eu vou fazer aqui hoje é contar um pouco daquilo que eu coloquei no artigo que escrevei e foi selecionado.
22 Eu comecei a minha reflexão tentando estabelecer um conceito de melhoria da vida, porque melhorar a cidade para mim nada mais é que melhorar a vida das pessoas que vivem na cidade. E melhorar a vida eu tomei como referência o seguinte: melhorar a vida significa passar de uma condição que nos encontramos para uma condição melhor, que seja mais confortável e que a gente se sinta mais feliz. E aí comecei a pensar no seguinte: melhorar a vida adquire uma infinidade de significados e de possibilidades. Quando a gente não tem casa, melhorar a vida significa conseguir uma casa, construir uma casa, adquirir uma casa, um apartamento, isso melhora significativamente a vida de qualquer família. Quando temos um enfermo, melhora muito a nossa vida quando essa pessoa pode ser atendida num hospital bem aparelhado, e de preferência público, gratuito. Melhora a vida de quem mora numa rua, sem pavimentação, asfaltar a rua daquela casa. Quando a pessoa já mora num bairro, com toda a infraestrutura, tem uma casa confortável, uma casa que nós costumamos a chamar de boa, melhorar a vida pode significar que o poder público coloque ali uma ronda policial para aumentar a sensação de segurança quando essa pessoa entra e sai de casa. Enfim, no nosso cotidiano melhorar a vida pode ser um conjunto de pequenas ou grandes realizações. Individualmente cada um de nós trabalha para melhorar a sua vida individual. Comprar uma casa, comprar um automóvel, estudar, se formar, enfim, são melhorias que cada um de nós busca para si. Coletivamente há um conjunto de melhorias que todos nós buscamos. E aí cobramos isso do Estado. O Estado que tem que prover educação, tem que possibilitar que as pessoas consigam adquirir sua moradia, o Estado tem que prover saúde, segurança, isso a gente vem reivindicando ao longo do tempo. Há muito tempo atrás não era assim. O Estado na antiguidade, por exemplo, arrecadava impostos e
tinha como função equipar um grande exército e fazer a defesa do território. Lá na antiguidade nenhum imperador ia ter que fazer um programa de moradias populares. Nero jamais pensaria em construir um Minha Casa, minha vida, por exemplo. Então, à medida em que a população construiu uma consciência de que era dever do Estado promover essas melhorias, a sociedade começa a se organizar e cobrar isso do Estado. O grande problema é que promover essas melhorias, seja numa cidade, num Estado ou num país, promover essas melhorias tem um custo muito alto. E o Estado, diferente da pessoa que está juntando um dinheirinho para comprar um carro, o Estado tem que fazer uma infinidade de coisas ao mesmo tempo. Uma prefeitura não pode esperar entrar dinheiro para arrumar uma rua e deixar outra sem arrumar, ao mesmo tempo tem que ter merenda na escola, tem que ter uniforme, enfim, daí a dificuldade. Como a gente sempre ouve por aí que não existe almoço de graça, aliás, essa frase foi muito dita recentemente na discussão do passe livre, quando as prefeituras da região lá naquele consórcio fizeram acordo de fornecer o passe livre para os estudantes diante da reivindicação. Bom, de fato não tem refeição de graça, a conta precisa ser paga. O Estado não tem salário, o Estado arrecada impostos e taxas de toda população e tem que planejar a utilização disso, e atender a toda essa demanda que não para de chegar. Fazendo essa discussão, tanto em casa quanto na Associação que participo, a Acesso lá de Santo André, surgiu uma pergunta: Bom, então quem paga a conta somos nós todos certo? A conta é nossa. Não é a prefeitura que paga, não é o Estado, é a população na verdade quem paga. Então temos um problema sério porque tem uma parcela da população que se nega a pagar sua parte dessa conta. Eu estive lendo a semana passada... Vocês já ouviram falar do “Sonegômetro”? O Sindicato dos
23 Auditores da Receita Federal colocou um painel acusando os valores da sonegação no Brasil. Só no ano de 2015 foram sonegados 330 bilhões de reais. Isso não é pouca coisa, tem muita gente devendo a sua parte dessa conta. E não é a pessoa que comprou um apartamentozinho do Programa Minha Casa, minha vida, ou a pessoa que construiu sua casa trabalhando como metalúrgico do ABC. Tem gente que tem grandes fortunas, grandes patrimônios e que se recusa a pagar sua parte da construção desse bem comum. Então nós temos um problema sério aí que os administradores têm que aprender a administrar com uma receita cada vez menor. Independentemente dessa sonegação, também tem o problema da queda de arrecadação, que aqui na região do ABC é um problema que a gente vem enfrentando há alguns anos. Isso é uma das causas de porquê é tão difícil melhorar a vida na cidade. Por outro lado, a população apresenta suas reivindicações e quer participar das decisões e compete ao Estado, a prefeitura, enfim, possibilitar essa participação. Tem que aprender a ouvir. Tem que ouvir o que é que os moradores estão reivindicando, como estão reivindicando, e discutir com eles como isso pode ser atendido. Isso é participar. Somente através dessa participação é que a gente começa a discutir a melhoria da cidade como algo coletivo, como algo nosso, não como algo meu. Quando eu discuto como é que eu vou consertar o meu carro, ou como é que vou trocar de carro eu estou preocupado em como é que eu vou melhorar a minha vida pessoal. Agora melhorar a vida de toda essa coletividade tem que ser um trabalho conjunto, não vejo outra maneira de chegarmos a isso, ok? Então assim, andei vendo muita coisa pensando no que eu poderia falar aqui, mas o que de fato me chama a atenção é que já tivemos momentos na história na Europa e nos EUA em que uma parcela da população disse: -“Nós estamos cansados de pagar essa conta e não queremos mais pagar. E quem quiser que se vire. O Estado tem que parar
com isso, tem que se retirar da economia, e tem que deixar que o povo se vire e que o mercado se autorregule”. Por esse caminho nós não vamos conseguir melhorar a vida em cidade nenhuma. Nós vamos conseguir melhorar a vida na cidade é promovendo a participação popular, é discutindo com a sociedade qual a melhor maneira de utilizar os recursos. E é isso gente. Então, meu artigo tratou disso, eu de fato agradeço mais uma vez ter tido a oportunidade de vir aqui falar essas coisas, fazer parte de uma mesa que tem pessoas aqui que eu estou muito mais acostumado a ouvir do que falar para elas, o Tarcisio, o Gilberto, o Sergio, o Jeroen, o Governador estou conhecendo hoje, mas tenho aqui referências da minha formação, da minha atuação política, estou muito feliz de ter participado! Muito obrigado a todos! Tarcisio Secoli: Muito obrigado Jerônimo. Vou passar de imediato para nosso amigo Gilberto Carvalho, companheiro antigo nosso de militância para que ele possa nos brindar com suas observações. Gilberto Carvalho: Queridas companheiras, queridos companheiros. Primeiro quero registrar a alegria de tantos reencontros, de reencontrar gente do coração, gente que conosco há tanto tempo. Tenho que agradecer muito à Nilza, ao Marinho e à todos vocês a possibilidade desse momento tão gostoso de viver aqui. Quero cumprimentar todos os nossos companheiros aqui da mesa e com carinho especial os nossos vizinhos irmãos da Argentina, o nosso querido Governador, os nossos companheiros do Uruguai. Aliás, isso daqui amanhã vai estar lotado porque os velhinhos vão dar um show, o nosso Mujica e o nosso Lula, e eu queria, Nilza e Marinho e companheiros todos da prefeitura, Tarcisio, cumprimenta-los pela iniciativa deste seminário, oportuníssimo nesse momento que nós estamos
24 vivendo uma crise tão aguda, tão dura e a coragem de parar e de refletir é fundamental nesse momento. Se é que nós acreditamos mesmo que as crises são momentos importantes de produzir novas alternativas, se a crise é de fato um momento em que a gente sai do lugar comum e começa a imaginar outras alternativas daquelas que nos levaram justamente a vivencia-las. Mas antes de continuar eu quero ainda fazer um registro: enquanto cantávamos, vocês cantavam porque eu não sei a letra, o hino de São Bernardo, achei um belo hino! Percebi que até a Tássia que é pernambucana estava cantando direitinho, eu lembrei que hoje é 28 de agosto, São Bernardo nos marca mais um momento histórico que é no dia 28 de agosto de 1983, num espaço bem menos confortável como esse, que foi lá no espaço Vera Cruz belíssimo, grande, nós criávamos, no meio de um frio desgraçado, a Central Única dos Trabalhadores, a nossa CUT, mais uma referência que vocês têm a responsabilidade de ostentar nesse país. E eu queria dizer que, entrando direto no nosso tema, a oportunidade desse seminário também se deve porque boa parte dessa crise que estamos vivendo tem início naquilo que vocês estão chamando de insurgência, essa palavra chique pra caramba, que é aquela confusão que nós tivemos em abril de 2013 com as passeatas, com as manifestações que nasceram, depois foram deturpadas, mas elas nasceram como um clamor urbano essencialmente um clamor por transporte, por mobilidade, e todos nós sabemos que aquela insurgência, aquela grande mobilização que iniciou uma nova fase na história recente do país sem dúvida nenhuma tem a ver com o fato que nós produzimos um grande processo de inclusão no Brasil, um grande processo de consumo daqueles que estavam marginalizados, e portanto, uma grande mobilidade na cidade sem termos feito o adequado planejamento das cidades, cuidado da revitalização urbana, radicalizando os processos de democratização. Não há dúvida nenhuma que
aquele momento inicial, inaugural dessa crise, ele é reflexo da falta da nossa atenção para a questão urbana que é justamente onde as pessoas vivem, onde as pessoas se organizam, onde as pessoas, enfim, se realizam ou não como cidadãos. E, nesse sentido, pensando na pergunta do Tarcisio ontem à noite eu vim participar de um debate em São Paulo e andando ali pelo largo do Arouche, aquela região de São Paulo do Centro antigo, que era um Centro tão charmoso, tão agradável, e que hoje está numa decadência terrível, eu fiquei pensando isso: Como é difícil mudar uma cidade, como é difícil reconstruir a cidade nas suas relações humanas e inclusive do ponto de vista urbanístico, da mudança da cara e tornar um ambiente agradável e daí por diante. Esse era um grande drama que enfrentávamos, e quero fazer aqui uma homenagem ao prefeito Celso Daniel de Santo André, com quem tive o prazer de trabalhar, que nos colocava diariamente como um desafio para o centro de nossa cidade e para as periferias de nossa cidade, quem visita o centro de Santo André e também os fundões entre São Bernardo e Santo André sabe do que estou falando, da dificuldade de uma reorganização da vida e da maneira de se movimentar, de se construir e de se edificar e assim por diante numa cidade. Para tentar responder essa pergunta eu quero voltar um pouquinho na história para mostrar a importância que a redemocratização foi tendo e que nós fomos aprendendo a nos apropriar das cidades. Lembrar que nós tivemos no Brasil uma grande sorte e construímos um caminho muito interessante que na medida em que nós fomos resistindo à ditadura, nós fomos criando também durante as nossas lutas, importantes mecanismos não só da resistência, mas também da luta por novos direitos no país. A luta pela Anistia, a luta pela Constituinte, a luta contra carestia da vida, a luta pelo transporte urbano, a questão toda da moradia, as velhas e gloriosas associações de moradores, toda luta a saúde, que nos deu resultado da construção desse extraordinário serviço, o SUS, toda questão dos
25 Direitos Humanos, o movimento sindical, o movimento na luta pela terra, as comunidades de base, enfim. Essas lutas todas foram nos permitindo construir um processo interessantíssimo de participação social que mostrou que na política, de fato, você não poderia separar a forma do conteúdo. Era fundamental que o ideal libertário se organizasse através de organizações democráticas e absolutamente participativas. E foi nessa luta, e é importante entender isso, que surgiu a luta pela reforma urbana. Foi como que uma apropriação crescente que nós fomos tendo de ver que, para além de lutar pelos salários, pelas condições pela vida econômica, era também importante lutar pelo espaço de vida onde a vida se organiza que são as cidades. Aí nasce o forte movimento de reforma urbana, para o qual se amadurece, os movimentos todos vão amadurecendo, e se tornam atores importantes, inclusive com uma produção teórica respeitável sobre um novo conceito de cidade anticapitalista, e nos, graças a essa energia toda, fomos formulando ao longo daqueles anos. E foi neste processo de pressão que os movimentos sociais também conseguiram, forçando à barra, mas também encontrando a sensibilidade no caso dos partidos de esquerda, particularmente o PT, a criar dentro do espaço institucional, na medida em que ele era conquistado, nas Câmaras de Vereadores, nas Prefeituras e Assembleias e assim por diante, conquistando espaços formais de participação. Então, nós tivemos quase que uma tática de pinças, onde de um lado você tem os movimentos sociais autônomos, que lutavam setorizadamente pelo transporte, pela moradia e enfim, pela água, pela luz, pelo meio-ambiente e as ONGs também com papel fundamental no cuidado com as pessoas, falo aqui dos idosos, do pessoal vítima do crack e das drogas. E ao mesmo tempo, na outra ponta, a abertura de espaço dentro do aparelho do Estado. Aqui estou falando, vocês sabem, do Orçamento Participativo, dos Conselhos, das audiências públicas que foram crescendo, se tornando institucionais, a ponto de se nacionalizarem e irmos
criando todo um sistema de participação social que a presidenta Dilma acaba de sistematizar num decreto e não por acaso foi tão repelido pela Câmara dos Deputados porque não interessa ao poder constituído qualquer partilha, qualquer participação popular, por isso ele foi tão atacado. Mas ele é importante na medida em que ele é um reconhecimento por parte do Estado do que é fundamental, para que haja democracia verdadeira, que haja a participação. Isso não foi uma concessão, quero insistir, foi uma conquista da luta popular, que nós temos que garantir e fazer avançar cada vez mais. Esta lógica, do pé dentro, do pé fora, da força que nós temos que ter nos movimentos sociais, mas ao mesmo tempo, internamente, no aparelho do Estado, nas prefeituras, no governo e assim por diante. A gente ter esses espaços de participação consagrados em lei foi fundamental para que se produzisse uma mudança progressiva na maneira como nós fomos nos apropriando das cidades e por extensão, de todo o país. E é nesse aspecto tão importante que nós fomos construindo toda uma teoria, todo um modo de governar diferente. O famoso modo petista de governar, um pouco esquecido hoje em dia, foi fruto também dessa reflexão a partir da luta, a partir do processo de organização dos movimentos, dos conselhos, do OAB, do Orçamento Participativo e assim por diante. Nós fomos avançando entre uma luta bastante empenhada, radicalizada pela democracia, com um processo de reflexão que foi produzindo novas teses, novas teorias que nos permitiram também avançar, numa dinâmica, numa dialética muito interessante, os processos de novas teses, de novas teorias, de novas concepções sobre as nossas cidades. Nós sabemos que o que fizemos até hoje foi bastante, contudo ainda é pouco frente à nova realidade. Até porque a evolução da sociedade, a evolução de uma realidade se dá com uma velocidade incrível. Então, questões que lá atrás nós não considerávamos tanto,
26 como a questão ambiental, como a questão das minorias, como a questão da cultura, essa riqueza que explode em cada canto das nossas cidades com os grupos culturais, com os espaços, com uma nova forma de produção de resistência. Enfim, insurgências de outros modos que estão nos demandando todo o nosso conceito. A participação não pode ser mais aquela coisa quadrada do Orçamento Participativo, das longas reuniões, dos Conselhos. Hoje é um desafio para nós e essa questão que eu queria deixar aqui muito marcada: é importante que nós, não repitamos apenas as fórmulas antigas, mas usemos a mesma energia que nos permitiu criar lá atrás esses mecanismos para criar agora novos mecanismos que venham ao encontro dos novos temas, das novas formas, dos novos anseios, sobretudo da juventude. Nós não podemos ter uma participação marcada apenas pela nossa idade madura. Nós temos que pensar que a participação tem de englobar sobretudo a dinâmica da juventude, para que ela possa de fato revolucionar os nossos próprios conceitos, e revolucionar as nossas cidades. Para isso há necessidade de a gente ter uma grande criatividade e para esta criatividade fluir são necessários espaços de diálogo. Por isso este seminário e processo de reflexão são simplesmente fundamentais. E para concluir que meu tempo está esgotando, eu queria lembrar a importância da comunicação. Nós não podemos continuar com a participação circunscrita à minoria. Nós temos que ousar, a nossa estratégia tem que ser uma estratégia da maioria. Por isso que os meios de comunicação alternativos e os meios de comunicação tradicionais, oficiais, tem que ser usados com muito mais intensidade pela gente, para que a gente faça uma disputa pela hegemonia da sociedade, dos valores, do nosso projeto e nós não permitamos que a nossa gente fique ao reboque e à serviço e sob a influência dos grandes meios que repetem, nós sabemos, que repetem a dominação e que tentam fazer a velha tática de fazer o conjunto do povo pensar como
aquela pequena elite egoísta e cheia de ódio que vemos hoje no Brasil. Muito obrigado! Tarcisio Secoli: Muito obrigado, Gilberto. Vou passar agora para o nosso amigo professor da Universidade Federal do ABC, companheiro Jeroen Klink, por favor. Jeroen Klink: Boa tarde a todas as pessoas presentes, em primeiro lugar eu queria parabenizar o prefeito Marinho, Nilza, à equipe da prefeitura pela organização desse seminário, inclusive o lançamento do livro amanhã. Realmente algo extremamente inovador; saudando a presença de todos vocês, é sempre também um prazer de ouvir Gilberto falando, enfim. Eu vou ficar dentro do prazo de quinze minutos, espero. Eu tenho basicamente três ou quatro tópicos tentando dialogar, eu não diria responder, a provocação do Tarcísio, seria muita pretensão da minha parte. Eu vou tentar, portanto, trabalhar, do geral para o específico o tema, a palavra chique “insurgências” e basicamente do geral para o específico. Primeiro ponto, basicamente, o próximo, é que a dialética, as relações imbricadas entre insurgências e o planejamento, a reforma, sucessivas reformas urbanas, têm como espaço privilegiado: a cidade. O espaço privilegiado, dessa dialética, dessas relações, é o espaço urbano, é o espaço da cidade. Isso não é nenhuma novidade, não é especificamente um fenômeno brasileiro. Eu coloquei aqui na linha do tempo alguns momentos, histórias que são relativamente conhecidas. Desde a reforma urbana nos países centrais, nos países da Revolução Industrial, Inglaterra, Alemanha, França, enfim. Inclusive a reforma urbana implementada com as grandes obras reformistas, o planejamento regionalista. Lidar com a forma urbana, como lidar com as classes perigosas, enfim. Isso foi um primeiro movimento que gerou inclusive o planejamento modernista. Mais adiante, logo em seguida, logo depois da Segunda Guerra Mundial isso foi consolidado a partir do que eu chamaria o pacto “Keneysiano”, um pacto redistributivo do tipo
27 “o Estado-nação regula, subsidia os serviços” um pacote, basicamente, de subsídios culminando na supressão de moradias, serviços de infraestrutura e em troca uma certa disciplina na fábrica nas cidades Fordistas, nas cidades do “welfare”.
falou, os próprios movimentos são menos monolíticos; o movimento é um bloco monolítico. E as disputas, as estratégias são, portanto, mais complexas; dentro, fora, contra, com o Estado. Então são alguns elementos gerais.
Então esses são vários exemplos. Isso inclusive gerou na década de 60-70, história conhecida, várias contradições. Nos Estados Unidos as revoltas em torno do processo de segregação sócio espacial, as revoltas nos conjuntos habitacionais na periferia de cidades europeias, na década de 60, 1968 em Paris, Amsterdã, enfim. Que inclusive transbordou; essas insurgências transbordaram da periferia para o centro e o mais recente, inclusive, a reforma financeira, a última reforma urbana voltada para a inclusão financeira do crédito, por exemplo, isso começou nas cidades norte-americanas acabando com a exclusão racial, a exclusão sócio espacial, através do crédito. Portanto, os bancos entrando com empréstimos que geraram inclusive a crise suprema, crise das hipotecas muito bem conhecida. Inclusive revoltas sucessivas, nas grandes cidades norte-americanas, mas também nas europeias, Madri onde praticamente o crédito em primeiro momento favoreceu os imigrantes e posteriormente, quando os bancos reivindicaram as prestações e com a história da bolha, praticamente os imigrantes sofreram e estão sofrendo muito com esta crise.
Isso foi até agora uma história geral sobre os países centrais. E os países emergentes? Os países do hemisfério Sul? Tem semelhanças e diferenças. Entre as semelhanças observamos que suas cidades também foram o espaço privilegiado do projeto modernizador, o projeto de desenvolvimento, de crescimento. No entanto, a grande diferença com as experiências centrais é que o projeto de crescimento econômico não foi acoplado com uma proposta de redistribuição, ou uma redistribuição incompleta. Isso ficou também muito claro, conforme já foi colocado por várias expositoras, como a cidade industrial, cidade desenvolvimentista marcada por um processo grave de exclusão sócio espacial. E mais recente nós temos complexidades; a própria reforma urbana ocorre em um processo pós década de noventa, particularmente em um processo complexo marcado, o processo de redemocratização, descentralização e ao mesmo tempo neoliberalização. Isso não apenas no Brasil, tem variações nesse tema; a própria África do Sul, pós 1994, se observa um processo complicado de pós apartheid, mas ao mesmo tempo acompanhada com um processo forte, a hostilidade do ajuste fiscal.
Quais são alguns elementos gerais dessa dialética? Primeira: a cidade é uma arena contestada. Basicamente a cidade é a confluência do lugar, de viver, lugar de trabalhar, lugar basicamente de produção e apropriação de riqueza. E, portanto, é uma área privilegiada de reformas e insurgências. Isso não é tipicamente brasileiro. Segundo: os conflitos ao longo do tempo se tornam mais complexos. Eu diria que a cidade de certa forma é a fábrica do século XXI, portanto, estamos lidando de certa forma com a transformação do proletariado para o precariado ocupando. E consequentemente as lutas, as disputas, o papel dos movimentos sociais, os próprios movimentos, como o Gilberto
Isso nos traz de certa forma para a reforma urbana que já foi mencionada pelo Gilberto e inclusive é muito comum na academia uma visão extremamente crítica, mas nós não podemos perder de vista a reforma urbana do ponto de vista não apenas nacional, mas internacional. Nós acabamos de sair de uma parceria com Índia/Brasil/África do Sul - um projeto inclusive com o apoio do ministério das cidades - o processo da reforma urbana no Brasil é extremamente interessante, inclusive desperta um interesse internacional dos países do hemisfério Sul. A confluência entre um processo institucional, mas também impulsionado pelas próprias lutas, pelas disputas e essa articulação
28 entre um poder constituinte a partir do processo de redemocratização e um processo instituído, formalizado, é um processo extremamente rico e reconhecido internacionalmente; e paradoxalmente nós no Brasil, nós às vezes deixamos de trabalhar isso em uma perspectiva crítica e histórica. No entanto, esse processo é também complexo, porque é baseado em dois pilares: redemocratizar o Estado e ampliar o mercado. Isso é extremamente difícil; o balanço que nós podemos fazer é que tanto a democratização do Estado, a luz de uma herança do Estado patrimonialista e também a herança do Estado tecno-burocrático associado ao regime militar é uma herança forte, também a dificuldade de alavancar controle sobre os processos de especulação imobiliária e, portanto, apesar dos avanços, e isso está ficando claro dentro e fora da academia, a dificuldade de uma gestão progressista de avançar com essa reforma urbana. Nós estamos enfrentando dificuldades. Isso já me leva ao último ponto basicamente, do geral para o específico, portanto nós temos um cenário internacional onde nós temos relações imbricadas entre a reforma, avanço de um planejamento progressista e dificuldades e, portanto, resistências, insurgências, isso não é nada de novo. Isso acontece internacionalmente e no Brasil também; nós fizemos avanços importantes, o próprio processo da reforma urbana do Brasil é um exemplo internacional reconhecido, no entanto nós estamos apresentando dificuldades, dilemas. Na realidade, conforme eu falei, eu não teria a ousadia de responder essa pergunta provocadora mas eu vou com humildade tentar; a partir inclusive apesar de eu ter tido uma experiência como gestor – mas do ponto de vista da academia, tentar dialogar com essa pergunta “por que é tão difícil melhorar a vida nas nossas cidades?”. Eu diria que um ponto importante é a nossa dificuldade, inclusive não apenas da academia, mas a nossa dificuldade de fazer uma leitura e uma atuação consistente sobre o espaço da cidade. Porque a cidade de certa forma é a articulação entre a vida, o trabalho e a produção,
apropriação da riqueza. A cidade é de certa forma, com as devidas proporções, a fábrica do século XXI. E inclusive, essa dificuldade de fazer essa leitura articulada esbarra nas iniciativas progressistas completas e eu tenho certeza, - inclusive amanhã o lançamento do livro vai ser também mais um exemplo - essas experiências mais interessantes são exatamente as experiências, a partir da academia, dos governos progressistas, a partir da academia e dos movimentos; as experiências mais interessantes na minha visão são as experiências que conseguem fazer essa leitura e atuação sobre esse espaço da cidade como espaço da vida, da reprodução da vida. E eu vou dar um exemplo emblemático da nossa dificuldade e a tentativa de avanço. Eu sei que é comum ter uma bronca da academia. A academia é muito boa em fazer uma reflexão crítica, mas há pouco praxes. Eu vou tentar fazer uma reflexão crítica sobre essa dificuldade, mas também uma iniciativa no andamento da Universidade. Um exemplo emblemático da dificuldade de fazer essa leitura é o planejador; no Brasil por incrível que pareça, inclusive você vai para o cenário internacional e as pessoas ficam se perguntando, “mas como?”. A própria profissão do planejador no Brasil… A formação e a atuação do planejador, no Brasil, com todo o respeito, não quero briga com os arquitetos e engenheiros... a profissão planejador não existe; é o arquiteto e o engenheiro que fazem isso. Isso é curioso, porque lá fora você vai nos Estados Unidos, na Europa, isso é uma profissão consolidada desde a reforma urbana, que eu mostrei aqui. Curioso como essa leitura setorizada surge inclusive na própria academia, no Brasil, particularmente. O que nós estamos fazendo? E aí estamos sempre dialogando com as prefeituras e com os movimentos na consolidação desse movimento. Nós temos um bacharelado na Universidade de planejamento territorial que busca exatamente articular essa visão, essa leitura do espaço da cidade que é um espaço complexo, com muitos desafios, mas também com oportunidades. De certa forma o espaço da vida. Esse curso existe e
29 nós estamos inclusive articulando reconhecimento e a inserção deste curso na sociedade brasileira e é, portanto, uma iniciativa interessante onde estamos tentando avançar. Bom... meu tempo está quase acabando. Eu diria que essa dificuldade na realidade de articular a visão sobre a cidade não é apenas da academia. Eu diria que dentro dos governos há também uma leitura setorial e os próprios movimentos, movimento ambiental, movimento de moradia, têm dificuldade de fazer uma articulação e exatamente essas experiências mais interessantes, articular tempos e espaços, romper com o planejamento estratégico, com o PPA, articular escalas, agentes públicos, privados; essas experiências estão avançando. Eu queria apesar de toda essa leitura, dos desafios, eu diria que muitas coisas estão acontecendo, esse seminário eu tenho certeza que vai relatar uma série de experiências interessantes e isso, portanto, dá uma perspectiva de uma nova rodada progressista de uma reforma urbana na direção de uma radicalização da democracia em prol de uma cidade que é basicamente o espaço privilegiado da experiência humana. Mais uma vez muito obrigado e parabéns para a prefeitura de São Bernardo por organizar essa reflexão crítica, olhar para a práxis. (aplausos) Tarcisio Secoli: Muito obrigado, Jeroen pela explanação e os conceitos novos colocados. Queria passar agora para Sérgio Lírio, da nossa Carta Capital, poder fazer também a sua fala. Sérgio Lírio: Boa tarde. Bem, aconteceu praticamente o que eu temia que era eu ficar quase por último, depois de exposições tão claras e tão brilhantes vem um jornalista que como todo jornalista somos os reis da embromação. Vou tentar evitar isso aqui. Queria dizer que eu estou aqui representando o Mino Carta como o prefeito Luiz Marinho falou, ele submetido a uma pequena cirurgia, nada grave, mas como era no olho precisava passar o dia inteiro no
hospital para se cuidar. O Mino é muito forte, mas já está com oitenta e três anos e eu queria só dizer que a única coisa que o Marinho exagerou um pouco dizendo que ele estaria bem representado e eu não acho que seja bem isso, vamos ver, vamos pensar aqui. Eu queria retomar um ponto aqui do que disse o Gilberto Carvalho, com muita precisão, no início você falou que as demandas principalmente da insurgência de 2013. Não é o caso de eu falar agora dessas manifestações de 2014 porque elas são claramente interessadas e a maioria que estava na rua, ou a maioria que estava protestando nas ruas nos últimos meses não têm nenhum vínculo com os problemas da cidade. Estão longe deles aliás! São os incluídos, os “com”; estavam ali protestando por uma questão ideológica política que nada tem a ver com o que aconteceu em 2013. Em 2013 não era uma coisa difusa, era clara. Está claro e o Gilberto ressaltou muito bem que apesar dos avanços e das melhoras individuais familiares proporcionadas durante o governo Lula, o fato é que houve um descasamento entre essa melhora pessoal e a oferta de serviços à altura desse novo público que teve acesso ao direito de consumo. Era realmente uma explosão urbana e o pedido de resolução de problemas seculares. Mas ali também uma parte da esquerda não entendeu muito bem quando esse movimento começou, depois ele realmente foi incorporado e foi manipulado até certo ponto pelos meios de comunicação e pelos interesses que eles representavam, mas claramente ali havia um recado que é muito salutar, que é o desejo da recuperação da cidade e da coletividade. É a negação, é uma contraposição ao fato das cidades terem sido tomadas por poucas corporações e pelo poder econômico. As pessoas ali pediam mais presença do Estado, mais direito de participação coletiva e mais serviço para eles. Eu fico pensando o que aconteceu na verdade ao longo desse tempo porque não faltam diagnósticos; o próprio PT ao longo de sua história construiu mecanismos, reuniu pensamentos, tinha do seu lado gente com muita reflexão a respeito
30 disso. No início do governo Lula surgiu uma ideia que para mim fazia todo o sentido, que era a criação do Ministério das Cidades. Se lá tivesse funcionado e não tivesse uma moeda de troca da composição política ele talvez tivesse conseguido nesse período ter apresentado e reunido soluções suficientes para você avançar nessas questões cruciais. O que acontece hoje claramente é isso, quer dizer, vem prefeito, sai prefeito, vem partido, sai partido, prometendo mais participação, mas no fundo eles são capturados. Acabou recentemente uma série na TV a cabo chamada “True Detective”. A segunda temporada se passa numa cidade da Califórnia e de certa forma, não com aquele grau de corrupção, nem de talvez com as perversidades sexuais que tinham, mas o fato é que ali é um retrato da impressão que se tem do que acontece na maioria das cidades brasileiras. Pequenos grupos econômicos de poder que dominam e impedem qualquer coisa e fazem do prefeito uma espécie de síndico; o prefeito está lá para abrir e fechar a porta, arrumar o canteiro de flores e de dez em dez anos talvez pintar a fachada do prédio e nada mais, nada mais! Em geral você está ali fazendo as intervenções cosméticas e não consegue avançar. E quando você vê mesmo voltando àquele ponto, há uma demanda e há o espaço para você incorporar mais esse desejo da sociedade de participação e eu vou citar aqui o caso de São Paulo, o caso da ciclovia, que é uma intervenção até secundária, cosmética. Ela não atinge, ela não vai no ponto geral do problema de mobilidade da cidade, mas foi capaz de gerar não só um conflito, uma resistência e quem resiste mostra claramente que esse caminho talvez seja certo, como uma solidariedade. A cidade de São Paulo com essa ciclovia está tendo, cada vez mais, mais participação das pessoas; as pessoas estão animadas no final de semana, você tem várias vias hoje onde as pessoas estão andando de bicicleta o tempo todo, estão participando, estão lá. As pessoas querem mais vida comunitária, querem mais participação e eu acho que infelizmente a chegada do poder, seja de qual for as correntes, acaba
criando essa participação…
“demofobia”,
esse
medo
de
O Gilberto falava que é preciso ser criativo, eu acho que sim, tem que ser criativo e pensar em novos modelos, mas tem modelos antigos a serem resgatados que estão nos programas das ideias e dos ideais de esquerda. Por que nós não conseguimos ainda testar referendos? Chamar a população para decidir coisas cruciais, tanto a nível nacional quanto a nível municipal? (aplausos). E eu acho que quem pode praticar isso, quem pode fazer isso, quem tem até obrigação moral porque sempre foi o portador desse discurso é o segmento dito progressista, chamado progressista. Não vai ser a direita que vai fazer isso. A direita no poder vai manter o que manteve. O próximo prefeito de São Paulo se não for o Haddad, provavelmente ou vai desfazer muitas coisas. Então cabe a esse movimento progressista pensar isso, mas existe esse desejo, não se pode temer porque o risco de acontecer diante da perplexidade, é que toda essa estrutura seja atropelada. Todo mundo acha que o novo sempre vai significar alguma coisa... não necessariamente. A gente tem o bom exemplo do “Podemos”, em Madri, que surge de uma demanda, não uma demanda urbana necessariamente, mas tem a mesma natureza. É a luta contra o fato de que na hora H quem paga a conta é sempre o trabalhador. Que os poderes constituídos, os donos do poder, do dinheiro, nunca vão pagar a conta, mas também pensar um pouco que teve o risco Itália, com o Beppe Grillo, que daria em uma coisa que era mais ou menos fascista. Mas o que está acontecendo é que essa estrutura original de poder constituído da forma como se faz, está sobre riscos nesse aspecto, porque ela se rendeu completamente à falta de criatividade e à força do poder constituído econômico. Então, eu imagino que é fundamental que se pense isso e obviamente tem o planejamento fundamental. Eu entendo um pouco a negação que a esquerda faz da ideia de gestão, porque a tecnocracia e o neoliberalismo vêm da ideia de que você coloca lá um gerente e resolve. Então de
31 repente a gente até acaba com a eleição e passa a analisar currículo de prefeito, presidente, talvez fosse o caso, mas não é isso! Mas a esquerda, por outro lado, nega demais a ideia da gestão, da administração. O fato de que no fundo você só vai transformar se você entregar coisas. É preciso, para fazer as mudanças reais, que você ofereça e consiga oferecer um bom serviço de transporte, saúde de forma correta. Nós tivemos essa experiência, por exemplo, dos “Mais Médicos”, que é uma experiência paliativa, mas ao mesmo tempo mostra um caminho; como em poucos meses você conseguiu organizar um programa que está levando saúde. Se você vai analisar o usuário desse serviço está plenamente satisfeito. Teve resistência? Teve muita resistência, ainda tem e terá por muito tempo, mas se teve a coragem de fazer. E por que a gente não consegue avançar mais por exemplo na ideia do transporte público? Por que não pensar em mudar realmente esse sistema, escapar um pouco dessa estrutura como ela é feita. Porque repito, experiências internacionais existem, acúmulo intelectual existe para tanto e vontade existe, e vontade das pessoas, dos indivíduos. O que está faltando na cidade na verdade, o que leva ao individualismo é o fato de que essa maioria não sente onde está a sua representação. Ela não sente nem em quem historicamente ela pode ter acreditado, de que ali ela vai encontrar alguém que vai ser capaz de encaminhar estas bandeiras. Então eu acho que esses são alguns dos pontos principais desse fato, que a gente não pode perder… Eu acho que o Gilberto é uma prova clara que mesmo dentro da máquina do Estado… E também acho que tem que mudar um pouco essa relação… Tentar realmente escapar dessa estrutura ou tornála menos poderosa. As próprias corporações dentro do Estado que como disse o Luiz Marinho em uma entrevista que ele deu para a gente, recente, que vai estar nas bancas nos próximos dias, isso tudo é um balcão de negócios. Essa experiência que o Gilberto esteve lá, passou e viveu da dificuldade de você conseguir regulamentar coisas que já existiam, a
formação dos conselhos, quer dizer, a resistência do estatal, a resistência dos poderes constituídos. Isso já foi um avanço e agora é pegar todo esse instrumento e usar. Então acho que a principal coisa que realmente os progressistas, as ideias progressistas precisam retomar é a coragem, a coragem de dar poder à população, não ter medo, não tratar a maioria como trata as forças reacionárias, que acham que essa população é incapaz de tomar decisões, que elas só estão ali para você de quatro em quatro anos escolher o voto. (aplausos). Convencê-las num período e depois abandoná-las completamente. Um pensamento progressista não pode aceitar isso e não pode fazer isso, infelizmente foi o que de certa forma aconteceu nesses tempos e é o preço que está se pagando, essa crise toda que é uma crise econômica e é uma crise política, mas ela é uma crise também de ideias e é uma crise de um modelo que precisa ser repensado sobre todas as formas. Eu agradeço e acho que meu tempo se concluiu. Obrigado. (aplausos) Tarcisio Secoli: Obrigado, Sérgio. Vou passar de imediato aqui para o nosso governador da província de Santa Fé, da Argentina, Sr. Antonio Bonfatti. Antonio Bonfatti: Em primeiro lugar, boa tarde a todos! Agradeço a Luiz pelo convite. E é um prazer compor este painel qualificado. Primeiro quero localizar vocês. O que é a Província de Santa Fé. A província de Santa Fé é a segunda província argentina em termos de PIB, fica ao norte da Província de Buenos Aires, ao leste fica Córdoba, possui 3,2 milhões de habitantes, 363 municípios, e 1.000 quilômetros de norte a sul. Por isso possui vários climas, variedade de produção, a não ser petróleo, acho que em Santa Fé se produz de tudo. Tudo menos petróleo! Se produz açúcar, algodão, bovinos, caprinos, ovinos, soja, trigo, milho, polos tecnológicos, polos de softwares, polo petroquímico, químico, indústria de móveis. Definitivamente, uma grande variedade de produção.
