E. P. Thompson: política e paixão

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E. P. Thompson política e paixão

Ricardo Gaspar Müller Adriano Luiz Duarte (Orgs.)

Chapecó, 2012


Reitor: Odilon Luiz Poli Vice-Reitora de Ensino, Pesquisa e Extensão: Maria Aparecida Lucca Caovilla Vice-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Claudio Alcides Jacoski Vice-Reitor de Administração: Antônio Zanin Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu: Maria Assunta Busato

Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem autorização escrita do Editor. 306.2 E. P. Thompson: política e paixão / Ricardo Gaspar Müller, E63e Adriano Luiz Duarte (Orgs.). – Chapecó : Argos, 2012. 358 p. : 23 cm. – (Grandes Temas ; 16) Inclui bibliografias. Contém artigo traduzido do inglês para o português. ISBN: 978-85-7897-039-0 1. Thompson, E. P. 2. Marxismo. 3. Historiografia social. 4. Política. I. Müller, Ricardo Gaspar. II. Duarte, Adriano Luiz. III. Título. CDD 21 – 306.2 Catalogação elaborada por Caroline Miotto CRB 14/1178 Biblioteca Central da Unochapecó

Todos os direitos reservados à Argos Editora da Unochapecó Av. Atílio Fontana, 591-E – Bairro Efapi – Chapecó (SC) – 89809-000 – Caixa Postal 1141 (49) 3321 8218 – argos@unochapeco.edu.br – www.unochapeco.edu.br/argos Conselho Editorial: Rosana Maria Badalotti (presidente), Carla Rosane Paz Arruda Teo (vice-presidente), César da Silva Camargo, Dirceu Luiz Hermes, Elison Antonio Paim, Érico Gonçalves de Assis, Maria Aparecida Lucca Caovilla, Maria Assunta Busato, Murilo Cesar Costelli, Tania Mara Zancanaro Pieczkowski Coordenador: Dirceu Luiz Hermes


Sumário

Prefácio

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Apresentação

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Marcelo Badaró Mattos

Ricardo Gaspar Müller Adriano Luiz Duarte

Pós-escrito: 1976

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E. P. Thompson

O Grupo e os estudos culturais britânicos: E. P. Thompson em contexto 101 Ciro Flamarion Cardoso

Experiência e coletividade em E. P. Thompson 127 Célia Regina Vendramini

O modo de fazer pesquisa do historiador E. P. Thompson 149 Regina Célia Linhares Hostins


E. P. Thompson e a micro-história: trocas historiográficas na seara da história social 175 Henrique Espada Lima

O legado de E. P. Thompson ao estudo das multidões e dos protestos populares 215 Sidnei José Munhoz

Exterminismo e liberdade política 251 Ricardo Gaspar Müller

E. P. Thompson e a pesquisa em Ciências Sociais 281 Maria Célia Marcondes de Moraes (in memoriam) Ricardo Gaspar Müller

Lei e costume: o essencial de E. P. Thompson 327 Adriano Luiz Duarte

Sobre os autores 355


Prefácio Marcelo Badaró Mattos

Edward Palmer Thompson é a referência mais influente na historiografia social – talvez do conjunto da historiografia – brasileira produzida a partir da década de 1980 (e já vinha sendo assimilado em algumas obras da década de 1970). Não acredito que tal afirmação seja muito polêmica. No entanto, não deixa de ser um fenômeno curioso. Em primeiro lugar – e essa não é uma situação especificamente brasileira, visto que Thompson é muito influente em historiografias de outros países – porque é um historiador da formação da classe trabalhadora inglesa, das lutas de classe fundamentais no século XVIII inglês, dos poetas românticos ingleses, do socialismo inglês na virada para o século XX, ou seja, Thompson é um historiador inglês, com uma obra ampla e variada sobre temas ingleses. Claro, as referências teóricas e metodológicas que podemos inferir de seus estudos sobre a Inglaterra têm um grau de universalidade que garante sua relevância para pensarmos outras situações nacionais. Mas, lembremos, estamos falando de estudos sobre a formação da primeira classe trabalhadora “típica” do capitalismo no contexto da revolução industrial do fim do século XVIII e início do XIX, sendo tomados como referência para os estudos sobre a formação de uma classe nada “típica”, cerca de 9


