E PISTEMOLOGIA
E EDUCAÇÃO
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Associação Brasileira de Editoras Universitárias
IRENO ANTÔNIO BERTICELLI
E PISTEMOLOGIA
E EDUCAÇÃO
DA COMPLEXIDADE, AUTO-ORGANIZAÇÃO E CAOS
Chapecó, 2006
R EITOR : Gilberto Luiz Agnolin V I C E -R E I T O R A D E P E S Q U I S A , E X T E N S Ã O E P ÓS -G RADUAÇÃO : Maria Assunta Busato; V ICE -R EITOR DE A DMINISTRAÇÃO : Gerson Roberto Röwer; V ICE -R EITOR DE G RADUAÇÃO : Odilon Luiz Poli Av. Attilio Fontana, 591-E Fone/Fax (49) 3321 8000 Caixa Postal 747 CEP 89809-000 - Chapecó (SC)
ISBN 85-98981-42-7 370.1 B543e
Berticelli, Ireno Antônio Epistemologia e educação: da complexidade, auto-organização e caos / Ireno Antônio Berticelli. - - Chapecó : Argos, 2006. 198 p.
1. Educação – Filosofia 2. Epistemologia I. Título. CDD 370.1
___________________________________________ Catalogação: Yara Menegatti CRB 14/448 Biblioteca Central da Unochapecó
EDITORA ARGOS CONSELHO EDITORIAL Ricardo Rezer (Presidente), Alexandre Mauricio Matiello, Antonio Zanin, Arlene Renk, Eliane Marta Fistarol, Flávio Roberto Mello Garcia, José Luiz Zambiasi, Josiane Roza de Oliveira, Juçara Nair Wollf, Maria Assunta Busato, Maria dos Anjos Lopes Viella, Maria Luiza de Souza, Monica Hass, Valdir Frigo Denardin C OORDENADORA : Monica Hass A SSISTENTE E DITORIAL : Hilario Junior dos Santos A SSISTENTE A DMINISTRATIVO : Neli Ferrari S ECRETARIA : Alexandra F. L. de Souza D IVULGAÇÃO : Cristiane Nunes e Sirliane Amaral de Freitas R EVISÃO : Fabiana Cardoso Fidelis e Jakeline Mendes P ROJETO G RÁFICO E D IAGRAMAÇÃO : Ronise Biezus C APA : Hilario Junior dos Santos e Ronise Biezus
SUMÁRIO
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PREFÁCIO
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INTRODUÇÃO
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AS
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A totalidade dos/das diferentes e das diferenças A emergência da pergunta “Como?” – o triunfo da modernidade pela crítica ao aristotelismo A mathesis universalis O declínio de um modelo – mudança de paradigmas Conhecimento e objetivação: educação objetificante Angústia e esquizofrenia: as dores da alma de nosso tempo Há outras metáforas sob o Sol, além daquelas da ciência ocidental Uma metafísica da finitude – é isto possível?