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34 Quero lhes dizer que a minha origem é do municipalismo. Tenho 16 anos de experiência municipal, doze anos de experiência na província, mas muito do que aprendemos, nós aprendemos no município, nas cidades, onde começamos as nossas primeiras experiências. Quero ressaltar algo que para mim é fundamental, eu acredito plenamente na política e nos partidos políticos, e acredito plenamente na ideologia. Partidos políticos que estão em crise no mundo, pois talvez seja a organização social mais complexa. O partido político é a organização social mais complexa! E o mundo mudou, sofreu uma mutação e não foi pouca, os últimos 20 ou 30 anos, e ainda não conseguimos readaptar os partidos e fundamentalmente repensar a nossa ideologia em função das mudanças que teve a humanidade. Nós, nesses últimos 20 anos, fomos surpreendidos pelos avanços da tecnologia. As tecnologias modificaram o sistema de trabalho. Há profissões que já não existem. Desapareceram. O trabalho regulava a vida da sociedade. Tinha o horário de entrada no trabalho, tinha o horário da saída, tinha o momento de compartilhar a mesa com a família ao meio-dia é à noite. Em muitos lares isso já não existe mais, por isso foram diluídas, foram enfraquecidos os laços familiares e os vínculos na sociedade. Os meios de comunicação penetraram como nunca na vida cotidiana de cada um de nós. É muito comum ver no recreio, numa escola, um garoto que está dois metros longe de outro e que ao invés de conversar com ele, de se cumprimentarem, de olhos nos olhos, está enviando uma mensagem pelo telefone celular. Isso é o que acontece todos os dias. E a gente deve repensar essa crise. Não há dúvidas de que a democracia representativa hoje não resolve os complexos problemas da sociedade. Num mundo capitalista, um capitalismo que obteve êxito no mundo, que chama fortemente ao consumo, e pelas facilidades oferecidas pelos meios de comunicação, podemos querer desejar algo que acontece a milhares de quilômetros da nossa casa. Mas ao mesmo tempo fazer acreditar
que o que ocorre com esse cidadão num lugar distante do mundo também está acontecendo com a gente. Nós sabemos bem mais o que acontece na China, no Japão, nos Estados Unidos do que está acontecendo na cidade vizinha. Por isso nós devemos fortalecer a democracia com a democracia participativa. Nós devemos fazer com que cada cidadão seja protagonista da sua própria vida e que possamos recuperar os valores que perdemos: a solidariedade, a transparência, a participação na vida social de nossas comunidades. A participação legitima a participação do governo. A participação permite gerar planos a longo prazo, políticas de Estado. A participação melhora o espaço público. A participação permite melhorar, como falava anteriormente, a crise de representatividade. A participação permite um diálogo que flui entre o Estado e a sociedade e renova as pontes entre ambos. Nós convocamos, num primeiro momento, a regionalização da província. Uma província de mil quilômetros possui estilos de produção diferentes, possui culturas diferentes, possui raízes de imigração diferentes e caminhos diferentes que fazem esses cidadãos para resolver os problemas de maior complexidade. Dividimos a província em cinco regiões. Em segundo lugar, descentralizar o Estado. De um Estado que estava localizada numa região central na capital da província, a cidade de Santa Fe. A cidade de Rosário é a segunda mais importante com mais de um milhão de habitantes, mas a capital da província é a cidade de Santa Fe, tudo era resolvido ali. Descentralizar significa passar todos os serviços para as regiões, e das regiões para os municípios. E em terceiro lugar, procurar a participação para ter políticas de Estado. Ao falar de políticas de Estado, estamos falando de um plano estratégico participativo. Venho de uma época na história onde os planos estratégicos eram feitos apenas por especialistas, por universitários, por aqueles que sabiam a respeito, por técnicos. O plano estratégico deve ser feito pelos cidadãos e pelo governo! O governo tem uma obrigação: estabelecer os valores. Porque não é a mesma coisa um governo
35 progressista do que um governo neoliberal ou de direita. E ali devem ser definidas as pautas onde podemos chegar a um consenso. Nossos valores, que colocamos na mesa para serem discutidos –qual era a província que a gente queria até o ano 2030tem relação com a igualdade de oportunidades, valorizar a perspectiva de gênero, respeitar as minorias, complementar o trabalho com as crianças, o acesso aos patrimônios públicos, o acesso à terra é à moradia, superar a pobreza, fortalecer o diálogo, cuidar do meio ambiente, o equilíbrio territorial e o acesso à informação pública. A fórmula utilizada para criar o plano estratégico foi a chamada de assembleias populares. Em Santa Fe existem 15.000 instituições identificadas na sociedade civil. Um clube é uma instituição civil, uma unidade escolar é uma instituição civil, a câmara de comércio é uma instituição, a federação das indústrias são instituições, os sindicatos são instituições. Convocamos 15.000 instituições! E qualquer cidadão que espontaneamente quisesse ir a uma assembleia. - Com quem? - Com o Estado! O Estado é o governo, os legisladores, os prefeitos, os vereadores, os professores, a polícia, os trabalhadores da saúde. Participaram 40.000 pessoas nas cinco regiões. Como participavam? Nas escolas! Em cada escola eram formados grupos com 30 pessoas. Estado e sociedade civil. E uma pessoa que abria os trabalhos. A primeira coisa que fizemos em cada assembleia foi entregar a cada cidadão uma cartolina deste tamanho e perguntar como ele queria ver a província de Santa Fe no ano de 2030. Como ele imaginava que seria? Foram escritos 40.000 sonhos. Mas no final os sonhos se resumiam a três: uma província com inclusão social, uma província integrada e uma província com uma economia voltada para o desenvolvimento. Na segunda assembleia deveriam colocar nome e sobrenome, um nome a esse sonho. Pois, inclusão social, o que significa isso para alguém que mora no norte, outro que mora no sul, outro no centro Aparecem diferentes projetos. E dessa forma fomos
marcando cada uma dessas assembleias, para colocar um projeto a esse sonho. E foram identificados 346 projetos. Eram 346 projetos para serem desenvolvidos até o ano 2030. Isso está no papel, cada cidadão tem o seu livro. Sabemos onde queremos evoluir, como evoluir, quais são as dificuldades, quais são os pontos fortes e deixamos em cada região um conselho para continuar esse plano estratégico formado por 80 instituições da sociedade civil e o Estado que se reúne a cada três meses e verificam o andamento desse plano. Isso foi o ponto de partida para a construção de hospitais, escolas, rede de esgotos, estradas, energia elétrica, energias renováveis, eólica, fotovoltaica. Negociar com o setor de produção, formar em cada cadeia de valores, de móveis, de milho, de softwares, tecnologias, todos os integrantes dessa cadeia formando um conselho para estar presente desde o ponto mais frágil, que é o que acaba quebrando a cadeia e gerando muitas vezes problemas de desemprego e fechamento de empresas. Criamos espaços microrregionais de participação, pois tínhamos de conseguir espaço para encontros menores. Um exemplo disso foi a abordagem em relação aos resíduos, os resíduos sólidos urbanos. Criamos espaços para os jovens, para que a problemática dos jovens fosse incluída nas decisões tomadas pelo Estado. Obrigamos cada ministro a ter jovens em cada gabinete, mas não para fazer atividades secundárias, mas para começar a ter responsabilidades. E ao mesmo tempo fazer com que esses jovens, uma vez por semana, participassem do que chamamos “Gabinete Jovem”. Ali tratamos de que as políticas da juventude também se incorporem às políticas de Estado. Criamos espaços para grupos autóctones. Recuperamos 6.000 hectares de terra. No mês de novembro vamos recuperar 10.000 hectares de terra para a população autóctone. Para as comunidades, não para as pessoas. (aplausos) Abordar os problemas com a segurança, com a violência. Todos sabemos que moramos num mundo mais violento. E eu tento entender que a
36 violência nasce das desigualdades. Mas a humanidade parece que não está encontrando o rumo e quem mais está pagando as consequências dessa falta de rumo é a juventude. A juventude se manifesta. E a juventude muitas vezes se apoia muitas vezes, para fugir desses problemas, na droga. Que é outro ponto que nos preocupa muito. A droga na América do Sul. Como está crescendo! Isso apesar da ação estatal, regional, municipal, apesar do profundo debate no seio da sociedade. A erradicação das drogas é um tremendo desafio. Eles possuem muitos recursos econômicos, sendo muitas vezes mais poderosos que os próprios Estados. Criamos em cada região um centro civil, pois não se trata apenas de transferir o governo central para a região. São espaços para encontros para que as pessoas possam conversar entre si e chegar a consensos. Abordamos a saúde a partir dessa participação. A saúde é uma conquista social, não é uma conquista individual. Não é a mesma coisa uma determinada profissão da outra. Fica-se doente e se morre de forma diferente de acordo com o tipo de trabalho que determinada pessoa realizou em vida. Fica-se doente e se morre de forma diferente se há água potável ou não, se há saneamento básico ou não, se a saúde é gratuita ou não, se os jovens participam de esportes ou não participam. Por isso a nossa atenção é primária, mas não uma atenção primaria de baixa complexidade. A atenção primaria interagindo nos centros de saúde, com as instituições de determinado bairro e incluindo a população nesse centro de saúde para ser o segmento de promoção e prevenção da mesma. Abordar a escola, que para nós é um dos eixos centrais e fundamentais. Convocamos os pais a participarem, mas também ouvimos o que dizem as crianças. Fizemos congressos para as crianças, 8.000 crianças com a palavra. Vamos ver o que ela diz. E acreditem que aprendemos muito ouvindo as crianças. Fizemos também congressos com os jovens, claro! Na escola precisamos saber o que acontece com um jovem. Por que de tanta violência?
Por que do bullying?, esse novo problema que surgiu nas escolas. Definitivamente, estamos convencidos que se nós criarmos mais espaços de participação, fazemos com que o cidadão consiga se expressar, vamos conseguir uma mudança na conscientização. Pois uma coisa é um governo progressista e outra coisa é uma sociedade progressista. E o que nós devemos alcançar é gerar uma consciência coletiva de que assim como pagamos sem pestanejar para adquirir um celular, pagamos para ter uma tevê a cabo e ninguém reclama, também devemos pagar um imposto para conseguir definitivamente o bemestar da maioria, que são os que menos possuem. E este grau de consciência se consegue à medida que as pessoas vão participando e entendendo que todos somos protagonistas de uma sociedade melhor. Muito obrigado! (aplausos) Tarcisio Secoli: Muito obrigado. Eu como moderador aqui da mesa, captei algumas coisas de cada fala e queria dar um pequeno relato. E depois queria passar para cada um de vocês... se quiserem comentar alguma coisa ainda ou fazer algumas considerações finais. Jerônimo trabalhou bastante a história de melhorar a vida e que a população gosta e quer participar, e nós precisamos que os governos aprendam a ouvir e que a melhoria para gente não é só a melhoria do indivíduo e sim a melhoria para o coletivo. O Gilberto trouxe algumas reflexões importantes, coragem para refletir sobre a crise, conquistar espaços formais de participação, que foi o que trabalhamos para poder abrir espaços institucionais, como: audiências públicas, orçamentos participativos, a necessidade e a ousadia de mudar isto trazendo para o modelo atual, participação das conquistas dos movimentos atuais que foram importantes para todos nos. Abordou a questão da inovação nas formas, os novos mecanismos, agregação da juventude e uma ousadia maior que é a discussão mais aprofundada sobre os
37 meios de comunicação para usar isto na busca da hegemonia social. Fato muito importante para nós. Jeroen trouxe outros dados importantes para podermos aprofundar o debate como a cidade sendo a disputa da apropriação das riquezas, os conflitos hoje do proletariado, os trabalhadores urbanos. Os conflitos aqui do proletariado urbano em que a cidade é a fábrica do século XXI, conceito importante para estarmos discutindo e aprofundando. O crescimento econômico tem que ter uma distribuição de renda mais completa. E uma necessidade de ter um planejador territorial urbano, uma necessidade para se pensar também em novos profissionais que possam dar conta desses novos desafios. Sergio Lírio colocou uns assuntos para mim muito importantes. Uma revolta de que as pessoas querem mais serviços e mais direitos, acho que isso tem sempre que ficar claro para a gente. Hoje normalmente as pessoas de fato querem viver melhor e querem mais vida comunitária. Esse é um tema interessante que nós podemos aprofundar, porque normalmente nos movimentos que nós estamos, as pessoas só querem o individual, mas há uma necessidade de vida comunitária. A ousadia de tentar novos mecanismos de participação, você citou o referendo, mas pode ter outros mecanismos também, mas o referendo é muito importante. E o que o poder local também tem que ter poder para enfrentar o poder das corporações. Considero que essa é uma demanda importante. E que a maioria hoje não sabe ou não sente onde está a sua representação. Acho que é um dado muito bacana. Sobre Antonio Bonfatti, creio que precisaríamos ficar pelo menos uns dois dias ouvindo ele falar e não só os quinze minutos que estão aqui, porque, de fato, ele trouxe muita coisa interessante a partir da própria mudança do mundo. O mundo muda, a tecnologia muda, os processos e produtos mudam, mas infelizmente a nossa lógica de partidos políticos ainda não mudou. Acho que essa é uma demanda importante para estarmos ainda refletindo. A
tecnologia mudou inclusive o modo de vida das pessoas, antes era o trabalho que regulava a vida, hoje é a tecnologia que muda e que vai rompendo os nossos laços familiares importantes. E que a democracia representativa não dá conta e não resolve nossos problemas do dia-a-dia. É preciso avançar na democracia participativa. Esse é um dado para a gente trabalhar bastante e a participação legitima o poder público, descentralização do Estado, com a participação para construir a política do Estado e as assembleias populares, os espaços microrregionais de participação são desafios permanentes para qualquer gestor. Cabe destacar também o envolvimento dos jovens, os povos aborígenes e poder trabalhar com eles e na escola temas diversos como saúde, educação, desenvolvimento. Poder ouvir os jovens, ouvir as crianças. Acho que esse é um elemento muito importante. E também um conceito de que o mundo caminha. Não é mais importante, talvez... hoje... o governo progressista, mas construir uma sociedade progressista. Então são desafios colocados para a cidade no próximo período. Eu queria ir repassando para eles, para que possam fazer suas considerações finais. Dois minutos para cada um. Jerônimo... você primeiro! (aplausos) Jerônimo de Almeida Neto: Bom, eu quero primeiro agradecer a atenção que todos tiveram para me ouvir aqui, dizer que diante dessas feras eu estava me sentindo como um aluno numa mesa dos professores. Mas eu acho que como consideração final que há uma série de melhorias que todo mundo deseja para toda a sociedade e eu espero que a gente encontre, sociedade e poder público juntos, uma maneira de promover isso e acima de tudo encontrar um critério justo para a divisão dessa conta. Um critério na sociedade em que quem pode mais, na sociedade, pague mais e quem pode menos, pague menos. Muito obrigado e parabéns à prefeitura de São Bernardo do Campo. (aplausos) Gilberto Carvalho: Eu queria dizer que eu aprendi uma porção de coisas importantes aqui. Como é
38 bom conversar, como é bom a gente ouvir. O nosso "Lulinha" é quem sempre diz: “A gente que ouve mais tem mais chances de errar menos e acertar mais”. Essa tarde aqui é a prova disso. Eu só queria acrescentar uma pequena reflexão e insistir naquele aspecto de que nós não podemos nos conformar com a participação que nós alcançamos até hoje, através dos movimentos sociais, através das entidades sociais e dos mecanismos que nós já conquistamos dentro do aparelho de Estado. Há muito mais o que conquistar dentro do aparelho de Estado. Devemos radicalizar a democracia dentro do aparelho de Estado. Nós sabemos que os nossos conselhos são todos consultivos, precisamos pensar em espaços deliberativos. Enfim, há muito para fazer, mas sobretudo o que preocupa é que a imensa maioria do nosso povo, não encontrou ainda, ou nos ainda não conseguimos abrir as portas para que essa imensa generosidade do povo se manifeste de alguma forma. Nós não podemos nos conformar que essa gente é hegemonizada hoje por atitudes de ódio, de egoísmo, de uma cultura que infelizmente nos faltou trabalhar nesses doze anos. Se nós fomos muito felizes na inclusão econômica das pessoas, nós não conseguimos trabalhar os valores, a solidariedade, a fraternidade, enfim, as formas novas anticapitalistas de se viver e de construir nossas cidades. Essa derrota é importante e hoje ela se torna aguda na crise que estamos vivendo, mas isso não é um dado, isso é apenas um desafio que temos de enfrentar. Quando eu falei da necessidade da comunicação, quando eu falei da necessidade de novas formas é exatamente o que nos angustia. Há uma gente generosa, há uma gente pronta para participar muito mais da construção da nossa nação, mas nós precisamos abrir estas portas, nós precisamos superar os velhos modelos que temos, sem abandoná-los, mas superá-los para que a juventude se abra e possa vir a conformar esse grande caudal de participação, como disse muito bem o Bonfatti. Aliás, eu gostei muito da fala do Bonfatti, os casos que ele foi citando mostram como é possível ter
criatividade de ampliar essas formas e com isso a gente pode de fato, eu penso, vencer essa batalha que nesse momento é tão difícil. Querido Marinho, querido Tarcísio, querida Nilza, muito obrigado por essa belíssima ocasião que vocês me deram de estar aqui com vocês! Obrigado. (aplausos) Jeroen Klink: Bom, eu também na minha parte queria mais uma vez agradecer muito a prefeitura, ao prefeito Luiz Marinho, pela oportunidade de estar dialogando, eu acho que se a cidade é uma arena como eu falei, privilegiada das disputas, ao mesmo tempo este seminário, para mim, está me ensinando que ao mesmo tempo é um grande espaço de esperança, de articulação, de articulação entre a reflexão crítica e propostas alternativas que você começa a construir a partir de coisas muito concretas, como este seminário. Então gostaria mais uma vez de agradecer, inclusive estou muito curioso para o lançamento do livro também amanhã, que vai proporcionar várias experiências interessantes. Muito obrigado. (aplausos) Sergio Lírio: Bem, eu quero também agradecer o convite, essa participação e como o Gilberto também aprendi bastante. Eu queria só ressaltar o seguinte. Eu não acho que a crise de representação que hoje se espelha no Brasil, eu acho que tem alguma comparação, por exemplo, com o que acontece na Europa, Estados Unidos. Nós temos na verdade até tanto quanto a Argentina, mais ou menos, um tempo muito curto de retomada democrática. Acho que desde o século XX a primeira vez que no caso do Brasil, hoje a gente chega a três décadas praticamente de votação. Estamos por aí. E eu, ao contrário do que as pessoas acham, o exercício do voto brasileiro foi muito mais coerente do que se imagina. E tem um outro dado ainda que foram essas sucessivas eleições de presidentes ligados ao PT, um fato de quem sempre mandou e decidiu, pelo menos eleitoralmente não decide mais ou não tem a mesma força. (aplausos). E isso é um dado importante a ser registrado. O problema maior é que a esquerda recebe, representada pelo PT no caso nessas eleições, recebe essa montanha de
39 votos, recebe essa confiança, mas num certo momento se rende aos poderes que estão contra ela. Eu sei que o jogo do exercício da política é muito mais complicado, é mais complexo do que isso que estou dizendo, mas no fundo é isso. Por que se dissociar do seu eleitorado em determinado momento? E este caso em especifico que a gente vive é o mais cruel de todos, porque é realmente uma negação completa do que se propôs e se comprometeu na campanha do ano passado. É isso que aprofunda, eu acho que esse exercício desde o fim da ditadura até agora mostra que quanto mais chamar a população a participar, melhor será. É dessa forma que a gente vai aprofundar a democracia. Então é mais exercício, inclusive, da democracia representativa formal. Nós ainda estamos construindo isso. Vai demorar mais um tempo, a gente chegar a esse ponto, onde a gente realmente vai ter um sistema de representação que seja menos dissociado do cidadão que em tese esse poder deveria representar. Então, a parte da radicalização da democracia não é só pensar em modelos novos. É usar os modelos que já estão aí de forma mais constante, mais presente e não ter medo de usar esses mecanismos. (aplausos) Tarcisio Secoli: Muito obrigado, Governador Antonio Bonfatti, por favor.
Sergio.
Antonio Bonfatti: Bem, serei bem breve. Primeiro gostaria de dizer que estou muito agradecido, muito contente por tantas coincidências e de saber que nesta querida América do Sul estamos no mesmo caminho de construção, também com as mesmas preocupações. E o fato de estarmos preocupados é dizer que nos ocupamos para dar respostas. E em segundo lugar é que não devemos ter medo das pessoas, muito pelo contrário, a cidadania não demanda loucuras ou coisas lunáticas, demanda coisas sensíveis, simples, os direitos. E é isso que nós temos que ter em mente. Os direitos mais essenciais: a saúde, a educação, a moradia, o trabalho, o meio ambiente sustentável. Para concluir, quero insistir na criação de espaços públicos e não nos limitar apenas aos que já temos.
Nós insistimos muito num projeto, em Rosário, uma cidade com 1.000.000 de habitantes, onde aos domingos fechamos quilômetros e quilômetros de ruas e não pode passar nenhum carro. No início recebemos muitas reclamações de todos aqueles que tinham o costume de passear de carro. Eles ficavam incomodados. Hoje, 250.000 pessoas saem para passear, caminhar, brincar com seus filhos, eles vão de bicicleta, de patins pelo espaço público. E talvez seja a demonstração de um maior encontro entre vizinhos, entre pessoas que se cumprimentam, se reconhecem e se encontram todos os domingos num espaço público. E para concluir, a militância! Fortalecer a militância dos partidos políticos! E mais ainda dos partidos progressistas! Tarcisio Secoli: Muito obrigado, Bonfatti. Eu queria aqui encerrar a participação desta mesa dizendo que os palestrantes, os companheiros que participaram de fato foram muito competentes no que fizeram, provocaram a gente bastante para termos muita reflexão. Cumpriram rigorosamente o horário e eu agradeço a Nilza e o Marinho na organização e por ter me colocado aqui para eu poder aprender muito com esses meninos aqui. Então, obrigado gente! Vamos desfazer a mesa e volto com o cerimonial! Valeu! (aplausos)
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Composição da primeira mesa do seminário.
Tarcisio Secoli, Luiz Marinho e Antonio Bonfatti.
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Mesa 2 os avanços no processo de democratização das nossas cidades. Isso se refletiu na proliferação de instrumentos participativos como o Orçamento Participativo-OP, o Plano Diretor-PD, e o Plano Plurianual Participativo-PPA. Esta última ferramenta, inédita na sua formulação, conseguiu articular tempos (curto e médio prazo), setores (habitação, saúde, educação, saneamento ambiental etc.) e atores (públicos e privados) de maneira a desenhar uma nova plataforma de diálogo com a população. Além disso, novas formas institucionais de participação se consolidaram nos diversos níveis de governo, o que culminou no crescimento expressivo dos conselhos tripartites, fóruns e câmaras deliberativas, entre outras que contaram com o envolvimento direto da comunidade. No entanto, a participação cidadã ocorre numa sociedade extremamente desigual na qual o poder material e simbólico molda a qualidade do processo como um todo. O Projeto dos Protagonistas, elaborado pela Prefeitura de SBC, mostra as contradições enraizadas nos processos participativos: altos níveis de desconfiança e influência; decisões pautadas pela emoção, individualismo, imediatismo, desresponsabilização, etc. A visão romântica do protagonista racional de espírito coletivo perdia força na medida em que emergiam características de comportamento social incapazes de provocar as mudanças desejadas contidas nos nossos planos de cidade desejada. Apesar desse quadro, é possível descobrir exemplos potentes de “ação anticíclica” provocada por alguns governos, mas principalmente pela própria sociedade. Com esta perspectiva mais complexa da participação cidadã contemporânea, a mesa objetiva discutir os limites e potencialidades dos processos participativos, seus alcances e alternativas, assim como as novas esferas de inovação demandadas face às exigências da cidade do século XXI.