cem anos depois, em uma ex-colônia de desenvolvimento capitalista desigual e combinadamente dependente. Ou, estamos falando de estudos sobre a luta de classes como a inglesa do século XVIII, em que os polos fundamentais do processo eram uma “burguesia agrária” de tipo muito particular, como Thompson definiu a gentry e um diversificado conjunto de trabalhadores (que segundo o autor não eram uma classe no sentido “maduro” do termo). Eles possuíam como valor fundamental a ideia de serem “ingleses livres de nascimento”, servindo de inspiração para estudos sobre a dinâmica conflituosa do social em um Brasil escravista, em que os polos fundamentais da formação social eram definidos pelas posições de uma classe senhorial latifundiária e de um conjunto de trabalhadores escravizados que definiam a liberdade como um valor a ser conquistado. Por outro lado, Thompson – como Eric Hobsbawm – é uma referência inglesa no contexto de uma historiografia universitária brasileira erguida e desenvolvida, em grande medida, ao menos nos seus primeiros cinquenta anos de existência, sob bases fortemente francesas. E, embora tendo interlocução contínua com setores do mundo universitário francês, Thompson está longe de ser um historiador facilmente assimilado às variantes historiográficas francesas dominantes, especialmente àquelas associadas à chamada terceira geração dos Annales que imperava como influência historiográfica no Brasil da década de 1980, momento em que as leituras de Thompson se generalizaram entre nós. Poderíamos explicar por vários caminhos essa dupla “curiosidade” a respeito da influência de Thompson sobre a historiografia brasileira. Por um lado, sua crítica ao “marxismo estruturalista” de Althusser, seu primeiro trabalho publicado no Brasil, foi muito bem-recebida por historiadores marxistas brasileiros que passavam justamente por uma transição do momento de maior fechamento institu10


cional da época da ditadura militar, quando o que restou de marxismo no ambiente acadêmico parecia restrito ao Althusserianismo, e toda uma sorte de tentativas de renovação do pensamento marxista na década de 1980. Além disso, a tradução de A formação da classe operária inglesa (título que seu mais conhecido trabalho recebeu na edição brasileira) deu-se numa fase que correspondia não apenas a um boom de estudos históricos sobre classe trabalhadora no Brasil, como também (e os dois processos estão, por certo, relacionados) ao momento de maior nível de agitação sindical da história do Brasil. Ainda vale lembrar que Thompson não era uma referência apenas entre os historiadores, mas também seu trabalho foi tão influente justamente porque teve a capacidade de dialogar com questões importantes postas pela Antropologia, Sociologia, Educação etc. no Brasil das últimas décadas. Todavia as “curiosidades” ajudam-nos a entender algumas das especificidades das leituras dominantes de Thompson no Brasil, como o fato de seus trabalhos serem absorvidos de forma combinada às referências francesas da “Nova História” nas décadas de 1980 e 1990, em especial naqueles estudos que propuseram uma “evolução” da história das mentalidades à história cultural. Apesar do conhecido rechaço de Thompson ao culturalismo, os estudos de história cultural, entre nós, mesmo muitos dos que reivindicam influências thompsonianas, são dominantemente culturalistas (no sentido de uma concepção que enxerga a dimensão cultural como autônoma e/ou lhe atribui papel determinante sobre o conjunto da vida social). Em alguma medida, no entanto, essas especificidades de leitura exigiram certo grau de “domesticação” do pensamento de Thompson, tratado como um marxista muito heterodoxo e, principalmente, referenciado como um historiador “acadêmico” comum, ou seja, lido como um autor que formulou suas sugestões de entendimento da história a partir de um frio gabinete de investigação científica da realidade. 11


Nada mais distante de como Thompson envolveu-se com paixão em uma série de debates políticos de seu tempo, dos quais emergiu a maior parte de seus insights conceituais e metodológicos mais brilhantes, presentes em seus estudos de história e reivindicados pelos que o tomam por referência entre nós. Como é o caso, só para ficarmos em um exemplo, da noção de agency, da ação coletiva consciente, tão inspiradora tanto para estudos renovadores sobre a classe trabalhadora brasileira no século XX (antes quase sempre tratada como passiva diante do controle estatal ou da manipulação política de suas direções) quanto para os estudos sobre a escravidão que buscaram superar a ideia da “coisificação” dos escravos, para vê-los também como “sujeitos de sua própria história”. Agency não é um conceito que tenha aparecido pela primeira vez em A formação..., cuja primeira edição inglesa é de 1963, mas já estava presente, alguns anos antes, nos escritos políticos de Thompson defendendo o “Humanismo Socialista”, publicados em The New Reasoner1, como