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RELAÇÕES DOS SERES HUMANOS COM A NATUREZA INTERMEDIADAS PELA CIÊNCIA CLÁSSICA
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INFLUÊNCIAS DA CIÊNCIA CLÁSSICA SOBRE AS TEORIAS E SISTEMAS EDUCACIONIAIS
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Os meandros do conservadorismo Educação moderna: a do tempo e do espaço absolutos O ritmo da razão substitui o ritmo da natureza Um mundo monádico Retorno à natureza Quando fazer é educar e vice-versa
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EDUCAÇÃO
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Totalidade e equivalência das possibilidades nos sistemas abertos Acaso e necessidade: o conflito entre interesse, necessidades coletivas e eticidade Uma nova lógica possível: a “eco-lógica”
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E TOTALIDADE: CONSEQÜÊNCIAS QUALITATIVAS
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PARADIGMAS EMERGENTES E EDUCAÇÃO OU UMA EPISTEME EDUCACIONAL EM NOVAS BASES
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A complexidade, pressuposto de todo conhecimento A intuição da matéria-espírito: o universo inventivo Educação como auto-organização – um processo hermenêutico A episteme dos humanos está plugada ao universo: conhecimento e dialogicidade O caos produtivo – condição inicial da ordem e do conhecer Infinitude de possibilidades: o mundo é o âmago irredutível de nossa individualidade humana Complexidade como princípio pedagógico
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CONSIDERAÇÕES
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REFERÊNCIAS
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FINAIS
PREFÁCIO
É uma honra e, ao mesmo tempo, uma tarefa hercúlea prefaciar essa obra de profundidade ímpar do Ireno, amigo e interlocutor de tantas horas boas e difíceis, mas sempre prenhes de sabor humano, tensionadas para um contínuo processo de inquietação e busca, como convém aos que se dedicam ao labor intelectual, à pesquisa e à educação. Nesses tempos de rupturas, em que se esboroam os paradigmas da modernidade e tudo parece tornar-se movediço, semeando uma angústia existencial individual e coletiva, Ireno tem a coragem e até a audácia de realizar uma empreitada formidável: um diálogo fecundo entre a filosofia e a ciência com conotações altamente densas para aqueles que se dedicam à tarefa de educar nos dias de hoje. O autor faz eco a vários autores contemporâneos que falam do desespero morno, da solidão, da angústia, do absurdo, da esquizofrenia pós-moderna, mostrando claramente que “estamos diante de um problema existencial agudo que demanda reflexão a partir da própria ciência”. Um olhar desavisado e superficial do teor temático do livro poderia levar de imediato a se cogitar numa tentativa de propor mais uma explicação global do universo e do homem, nos fundamentos
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de uma narrativa totalizante, nos moldes das metanarrativas tradicionais. Ireno abandona definitivamente o conceito de totalidade reduzido a uma unidade fechada, fazendo juz aos novos paradigmas emergentes, como os de complexidade, auto-organização, teoria do caos, de ordem a partir do ruído, dialogando com grandes expoentes da ciência contemporânea que criticam acerbamente a visão de ciência da modernidade. Tais autores, como Prigogine, Maturana, Varela, Edgar Morin, entre outros, são de renome incontestável na crítica cáustica à ciência moderna e na abertura de novos horizontes para o diálogo enriquecedor e construtivo entre o homem e a natureza. Com Morin, Ireno procura abrir perspectivas frente à crise da modernidade, projetando novas luzes em direção a um conhecimento e a uma ciência multidimensionais, a uma complexidade globalizante do pensamento, de modo que vivenciar a complexidade é redimensionar a humanidade na sua relação com o cosmos, não produzindo sínteses reducionistas e simplificadoras, mas avançar rumo a uma amplitude do pensamento e das ações práticas. Ireno assume o conceito de totalidade com maestria, no âmbito de uma perspectiva dialética, em que não há como construir totalidades epistêmicas autônomas, pois qualquer realidade é sempre um recorte de um todo que, embora posto, jamais é alcançado. É, no fundo, a visão hologramática em que a parte está no todo e o todo está na parte, mas em que o todo não é simplesmente a soma das partes. É com sólidos argumentos que o autor faz a crítica da ciência moderna (clássica) em relação à educação, pois contribuiu para fragmentá-la e distanciá-la do humano através da valorização exacerbada da razão instrumental, pouco contribuindo para a felicidade do homem e para uma educação propiciadora das dimensões especificamente humanas. Ireno segue a esteira de Prigogine, entre outros cientistas
