Juventuda rural e mudança social

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Juventude rural, cultura e mudanรงa social


Perspectivas

Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina, outorga n. 6.978/10-7.


Arlene Renk Clovis Dorigon (Orgs.)

Juventude rural, cultura e mudan莽a social

Chapec贸, 2014


Reitor: Odilon Luiz Poli Vice-Reitora de Ensino, Pesquisa e Extensão: Maria Aparecida Lucca Caovilla Vice-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Claudio Alcides Jacoski Vice-Reitor de Administração: Antônio Zanin Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu: Valéria Marcondes Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem autorização escrita do Editor.

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Juventude rural, cultura e mudança social / Arlene Renk, Clovis Dorigon - (Orgs.) Chapecó : Argos, 2014. 222 p. ; 22 cm. - (Perspectiva ; 5) Inclui bibliografias ISBN 978-85-7897-123-6 1. Juventude rural. 2. Agricultura familiar. 3. Agricultura orgânica. 4. Êxodo rural. I. Renk, Arlene. II. Dorigon, Clovis. III. Título. IV. Série. CDD 630 Catalogação elaborada por Caroline Miotto CRB 14/1178 Biblioteca Central da Unochapecó

Todos os direitos reservados à Argos Editora da Unochapecó Av. Atílio Fontana, 591-E – Bairro Efapi – Chapecó (SC) – 89809-000 – Caixa Postal 1141 (49) 3321 8218 – argos@unochapeco.edu.br – www.unochapeco.edu.br/argos Coordenador: Dirceu Luiz Hermes Conselho Editorial: Titulares: Murilo Cesar Costelli (presidente), Clodoaldo Antônio de Sá (vice-presidente), Celso Francisco Tondin, Dirceu Luiz Hermes, Lilian Beatriz Schwinn Rodrigues, Maria Aparecida Lucca Caovilla, Ricardo Rezer, Rodrigo Barichello, Tania Mara Zancanaro Pieczkowski, Vagner Dalbosco, Valéria Marcondes Suplentes: Arlene Renk, Fátima Ferretti, Fernando Tosini, Hilário Junior dos Santos, Irme Salete Bonamigo, Maria Assunta Busato


Sumário Prefácio............................................................................................................................................................ 7 Michel Thiollent Apresentação.................................................................................................................................................. 9 PARTE I Trabalho, juventude rural e mudança social.......................................................................................... 15 Arlene Renk, Clovis Dorigon Juventude rural e reconversão produtiva rumo a produtos de qualidade diferenciada................. 35 Clovis Dorigon, Arlene Renk Juventude rural e mudança social............................................................................................................ 77 Arlene Renk, Clovis Dorigon, Maritânia Bagnara O lugar do acesso (ou não-acesso) ao lazer e à cultura na relação que os jovens rurais tem com os territórios do interior catarinense.................................................... 99 Hélène Chauveau PARTE II As perspectivas dos jovens agricultores familiares no início do século XXI....................................115 Anita Brumer Os dilemas da juventude no processo sucessório da agricultura familiar.......................................139 Valmir Luiz Stropasolas


As estratégias para manter a sucessão em estabelecimentos familiares...........................................163 Rosani Marisa Spanevello, Adriano Lago, Luciana Fagundes Christofari, Tanice Andreatta O trabalho na trama da história da infância e da juventude: uma fotografia do estado de Santa Catarina.........................................................................................189 Maria dos Anjos Lopes Viella, Célia Regina Vendramini Palavras finais............................................................................................................................................211 Posfácio: O documentário Celibato no Campo.........................................................................................213 Cassemiro Vitorino, Ilka Goldschmidt Sobre os autores.........................................................................................................................................219