1. The New Reasoner foi um periódico editado por E. P. Thompson e John Saville entre 1957 e 1959. Como reafirma seu subtítulo, “a quarterly journal of socialist humanism”, o eixo de sua linha editorial era a defesa do humanismo socialista, uma expressão de revolta contra o Stalinismo ainda presente nos círculos comunistas hegemônicos à época. Participaram de seu Conselho Editorial intelectuais como Dorothy Thompson, Peter Worsley, Charles Taylor, Ken Alexander, Ronald Meek e Doris Lessing. The New Reasoner resulta da experiência de outra publicação dos mesmos autores, The Reasoner, editada entre 1956 e 1957 de forma artesanal (mimeógrafo) e dirigida sobretudo contra as atitudes e decisões internas do Partido Comunista Britânico (como seu alinhamento acrítico ao programa do Partido Comunista da União Soviética). Em dezembro de 1959, The New Reasoner se associou a outro periódico, Universities and Left Review, criando a importante revista New Left Review, editada em Londres e até hoje em circulação.

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instrumento de polêmica política na conjuntura imediatamente seguinte à ruptura com o Partido Comunista, em 1956. Thompson afirmou que um dos piores erros da tradição idealista que reivindicava o marxismo era ter compartimentado as esferas da vida social, não apenas por atribuir primazia explicativa ao “econômico”, mas principalmente por conceber essa dimensão como passível de existência real independente de valores, referências morais e culturais. Erro equivalente seria conceber a obra historiográfica de Thompson como possuindo existência autônoma em relação a sua atuação política. Levanto essas questões não para examiná-las adequadamente neste pequeno espaço, mas apenas como um mote para o que é minha tarefa aqui: prefaciar E. P. Thompson: política e paixão, obra coletiva organizada por Ricardo Gaspar Müller e Adriano Luiz Duarte. E quero justamente afirmar meu prazer de prefaciar o estudo, principalmente porque, como o título já traduz e seus capítulos deixam bem claro, Thompson aqui é abordado em sua integralidade como historiador e militante político. A tradução de seu pós-escrito, publicado na edição revista de William Morris: Romantic to Revolucionary, de 1976 (da mesma forma que a anunciada tradução e publicação da Carta aberta a Kolakowski2), é uma contribuição de peso para a ampliação da acessibilidade à leitura de seus escritos. Chama a atenção que um historiador tão influente no Brasil tenha tantos livros ainda não traduzidos entre nós (algo evidente quando o comparamos, por exemplo, a Hobsbawm, vindo

2. “An open Letter to Leszek Kolakowski”. Socialist Register, London: Merlin, 1973. Repr. in: Thompson, E. P. The poverty of theory and other essays. London: Merlin; New York: Monthly Review Press, 1978.

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da mesma “escola” e geração, de quem temos acesso a praticamente todas as obras em português). E este trata justamente de um (entre tantos outros) texto de Thompson em que a confluência entre paixão política militante e exercício de análise histórica se combinam de forma indissociável. Os capítulos que se seguem apresentam um panorama amplo e bem-sustentado de ricas leituras da obra de Thompson por pensadores sociais brasileiros contemporâneos, envolvendo principalmente historiadores e pesquisadores da área da educação. Nada mais adequado, pois Thompson escreveu seus primeiros dois grandes estudos (sobre Morris e sobre a formação de classe) durante suas quase duas décadas de atividade como professor em cursos de educação de adultos, em convênios entre um departamento de “extensão” universitária e a Associação Educacional dos Trabalhadores. Uma vivência pedagógica que lhe permitiu aprender/apreender, por meio da interação com seus estudantes/trabalhadores, o conceito de “experiência”, talvez a contribuição mais importante de sua obra para os estudos sobre classes sociais. A diversidade de seu conteúdo – de contextualizações historiográficas que propõem diálogos e confrontos entre Thompson e outras tradições a discussões de conceitos e temas fundamentais em sua produção (cultura, experiência, o papel da lei, as revoltas populares...), passando por análises de sua trajetória como militante – é mais um elemento para caracterizar esta obra como uma contribuição importante para pesquisadores de diferentes áreas e especializações. E, como a função de um prefaciador é (ou deveria ser) a de recomendar a leitura do trabalho, mais que atrasar o(a) leitor(a) com a extensão de seu comentário, concluo saudando a iniciativa de publicação deste livro como um passo significativo na problematização das contribuições de Thompson, bem como das formas de absorção 14