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contemporâneos, que não têm receio de afirmar que o paradigma tradicional da ciência clássica está em crise. As ciências físicas e biológicas, as ciências da terra têm colocado de lado o determinismo que as marcou por longo tempo, cujos limites traduziram-se no empobrecimento do conhecimento científico. As novas visões não apenas contestam a convencibilidade do modelo científico da modernidade, como refletem uma luta pelo poder entre concepções fundamentalmente divergentes, já que as novas concepções paradigmáticas patenteiam a insuficiência do paradigma tradicional para resolver os problemas emersos de suas próprias investigações. Junto com Prigogine, Ireno não despreza os avanços da ciência clássica, mas considera seus êxitos nefastos, pois o diálogo experimental que ela manteve com a natureza acabou por tornar o homem um estranho no mundo.Tal constatação trágica vem ao encontro do alijamento da subjetividade na ciência moderna. Dentro da metodologia baconiana, para resguardar uma ciência asséptica, descontaminada, o sujeito pluridimensional desapareceu em benefício de uma razão abstrata e, portanto, desumanizada. A ciência moderna, igualmente, constituiu-se contra a natureza, negando-lhe a complexidade e o devir em nome de um mundo eterno e regido por leis simples e imutáveis. A idéia de uma natureza autônoma, mecânica, com suas leis matemáticas, reforçou o sentimento de angústia e alienação. No entanto, o autor nos mostra que estamos ultrapassando os limites dessa concepção, através de uma metamorfose em que se está abandonando a idéia de reduzir a natureza a um pequeno número de leis simplistas e reducionistas. A natureza se apresenta complexa e múltipla. Não são os fenômenos imutáveis que chamam atenção, mas situações instáveis e incertas. Essa concepção nos afasta do cientificismo e nos leva a retomar a aventura que é o destino do homem no universo, assistindo ao surgimento de
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uma ciência não mais limitada a situações simplificadoras e idealizadas. Tal fato nos lança para a complexidade do mundo real, permitindo que se viva a criatividade humana como expressão própria de um traço fundamental comum a todos os níveis da natureza. Esta concepção de ciência nos introduz novamente no humano, preservando a temporalidade do tempo, a humanidade do homem, a concretude do concreto. Ireno insiste que a integração homem/natureza se apresenta hoje como um desafio descomunal. Daí que a educação para as novas gerações deve contribuir para fazer eclodir uma nova consciência materializada numa nova linguagem, tornando-se co-educação. Decorre daí a condição epistemológica fundamental de compreender o ser humano como parte da natureza e não em oposição a ela. Acredito que entendi a mensagem do meu amigo, filósofo e educador Ireno por trás de suas perspicazes análises e reflexões, cujos detalhes me seria impossível dimensionar nesse despretencioso prefácio. A ciência e a totalidade que ele propõe é perpassada de um diálogo respeitoso com a natureza e com os outros, pois o conhecimento é sempre uma construção, uma tentativa de chegar perto. A ciência não pode mais pretender construir realidades fechadas, reducionistas e totalitárias, mas ajudar a edificar mundos onde todos tenham seu lugar. A totalidade aberta e dialógica do homem que Ireno propõe é a recuperação do humano e sua relação ecológica com a natureza, com o cosmos. Essa proposta aberta é que nos impele a uma cultura crítica e dialógica sobre as questões como a biotecnologia, a energia nuclear, o efeito estufa, a diversidade cultural, a exclusão social, num mundo onde poderiam caber todos, enfim, a recuperação e a inclusão dos sujeitos na história, levando-se em consideração as redes dos discursos dos outros. Daí o respeito pela culturas dos outros homens que constroem outros mundos.
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Esta obra certamente tem um valor extremamente significativo para os educadores que pretendem enfrentar o desafio da educação nesses nossos tempos, lutando contra a disjunção e fragmentação entre as disciplinas e principalmente entre as ciências, criando um novo espírito para globalizar os saberes, permitindo articular os diferentes conhecimentos de maneira fecunda. A ciência deve contribuir para a descoberta do nosso lugar no cosmos e na terra-pátria dos humanos (Morin), que não têm sentido enquanto isolados uns dos outros e concebidos de maneira reducionista e fragmentada, incluindo-se a natureza. Diante da arrogância de um saber objetivo e totalitário, a educação deve propor a tomada de consciência dos limites do conhecimento, enfrentar novas dimensões, incluindo nessa aventura a certeza e a incerteza, a fragilidade e a segurança, a facilidade e os obstáculos. Enfim, a ciência de uma totalidade aberta, proposta por Ireno, engloba uma noção ética, pois a humanidade não é um ideal, mas uma comunidade histórica, e somente a consciência dessa comunidade pode conduzi-la a um mundo para todos. Trata-se de uma ética da solidariedade cósmica na qual a qualidade de vida dos homens só pode ser atingida com uma visão de totalidade, e a escola é responsável pela transmissão dessa nova concepção que implica a própria sobrevivência da humanidade. Tenho certeza de que todas as pessoas comprometidas com a educação das novas gerações terão muito que apreender e refletir nessa proposta instigante e sábia que tão bem soube fundamentar uma concepção educativa, estabelecendo um diálogo entre a filosofia e a ciência, nesses tempos de profundas interrogações e perplexidades.