Moderador: JEROEN KLINK Universidade Federal do ABC-UFABC
ANGELA ALVES DA SILVA ROCHA Convidada da sociedade
JAIRO JORGE DA SILVA Prefeito de Canoas/Rede Brasileira de Orçamento Participativo
GIOVANNI ALLEGRETTI Universidade de Coimbra
EVELINA DAGNINO Universidade de Campinas
YVES CABANNES University College London
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Jeroen Klink: Boa tarde a todas as pessoas presentes. O tema aqui, hoje à tarde, é um tema complexo. De um lado, nós já presenciamos muitos avanços na parte de gestão participativa e ao mesmo tempo permanecem questões complexas. De um lado, como é que você implementa uma estratégia de radicalização da participação numa sociedade desigual, onde a questão do poder vai além de meramente o poder financeiro, poder simbólico, alocação de capital cultural, poder simbólico distribuído de maneira desigual. Enfim, além disso, estamos lidando com o desafio de aperfeiçoar essa estratégia de participação, ou seja, articular as estratégias de participação com o espaço/tempo, ou seja, como é que você vai lidando com participação no espaço complexo da cidade que exige, portanto, você articular atores, escalas, setores, e, portanto, isso exige aprimorar as estratégias existentes. E por fim, quase no sentido do Boaventura dos Santos,
como você articula também os tempos, como você articula de forma inteligente o curto prazo e longo prazo, como alongar o horizonte do planejamento a partir da experiência concreta na cidade. Nós temos várias questões complexas e tenho certeza que nossos expositores vão dialogar com esses temas. Eu já queria começar, inclusive agora ressaltando mais uma vez a inovação de que essas mesas desencadearam todo um processo de participação da própria cidade e agora, uma representante da sociedade civil, a Ângela, das Mulheres da Paz, ela vai relatar a experiência dela. Então, por favor, Ângela. Ângela da Silva Rocha: Boa tarde a todos e todas que se encontram aqui. Eu quero cumprimentar a mesa e dizer, também, um muito obrigada a Secretária de Orçamento, à Nilza, pelo grande prazer de estar aqui com vocês e assim, quando eu mandei o texto junto com a Samanta Rodrigues, que
44 se encontra na plateia, nós duas construímos o texto, falamos “vamos participar”, o tema é esse, “participar”, sem pretensões, apenas colocamos lá o que sentimos no coração e o que fazemos na nossa comunidade, que é a Vila São Pedro, que fica dentro do município de São Bernardo do Campo. Sentamos e passamos duas tardes longas e construímos o nosso texto. E quando a Nilza me liga lá em casa dizendo que foi selecionado, mas que prazer! Foi uma emoção grande mesmo de ver esse trabalho ser selecionado e ter essa oportunidade de representar, porque aqui estou representando a muitos que fazem parte desse programa Cidade de Paz, incluindo o projeto Mulheres de Paz. Então aqui eu estou com a minha voz e com meu corpo em representação, mas representando a muitos que compartilham desse programa aqui dentro da cidade de São Bernardo do Campo, que é construído com a Secretaria de Segurança e com a prefeitura de São Bernardo do Campo, o Luiz Marinho, a Nilza, sempre dão todo apoio para gente. Eu gostaria de destacar também a participação de Samanta Rodrigues. Apesar de ela estar lá na plateia, ela está aqui no meu coração e eu gostaria de falar assim “que ela é estudante de licenciatura em Ciências Biológicas no Instituto Federal, é técnica em Meio Ambiente e é agente de leitura” e foi ela como agente de leitura e eu como agente de paz que nós construímos essa história que vamos mostrar para vocês aqui. Não dá para mostrar tudo, porque fazemos muitas ações no bairro, temos mesmo participação cidadã, então eu fiz um resumo em slides e vou apresentar para vocês agora esse resumo para que vocês vejam a história da nossa participação. Então, vamos falar da “Cidade de Paz”. Em nossas reuniões, nos nossos encontros, porque não falamos reunião, falamos encontros, sempre começamos com inspiração e é assim que eu quero começar com vocês, com inspiração. “Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos”, porque é assim que a gente compartilha nosso trabalho. É o Cidade de Paz que fica no território Montanhão que contempla
Vila São Pedro, Vila Esperança e Jardim dos Químicos. E foi assim que tudo começou no Cidade de Paz. Projeto Mulheres de Paz e sonhos, encantamentos e ações, que é como fazemos nossa participação no bairro. Mulheres de Paz: Essa imagem mostra algumas das mulheres que participam, porque lá no bairro foram 120 mulheres que participaram do projeto, que foram capacitadas para ser agentes de paz, agentes dentro do nosso bairro, então eu queria contemplar a todas. Esse é o grupo de Desenvolvimento Local que pode ser chamado de rede, porque, na verdade, lá é uma grande rede que quando vai fazer as ações, a gente se reúne e cada um sai com sua tarefa de fazer as ações. Essas pessoas, algumas moram no território, umas são da gestão e assim, a gente constrói, somos nós lá da comunidade da Vila São Pedro junto com a gestão, porque assim, eu acredito nessa possibilidade de fazer essa participação em conjunto. Quando falamos em todos juntos, a gente não fala apenas nas pessoas da comunidade, a gente fala todos e todas com relação à gestão também, que nos dá uma oportunidade imensa enquanto sociedade civil. Quando participamos de UPs, de fóruns e plenárias, estarmos construindo políticas públicas junto com a gestão. Essas são algumas das ações que a gente desenvolve no nosso território que é a Caminhada pela Paz na Adversidade, o Carnaval do Mulheres de Paz, que a gente já fez, Fórum do Mulheres da Paz, Dedinho de Prosa, Multidão cuidando da Vila São Pedro, Cidade de Paz, Feira de Trocas, Leitura na Garagem entre outras. Caminhada pela Paz na Adversidade: já estamos na nossa segunda caminhada, fizemos a primeira que foi essa daí e já fizemos a segunda também e daqui uns dias a gente constrói a terceira. O Carnaval do Mulheres de Paz, é quando a gente se reúne lá com a comunidade e nós temos nosso território, nosso espaço que a gente faz nossas atividades lá e também para nossas diversões, nossos encontros assim com essa alegria e sempre no intuito de estar
45 conscientizando a comunidade na construção de compartilhar coisas boas no bairro. O Fórum local de Mulheres de Paz: isso é muito importante, mas assim, a rede de desenvolvimento local, a gente se encontra vemos as ações mais prioritárias, os assuntos que são mais urgentes no bairro, e a gente sempre fala que o Projeto Mulheres de Paz, a gente não está lá para resolver o problema, a gente não está lá para tirar a violência do bairro, a gente está para fazer a prevenção e para fazer a prevenção e para pensar na comunidade não temos que pensar pelos outros, a gente tem que saber também o que eles estão querendo. Então, já vamos construir nosso terceiro Fórum Local, a gente sempre tem uma temática no fórum seja da saúde, da segurança ou qualquer outro assunto pertinente no bairro. A gente chama as pessoas para fazer essa discussão com a comunidade, não para trazerem demandas, porque esse não é o intuito do Fórum. O Fórum é onde faremos tudo juntos, fazemos grupos de trabalho e lá discutimos ações. O Dedinho de Prosa e um grupo de mulheres que levam assuntos que podem conscientizar essas mulheres. A gente fala sobre várias pautas, sobre a violência doméstica, sobre a questão de gênero ou mesmo, essa apresentação foi para um grupo de alunos do MOVA que tem também a gente faz essa participação. Eu sou a articuladora do MOVA. A gente tem esses alunos e tentamos prepará-los para ser protagonistas numa sociedade que pode ser mais igual. Eles não tiveram oportunidade de estudar antes, mas agora estão tendo, então a gente faz essa inclusão social e também proporciona a essas pessoas o quanto é bom ler e escrever e deixá-los livres para traçar o caminho deles. O Mutirão Cuidando da Vila São Pedro foi uma ação muito bacana que a gente fez lá no nosso bairro, porque assim, tem lixo? Tem coisas jogadas? – Ah, deixa que o caminhão de lixo passa. - Não! - Deixa que nós vamos lá e vamos cuidar. Vamos fazer um encontro, vamos chamar as crianças para conscientizar os adultos e vamos fazer esse mutirão,
onde nos encontramos no oleoduto que é um espaço marco na Vila São Pedro, onde ocorriam as festas e outros acontecimentos. Sempre é lá. A gente fez na Rua Nelson Mandela, a gente plantou árvores lá na Nelson Mandela junto com as crianças, fizemos um grande piquenique, pegamos sacos de lixo, recolhemos resíduos e deixamos tudo limpo, e a sociedade, a comunidade, viu a gente fazendo aquilo e ficaram mais conscientes e, quem sabe, até envergonhados de deixar aquela sujeira lá. Então a gente busca também essa conscientização. O quintal Cidade de Paz, esse é o nosso xodó, podemos dizer, porque é um espaço que antes era um lixão, ninguém usava, ficava lá à toa. Junto com a gestão, teve reuniões com a comunidade e falamos “vamos fazer o quintal do Cidade de Paz”. Vocês estão vendo as fotos de como tudo foi construído e lá nós fazemos muitos encontros com as crianças, roda de leitura, piquenique com as mulheres, enfim, a gente usa esse espaço, as crianças brincam. Então, é assim que funciona lá. Esses são os brinquedos que foram construídos também com a comunidade, não é que a gente chegou na prefeitura e pediu um parquinho pronto, não! A gente quis fazer esse quintal, a gente quis ter o pertencimento desse quintal, ou seja, vamos pegar toras de madeira, vamos pegar pneus, pegar coisas recicláveis e vamos colocar esse quintal para funcionar. A Feira de Trocas: junto com a Samanta que teve essa brilhante ideia, chamamos outras mulheres que estavam lá e a gente resolveu trocar “você tem alguma coisa, quer trocar comigo?”, “quer consertar uma roupa?”, etc., porque ali você tira aquela mulher de dentro de casa, a gente tira aquela pessoa que está lá muitas vezes só na frente da televisão ou só nos afazeres de casa e a gente traz elas para esse encontro prazeroso onde entra uma conversa e outra, a gente fala de vários assuntos, e de políticas públicas. Enfim, a gente deixa essas mulheres com encontros bem prazerosos. A Leitura na Garagem: a gente, nas férias ou quando dá um tempo, num sábado a gente chama a
46 criançada, leva lá na garagem e coloca essas crianças para lerem. Então, a Samanta como agente de leitura, através da Secretaria de Cultura, unimos agentes de paz e agentes de leitura, chamamos a criançada da vizinhança, colocamos na garagem com pipoca, suco e vamos ler, vamos pôr essa criançada para ler. Esse é um dos convites que foram feitos pelo Cidade de Paz que nos mostra bastante o que a gente fala nas nossas reuniões que é os encantamentos, todo mundo junto e misturado, conviver, mudar, sonhar. Isso é muito bacana. E para finalizar, eu gostaria de deixar essa reflexão com vocês “Nunca duvide de um pequeno grupo de cidadãos conscientes e interessados que possa mudar o mundo, afinal, foi isso que sempre aconteceu”, ou seja, eu acredito muito. Não estou aqui enquanto salvadora da pátria e nem quanto pretensiosa em dizer que “eu vou conseguir mudar o mundo”, mas eu acredito que quanto mais grupos tiverem, quanto mais cidadãos tiverem engajados e fazerem essa participação em sair do cenário de só reclamar, de só ver o que está de errado e começar a ser protagonista do seu bairro, a mudança começa no bairro, vai pro município e vai pro mundo, então, quando você muda, você muda a vida de outras pessoas, porque foi assim que aconteceu comigo. Eu mudei, não que seja errado ser uma simples dona de casa, mas de simples dona de casa eu passei a ser cidadã participante e assim, eu vejo uma realidade a questão da solidariedade, do que é possível fazer junto, sozinho a gente não consegue. Todos a gente consegue sim fazer essa diferença, a gente consegue estar em muitos lugares. (aplausos) E assim, eu deixo para vocês essa minha simplicidade de querer estar sempre junto do meu povo, de sempre acreditar que tudo é possível e que não existe fórmula, não existe mágica para que as coisas melhorem, para que o Brasil melhore, mas se você sair do seu conforto e procurar fazer isso, com certeza vamos obter ótimos resultados e vamos sair dessa palavra que se diz “crise”, como se crise fosse só culpa de outros, muitas vezes, não é. Então, a
gente tem que estar junto e misturado, fazendo mudanças e participando sim. Obrigada, gente. (aplausos) Jeroen Klink: Muito obrigado Ângela. E assim, já queria passar a palavra para o prefeito Jairo Jorge. Prefeito Jairo Jorge: Boa tarde a todos e a todas, quero em primeiro lugar agradecer aqui o convite, meu querido amigo, prefeito Luiz Marinho que é um dos mais competentes, mais inovadores prefeitos do nosso país; é uma honra para mim. Tive a oportunidade de trabalhar com ele no primeiro mandato do presidente Lula, ele como Ministro do Trabalho, eu participava da equipe do Ministério da Educação e é uma honra estar aqui hoje nessa administração privilegiada, avaliada, junto com a minha querida Nilza de Oliveira, secretária, sempre inovadora nas suas metodologias, vocês têm um dos processos de Plano Plurianual, um dos melhores do país, senão o melhor, na minha opinião, e sempre inovadora também na metodologia. A fala da Ângela representa essa inovação. Eu queria também saudar e agradecer muito o convite. Há uns onze anos atrás eu estive aqui, na época como secretário executivo adjunto, o secretário executivo era o Fernando Haddad, o ministro Tarso Genro para ajudar a coordenar a Universidade Federal do ABC. Fico muito feliz que hoje o senhor Jeroen representa aqui a universidade e a gente poder ver esse sonho, sonho do presidente Lula e de tantos de vocês que aqui estão se tornar realidade e é uma honra voltar onze anos depois e estar aqui. Queria também saudar o Yves, o Giovanni, a Evelina, a Ângela que temos a honra de participar dessa mesa conjuntamente. Eu queria trazer uma apresentação, vou tentar ser bastante telegráfico aqui, para cumprir meu prazo, meu tempo, e queria começar com uma frase do presidente John Kennedy, uma frase muito interessante, que seria dita no discurso que não foi proferido, seria o discurso que ele faria exatamente no dia em que ele foi assassinado. E é interessante,
47 porque ela ainda é muito atual. Ele diz que “num mundo de problemas complexos a contínuos, a liderança deve se orientar pelas luzes do aprendizado e da razão”, ou seja, a liderança deve se orientar pela sabedoria, pelo bom senso. Deve se basear pelo conhecimento. Deve se basear pela capacidade de diálogo com a sociedade. Cada vez mais os problemas são complexos e são contínuos. E esse tipo de liderança é que nós precisamos. Nós vivemos tempos hoje de ignorância e irracionalidade e, portanto, essa luz, essa chama, que é a chama da sabedoria, a chama do conhecimento, todos os líderes devem portar. É claro que trago aqui dois líderes do sec. XX, Lênin e Martin Luther King, líderes diferentes, com ideias diferentes objetivos comuns, mas vejam líderes que falavam para massa numa estrutura vertical, hierarquizada, mas hoje, no sec. XXI, nós temos um outro tipo de liderança que emerge, aqui não há líderes, todos são líderes e é esta emergência, é esta insurgência que nós precisamos observar no novo tipo de liderança, uma liderança que seja movida, sim, pela sabedoria, pelo conhecimento, pelo bom senso, pela inteligência, mas uma nova liderança, horizontal e em rede. Nós vivemos hoje um tempo de crise, nós vivemos uma crise. Uma crise política, uma crise ética, uma crise econômica. Três crises nesse momento. Mas eu prefiro olhar a crise ou escrever sobre a crise como fazem os chineses que escrevem a crise assim: são dois ideogramas onde o primeiro é perigo e o outro é oportunidade. Como é que nós vamos olhar para a crise? Vamos paralisar diante dela apenas como perigo ou nós vamos enxergar as oportunidades? É hora de nós enxergarmos as oportunidades e essas oportunidades estão aqui diante de nós, porque hoje há um desencanto das pessoas com a política, há um desencanto radical e um ceticismo das pessoas com a política e diante desse desencanto precisamos enxergar oportunidade. É claro que existe o perigo, o nosso país já viveu o perigo quando nós vivemos a ditadura. Quando a minha geração, da Nilza, do Marinho se uniu com a geração do Lula e tantos
outros líderes para redemocratizar esse país. Mas hoje, a minha geração junto com jovens que estão aqui, essa nova geração que emerge, nós precisamos enxergar essa oportunidade a partir de uma nova liderança. Eu prefiro pensar como a grande escritora, Clarice Lispector: “Liberdade é pouco, o que eu desejo ainda não tem nome”. Talvez o que todos nós desejamos ainda não tenha nome e liberdade é pouco para nós, nós que já conquistamos a liberdade, nós que conquistamos direitos, nós que avançamos na democratização desse país e também na distribuição de renda, mas diante disso, precisamos reencantar as pessoas e eu acredito que nós vamos reencantar as pessoas é na polis, é na cidade, a mãe da política, e para isso nós precisamos, na minha opinião, dessacralizar a autoridade que muitas vezes está numa redoma de vidro e nós precisamos quebrar essa redoma e, para isso, precisamos ter uma gestão focada no cidadão. O cidadão tem que estar no centro da nossa gestão, a cidadã tem que estar no centro da nossa gestão. É claro que muitos falam que o cidadão é um cliente, mas para aqueles que acham isso, eu devolvo. Não! O cidadão é um acionista, para usar essa linguagem de mercado, que alguns preferem. O cidadão tem esse poder dual, então, nós nunca vamos ter o Estado à luz da iniciativa privada, essa é a diferença do Estado, porque nós cidadãos, nós consumimos sim o serviço de uma prefeitura, mas nós votamos no prefeito, nós decidimos os caminhos de uma cidade e esta diferença precisa ser compreendida, porque senão só o choque de gestão, como alguns pensam, não será suficiente. Nós precisamos mais, precisamos nesse momento de um choque de participação, mas é claro que as duas coisas se combinam, gestão e participação. Porque se fizermos gestão sem participação é tecnocracia e nós sabemos o que são governos tecnocratas, nós vivemos já nesse país e ainda vivemos em alguns lugares governos tecnocratas. Mas também sabemos que um governo com participação e sem gestão é um populismo e nós já passamos pela
48 experiência do populismo e não queremos também um populismo, queremos sim gestão com participação. Uma gestão que leve à eficiência, fazer o certo, a eficácia, mas principalmente e aí a diferença entre o público e o privado: a efetividade. Fazer o certo com o objetivo certo. E quem decide o objetivo certo nas nossas prefeituras, nos nossos governos? É a sociedade. Portanto, a efetividade é palavra-chave para um governo focado no seu cidadão. Nós temos que ter esse cidadão no centro, e de que formas? Eu queria apenas lembrar que no sec. XX nós tínhamos a universalização, todos queriam o posto de saúde, todos queriam uma escola de educação infantil, mas hoje, nós precisamos personalizar os serviços públicos. As pessoas não querem ser um número, as pessoas não querem ser uma massa, as pessoas querem ser respeitadas na sua individualidade e foi isso que levou milhares, milhões de pessoas às ruas do Brasil em junho de 2013. Esse é o sentido da jornada de 2013. As pessoas querem serviços públicos melhores, elas querem ser respeitadas, os serviços precisam ser personalizados. E para isso, na minha opinião, eu comungo da opinião do Marinho que também tem essa mesma crença de que nós temos que radicalizar a democracia. E radicalizar a democracia significa ter uma visão sistêmica porque cada um quer participar do seu jeito, cada pessoa tem a sua contribuição e é desta maneira que nós construímos a experiência de Canoas que eu vou tentar aqui de uma forma telegráfica mostrar: Cada bolinha dessas é uma porta, é uma ferramenta. Nós temos 13 ferramentas diferentes, 13 formas diferentes, porque existem aqueles que gostam de participar de uma reunião como a de hoje, mas outros preferem participar das redes sociais; alguns preferem reivindicar, mas outros preferem trazer soluções; alguns querem pensar o aqui agora e outros, pensar o futuro daqui vinte anos. Essa diversidade, essa pluralidade é que marca a sociedade brasileira e que marca as nossas cidades. Por isso, nós devemos ter diversas ferramentas. Ferramentas para demandas coletivas, como o
nosso Orçamento Participativo que surgiu lá em Porto Alegre, Santo André e tantas cidades, e que transformou a gestão do orçamento público. Hoje já são mais de três mil cidades no mundo que tem o orçamento participativo. O nosso “Orçamento Participativo”, onde o cidadão escolhe obras, que teve nesse ano passado 17.877 cidadãos no ano anterior, 24.654 pessoas são formas de participação. Segundo, as “Plenárias de Serviços Públicos” para que o OP (Orçamento Participativo) não seja contaminado com a avaliação do serviço. O terceiro elemento, “Polígonos Empresariais, para que a gente possa discutir como é a realidade dos trabalhadores nas regiões industriais, porque muitas vezes os serviços são excelentes nos bairros, mas nós pecamos nas regiões industriais onde vivem os trabalhadores e passam a maior parte do dia. E também “Um Bairro Melhor”, um projeto onde o cidadão destina 50% do seu IPTU para um projeto feito pela sociedade, administrado pela sociedade. Portanto, também uma forma de participação. Ferramentas de demandas individuais, que são muito importantes. O problema na frente da casa de um cidadão é o mais importante para ele e, por isso, nós temos o Prefeitura na Rua. Amanhã, sábado, nós vamos fazer a edição 259. São 259 sábados onde nós vamos. Toda a administração na rua, não é um lugar fechado, protegido. Não! É realizado na rua, é aberto para que as pessoas possam cobrar, reivindicar, propor. São mais de 26 mil pessoas que já participaram. Ou o Prefeito na estação, no metro, que eu faço todas as quintasfeiras, das 6h15 às 8h30, ouvindo também as críticas do cidadão com humildade, o que é muito importante. Mas também a audiência pública no meu gabinete para que as pessoas possam trazer a crítica, a sugestão, a reivindicação, ouvida sempre com atenção. E por fim, mais uma ferramenta que queremos apresentar, a ferramenta colaborativa, as redes sociais estão aí, a Ágora, é uma interação que realizamos todas as semanas e onde as pessoas
49 participam através das redes sociais. Temos outras ferramentas importantes, são as ferramentas de elaboração estratégica, o nosso congresso da cidade onde definimos o projeto da cidade até 2021, de 2011 a 2021. Um mapa, não feito apenas por especialistas. Foram 3.825 pessoas que desenharam e que pensaram o futuro da cidade. Um exercício complexo! E também o PPA, não tão bem desenvolvido quanto o da Nilza, como o que vocês fazem aqui, mas também pensando os quatro anos. Fizemos em 2009 e depois em 2013. Também fizemos as discussões setoriais, seja na Saúde, definindo projetos para daqui a quatro anos, na Segurança Pública ou também na Educação onde fizemos um plano de desenvolvimento pensando em até 2022, quando nós estaremos completando o bicentenário da nossa independência. E nós queremos chegar no IDEB no mesmo padrão dos países desenvolvidos; ou também no Meio Ambiente, discutindo ferramentas de elaboração coletiva, mas também ferramentas de concertação, mais clássicas e mais tradicionais como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que tive a honra de participar no primeiro ano do presidente Lula, que foi muito importante para o governo do presidente Lula e que temos e que vamos já para a 40º reunião. São espaços de concertação. Ou os 33 conselhos que nós temos, e que todas as cidades têm, e precisam ser empoderados; nós temos a Casa dos Conselhos onde o cidadão tem o mínimo de estrutura (o empoderamento) para que ele possa cobrar, fiscalizar, exercer o seu mandato como um conselheiro. Eu quero encerrar falando disso, concluindo com o ceticismo. Hoje há um ceticismo na sociedade. E esse ceticismo leva muitas pessoas a perder a esperança. A desesperança é hoje uma palavra que corre, muitas vezes, na boca de muitos. Mas nós precisamos ter esperança. O presidente Juscelino Kubitschek dizia que política é esperança. Mas eu ouso dizer, não há esperança sem a política e é tendo esperança, acreditando na política que nós vamos
transformar o mundo, que nós vamos radicalizar a democracia. Eu quero dizer a vocês, eu tenho orgulho de ser de esquerda. Eu tenho orgulho de integrar o meu partido, que é o Partido dos Trabalhadores porque nós vamos fazer e continuar fazendo a diferença nesse país. E eu queria encerrar dizendo a vocês, uma última frase, que é um momento muito importante. Ontem, como vocês sabem, completamos 16 anos da morte de Dom Helder que foi uma figura que nos motivou, que nos iluminou. Lembrando um pouco Dom Helder, lembrei de uma frase de Santo Agostinho. Santo Agostinho dizia que a esperança tem duas filhas: a indignação e a coragem. A indignação para ver o que precisa ser alterado, mas a coragem para fazer as transformações. E é com indignação e coragem, mas principalmente com esperança que nós vamos ampliar a democracia participativa. Nós vamos radicalizar a democracia e nós vamos transformar o Brasil cada vez mais num exemplo de democracia participativa para o mundo. Muito obrigado! (aplausos) Jeroen Klink: Muito obrigado, prefeito. Bom, nós já vamos já direto para a exposição do Gioavanni. Giovanni Allegretti: Boa tarde a todos e a todas. Estou feliz de estar numa mesa com representantes mulheres, que faltavam um pouco na mesa anterior. Eu sei que não é culpa dos organizadores, mas a diversidade é sempre um prazer e um princípio básico da Participação. Por que digo isso? Porque a primeira coisa que eu queria dizer, não era uma falta de respeito aos organizadores. A primeira coisa que eu queria dizer é que quando falamos de Participação, acredito que necessite falar alto em dizer sobre o que estamos a falar. E para mim, a minha visão da participação, é de um anticorpo da democracia representativa que trabalha num trabalho de complementaridade e mútuo apoio e mútuo controle com ela. Então uma pequena história, eu coloquei no Facebook a foto da primeira sessão e depois em dez minutos me respondeu uma
50 colega sueca dizendo que tinha denunciado o painel para uma associação que existe na Internet de painéis todos masculinos, onde se denunciam todas as conferências que têm painéis somente masculinos (risos). Só para dizer que é isso que eu vejo como a interação entre a sociedade e a democracia representativa, são momentos em que nós controlamos constantemente para termos resultados melhores. E foi tão rápido o resultado que a segunda mesa já tinha muitas mulheres. (risos)
tenho que apontar lá e olhar para lá, vou ficar estrábico no final! (risos)
A democracia representativa tem necessidade absoluta hoje, como o prefeito Jairo mostrou, da democracia participativa. Não é um caso, esses são os dados da abstenção em Portugal, 53%; 63% nas Europeias, 53% nas presidenciais. Em Portugal obviamente o voto não é obrigatório, como podem imaginar. Por isso o partido socialista no seu programa das eleições do 04 de outubro desse ano tem, em um dos seus primeiros pontos, o orçamento participativo em nível nacional, se eles ganharem as eleições. Uma coisa eu diria: a primeira no mundo e uma coisa que será difícil a fazer; é uma daquelas promessas que será impossível não fazer se os socialistas ganham, agora como? Eu acredito que a única maneira será construir em conjunto com a sociedade; a maneira de construir esse processo.
A primeira ideia é que a democracia participativa hoje precisa expandir-se sem diluir-se; esse é o grande problema dos orçamentos participativos, que hoje são mais de três mil no mundo. Na verdade, nós calculamos nesse estudo de 1.200 a 3.000. E por que? Porque muitos são tão fracos que para nós nem responde na definição de orçamento participativo. Então, digamos, essa diferença entre os dois números representa um pouco a qualidade dentro da quantidade. Necessita também redefinirse. Para redefinir-se, a democracia participativa necessita, dado que tenha se tornado quase uma palavra que quer dizer tantas coisas que acaba não querendo dizer nada. Precisa primeiramente reconhecer que existem formas diferentes e complementares de participação. Eu gosto dos termos que usa Pedro Ibarra, ou seja: “as práticas de participação por irrupção, que são uma grande família em que as pessoas ocupam espaços porque não sabem onde levantar a sua voz”. O espaço pode ser a rua, pode ser a Internet, podem ser edifícios ocupados e restaurados. E depois, tem as práticas por convites, que são as práticas onde os cidadãos tem um espaço aberto pelas instituições, onde podem participar.
Também queria denunciar a minha visão da participação que está conhecida como um cidadão de um processo participativo de Cascais, em Portugal, que me contou: “para mim a participação é como um amor, permite fazermos juntos coisas que nunca seriam possíveis fazermos sozinhos”. E essa ideia é interpretada muito bem no logotipo que vem ao lado, que é o logotipo das Co-Cities, das cidades para os bens comuns, que é: “dois mais dois é igual a cinco”. Isso para dizer, passar a ver alguns dos desafios que para mim hoje a participação tem. Você era um pouco normativo provavelmente, ou seja, sem matizes, mas o tempo e o respeito dos colegas obrigam a isso. Também o Powerpoint foi feito quando eu achava que teria meia hora, mas agora que tenho metade, deverei correr. Desculpe,
Naturalmente, essa segunda tipologia sofre muito daquilo que o Boaventura Santos e o Leonardo Avritzer definiam como “a dupla patologia das democracias liberais”, ou seja, se as pessoas não têm confiança na democracia representativa, muitas vezes nem participam porque acham que gastam tempo para fazer alguma coisa que não produz resultados quando somos tão pequeninos, não serve para nada. E então, como ia dizer, a crise de uma atrai a crise de outra. Temos também que lembrar uma coisa, a participação nasce num quadro de construção social da realidade. Não são só as coisas que fazemos que são importantes; são também as percepções que todos temos dentro dos processos participativos. É uma coisa que eu escrevi em um texto da Fundação Paulo Freire, organizado por
51 Kátia Lima, que vocês podem encontrar na Internet. Eu tentei descrever todos os erros que muitas vezes se fazem nos processos participativos quando se ignoram as sensações e as percepções de quem está dentro do processo. Ou seja, quando as autoridades políticas e os técnicos se organizam no processo sem pedir um feedback ao cidadão; sem perguntar o que eles provam dentro do processo, se gostam, se não gostam, o que é errado. E eu acredito que quando isso não acontece os processos podem ser suicidas, podem ser bumerangues, até para a política que tem feito grandes esforços para organizá-los. Então, essa fórmula que eu traduzi de um discurso de um prefeito que fez um orçamento participativo na República Dominicana, que diz que a satisfação é maior ou igual aos resultados menos as expectativas, é uma fórmula que temos sempre que ter na cabeça quando organizamos um processo participativo. Por exemplo: no caso português, esse é um ciclo de um orçamento participativo, tradicionalmente, nos orçamentos participativos co-decisórios, os cidadãos participavam de duas fases: a fase das propostas e a fase da votação. As outras fases tinham outros protagonistas; burocratas, políticos, etc. Então, lentamente, escutando a população, os processos participativos portugueses têm tornado decisórios praticamente todas as fases ultimamente, porque muitos deles dizem ter se dado conta da sua importância. Vou só descrever uma fase, aquela da análise técnica, que até três anos atrás se desenvolvia assim: os técnicos analisavam nossa proposta e diziam... “é viável”, “não é viável”. Passada a fase de votação, reprovada! Isso para o cidadão era uma grande ofensa. As propostas reprovadas eram uma humilhação para quem as tinham feito; fiz um estudo em Portugal e nenhuma destas propostas reprovadas reapareciam um ano depois. Enquanto as propostas que chegavam na votação e não eram votadas, reapareciam, para tentarem lutar de novo. Então, agora o que acontece: em muitos orçamentos participativos a fase de análise técnica se faz assim: “propostas a
fazer” e “propostas a revisar”. Chama-se os proponentes, trabalha-se com eles até a proposta se tornar viável e todas as propostas aparecem na lista das propostas em votação, porque agora são todas viáveis. Esse é um espaço de aprendizado enorme para o cidadão, para transformar as suas propostas e entender os constrangimentos com que as instituições trabalham. Uma coisa que na Europa diferencia muito os processos participativos daqui dos latinoamericanos é a presença de personagens externas, que se definem as vezes neutras, mas não é essa definição que eu amo. Ou seja, personagens que fazem a moderação, que tentam manter uma distância igual das instituições e dos cidadãos; então, profissionais, normalmente. É uma forma, se queremos também de profissionalizar ou burocratizar, podemos ver de diferentes formas a participação, mas é interessante refletir nela. Sobretudo, com as palavras do Luigi Bobbio que diz que o grande erro que foi feito por essas figuras profissionais é o de imaginá-las neutras, frias, distante de todos. Ele diz: “um moderador tem que ser quente, empático com todos os atores, ele tem não que visar a equidistância mas visar a equiproximidade”. Eu acho que é muito importante para revisar a forma com que nós introduzimos figuras profissionais dentro dos processos que tem um objetivo. O objetivo é: de um lado ajudar a preservar as memórias do processo, evitando, por exemplo, o excesso de cargos de confiança dos processos participativos que morrem junto com uma administração e não mantém memória da participação no corpo técnico; e também para evitar algumas das críticas de partidarização que são feitas quando os técnicos e funcionários públicos são postos de lado e os seus papéis dentro do processo participativo são todos pegos por cargos de confiança, por exemplo. Nesse sentido, para construir uma resiliência dos processos participativos, necessita uma capacidade de adaptação ao mudar de contexto. Entre outras coisas, eu acho que é muito importante, que sempre
52 se tem feito no Brasil e que na Europa não é minimamente regra, é aquela de revisar as regras dos processos junto com os cidadãos. Mas aqui tem um problema. Não temos que pensar que os cidadãos são sempre bons, porque têm muitos casos, tem textos que analisam - por exemplo, os últimos oito anos do orçamento participativo de Porto Alegre que saiu esta semana na França, de Simon Angelie - que mostram como não pôr atenção no momento de revisão de regras pode deixar espaços à lobbies da cidadania que vão criando clientelismo social dentro dos processos participativos. Então é aqui, que por exemplo as instituições, têm que intervir para pôr atenção nessas coisas. E é aqui que se torna mútuo aquele controle entre os cidadãos e as instituições.
informação e tantas outras coisas, mas não comunidade. Então os objetivos têm que ser coerentes com as metodologias. E aqui temos que reconhecer que muitos objetivos não se obtêm como um efeito colateral. As vezes erramos pensando que um processo participativo é em si um processo de inclusão social; não é verdade. Ter uma sala assim e pedir às pessoas: - “falem, são todos livres para falar”. Queria dizer que se reproduzem muito das injustiças e diferenças de poder que estão lá fora, no mundo real, fora da participação. Então, o que é importante é construir metodologias que possam desafiar e essas metodologias as vezes passam pela separação. Atores que para serem mais fortes frente aos outros necessitam de um período em que são formados separadamente dos outros.
Um outro elemento que é fundamental é que os processos participativos podem ter múltiplos objetivos. E as vezes temos que fazer escolhas, não se pode começar querendo mudar o mundo todos juntos, temos que começar de algum lugar. Por exemplo, na Suécia, onde eu trabalho com a associação de municípios, quando eu perguntei por que eles queriam fazer orçamento participativo num país com 85% de confiança nos políticos, o presidente da associação me respondeu me mostrando um gráfico. Esse gráfico é o gráfico de como os países enfrentam a relação entre os valores tradicionais (pátria, família, religião, etc.) e a auto expressão do indivíduo. E aqui a Suécia é o país que mais tem expressões dos indivíduos e menos tem valores tradicionais. Ele dizia: “No olhar de muitos, isso é um grande ganho da Suécia; para nós é o grande problema da Suécia. Não ter uma sociedade unida, que dialoga; ter só um monte de indivíduos”. Muitas vezes nós idealizamos esses países e para eles esse é o problema, então os processos participativos para eles servem para reconstruir o tecido comum. E para isso tem instrumentos específicos, por exemplo, não podem usar - como pensava o presidente no início - a banda larga, porque banda larga não é um espaço onde se constrói comunidade; é um espaço onde se constrói
Queria também dizer, dando os últimos pontos, que é necessário repensar a participação principalmente como um processo pedagógico de aprender fazendo. Eu gosto muito da frase da Maria Neivas, onde diz que: “a participação é aquele espaço compartilhado onde acabamos encontrando pessoas com que nunca normalmente gostaríamos de compartilhar um minuto”. Se quisermos sempre falar com nossos amigos que pensam como nós não estamos fazendo um serviço às políticas públicas. Temos que basearnos naquilo que é chamado de “equivalência das inteligências”. Primeiramente, antes de poder trabalhar com os outros temos que reconhecer que os outros valem tanto quanto nós. E que as suas ideias têm que ser discutidas no conteúdo e não numa fórmula de contraste, de divisões. Por exemplo: tem uma definição muito bonita da esquerda que dá um Michelle Serra e Marco Revelli, na Itália, que é “...a esquerda é aquele espaço em que temos que desafiar a nossa capacidade de mostrar ao mundo a complexidade e ao mesmo tempo enfrentá-la tornando-a compreensível”. Eu acho que isso é também a definição que poderíamos dar da participação, porque se nós fingirmos que o mundo é simples nós não vamos resolver os problemas e depois tem que intervir um político eleito que diz “não, eu fui eleito para isso” e então
53 de forma autoritária impõe a solução, porque não tem sido reconhecida a possibilidade de trabalhar os conflitos anteriormente para chegar à solução. E outra coisa que isso quer dizer é que a participação é sempre feita de dois ciclos: um de decisão e outro de realização. Se esquecemos o segundo ciclo, nós não vamos ter mais ninguém no próximo ano a participar, porque uma participação que não produz resultado é um gasto de tempo para o cidadão e produz este efeito.
pode convidar um deputado nacional do parlamento e levá-lo a sua casa para jantar, e eles chamam isso de processo de participação. Não se pode reproduzir o clientelismo naquele espacinho onde a família come e começar a dizer “estamos sem trabalho, por favor, não sei o que...”. Ou seja, aqui falta um elemento fundamental da participação, que é a publicidade; o que está acontecendo lá? Vai ser em streaming o encontro com a família? Quem sabe poderia ser uma solução para melhorar.
