Tradução do original: Global Trends 2025: A Transformed World To view electronic version: www.dni.gov/nic/NIC_2025_project.html November 2008 NIC 2008-003
Nota do Tradutor: Esta é uma tradução não comercial para o português, de um documento público americano, apenas para consulta de leitores comuns na Internet. Luiz Horacio de Almeida Geribello
OBS: os números das páginas do índice serão corrigidos depois de concluída a tradução
As Tendências Globais para 2025: Um mundo transformado Nós elaboramos o Global Trends 2025 (Tendências Globais para 2025: Um mundo transformado), para estimular o pensamento estratégico sobre o futuro, através da identificação de tendênciaschave, os fatores que as dirigem, para onde parecem apontar, e de que modo podem interagir. São dados panoramas para ilustração de algumas das várias formas em que as diretrizes estudadas (globalização, demografia, as potências emergentes, a decadência das instituições internacionais, mudanças climáticas globais e a geopolítica da energia) podem se combinar, gerando desafios e oportunidades para os futuros tomadores de decisão (decisionmakers). O estudo no todo é mais uma descrição dos fatores prováveis na composição de eventos do que uma previsão do que irá realmente acontecer. Através do exame de um pequeno conjunto de variáveis, que julgamos provável, terão influências distintas nos eventos futuros e em suas possibilidades, este estudo procura ajudar os leitores a reconhecerem os sinais indicadores de para onde se dirigem os eventos, e a identificarem oportunidades de criar políticas de intervenção, a fim de alterarem ou fixarem as trajetórias de acontecimentos específicos que se desenvolvam. Entre os sentidos que esperamos transmitir estão: “Se você gosta do rumo que os acontecimentos estão tomando, pode querer agir a tempo de preservar essa trajetória positiva. Se você não gosta de para onde eles parecem ir, então precisa desenvolver e implementar medidas para mudar essa trajetória”. Por exemplo, o relatório que examina a transição para a independência dos combustíveis fósseis mostra como trajetórias diferentes irão ocasionar conseqüências diferentes para certos países. Uma mensagem ainda mais importante é a de que a liderança é importante,
nenhuma tendência é imutável, e de que intervenções bem-informadas e tempestivas podem diminuir a probabilidade e a severidade dos desenvolvimentos negativos, aumentando a probabilidade dos positivos. As Tendências Globais para 2025 são a quarta etapa do esforço do Conselho Nacional de Inteligência para identificar os impulsionadores e os acontecimentos com maior probabilidade de moldarem os fatos do mundo no futuro, a uma década ou mais de distância. Ambos, este produto e o processo usado para produzi-lo, beneficiaram-se das lições aprendidas nas versões anteriores. Cada edição das tendências globais atingiu uma comunidade mais abrangente e mais diversa de especialistas. Nosso esforço inicial, centrado em 2010, apoiou-se basicamente no conhecimento da Comunidade de Inteligência dos Estados Unidos, com algum alcance em outras áreas do governo americano e da comunidade acadêmica americana. Nas Tendências Globais de 2015, envolvemos um número maior e mais variado de grupos de especialistas fora do governo, na maioria cidadãos americanos. Na terceira reprodução deste relatório, aumentamos enormemente a participação de especialistas não-americanos, promovendo seis seminários em cinco continentes. Nós também aumentamos o número e variamos o formato das reuniões nos Estados Unidos. Esses encontros aperfeiçoaram nossa compreensão sobre os dois especificamente, as tendências e as suas causas, e as formas pelas quais esses fatores eram percebidos pelos especialistas nas diferentes regiões do mundo. Cada uma das versões anteriores produziu em um relatório mais interessante e mais influente. De fato, a resposta mundo afora ao Global Trends 2025 foi extraordinária. O relatório foi traduzido em várias línguas, debatido nos gabinetes dos governos, discutido nos cursos das universidades e utilizado como ponto de partida em reuniões setoriais de relações exteriores. O relatório foi lido cuidadosamente e recebeu críticas construtivas de miríades de especialistas e do público em geral. Procurando capitalizar a partir do interesse gerado pelos relatórios anteriores, e captar círculos de especialistas ainda mais abrangentes, modificamos nossos processos uma vez mais, na produção do Global Trends 2025. Além de aumentar ainda mais a participação de especialistas não governamentais americanos e estrangeiros, na estruturação do presente estudo, nós compartilhamos vários esboços com outros participantes, pela Internet, e uma série de discussões através dos Estados Unidos e em muitos outros países. Esta reprodução do Global Trends é a mais colaborativa que já foi feita, e essa colaboração fez dela um produto melhor. Estamos extremamente agradecidos pelo tempo e energia intelectual que literalmente centenas de pessoas dedicaram a este esforço. Como aconteceu em nossas análises anteriores, sobre as tendências globais que irão moldar o futuro, o processo e os benefícios secundários de confecção do Global Trends 2025 foram tão importantes quanto o produto final. As idéias e os novos insights que surgiram durante a elaboração do relatório associado enriqueceram o trabalho de inúmeros analistas e foram incorporados em diversos trabalhos publicados pelo Conselho Nacional de Inteligência e por outras agências da Comunidade de Inteligência. Evidências informais indicam que elas influenciaram o pensamento e o trabalho de muitos participantes do processo que não trabalham para o governo dos Estados Unidos. Nós estamos contentes e orgulhosos desses ganhos suplementares, e ansiosos por colher
muitos outros, quando mais pessoas tiverem a chance de ler e responder a esta edição do Global Trends. Várias pessoas contribuíram para a feitura do Global Trends 2025, mas ninguém contribuiu mais do que Mathew Burrows. Seus dons intelectuais e suas habilidades gerenciais foram essenciais para a produção deste relatório, e todos os envolvidos têm para com ele uma grande dívida de gratidão. Nas suas próprias considerações, feitas na página seguinte, Mat cita outras pessoas que deram contribuições dignas de nota. Muitos outros também deram contribuições importantes. Nós não poderíamos ter produzido esta edição do Global Trends sem a ajuda de todos os participantes, e estamos profundamente agradecidos pelas parcerias e pela amizade que facilitaram ou que resultaram deste esforço de colaboração.
