EncontroPartida

Arimatéia Moura Filho .EncontroPartida.

JOSÉ ARIMATÉIA DE OLIVEIRA MOURA FILHO, nasceu em Fortaleza, em 1991. É graduando no curso de Comunicação Social – Jornalismo – na Universidade Federal do Ceará.

Como ator, participou do IV Festival de Esquetes da Cia. Teatral Acontece, 2007, onde recebeu duas indicações a prêmio, ganhando o Troféu João Joca Andrade, Ator Destaque, com “A Carta de Amor”, dirigido por Alexandra Marinho. Como escritor recebeu duas vezes o Prêmio Raquel de Queiroz, pelo conto 'Encontro' (contido nesta obra) e pelo poema 'Silence', na Exposição Literária do Colégio 7 de Setembro, em 2010.

EncontroPartida A vida da gente é um emaranhado de histórias nossas que se confundem com as das pessoas que cruzam o nosso caminho. Esse projeto de livro brinca com esse engodo que nós fazemos dia após dia.

EncontroPartida, no entanto, contem personagens e situações que são reais apenas no universo da ficção, não fazendo referência à pessoas ou fatos concretos, nem sobre eles omitindo opinião.

Fortaleza, março de 2011. 1ª Edição. Circulação feita pelo autor, entre pessoas especiais.

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Aos meus pais, por tanto amor.

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.Apartamento.

Porque a vida ĂŠ feita de encontros e de apartamentos.

Para alguns, mais de apartamentos.

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Pela janela aberta daquele décimo andar, se alguém pudesse olhar de fora para dentro veria uma mesa pequena e redonda num espaço que, provavelmente, seria uma sala de jantar. Perceberia, pela janela, um ambiente simples, sem muito ornamento, embora pertencesse a uma mulher (o que ficava claro por conta daquela toalha quadriculada em tons diferentes de vermelho sobre um fundo alvo, com um jarro de flores amarelas e brancas em cima, e por causa dos pratos e talheres para duas pessoas dispostos à la buffet sobre a mesa redonda com aquela toalha quadriculada). Era a casa dela sim, mas, talvez, fosse dele também, dos dois.

E quem seriam eles? Os dois seriam estranhos ao observador aéreo e não se dariam a conhecer em momento algum, pois estariam em outro cômodo, a que aquela janela não dava acesso visual. E nada mais se veria, mesmo que o observador, supostamente alado, mudasse de ângulo à la volonté. Todo o resto era somente aquela sala de jantar vazia por onde ecoava uma voz de mulher vinda de algum lugar - do apartamento: - Gerard, diz que você não quis dizer o que disse, diz.

Olhe pra mim, Gerard...

Fale que ainda me ama e repita aquele galanteio que eu adoro: 'Simone, mon amour...'

Ei, olhe pra mim por favor! Agora a tarde, eu estava lembrando daquele dia. Aquele dia, você sabe, o nosso dia! Ficamos, nós dois, aqui sozinhos a tarde inteira enquanto lá fora chovia, e eu adorei ficar assim com você.

Gerard, olhe pra mim!! O que foi que aconteceu, hem? Ou quem foi que... Chega. Eu já entendi...

Como é que você fez uma coisa dessas comigo?

Eu fui tão idiotamente passional com você, Gerard.

Eu passei a viver em sua função, passei a depender, organicamente, de você, seu cafajeste!

Vá embora, vá. Era tudo mentira, não era: 'Simone mon amour', tudo mentira. Me deixe, sou eu quem vai embora!

Pare! Eu não pedi que você enxugasse minhas lágrimas.

Saia, não quero que me beije.

Gerard, não me segura assim... Gerard... Gerar...

Fica, Gerard, fica...

Não dá mais, Simone.

Acabou...

O pianista dedilha de forma espaçada, mas forte, enquanto a voz tremula e chorosa de mulher balbucia:

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"Ne me quitte pas... Ne me quitte pas... Ne me quitte pas..."

.Encontro.

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Quando tudo começou (a sensação estranha, a vontade de estar constantemente perto e o riso sem motivo aparente), havia apenas duas semanas que Turíbio conhecera Camille. Quem eram eles?! Turíbio, sedutor como ele só, era do tipo fisicamente atraente. Um homem na flor dos seus 25 anos, dificilmente desacompanhado, mas sempre solteiro. E Camille, uma mulher que era de um corpo... Mas que era muito mais que corpo, era um jeito de olhar, com seus olhos profundamente castanhos, um jeito de dispor o cabelo por trás da orelha direita usando a mão direita e um sorriso que era assim: dela.