dessas contribuições para o pensamento social e político contemporâneo. No mais, só me resta convidá-lo(a) a passar adiante e ler os capítulos que se seguem, de preferência com o olhar apaixonadamente crítico e a perspectiva de inconformismo com o mundo à sua volta que caracterizaram a obra e a intervenção de Thompson e inspiraram os autores deste livro.

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Apresentação Ricardo Gaspar Müller Adriano Luiz Duarte

Em setembro de 2003, marcando os dez anos do falecimento do historiador britânico Edward Palmer Thompson, realizou-se na Universidade Federal de Santa Catarina o seminário “Política e Paixão: dez anos sem E. P. Thompson”. Foi uma atividade coletiva que reuniu (procedimento cada vez mais raro no âmbito da universidade) professores e estudantes de departamentos e centros diferentes, todos imbuídos do mesmo anseio: revisitar a obra do historiador marxista britânico e, ao mesmo tempo, celebrar os quarenta anos do lançamento da primeira edição de seu livro mais conhecido, The making of the English working class, e os vinte e cinco anos da publicação de The poverty of theory, talvez seu livro mais polêmico. Durante quatro dias, revisamos diversos temas e conceitos presentes em sua obra: cultura, experiência, coletividade; exterminismo; a noção de liberdade política; os procedimentos ou o “modo de fazer” dos historiadores; a recepção da obra de Thompson na Itália; sua carta aberta a Leszek Kolakowski; as relações entre sua produção, o marxismo e os estudos sobre protesto social; e, por fim, sua contribuição específica para a construção da teoria social no campo das Ciências Sociais. As discussões realizadas durante o seminário reafirmaram a defesa da centralidade dos conceitos de “classe” e de “consciência de 17


classe” como categorias históricas fundantes, especialmente em uma época em que muitas tendências teóricas negavam seu significado e importância, ao deslocar a centralidade do trabalho e negar o próprio real. Essas correntes teóricas, sejam as de feição pós-marxista ou, sobretudo, pós-moderna, afirmavam a primazia do discurso, não como o único lugar possível de apreensão do real – porque esse já não existiria mais –, mas da diferença, conceito tão totêmico quanto vazio. Consequentemente, tais perspectivas percebiam os “jogos de linguagem” como o lugar da prática política por excelência. Da mesma forma, reafirmavam a importância das categorias de gênero, etnia, discurso etc., que, embora relevantes, não substituem classe como referência investigativa, como querem alguns; mas, ao contrário, devem operar em conjunto com ela, tornando mais aguda a compreensão dos conflitos. Tão importante quanto os temas em si mesmos, foi fundamental a forma escolhida para celebrar sua memória e a tradição que representa: promover o diálogo, o debate e a polêmica. Não apenas sobre o “fazer da história”, mas também sobre o fazer da política e suas múltiplas relações e implicações. Nesse contexto, o título do seminário – Política e paixão – foi escolhido com muito cuidado e expressava um entendimento, que ainda partilhamos, de que reflexão e ação são princípios inextricáveis para se compreender tanto a produção historiográfica, quanto a intervenção política de Thompson. Afinal, ele “aliou paixão e intelecto, os dons do poeta, do narrador, do analista”. Política e paixão são evidentes no modo arrebatado como escreveu, divergiu, debateu e militou em diferentes causas. Além disso, a escola reafirmava nosso princípio de uma atitude crítica permanente como orientação teórica indispensável para a compreensão da história real, bem como nosso engajamento e compromisso, político e teórico, com uma “história a partir de baixo” (history from below). 18