C. Thomas Fingar Chairman, National Intelligence Council
(Presidente do Conselho Nacional de Inteligência)
Agradecimentos
Na feitura deste trabalho o Conselho Nacional de Inteligência recebeu a ajuda incomensurável de diversos institutos de pesquisa, empresas de consultoria, instituições acadêmicas e literalmente de centenas de especialistas dentro e fora dos governos dos Estados Unidos e de além-mar. Não é possível dar o nome de todas as instituições e indivíduos que consultamos, mas gostaríamos de agradecer alguns deles, pela importância de suas contribuições. O Conselho do Atlântico dos Estados Unidos (The Atlantic Council of the United States) e o Stimson Center, ambos foram importantes abrindo as portas de instituições no exterior e por pontos de vista que não conseguiríamos ter reunido com facilidade neste projeto. Dr. William Ralston, Dr. Nick Evans e suas equipes, no SRI-Consulting Business Intelligence (SRI Consultoria em Inteligência de Negócios) nos proveram com a necessária competência e orientação em Ciência e Tecnologia. Dr. Alexander Van de Putte, da PFC Energy International (Consultoria para o setor energético), organizou uma série de três reuniões em três centros regionais do globo, para nos auxiliar a iniciar o processo de concepção e construção dos cenários. Outros nomes envolvidos nessa iniciativa incluem o Prof. Jean-Pierre Lehmann, do Evian Group, na IMD de Lausanne (International Institute for Management Development) – líder mundial na formação de executivos, e Peter Schwartz e Doug Randall, da Monitor Group’s Global Business Network, de São Francisco. Professor Barry Hughes, da Universidade de Denver, contribuiu notavelmente com o processo de construção dos cenários, e na demarcação das trajetórias possíveis para os níveis mais elevados de poder. Dr. Jacqueline Newmyer e Dr. Stephen Rosen, do Long Term Strategy Group (Grupo de Estratégias de Longo Prazo), organizaram três oficinas que foram fundamentais para avançar nosso pensamento sobre as complexidades do futuro, segurança ambiental e o caráter mutável do conflito. Muitos individualmente ou através de instituições ajudaram a organizar mesasredondas para criticar os esboços ou para examinar a fundo os vários aspectos, o que inclui o Dr. Geoff Dabelko, no Wilson Center; Dr. Greg Treverton, da Rand Corporation; Sebastian Mallaby, do Conselho de Relações Exteriores; Carlos Pascual, da Brookings; Dr. Michael Auslin, da AEI (American Enterprise Institute for Public Policy Research); Professor Christopher Layne, da Texas A&M University; Professor Sumit Ganguly, da Universidade de Indiana, e Dr. Robin Niblett e Jonathan Paris, da Chatham House, de Londres.. Professor John Ikenberry, da Woodrow Wilson School, em Princeton, organizou diversos seminários (workshops) com proeminentes estudiosos de relações internacionais, ajudando-nos nas mudanças das tendências geopolíticas. Dois seminários – um organizado pelo Prof. Lanxin Xiang e sediado no CICIR de Pequim, o outro organizado e realizado pelo Dr. Bates Gill, no SIPRI de Estocolmo — foram particularmente instrumentais na coleta de perspectivas internacionais sobre os desafios estratégicos mundiais. No âmbito do governo dos Estados Unidos, um agradecimento especial a Julianne Paunescu, da Divisão de Inteligência e Pesquisa do Departamento de Estado (INR), por ajudar-nos a cada passo do caminho, ela e seu pessoal desempenharam suas funções conduzindo a comunidade de inteligência para além de seus limites, até os especialistas não-governamentais, de um modo admirável. Marilyn Maines e seus especialistas da NSA (Agência de Segurança Nacional) nos supriram de conhecimentos fundamentais em Ciência e Tecnologia,
organizando workshops com a Toffler Associates, para prospectar mais profundamente as tendências do futuro. O quadro de Análise e Produção do NIC (Conselho Nacional de Inteligência), incluindo a hábil ajuda editorial de Elizabeth Arens, deu um apoio essencial.