José Luiz Zambiasi
INTRODUÇÃO
Esta obra se propõe arcar com as conseqüências epistêmicas resultantes dos avanços científicos de nosso tempo, no que tange à emergência dos conceitos de auto-organização, complexidade, caos, totalidade, autopoiese e outros, trazidos para campo do pensamento e das ações educacionais. Assume, por outro lado, o redirecionamento das formulações científicas ou do próprio conceito geral de ciência no contexto contemporâneo, o que possibilita aproximações entre as assim ditas ciências humanas e as ciências naturais como campos de discussão que, embora distintos, fazem parte de uma mesma totalidade. Isto posto, torna-se indispensável fazer uma crítica ao modelo clássico de ciência, com vistas ao estabelecimento de novas bases para a epistemologia da educação. A leitura de Prigogine foi extremamente inspiradora. Através de Prigogine cheguei a aportes que permitiram conduzir aos conceitos de complexidade, auto-organização, teoria do caos e da ordem a partir do ruído, sempre com o olhar voltado para o processo educacional. Nestes conceitos se estabelece a abertura para novas formulações epistemológicas em educação. Poucos autores brasileiros, a exemplo de Flickinger, Neuser e Assmann, produziram suas obras, que hoje são referência para os pesquisadores educacionais, valendo-se de conceitos de auto-organização, complexidade, caos e simi-
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lares. Maturana e Varela ainda não haviam exercido a influência que exercem hoje sobre a educação, quando estes estudos foram iniciados. Também não tive notícia alguma de outros trabalhos específicos da área de educação que fizessem uso de conceitos centrais neste estudo, tais como os de complexidade, auto-organização, caos, order from noise e similares, oriundos das ciências, nos idos de 1992, quando projetei este livro. O que mais me aproximou da educação, utilizando tais paradigmas emergentes das ciências, foram algumas obras de Edgar Morin. E a leitura de Henri Atlan dirimiu a última dúvida sobre a importância de tais conceitos para um novo enfoque educacional. Prigogine e Stengers produziram o argumento que faltava para justificar uma tentativa em epistemologia da educação, a partir de conceitos provenientes das ciências duras. Na verdade, até então ninguém havia escrito nada, nem no Brasil, nem fora dele, de que tivesse conhecimento, fazendo interface explícita de paradigmas, tais como o de auto-organização, complexidade, caos etc., com a educação. Morin havia realizado um extenso e profundo trabalho com estes e outros paradigmas similares, mas na área das ciências sociais, sem enfoque educacional. Os trabalhos de Maturana e Varela, Assmann (1996, 1998), Flickinger e Neuser (1994), em diferentes perspectivas, constituem-se em importante avanço para as novas perspectivas epistemológicas em educação. Os dois primeiros como cientistas, e os demais como educadores. Mas o lugar central que o tema da totalidade ocupou foi cedendo espaço aos emergentes conceitos que já citei (complexidade, autoorganização, caos etc.), pois eles me parecem oferecer a concretude necessária a uma compreensão abrangente do ser humano como parte da natureza no espaço plural da ecologia, sem exclusões, onde, pelo contrário, a complexidade significa esse complexo de relações entre todos os seres do universo em que educação se configura como capaci-
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dade adaptativo-criativa e absolutamente comunicante ou, como a entende Maturana: autopoiética. Assim sendo, o primeiro capítulo se ocupa das relações entre o ser humano e a natureza intermediadas pela ciência clássica e sua respectiva crítica, na rota da filosofia da ciência e suas conseqüências práticas e epistêmicas. O segundo é um empenho para identificar influências exercidas por tal modelo de ciência sobre as teorias e sistemas educacionais. O terceiro trata de uma episteme da totalidade em educação e suas conseqüências qualitativas. O último capítulo enfoca uma epistemologia da totalidade em educação, baseada em alguns paradigmas emergentes das ciências, tais como complexidade, auto-organização e teoria do caos.