Uma última coisa que eu queria dizer é esta: a participação requer publicidade e responsiveness (reatividade, receptividade). O que são essas palavras? Responsiveness é a resposta dada individuando claramente as responsabilidades para as soluções dos problemas, mas também dada em tempos que são aceitáveis para os cidadãos. Por exemplo: na região onde eu trabalho - essa é uma coisa que pela primeira vez prestei atenção à minha biografia e me dei conta de que não tinha uma parte que para mim hoje é fundamental. Hoje eu sou codiretor por cinco anos da Agência Independente pela Promoção da Participação da região Toscana, que é uma agência com um trabalho muito difícil porque eu tenho que obrigar o governador a respeitar uma lei que ele fez que o obriga a fazer processos participativos obrigatórios para todas as obras que custam mais de cinquenta milhões de euros que se fazem dentro do território da região e sempre como uma desculpa, tenta-se evitar. Então eu sou odiado pelo governador nesse momento. Digo, entre aspas, mas porque sou um chato que cobra constantemente o respeito da lei e ao mesmo tempo devo ter relações tensas, muitas vezes com os movimentos sociais porque eu tenho ao mesmo tempo que cuidar do ponto de vista das instituições e muitos movimentos radicais não querem isso. Recentemente se dividiram entre os canais, sobre os aeroportos em Florença exatamente sobre esta coisa, que um movimento não queria falar conosco porque éramos institucionais. Então, o movimento cinco estrelas que foi aqui citado antes organizou um movimento chamado participativo onde você
A tecnologia é um grande problema que nós temos dentro dessa ideia de publicidade, porque as tecnologias apresentam, aparentemente, transparência, mas têm os chamados gate keepers que atuam em muitos momentos do ciclo e com operações que o cidadão não vê, em muitas dessas operações o cidadão começa, uma vez que aumenta a legitimidade do processo participativo, a desconfiar. Outro problema que surge é que muitas vezes elas contradizem a filosofia do processo de participação e ao invés de trabalharem em conjunto para elaborar ideias, somamos preferências individuais de forma mecânica. Então eu acredito que seja um dos grandes desafios que hoje temos: incorporar as tecnologias e os seus mais baixos custos sem contradizer a filosofia e ampliando os canais sem negar a essência amorosa da participação. Muito obrigado. (aplausos) Jeroen Klink: Muito obrigado. Com isso já vou passar a palavra para Evelina. Evelina Dagnino: Boa tarde. Eu quero agradecer muitíssimo o convite e a oportunidade de estar aqui hoje por várias razões. Primeiro, eu estou impressionadíssima com a organização desse seminário. Mais de 900 pessoas credenciadas, segundo me informa a Nilza, isso é um sucesso. Segundo, para quem mora perto da Av. Paulista como eu, esse lugar é um oásis e é um refresco para quem vive pressionada por essa desgraça que vivemos. Eu quero fazer também um agradecimento especial à Ângela que me resgatou da responsabilidade de ser a única mulher a falar no
54 dia de hoje. Já reclamei da Nilza, ela me deu explicações, mas certamente esse é o único defeito, digamos assim, do seminário; especialmente dado o tema do qual ele trata. Felizmente a audiência contribui enormemente para equilibrar e contribuir para uma equivalência de gênero aqui dentro. O prefeito Luiz Marinho mencionou, disse uma frase, mencionou uma questão que eu acho que casa muito bem com as coisas que eu pensei dizer hoje. O que disse Luiz Marinho? Ele disse: “nem tudo que é participação, que se anuncia como participação, como participatório, é, efetivamente, participatório”. E ele disse: “não é o caso de procurar uma definição correta”. E aí cantou a música do Gonzaguinha “É a vida, é a vida”. Eu venho da academia, e eu não quero procurar uma definição correta, mas eu quero sim investigar os vários sentidos que a participação assumiu e especialmente resgatar o que me parece ter sido o sentido original da participação quando ela emerge no cenário político brasileiro. Eu acho que a vida nós é que a fazemos e portando eu acho que é importante que essa vida seja conduzida na busca não da definição mais correta, mas na acepção de participação que é mais adequada a um projeto de transformação da sociedade na direção de uma sociedade democrática e mais igualitária. Quando eu digo resgatar o sentido original da participação eu estou me referindo, embora evidentemente já tenha havido experiências participativas prévias à constituição de 1988, desde os anos setenta, é na constituição de oitenta e oito que eu acho que nós temos o marco formal mais importante daquilo que se constituiu nos anos anteriores como parte fundamental da luta contra a ditadura, da resistência democrática, que é o que nós podemos chamar de um projeto democrático participativo. E não à toa eu acho que ele leva este nome. Não é? Por que a participação foi uma demanda e um objeto da luta dos movimentos sociais e de outros setores da sociedade civil que finalmente se expressou na constituição de 1988. Se expressou, nós sabemos, não só no artigo primeiro
que é absolutamente definitivo sobre isso; embora quando se trata de aprovar o Sistema Nacional de Participação Social a maioria dos nossos congressistas parece que esqueceu desse artigo primeiro, que diz “o poder é exercido pelo povo através de seus representantes ou diretamente nos termos dessa constituição”. Vocês podem calcular, lá no período constituinte as horas de debate e de luta que essa simples palavrinha diretamente ocasionou. Foi certamente uma vitória. Junto com o artigo primeiro nós temos as provisões a respeito dos vários conselhos que foram se concretizando mais tarde, mas eu acho que o importante aqui é resgatar o porquê da luta pela instalação de mecanismos participativos. Por que é importante? Porque já naquele momento essa luta pela participação deixava claro a crise da democracia representativa. Havia um diagnóstico por parte dos movimentos sociais e dos setores da sociedade civil que a democracia liberal representativa tenha sido incapaz de fazer avançar as transformações das desigualdades profundas da sociedade brasileira. Então o raciocínio era um pouco para confrontar essas desigualdades; é preciso que nós participemos diretamente do poder. Esse era o diagnóstico e ele evocava sem dúvida nenhuma isso que nós podemos chamar da crise de representação. Não preciso dizer que essa crise de representação, desde então, só se aguçou e hoje atinge um grau extremado sobre o qual eu espero falar um pouco mais tarde. Em 1988, então, nós tivemos a constituição batizada de cidadã, por bons motivos; não só porque estendeu direitos, mas porque garantiu esse direito fundamental de participação direta da sociedade. Em 1989, um ano depois, nós temos o que no Brasil? Com a eleição do Collor, nós temos o início da implementação do projeto neoliberal. Então eu acho que esse encontro, essa coincidência no tempo entre dois projetos antagônicos é muito expressiva especialmente porque esses projetos contêm propostas e modelos muito distintos de participação. Projetos e propostas muito distintos
55 sobre o papel da sociedade civil. Propostas muito distintas sobre o que significa cidadania. Porém, no vocabulário político, estes termos seguiram sendo usados por ambos os projetos, o que vale dizer que houve uma homogeneização do discurso. Todo mundo fala até hoje, todo mundo falava naquele momento em cidadania, em participação no papel da sociedade civil, etc. Ambos os projetos, e eu estou falando aqui como se fossem dois únicos projetos, certamente eles não são, isso é uma simplificação; embora eu ache que eles tenham princípios fundantes, ao redor dos quais se reúne uma diversidade de projetos. Mas eu acho que é possível acenar pelo menos duas grandes direções no cenário político brasileiro naquele momento e ainda hoje. Eu, felizmente, não estou desapontada ou decepcionada porque nunca acreditei naquilo que alguns chamam o “pósneoliberalismo”, não há “pós-neoliberalismo”, infelizmente; está aí vivo e forte. Qual é o significado de participação no interior desses dois projetos? Eu acho que o significado original de participação que se constitui no projeto democrático participativo é a participação entendida como partilha do poder. A participação no interior do projeto neoliberal tem um significado muito distinto, muito distinto. Eu não vou poder pelo tempo me estender mais, mas simplesmente dar algumas rápidas indicações sobre os conteúdos da participação no projeto neoliberal. Aliás, certamente conhecidos de todos vocês; que é uma participação, em primeiro lugar, dirigida para assumir as responsabilidades públicas das quais o Estado quer se livrar. Porque há evidentemente um diagnóstico no projeto neoliberal de que o Estado é inchado, de que ele deve ser enxugado, a famosa ideia do estado mínimo e que as responsabilidades públicas têm que ser transferidas para a sociedade civil ou para o mercado. Então a participação da sociedade civil nesse modelo é o que? Assumir essas tarefas que o Estado quer se desfazer. Modelos de participação como consulta, como escuta, como diálogo, são em alguma medida, um avanço, só que eles se colocam muito aquém daquilo
que eu estou chamando e que foi, enfim, essencial no momento constituinte, da participação como partilha de poder. No modelo neoliberal e nos avanços, nas infiltrações que o modelo neoliberal conseguiu realizar dentro das forças democráticas participativas, a consulta, ouvir a voz, é também uma maneira de promover a eficiência das políticas públicas. Porque essa é outra obsessão, digamos assim, desse modelo de estado e modelo de sociedade. Por que é uma obsessão? Porque o modelo neoliberal, antes de qualquer coisa, quer modelar a sociedade e o Estado pelo mercado. O mercado como princípio organizador da sociedade do Estado e o princípio fundamental da ação do mercado é exatamente a eficiência. Quando nós falamos em partilha do poder do que nós estamos falando? Nós estamos falando da premissa fundamental de que o Estado seja capaz de abdicar de parte de seu poder decisório e abri-lo à participação da sociedade. Ora, esse é um desafio monumental... monumental. Não só porque o Estado brasileiro em todos os seus níveis não está absolutamente preparado para a participação; ele é ainda uma estrutura extremamente autoritária, mas porque, nós sabemos, isso aconteceu muito frequentemente inclusive com forças de esquerda. Os projetos políticos democráticos participativos cedem o seu espaço para aquilo que pode ser chamado de projetos de poder. Uma vez instalados no poder o nosso projeto é permanecer nele e nessa conjuntura abdicar do monopólio exclusivo de exercício do poder para compartilhá-lo com a sociedade é um desafio enorme. Eu acho que o Brasil teve um crescimento gigantesco em termos das instituições das estâncias participativas. Aquilo que hoje se designa como uma arquitetura participativa e que é modelo para o mundo; em termos quantitativos os avanços foram enormes e há que destacar que fiz uma pesquisa sobre o avanço dessas estâncias no nível nacional durante o governo Lula e é realmente um aumento quantitativo importante, muito significativo. Cabe perguntar sobre a qualidade da participação. E aí os
56 resultados estão longe de ser animadores. Apesar dessas experiências interessantes que a gente ouviu aqui, nós sabemos que no conjunto do País - no Brasil inteiro, nos conselhos, nas conferências em todos os seus níveis - as dificuldades são muito grandes. Durante muito tempo a bibliografia sobre a participação se concentrou nos problemas da sociedade. Os representantes da sociedade não tinham qualificação técnica. Enfim, uma série de problemas. Retomando essa ideia da premissa fundamental que é a capacidade presente ou ausente do Estado e dos governos que o ocupam de abdicar relativamente do seu poder monopólico no processo decisório, isso significa que em maior ou menor grau as relações entre estado e sociedade no interior das estâncias participativas elas são sempre tensas e conflitivas. O que é que afeta essas relações? O que as impacta? O que as torna mais ou menos tensas? E aí nós temos a ideia, enfim, bastante de senso comum até, que seria pensar em que medida sociedade e governos compartilham projetos políticos similares. Esse compartilhamento de projetos entre as forças políticas que ocupam o Estado num determinado momento e as demandas e reivindicações da sociedade é um pouco uma variável, um fator, que afeta positivamente essas relações tensas e conflitivas. Quando eu falo de relações tensas e conflitivas eu não quero reproduzir aqui uma praga, digamos assim, que invadiu as análises sobre sociedade civil e participação que é essa dicotomia entre Estado e sociedade civil. Eu não acho que essa é a oposição fundamental necessariamente. Estado e sociedade civil se constituem mutuamente, eles não são elementos isolados. Até porque, entre outras razões, há projetos políticos que atravessam esses dois espaços e que são capazes de constituir alianças ou oposições. Queria falar só um pouquinho mais sobre a coisa do conflito, já que eu estou falando das relações tensas e conflitivas. Eu acho que há uma tendência muito
grande em ver as estâncias participativas como orientadas necessariamente, imperativamente, pela ideia do consenso; eu acho que isso é um equívoco. Eu acho que esses espaços são espaços de conflito. E aquilo que faz a democracia e os espaços públicos democráticos o melhor dos regimes é precisamente o fato de que é na democracia e nesses espaços que o conflito pode ser visibilizado, publicizado, administrado e resolvido na produção sim de consensos possíveis. Evidentemente para que essa produção possa ser possível, para que o conflito possa ser visibilizado e resolvido provisoriamente e vejam bem, sempre será provisoriamente a resolução desse conflito porque ele vai sempre se repor, sempre - é preciso que haja debate, argumentação, deliberação e especialmente aquilo que se pode chamar “o reconhecimento do outro” como um sujeito, portador de direitos, portador de interesses legítimos e de aspirações válidas. Além disso, eu diria que esse é um aprendizado importante para os movimentos sociais que participam desses espaços na medida em que é necessário, ao lado de sua ação reivindicatória, que sejam capazes de contribuir para a construção desses consensos no sentido de construir aquilo que provavelmente é a maior carência da cultura política brasileira, que é a noção do público. Nós sabemos que historicamente essa distinção entre público e privado foi muito mal construída historicamente na sociedade brasileira e eu acho que nós continuamos a viver esse dilema. Eu acho que, por exemplo, a questão da corrupção é simplesmente uma exacerbação dessa indistinção entre público e privado. Então, os espaços de participação são públicos e exigem por tanto que seja possível combinar e em alguns momentos transcender essa ação reivindicatória na direção do interesse público. Fazer reivindicações setoriais, demandas setoriais específicas e construir políticas públicas, são muito distintas. A última coisa que eu vou dizer é que em termos das dificuldades que as estâncias participativas enfrentam eu acho que hoje em dia a mais séria
57 delas é a democracia representativa que temos e o sistema político que temos. Há inúmeros exemplos de como, desde a ideia de antipolítica que foi produzida diretamente por este sistema político, até as resistências e as objeções exemplificadas por exemplo na reação ao Sistema Nacional de Participação Social são, enfim, exemplos e indicações daquilo que nós vivemos. Qual é o caminho? Evidentemente tem aí um rótulo, trata-se da reforma política. E eu pergunto a vocês de toda a discussão pela reforma política que está se tendo nesse país, qual tem sido o lugar da participação? Essa talvez seja uma briga que vale a pena comprar. Muito obrigada pela paciência. (aplausos)
mais para nada. O império se impõe e com ele a democracia da palavra desaparece."
Jeroen Klink: Estamos aqui adotando uma política keynesiana em relação à locação de tempo, uma política expansiva. Enfim, eu vou passar com isso a palavra para Yves Cabannes, na esperança que como um bom europeu ele vá adotar a política do Banco Central Europeu, mas enfim não tenho tanta certeza que ele vai adotar isso, mas enfim. A princípio quinze minutos. Obrigado, Yves!
Vocês sabem quem escreveu este texto? Criticando a aparição do império? Da racionalidade? Foi escrito por Tácito em 80 d.C. (por um romano) fazem dois mil anos. É importante porque foi no momento em que apareceu Cesar e começou a organizar tudo. Um império que impõe e determina a democracia da palavra. Está aí algo que eu acho que pode ser interessante refletir. A minha primeira ideia é compartilhar com vocês uma pergunta que foi feita em meados do Sec. XIX por um grande analista político, Alexis de Tocqueville, que falou sobre a democracia burguesa, um dos grandes pensadores e teóricos. E ele pergunta o seguinte: -Quem é o inimigo número um do cidadão? O indivíduo é o inimigo número um do cidadão, o cidadão é uma pessoa inclinada a procurar o próprio bem-estar, através do bem-estar da sua cidade, enquanto que o indivíduo tende à passividade, ao ceticismo ou desconfiança para a causa comum, o bem comum, a sociedade boa e a sociedade justa. Eu acho que quando o Giovanni mostrou, lá na Suécia, a ponte entre o individualismo e a cidadania, estamos num desafio - que o nosso tema hoje era o desafio para o futuro do século XXI - o desafio é a vitória do indivíduo frente ao cidadão. A ideologia, a televisão, ela serve para construir indivíduos, e o indivíduo é inimigo do cidadão. E quando eu estava ouvindo as experiências que Ângela nos contava e nos contava o amigo prefeito de Canoas, o que ouvimos em São Bernardo, eu acho que a participação ela é fundamentalmente um contraponto ideológico para produzir o cidadão. Por que? Quais são os meios que temos para enfrentar o individualismo? Aquele que pensa no seu umbigo, que pensa que o
Yves Cabannes: Boa tarde a todos os presentes e também aqueles que estão situados no hiperespaço, que estão nos acompanhando através das redes sociais que estão ao vivo e que estão nos ouvindo. É um novo tipo de participante, eu acho que nos debates sobre a democracia participativa, temos que entender esses dois tipos de participantes, eles também estão, Giovanni os estava mencionando que já tem reação na Suécia sobre o nosso evento aqui em São Bernardo, nos obriga a repensar o que é o diálogo. Antes de começar queria debater. Tenho cinco ideias para compartilhar nestes quinze minutos. É sobre a democracia da palavra e o uso do tempo. Então, vou ler um pequeno texto extraído das minhas apresentações e vou perguntar para vocês quando ele foi escrito, eu não escrevi ele. Vou traduzindo "Depois de cinco ciclos da República, durante as quais tínhamos tomado uma cultura dos debates políticos, alguém falou: Hoje tem que ser breve, acabou-se o tempo que os oradores podiam se expressar livremente frente a um público atento que tomava parte no debate. Hoje, a cultura dos oradores que tinha nutrido a República não serve
Isto é um contraponto ao dizer que uma sessão tem que durar duas horas, em função disso, algumas pessoas vão equiparar o tempo, outras não. Mas que vai, no fim das contas, reduzir a capacidade da democracia que parecia justamente repartida. Esse historiador que fala que tem que ter outro tempo em democracia para poder debater, debater profundamente - que eu encontrei em comunidades indígenas onde trabalhei, por exemplo no Equador, onde duravam dois dias de debates e esgotávamos o tempo, não em prazer de fazer isso- mas o lembrar que há outras formas para os debates democráticos.
58 bem vai ser só a partir dele mesmo e que não é, como diziam: "Nenhum de nós é tão bom quanto todos juntos". E vai ser a participação, e, portanto, ela é importante, porque são esses contrapontos ideológicos. E aí eu compartilho com vocês uma segunda ideia: O que é o cidadão nesse sentido? Eu acho que um dos grandes desafios, hoje, é de passar de uma participação comunitária a uma participação cidadã. O essencial da participação que é parte integral do projeto neoliberal, porque tem dois tipos de participação, é precisamente que ela seja construtiva, conserva o poder e tem participação, mas sobretudo, ela não sai - eu que morei vários anos na Inglaterra agora posso lhes dizer que o modelo de participação da Inglaterra conservadora, é muito forte e em parte intrínseca mas é uma participação comunitária, ela está restrita a esfera da proximidade de pequenos territórios. Avalizo como hipótese que se na participação não há o salto, ela tem de ser arraigada - é importante para melhorar a vida das pessoas no bairro - mas se ela não tem e dá um salto de qualidade para que possa incidir, como Jairo Jorge nos dizia, possa incidir sobre os assuntos da minha cidade e aí sim essa se incide sobre a cidade com participação cidadã, como cidade em si, eu considero que não estamos saindo da esfera neoliberal. A participação no gueto, a melhoria das condições nos guetos, nas favelas e nos bairros é um modelo apaziguador, mas que não tem um sistema neoliberal, se queremos um projeto socialista tem de ter isto, obviamente, mas também uma participação cidadã a nível da cidade, no qual ainda mais complexo, num lugar como São Bernardo que faz parte de uma grande metrópole chamada São Paulo. E, portanto, a minha cidade é enorme, não é só um município. Então tem uma participação municipal, cidadã vinda de São Bernardo, mas também outra. No caso, estávamos vendo a Represa Billings cheia de água, quando há problemas de água na grande São Paulo. É evidente que a água é um problema hoje em São Paulo e que toca a grande metrópole, essa água localizada aqui tem um efeito para as metrópoles como um todo. E a nossa capacidade de poder atuar além do bairro, num bairro, mas além do bairro de passar a participação cidadã eu acho que é o verdadeiro desafio, que felizmente houve alguns exemplos tipo
Canoas e até em São Bernardo em alguns dos canais de participação que apontam as soluções. Eu acho que isto é extremamente importante ressaltar. A minha terceira ideia um pouco na linha do que a Evelina estava dizendo. Do meu ponto de vista é uma crise de política e uma crise de sistema político. O que quero dizer com isto? Estou completamente de acordo com o que foi falado de radicalizar a democracia, mas - várias experiências apontam a isto não só no Brasil, mas no mundo inteiro, vou voltar nessa parte, tem muita coisa acontecendo mas radicalizar a democracia, para mim quer dizer construir o Estado de direito de democracia participativa e não só políticas de participação. E o que terá de diferente? Por que se não estamos deixando claro que a democracia representativa deu o que ela podia dar: injustiças, desigualdade. E é um sistema político que tem de ser repensado e aí vai qualificar a participação para ele ser o eixo, o carro chefe da construção de um Estado de direito e de deveres de democracia participativa e isto para mim é o desafio para repensar até a parte da participação. Várias das soluções que ouvimos estão apontando a essa construção, mas é um trabalho quando estamos pensando no futuro, mas isso fica como uma obra por fazer, uma obra do século XXI, não podemos continuar com um sistema de democracia representativa que não está apontando soluções, temos de ter essa clareza e essa construção passa pela participação. A próxima ideia que a meu ver é importante para marcar o diferencial dessa democracia participativa é o valor da deliberação: a voz. Vários de nós estamos em processos participativos, orçamentos participativos, etc., mas eu acho que a qualidade de participação ela se mede pela qualidade deliberativa e não apenas pelo voto. Lembremos dos textos originais e até da própria democracia burguesa original. O que é a democracia? É a voz e o voto! Não é só votar, é ter voz. E que a senhora que nunca falou possa expressar suas ideias, por isso as demandas são tão importantes quanto aquelas que serão votadas ou implementadas. É tanto assim que vários trabalhos de avaliação de orçamentos participativos e as vantagens não foram o valor da obra, não foi a quantidade - eu trabalhei e trabalho na África, por exemplo, onde é mínimo o que existe. O orçamento por habitante é 1.500 vezes mais aqui no
59 Brasil do que numa prefeitura de Rufisque (Senegal) ou nos Camarões. Não é dinheiro! O que conta é que as mulheres e os jovens não podem falar. Geralmente são os adultos, os velhos que falam e que tem o poder, mas o orçamento participativo traz essa democracia da palavra: a deliberação. Vamos brigar, vamos discutir a fundo. Eu discordo da sua ideia, mas ela pode ser importante. Então, essa ideia da qualidade da deliberação, de tomar o tempo para debater os projetos é tão importante quanto o voto do projeto. Outra ideia que queria compartilhar e que eu acho que é um verdadeiro desafio. Tive a sorte imensa de estar no Conselho Paritário do Orçamento Participativo aqui (CMO) junto com uma grande inovação de São Bernardo que são os APC´s (Agentes de Participação Cidadã). Tinha umas 120 pessoas e fiquei absolutamente agradecido verdadeiramente de São Bernardo ter me oferecido essa possibilidade. E uma das perguntas que fazíamos foi "O desafio para o futuro é ampliar a participação para aqueles que não participam até hoje. Os mais excluídos e os mais vulneráveis" porque se vocês virem os trabalhos existentes, incluindo um sobre dos orçamentos participativos na Europa - e os meus trabalhos são realizados em várias cidades do mundo e há muitas comparações, etc. - e as comparações mostram que não foram capazes de quebrar essas barreiras da participação da mulher, da participação dos afrobrasileiros, dos indígenas, dos GLBT's, das minorias de uma forma geral. Como ampliar a participação para esses segmentos da sociedade? - É um verdadeiro desafio. Não tenho respostas. Tenho soluções que estão sendo experimentadas, mas só queria ressaltar um ponto que a meu ver é importante e até no Brasil de hoje foi falado várias vezes, que é a nossa incapacidade de construir - eu imigrei ao Brasil em 1988 e nas primeiras prefeituras do PT, então faço parte parcialmente da história, muito modestamente e depois viajei de novo - mas agora que sou velho posso dizer o seguinte: não fomos capazes de transmitir e dialogar mais com a juventude, temos um racha, eu acho, com os jovens, com as crianças, com os códigos dos jovens e das crianças, e houve troca com vários de vocês sobre esse tema. E aí novamente se não somos capazes de, nos modelos de participação, ter a juventude, acredito
que são em São Bernardo 300.000... bem próximo da metade da população que tem menos de 29 anos... são muitos os jovens... mas um dos caminhos que eu vi funcionar muito bem e recomendo considerar e tentar, são os orçamentos participativos de juventude que chegam às escolas e eu acho que em Rosário, e temos a sorte de ter Antonio Bonfatti aqui, a experiência em Rosário com os jovens foi muito válida, as experiências peruanas, muito validas, a experiência de São Brás de Alportel, em Portugal, e várias mais no mundo inteiro, mostram claramente que é um dos caminhos, para estabelecer e nos comunicar com os jovens, com as crianças, tanto na escola como fora da escola e que provavelmente é um dos grandes desafios da participação para o futuro que queremos ter como um legado político, social e a continuar a materializar nossos ideais e a inová-los de uma forma muito maior. Vou fechando só dizendo que no trabalho recente eu posso dizer que a participação sim existe e tem engajamento no mundo inteiro - acabo de fazer um trabalho relativamente grande, com muita gente sobre outra cidade possível, alternativas com a cidade como mercadoria identificando, exclusivamente, eixos de participação - e há mais de mil experiências no mundo. Então são como seis caminhos que existem e que se fizermos ponte entre eles, são importantes. Eu acho que os governos poucas vezes estão apoiando esse eixo de criatividade do cidadão. Então vou só lembrando eles, primeiro: lutas para ficar no bairro, frente aos fluxos que vão despejando - e lembrando que na cidade, eu vou dar um número para vocês, vocês conhecem uma pequena ONG chamada Centro Gaspar Garcia dos Direitos Humanos? Lá no centro de São Paulo. Ontem passei rapidamente. Vocês sabem quantos advogados estão com processos de defesas de despejos em São Paulo, em particularmente no Centro, hoje? Quinhentos! Eu perguntei: "Mas quinhentos, não pode ser" "Sim... sim... sim... são quinhentos casos na Justiça, vocês podem imaginar todos aqueles que não estão - e para aqueles como nós que trabalham na luta contra os despejos são milhares de casos no mundo inteiro. As experiências bem-sucedidas existem ou preventivas ou curativas, mas não são muito documentadas. E elas fazem parte da democracia participativa, elas fazer parte de outra cidade possível, mas é provavelmente um dos eixos
60 de participação que se não soubermos ouvir, isso irá estourar, com certeza, 500 casos no centro de São Paulo, na Justiça, é uma coisa grande! O segundo eixo são as moedas locais, moedas locais ou moedas complementares. Essa experiência é outra que queria só lembrar porque são mais de cinco mil moedas e muitas delas em vários países, estão com as prefeituras, são inciativas que saem do sistema da dívida, saem do sistema dólar, saem desse sistema para poder funcionar. Então essas experiências nos mostram que tem muito engajamento que chamo de participação, mas com uma relativa resistência por parte de muitos governos, felizmente não todos, mas que nos mostram que ouvindo essas experiências podemos encontra o nosso caminho. Paro aqui, obrigado pela sua atenção. (aplausos) Jeroen Klink: Muito obrigado! Em função do tempo, nós combinamos com a organização que vamos pular a etapa das considerações finais de vocês e eu vou tentar fazer um fechamento, mas eu já vou adiantando, eu estava brincando com o Tarcisio, e nem de longe eu vou ter a ousadia de tentar fechar e fazer uma síntese do jeito que ele fez, porque isso seria impossível. Nós tivemos aqui um caleidoscópio de experiências ricas, exposições práticas, experiências concretas e até questões conceituais. Então eu não vou fazer isso, eu vou apontar três e cada um de nós faz a leitura daquele que for da parte aqui. Na minha leitura eu destaquei três pontos, e vou sintetizar esses três pontos desde uma leitura pessoal e subjetiva. Primeiro, nós estamos vivendo uma espécie de virada comunicativa, ou seja, uma superação da racionalidade instrumental no sentido de uma política pública que busca meramente a articulação dos meios e fins. Uma virada comunicativa que representa uma série de coisas, desde o projeto neoliberal escondido, com uma roupagem mais simpática a ter processos mais radicais, mais verdadeiramente buscando autonomia. No entanto, a minha sensação é que as experiências mais bemsucedidas e nós já ouvimos várias experiências, elas juntam o necessário, o processo participativo, a virada comunicativa, significa melhorar o processo da política pública, da construção da política pública. Isso é necessário, mas não é o suficiente. É necessário articular o processo com o chamado
produto na transformação da cidade. Portanto, a virada comunicativa é necessária, mas não é suficiente. Precisa, portanto, resultar numa sociedade mais justa! Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto é a articulação com o espaço, com a cidade, conforme eu já mencionei anteriormente. Isso significa um desafio para os processos participativos. Inclusive as cidades que estão na vanguarda, como São Bernardo, na minha sensação é um dos motivos do seminário. Qual é o desafio? O espaço na globalização financeira virou aquilo que o Lefebvre fala, um espaço abstrato, um espaço que vai homogeneizando a vida, a experiência rica, a experiência humana na cidade. Portanto, o processo participativo precisa tensionar, precisa transformar a cidade abstrata numa cidade diferencial enriquecendo a experiência da vida humana no sentido amplo. Portanto, isso é difícil, não é fácil. É fácil falar a partir da academia, a partir de um cardápio que não existe, porque isso, conforme os gestores aqui sabem muito melhor, é um processo complexo. O terceiro ponto é que o binômio participação e produção, como transformar e isso tem a ver com o tempo, como articular o tempo da reivindicação, do espaço curto para uma articulação no médio e longo prazo e, portanto, transformar o espaço tempo da reivindicação para o espaço de uma política pública não estatal. Uma política pública busca também coproduzir uma cidade diferente ao longo do tempo. Isso também é difícil, mas as experiências e Yves, eu tive infelizmente a dor de cortar porque ele fez uma exposição mais completa sobre as experiências, várias experiências no mundo inteiro. Isso mostra, e as outras falas inclusive, hoje, a do prefeito, a própria Ângela, mostra que essas experiências estão se proliferando muito perto de casa e também em outros países. Portanto, este terceiro desafio de articular no espaço-tempo e superar meramente a participação para uma coprodução. Bom, essa foi a minha leitura e tenho certeza que nos próximos dias, amanhã nós vamos ter, ainda hoje nós vamos ter o encerramento, mas amanhã o debate vai continuar. Mas eu tenho certeza que nós vamos trocar figuras, impressões sobre qual foi a leitura que vocês fizeram sobre essa rica sessão de exposições. Muito obrigado. (aplausos)
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Palestra
que para compreender os mais recentes movimentos de dissidência no Brasil não bastaria apenas com apontar as causas socioeconômicas presentes no cenário atual. De fato, a influência de fatores culturais e dos novos espaços de sociabilidade são também dimensões onde se forjam as identidades propulsoras da ação coletiva e nos ajudam a compreender as forças que subjazem por trás da ação contestatária. A conflitualidade social atual não possui, contudo, os elementos que emergiram nos anos sessenta do século XX, onde as manifestações estavam carregadas de sentimentos de pertença a um coletivo, pela demarcação face a uma contraparte opositora bem identificada ou pela proposta de um caminho alterativo de sociedade. Os novos processos de insurgência carregam identidades mais difusas estruturadas pela lógica dos grupos sociais e da internet ou por intencionalidades políticas de grupos com claros interesses de poder. O prefeito Fernando Haddad aborda pontos importantes nesse debate, identificando algumas tensões próprias da gestão pública, como a juridificação da política, as dificuldades na governança das cidades, entre outros. Apontando também os caminhos democráticos dentro da arena pública para consolidar os espaços deliberativos e representativos no Brasil por intermédio da participação cidadã.
FERNANDO HADDAD Prefeito de São Paulo
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Fernando Haddad: Boa noite. Deixa eu fazer aqui, seguir o protocolo, cumprimentar o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho; Antonio Bonfatti que é o governador de Santa Fé na Argentina que está aqui conosco; Jairo Jorge, prefeito de Canoas, foi Ministro da Educação também; Prof. Dr. Klaus Capelle reitor da Federal do ABC; Marcio Morais, reitor da Universidade Metodista; Nilza de Oliveira, secretária de orçamento e planejamento participativo de São Bernardo; Jeroen Klink, da Universidade Federal do ABC, coordenador do curso de mestrado; Tarcisio Secoli secretário de serviços urbanos; Giovanni Allegretti, coordenador do centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Yves Cabannes, especialista em planejamento urbano da University College of London; Evelina Dagnino, professora do curso de Ciências Sociais e pós graduação da Universidade de Campinas; Ângela Alves da Silva Rocha, representante da sociedade civil; Sergio
Lírio, da revista Carta Capital; Mariana Pinoti, minha secretária da pessoa com deficiência; secretários municipais, vereadores, empresários, estudantes, palestrantes, sras. e srs. Primeiro, agradecer a Luiz Marinho o honroso convite para estar aqui com vocês. Eu sei que não é fácil sexta à noite ouvir uma palestra, mas é uma grata satisfação vir a São Bernardo do Campo conversar. Eu combinei com os organizadores que ao invés de usar uma hora para falar, eu preferi reduzir a 40 minutos, 30, 40 minutos, e abrir para algumas perguntas, quem sabe uma, uma interlocução com vocês para que eu também aprenda, saia daqui com algum aprendizado, então ouvir perguntas faz a gente repensar o que falou e elaborar melhor o que falou. Bom, o desafio colocado pela organização não é pequeno sobretudo nos dias atuais. Conversar sobre
64 dissidência, democracia, participação, é uma tarefa muito difícil para o gestor atual e eu diria em especial para os prefeitos. Digo para os prefeitos porque tive a oportunidade, assim como o Marinho, de ser ministro de estado e verificar que, para o chefe do executivo federal, se constituiu uma série de instrumentos de oitiva da sociedade que no plano federal eu diria que funcionam razoavelmente bem. Eu tive a oportunidade, ao longo de meu período no Ministério da Educação, assim como vários ministros do governo Lula, de convocar pelo executivo federal as conferências nacionais, no meu caso as conferências nacionais de educação. E o que se verificava é que a partir da convocação das conferências nacionais havia uma intensa mobilização que começava com conferências municipais, depois conferências estaduais. E o que se observava em Brasília é que delegados já bastante apropriados dos temas que a convocatória propunha, estes delegados vinham com uma sólida base de discussão, com muita maturidade nos temas a serem propostos, discutidos e deliberados. E os documentos de certa maneira expressam a riqueza desta escalada que começava num governo local e ia subindo e atingindo um estágio mais elevado e, não raramente, o próprio presidente Lula participava ou da abertura ou do encerramento dos trabalhos, o que dava um peso institucional para as conferências bastante significativo. Só no plano da educação nós convocamos 4 conferências nacionais e o Plano Nacional de Educação, ele foi inteiramente elaborado à luz da experiência das conferências. Nós procuramos extrair, sobretudo não tanto no que diz respeito às metas, porque as metas sintetizavam já documentos históricos do Brasil, numa série de questões, mas as estratégias elaboradas no plano para o atingimento de cada meta foi fruto de uma discussão que começa na primeira conferência, segue as conferências setoriais da educação, até a conferência geral que dá ensejo a um documento bastante alentado que foi o documento base da elaboração do plano nacional.