Um ano depois, no segundo semestre de 2004, os textos apresentados e debatidos no seminário (à exceção de dois) foram reunidos e publicados como um dossiê no número 12 da revista Esboços – do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina –, sob o título “Cultura e resistência: dez anos sem E. P. Thompson”. A edição, de 500 exemplares, esgotou em meados de 2005, e ainda hoje a editoria da Esboços recebe pedidos desse número, de todo o país e do exterior. Essa procura foi, sem dúvida, uma das razões que nos estimulou a transformar o dossiê de 2004 no livro ora apresentado. A outra, e mais importante, foi nosso desejo de reafirmar os valores que nos motivaram a organizar o seminário em 2003 e, também, a possibilidade de introduzir uma questão central, não devidamente destacada naquela ocasião: o tema da utopia. Faz-se isso nestes tempos tão pragmáticos, de crise nas ideologias (especialmente entre as esquerdas), de esvaziamento dos projetos de futuro, de soberania do “mercado”, tempos em que alimentar o sonho de uma sociedade realmente justa, igualitária e sem classes parece não apenas uma atitude ultrapassada e inútil, mas tão distante como os extintos dinossauros. Exatamente por isso o resgate de Thompson como um historiador que sempre tentou aproximar razão e utopia – ou que, justamente, viveu essa tensão – torna-se hoje ainda mais vital. Por isso, acrescentamos aos textos originais do seminário – que discutem aspectos específicos da obra de Thompson – a tradução do “Pós-escrito: 1976”, que consta na obra William Morris: Romantic to Revolutionary (injustificadamente ainda inédito em português), seu primeiro livro, publicado em 1955, e revisto e reeditado em 1976. Nesse estudo, como o título sugere, Thompson discute os caminhos e descaminhos que levaram o artista gráfico, arquiteto, poeta, escritor e tradutor inglês William Morris do romantismo à militância 19


socialista. Em seu “Pós-escrito”, Thompson realiza um balanço não somente da recepção de seu livro, mas também dos debates sobre a vida e a obra de William Morris durante os 21 anos que separam as duas edições. O “Pós-escrito” é particularmente relevante porque nele Thompson estuda, mais uma vez, a opção de Morris pelo socialismo, mas, ao fazê-lo, reflete também sobre a sua própria adesão. Nesse processo, o tema da utopia reaparece como noção fundamental. A Utopia emerge não como uma doutrina ou uma descrição sistemática da sociedade futura. O objetivo de Morris – e podemos concluir que também o de Thompson – “era incorporar, nas formas de fantasia, valores alternativos, delineados por um modo de vida alternativo”, e o que distingue “essa iniciativa é, precisamente, sua qualidade aberta, especulativa, e o desapego de sua imaginação às exigências da precisão conceitual”. O que importa, na verdade, “é o desafio à imaginação”; e duas coisas acontecem nessa aventura da imaginação: “nossos valores habituais (o ‘senso comum’ da sociedade burguesa) ficam confusos e entramos no espaço próprio e recém-encontrado da utopia: a educação do desejo”. Esse processo não se confunde com “uma educação moral” com vistas a um fim dado: significa, mais corretamente, abrir um caminho para a aspiração, “ensinar o desejo a desejar, a desejar melhor, a desejar mais e, acima de tudo, desejar de um jeito diferente”. Desse modo, o papel da utopia é liberar o desejo para interrogar ininterruptamente nossos valores, tanto quanto interrogar a si mesmo. Como a “educação do desejo”, a “Utopia” deve estar no centro da ação política dos que acreditam que outro mundo é possível. Assim, assumimos que retomar a utopia de uma sociedade justa e igualitária é reafirmar o legado político e historiográfico da tradição continuada por E. P. Thompson e sempre guiada pela razão, como ele defendia.