Turíbio desde muito novo estivera ciente: não poderia se entregar, ele conhecia as mulheres.

Pelo menos tinha uma leitura bem pessoal sobre elas. E, dessa leitura bem pessoal que ele tinha sobre as mulheres, sabia que se envolver agora seria um erro! (Talvez, o que Turíbio sentisse fosse medo de que as mulheres fizessem com ele o que, geralmente, ele fazia com elas). ‘Não se envolva, Turíbio’, era o que pensava. E, foi exatamente o que ele fez nas últimas vezes, nos últimos anos (nos últimos finais de semana) a.C – antes de

Camille - sempre dando, ele, a última palavra: “Não dá. Foi só uma aventura. Passou”.

Simples! Era ver direito onde estava pisando, era usar as palavras certas, era evitar aquele verbo (Amar) conjugado na primeira pessoa do singular, no presente, e tudo ficaria sob controle.

Mas ele pensava nela, mesmo quando não a tinha em seus braços, o que era estranho para ele. E tudo o que ele pegava tinha a textura da pele dela, tinha o cheiro dela. E ele e ela, agora, para Turíbio, eram eles, ou melhor, ‘nós’.

Ai, é onde o caldo entorna (quer dizer, onde mora o problema), quando eu e você tornamo-nos ‘nós’.

Porque nem sempre ‘nós’ existimos com a mesma intensidade um para o outro ou com o mesmo valor um para o outro e, o pior, às vezes, ‘nós’ nem existimos para um de nós dois.

O caldo entornou mesmo. Entornou, porque Turíbio queria ver Camille, ela também queria, e eles se viam. Turíbio queria ver Camille, ela também, mas eles só se telefonavam (por causa de umas reuniões extraordinárias, na empresa dela, exatamente na hora dos encontros). E Turíbio estava morrendo de saudades de Camille, ela... também. Então eles marcaram de se ver. Turíbio chegou dez minutos antes do horário combinado,

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Camille se atrasou uma hora (E, mesmo quando chegou, Camille não estava lá).

Seis meses depois disso (um intervalo de tempo onde eles se viam apenas semanalmente e na casa dela. Porque ele precisava ir até lá para vêla), seis meses depois, Turíbio marcou outro encontro num restaurante bem romântico, diga-se caro. Nesse último, Camille demorava já mais de duas horas, quando Turíbio resolveu achar que ela tinha errado o endereço, e que andando pelas ruas da cidade, sem saber onde estava, ela foi se perdendo. Imaginou que nessa caminhada perdida haviam roubado a bolsa dela, por isso o celular não atendia. E, então, e passou ele a andar pelos becos, ruas e vielas daquela região central da cidade procurando por Camille (que talvez estivesse em outro restaurante, na frente de outro homem, nos lábios desse outro homem. Ou em uma reunião extraordinária, na empresa dela, embora aquilo fosse um sábado à noite).

Turíbio sentou numa parada de ônibus e ficou esperando... Mas não passava. Não passava, mesmo porque Turíbio não sabia o que queria apanhar! Aliás, não passava porque ele sabia que queria, mesmo, era apanhar. E Turíbio quis gritar (como a gente às vezes quer gritar numa fila de

teatro ou de banco ou num ponto de ônibus, quando a espera é aparentemente interminável): - CAMILLE! Foi ai que ela apareceu: Simone. Ela, assustada com o grito que ele deu, justamente na hora em que a porta do ônibus abriu, perdeu o equilíbrio e caiu ao descer do coletivo machucando o tornozelo esquerdo. A casa dela ficava naquela mesma avenida, um edifício residencial desses poucos ainda existentes no centro. Ela morava no terceiro andar.

Simone, que estava solteira e morava sozinha, se desesperou ao ver que não conseguiria andar, muito menos subir a escadaria até o número 301 daquele prédio sem elevador. Turíbio prestou socorro, o mínimo que poderia fazer, tomou-a nos braços e levou-a até o cimo daqueles três andares de degraus. Abriu a porta, com a chave que Simone tirou da bolsa, um pouco nervosa, entrou com Simone ainda nos braços e deitou-a respeitosamente numa cama – por sinal, arrumada com certo desleixo, denunciando que ela acordara atrasada e fizera o serviço às pressas. Mas ele nem percebeu isso, porque, nesse momento, olhava nos olhos castanhos daquela mulher.