Quando o plano vai para o Congresso Nacional, no final do governo Lula, um dos últimos atos do presidente Lula foi o encaminhamento ao Congresso do Plano Nacional de Educação. Ele ainda passa 4 anos sendo discutido pelo Congresso, de novo, pela itinerância do Congresso, houve muitas audiências locais, o Congresso se deslocou, a Comissão de Educação se deslocou para as regiões para discutir o plano nacional nos Estados, houve audiências no próprio Congresso Nacional e ao final nós chegamos a um texto que é a expressão desta epopeia e que foi sancionado sem vetos, na minha opinião, pela primeira vez. Não me lembro de um Plano Nacional ter sido 100% aprovado inclusive com metas bastante ousadas no que diz respeito a financiamento. Eu estou me referindo a esta experiência no plano federal para falar das dificuldades de trabalhar o descenso no plano municipal. O plano local é um desafio de outra ordem e muito mais profundo do que as pessoas em geral podem imaginar. Nós mesmos, acho que o Marinho, posso falar por ele também, pelo Jairo, a dificuldade que é construir consensos ou maiorias estáveis em cidades complexas como as aqui representadas, uma dificuldade enorme! E a literatura sobre democracia, a literatura sobre democracia participativa, democracia deliberativa, democracia representativa, toda literatura clássica e moderna sobre o assunto não dá conta dos fenômenos que estamos nós vivendo hoje, absolutamente não dá conta. Porque se de um lado há uma contestação bastante palpável da democracia representativa, de outro lado os mecanismos de participação conhecidos também estão sob julgamento. Não é menos verdade que assim como o resultado eleitoral pode ser contestado em relação ao legislativo, em relação ao executivo... às vezes eu ouço, ou leio na internet comentários como “este congresso não me representa”... Bom, mas se isto for expandido... a impressão que dá é que o congresso não foi eleito. Da mesma maneira que alguém pode dizer este Congresso não me representa, ou esta Câmara
65 Municipal não me representa, ou este prefeito, ou este presidente não me representa, não é menos verdade que as pessoas contestem as formas conhecidas de participação. Quando você convoca uma audiência pública, por exemplo, para discutir o Plano Diretor da Cidade, e faz isto até pela TV chamando, desejando que as pessoas participem, as pessoas dizem estas audiências não me representam. Eu não quero participar destas audiências, não quero pedir a palavra, respeitar os 5 minutos que tenho de fala ou respeitar os 5 minutos que o outro tem de fala para contrariar o que eu penso. Então, existe hoje um contexto que não é trivial, é de questionamento das formas de participação democrática. Isso vale para cidade, isso vale para escola, quando a gente fala em gestão democrática na escola ou na universidade, você tem uma série hoje de entendimentos de legitimação. Falei das audiências públicas, eu poderia falar de outros instrumentos muito valorizados num passado recente e que hoje não são representativos: os conselhos por exemplo, os conselhos de saúde, os conselhos de trânsito e transporte, por exemplo, conselho de habitação, conselho de educação, tem uma enorme proliferação de conselhos. Lá na cidade de São Paulo recentemente o conselho da cidade, o conselho participativo das subprefeituras, conselheiros eleitos pelas regras do Tribunal Regional Eleitoral, o chamamento universal, elegemos conselheiros participativos em cada subprefeitura, à razão de um para cada 10.000 habitantes. Contudo, hoje encontramos uma dose grande de ceticismo em relação a esses mecanismos de participação. Então, o que está colocado hoje é uma dificuldade muito grande de estabelecer mecanismos de participação em sociedades complexas. Nós estamos no meio de uma região metropolitana com 22 milhões de habitantes. Como uma pessoa formada na democracia, que professa valores democráticos republicanos, como cada um de vocês, se tivessem
uma posição de comando se portaria diante desta dificuldade? O próprio mecanismo dos plebiscitos e referendos que também são consagrados nas constituições republicanas mundo afora, eles também padecem de certas insuficiências. Não é tudo que pode ser submetido à consulta popular, existem cláusulas pétreas na nossa constituição que não podem ser questionadas. Por exemplo, direitos individuais ou direito de minoria. O direito de minoria não pode ser objeto de uma pergunta, uma pergunta sim ou não a respeito dele, do direito. Há quem pense, por exemplo, que um tema como o da maioridade penal pode ser objeto de uma consulta popular, porque há uma cláusula da Constituição que protege a infância e a adolescência e que, portanto, não é objeto de uma deliberação por plebiscito. E que mesmo que o Congresso altere a norma constitucional, ela é passível de questionamento por uma ação direta de inconstitucionalidade porque se refere a uma questão particular da constituição que não pode ser objeto de deliberação, a não ser por uma nova constituinte. Ou seja, por um processo de ruptura. Então até para isso existe o questionamento. O que é que pode ser objeto de deliberação sem a necessidade de ruptura, por ser uma cláusula pétrea da Constituição? Então, são questionamentos para os quais a teoria dá poucas respostas. Não de questionamentos sobre a representação, a deliberação ou a participação, não é disto que se trata. Os 3 mecanismos continuam com uma dose de legitimidade perante a sociedade. Mas existe uma inquietação em torno disto, existe uma angústia em torno disto. Quer dizer, pessoas de boa vontade, de boa-fé têm razões para promover estes questionamentos, para fazer, para ensejar uma reflexão sobre se esses mecanismos conhecidos são suficientes. E nós estamos vivendo um momento em que, eu que sempre fui um ardoroso fã, inclusive como professor de Teoria Política da participação e da deliberação, no momento, sobretudo no momento
66 de crise de legitimidade. Sou daqueles que hoje, no discurso e na ação, procuro fortalecer os mecanismos de representação. O que parece paradoxal. Será que no momento difícil a gente não deveria estar fortalecendo a dimensão deliberativa e participativa da democracia? Por que você está fazendo? Por que você faz um discurso resgatando a base da democracia representativa? E eu tomo este partido momentaneamente pela conjuntura histórica, pelo contexto político que nós estamos vivendo, porque eu penso que nós, de alguma maneira perdemos um pouco a fé no voto, na eleição, no mandato, pelas razões erradas. Ou seja, nós temos razões para questionar a democracia representativa. Muita gente não se reconhece nesta democracia representativa, mas a minha percepção é que se você extrair as lições deste momento, o que me parece razoável dizer é o problema não é a representação, é a forma como nós estamos, como nós organizamos a representação, é pela forma como nós organizamos o sistema de seleção. Porque na verdade a eleição é só e tão somente um mecanismo de seleção, seleção de representantes, seleção de lideranças. Então, nós estamos colocando em cheque a representação e a liderança, o que sempre pode ser questionado do ponto de vista do aperfeiçoamento que isto merece, mas nós estamos questionando esse instituto da representação e da liderança política pelo fato de que pelo nosso sistema de seleção nós estamos escolhendo mal. Nós não estamos escolhendo os melhores para nos representar. Então nós estamos colocando em cheque um instituto da representação e a legitimidade do voto em função de uma desorganização ou de uma organização equivocada dos mecanismos de seleção. A verdade é que nós selecionamos mal, e nós selecionamos mal porque o sistema de seleção é errado no Brasil. Ele está errado, ele não produz o melhor resultado. Na linguagem acadêmica a gente diria que há um viés de seleção muito importante em nosso sistema representativo. Mas nós estamos questionando a
representatividade e a legitimidade da liderança por um viés de seleção que não é próprio destas instituições, mas que é próprio do nosso sistema de representação, e o grande nó em que nós estamos inseridos é “quem vai promover a reforma deste sistema se foi este sistema que gerou esta representação? Ou seja, quem foi eleito não acha que o sistema é mal feito. Quem foi eleito acha que não é um viés de seleção. Que os que foram eleitos são os melhores que podiam ter sido eleitos. Como estes que foram eleitos, e, portanto, se consideram os melhores, vão reformar um sistema para que outros que não eles sejam eleitos? Este é o paradoxo que estamos vivendo na situação atual. O desafio que está colocado para os democratas é como se valer da energia que vem da arena pública, da deliberação, da participação para reformar o sistema e sempre que isto aparece, e em todo momento crítico... e eu lembro de 2013, mas poderia me remeter para outros momentos críticos da história do Brasil, sempre que essa contradição se estabelece alguém recorre a quê? À assembleia constituinte, plebiscito e referendo. Por que se recorre a isto? Porque não se acredita que o sistema seja capaz de se auto reformar. Que a reforma tem que vir por uma força externa para que o sistema se refaça, e a questão se agrava mais ainda no Brasil, e eu acho que mais no Brasil neste momento, porque existe por razões evidentes e por outras não tão evidentes uma judicialização da política. A política agora transbordou para o Judiciário e não estou falando só dos casos de desvio de recursos públicos, estou falando de tudo. Tudo agora está sendo judicializado. E eu estou vivendo uma experiência. Eu que já estou a muito tempo fora do mundo jurídico estou sendo obrigado a conviver com situações inusitadas no campo do Direito: discutir no Judiciário a cor da ciclovia de São Paulo; discutir no judiciário a velocidade de uma via perigosa; coisas que jamais seriam judicializadas numa situação normal e que hoje são objeto de discussão jurídica. Então não importa mais a técnica, não importa mais a formulação, o que importa é que
67 todo mundo se sente autorizado a discutir coisas que pareciam resolvidas. De quem é a autoridade competente para definir este tipo de coisa. Até isso passa por um questionamento. Então quando se fala de dissenso, democracia é questão de consenso, é obvio que o dissenso é importante porque ele é pressuposto do consenso. Você só estabelece maiorias, consenso, a partir da divergência. Então aqui está todo mundo de acordo que a divergência é a base da democracia, a diferença de opinião é a base da democracia. E mais do que a diferença de opinião é a preservação do lado derrotado. Você preservar quem foi derrotado é parte da democracia, porque ele pode se provar correto num momento seguinte. A democracia tem uma dinâmica, o que tem a minoria hoje, que defende uma tese que não tem aprovação da maioria, pode estar certo e se tornar maioria amanhã. Por isso que as leis mudam, se alteram. A percepção da gente na sociedade se altera. Mas o desafio que está colocado acho que para todos nós, sobre tudo para aqueles que têm a democracia como valor é como navegar nestes momentos, neste momento em particular! E não é um momento exclusivo do Brasil e da América Latina. Nós vivemos momentos delicados em vários países do mundo. Se olharmos para a literatura dos democratas radicais, vamos chamá-los assim. Muita gente imaginou que a primavera árabe fosse dar em outro resultado, fosse uma primavera efetivamente. Muita gente imaginou que os protestos que ocorreram em países europeus fossem resultar em uma abertura de horizontes emancipatórios, libertários. Muita gente acreditou que as jornadas de junho no Brasil fossem gerar talvez o Congresso mais avançado de nossa história, e não o mais atrasado, à luz do que estava votando, mas essa questão que está sendo colocada e sobretudo as pessoas de esquerda imaginam que era uma verdade absoluta, quer dizer, você vê o povo na rua, tem uma tendência natural a dizer: - “estamos junto”, porque a percepção que se tem é que o
Estado está sempre errado, então quem está na rua está sempre certo. O desafio colocado é como combinar estes mecanismos de participação, deliberação e representação de maneira que não se coloque em risco aquilo que tem de ser preservado numa democracia complexa, que é o fato de ter eleições periódicas, de se ter mandato fixo, coisas que são basilares da representação. Como combinar isto com este anseio que é real e perceptível, e importante, de participação que concorra para aumentar o grau de legitimidade das decisões tomadas. Eu acho que isso está associado, de certa maneira, a toda essa revolução que nós estamos vivendo da comunicação. Outro dia eu estava numa entrevista falando das redes sociais e eu dizia: Olha, a gente chama de rede social o que muitas vezes não tem uma dimensão social, porque a participação política na Internet não significa que você está participando como membro de uma rede social. Você pode estar simplesmente reforçando os seus preconceitos a partir da rede porque ela própria tem mecanismos de reforço e recalque que te fazem encontrar os mesmos, as mesmas pessoas que pensam como você. Então você vê que toda rede social tem o mecanismo do “se você gostou disso, você gosta disso também”. Se você gostou desse cara, você gosta deste também. Se você gostou dessa música, você gosta desta também. Então, é tudo assim, o YouTube é assim, o Facebook é assim. Ele te aproxima de você mesmo. Você está sempre buscando uma proximidade com você. Aquilo acaba virando um espelho. E se aquilo é um espelho, vai se aproximando de um espelhamento de quem você é. Você fica sabendo mais sobre você na Internet do que dos outros, a dimensão social foi rebaixada. E, na verdade, a Internet existe para isso: para que as pessoas que estão por trás da rede, e não na rede saibam quem você é e possam vender para você bens e serviços. No fundo o que se quer é saber quem são as pessoas que estão ali. Então a Internet não promove a interação necessariamente, ela pode estar promovendo um espelhamento na rede para
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70 que alguém por trás de rede saiba “eu sei o que o Fernando gosta, sei o que ele consome, a música que ele gosta”. E aí você recebe os e-mails que reforçam os seus gostos. Aí você não vai conhecer uma comida diferente, uma música diferente, uma pessoa diferente, uma ideia diferente das que você já tem. Então não se trata de um processo de socialização, se trata de um processo de autoafirmação em que você está inserido e que se presta a outros objetivos que não a interação. E isto acaba se refletindo na vida política de um país. Então, o desafio que está colocado não é pequeno. Quer dizer, como utilizar estas poderosas ferramentas que estão disponíveis para que a gente possa aprofundar e radicalizar a democracia. E a radicalização da democracia, ela passa por uma abertura espiritual, ela passa por um desprendimento. Se você não tem o desprendimento das tuas próprias ideias, o que não significa falta de convicção do que você pensa, mas a abertura para mudar para uma ideia diferente, para pensar diferente, esse processo social e de aprendizado acaba sendo sufocado por forças incontroláveis. Então, o que eu temo é que nós estejamos vivendo este processo de sufocamento da mudança. Cada um de nós precisa, na medida do possível, ficar aberto para vivermos e convivermos em liberdade. Porque a liberdade é esse desprendimento, inclusive daquilo que você professa. Se você não tiver esta liberdade para mudar inclusive de ponto de vista, você não é efetivamente livre. Você está aprisionado, você está enredado numa rede que vai te castrando, limitando as tuas possibilidades de emancipação, de libertação. O que efetivamente produz resultados interessantes numa sociedade é você ter essa abertura. Então, cuidar destes processos de certa maneira é ter atenção aos procedimentos. E não só ter atenção aos juízos. Talvez seja uma tarefa importante e desafiadora para o momento político atual. Será que estamos adotando os melhores procedimentos para chegar às melhores soluções para os nossos
problemas? Eu temo que não. Eu temo que nós estejamos retrocedendo em relação a esses pressupostos que são a base da democracia e a base da construção de conceitos. Obrigado! (aplausos) Mestre de Cerimônias: Nós abriremos agora para quatro perguntas. Ok? Por favor fale seu nome. Demetre Anastassakis: Vai parecer paradoxal, não é de sua aula política brilhante que você deu, mas São Paulo é a maior cidade do Brasil e ser prefeito de São Paulo traz responsabilidades metropolitanas do tamanho. Nós demoramos muito no Brasil a enfrentar a questão metropolitana. Acho que estamos demorando. E eu queria colocar o seguinte: na crise de falta de dinheiro, falta de dinheiro não digo da União, não, da nação. Nós podemos começar a pensar em transporte de massa que seja pago pela operação urbana e pelo potencial construtivo. E para isso não parecer uma operação elitista, nós podemos subsidiar espaço adicional construtivo para os mais pobres. Não que seja só de inclusão, nem muito menos caridade, que ofereceria aos metrôs e aos transportes de massa que forem financiados por este sistema clientes para o metrô, para viabilizá-lo. Porque acho que não estudamos essa possibilidade. Estamos sempre dependendo de dinheiro federal e de financiamentos miraculosos. Não estudamos a possibilidade do transporte de massa na metrópole ou nas cidades metropolitanas ser financiado pelas mais valias imobiliárias que podem ser geradas pelo capital, mas costurado pelo poder público. Era uma provocação que eu queria fazer à sua inteligência, ao seu bom trabalho na Prefeitura de São Paulo. (aplausos) Fernando Haddad: Bom, nós recém aprovamos um Plano Diretor na cidade de São Paulo. O que é que este plano diz a este respeito; algumas coisas que eu julgo interessantes: primeiro, nós reduzimos o potencial básico de aproveitamento dos terrenos a uma vez a área. Ou seja, se alguém tem um terreno de 10.000 metros quadrados ele pode construir 10.000 metros de área construída sem pagamento de outorga para a cidade. Ou seja, uma vez a área do
71 terreno. Ele pode chegar a 4 vezes a área do terreno, ou a duas ou a quatro. A duas é para o que a gente chamou de miolo dos bairros, e a quatro onde tem transporte público de massa. Ou seja, você não vai mais poder construir um espigão no meio do Itaim Bibi, porque lá não tem transporte de massa. Então, aqueles prédios vão ficar como estão porque novos prédios ali não vão ser construídos. Onde tem transporte de massa você pode comprar 3 vezes a área. Se você tem uma pode chegar a quatro e você paga estas três vezes para a cidade. Esse pagamento de outorga a que você se referiu, em São Paulo compõe um fundo chamado FUNDURB, e este fundo tem duas vinculações: 30% eu tenho que utilizar necessariamente na construção de habitação de interesse social e 30 % eu tenho que investir necessariamente em transporte público de massa. Então, tenho uma vinculação de 60% do FUNDURB para essas duas coisas que na verdade são uma só, que é a mobilidade! Porque a habitação de interesse social, ela é uma dimensão da mobilidade: quando você traz população de baixa renda para morar nos eixos de mobilidade, você de certa forma está suprimindo aquela distância que afasta o morador de baixa renda dos centros comerciais da cidade. Então na verdade você tem 60% de vinculação para, ou bem trazer o morador para perto do emprego, ou bem levar o transporte de massa para perto do morador. Eu acho que assim foi possível construir na Câmara Municipal e à luz dos planos anteriores. Ele é significativamente um avanço. Você coloca um desafio importante que na minha opinião que é o plano metropolitano. Eu acho que nós não podemos mais pensar a metrópole como a soma dos planos de cada uma das cidades componentes. São Paulo, pela população e pelo território responde por 50% tanto da mancha urbana como da população da metrópole. Mas eu acho que nós temos que tentar agora mais do que fazer os planos diretores das cidades que ainda não têm - não sei se tem alguma que ainda não tem procurar compatibilizar os planos diretores para criar um plano diretor metropolitano que nós nunca
tivemos. Nós nunca tivemos um plano e eu creio que nenhuma metrópole brasileira tem um plano diretor metropolitano. Agora nós temos o estatuto da metrópole e não tenho segurança absoluta, mas, acho que tem até prazo para você formular um plano diretor metropolitano. Mas este desafio que você coloca, eu acho que é muito importante. (aplausos) Mestre de Cerimônias: Próxima pergunta. Augusto: Boa noite prefeito. Eu sou Augusto e sou da graduação de Ciências Sociais e você falou sobre o viés político do sistema eleitoral brasileiro e eu queria saber qual acha que é o mais adequado: uma alteração do nosso atual sistema, uma nova abordagem ou um novo sistema eleitoral que mais se aproximasse do sistema ideal para o Brasil. Alteração ou novo sistema? Fernando Haddad: Quando a gente fala de um novo sistema, você está pensando numa ruptura com o atual, que não vai acontecer! O caminho é tentar reformar o atual. Uma das coisas que o Supremo Tribunal Federal estava quase fazendo e por um pedido de vistas abortou o processo de fazer, era discutir o tema do financiamento de campanha, que eu acho é uma questão crucial, porque se tem uma coisa que contamina a escolha do cidadão é a questão do financiamento. Fica muito difícil competir. Você tem num caso uma raia com obstáculos e do outro você tem uma esteira rolante a favor. É muito difícil você competir em condições tremendas de desigualdade, e nem estou falando do partido a que eu pertenço, estou falando dos partidos menores, dos partidos que estão sendo fundados, dos partidos que têm uma proposta inovadora que poderiam oxigenar a vida política nacional, partidos que, enfim, que exploram nichos, que embora minoritários têm uma representatividade muito grande, da agenda da diversidade, do respeito a minorias. Enfim, muita coisa poderia acontecer de bom se esta questão fosse enfrentada.
72 E nós estávamos ganhando de 6 a 1, ou seja, já estava resolvido o problema. Porque, no máximo ia ser de 6 a 5 e o pedido de vistas do Gilmar Mendes acabou, que ele prometeu devolver em junho e não devolveu. E eu estou dizendo uma coisa delicada, porque eu disse para ele, eu conheço o Gilmar Mendes, é uma pessoa com quem eu tenho um relacionamento até pelo fato de ter morado em Brasília por tanto tempo. E eu me encontrei com ele na Ordem dos Advogados do Brasil. Ou seja, quem propôs a ação foi a Ordem. Era um seminário e eu falei: vamos debater, vamos discutir isso, vamos decidir isso. Isso traria para política um alento de que ela estaria mais distante do dinheiro. É muito importante isso para o Brasil, não é? Mas enfim, eu acho fundamental uma discussão em torno desse assunto, sobre financiamento de campanha. Em países europeus se gasta uma fração pequena do que se gasta no Brasil em campanha eleitoral. São dois erros: estamos gastando dinheiro errado e que o Brasil não tem... e gastando para produzir o pior resultado. Se ainda fosse para produzir o melhor, mas é para produzir o pior resultado! Então, é um pecado duplo que nós estamos cometendo. É muito difícil para a sociedade abraçar teses de reforma política. Como é que você vai chamar uma passeata contra uma coligação proporcional, que faz com que às vezes um apresentador, uma pessoa de TV... Como as campanhas são curtas, a participação política é pequena, as pessoas trabalham 16 horas por dia, sem contar, o ir e voltar do trabalho, para casa. Como é que estas pessoas vão escolher, bem em 35, 45 dias de campanha? Elas acabam criando identidades muitas vezes fictícias, não é? Não é à toa que em época de crise emergem figuras ligadas à radiodifusão, por exemplo, depois do Mãos Limpas na Itália a figura mais proeminente por quase 20 anos era o Berlusconi, que era dono de um império de comunicação. E que se perguntar para um italiano, ele não consegue explicar como é que o Berlusconi mandou por tanto tempo. Então fica uma coisa, sabe aquela coisa de vergonha alheia? Você não conseguir explicar o que você fez com teu voto.
Nós estamos correndo este risco no Brasil, do sistema político ser tão questionado, que outsiders comecem a aparecer com soluções, as mais exóticas possíveis, para problemas graves que o país tem que enfrentar. Então, você acaba entrando nesta seara da familiaridade, com as surpresas recorrentes que este tipo de formulação tem. Isso remete para a minha preocupação original. Será que nós estamos adotando os melhores procedimentos a este respeito? Concentração dos meios de comunicação no Brasil? Não sei se tem paralelo no mundo. Uma concentração espetacular, eu diria. Isso não é questão de censura como o pessoal fala. Ninguém está discutindo o conteúdo do que é veiculado, estamos discutindo a polifonia necessária para uma sociedade complexa estabelecer consensos sólidos depois de debater os assuntos. Então você tem aqui poder econômico concentrado, poder de comunicação concentrado, você tem tantas sobreposições de problemas que vai ficando cada vez mais difícil você fazer com que as constituintes escolham o melhor. E aí a participação explode da maneira que também não concorre para produzir os melhores resultados pela desinformação provocada pelo próprio sistema. Nós temos um problema de desinformação que é severo, se efetivamente não tem arena pública para discutir o relevante. Quem pauta o debate raramente é quem tem o que dizer. Então este é o cenário. A crise também serve para fazer esta reflexão e propiciar a mudança. Um país que se preza não pode desperdiçar um momento de crise. A crise ensina, a crise abre oportunidades para o bem e para o mal, mas não se desperdiça. Vale para a sociedade o que vale para o indivíduo. Quando você está em crise, você pode fazer disso um grande momento de tua vida. Os meus melhores momentos são pós críticos pode – por dizer assim e acho que isto vale para muitos daqui. Você está... você enxerga diferente, você enxerga outra coisa. Então, a situação que nós estamos vivendo, nos leva a refletir que a gente pode estar diante de uma oportunidade, mas para isto você precisa desarmar o espírito. Não sei se a palavra melhor é essa, mas
73 você tem que combinar determinação de querer a coisa com a humildade de não necessariamente saber o que fazer. É isso que te permite a interação que resulta nos melhores propósitos e, às vezes, eu acho que nós estamos reforçando. Tem componentes de reforço daquilo que todos nós somos e não do que podemos ser. A grande questão da democracia não é saber o que as pessoas querem, é saber o que elas ainda não sabem que querem. A política serve para isso, para você descobrir, porque para saber o que querem você consulta. Mas não é para adivinhar, é para formular processos de transformação, para você efetivamente liderar mudanças na perspectiva social de uma cidade ou de um país. É apontar para aquilo que as pessoas ainda não sabem. E não vai aqui nenhuma visão de vanguarda, do que a vanguarda tem que operar. Não estou falando necessariamente de vanguarda. É para isto que serve a representação. Você deposita muitas vezes na mão de algumas pessoas a possibilidade de inovar porque você confia, tem uma relação de confiança. E você confia também no processo de mudança que está sendo proposto e experimenta. Então, nós temos que nos abrir à experimentação agora. Em grande medida. (aplausos) Mestre de Cerimônias: Vamos agora à terceira pergunta. Maria. Boa noite Prefeito. Primeiramente eu queria parabenizar o senhor pela ousadia no seu projeto de Gestões Públicas na cidade de São Paulo e pela sua gestão. E a pergunta que eu tenho para o senhor, de caráter meio provocativo é a seguinte: numa das falas da mesa que nós tivemos aqui, da segunda mesa, a professora Evelina Dagnino, que ela fez, aliás foi uma fala brilhante, na minha opinião, ela tocou no seguinte assunto: que um dos desafios para a participação democrática, enfim, para uma participação política de fato está no fato de que há uma tendência nos modelos de governo, de manutenção do poder como prioridade cabal. Uma dificuldade de repassar, de promover uma partilha do poder, como ela disse. E aí diante disso, perante
a fala que o sr. trouxe hoje, no sentido de fazer mais um elogio à política representativa, defender essa política representativa, vendo que existem outros problemas que não estão sendo discutidos, a minha pergunta é: o fato do senhor estar trazendo este discurso em relação à política representativa não se daria pelo fato do senhor ser prefeito? E então se articularia com a fala dela, na dificuldade que nós temos de promover uma política abra mão deste poder para uma representatividade? Uma representatividade não! Uma participação popular de fato? Essa é a pergunta. Fernando Haddad: Pergunta boa, obrigado. Para um prefeito melhor ainda, né Maria? É evidente que eu falo de um ponto de vista, não deixo de ser prefeito para falar o que estou falando, mas é uma experiência que eu compartilho com vocês de um sentimento genuíno. Mas não é só uma percepção de alguém que está investindo no cargo. É a percepção de alguém que tendo a vida inteira, sido criado num ambiente democrático, eu comecei minha vida lutando contra a ditadura militar. Quer dizer, minha formação na Faculdade de Direito foi com os democratas mais radicais da época, juristas democratas mais aguerridos, era Dalmo Dalari, era Fábio Comparato, era Gofredo Teles Júnior, eram defensores. A Comissão de Justiça e Paz não saía de dentro da Faculdade de Direito. Os partidos democráticos não saíam das salas dos estudantes. As manifestações se multiplicavam tanto no Largo São Francisco como na Praça da Sé, no Vale do Anhangabaú. Enfim, dali que a gente sai. E o primeiro desejo nosso ali era o quê? Eleger o presidente. Eleger o presidente! Era a campanha das diretas foi a coisa mais incrível da qual eu participei até hoje, não tem nada mais significativo na minha vida do que participar da campanha das diretas. Então, na verdade eu estou menos falando do ponto de vista meu, do lugar que eu ocupo, mas da trajetória que o Brasil viveu porque é incrível que a primeira eleição nossa para presidente resultou num impeachment. O primeiro presidente que nós elegemos depois de vinte e tantos anos de ditadura
74 foi afastado por causa do impeachment. E até isto foi, de certa maneira, celebrado como a prova cabal de que a nossa democracia era para valer. Então eu não vejo contradição propriamente nestas duas coisas porque você pode e é muito comum que você estabeleça para governar, os famosos condomínios de governo de coalisão que acabam te dando condição de governar, e até de se propor para uma reeleição ou para fazer o seu sucessor. Você tem uma visão patrimonialista da gestão política que é muito forte no Brasil até pela importância que o Estado tem na economia e na gestão, na produção de oportunidades econômicas, para grupos econômicos. De repente você está numa situação em que você pode, fazendo mau uso do poder, você pode estar reforçando esses mecanismos de perpetuação condominial que são bastante frequentes pelo menos no Brasil, mas acho que não só no Brasil. Um pouco da história patrimonialista latino-americana tem a ver com isso. Então, o que você está perguntando tem a ver, na minha opinião, com patrimonialismo. E é verdade que nós estamos numa sociedade muito patrimonialista, uma sociedade que não consegue separar o público do privado, uma sociedade em que o Estado é dado a favores para grupos econômicos ou indivíduos. E é possível pelo compartilhamento do poder reforçar estes traços, que são comuns. Tanto a uma prefeitura quanto ao governo federal, isto tudo é verdade. Mas isto não tira o mérito da representação, isto não tira a necessidade da institucionalização da política. Então nós temos que tentar encontrar um mecanismo, de combinar essa dimensão mais horizontal, mais participativa, mais deliberativa. Que é intrínseca à democracia com fortalecimento das instituições democráticas. Se você perguntar hoje para o cidadão, em que partido ele confia, se ele confia em partidos! Não precisa nomear a legenda, se você perguntar para alguém “você confia em partidos políticos?”, eu acho que a sociedade brasileira hoje, majoritariamente, vai dizer não. Então, você pode negar a legitimidade desses partidos, mas ninguém inventou uma forma
de gerir a democracia sem eles. Você tem institucionalmente partidos fortes, disputando ideologicamente uma visão de sociedade. Então, o meu temor é esse, ainda que se conclua que nenhum partido atual seja representativo da maioria das pessoas, como conciliar esta questão do poder popular, da mobilização popular, do protesto legítimo, com a necessidade da democracia funcionar institucionalmente? E o diálogo está interditado sobre este assunto. É isso que eu percebo, que você não consegue aproximar esses dois grupos como se fosse um divórcio definitivo entre democratas de um tipo e de outro. Como se nós não pudéssemos nos reaproximar para reconstruir bases republicanas o estado brasileiro. Então a minha preocupação na verdade é mais do que uma preocupação é quase que uma vontade de aproximação. É uma vontade de que as pessoas voltem à mesa para conversar, voltem à mesa para discutir como promover as reformas que o Brasil precisa. Gente que devia estar discutindo hoje à mesma mesa, não está porque há um sectarismo de parte a parte que impede estas pessoas, por desconfiança mútua, ou o que quer que seja, impede a evolução de um debate sobre a democracia no Brasil. Como se aqueles que acreditassem em partidos, em representação, em voto não pudessem discutir o assunto com quem acredita na rua, no protesto. Não vejo condição de construir alguma coisa que não passe pela reunião dessas pessoas em torno de um projeto de radicalização da democracia. E se não houver essa abertura de parte a parte, eu acho que nós não vamos aproveitar o momento de crise de representação que nós estamos vivendo para aperfeiçoar a democracia no Brasil. Então não é vontade de salvar a pele. Não é disto que se trata. Aliás, acho que as pessoas, hoje salvar a pele talvez seja não se eleger, me entendeu? (risos) Se você for pensar egoisticamente, o melhor é não participar disso. Assim, genuinamente. A não ser que você seja mal-intencionado. Mas se você não for malintencionado, o que é que é ser egoísta hoje? É não
75 ganhar a eleição! É cuidar da vida. Isso é verdade o que eu estou falando. (aplausos) Mestre de Cerimônias: Passamos então à quarta e última pergunta. Uma mulher, por favor! Ali em cima. Fernanda Alcântara: Oi, meu nome é Fernanda Alcântara, sou jornalista e eu achei muito importante na fala do prefeito, principalmente a parte que ele fala sobre as redes sociais e sobre a relação que a gente tem hoje, muito mais de espelho, para ver o que a gente quer, fala e ouve o que a gente quer, e não aceita muito críticas até pelo fato de que a professora, mas ela falou uma coisa que eu acho muito importante: que a crise não é só política e econômica, mas eu sinto que hoje o país tem uma crise ética mesmo! Alguns comentários de todos os partidos e lados, de esquerda ou direita, tem uma crise ética realmente! E aí eu queria perguntar para o prefeito, como você lida com essa situação da crise ética, com as críticas até mesmo ao seu mandato. Porque a gente sabe, todo mundo aqui, sendo a favor ou não de algumas sanções, que as críticas são muito cruéis e até às vezes nem fundadas! Então, eu queria saber se o senhor ouve estas críticas, se o senhor considera qual o grau de necessidade que precisa ser discutido ou não. Queria saber um pouco mais de essa sua relação. Obrigada! Fernando Haddad: Bom, a tua pergunta na verdade ela pode ser encarada em vários planos. Quando você fala de ética, quando a gente está falando da questão ética no sentido mais estrito da palavra, eu sempre defendo que, neste sentido estrito, a ética é um atributo individual. É muito difícil você atribuir e pensar este atributo como algo de um coletivo. Seja uma igreja, um time de futebol, um partido político, um clube social. Não consigo me apropriar da palavra nestes termos. Até numa entrevista recente eu dizia: o Papa Francisco de certa maneira foi escolhido em meio a uma crise ética da Igreja, mas foi escolhido justamente por isto. Para com a sua liderança dar respostas à crise ética que a Igreja Católica estava vivendo. Então
você não pode falar que a Igreja Católica é ou não ética, o que você pode dizer é que a Igreja católica professa determinados valores, e as pessoas que se desviaram destes cânones, destes valores, estão sendo chamados à responsabilidade justamente por isto. Então, numa determinada dimensão, a ética é um atributo individual. E isso dá às pessoas, muitas vezes dá autoridade às pessoas promoverem mudanças. Então você tem pessoas. O Papa Francisco está fazendo bastante sucesso com a sua autoridade, mas você tem lideranças éticas em vários níveis que com a sua autoridade moral e com a sua força pessoal, conseguem promover transformações e revigoram até instituições. Está certo? Existe o coletivo que passa credibilidade para o indivíduo. Muitas vezes, um indivíduo pode ser abençoado por um coletivo e ele funciona até como carisma, né? Muitas vezes você tem carisma só por pertencer a um determinado coletivo. Isso foi tratado na literatura e é muito interessante a literatura sobre o carisma, porque existe o carisma herdado. Você é amigo do fulano! Às vezes esse é o sentido do carisma. De certa maneira você se apropriou de uma coisa que uma liderança mais expressiva que você te legou, pela proximidade! Isso também vale para instituições. Às vezes você pertence a um agrupamento, dependendo da força deste agrupamento, da história de reputação construída desse agrupamento, ele te habilita a se apresentar de uma ou de outra maneira perante outros grupos sociais. Mas o oposto também é verdade, muitas vezes o carisma de um indivíduo resgata atributos que uma instituição acabou perdendo por qualquer razão. Então essa dimensão da ética no sentido mais restrito, ela tem que ser tratada desta maneira. De maneira que você tem que tomar as decisões levando em conta esse caráter. Agora, tem a dimensão da ética que é a dimensão social do processo. E aí envolve um outro tipo de postura, sobre que tem a ver com o debate que a gente fez sobre a democracia, que é como você reage à crítica. E que dialoga com a primeira colocação que eu fiz
76 sobre representação. Os processos sociais de mudança, de transformação são muito complexos. Porque em primeiro lugar, coisas que você propõe, vamos pegar estes temas que são mais recorrentes na imprensa, a imprensa tem uma certa tara por alguns assuntos. E só fala disso: então... ciclovia...! Não aguento mais falar deste assunto, mas tudo bem, né? (aplausos). Eu, em 2012, propus no meu plano de governo, foi dia 13 de agosto de 2012, eu publiquei meu plano de governo. Estava lá em um dos itens: 400 km de ciclovia. Não sei se leram, se não leram. Aparentemente não leram. (risos). O que foi? Não levaram a sério ou leram e não levaram a sério. Mas aí você toma a decisão de fazer, inclusive porque é barato, saudável, muda a cidade, oxigena, faz bem para a saúde. Vazia a ciclovia é boa, cheia é melhor ainda. A cidade precisa de lugares vazios também, lugar onde não tem nada. Você não abre um parque na cidade necessariamente para ter gente dentro. Você precisa disto, como o silêncio na música! Música sem silêncio é ruído, você precisa do silêncio. Cidade sem silêncio, cidade sem espaços para o nada acontecer não é cidade! Não é? É aglomerado, é acampamento, não sei o que é, mas não é cidade. A cidade precisa como a música da pausa e São Paulo perdeu essa experiência da pausa há muito tempo. Perdeu essa experiência de gozar do nada. Então nós sempre estamos fazendo alguma coisa. Então, o resgate dessa dimensão é importante. Outro dia houve um bate-boca entre mim e o meu entrevistador sobre essa promessa. Ele dizendo que eu não prometi! E depois que ele se convenceu que eu tinha prometido, ele falou: “não, mas você não fixou o número de quilômetros!”. Então eu falei, bom, mas se eu não fixei eu faço quantos eu quiser! E aí ficou, mas nem isso era verdade! Bom, mas isso é um capítulo do que está num documento anterior à minha eleição, mas tem coisas que você faz que estão num documento. Que são frutos de tua experiência no teu mandato: você estudou o assunto e deliberou sobre uma coisa. Aí a pergunta que cabe é a seguinte: qual é o poder que tem um prefeito de
deliberar sobre um assunto da cidade? E você tem que ter muita prudência em responder esta pergunta porque a resposta, ela é “depende”. Depende do que você está fazendo e nem sempre isto é compreensível. Como é que pode depender? Depende por uma série de coisas: em primeiro lugar, a tua decisão é reversível? Bom, se tua decisão é reversível sem prejuízo para sociedade, você pode arriscar mais. Se não vai causar prejuízo, você pode de repente perceber que ela não foi a melhor decisão e reverter, essa experimentação da cidade é uma coisa legítima, porque você tem um mandato de 4 anos para isso, para usar esse mandato! Então muitas vezes as pessoas falam: -“Ah!, você não poderia tomar uma decisão destas sem consultar”. Consultar como? Vou fazer! Tem decisões que eu não saberia nem como consultar as pessoas a respeito de algumas decisões que eu tomo. Mas se elas são reversíveis e dali a dois, três meses eu posso falar para cidade: - “Olha, eu testei este modelo e não me pareceu bom e eu vou voltar atrás. Isso fortalece ou enfraquece os mecanismos de participação democrática, de representação e deliberação? Quando eu falava que a representação tem pelo menos uma vantagem é o fato de você, quando você tem uma democracia, vamos supor que você esteja vivendo numa cidade pequena em que a democracia direta, sempre a democracia é direta. Ninguém manda! Se reúnem os cidadãos em praça pública e decidem, sempre assim! Tem muitas vantagens esse mecanismo de decisão. Você sempre vai na praça pública e decide: “você quer a ciclovia ou não quer? Quero! Quer vermelha ou quer azul? Quero vermelha!”. E vai construindo uma coisa assim. “Você quer a velocidade a setenta ou a sessenta? - A setenta!”. Você constrói uma coisa assim, mas tem uma desvantagem. A desvantagem é que você jamais vai escapar do senso comum: as pessoas com base nas informações que têm vão deliberar não necessariamente conhecendo o acervo de produção acadêmica, científica, outras experiências que podem ser trazidas para aquela comunidade. Então existe uma dimensão da
77 democracia representativa que é o voto e o mandato. O mandato popular permite outros arranjos que a democracia direta não admitiria. Mas aí você tem que ter cautela para saber o que você pode e o que você não pode no seu mandato. E o que é muito paradoxal é que muitas vezes as pessoas não se incomodam de não terem participado de decisões que vão repercutir ao longo de toda a sua vida e se incomodam muito com decisões que são tomadas e que em 60 dias podem ser revertidas sem custo nenhum para a sociedade. Então é isso. Se compreende muitas vezes porque às vezes você está lidando com valores e aí você vai falar: Bom, mas... vamos pegar o monotrilho na cidade de São Paulo: quantas audiências públicas, quantas pessoas participaram da decisão de fazer? O monotrilho vai custar, sei lá, bilhões de reais. É uma intervenção urbana muito significativa, pesada. É um rasgo na cidade, é definitivo. Você não vai destruir aquelas pilastras, não sei quanto de concreto tem ali. Você não vai rever aquele projeto, aquilo está dado, aquilo encerrou. Quantas pessoas deliberaram que aquele era o melhor meio de transporte para aquela região? Que é melhor que o metrô, que é melhor que o corredor de ônibus, que é melhor que o VLT, quem disse que é? Aquela decisão foi uma decisão técnica que vai custar 10, 15 bilhões de reais para a cidade e é praticamente irreversível. Está aí o Minhocão, não é? Faz 40 anos que nós estamos convivendo com ele e ainda hoje, o que é que a gente faz com este negócio? Por que é que ninguém, essa é a pergunta boa! Por que ninguém se incomodou de não ter participado? Nem o Ministério Público, nem a OAB. Todos os que ingressaram com ações contra mim, não entraram com ações para parar ou discutir melhor esses projetos. O que tem por trás disso? O que é que está por trás disso? É porque num caso você está discutindo na verdade um compartilhamento do que já existe. Está certo? Você está fazendo uma reforma viária e eu digo e repito, já disse isso e repito um milhão de vezes! É muito mais difícil fazer uma reforma viária do que uma
reforma agrária. Você faz a reforma agrária num país como o Brasil, você faz uma reforma agrária porque tem terra suficiente para fazer. Você não faz se não quiser! Na reforma viária, que é dividir o que já é escasso, estabelecer regras de convivência? Hoje, em São Paulo, acho que ninguém em sã consciência vai admitir que um ônibus fique num congestionamento de carros. Mas até dois anos, nós convivíamos com esta realidade com a maior naturalidade. Não nos incomodava ver uma senhora de sessenta anos, setenta anos, voltando do trabalho, ficando duas horas, duas horas e meia espremida para chegar à sua casa. Às vezes tendo que descer do ônibus e ir a pé. Parecia que ninguém se incomodava tanto com isso. Hoje eu acho difícil alguém supor que isso vai acabar, nós vamos voltar para o padrão anterior. Só que foi um ano de crítica. Foi um ano inteiro e eles só pararam de bater por causa da ciclovia. O que me faz crer que quando você está disposto a uma gestão de mudança, que vai incomodar, que vai tirar da inércia, é sempre bom você ter 4 ou 5 ideias e ir fazendo uma depois da outra. Isso remete para um debate de ética, como você colocou. Mas você colocou na tua pergunta duas dimensões da ética. Tem uma dimensão que é individual, e as pessoas de bem jamais podem abrir mão desta dimensão. Mas tem uma dimensão da ética pública que envolve uma coisa que é a responsabilidade. O Weber falava muito da ética e da responsabilidade. Ele falava da ética dos princípios, da ética dos valores, mas falava muito da ética da responsabilidade. Que é a ética que um governante tem. Que é uma pergunta que um governante tem que se fazer a todo momento: eu estou aproveitando da melhor maneira possível os 4 anos que me deram para mudar a realidade das pessoas mais vulneráveis? Para emancipar estas pessoas mais vulneráveis? Para libertar essas pessoas das condições abjetas em que estão vivendo? Eu estou aproveitando esses 4 anos? Porque é disso que se trata também. É óbvio que nessa cruzada de 4 anos de mandato, você pode errar. É óbvio que você pode
78 errar! Não tem a menor dúvida! As pessoas erram. Mas o medo do erro não pode ser um pretexto para a inação. Não pode ser um pretexto para a não experimentação. Não pode ser um pretexto para você se encolher numa cidade com tantas necessidades como a cidade de São Paulo. E se você tem confiança na tua equipe, confiança na capacidade técnica do serviço público, se você está antenado, se você tem um radar ligado em relação à experiência internacional, o que está dando certo em outros lugares, esse é o caminho. Você tem de ter um compromisso para além do eleitoral. Você tem de ter um compromisso, porque nem tudo se resolve em 4 anos. Mas se você apontar na direção adequada, o futuro um dia vai chegar ao que você está propondo. Se você está no caminho certo, o futuro vai chegar para você! Então, é menos importante saber se tudo o que está sendo feito vai ser aprovado o ano que vem e o mais importante é saber se vai ser aprovado um dia. Porque se for aprovado um dia, valeu a pena ter feito. (aplausos) Mestre de Cerimônias: Nossos agradecimentos ao Prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. E gostaria de convidar o prefeito Luiz Marinho para prestar uma homenagem ao prefeito, com a entrega de um kit da nossa cidade como forma de agradecimento por toda a sua contribuição e disponibilidade de participar deste seminário. Uma salva de palmas ao prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Prefeito Luiz Marinho: Muito bem! Haddad, muito obrigado. Governar São Paulo não é fácil, então os nossos agradecimentos por você se dispor a vir aqui, dialogar um pouco com a gente! Uma salva de palmas calorosa aqui para o meu amigo Fernando Haddad! Nossos agradecimentos! Lembrar que amanhã o seminário continua, e amanhã teremos duas mesas importantes, uma delas com o presidente Lula e o presidente Mujica! E convido todos vocês para estarem aqui amanhã. E se tiver alguém da família que não se escreveu e quiser vir, pode trazer! Está bom? Vamos transbordar este salão amanhã, este auditório. Lá embaixo as cadeiras estão preparadas com telão.