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*** Em “Experiência e coletividade em E. P. Thompson”, Célia Regina Vendramini discute o conceito de experiência e a noção de coletividade. Em “O modo de fazer pesquisa do historiador E. P. Thompson”, Regina Célia Linhares Hostins desenvolve uma discussão específica sobre o ofício do historiador. Em “E. P. Thompson e a micro-história: trocas historiográficas na seara da história social”, Henrique Espada Lima aborda a recepção da obra de Thompson na Itália. Em “Exterminismo e liberdade política”, Ricardo Gaspar Müller debate a noção de exterminismo e a ação política de Thompson como militante dos movimentos pacifistas europeus, especialmente os de caráter antinuclear. Em “O Grupo e os estudos culturais britânicos: E. P. Thompson em contexto”, Ciro Flamarion Cardoso discute o conceito de cultura e a contribuição de Thompson no contexto dos historiadores marxistas britânicos. Em “O legado de E. P. Thompson ao estudo das multidões e dos protestos populares”, Sidnei José Munhoz trata a contribuição de Thompson e do marxismo britânico para os debates sobre protesto popular. Para a publicação do dossiê em livro, incluímos, também, além da tradução do “Pós-escrito: 1976”, outros ensaios: um artigo original de Adriano Luiz Duarte, “Lei e costume: o essencial de E. P. Thompson”, explorando a relação entre direito, lei e ação política; e um artigo de Maria Célia Marcondes de Moraes e Ricardo Gaspar Müller, elaborado, inicialmente, para o 31° Encontro da Anpocs (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciências Sociais) em outubro de 2007, e revisto para essa edição, “E. P. Thompson e a pesquisa em Ciências Sociais”, no qual os autores enfatizam a convicção de Thompson sobre a importância da teoria e do conhecimento cujo sentido tem de ser operado dialeticamente pelo diálogo entre teoria e prática, o que torna sua 21


obra fundamental para a pesquisa no campo das Ciências Sociais. Por outro lado, excluímos o artigo de Mario Duayer, “Desencanto Revolucionário, Ininteligibilidade da História e Apostasia de Esquerda: E. P. Thompson sobre L. Kolakowski” (constante anteriormente do dossiê), porque ele irá acompanhar a tradução do texto de Thompson, “An open letter to L. Kolakowski”, e o de L. Kolakowski, “My Correct Views on Everything” (em resposta ao ensaio de Thompson), a serem publicados em outro livro. Agradecemos mais uma vez a todos os que contribuíram para a realização do seminário em 2003, à edição da revista Esboços, em 2004, à equipe de tradução e revisão do texto “Pós-escrito: 1976” – Virginia Valdez, Tais Blauth e Maria Stela M. de Moraes –, especialmente aos autores que revisaram seus textos e a todos que acreditaram neste projeto.

Referências THOMPSON, E. P. The making of the English working class. New York: Vintage Books, 1966. ______. The poverty of theory and other essays. London: Merlin; New York: Monthly Review Press, 1978. ______. William Morris: Romantic to Revolutionary. London: Merlin, 1976.

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Sobre os autores

Adriano Luiz Duarte: professor adjunto do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP; 1995); doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp; 2002); pós-doutorado na New York University (2008). É autor do livro Cidadania e exclusão: Brasil, 1937-1945, sobre o mundo do trabalho no Estado Novo. Publicou diversos artigos sobre os temas história do trabalho, cidadania, associativismo popular, cultura política e cultura popular. Linha de Pesquisa na Pós-Graduação: Trabalho, Sociedade e Cultura. Célia Regina Vendramini: professora associada do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutora em Educação pela UFSCar; pós-doutora pela Universidade de Lisboa. Pesquisadora do CNPq e subcoordenadora do Núcleo de Estudos das Transformações do Mundo do Trabalho (TMT/UFSC). Autora do livro Terra, trabalho e educação: experiências sócio-educativas em assentamentos do MST; coautora do livro 355


Retratos do MST: Ligas Camponesas e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; e organizadora do livro Educação em movimento na luta pela terra. Ciro Flamarion Cardoso: professor titular Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói/RJ. Possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1965), doutorado em História, Université de Paris X, Nanterre (1971), e pós-doutorado pela New York University (1994). Áreas de interesse: Teoria da História, História da Arte, História Antiga e Medieval e Egiptologia. Coordenador do Centro de Estudos Interdisciplinares da Antiguidade (CEIA/UFF). Henrique Espada Lima: professor adjunto do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É autor de A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades (Civilização Brasileira, 2006), e de vários artigos na área de teoria da história, historiografia e história do trabalho no Brasil do século XIX. Maria Célia Marcondes de Moraes (in memoriam): professora titular do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC; 1995/2008). Professora do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF; 1987/1995). Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ; 1979); doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ; 1990); pós-doutorado em Educação pela Uni-