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Simone, constrangida pela situação e cansada depois de um dia inteiro de trabalho, (mas extremamente satisfeita em lembrar que um homem como aquele a havia carregado nos braços da rua até o quarto, colocando-a respeitosamente sobre cama e agora a estava olhando daquele jeito...) usando a mão direita, ela, ajeitou o cabelo por traz da orelha direita, enquanto a mão esquerda mexia no tornozelo lesionado. Turíbio, que continuava observando-a de longe, aproximouse, abaixou-se e colocou suas duas mãos sobre a de Simone (que massageava o machucado) envolvendo-a. Após algum tempo de cabeça baixa e olhos fitando aquela mão feminina envolvida pelas suas masculinas, Turíbio levantou o olhar vagarosamente, mergulhando, os dois, simultaneamente, um no olhar do outro.

Simone sentiu a respiração forte daquele homem que a carregou nos braços, sentiu o cheiro daquele homem que também sentia o seu cheiro e que inspirava e respirava quase em sincronia com o palpitar, lento, mas nervoso, do coração dela.

Simone e Turíbio se olharam, se quiseram, se beijaram, se tiveram. Turíbio conheceu a Simone, no sentido bíblico, é claro, e esse foi o grande encontro da noite.

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.Complicado.

Era tudo muito simples e muito claro no começo. Eles deveriam fazer apenas um pequeno esforço e seria sempre assim. Pelo menos, foi o que pensaram embora nunca houvessem comentado isso entre si (por sinal, eles não comentavam quase nada entre si). O problema é que essas coisas não se alcançam mediante esforços e, o agravante: não se mantêm com esforço algum. Essas são coisas dessas que acontecem, sabe, naturalmente.

Mas eles eram tinhosos e mesmo vendo que não estavam obtendo êxito na estratégia do ‘esforço’ continuavam por ela caminhando exauridamente.

Assim, eles eram obrigados a despender cada vez mais força para maquiar o esforço que estavam fazendo no afã de que as coisas continuassem muito simples e muito claras como no começo – e é claro que tudo seria mais fácil se não houvessem eles feito mais esforço algum desde que perceberam que essas coisas não se sustentam dessa forma. Porque eles perceberam isso, ah, perceberam!

Mas a vontade casual de que continuasse a simplicidade e a clareza iniciais foi-lhes tomando ar

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de necessidade vital, e aquilo os foi cegando (de verdade). Talvez, se um deles houvesse comentado com o outro sobre a camada vermelhosangue opaca que estava se formando sobre as suas retinas, o outro pudesse ter feito alguma coisa a respeito, mas eles não comentavam mesmo quase nada entre si. E, agora, caminhando já em direções opostas, enxergando parcialmente apenas, acharam-se perdidos no meio de um caminho que, antes, pensavam conhecer bem mesmo com os olhos vendados.

Exaustos, cegos, mas conscientemente sem a companhia de outrora, viram tudo ficar muito complicado e muito escuro. Passaram então a correr, em direções opostas, ambos com a mesma finalidade: encontrar o outro.

Corriam desesperadamente sem perceber que quanto mais tentavam se aproximar, mais é que se afastavam – como a letra daquela música, mas invertida. E foi menos desespero que falta de atenção o que os fez esquecer o fio que os prendia por uma das pernas um ao outro. Não carecia tanto desperdício de energia para que se achassem, bastava usar o

fio, puxar o fio. Mas eles queriam correr, e uma hora o fio ficaria pequeno para a distância que eles tomariam – ou melhor, a distância ficaria grande de mais para o fio, que não era curto, diga-se de passagem – ai viria a queda.

Eles corriam com tanta voracidade e anseio íntimo pelo encontro que a força da carreira ocasionou não só a queda como a quebra do fio. E a única coisa que não poderia acontecer entre eles era a quebra do fio que os unia, porque sem o fio eles não eram mais eles, eram apenas um e outro.

E quando duas pessoas tornam-se apenas ‘um’ e ‘outro’ elas não conseguem compreender o mundo da mesma forma como se fossem ‘eles’. Mudam-se as conjugações nos tempos tanto no presente, como no futuro e, pasmem, até no passado.

Porque não importa como tenha sido o passado entre ‘eles’, se um dia houver a segregação pode até não mudar o que se lê, mas muda o modo como se lê e o gosto que essa leitura tem. É tudo muito simples e muito claro, na verdade, e isso já é complicado o suficiente pela própria natureza.

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.Táxi.