Prefácio

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este livro intitulado Juventude rural, cultura e mudança social, Arlene Renk, Clovis Dorigon e colaboradores apresentam interessantes análises de mudanças sociais que ocorrem na agricultura brasileira, em particular em Santa Catarina. Tais mudanças possuem aspectos demográficos, socioeconômicos, educacionais e culturais e afetam de modo significativo a faixa jovem da população que encontra situações incompatíveis com suas aspirações e obstáculos à continuação do trabalho no campo, devido à complexidade das regras sociais de transmissão da propriedade e a dificuldades agravadas em função de questões de gênero. Muitos jovens, filhos ou filhas de agricultores, são assim levados a deixar o campo para as cidades, procurando empregos em restaurantes e outros serviços, estimulados, também, por comportamentos urbanos de consumo. No campo, assiste-se ao êxodo de parte da população e à concentração fundiária e de recursos financeiros e tecnológicos nas mãos de poucos. O êxodo rural dos jovens é um processo recorrente ao longo do tempo e que está se ampliando em vários países “emergentes”, onde há diminuição relativa da população ativa no setor agropecuário e crescimento da urbanização, acompanhando a expansão do capitalismo. Seria ilusório reverter totalmente essa tendência, todavia os autores investigam propostas capazes de manter certo nível de atividades atraentes para os jovens, incentivando a produção de produtos diferenciados em pequenas unidades e redes, de modo independente da produção consorciada pelas grandes empresas agroindustriais. A desejável diferenciação pode ocorrer como consequência de vários fatores: produção de produtos coloniais valorizados pelas especificidades culturais das regiões e de seus habitantes; difusão de práticas agroecológicas gerando produtos saudáveis, valorizados em canais de distribuição nas grandes cidades e no exterior; renovação da vida associativa local; e formação de redes com participação de ONGs. Essas propostas se vinculam também a outras condições mais abrangentes, tais como: formulação de políticas públicas para melhorar a educação e as condições de vida e de trabalho no

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campo; capacitação profissional dos jovens para adquirirem habilidades técnicas e sociais condizentes com as novas profissões e o espírito empreendedor; acesso à cultura, às tecnologias de informação e comunicação para romper o isolamento e adquirir um modo de vida e de consumo menos distanciado da vida urbana. O progressivo desaparecimento da agricultura tradicional, familiar e camponesa e sua substituição pelo agronegócio são motivos de angústia por parte daqueles que viveram no campo, apegados a seus valores e práticas comunitárias; isso leva até a casos de suicídio. O grande desafio sugerido pelos autores consiste justamente em indicar caminhos indo em direção à revitalização do campo por meio de uma maior participação da juventude em esforços multifacetados que remetem à produção, distribuição, capacitação profissional, melhorias da educação e da vida cultural local. A esperança deixada pela leitura deste livro em seu conjunto é justamente a de mostrar e fortalecer a possibilidade de se manter uma população jovem, motivada, qualificada, dinâmica em regiões rurais produtoras de alimentos diferenciados e saudáveis e de serviços ligados ao turismo ou à gastronomia. Isso requer planos e projetos de desenvolvimento local ou microrregional e não apenas megaprojetos de infraestrutura voltados para a exportação de commodities. Prof. Michel Thiollent UNIGRANRIO – Programa de Pós-Graduação em Administração Rio de Janeiro

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Apresentação

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s sociedades se constituem por e em estratificações. Uma delas é aquela nominada juventude, que se situa no interregno da infância e do período adulto, em que pesem os limites sempre arbitrários de cada sociedade a esse respeito. Ao contrário de outras estratificações, como a de classe, esta carrega um tempo de “maturação” antes de passar à etapa seguinte. Nesta coletânea reunimos diferentes perspectivas de resultados de pesquisa a respeito de juventude rural. Embora os textos dialoguem entre si, para efeitos didáticos os dividimos em duas partes. Na primeira delas, centram-se os resultados de quatro pesquisas realizadas com jovens rurais no oeste catarinense. Na parte seguinte, contamos com a contribuição de pesquisadores catarinenses e do Rio Grande do Sul. Em que pesem diferenças de construções teóricas, neste texto, seguindo as pistas de Seyferth (2012), utilizaremos intercambialmente as categorias “campesinato” e “agricultura familiar”, por trazerem uma carga histórica, uma variação de nominação para o campesinato (colonos, caipiras, sitiantes, foreiros etc.) e também pelo papel do Estado interferindo na nominação. A parte primeira trata de resultado de pesquisa financiada pela FAPESC e teve como lócus geográfico a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional (SDR) de Maravilha. A SDR de Maravilha é composta de 14 municípios: Bom Jesus do Oeste, Flor do Sertão, Iraceminha, Maravilha, Modelo, Pinhalzinho, Romelândia, Saltinho, São Miguel da Boa Vista, Santa Terezinha do Progresso, Saudades, Serra Alta, Sul Brasil e Tigrinhos. A economia é baseada na agricultura. Os municípios de Maravilha e Pinhalzinho dispõem de agroindústrias e parque de pequenas e médias indústrias, recrutando a mão de obra rural, que migra para exercer as atividades em tempo integral ou parcial. Nessa SDR há uma diferença intrarregional significativa sob o ponto de vista do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), apesar das críticas tecidas a esse índice por não incorporar a dimensão ambiental na sua formulação. Por exemplo, Saudades, o município mais bem colocado, possui IDH 0,831; Pinhalzinho, 0,826; Maravilha 0,817; Iraceminha 0,777; São Miguel da Boa Vista 0,743; Flor do Sertão 0,724.