Hoje vão ter aqui novas atividades culturais. Então, quem estiver disponível, estão convidados para estar aqui, mas eu queria de coração agradecer a todos vocês e lembrar de novo, amanhã eu pretendo reforçar outra vez! E queria, Fernando, convidar você também: no dia 1°, às 18:00hs, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rua João Basso, 231, vai haver o lançamento do Memorial da Democracia, com a presença do presidente Lula. Então queria pedir a vocês para ajudarem a mobilizar esta atividade, uma atividade importante especialmente neste momento de muito rancor, de muito ódio, muita intolerância. É momento de enaltecermos a importância do processo democrático, da participação da cidadania, o voto do cidadão, de homens e mulheres, a nossa participação. Enfim, é fundamental nesse processo de transformação da sociedade. E valorizar o processo democrático é fundamental especialmente num momento como este, onde tem muita gente pedindo ditadura! Muita não, graças a Deus. Pouca gente, né? Mas indo às ruas pedindo a ditadura de volta. Então eu acho que esse é um bom momento para a gente enaltecer o processo democrático. Então eu queria de coração agradecer a todos e todas aqui nesta noite maravilhosa e até amanhã! E meu muito obrigado, Haddad! Um abraço, um beijo a todos! E as atividades culturais continuam. Meus agradecimentos também aos nossos palestrantes. Valeu!
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O audit贸rio do CENFORPE recebeu cerca de 3 mil pessoas durante os dois dias do evento.
Coro da Universidade Federal do ABC-UFABC.
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Mesa 3 é um conceito com diversos significados. Chamamos a isso conceito polissêmico. Há uma definição formal e milhares de percepções individuais. Cada morador pode ter a sua. O projeto “Protagonismo e Participação em São Bernardo do Campo” busca identificar essa diversidade e reconhecer que quando falamos em participação cidadã, o próprio sentido da palavra já é uma construção coletiva. Caminhando pela cidade e observando os processos de ação coletiva encontramos, além de diversas formas de entender a participação, uma constante importante na hora de qualificar a prática: o envolvimento, a partilha e o compromisso em construir. Tudo indica que para participar precisamos compartilhar objetivos e delimitar responsabilidades. Dessa maneira, a prática participativa não pode ter limites máximos, dada a força social que pode chegar a envolver, ela nasce e se desenvolve em todo lugar onde duas ou mais pessoas trabalhem, com suas respectivas forças, para dotá-la de criatividade para fazer a sociabilidade acontecer, inclusive desde sua dimensão mais local e cotidiana. A mesa dos protagonistas apresenta em perspectiva o quadro de tensões sociais as quais nos enfrentamos no desafio de construir um futuro promissor a partir de uma visão compartilhada. A cidade desejada se apresenta, portanto, como um estágio posterior à construção da sociedade desejada. A cidade que queremos está condicionada pela sociedade que temos e a disponibilidade em quebrar ciclos viciosos, resinificar imaginários e requalificar a nossa vida como atores e protagonistas do nosso desenvolvimento.
Moderador: ARTHUR CHIORO Ministro da Saúde
VÍCTOR HUERTA ARROYO Coordenador do Projeto – Prefeitura de São Bernardo do Campo
MARIA GONÇALVES Protagonista do Projeto
ANTÔNIO AMARAL Protagonista do Projeto
PEDRO DA COSTA Protagonista do Projeto
NILZA APARECIDA DE OLIVEIRA Secretária de Orçamento e Planejamento Participativo da Prefeitura de São Bernardo do Campo
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Arthur Chioro: Bom dia a todos! Bom dia a todas! Eu me sinto muito honrado pelo convite que o prefeito Luiz Marinho me fez de ser o moderador dessa mesa. Desde que a Nilza me ligou contando um pouco qual era o projeto do seminário, eu imediatamente disse a ela “olha, mas eu quero ser convidado. Quero participar de alguma maneira, ouvir, viver esses debates”. Porque é uma oportunidade ímpar de refletir sobre a democracia, sobre o protagonismo, sobre a vida em sociedade. E eu fiquei mais feliz ainda, incomodado num primeiro momento e depois desincomodado, quando o cerimonial disse “vou chamar agora as autoridades”. Aí chama o Ministro de Estado, mas quando ele chama como autoridade os três protagonistas que vão representar os protagonistas, eu disse “bom, tem tudo a ver com o que a gente está se propondo a discutir aqui neste seminário”. Vocês são, de verdade, as autoridades na construção de uma sociedade democrática participativa.
Eu quero saudar o prefeito Luiz Marinho, a Nilza, nossa Secretária de Orçamento e Planejamento Participativo, o Victor Arroyo, em nome de Brás Marinho, presidente do PT aqui de São Bernardo eu quero saudar a todos os companheiros, companheiras, e agradecer a presença de todos os palestrantes, secretários municipais. Vou aqui saudar em nome da Odete e do Tarcísio, queridos amigos, companheiros de quem eu sinto muita falta no dia a dia. Quero saudar os demais protagonistas, deputados aqui presentes, vereadores, prefeitos, representantes, reitores, docentes, mas principalmente a população, os trabalhadores, as pessoas que estão aqui refletindo com a gente aqui nesse ano. Quero fazer uma saudação especial também ao meu amigo Antonio Bonfatti, nosso governador da Província de Santa Fé, argentino, de quem eu tive a oportunidade de conhecer o trabalho. É de fato muito desafiador e muito referencial a experiência que se vive naquela província argentina. E, antes de
84 passar a palavra para o Victor, que vai começar a apresentar o projeto “Protagonistas da Participação, emergência de saberes, ações anticíclicas e novas propostas”, eu queria só dizer que nós fomos descobrindo não só no Brasil, em outros países também, mas fundamentalmente aqui no Brasil, e em particular a partir de 1989, no marco da nova Constituição, que existiam formas de participação democrática para além da democracia representativa. Que não se contrapunham e não disputavam o espaço com a representação, com a democracia representativa feita pela eleição dos nossos vereadores, deputados, senadores e etecetera e tal. Que era possível desempenhar, desenvolver, construir mecanismos de participação democrática direta. Na história, talvez o exemplo mais simbólico, mais característico dessa forma de participação são os plebiscitos. Muito utilizado no passado. Quando a gente estuda a história da Grécia, por exemplo, era uma das formas. Mas muitas comunidades tribais e muitas comunidades que foram se desenvolvendo, tinham esta característica. Ainda que fortemente marcado por diferenças de classe. Porque é claro que nessas formas de representação os escravos não tinham a mesma voz, o mesmo direito. Então, a chamada democracia direta, ela já nasce marcada por diferenças e por desafios em dar a voz, em dar o espaço, em fazer a inclusão de todos e todas. E nem sempre foi assim. Mas é claro que numa sociedade de massa, numa sociedade em que milhares, milhões de pessoas podem e devem ter o protagonismo é fundamental o desenvolvimento de outros mecanismos de participação que extrapole simplesmente o plebiscito. Discutir numa assembleia se isto é bom ou ruim, ou colocar em voto. E é por isso que as administrações municipais, administrações estaduais, particularmente no campo democrático popular, no nosso país, foram construindo historicamente e aperfeiçoando no processo experiências como o orçamento participativo, o plano diretor participativo, etc. E
uma experiência referencial, e não é porque eu também pude participar dela, mas é porque ela teve um caráter de ineditismo muito grande, é o PPA Participativo desenvolvido a partir da experiência de gestão do prefeito Luiz Marinho, aqui em São Bernardo do Campo e que hoje já começa também a ser uma referência e praticado em outros municípios, em outros governos inclusive estaduais. Eu tenho acompanhado o esforço de vários governadores; o Pimentel, por exemplo, lá em Minas Gerais, já começa a desenvolver toda uma estratégia que vai se assemelhando às estratégias que foram instituídas aqui em São Bernardo. Nós temos outros mecanismos de participação e têm sido muito fortes. Por exemplo: os conselhos e as conferências. O próprio Governo Federal, neste momento... Eu ontem estive junto com a presidenta Dilma e com outros cinco ministros fazendo o “Dialoga Brasil Ceará”, utilizando fundamentalmente o espaço das tecnologias da informação e porque cada brasileiro e brasileira pode participar, dar a sua contribuição, discutir o futuro do Brasil a partir de temas propostos utilizando as ferramentas digitais. Todas essas experiências têm proporcionado um acúmulo muito significativo de práticas. Práticas concretas, em que se procura dar voz, vocalizar os diferentes segmentos da sociedade e não aqueles que têm os instrumentos formais de poder instituídos, como entidades corporativas, empresariais, o controle dos meios de comunicação e que, portanto, vocalizam muitas vezes como se fossem as únicas vozes ou as vozes que falassem por todas as vozes mais diversas possíveis. Todos esses espaços são recheados de relações de poderes no campo da micropolítica se estabelecem profundas disputas entre os atores, os protagonistas que fazem o dia a dia. Essa experiência muito concreta, muito singela, mas ao mesmo tempo extremamente comprometida com o desvendar os mecanismos de participação da sociedade, o protagonismo dos cidadãos, e ao mesmo tempo as suas dificuldades, os seus desafios, é apresentada
85 nessa mesa. Colocar em questionamento, vislumbrar os avanços e ao mesmo tempo os desafios, as dificuldades, é o objetivo do espaço de diálogo que Nilza, Victor e os nossos três protagonistas vão dialogar com a gente. Nós esperamos que esse momento seja, de fato, de profunda reflexão e acima de tudo mobilizador de cada um de nós que acreditamos que vale a pena lutar pela democracia, que vale a pena construir uma sociedade mais democrática, mais justa, mais fraterna, mas que para isso é fundamental dar a voz e, acima de tudo, espaços de participação social. Espaços em que cada um possa ser, de fato, protagonista da sua vida e acima de tudo da vida em sociedade. Então, eu queria passar para o Victor para ele poder fazer a apresentação que vai dar o início do debate da nossa mesa. Muito obrigado! Victor Huerta Arroyo: Obrigado Ministro Chioro. Obrigado Nilza. Obrigado dona Maria. Obrigado, seu Pedro. Obrigado seu Antônio. E em nome de vocês, obrigado a todos os Antônios, a todas as Marias, a todos os Pedros dessa nossa cidade, desse nosso Brasil. O nosso muito obrigado também a aqueles que nos assistem, aqueles que acordaram cedo hoje, ao prefeito, às autoridades que estão aqui conosco, os artistas, os poetas. Obrigado aos jovens de todas as idades, aqueles que acertam, aqueles que erram querendo acertar, e principalmente aqueles que resistem, aqueles que estão na trincheira da esperança e que buscam deixar como legado para aqueles que virão, não necessariamente a vitória, não necessariamente a perfeição, mas o exemplo de que a vida é vivida no momento presente e é um caminho. Eu me sinto muito satisfeito. Para mim esta é uma mesa muito inovadora. Gostaria de abraçar aqui os nossos protagonistas mais vezes porque a riqueza das informações, da sabedoria que eles nos trouxeram veio enriquecer a nossa percepção sobre o nosso projeto e a nossa cidade. O saber que às vezes pensamos só vale quando é técnico foi afinal enriquecido com aquele lado mais emocional, aquele lado mais sensitivo que é o sentido da
experiência humana. Muito obrigado por vocês estarem aqui e por terem aceitado o nosso convite. E muito obrigado também aos protagonistas que estão no auditório. Tem uma pergunta que eu gostaria de responder, uma pergunta que tem a ver com o futuro e para isso, talvez seria importante rever um pouco essa nossa visão de futuro. O projeto dos protagonistas pode ser contado de três maneiras: desde o início, desde o meio ou a partir do final. Desde o início, ele nos remete a um sonho antigo; aquele sonho muitas vezes sonhado, da cidade desejada. Naturalmente, muitas iniciativas para construir um projeto a longo prazo terminaram naufragando justamente por causa de planos que não souberam sair da esfera do desejo. Entre a cidade desejada, que é uma utopia, e a cidade tendencial, que é um descaso, encontra-se a cidade real do planejamento. Principalmente quando o planejamento e o orçamento conversam e dialogam. Porque efetivamente, quando o planejamento e o orçamento estão juntos nós podemos superar as demagogias e começar a caminhar. Essa mesma história contada desde o final nos remete a um livro que é muito poético, filosófico, inspirador, que entregaremos hoje e que usa como base os resultados de uma pesquisa sobre participação e comportamento. Se trata de um projeto que percorreu a cidade e entrevistou numa primeira etapa 200 pessoas e posteriormente 1.208 pessoas. E a pergunta era: “O que significa participação?”. Simples assim. Essa pergunta foi complementada com outra que buscava resgatar as bases da nossa participação, o espaço onde ela acontece: “onde participamos?”. Na primeira etapa, que foi qualitativa, não tínhamos tempo para ser breves. Afinal de contas, o tempo não pode ser mesquinho quando tratamos com pessoas. Portanto, trabalhamos não apenas essas duas perguntas, mas 32 provocações, 32 mundos conceituais para entender a forma de ser e pensar das pessoas aqui em São Bernardo do Campo.
86 Fizemos perguntas sobre identidade, sobre relações de poder, sobre autoridade, sobre negociação, sobre relativismo, conservação e mudança, tensão e conflito, entre muitas outras. Foi um enorme esforço e uma mostra de sensibilidade por parte da administração em provocar a emergência desses saberes que existem na cidade. Muitas vezes eclipsados pela nossa necessidade de urgência de interpretar, delimitar e construir verdades inabaláveis, que por um lado trazem segurança às nossas práticas e sustentam os nossos discursos, mas por outro lado limitam o nosso crescimento e empobrecem a nossa percepção do mundo. Era, portanto, um esforço necessário porque qualquer planejamento de cidade é incompleto quando não se agrega a variável comportamental na sua equação. Implicitamente, queríamos saber que sociedade precisamos ser para ter a cidade que queremos ver. Mas, quais foram os resultados alcançados? Entre outros, conseguimos identificar que o conceito de participação tem muitos significados, ele é polissêmico, há muitas definições. Só aqui em São Bernardo temos mais de cinquenta. Ele é cotidiano. A participação em São Bernardo é cotidiana. Ele ocorre na comunidade, ocorre na família, na escola, na igreja. Antes mesmo de ascender às esferas institucionalizadas do orçamento participativo, do PPA, a gente participa. Somos seres participativos. Percebemos que a participação, assim como a liberdade, a democracia, a justiça, entre outras, é um conceito em construção. Ela está inacabada, ela está sempre se fazendo, mas ao mesmo tempo está sempre pronta. Assim são os melhores planejamentos. Planejamentos que por ser ferramentas de trabalho estão finalizados apenas na intenção de se refazer todos os dias a partir da ação cotidiana, do monitoramento, do controle social. Identificamos também que somos responsáveis e ao mesmo tempo vítimas de uma série de tensões que prejudicam a utopia da sociedade desejada. Somos desconfiados e paradoxalmente somos profundamente influenciáveis. Observamos o preconceito desde nossas casas ao abrir as janelas e
olhar a rua. Culpamos sempre os outros: - “Os corruptos são os outros, são os outros os corruptores”. Ou como diria Sartre, “o inferno são os outros”. Priorizamos o curto prazo. Priorizamos os direitos sobre os deveres, os saberes técnicos sobre os saberes leigos. A leitura integrada da cidade se expressa como enorme desafio. As partes separadas parecem ser maiores do que o todo unificado. A rua se sobrepõe à leitura integral de cidade. A miopia social ainda é um entrave ao nosso desenvolvimento. Essa mesma história, contudo, quando contada desde a metade, ainda carrega a preocupação e o desassossego da equipe responsável pela pesquisa. Pois a figura, alguma vez romântica do batateiro gênese da nossa identidade, se desmistificava pela sua imagem refletida no espelho: nua, com as cicatrizes e as marcas dos nossos hábitos. Assim, identificamos também duas forças invisíveis: uma estrutura forte, comportamental, que funciona tanto em indivíduos quanto em instituições e um tipo de inércia difícil de vencer, que faz que essa estrutura se mantenha. É bem o mito do Sísifo, condenado a carregar uma imensa pedra pela montanha até alcançar o topo, vê-la rolar para baixo para depois ter que carregá-la novamente. Num ciclo que se repete infinitamente até a chegada da redenção emancipatória. Esse recurso capaz de reverter o ciclo é certamente a participação. Não apenas como forma de conseguir melhores planos, mas como instrumento de conseguir melhores pessoas. De transformar indivíduos em cidadãos e libertar a sociedade da sua serventia. A nossa sociedade está chamada a ocupar o seu lugar na história, certamente. E justamente esse é o lugar que estamos aqui construindo juntos. Essas pessoas que nos ajudarão a construir a base do conhecimento são aquelas que definimos hoje como protagonistas. Aqui está conosco a dona Maria, do bairro da Vila São Pedro, seu Pedro, do bairro Taboão e seu Antônio do bairro Assunção. Eles representam um grupo maior, que está aqui no auditório e outros que anonimamente produzem a
87 cidade e que a partir da sua sabedoria, paciência e carinho fizeram que este grande projeto tivesse o sucesso que já tem. Muito obrigado por nos inspirar. Muito obrigado por estar aqui conosco. Muito obrigado por nos fazer aquecer o coração. Aqui nossos companheiros, na verdade eles estão mais próximos da gente do que vocês imaginam. As vezes um auditório pode até atemorizar, mas a vida é muito mais dura. A vida é muito mais atemorizante e nós conseguimos superar isso muito facilmente. Não é verdade? Eu peço, por favor, para que dona Maria nos dê uma saudação. Maria Gonçalves: Eu. Maria Gonçalves de Lima. Cidadã brasileira. Depois de muita luta e muita caminhada, sou uma pessoa orgulhosa do meu município, do meu país. E não desisto. Eu não conto histórias, eu sou a história do meu país! (aplausos) Victor Arroyo: Obrigado. Quando entrevistamos a dona Maria, já faz um tempinho atrás, ela me questionou, ela me disse: “Victor, afinal de contas, quem são seus super-heróis? Super-heróis, por acaso, não são aqueles que têm superpoderes? Mas, se têm superpoderes, qual é o mérito então? Superheróis? Super-heróis somos nós! Somos aqueles que acordamos cedo, que não desistimos jamais”. São as palavras da dona Maria. É justamente isso. Muito obrigado mais uma vez. Obrigado por compartilhar a sua experiência e a sua força. Seu Pedro! Poderia falar conosco e nos contar como era São Bernardo quando o senhor chegou aqui? Pedro da Costa: Eu fico muito agradecido de ser contemplado dar umas explicações sobre São Bernardo. Estou aqui desde 1955. Então, o que eu pude fazer, eu fiz. E agradeço de ser convocado pelo senhor para dar essa explicação. Muito obrigado. Victor Huerta Arroyo: Obrigado. Há 40 anos, na cidade, seu Pedro plantou uma jabuticabeira. Não é isso? Na frente da sua casa e ele me comentava que quando ele chegou, jovem, forte, e a cidade não tinha nada. E que agora ele está fraco, fala baixo e a cidade cresceu desproporcionalmente. Agora é ela
quem é forte. A cidade é forte, mas nós somos fortes, também, não somos? Seu Antônio! O senhor poderia falar um pouquinho com a gente? Fazer uma saudação? Antônio Amaral: Bom dia! Bom dia a todos! Obrigado, Marinho pelo convite. Valeu! Eu estou aqui para representar a minha cidade, onde eu moro, praticamente eu considero como a minha cidade, porque são 42 anos e eu sou do Vale do Jequitinhonha, cidade muito pobre do interior, local que não tem recurso nenhum. Então, São Bernardo é uma cidade que está caminhando com o desenvolvimento. Marinho sempre está trilhando para desenvolver essa cidade para ficar bem melhor. E eu agradeço pelas benfeitorias feitas no nosso bairro. Os vereadores, todos aqueles que colaboram e o pessoal, todas as entidades de São Bernardo. Por isso, para mim é uma grande honra. E um item que queria falar é sobre a saúde também. Porque vem sendo muito desenvolvida a saúde, mas ainda tem muito a trilhar. Não é que esteja ruim, antes era pior! (risos). Mas através do Marinho, ele vem tentando colocar as coisas no eixo. Na parte de especialistas, hoje em dia, você vai num posto demora muito tempo para ter um retorno. Então acho que essa parte deveria ser vista. E eu agradeço pelo andamento que está acontecendo. Antes as UBS eram todas sucateadas, hoje em dia está bem desenvolvido. Eu agradeço muito e espero que na Saúde sempre vá melhorar mais ainda. Obrigado! Victor Huerta Arroyo: Obrigado. Só um detalhe: quando entrevistei o seu Antônio, me chamou a atenção que na casa dele as paredes estavam cheias de quadros. Eram quadros com casinhas coloridas muito bonitas. Todas elas com a vista para um rio. Um detalhe era que nenhuma delas tinha porta. Então eu perguntei para o senhor: - “Por que essas casas não têm portas viradas para o rio?”. Uma coisa que eu quero destacar dessa sua fala, dessa história que é interessante é a história que o senhor nos contou da temida sucuri. Porque os indígenas, os índios brasileiros, se protegiam da sucuri e seus
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Estรกdio 1ro de maio, Sรฃo Bernardo do Campo. (agosto, 2015)
Foto: Daniel Rulli
90 encantamentos saindo sempre pela porta de trás, pelos fundos da casa. E aí ele fez uma reflexão interessante. Seu Antônio nos contou que quando veio aqui em São Bernardo, ainda tinha a mentalidade de sempre sair pela porta de trás e não olhar para a sucuri. E foi aqui, justamente em São Bernardo, que ele aprendeu a olhar nos olhos da sucuri. No chão da fábrica aprendeu a olhar para as dificuldades sem correr delas. Aprendeu a enfrentar os seus problemas. Aprendeu a entrar e a sair sempre pela porta da frente. (aplausos) Antônio Amaral: Bom, naquela época a sucuri era uma lenda que atacava as crianças, na época dos índios. Mas hoje em dia, existe uma sucuri que nos força a sair pela porta do fundo: é a violência! A violência de hoje em dia é pior do que a sucuri do rio. Então, é isso que eu queria comentar também! Obrigado. Victor Huerta Arroyo: Muito obrigado seu Antônio. A minha apresentação conversa muito com a fala que virá na sequência. Obrigado por me permitir compartilhar com vocês as linhas gerais de uma ideia que contou com a visão inovadora da Secretaria Nilza e do Prefeito Luiz Marinho, e ver este projeto se materializar também a partir de imagens e de um vídeo que agora projetamos no telão, bastante significativo. Vamos ver se vocês conseguem se identificar: Estádio 1° de Maio. (aplausos). Mil pessoas formando a palavra “PARTICIPAÇÃO”. Porque a nossa participação já faz parte da história. São vocês. Somos nós. Todos somos participação. Muito obrigado! (aplausos) Arthur Chioro: Vamos parabenizar o Victor pela sua exposição, pelas reflexões que ele nos traz. Por ter mobilizado a participação desses três protagonistas, que vão estar no livro, colocando a sua alma, a sua visão, a história e a identidade de São Bernardo do Campo, mas que é a história e a identidade do Brasil e de cada um. E vamos passar agora pra Nilza!