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- Táxi!

O carro para, a mulher que chamou o táxi abre a porta de trás e entra mexendo na bolsa. Há muitas chamadas não atendidas de propósito no celular dela e...

– Para onde moça?

E ela agora pensa em retornar. Se disser alguma coisa sobre uma reunião extraordinária talvez cole.

Ou se não tentar justificar, se apenas disser que sente muito pelo atraso, mas que já está a caminho...

– Moça...

Ele entenderia, sempre entende. É uma pessoa bastante compreensiva.

O táxi, que entrou em movimento logo da subida dela, para novamente um pouco mais adiante. O motorista olha para trás, toca levemente uma das mão da passageira, que parece perdida em si mesma enquanto procura alguma coisa, também perdida, na bolsa.

– Você não me disse para onde quer ir.

–…

–…

Pelos faróis dos carros que passavam na via, os dois puderam se ver, muito pouco, é verdade, mas ela, por exemplo, viu que a boca daquele homem

era inteiramente digna da sua atenção e agradeceu muito que ele não tenha dito nada, que não a tenha tirado daquela contemplação. Já ele, ele viu que ela o olhava e não ousou dizer uma virgula se quer, foram apenas reticências prolongadas o quanto puderam ser prolongadas. Ele estava no controle, estava no volante, passou a primeira e foi.

Ela não respondeu, ele não insistiu na pergunta.

Mas, pensou, uma mulher com aquele olhar...

Calma, não poderia se precipitar, denúncias de assédio vindas de uma passageira era tudo o que ele não queria...

– Le Gourmet.

Ela disse alguma coisa, mas ele não entendeu bem.

– O que?

– Estou indo para o Le Gourmet – Certo.

E não disseram mais nada, evitaram até se olhar.

Em um ponto do caminho ela sacou da bolsa um frasco do perfume que usava e usou ali mesmo. O cheiro dela tomou conta do carro. O motorista errou a marcha, consertou rapidamente e olhou pelo retrovisor central. Ela olhava pra ele. Ele sentia na pele o olhar dela. Teve dificuldade em falar, mas acabou dizendo:

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– Chegamos.

– Obrigada.

Ela paga a corrida, desce do carro e entra no restaurante. Ele a vê conversar com alguém na entrada do estabelecimento, um recepcionista, e sumir num dos mais caros restaurantes da cidade, depois passa a primeira e vai. Para ele é assim, e que bom que é.

– Ele não está mais aqui, droga!

O atraso ultrapassou as duas horas de tolerância que qualquer homem, por menos orgulho próprio que tivesse, poderia suportar. Talvez nem por questão de orgulho, mas de desespero. A pressão dos olhares dos outros casais ao redor se questionando sobre a ausência da outra pessoa na sua mesa era terrível, ela não suportava mais um minuto, quem dirá duas horas. Por isso vai embora.

Saindo do Le Gourmet, na avenida, vê vindo um táxi, mas no sentido oposto, precisaria atravessar a via. Arrisca um grito: – Táxi!

O carro para, a mulher atravessa a avenida no intervalo que os outros veículos dão por causa de algum sinal fechado mais adiante. A mulher abre a porta de trás e... e fecha. Abre a da frente, entra, sorri para o taxista e pergunta:

– Para onde vamos?

Ele, agora, está apenas no volante, ela tomou o controle. E não precisou mais palavras.

– Como você se chama?

– Gerard, e você?

O carro passa por prédios residenciais desses poucos ainda existentes no centro, por estabelecimentos comerciais (a esse horário já fechados) e um homem grita de um ponto de ônibus, interrompendo a resposta dela: – CAMILLE! Ela olha rapidamente pela janela, volta o olhar pra frente, vira para Gerard e reitera: – Camille, Gerard, meu nome é Camille.

– Não acredito...

O restante se passa no décimo andar de um apartamento com janela aberta para uma suposta sala de jantar, pela qual não se vê muita coisa.

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.Partida.

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Pela janela aberta daquele décimo andar, não havia o que ouvir hoje. Eram silenciosos os dois. Inclusive, entraram calados na sala metálico espelhada que os ascenderia até o endereço dele. Ela permaneceu calada enquanto ele, mais silente ainda, abria a porta do apartamento dando passagem.

Sorriu.

- Não repara na bagunça. Foi apenas o que disse.

–Não, nada...