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O primeiro capítulo, de autoria de Arlene Renk e Clovis Dorigon, intitula-se “Trabalho, juventude rural e mudança social”. Os autores apontam a démarche da pesquisa, inicialmente voltada aos produtos coloniais, e a necessidade de redirecioná-la para o âmbito do “desenclave do mundo rural”, da inserção da juventude nesse contexto e da ressemantização da categoria “trabalho”, por serem elementos constitutivos para a compreensão da realidade rural e para o futuro do mundo rural. Nesse contexto, analisa-se a situação em tela com a literatura do campesinato europeu, que passou por situação similar, dos impasses dos jovens mediante a ética camponesa e a remuneração individual. Constata-se, igualmente, que similarmente a outros contextos, a economia feminina de outrora transforma-se em commodity e passa por masculinização. O capítulo “Juventude rural e reconversão produtiva rumo a produtos de qualidade diferenciada”, escrito por Clovis Dorigon e Arlene Renk, aborda o contexto tradicional da agricultura local, dos padrões de herança estabelecidos e da migração dos jovens a outros centros, como opção à recusa à condição. Conhecer novas situações, centros maiores, saber enfrentar os obstáculos urbanos, exercer atividades diferenciadas daquelas que faziam na agricultura são atitudes incorporadas como capitais a jovens agricultores. Fração destes retorna e investe capital financeiro e capital social, adquiridos na experiência externa, em atividades do mundo rural que não exatamente as agrícolas. Dentre estas estão as de produtos diferenciados, porque conhecem o seu potencial perante o mercado e no investimento em agroindústrias familiares. Estas atividades tornam-se potenciais mecanismos de reconversão para a juventude rural e para a vida rural. No capítulo seguinte, sob responsabilidade de Arlene Renk, Clovis Dorigon e Maritânia Bagnara, “Juventude rural e mudança social”, a pesquisa centrou-se no município de Romelândia, e a comunidade de São Cristóvão foi o nosso microcosmo. Neste caso a opção foi centrar o olhar mais minucioso num município e verificar de que modo os dados e variáveis da SDR se faziam evidentes. O movimento migratório, o encolhimento da comunidade rural mediante a retirada dos jovens, a recusa de ser camponês ou da penosidade da vida camponesa, a escassez de mão de obra – estes são aspectos que se tornam candente no olhar microscópico. Hélène Chauveau é jovem pesquisadora francesa que estudou o mundo rural do interior de Santa Catarina. Chauveau discute a relação cidade-campo, mas principalmente ao estabelecer a diferença entre o rural e o agrícola, ou seja, a não obrigatória correspondência de ambos. No caso