Nilza Aparecida de Oliveira: Bom, primeiramente eu quero dizer um bom dia, agradecer a presença de todos e de todas. Chegou o grande dia da gente lançar o nosso livro. Agora, o lançamento do livro não poderia ser feito sem uma reflexão mesmo porque vocês trouxeram elementos para o nosso trabalho, para nossa discussão e para aquilo que a gente acredita que é a participação de uma forma muito efetiva. Então não poderíamos fazer o lançamento sem fazer uma reflexão a partir dos elementos que essa pesquisa nos trouxe com a participação de vocês. Quero agradecer imensamente ao seu Pedro, à dona Maria, ao seu Antônio, e todos e todas que deram o seu depoimento na construção de pensar o que significa a participação em São Bernardo e como as pessoas participam. Então, o meu imenso agradecimento mesmo porque foi a partir de vocês, como disse o prefeito ontem, que ficou a tarefa da gente buscar o que significa a participação. Mas foram de fato os protagonistas que nos deram as respostas. Então, meu imenso agradecimento de tê-los na mesa, de têlos no livro, de tê-los nessa cidade e que tenham ajudado a gente a construir esse trabalho. Quero também cumprimentar o meu companheiro Victor, com quem compartilho sonhos, desafios e dificuldades na construção de instrumentos que assegurem verdadeiramente a participação da população na construção do planejamento de implantação de políticas públicas e obviamente um agradecimento especial a meu companheiro, amigo de sonhos também, Arthur Chioro, ministro Arthur Chioro, porque, trabalhamos juntos aqui, discutimos a São Bernardo 2021. Foi o início, lá trás, como o prefeito disse, lançamos um livro, fizemos inúmeras coisas, não queríamos simplesmente fazer uma São Bernardo 2021 com um número cabalístico, nós queríamos um planejamento que refletisse a necessidade da cidade e que também tivesse concretude na hora da gente implantar. Então, o Arthur fez parte desse processo, ele fazia parte de um grupo que discutia isso, ele fazia parte de toda a discussão que nós fizemos. Nada mais
91 justo do que ele estar nessa mesa, vendo esse acontecimento. Então meu agradecimento a você, e obviamente não poderia deixar de fazer um agradecimento geral ao conjunto do governo, porque participação nessa cidade é marca e método de fazer governo, então não é uma secretaria, são todas as secretarias, são todos os secretários e secretarias, são todos os gestores que fazem a participação nesta cidade (aplausos). E obviamente que eles não mediram esforços para que a gente estivesse aqui hoje. Hoje tem um monte de gente trabalhando para que a gente possa fazer isso e também quero fazer um agradecimento para a doutora Leila, porque nós fizemos um chamamento público. O seminário e o livro foram patrocinados pela doutora Leila Pereira que é da Faculdade das Américas. Eles fizeram possível estarmos aqui sem custos para a prefeitura (aplausos). Eu já vou começar a dialogar com aquilo que o Victor disse. A pesquisa nos revelou tensões sobre as quais já tínhamos uma percepção, mas que a partir desse trabalho ficaram bem mais evidentes. É fato que a gente já estava trabalhando para que essas tensões sejam modificadas a partir do momento em que o prefeito Luiz Marinho se elege e ao chegar à administração propõe fazer um planejamento de longo prazo com a cidade. Ficou claro, embora o tamanho dos problemas existentes, que seria insuficiente a gente pensar apenas num planejamento de curto prazo. O orçamento participativo, embora seja um potente instrumento de participação e também de articulação, possuía limitações para responder aos problemas encontrados nessa cidade. Então, ele lançou o desafio. Ele vive fazendo isso com a gente, ele desafia a gente o tempo todo, ele é muito ousado. A partir dessa provocação nós articulamos e discutimos com o conjunto do governo de utilizar o instrumento que já é a assegurado pela constituição, mas que infelizmente a maioria dos gestores não observa a importância que ele tem. Não é a ausência de instrumentos de gestão que nós temos nas administrações. Eu acho que a gente normalmente
não consegue articular ou utilizar esse instrumento da forma como se deve. O planejamento da cidade é o plano que organiza a gestão e foi o que nós fizemos. E de uma forma diferenciada, com a participação da nossa sociedade, porque a partir do momento que a gente vai para as 29 regiões - que foi o projeto inicial - debate com a cidade, faz um diagnóstico dos problemas reais, levanta as causas e consequências desse problema, a gente vê o valor, vê os recursos necessários. Dessa forma, a gente conseguiu ter uma visão melhor dos problemas da cidade, fazer diagnósticos mais precisos, ter uma descrição correta dos problemas e pensar uma cidade onde a gente possa interferir e consertar, fazendo uma conscientização com a cidade para poder alcançar soluções. O Plano Plurianual Participativo-PPA nos trouxe essa possibilidade, pois articula todos os atores e também articula todas as políticas. Nos dá o tamanho do problema, quanto custa, quais os recursos que temos no município e o que precisamos buscar. E mais do que isso, ele nos dá uma visão de médio a longo prazo. Ele possibilitou vermos em quantos anos a gente vai resolver o déficit habitacional. Não estou falando de déficit futuro, estou falando déficit existente, o plano local de habitação de interesse social, coordenado pela secretária Tassia, demonstrou que nós vamos precisar de 5 PPA´s. Por isso que a gente não queria um planejamento com número cabalístico, nós queríamos um planejamento que dialogasse com a necessidade e com a ação que nós precisamos fazer para resolver os problemas. Então foram informações anticíclicas para responder a todas essas tensões que aparecem, porque as pessoas têm dificuldade de pensar o longo prazo já que somos pautados pela emergência e a urgência. A maioria dos gestores vive essa situação. Agora, nós não podemos esquecer as emergências e urgências, mas nós temos que planejar a cidade de forma a articular o curto, o médio e o longo prazo. Então esse diálogo e essa ação, que é uma ação anticíclica para quebrar essa relação estabelecida de
92 não pensar a cidade e pensar só o mandato de uma forma que você não soluciona os problemas, foi a nossa possibilidade. Outra tensão que a gente vem quebrando está na dificuldade de conseguir ver o todo, e a pesquisa mostra isso, tendemos a ver apenas as partes. Nós temos essa tendência, a gente foca aquilo que nos incomoda. Só que nós temos uma cidade que tem um contraste violento. O déficit social é histórico e a gente não consegue resolvê-lo em 4, 8 ou 16 anos. Então, quando a gente propõe uma caravana da cidadania onde dialogamos com todas as regiões, nós vamos do Rudge Ramos ao pós-balsa, e a gente vê a situação do Alvarenga. A gente também começa a enxergar a cidade que temos e a sociedade que temos. Então a caravana das prioridades nos possibilitou ter um olhar diferenciado dialogando e enfrentando a dificuldade da fragmentação de ver as partes sem perceber o conjunto da cidade como um todo. Também temos outras iniciativas que estamos utilizando para quebrar essa lógica. A Ângela é um exemplo disso. Nós temos aqui projetos que vão para além do PPA, da questão do orçamento do planejamento, como ocorre com o projeto Território de Paz. Falamos de mulheres que buscam construir uma relação diferenciada para a cultura de paz nos seus territórios a partir de lideranças, em especial para uma cidade em que a gente ainda vive uma situação de violência doméstica enorme. Ainda temos homens aqui que batem nas mulheres! Então precisamos quebrar essa lógica e essa relação com uma reação anticíclica. Porque nós não vamos quebrar. A gente não vai mudar o opressor. Nós vamos ter que empoderar e fortalecer os oprimidos. A gente precisa quebrar a relação de opressão e violência. (aplausos) E quando a gente dialoga com esses protagonistas, que nos trazem suas histórias de vida, que contam com a maior abertura - porque são coisas íntimas que vocês vão ver no livro - não há possibilidade de não perceber o que todas essas ações anticíclicas
vêm fazendo. Elas estão tendo resultado. Agora, como nós vimos aqui ontem, ainda temos um percurso imenso para andar. Nós temos várias ações que quebram com esta lógica estabelecida, em especial com a discussão do coletivo versus o individualismo – porque isso também ficou muito claro na pesquisa – que a nossa tendência é de fato pensar o nosso lado, o meu problema e não o conjunto e não o coletivo. E o Estado, ele tem uma obrigatoriedade com o coletivo. Então esses processos, seja PPA, seja orçamento participativo, seja as Mulheres da Paz, seja os agentes comunitários de saúde, enfim, todas as ações que nós fazemos, os agentes de leitura que também estabelecem outra relação no território, etc. Não é só uma “contação” de história, mas é um espaço de reunir, é um espaço de encontro, é um espaço de troca, é um espaço de conhecimento e encontro dos diferentes. São espaços que quebram também com a lógica do individualismo que a gente junta e vê questões no coletivo e divide questões que dizem respeito a todos. Não é só minha ou do outro. Então essas ações estão quebrando com esta relação que colocamos como tensão, que é o individualismo versus o coletivo. E a gente é cobrado o tempo todo: - Você não resolveu meu problema! Nós temos que resolver o problema do coletivo, naturalmente tem exceções, mas o Estado obrigatoriamente tem a responsabilidade de propiciar e melhorar a qualidade de vida a todos e de todas. Então essas ações vêm fazendo a diferença aqui na nossa cidade. Também a gente vem quebrando a lógica quando as pessoas dizem que não sabem falar, porque isso também ficou muito acentuado na pesquisa: - “Eu não sei participar”. – “Eu não tenho condições de participar”. Então estamos demonstrando a partir de todas as ações que a gente vem fazendo no governo que isso não é verídico. Nós todos temos condições de participar, vocês viram a participação da sociedade civil aqui, com várias outras pessoas, palestrantes que são referências acadêmicas no Brasil e no mundo e que tiveram pé de igualdade fazendo debate e uma reflexão sob temas que nos
93 dizem respeito e que passam pela nossa vida o tempo todo. Então, as ações que a gente vem fazendo se tornam anticíclicas quando a gente institui o Conselho Municipal do Orçamento, quando a gente organiza as conferências, quando vocês discutem diretrizes, quando vocês constroem o Plano Municipal de Cultura que a gente vai entrar já, já. E aí, todo trabalho, quando a gente provocou a cidade a partir das duas perguntas: Por que é tão difícil melhorar a qualidade de vida da nossa cidade? E como é que nós podemos participar para melhorar? Foram duas provocações que demonstraram que nós estávamos com a razão e no caminho certo. E aí vieram trabalhos belíssimos, foram dois na semana passada. Mas foram 20 trabalhos realizados, referendados, do conjunto apresentado. Eles estão sendo apresentados aqui no seminário. Então podemos sim! Essa dificuldade de pensar que nós não sabemos e não podemos porque somos leigos, está demonstrado que não é real. Quando nós temos ali a Maria, o Pedro, o Antônio falando. Quando vocês lerem os livros verão os depoimentos que eles nos deram e o compromisso que temos para continuar construindo a sociedade que queremos. Isso é muito importante. Nós fizemos várias ações que vão contra a lógica estabelecida. Pode parecer que estabelecer os espaços é suficiente para que a gente tenha a participação da população. Não é assim. Não dá também para nós acharmos que esses espaços sejam espaços onde as pessoas irão tomar naturalmente decisões racionais, porque nós não somos só racionais, nós também trabalhamos com o subjetivo. Entender este lado da nossa população, entender que a subjetividade faz parte, que nós temos conflitos e que estas tensões existem, nos ajudam a buscar correções de rota e afirmar a questão da participação como um direito e consolidar esse espaço como uma conquista. Porque é isso que foi o tempo todo, a participação não foi dada, a democracia não foi dada, muita gente morreu, muita gente foi presa para que nós
pudéssemos estar aqui hoje refletindo sobre esse espaço. E precisamos continuar aqui refletindo, porque nós não terminamos ainda, temos ainda várias ações para poder pensar quando a gente diz quais são as possibilidades, nós temos vários processos que precisamos aprimorar. Eu particularmente venho trabalhando para que a gente possa, a partir do território, construir possibilidades com as Comissões Regionais de Acompanhamentos, com Conselhos de Saúde, de Educação, com lideranças, de forma que possamos montar e construir alternativas para fazer um acompanhamento, um monitoramento das políticas públicas que estão sendo implantadas no território. Que a gente possa avaliar, possa monitorar e que essas políticas de fato mudem a qualidade de vida na nossa cidade. Então eu quero imensamente agradecer a todos que contribuíram com esse livro, a todos os que compartilharam suas histórias de vida. Cada vez que a gente lia os depoimentos, a gente chorava. A cada hora que a gente fazia uma revisão do livro a gente chorava. Então ele foi muito importante para que a gente pudesse estar aqui hoje. Foram vocês obviamente que nos possibilitaram isso. Então, o nosso grande agradecimento. Obrigado. (aplausos) Arthur Chioro: Eu quero só fazer um fecho para esse espaço e eu acho que até é contraproducente. Na verdade, dessa vez ele abre o convite para a leitura do livro, para o conhecimento dessas histórias de protagonismo e para o que ela pode representar. Aliás, pelo o que ela representou na história de São Bernardo, pelo que ela representa hoje e porque ela aponta na construção do futuro de São Bernardo do Campo, eu acho muito interessante e vou tentar aqui em poucas palavras. Gostaria de passar um pouco a impressão que eu tenho, a partir da fala do Victor, dos protagonistas, da Nilza. É de quando a gente fala em participação e protagonismo, a gente tem que partir do
94 pressuposto de que há racionalidade, mas há subjetividade, mas acima de tudo há a identidade, há histórias, há potência. Essa potência já existe quando se começa um processo de, por exemplo, de gestão participativa e, dar espaço, canalizar, potencializar para que ela possa emergir. Não significa para os gestores, para os agentes do Estado, para as lideranças tradicionais das instituições formais, capturar essa riqueza, mas exatamente permitir que ela possa se espraiar, que ela possa se expressar, que cada um possa de fato dar a voz, mas mais do que dar a voz é ter escuta, é ter escuta de verdade, porque um dos problemas que nós temos de diálogo hoje, não no nosso país e acho que no mundo e a Internet é a expressão disso. Quando a internet surgiu a gente ouvia dizer que a Internet ia romper todas as barreiras da intolerância e que todas as visões de mundo iam se contrapor porque não haveria limite para segurar a informação, não haveria censura. O que a gente observa hoje? Nos nossos Whatsapp´s, nos nossos grupos, nas nossas tocas é que nós nos encontramos nos guetos. A Internet, as mídias sociais também estão virando guetos. Aliás, Humberto Eco recentemente produz um artigo muito interessante nos chamando à reflexão sobre isso. O quanto que a gente tem a potência de se comunicar e se abrir para o mundo e, ao mesmo tempo, a gente procura só aqueles que pensam como a gente, que veem a vida como a gente, que compartilham sem a capacidade de estabelecer o diálogo em que nós de verdade escutamos. E não apenas criamos espaços institucionais onde as pessoas até falam, mas não são escutadas. O desafio é de verdade buscar na história de vida, na identidade da cidade e acima de tudo romper esse gueto num espírito de alteridade. Onde a diversidade e a diferença são profundamente respeitadas. Ela é constitutiva da relação democrática, o direito a diferença, a expressar diferentes visões de mundo, modos de pensar. Onde o contraditório, na lógica do agir comunicativo do haver, possa de fato se estabelecer, que é assim que
a gente constrói um processo de futuro. Mas ele tem que ser pautado sobre alguns princípios, em particular uma visão ético-política, que é do compromisso com o futuro, o compromisso com a democracia, o compromisso com o respeito e o direito do próximo de ter os seus direitos também respeitados. É um compromisso individual, mas acima de tudo é um compromisso que emerge na dimensão do coletivo. Acho que é esse o desafio do Estado democrático moderno, um Estado que seja permeado ao interesse de todos e isso é fundamentalmente uma vacina contra essa visão patrimonialista, essa visão de que ou setores empresariais, ou as corporações, inclusive as corporações dos servidores do Estado, ou os diferentes grupos de poder, que se estabelecem, tomam o Estado dos seus interesses e de alguma maneira interditam para que as histórias de vida, as histórias de protagonismos, principalmente daqueles que aparentemente não tem voz. Mas o Victor nos mostrou que antes dos espaços institucionalizados essa participação já está ocorrendo, já está forçando a barreira das instituições, quebrando as margens dos rios, como dizia o poeta. Ele não consegue segurar a vazão das águas e, portanto, a população fala, ele fala para o ministro, ele dizia assim: “A saúde não está boa, mas eu quero é mais”. (aplausos). É isso mesmo, eu tenho certeza que a Odete e o Marinho, a Odete como secretaria de saúde e o Marinho no governo de São Bernardo. Eu penso o seguinte: se a gente chamasse as pessoas para dialogar com a gente, só para dizer que a gente está tudo maravilhoso, que já fez tudo o que tinha que ser feito, é claro que a gente tem uma visão histórica de como estava, aonde nós já chegamos e aonde a gente quer chegar. Mas se for uma visão do burocrata, se for uma visão do gestor que é incapaz de olhar para o cidadão que está lá na ponta e diz assim: “Não está bom, não está do jeito que eu quero, não está no tempo que eu quero, não tem o acesso que eu quero, não sou
95 respeitado do jeito que eu quero”. É isso! A grande conquista da democracia é que as pessoas param de achar que política pública é uma dádiva de Deus que cai do céu. E isso é até um favor prestado pelo Estado, pelo agente de Estado e que não é o direito dele. Portanto, numa cidade onde o cidadão é chamado para conversar e diz para o ministro, e diz para o prefeito, e para a secretária do prefeito, e para todo mundo que não está bom, é uma demonstração de protagonismo vigoroso e que tem que ser profundamente respeitado (aplausos). Isso particularmente só me estimula! Semana passada estava conversando com a presidenta Dilma porque nós estamos fazendo esse “Dialoga Brasil” viajando o Brasil inteiro e eu disse para ela o seguinte: Eu começo todas as minhas falas... - Ela viu pela televisão que ia vir para São Paulo, que muitos de vocês vão participar. Eu sempre começo assim: “O SUS é uma grande conquista”. Esse copo não vai ajudar muito, mas quando a gente vai pegar um copo transparente dá para a gente fazer uma bela figura de linguagem. Até 1988, o copo estava vazio, o brasileiro não tinha direito nenhum à saúde. Aí a gente começou a encher o copo e hoje entrega mais vida, mas o copo não está cheio. Aliás, esse copo nunca vai estar cheio porque nós somos portadores de desejos, de sonhos, e eles nunca acabam. Os sonhos que vocês tiveram quando chegaram a São Bernardo ou quando vocês eram jovens não morreram, eles foram sendo batalhados, construídos e foram se ressignificando em novos sonhos. Uma cidade como São Bernardo tem que ter essa capacidade! A grande questão é a seguinte: é o nosso compromisso, é a justiça social. O nosso compromisso é com a democracia, o nosso compromisso é com a chamada equidade que é diferente de igualdade, que é olhar mais para quem mais precisa, é fazer falar quem menos fala. Tem um filosofo e eu quero terminar com isso, ele diz uma coisa muito bonita, ele diz o seguinte: “Nós somos co-construtores do universo”. É uma frase muito cheia de significados, mas eu digo o seguinte,
nós somos co-construtores do planeta que a gente vive, do país que a gente vive, da cidade que a gente vive, da comunidade que a gente vive, somos coconstrutores. São Bernardo vem construindo ao longo desses sete anos, dos últimos sete anos, mas na verdade não começa com o prefeito Luiz Marinho, começa com a história de cada um dos São Bernardenses, com a história do movimento sindical, com o movimento social, com o movimento popular, com participação das entidades religiosas. Enfim, com toda uma história que o livro e a pesquisa com certeza retratam que hoje é referencial. Eu só espero sinceramente que esse livro possa nos aclamar cada vez mais para ter uma cidade mais justa. Mas acima de tudo melhor de se viver. E eu espero sinceramente que um projeto como esse possa ter continuidade para que a gente possa continuar escrevendo uma história tão bonita, tão vigorosa, tão democrática! Inclusive, como São Bernardo vem fazendo nos últimos anos! Muito obrigado. (aplausos)
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Mesa 4
da
revisão
das
experiências
participativas no Brasil e no Uruguai se confirma a existência de outra lógica para além dos valores competitivos marcados pelo individualismo, a segregação e o preconceito. A reconquista democrática no continente ainda não está finalizada e apesar dos avanços alcançados são evidentes as fissuras produzidas pelo nosso desenvolvimento desigual, a desconfiança e o desgaste herdado pelos tempos do terror e a impaciência depois de uma longa caminhada que se mostra ainda inconclusa. Valores solidários, respeito às diferenças e uma visão disruptiva da realidade são condições capazes de reformar e aprofundar o estado democrático. São, todavia, capazes de modificar as velhas estruturas de poder que ainda sobrevivem e modelam as relações entre as pessoas. São relações que insistem ciclicamente em perpetuar modelos de inequidade e pobreza anacrônicos com o modelo de nação projetado pelos primeiros defensores da democracia e pelos homens e mulheres que ofertaram as suas vidas em prol da liberdade e da justiça social. José Mujica Cordano, Luiz Inácio Lula da Silva e Luiz Marinho, entrelaçam suas trajetórias como grandes lideranças para produzir um diálogo marcado por histórias coloquiais, lições de vida e uma análise do comportamento humano, social e político nos tempos modernos, um legado que propiciará insumos para caracterizar tendências no Brasil e no Uruguai, em pleno século 21.
LUIZ MARINHO Prefeito de São Bernardo do Campo
JOSE ALBERTO MUJICA CORDANO Senador da República e ex. Presidente do Uruguai
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Ex. Presidente da República Federativa do Brasil
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Prefeito Luiz Marinho: Hoje, na abertura dos trabalhos dessa manhã, contamos com o ex presidente Mujica, Pepe para os amigos, lá do Uruguai. (aplausos). Meu muito obrigado pela sua presença. O ex presidente Lula, dispensa apresentação. Eu já fiz referência a vocês dois hoje de manhã, portanto eu vou pular essa parte. Depois nos vamos fazer o lançamento do livro. Terminando aqui nós vamos entregar um livro a eles. Enfim, fazer aqui a homenagem no final, mas queria ao dar as boas-vindas a vocês, dizer que nos traçamos como objetivo desse seminário internacional, nesses dois dias, debater os desafios e as perspectivas da democracia e da participação cidadã dos processos democráticos. Refletir sobre valores e comportamentos, assim como identificar as tensões e os alcances da ação coletiva para o desenvolvimento das nossas cidades. Nós estamos vivendo um momento no Brasil de muitas tensões e até mesmo de questionamentos da democracia. Vocês, Lula e Mujica, tiveram um papel fundamental nos processos de
redemocratização, tanto no Uruguai como no Brasil e também vocês instituíram diversos canais de diálogo social durante seus mandatos, muita participação. Enfim, nós queremos, nessa manhã, fazer uma provocação para vocês dialogarem um pouco conosco. Sobre como vocês estão vendo o momento atual e quais os desafios e perspectivas para aprimorarmos o processo democrático na América Latina. E, a participação ao nosso ver faz muita diferença, nós queremos aqui deixar esta provocação para o presidente Lula e o presidente Mujica. Aproveito para cumprimentar no auditório a Resende Trevas, meu grande amigo bem-vindo aqui. Ontem tivemos conosco o prefeito Fernando Haddad, à noite, fazendo uma bela exposição colaborando entre os nossos convidados palestrantes que estão aqui presentes também, mesas fantásticas! Eu queria pedir uma salva de palmas a todos os palestrantes que colaboraram conosco aqui nesses dois dias. Meus agradecimentos de forma muito especial (aplausos). Então nesse momento passo a
100 palavra para o presidente Mujica. Fique à vontade. Bem-vindo! É um prazer enorme ter você aqui. (aplausos) Ex. presidente José Mujica: Amigos, preciso falar devagar para que vocês possam me entender. A democracia tem doenças, como qualquer construção humana. Mas, como dizia Churchill há muito tempo, é a melhor porcaria que nós encontramos até hoje. Por isso, o caminho não é ir para trás, pois esse filme a gente já viu. É melhorar o que conquistamos, e isso significa que a democracia exige partidos políticos. Não há democracia sem partidos. Os partidos são a vontade coletiva de grupos humanos atrás de tentativas e sonhos de construir coisas melhores. Não há homens imprescindíveis, o que há são causas imprescindíveis. (aplausos) Por maior que seja um dirigente, nunca será tão grande se não tiver um grupo de pessoas atrás dele que lhe dê força. Mas além disso, dos partidos, os governos abastecem o hoje, os partidos lutam pelo amanhã, pela utopia. Mas os partidos também ficam doentes. Ficam doentes em nossas sociedades, porque correm o risco de se transformarem num lugar de acomodação. De acordos, de benefícios pessoais, pois assim são os seres humanos. E temos de lutar por partidos republicanos onde ninguém é melhor do que ninguém. E as pessoas e os dirigentes devem aprender a viver como a maioria do país, e não como a minoria. (aplausos) Parafraseando Adam Smith, a economia é a parte da ética e da filosofia. Quando descobriram a importância do mercado, separaram a economia da ética e da filosofia. Não se pode separar a economia da alma da ética, da filosofia, dos sonhos. Por que? (aplausos) Porque o homem precisa sonhar, imaginar e caminhar em direção de um mundo melhor. É o que dá conteúdo às nossas vidas. Como indivíduo e como coletivo, como sociedade. Quando deixamos de confiar e de acreditar, não nos resta outra coisa além do egoísmo. Cada um fazer para si e isso é o mundo individual. É o ponto final do
egoísmo. Por isso, não podemos mudar o mundo. Mas talvez possamos mudar um pouco nós mesmos. E se nós começarmos a mudar, principalmente aqueles que estão nos partidos, e percebermos que um partido não foi feito para fazer dinheiro, não feito para se enriquecer, porque a riqueza que procuramos é o carinho das pessoas, não é o dinheiro. (aplausos) Isto não é moralidade barata, é para onde caminha a vida! Tem gente que gosta muito de dinheiro. Então que vá viver do comércio, da indústria, multiplique a riqueza e pague impostos. (risos) Mas não na política. Na política há interesses sim, mas há o interesse do carinho das pessoas. Porque o esforço da política é o desejo de que as pessoas vivam melhor. E não é necessário retribuir com dinheiro, pois isso não tem preço. Nem tudo é mercadoria no mundo. Nem tudo é vendido. Nem tudo é comprado. (aplausos). Por isso, principalmente a política de esquerda, progressista e solidária. Não se pode ser solidário sem compartilhar! E como não podemos consertar o mundo com o dedo, pelo menos vamos viver como vive a grande maioria. As repúblicas foram inventadas no mundo para dizer “não” aos reis. Para dizer “não” aos senhores feudais. Para deixar claro que ninguém é mais do que ninguém. As repúblicas não devem pegar a doença da monarquia. Não devem deformar-se. Não se deve confundir um presidente com um monarca. Devemos entender que um cargo importante numa administração é apenas um voto de confiança das pessoas. E devemos nos acostumar a participar, ter independência de critérios, a respeitar e, acima de tudo, respeitar aquele que pensa diferente. Porque senão nós não podemos conviver. Mas precisamos aprender uma lição com a história, quanto mais duro for o enfrentamento das classes sociais que trabalham numa sociedade, mais difícil será essa recuperação. Não se deve brincar com fogo, pois o que foi conquistado com a democracia não deve ser jogado num canto. E quando não é possível progredir porque o mundo nos impõe dificuldades
101 no intercâmbio econômico, pelo menos devemos ter o acordo nacional básico de conservar o que já conquistamos. Mas o único animal que tropeça diversas vezes com a mesma pedra é o homem. Porque chegam as novas gerações e não têm porque se lembrarem das dores que nós sofremos. E surgem os tontos. Os tontos que acham que deixando de lado o que nós conquistamos, vamos poder ter um mundo melhor. Por isso, paciência e militância. Mais do que nunca, necessitamos de partidos progressistas. E entender que se brigamos pela solidariedade e por compartilhar, devemos fazer isso lado a lado e de boca em boca. Os grandes meios nunca vão estar do lado do povo. Porque os grandes meios são empresas. E essas empresas veem o mundo de outra maneira. Por isso, para nós é fundamental a existência de partidos. Pois individualmente a nossa voz é muito fraca, mas em conjunto temos poder. E sejam pacientes. Eu sei que no Brasil estão jogando um jogo importante para toda a América Latina. Chegamos tarde. Seguimos atomizados, o mundo está se organizando em blocos. Como vamos querer discutir com a China, com a Comunidade Europeia, ou com os Estados Unidos, cada uma das repúblicas latino-americanas? Fazer tratados com esses blocos gigantescos, ou com a Índia? O que vamos fazer? Não podemos! Vocês percebem, brasileiros, a responsabilidade que tem a Amazônia de nos juntarmos ou não? De nos sujeitar ou não? Mas não entrem num nacionalismo exagerado. Vocês também chegaram tarde. Nós, os demais latino-americanos, precisamos de vocês como precisamos de pão. Mas vocês precisam de nós como precisam do ar. Porque juntos somos fortes, individualizados somos frágeis demais. Em relação às cidades eu não vou dizer nada. A minha alma é do campo. Mas quero lembrar a vocês que os maias já possuíam o controle territorial. Uma cidade possuía um determinado tamanho e se precisassem construir outra, ela seria numa distância de dez dias a pé da outra. O erro mais impressionante para a solidão humana dentro da
multidão está sendo feito com as megalópoles. O homem possui uma medida. Um 90% da história do nosso planeta se move em forma de nacionalidades. Com o surgimento da agricultura apareceram as primeiras cidades. E a história da civilização é o quanto puderam administrar cidades pequenas. Como as mais antigas, as cidades do Renascimento, como as da Liga Hanseática. Ainda vamos comprovar se as megalópoles são exemplo de civilização. Por enquanto, elas são geradoras do narcotráfico. Uma selva para o homem e solidão, uma enorme solidão dentro da multidão. A humanidade no futuro vai ter muito que discutir. Ainda bem que eu vou embora antes. Porque têm uns doidos que estão pensando em cidades com 100 milhões de habitantes lá na China. (risos). Bom, acho que o homem tem uma medida, uma convivência e nada melhor do que se conhecer, caminhar pela rua, limpar a calçada e falar com a vizinha, fofocar e conhecer o bairro, não se sentir sozinho e, principalmente, cair numa esquina e ninguém saber quem ele é. Nada como a intimidade humana, mas isso tem uma medida. Por isso, acho que os partidos e as organizações sociais podem contribuir e criar comunidades dentro das multidões. E vou terminar! Para o pobre povo Aimara, pobre é aquele que não está numa comunidade. Você pode viver dentro de uma cidade gigantesca e estar mais isolado do que um cogumelo. E não há castigo pior do que a solidão. Obrigado! Prefeito Luiz Marinho: Muito bem! Muito obrigado amigo Mujica! Trouxe aqui algumas conclusões muito interessantes especialmente nesse momento de grande ataque que passa o processo democrático, os partidos políticos de esquerda, enfim. Não há democracia sem pessoas, sem gente e sem partido político. Obrigado por nos lembrar que não há homens imprescindíveis, mas ideias imprescindíveis! Por ideias as pessoas lutam, vão às ruas, vão aos movimentos. A importância dos partidos, movimentos sociais e acima de tudo, da militância.
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“Não há homens Há causas
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imprescindíveis. imprescindíveis!”
104 A gente fez uma grande homenagem à militância nesta manhã. Então, uma salva de palmas para todos os guerreiros e guerreiras do processo democrático brasileiro. E agora vou passar a palavra a esse grande companheiro, o presidente que, seguramente na nossa história, é uma das maiores lideranças políticas que nós construímos. Então com vocês, Luiz Inácio Lula da Silva. Presidente Lula, por favor. Fique à vontade. (aplausos) Ex. presidente Lula da Silva: Querido companheiro Pepe Mujica, grande companheiro, expresidente da República Oriental do Uruguai, muito obrigado por ter aceito o convite de participar desse evento. Companheiro Luiz Marinho, nosso querido ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, ex-presidente da CUT, ex-ministro da Previdência, ex-ministro do Trabalho, prefeito de São Bernardo do Campo e logo, logo, ex-prefeito de São Bernardo do Campo. (risos). É extraordinária a tua decisão de fazer um seminário com o título "Participação cidadã, gestão democrática e cidade no século XXI". Esse é um tema que o nosso partido tem o que ensinar. (aplausos) Esse é um tema em que os prefeitos do PT, ao longo destes 35 anos construíram história. Não é querido Trevas? Construímos história. Meu querido companheiro Arthur Chioro, nosso querido ministro da Saúde. Não sei se é verdade que defendeu a CPMF, mas a verdade é que ela não deveria ter sido tirada. Foi tirada. E você deveria pedir para os governadores reivindicarem, para os prefeitos reivindicarem. (aplausos). Porque eles precisam de dinheiro para a Saúde. Minha querida Miriam Belchior, companheira, especialista de gestão pública e hoje presidente da Caixa Econômica Federal, uma instituição que financia duas coisas importantes nesse país. Primeiro cuida da poupança do povo pobre do pais, cuida do Fundo de Garantia do povo trabalhador desse país, que eu espero que os juros aumentem para o trabalhador. Cuida de Financiamento Habitacional
e cuida do Saneamento Básico. Meu querido Frank Aguiar, vice-prefeito de São Bernardo do Campo. Que também e um grande cantor. Viu, Pepe? Se um dia quiser ouvir música nordestina, Frank Aguiar é um grande cantor, pode cantar até em espanhol se for o caso. Querido companheiro Vicentinho, deputado federal, também ex-presidente do Sindicato, também ex-presidente da CUT. Querido deputado federal, companheiro Mentor que está aqui presente. Companheiro Carlos Aratini, também deputado federal. Nossa querida companheira Ana do Carmo, deputada estadual. Nosso querido Luiz Fernando Teixeira, deputado estadual. Nosso querido companheiro Luiz Turco, deputado estadual. Nosso querido Alencar Santana, deputado estadual. Nosso querido Carlos Grana, só não foi ex-presidente do sindicato, mas também um companheiro metalúrgico dentro da Confederação Nacional dos Metalúrgicos e prefeito de Santo André e a sua querida companheira Fátima. Querido companheiro Azaninha, vice-presidente do PT. Companheiro Paulo Ares, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, que esteve ontem em Belo Horizonte na abertura do congresso da CUT, estivemos juntos. Querido Rafael Marques, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Querido companheiro Gilmar Mauro, da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores sem Terra. Companheiro Klaus Capelle, reitor da Universidade Federal do ABC. E eu vou dizer aqui em público ao Klaus que tinha falado com o Marin, falei com você. O Pepito já está com oitenta anos. Quantos anos têm, Pepe? Oitenta? Então é preciso que a gente dê um título de doutor Honoris Causa da Universidade Federal do ABC para o companheiro Pepe Mujica! (aplausos). Que certamente será bom para ele, mas será muito melhor para o currículo da Universidade ter um personagem como esse com o título de doutor Honoris Causa. Quero cumprimentar a minha companheira Marisa. Quero cumprimentar a companheira do Marinho,
105 Nilza. Quero cumprimentar as mulheres aqui presentes, os homens também. Nosso querido Suplicy. (aplausos). Quero cumprimentar cada secretário municipal, cada secretário de governo. A nominata foi-me feita aqui. Como não tem uma estrutura para fazer a nominata, aqui vai sendo "pego a olho". Faltaram pessoas que eu não citei aqui. O Barba também está aqui. Quem mais, Marinho? É o seguinte, considerem-se todos citados aqui (aplausos). Os prefeitos. Nós temos um prefeito de Bragança Paulista que se chama Fernão Dias e ele diz que eu só o chamo de Via Anchieta, de Dutra. (risos). Então, obrigado pela presença aos prefeitos aqui. Na nominata eu só tinha o Marinho e o companheiro Grana. Talvez a pessoa que tenha feito a nominata seja "puxa-saco" dos dois, pois só colocou o nome dos dois. Está também o governador de Santa Fé na Argentina, companheiro conferencista que vai participar aqui do ato, bemvindo querido. (aplausos) Pepe, eu tenho adquirido o hábito de tentar fazer os discursos por escrito para controlar o meu tempo, porque você sabe que nós, latinos falamos demais; e muitas vezes nos empolgamos com o tema e esquecemos que tem outras pessoas, outras atividades. E as pessoas sempre são muito generosas; batem palmas, gritam, mas daqui a pouco as pessoas começam a gritar que estão com fome e nós teremos que parar. O tema é um tema próprio para o momento que nós estamos vivendo. E vou repetir: "Participação cidadã, gestão democrática e cidade no século XXI". Eu queria começar dando uma explicação a vocês. O Pepe estava emocionado, entusiasmado, porque ele foi na UERJ quinta-feira e todos viram pela imprensa que foi um sucesso extraordinário, mas o que ele não esperava, que foi mais sucesso, é que uma garota de menos de vinte anos se aproxima de Pepe e diz "Pepito, porque não se casa comigo?" (risos) E ele como conhece sua mulher, em nenhum momento ficou em dúvida e já disse "não, já sou casado. E muito bem casado!". Mas de qualquer forma pegou o endereço da garota. (risos).