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versidade de Nottingham (1993/1994). Pesquisadora do CNPq. Foi representante adjunta da área de Educação junto à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes; 1998-2000); representante da área de Educação junto à Capes (2001-2003) e membro da Comissão de Acompanhamento dos Programas de pós-graduação em Educação da Capes (2005, 2006). Foi membro do Comitê Assessor da Área de Educação do CNPq (2005-2008). Autora de inúmeros livros e artigos, com ênfase em Filosofia da Educação, abordando principalmente os seguintes temas: questões de teoria e método na pesquisa em Educação, produção de conhecimento e formação de pesquisadores. Regina Célia Linhares Hostins: professora e pesquisadora do Programa de Mestrado em Educação na Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Realizou seus estudos de mestrado e doutorado em Educação no PPGE, Universidade Federal de Santa Catarina, na linha de pesquisa Educação História e Política, na qual aprofundou conhecimentos sobre as bases ontológicas e epistemológicas da formação do pesquisador em Educação, notadamente na perspectiva do materialismo histórico e do realismo crítico, com autores como E. P. Thompson, Roy Bhaskar e G. Lukács. Ricardo Gaspar Müller: professor associado do Departamento de Sociologia e Ciência Política e do Programa de Pós-graduação em Sociologia Política (Ppgsp) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) desde 1999; professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF; 1980-1999). Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais

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(UFMG; 1988); doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP; 2002) e pós-doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ; 2007/2008). Visiting Scholar na Universidade de Nottingham (1993/1994 e 2001). Coordenador e pesquisador do Núcleo de Estudos das Transformações do Mundo do Trabalho (TMT/CFH/UFSC). Linhas de pesquisa: Ideias, Instituições e Práticas Políticas; Mundos do Trabalho. Membro do comitê editorial de Política e Sociedade: revista de Sociologia Política (Ppgsp/UFSC). Sidnei José Munhoz: professor da área de História Contemporânea e do Programa de Pós-graduação em História na Universidade Estadual de Maringá (UEM); do Programa de Pós-graduação em História Comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Consórcio Programa Rio de Janeiro de Estudos de Relações Internacionais, Segurança e Defesa Nacional (CPRJ-Prodefesa). Pesquisador do CNPq e pesquisador associado do Laboratório de Estudos do Tempo Presente (IFCS/UFRJ). Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP); pós-doutor em História pela UFRJ (2002). Foi coordenador do Programa de pós-graduação em História (PPH-UEM) e editor da revista Diálogos (PPH/UEM). Principais publicações: “Riots and Looting in São Paulo city – 1983” (ILAS, University of Glasgow, 1996). Foi um dos organizadores (junto com Francisco Carlos Teixeira da Silva) da Enciclopédia de Guerras e Revoluções do século XX (Rio: Elsevier/Campus, 2004).

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Argos Editora da Unochapecó Site: www.unochapeco.edu.br/argos Título Organizadores Coleção Coordenador Assistente editorial Assistente de vendas Secretaria Divulgação, distribuição e vendas

E. P. Thompson: política e paixão Ricardo Gaspar Müller Adriano Luiz Duarte Grandes Temas Dirceu Luiz Hermes Alexsandro Stumpf Neli Ferrari Leonardo Favero Neli Ferrari Felipe Alison Zuanazzi Luana Paula Biazus Renan Klaus Alves de Souza

Projeto gráfico e capa da coleção

Alexsandro Stumpf

Capa desta edição

Alexsandro Stumpf

Diagramação

Caroline Kirschner

Preparação dos originais Revisão

Formato Tipologia Papel

Rodrigo Junior Ludwig Carlos Pace Dori Araceli Pimentel Godinho Marizete Bortolanza Spessatto Rodrigo Junior Ludwig 16 X 23 cm Minion Pro entre 10 e 14 pontos Capa: Supremo 250 g/m2 Miolo: Pólen Soft 80 g/m2

Número de páginas

358

Tiragem

800

Publicação Impressão e acabamento

2012 Gráfica e Editora Pallotti – Santa Maria (RS)


Este livro está à venda:

www.travessa.com.br

www.livrariacultura.com.br



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