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em questão, aponta a carência de lazer, de viajar, de conhecer outros espaços, como desejo dos jovens. Aponta também que, paralelamente ao esvaziamento da população rural, há programas que levam, esporadicamente, atividades de lazer à área rural, como os Pontos de Cultura, dentre outros. Enfim, como diz a autora, o rural não pode ser apenas o local de produção agrícola, ameaçado pelos confortos urbanos. A parte segunda desloca-se, geograficamente, do oeste catarinense, mas aprofunda o diálogo com as questões abordadas na primeira parte. O capítulo escrito por Anita Brumer é nominado “As perspectivas dos jovens agricultores no início do século XXI”. A autora, a partir de vasta literatura e dados produzidos, informa-nos que a heterogeneidade da experiência sob a rubrica nominada “agriculturas familiares”, bem como diversas mudanças que afetaram as condições da produção agrícola e das famílias, interferem nos processos sucessórios. Seu estudo aponta que as propriedades melhor situadas economicamente teriam maior possibilidade de contar com sucessores. No seu estudo, realizado no Rio Grande do Sul, mostra o crescimento das propriedades familiares rurais, pelo processo de herança e obtenção de crédito fundiário. O dinamismo econômico tem contribuído para a permanência de jovens no meio rural. No capítulo em questão, a autora aponta as razões pelas quais esses fatos ocorrem. O sexto capítulo, intitulado “Os dilemas da juventude no processo sucessório da agricultura familiar”, Valmir Luiz Stropasolas contextualiza a condição de jovem rural diante dos impasses da agricultura familiar: empobrecimento, agroindustrialização, envelhecimento e masculinização. Embora as políticas públicas tenham como foco o segmento arbitrado como juventude, isto é, de 18 a 25 anos, exclui-se considerável faixa juvenil. Estabelecer o nexo entre aqueles com acessibilidade e aqueles com invisibilidade é um dos pontos abordados. Outro é o da recorrente temática da reprodução social, questão dramática e de indispensável debate. O autor aborda ainda aspectos demográficos, os aspectos da queda de natalidade, a masculinização e o envelhecimento no campo, como resultado da migração. O sétimo capítulo, “As estratégias para manter a sucessão em estabelecimentos familiares”, é escrito por Rosani Marisa Spanevello, Adriano Lago, Luciana Fagundes Christofari e Tanice Andreatta. Através de pesquisas já realizadas acerca do papel da juventude no processo sucessório das propriedades familiares rurais, os autores elencam razões pelas quais jovens, as moças em

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maior número, deixam o meio rural, apresentando um novo fenômeno que é o das propriedades sem sucessores. Para além de generalizações, os autores aprofundam a questão sucessória, apresentando-a na sua complexidade. A análise dos dados apresenta as estratégias utilizadas pelos pais para assegurar ao menos um herdeiro na propriedade. Essas estratégias podem ser de cunho material ou simbólico, mas sempre com vistas à permanência de sucessor na propriedade, isto é, no caso em que se obtiver êxito. Os dados da pesquisa referem-se a três regiões do Rio Grande do Sul, mas são passíveis de diálogo com outras regiões do País em que há agricultura familiar. O oitavo capítulo, nominado “O trabalho na trama da história da infância e da juventude: uma fotografia do estado de Santa Catarina”, de autoria de Maria dos Anjos Lopes Viella e Célia Regina Vendramini, é resultado de pesquisa que se constituiu em tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC. Centra-se em estudar a presença de crianças e jovens no Brasil; toma como fontes documentais os Mapas Indicativos do Trabalho da Criança e do Adolescente, do Ministério do Trabalho e Emprego. O capítulo aborda o trabalho de crianças e adolescentes em Santa Catarina: atividade, município e indicativo daqueles em que houve diminuição. Paralelamente, estabelece contraponto com produções científicas da realidade catarinense e aponta eventuais contradições com os mapas indicativos. “Celibato no Campo” é documentário cinematográfico dos diretores Cassemiro Vitorino e Ilka Goldschmidt, que souberam captar um dos aspectos reiterados nos capítulos: o da migração dos jovens, da masculinização do campo, do envelhecimento no mundo rural. A sensibilidade de suas lentes encontra-se registrada neste texto-documento que fecha esta coletânea. Esperamos que os leitores possam passar os olhos pelas páginas e que estes textos, longe de serem leituras definitivas, sejam pontos de partida para outros olhares e outras interpretações das realidades, sempre ricas e passíveis de novas perspectivas, mediadas pelas teorias. Nossos agradecimentos à FAPESC pelo financiamento, indispensável à realização da pesquisa, às comunidades que nos acolheram, aos entrevistados e interlocutores que gentilmente se dispuseram a ceder seu tempo, matéria rara num mundo que corre velozmente, aos nossos parceiros que aceitaram o desafio de publicar conosco. Arlene Renk e Clovis Dorigon (Orgs.)

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Este livro estĂĄ Ă venda:

www.unochapeco.edu.br/argos www.travessa.com.br www.livrariacultura.com.br



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