Eu queria, depois dessa brincadeira com ele, dizer, Pepe, que você está em uma cidade, em uma região na verdade, muito importante do País. Uma região economicamente considerada rica, mas socialmente com muitas deformações. E você está numa cidade, ao lado de um prefeito e de centenas de companheiros que construíram a história das lutas populares, das lutas sindicais e da luta do PT nesses últimos 35 anos. (aplausos). Foi nesta cidade, Pepe, que em 1975 por mérito e obra da categoria metalúrgica que surgiu o novo sindicalismo no País, que fez a revolução no nosso sindicalismo. Daqui dessa cidade, desse sindicato, saiu a CUT. A mais importante central sindical da América Latina, se não a mais importante das centrais sindicais do mundo. Aqui foi criado o PT. Há 35 anos, nós tivemos a ousadia de propor a ideia de que os trabalhadores teriam que se organizar num partido político e resolvemos então construir o Partido dos Trabalhadores. Na época, nós enfrentamos muitas adversidades, porque tinha muitos partidos de esquerda, alguns clandestinos, que se achavam os representantes dos trabalhadores. E o PT então surge como se fosse um partido de visionários, ou seja, nós estávamos dividindo o que não existia, porque não existia Partido do Trabalhadores nesse país. E eu descobri isso quando eu fui no Congresso Nacional, em 1978, porque o governo da época fez uma lei para criar as categorias essenciais que eram as categorias que não podiam fazer greves. Professores não podiam fazer greves, frentistas de postos de gasolina não podiam fazer greves, bancários não podiam fazer greves e nós fomos nós insurgir contra essa lei. E ao chegar ao Congresso, percorrendo os gabinetes dos deputados, eu descobri que não havia trabalhador no Congresso. E então eu pensei: "Como é que nós queremos que aconteça uma legislação favorável aos trabalhadores se não temos ninguém aqui?". Então, desta forma simples, nunca havia lido o Manifesto Comunista, por tanto não foi ele que me orientou a criar um partido político. A necessidade da sobrevivência no mundo
106 real me fez tomar consciência de que era preciso criar uma organização política, pois não era possível, como sindicalista, ficar todo ano fazendo greve, reivindicando melhores condições de vida e na eleição eu elegia o meu patrão para ser vereador, para ser prefeito, para ser deputado, para ser governador, para ser senador e para ser presidente da República (aplausos). Era algo muito simples, Pepe. Não foi fácil, pois nós pensamos que as coisas são mais fáceis. Aqui tem pessoas que sabem quantos domingos nós íamos para rua, em qualquer esquina dessa cidade, com um carro com megafone gritando "estamos criando um Partido dos Trabalhadores, quem quiser se filiar, venha se filiar". As pessoas não acreditavam, elas não se filiavam. E nós criamos um partido. Eu fui candidato a governador, Pepe, em 1982. Eu achava que iria ganhar pois naquele tempo o PT era novidade. Naquele tempo as meninas me pediam em casamento como lhe pediram agora. Onde nós chegávamos nós éramos um sucesso. No interior de São Paulo eu tinha a nítida impressão de que iria ganhar as eleições. Nós éramos a novidade do mundo político, ou seja, o quanto a juventude participava das nossas coisas era algo extraordinário, além de que eram os trabalhadores que estavam pela primeira vez disputando o poder neste País. Maior decepção. Eu fiz um comitê no Pacaembu, aqui tem pessoas que estavam no Pacaembu, comitê extraordinário. No encerramento da campanha tinha um jornal que publicou uma pesquisa "Lula tem 10% dos votos". Eu já falei "este jornal é da burguesia, este jornal está mentindo. O patronato não quer que eu ganhe as eleições". E não é que eu havia tido apenas dez por cento mesmo? Eu fiquei frustrado. Eu fui o quarto colocado. Eu pensei que o mundo tinha acabado. E então eu conto para todo mundo; o Fidel que nunca tinha disputado uma eleição na vida dele me deu um conselho político e eleitoral. Eu fui em 1985 a Cuba conversar com o Fidel e eu estava desanimado, não queria mais ser candidato a nada e o Fidel fala para mim: "Lula, você conhece
algum lugar do mundo em que um operário já teve 1.250.000 votos? Não tem na história da democracia um operário que obteve 1.250.000 votos". E então eu voltei de lá entusiasmado achando que era grande mesmo. (aplausos) Fiquei pensando: "Esse Fidel é um metido porque nunca disputou eleição nem para a Juventude Socialista em Cuba. Como ele vem dar palpite?". Mas o dado concreto é que a perseverança e o ímpeto de luta desse povo fizeram com que nós criássemos em pouco tempo o partido de esquerda mais importante da América Latina, ou o maior partido. E que nós pudéssemos chegar ao poder com vinte anos de existência desse partido. E que conseguíssemos fazer uma revolução silenciosa nesse país. E só conseguimos fazer isso, Pepe, por conta das nossas prefeituras. Foram as nossas cidades. A primeira que nós ganhamos em 1982, a primeira foi Diadema, com a vitória do companheiro Gilson, a qual nos ensinou a criar uma coisa chamada modo petista de governar. Que fez ensinamento nesse pais, sobretudo, com a construção do orçamento participativo. Orçamento participativo. Estou falando em espanhol para que você me entenda bem. O orçamento participativo foi uma revolução, eu diria de comportamento e de cultura nesse país, porque pela primeira vez na vida pública desse pais, o povo humilde era chamado para ir em uma reunião com os secretários da prefeitura e com o prefeito para discutir cada prioridade do seu bairro, cada prioridade da cidade. E votavam, e aprovavam, e cobravam. E no ano seguinte estavam lá outra vez; os secretários, o prefeito. Aqui eu poderia citar Miriam Belchior como uma iniciante desse processo aqui no ABC, mas a mulher do Marinho é especialista nisso. Além de outras coisas só faz isso. Fazer orçamento participativo, chamar o povo para participar, discutir os planos plurianuais, ou seja, a coisa mais cidadã do ponto de vista gerencial de uma cidade que acontece nesse país é o processo estabelecido na maioria das cidades do PT. E isso
107 incomoda muita gente, incomoda porque o PT vai dando esses exemplos e vai obrigando as pessoas a cobrarem de outros prefeitos e vai ficando desagradável. O povo não tem que dar palpite, o povo não tem que saber das prioridades, é o prefeito que sabe.Aqui no Brasil muitas vezes as pessoas deixavam para fazer as obras no último ano, porque eleitoralmente interessava fazer a grande ponte, o grande viaduto, o grande túnel, a grande coisa no último ano eleitoral. Não precisava acabar, era só começar a obra. E o PT mudou esse padrão. Eu não sei se há hoje um acompanhamento real do partido em função do comprimento desse compromisso do PT, mas o PT tem. Companheiro Padilha, por favor... (aplausos). O Padilha, Pepe, foi ministro da Saúde da presidente Dilma, foi ministro de Articulação Política no meu governo, foi candidato a governador. Assim como eu, não teve sucesso e agora é Secretário de Saúde da cidade de São Paulo. (aplausos). Eu falando essas coisas do PT, eu quero que fique registrado que esse partido mudou a cultura administrativa das cidades no nosso país e está mudando a cultura dos estados também. Eu vim de Minas Gerais ontem e o companheiro Pimentel dividiu o Estado em dezenove áreas e nessas áreas o orçamento do Estado está sendo discutido com essas pessoas, com essas regiões, além de discutir o modelo de desenvolvimento para cada região. E isso que vai fazer, obviamente, a diferença no resultado final do governo do companheiro Pimentel. E isso vale para a Bahia, para o Ceará, para o Piauí, ou seja, vale onde o PT governa. Se alguém pergunta a mim, Pepe, qual foi o maior legado que eu deixei na minha passagem pelo governo deste país, eu não tenho medo de dizer que foi a relação que o governo estabeleceu com a sociedade e a relação do governo com o movimento social. Acho que se juntar todos os presidentes da história do país, todos eles juntos, em cem anos, não fizeram dez por cento das reuniões que nós fizemos com movimentos sociais nesse país. (aplausos)
Aqui a Miriam ajudava a coordenar, o Marinho quando estava no governo ajudava a coordenar, o Padilha ajudava a coordenar. Foram setenta e quatro conferências nacionais. Setenta e quatro conferências que começavam no município. Do município tirava-se delegado para ir para o Estado, do Estado tirava-se delegado para ir para Brasília. E foram setenta e quatro conferencias que definiram as políticas públicas que nós implantamos nesse país, ou seja, as políticas não eram do governo, as políticas eram da sociedade brasileira que havia ajudado a construir um novo comportamento. E isso faz a diferença quando o governante não se acha superior aos governados. Um governante não tem que ter preocupação em colocar pessoas para ensinar o que ele deve fazer. Em um país do tamanho do Brasil, não é possível ninguém governar a partir de Brasília. Não é possível que não tenhamos noção da mega diversidade cultural, econômica e social deste país. E, portanto, nós não perdemos tempo ouvindo; nós ganhamos sabedoria ouvindo as pessoas que nunca falaram virem dizer para nós o que deve ser feito neste país. No Palácio do Planalto, quando eu era presidente, um dia apenas para desmoralizar os preconceituosos, nós fizemos uma reunião com todos os portadores de deficiência visual com seus cães-guias, pois havia uma briga em Brasília sobre os cães-guias poderem entrar nos metrôs, nos shoppings. Eu falei: "eles vão entrar no Palácio, pois se entrarem no Palácio eles podem entrar em qualquer lugar desse país"(aplausos). Os hansenianos entraram pela primeira vez na vida em um Palácio em Brasília. E pelo fato, Pepe, de eu reuni-los dentro do Palácio e beijar cada companheiro e cada companheira mutilados, todos choravam porque nunca uma autoridade tinha chegado perto deles. (aplausos). O Palácio continuou recebendo príncipes, continuou recebendo empresários, continuou recebendo presidentes das repúblicas, mas aquele Palácio passou a receber a sociedade brasileira. O
108 movimento LGBT, o movimento do sem-teto, o movimento dos sem-terra, o movimento dos "sem carro", o movimento dos "sem televisão", o movimento dos "sem mulher", o movimento dos "sem namorado"; quem quisesse ir até lá falar podia ir e falar. E por isso que tenho a orelha meio caída, de tanto ouvir.
para eles: os mangues, as beiras de córregos e as encostas de morros; e foram sendo construídas as grandes favelas deste país. E hoje qualquer prefeito que entrar vai gastar mais dinheiro tentando reparar a desgraça feita a trinta anos atrás, do que com os projetos novos que ele deve construir para o futuro. (aplausos)
Eu falo muito, mas eu ouço muito. E não existe outra possibilidade de um prefeito, um governador ou um presidente ser bem-sucedido em qualquer lugar do mundo se ele não ouvir a sociedade. Ele tem que ouvir a sociedade muitas vezes. E às vezes mais que uma vez. Neste país, Pepe, o Presidente da República não se reunia com os reitores. Reitor era um pessoal abominável. E os presidentes eram todos professores universitários. O único "analfa" sou eu! (risos). O restante, todos eram reitores. E não se reuniam com reitores exatamente com medo desses reivindicarem algo. Os presidentes não se reuniam com prefeitos. Os prefeitos iam para Brasília e não eram recebidos, quando não, colocavam cachorros policiais para tomar conta dos prefeitos. E nós passamos a mudar essa lógica, passamos a mudar com a consciência de que ser presidente e apenas uma função. Você está exercendo uma função que tem prazo de validade. Você sabe a hora que entra e sabe o dia que termina.
Então, pensar a cidade do século XXI, pensar na participação cidadã das pessoas e o que nós estamos tentando construir numa cidade como esta daqui, Pepe, eu acho que isto faz a diferença. Isto faz a diferença porque uma dona de casa que nunca participou de uma reunião de nada, que nunca foi convidada para nada, de repente receber um convite para ir a uma reunião e ela ter o direito de dizer se vai ter uma escola na cidade dela, no bairro dela, se vai asfaltar uma rua, se vai ter uma clínica médica, se vai ter um hospital, é algo inusitado, que em nenhum lugar deste país acontecia antes do PT chegar ao governo. Já fizemos tudo? Não! Estamos apenas começando e falta muita coisa para a gente fazer. E nesse momento, em que o PT passa por um momento de criminalização, como talvez só tenha acontecido com o PCB nos anos 40, é importante que nós tenhamos clareza: esse companheiro Rafael Marques, esse, companheiro Paulão, companheiro Gilmar Mauro, companheiro Maris, companheiros do PT. Esse é o momento do PT levantar outra vez e ir para a rua como nós fomos no começo para fundar o PT. (aplausos)
Então, você não deve tratar o cargo de presidente como algo absoluto como "sabe com quem você está falando? Eu sou o presidente, sou a presidenta, sou o prefeito. Não! A capacidade que esse menino tem de ouvir (Luiz Marinho). Porque ser governador neste começo de século XXI é fazer reparação nos estragos que foram feitos nas cidades brasileiras nos anos 60, nos anos 70 com a ocupação das grandes cidades. (aplausos) Na verdade, é quase um processo de restauração porque neste país nos anos 60 e nos anos 80, com o êxodo rural, com o empobrecimento do Nordeste, com a vinda de todo mundo para o Centro-Sul do país e para as capitais de cada Estado, os povos foram ocupando os únicos lugares que restavam
Eu fico pensando que há certo incômodo nesse país e eu não tenho sabedoria para entender tudo o que está acontecendo. Há certo ódio emocional. Ha uma irracionalidade emocional. As pessoas não discutem como nos discutíamos há vinte anos, há trinta anos. As pessoas estabeleceram uma divisão na sociedade. E aqui nesse Estado ela é mais forte; aqui nesse Estado é quem é do PT e quem não é do PT. E por aí vamos tentar demonizar quem é do partido. As pessoas têm razão? Pode ser que algumas tenham razão em algumas críticas, mas do que vem esse ódio? Aqui deve ter muito psicólogo, muito analista;
109 deve ter muita gente aqui, por favor me ajudem a dar resposta nisso, no divã. Tentem descobrir isso, e quebra o segredo e conta para a gente o que está acontecendo, porque há uma irracionalidade, eu fico pensando assim, será que uma parte desse ódio demonstrado contra o PT, é porque as empregadas domésticas conquistaram mais direitos? (aplausos) Eu fico pensando, ou seja, porque nós fomos pra rua, eu disse ontem na CUT em São Paulo, nós fomos para a rua sempre à procura de conquistar alguma coisa para melhorar as pessoas e eu acho que essa pessoas estão indo para a rua para desfazer as melhoras que conquistamos ao longo desses anos todos. (aplausos). Porque eu fico imaginando o seguinte, durante doze anos o salário mínimo aumentou nesse país, durante doze anos, durante doze anos nós colocamos mais gente na universidade do que eles colocaram no século, durante doze anos nós fizemos mais ascensão social da população do que eles fizeram em 500 anos. Só para você ter ideia, "Pepito", eu te perguntei quando é que o Uruguai teve sua primeira universidade, e o Pepe me disse: "A primeira universidade no Uruguai foi feita há 180 anos atrás" e a segunda foi ele que fez. (aplausos) Eu vou te falar, Pepe, eu vou te falar o comportamento de uma parte da elite brasileira que governou esse país. Primeiro, eles sempre deram de barato que a maioria da população tinha nascido para ser pobre, tinha nascido para trabalhar e que não precisava estudar. Estudar era coisa para poucos, sempre tratados nesse pressuposto, porque veja, se não fosse assim, o que é que explica que Colombo descobriu a Republica Dominicana e a América em 1492, que ele chegou em Santo Domingo e em 1507 Santo Domingo já tinha a sua primeira universidade, quinze anos depois? O que é que explica o Peru, em 1550, já ter a universidade de São Marcos? O que é que explica a Bolívia, em 1640, já ter sua primeira universidade? E o que é que explica esse imenso país só ter sua primeira universidade, enquanto universidade, em 1922? (aplausos).
Ou seja, enquanto o Peru teve 50 anos depois da descoberta, o Brasil teve 420 anos depois da descoberta. Ou seja, o pressuposto era exatamente que universidade é para poucos, não é para todos e é por isso que não faziam. E veja a ironia do destino, "Pepito", eu tenho curso primário e o curso de torneiro mecânico. Eu sou o menos letrado das pessoas que chegaram no governo, entretanto, eu vou passar para a história como o Presidente da República que mais fez universidades na história do país, que mais fez escolas técnicas na história desse país. (aplausos). Nesses doze anos de governo nós fizemos dezoito universidades federais novas e fizemos 173 extensões universitárias, e me parece que já estamos com 455 escolas técnicas. Em 100 anos a elite brasileira fez 140, em doze anos nós fizemos 455 escolas técnicas neste país. (aplausos) Então, essa participação cidadã, Pepe, incomodou alguns. Você sabia que tem gente pobre no Brasil indo passar férias em Montevideo? Em Bariloche? Sabia que tem brasileiro na Argentina quase que mais do que argentinos mesmo? Ou seja, os pobres passaram a andar de avião, "Pepito". Ninguém quer mais andar de ônibus, eles querem viajar de avião. É um direito de eles andar de avião. E aí aqueles que andavam diz que o aeroporto parece uma rodoviária (aplausos). É porque no tempo deles o aeroporto parecia um cemitério, no nosso tempo parece uma rodoviária: "assim" de gente. E gente que não sabe nem subir no avião. Uma vez peguei um avião e tinha uma mulher com a porta do banheiro aberta porque ela não sabia usar, ela estava com medo de fechar o banheiro e não conseguir abrir! Ora, essa gente teve uma ascensão neste país que incomodou.Ontem eu lembrava de um caso, Pepe, imagina o seguinte: uma senhora daquelas que estava acostumada a ter uma vida boa, ela ia no restaurante e estava vazio, tinha trinta mesas e só tinha três ocupadas, tudo maravilhoso, o garçom tinha mais tempo para se dedicar a ela. Ela, na sexta-feira, ia num jantarzinho comer uma comidinha lá no centro de São Paulo e colocava um perfumezinho, sabe? E na
110 segunda-feira ela percebe que a empregada doméstica dela vem com o mesmo perfume que ela usou na sexta-feira e fala “pô... não dá... não dá”. (aplausos) É demais, veja, é demais. Tem muita gente se metendo no nosso espaço. Sabe? E depois na academia, sabe qual foi a coisa maravilhosa que descobrimos nesse país? É que as pessoas gostam de ser bonitas, as pessoas gostam de se cuidar, as mulheres pobres gostam de fazer a unha, de fazer o cabelo, de fazer não sei das quantas, puxar coisa pra cá, puxar coisa pra lá. Ora, meu Deus do céu, mas é verdade, eu não conheço na história da humanidade alguém que fez opção para ficar feio, malvestido e maltratado. As pessoas querem ficar bonitas, querem estar "lordes", querem estar, ora, mas isso é uma ascensão que todo mundo tem que ter. Na Argentina certamente foi assim, como foi com o povo na Argentina e um tempo no Peru. No Uruguai certamente tivemos esse problema, quando os pobres começam a frequentar cinema que era só dos ricos, quando o pobre começa a visitar teatros que era só de alguns, quando começam a visitar os parques da cidade que eram só de meia dúzia. Ah! Eles preferem levar o cachorro deles para fazer cocô, do que ver uma mulher pobre com uma criança passeando no parque. É assim que é a verdade neste país, é assim que é o preconceito neste país (aplausos) Aliás, na Argentina, tem uma avenida bonita, gramada que de vez em quando não sei como é que pode uma pessoa sozinha carregar cinquenta cachorros, sabe? E vão todos aqueles cachorros, e como cachorro não sabe se limpar e não sabe colher, vai ficando lá na praça. Então gente, será que é isso que despertou tanta ira contra nós? Eu fico pensando se é isso, não sei se é isso, eu não sei também onde que a gente errou, sabe? Aqui neste país, antes da gente chegar no governo, Pepe, uma mulher pobre ia no açougue de sábado e ela comprava dois pés de frango para levar para casa. Dois... dois... tá certo que frango só tem dois. (risos). Mas ela podia comprar quatro, mataria
dois frangos, sabe? E de repente o povo começou a comer outras coisas, o povo começou a comer, tá certo que a carne está um pouco cara, está abaixando agora, mas está cara, mas a verdade é que o povo começou a comer carne de primeira, até carne importada do Uruguai. (risos). As pessoas começaram a ter acesso a tudo aquilo que nós queremos. Quando eu era metalúrgico eu ficava pensando por que a gente faz carro, mas eu não posso ter um carro? A gente trabalha todo tempo e aí, quando o pobre começa a ter carro, comprar carro, ah! Já vem esse Lula, a avenida está cheia, tem um monte de jardineiro, de pedreiro com carro. Eu quero é que tenha mais carros, se eles estiverem incomodados deixem o deles na garagem e peguem o ônibus e deixa o povo andar de carro. (aplausos) É a primeira vez que eu vejo estabelecido neste país o discurso da luta de classes de cima para baixo. Não são os de baixo que querem a luta de classe aqui, são os de cima, por puro preconceito. Então eu fico pensando, como é que vamos construir uma participação cidadã e mudar a forma da cidade se nós, Marinho, não começarmos. Além das obras que a gente faz, além dos viadutos, das pontes, das casas, sabe? Dos piscinões que a gente faz para evitarmos enchentes. O que é que a gente tem que fazer? Qual é o tipo de política que nós temos que fazer? Eu acho que o ser humano, ele é 70% emoção e 30% razão. E como eu acho que exista uma irracionalidade emocional, eu acho que nós precisamos começar a discutir um pouco, alguns outros valores que a gente não dá muita importância e eu acho que nós temos que colocar, na ordem do dia a questão da educação neste país. (aplausos) Nós temos de recuperar os séculos que nós perdemos pela frente, mas pensar em educação é a gente analisar corretamente o Plano Nacional de Educação que foi aprovado (aplausos). E que foi sancionado pela presidenta Dilma e que tem plano de metas até 2024. E o que nós precisamos fazer é que ao invés de um munícipe ficar dentro de casa xingando o prefeito que a escola não está boa, nós
111 temos que fazer que cada mãe, cada cidadão que mora num bairro, tenha a obrigação com a escola do seu filho tanto quanto tem o prefeito da cidade (aplausos). É preciso mudar. Por que no começo do ano letivo, no primeiro dia de aula, todos os pais não vão no domingo na escola para saber onde é que seu filho vai estudar? Qual é a carteira que ele vai sentar? Qual é o lugar que ele vai praticar esporte? Qual é o banheiro que o filho dele vai usar? Por que não vai? Por que a diretora não convoca os pais para se comprometerem? A mãe e o pai com o acompanhamento da educação do seu filho. E quem pode fazer isso é o PT. Eu achei extraordinário esse plano de metas, porque eu acho que o PT pode ser o partido que mais terá medalhas de ouro no cumprimento do plano de metas. Porque aí nós vamos ter que provar, Miriam, coisas para nós mesmos. Quando você chegar numa cidade, você vai perguntar para o prefeito: "E aí, prefeito, como é que está a educação nessa cidade?" O Donizete, por exemplo, que está aí, o nosso prefeito de Mauá. “Como está a educação?”. “Ah! Aqui em Mauá esta fantástica. Aqui está extraordinária”. “Onde é que estuda seu filho, Donizete?”. Se ele não estiver nessa escola extraordinária é porque ela não é tão extraordinária assim (aplausos). Não é verdade? Como é que eu posso... “a educação aqui é fantástica”. E cadê seu filho? Está na particular. Ai não é tão fantástica, porque se fosse boa mesmo, quem estava lá eram os filhos da elite, os pobres estariam em outra. Então eu acho que nós temos que mudar de comportamento, nós temos que voltar a revolucionar o nosso jeito de fazer política outra vez. Não é voltar a ser radical, a ser sectário, não. É voltar simplesmente a acreditar naquilo que nós falamos quando criamos o PT. O PT é a voz do povo desse país. (aplausos). Portanto, o PT tem que se comprometer a fazer essa revolução (aplausos). Veja: o diretor de uma escola não pode ser indicação de um prefeito, ou indicação de um vereador. Por que que o diretor de uma escola não é votado por uma comunidade?
(aplausos). Ora, cada pai e cada mãe que tiver um aluno no bairro vai votar e depois fiscalizar, depois faz passeata contra diretora, se ela for boa faz passeata a favor da diretora. Porque esse é o jeito da gente mudar a lógica do Brasil, porque não vai ter todo o dinheiro que a gente precisa. E você sabe que o orçamento está curto, mas eu acho que quando falta o orçamento, tem que aumentar a política. Normalmente o prefeito, quando ele não acredita no povo, que a coisa está curta, ele se esconde. Não é isso? Ah! Não tem dinheiro, não vou na rua não. Eu não vou em tal lugar, eu não vou não. Eu acho, Marinho, que vocês também servem de exemplo, as coisas estão mal, estão mal. Eu vou dizer para o povo porquê está mal. Eu vou conversar com as pessoas porquê está mal, porque não é a tua responsabilidade. O orçamento não é teu, a prefeitura não produz dinheiro, ela arrecada. Então não devemos ter medo de dizer para o povo que não tem. E eu acho que outra vez a gente pode ensinar, como garantir a participação cidadã da sociedade numa gestão democrática. Eu, Marinho, acho que as experiências que vão ser colocadas aqui devem ser publicadas num livro e quem sabe publicadas num vídeo. Porque o que nós precisamos é fazer com que as pessoas recebam informação. A outra coisa, Marinho, que nós temos que construir, são sonhos. Eu fico imaginando, Marinho, se estamos agindo corretamente nas nossas atividades culturais, eu fico imaginando como é que a gente pode trabalhar a cabeça da juventude brasileira para saber como a gente pode governar, em função de uma juventude cibernética. Você está vendo, eu estou aqui falando e a Marisa está lá falando no "zapzap" dela. É assim! Você quer namorar, a pessoa fala, dá um tempinho aqui meu filho que eu estou com as minhas amiguinhas aqui no meu grupo. O pai está brigando com o filho e o filho está falando com a namorada no Canadá, só que no "zapzap". Essa sociedade cibernética que sabe das coisas antes delas acontecerem. Como é que a gente lida com ela? Como é que a gente dá resposta? Porque antes a gente esperava de noite para ver, ou
112 no dia seguinte. Agora não. Agora, antes da gente falar já está acontecendo! O que você falou aqui, Pepito, foi transmitido ao vivo, certamente a "muchacha" que te pediu em casamento estava assistindo e certamente ela ficou mais apaixonada. (risos). E agora nós precisamos dobrar a segurança para te levar ao aeroporto para você não ser sequestrado (risos) Era o que faltava! Pepe Mujica desaparece no Brasil sequestrado por uma jovem apaixonada. (risos). Não, não vamos permitir que isso aconteça não. Porque primeiro que eu sou amigo da tua esposa e segundo porque nós queremos você mais livre para fazer política, não pode ficar apaixonado. Então como é que a gente trabalha a cabeça dessa juventude? Quais são as propostas que podemos fazer para ela se não for a de passar esperança e sonho no futuro? O político, Pepe, o político normalmente parte do pressuposto que as pessoas têm que ser agradecidas a ele pelas coisas que ele fez. No fundo, no fundo, o político gostaria de passar na rua e que o povo estivesse assim... - (Lula faz reverência) - porque ele acha que a gente tem que agradecer. Meu Deus do céu! O problema é que quanto mais você faz, mais ele se sente no direito de querer mais. Ora, essa é uma coisa fantástica, porque cada vez mais ele quer conquistar mais coisas. Quem é sindicalista sabe que a gente pede aumento de salário, faz quarenta dias de greve e pega 10%. Só vale para o primeiro mês, né Rafael? No segundo mês o cara já está nervoso querendo fazer outra greve. Na sociedade é assim! Eu vi aqui a molecada com a placa do ProUni. O ProUni, Pepe, foi um programa que nós fizemos aqui nesse país. As universidades particulares deviam imposto para o governo, nós então resolvemos trocar a dívida do imposto por bolsas de estudos para pobres e negros que estudassem em escola pública nesse país. Já colocamos um milhão e meio de jovens de periferias nas universidades desse país (aplausos) Obviamente que eles são agradecidos e nós somos agradecidos pelo esforço deles de estudarem e eles são agradecidos pela
oportunidade que nós demos, mas acontece que quando um jovem desse termina o curso, ele começa a ficar frustrado porque ele pensou “eu vou estudar, vou ter uma profissão, vou ganhar um salário um pouco maior, vou ganhar minha vida, vou comprar uma casinha para minha mãe”, porque todo mundo quer dar uma casinha para a mãe. Isso que eu acho fantástico, todo mundo, jogador de bola, até adolescente que comete crime você pergunta: "Por que você foi preso?" "Ah! Porque eu estava nervoso" "Do que você gosta?" "Da minha mãe" "O que você quer fazer para sua mãe?" "Dar uma casinha para minha mãe". Todo mundo quer dar casa para a mãe, eu acho extraordinário isso. Agora esse menino se forma e quando ele vai procurar emprego o salário não era como ele imaginava. Então aquilo que era maravilhoso começa a ficar penoso. É como casar pela Internet. (risos). Se você não olhar direito. Se você não conhecer direito pode dar certo, mas pode não dar certo. Então, essa meninada se formou e agora nós temos que ter uma outra preocupação: é criar as condições deles terem um trabalho com o salário mais justo, melhorar a qualidade do emprego deles, melhorar a qualidade de vida deles para eles poderem melhorar a vida da família deles. É o lógico e é o normal. Na hora que eles vão tendo a festa eles vão querendo mais e isso é uma coisa que acontece na sociedade brasileira. E essa meninada que está no ProUni muitas vezes é vítima de bullying. Gostaram de eu falar bullying? (risos). É uma coisa nova, está na moda agora. Porque essa meninada chega numa escola de classe média que paga mil reais a mensalidade, eles sentam no mesmo banco e as pessoas ficam com raiva deles porque eles estão estudando de graça. Esse país não é fácil não. Esse país é complicado, Pepito! Se eu fosse autorizar aqui plantar maconha, Pepe... (risos e aplausos) Olha, qual é o grande problema que estamos enfrentando hoje na discussão do Plano Nacional de Educação? A questão de gênero. Como é que está, Padilha? Está uma guerra. Está uma guerra porque
113 os conservadores das igrejas desse país não querem ouvir falar em discutir gênero nas escolas. (aplausos). Não querem. E qual é a outra coisa que está sendo discutida? - A diversidade. Esse é outro tema que os conservadores não querem discutir no plano de metas. Duas coisas que eles não querem que discuta: gênero e diversidade. Olha, no melhor momento que a gente pode educar as crianças, no melhor momento que nós podemos formar novos cidadãos e novas cidadãs, no momento em que a gente pode fazer, a partir das escolas, evoluírem como seres humanos, os conservadores querem que continue do jeito que está. Não é possível, gente, não é possível. E isso só vai ser vencido se vocês forem à luta, participar das sessões na Câmara dos Vereadores, porque senão, os vereadores agora só estão pensando nas próximas eleições. Então é o momento de cobrar deles. Então, queridos companheiros e queridas companheiras, ficaria mais fácil se eu tivesse lido meu discurso, mas eu queria, eu queria dizer para vocês que eu sou um cidadão hoje mais preocupado do que era antes. Ontem, Pepe, eu estava quieto no meu lugar, muito quieto. Fazia cinco anos que eu não dava uma entrevista, porque eu acho que tem que dar entrevista é quem está governando, expresidente tem que aprender a ser ex-presidente. Você agora vai ter que aprender a ser ex-presidente! (risos). Você não pode ficar dando palpite em tudo que o Tabaré vai fazer. Você vai ter que ficar quietinho, muitas vezes angustiado, muitas vezes querendo falar, mas tem que se comportar direitinho, porque esse é o papel de um expresidente. É permitir que quem foi eleito governe o país. Vai acontecer lá se o Scioli for eleito presidente na Argentina. Vai acontecer com ele e com a Cristina do mesmo jeito. Então, querido companheiro, eu resolvi, então, Marinho, falar um pouco mais. Eu resolvi começar a falar. E agora é o seguinte: então agora eu vou falar, agora eu vou viajar, agora eu vou dar entrevista, então agora eu vou incomodar. (muitos aplausos)
De vez em quando a direita desse país, de vez em quando a direita reacionária desse país, resolve dizer o seguinte: "O Lula está morto. O Lula já era" E eu vou dizer para eles, eu concordo plenamente de uma frase que você falou. Uma vez o Chaves brigou comigo porque eu dei uma entrevista e estava a imprensa venezuelana e eu disse o seguinte: "Todo homem que se sente insubstituível e imprescindível, quando ele começa a pensar isso, está nascendo dentro dele um ditador". (aplausos). Porque não existe ninguém insubstituível e nem imprescindível. Agora a verdade é que você também, você não cria líderes como você faz pão. Sabe quantos anos vai demorar para criar um novo Pepe Mujica? Muito tempo! Porque não é só a quantidade de aulas, não é só a quantidade de livros que você leu, é que tem uma parte do nosso aprendizado que vem do tempo de vida da gente! Um homem como esse, que está aqui com essa doçura, ficou quatorze anos preso, dos quais sete numa solitária! Então, um companheiro como esse, com a sabedoria que ele acumulou, a gente não acumula numa universidade, a gente acumula com o tempo, caindo, levantando, apanhando, batendo (aplausos). Então, como eu tenho as costas largas e já apanhei demais na minha vida, eu vou ver se eles dão um pouco de sossego para a nossa querida Dilma. (aplausos). Sabe? E começam a se incomodar comigo outra vez porque eu, na verdade, Pepito, eu estou naquela fase de quem está esperando o dia da aposentadoria. Está na hora de cuidar da dona Marisa que está ali, evitando que apareça uma "muchacha" de vinte anos me propondo casamento! (risos) Mas as pessoas não me deixam em paz! Os adversários, todo santo dia falam do meu nome, todo santo dia. E eu aprendi uma coisa, querido. Você só consegue matar um pássaro se ele ficar parado no galho olhando para você assim... e você mata! Se ele ficar voando ou pulando é difícil. Então é o seguinte: eu voltei a voar outra vez! (muitos aplausos)
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“Eu voltei a voar
Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
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outra vez!�
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Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
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118 Prefeito Luiz Marinho: Muito bem! Nova salva de palmas para esses dois meninos aqui! (aplausos). Dois meninos fantásticos. Mujica, Lula. E quero, em nome do povo de São Bernardo, homens e mulheres, essa companheirada maravilhosa que está aqui, agradecer de coração esse momento e que sirva aqui como uma homenagem ao Mujica e ao presidente Lula. Os nossos agradecimentos e o meu muito obrigado! Agora o cerimonial vai coordenar, mas eu queria agradecer... a Leila acabou de chegar e o Beto da Faculdade das Américas. A Nilza fez referência aqui de manhã, Leila, os nossos agradecimentos! Eles foram atenderam um chamamento público para patrocinar os custos desse seminário. Então, o meu muito obrigado! Uma salva de palmas a eles aqui. (aplausos) Muito obrigado a todos os amigos e amigas que participaram. Comentar que o prefeito Donizete está aqui junto com o prefeito Maurício, Fernão Dias. Ontem esteve aqui o prefeito Marquinhos, enfim, aos prefeitos, a todos os amigos aqui presentes, deputados, os nossos agradecimentos! Ontem tivemos mesas e importantes debates. Hoje tivemos uma mesa de manhã e essa é a mesa de encerramento. E seguramente vocês trouxeram aqui grandes mensagens de proposição que nos fizeram refletir, importantes para nós, para nossa militância, para o PT e os partidos comprometidos aqui também, os partidos aliados. Nesse momento que a democracia vive no nosso país é uma grande resolução o que vocês propõem para nós. É a busca da construção de novos passos, de novos entendimentos a partir da diversidade, das diferenças. O Pepe falou de respeitar as diferenças e é na verdade a partir das diferenças, das divergências, que se constrói o entendimento coletivo. É a partir do indivíduo, das individualidades de cada um, mas acima de tudo, a partir do combate à intolerância, o ódio e a indiferença a partir da solidariedade.
Então, a instituição da solidariedade, da paciência, muitas vezes demanda de ousadia, da ousadia que nós precisamos ter na busca da construção do novo, compreendendo sempre as dificuldades que estão sendo colocadas a cada dia. Dizem que quando a gente pensa que sabe todas as respostas, vem alguém e muda as perguntas. Muito provavelmente tem novas perguntas que nós devemos passar a responder, mas a certeza que juntos com a participação, nós saberemos encontrar as respostas para as novas perguntas. Então, creio que isso é o que buscamos exercitar no dia de ontem e no dia de hoje. Eu queria de coração agradecer a contribuição de novo de todos os palestrantes nesses dois dias, mas acima de tudo agradecer essas duas figuras aqui, humanas, essas lideranças. Está certo, pessoal? (aplausos) Parabéns! Obrigado! Que Deus os abençoe e que vocês tenham muita vida para continuar liderando a luta na América Latina. Valeu! (aplausos)
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