Não havia bagunça na opinião dela e talvez houvesse, mas não havia mesmo era muito interesse em reparar. Compunha o ambiente uma mesa redonda, até charmosa, mas a que faltava alguma coisa (uma toalha! Isso, talvez uma toalha sobre a mesa fosse o que faltasse) e havia ainda duas cadeiras arrodeando a mesa naquela salinha de jantar simples de homem solteiro.

Outro gemido e ele acende a luz. Havia um incômodo nela e isso não deixava Gerard confortável, ele queria aquela mulher, Camille, inteiramente à vontade para poder enfim chamá-la de 'mon amour' Mas doía mesmo alguma coisa de verdade.

Não via mais detalhes porque estava escuro e a mesa só ficava à vista por conta de uma janela aberta que deixava entrar luz da rua como se fosse um foco, desses de teatro. Estava sozinha contemplando a mesa, aérea, quando ele volta, talvez do quarto, e sussurra, para não quebrar o silêncio que se instaurara: - Quer me acompanhar, moça bonita...?

Teria tudo para ser uma noite de encontros diversos aquela se não fosse o primeiro que houve.

Enquanto sentia o calor molhado da boca dele, ela gemeu de dor, no seio.

–Algum problema?

– Simone, ligação para você.

Talvez você não saiba, mas Simone trabalha em uma joalheria num shopping da zona nobre, ela não esperava ligações, no trabalho era raro. Mas era uma cliente, nada mais natural. Havia esquecido uma caneta. Foi em uma sexta-feira e tinha quase certeza de que deixara no balcão de Simone. Sim, Simone estava com a caneta cara da cliente que esquecera no seu balcão depois de assinar um cheque, há mais ou menos cinco ou

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seis meses. Se ela poderia deixar pessoalmente?

Claro, era uma cliente de tempos e a gerente da joalheria concordaria, sem problemas, que Simone fizesse esse favor. No hospital? Hospital do Câncer? Tudo bem, endereço anotado. Após meu expediente passo ai. Outro. Tchau.

Turíbio foi ao shopping buscar Simone, queria ver um filme novo em cartaz. Eles iam bem, tanto que quando ela disse que precisava ir ao Hospital, ele se preocupou e ficou apreensivo, mas ela esclareceu logo a situação e ele nem pediu mais detalhes para se dispor a acompanhá-la.

– Eu espero você aqui, disse Turíbio, no corredor.

Simone bate à porta, entra no apartamento 1001, e o homem de pé junto ao leito vira para olhar quem entra.

relógios, que Camille contasse da sua vida para Simone e sorrisse, era o que ela precisava fazer agora. Talvez mesmo contar de como foi a noite do sábado seguinte à perca da caneta, de como foi de táxi ao Le Gourmet e não encontrou com quem não queria encontrar, e que acabou encontrando Gerard, que sem saber, era quem ela queria. E, chorando, dizer que encontrou o que nem sabia que levava no peito. Dizer que estava com medo de morrer para ouvir, sem escutar, qualquer palavra de consolo vinda da outra, ou a opinião dela sobre algo em que acreditava, que ia ficar tudo bem.

Simone sai do quarto, se aproxima dos dois que conversam e sorriem sem perceber que ela se aproxima, e escuta: – … sete, seis, dezenove.

– Gerard. Gerard...

– Tu...?

– Sim, Camille.

– Turíbio.

– Pode nos deixar à sós?

–…

Gerard sai do quarto. Parecia que elas precisavam conversar, como se fosse normal entre a prova de brincos ou colares e pulseiras, até mesmo de

Simone passa pelos dois, há uma lágrima contida, há um nó na garganta. Não entende bem se pelo medo de alguma manchinha nodulenta no próprio seio (o que pode ser apenas impressão por causa dos últimos acontecimentos) ou se pela angustia de ver aqueles dois conversando e trocando

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telefones e, sabe-se lá, conversando sobre ela ou sobre a outra que convalesce logo ali do lado.

Simone caminha, apressada para a saída. Gerard acompanha: – Simone! Espere...

Ela anda com pressa, ela apressa o passo.

Alcança-a. Ela descendo uma calçada, pisa em uma vala e quase torce o pé esquerdo. Gerard toma a frente dela, Simone segue mais lenta do que de início.

– Você anda muito de vagar – Pensei que eu andasse rápido, Gerard, não foi isso que disse?

– Você está com medo de cair de novo.

– É qualquer um que já tenha caído, teria medo.

– Simone...

– Não dá mais Gerard, acabou.

Ninguém dedilha nada, nem canta nada, por que realmente não dá mais, acabou.