GLOBAL TRENDS 2025: UM MUNDO TRANSFORMADO
Conteúdo Página Sumário Executivo
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Introdução: Um Mundo Transformado Mais Mudanças que Continuidade Alternativas de Futuro
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Capítulo 1: A Globalização Econômica
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De Volta para o Futuro Classe Média em Expansão Capitalismo de Estado: Um Mercado Pós-Democrático surgindo no Oriente? Terreno Acidentado na Correção dos Desequilíbrios Globais Pólos Financeiros Múltiplos Modelos Divergentes de Desenvolvimento, mas Até Quando? Capítulo 2: A Demografia da Discórdia Crescimento, Declínio e Diversificação Populacional — ao Mesmo Tempo O Boom dos Pensionistas: Desafios das Populações que Envelhecem O Inchaço Continuado no Número de Jovens Mudanças de Localidade: Migração, Urbanização, e Mudanças Étnicas Quadros Demográficos: Rússia, China, Índia e Irã Capítulo 3: Os Novos Atores
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Pesos-pesados em Ascensão: China e Índia Outros Jogadores-Chave Potências emergentes
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Panorama Global I: Um mundo sem o Ocidente
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Capítulo 4: Escassez em Meio à Fartura?
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O Amanhecer de uma Era Pós-Petróleo? A Geopolítica da Energia Água, Alimentos e Mudanças Climáticas
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Panorama Global II: Uma Surpresa em Outubro
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Capítulo 5: Cresce o Potencial para os Conflitos
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O Arco de Instabilidades estará se fechando em 2025? 61 Risco Crescente de uma Corrida Armamentista Nuclear no Oriente Médio 61 Novos Conflitos por Fontes de Recursos? 63 Terrorismo: Boas e Más Notícias 68 Afeganistão, Paquistão e Iraque: Trajetórias Locais 72 e Interesses Externos Panorama Global III: O Rompimento do BRIC
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Capítulo 6: O Sistema Internacional Estará à Altura dos Desafios? Multipolaridade sem Multilateralismo Quantos Sistemas Internacionais? Um Mundo em Rede
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Panorama Global IV: A Política Nem Sempre é Local
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Capítulo 7: Relações de Poder no Mundo Multipolar A Demanda pela Liderança dos Estados Unidos Mantém sua Força. Capacidade de Liderança irá Decrescer Novos Parceiros e Antigas Parcerias sendo Reavaliadas Margens Menores de Erro Financeiro Margens Menores de Superioridade Militar Surpresas e Conseqüências Involuntárias A Liderança Será a Chave
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Quadros Complementares: O Cenário Global de 2025 Comparação entre Mapeando o Futuro Global: Relatório do Conselho Nacional de Inteligência para o Projeto 2020 e Tendências Globais 2025: Um Mundo Transformado Projeções de Longo Alcance: Uma História de Advertência Globalização em Risco, com a Crise Financeira de 2008? Liderança em Ciência e Tecnologia: Um Teste para as Potências Emergentes América Latina: Crescimento Econômico Moderado, Continuidade da Violência Urbana As Mulheres Como Agentes de Mudança Geopolítica Níveis mais Altos da Educação Moldando o Panorama Global de 2025 O Impacto HIV/AIDS Muçulmanos na Europa Ocidental Tempo é Tudo (Timing is Everything) Vencedores e Perdedores no Mundo Pós-Petróleo Os Avanços Tecnológicos em 2025 Dois Vencedores nas Mudanças Climáticas As Implicações Estratégicas de um Ártico Desbloqueado A África Sub-Saariana: Mais Integrada ao Mundo e Mais Problemática Uma Coréia Não-nuclear? Oriente Médio/África do Norte: Políticas Econômicas Trazem Mudanças, mas com Risco Máximo de Distúrbios Segurança Energética Uma Nova Possibilidade de Uso para as Armas Nucleares? Por que a “Onda Terrorista” da al-Qa’ida Pode Estar se Desfazendo? O Caráter Mutável dos Conflitos O Fim das Ideologias? O Potencial de Surgimento de uma Pandemia Global Regionalismo mais Forte — A Favor ou Contra a Governança Global? Identidades Culturais em Proliferação e Intolerância Crescente? Futuro da Democracia: Recaídas Mais Prováveis que uma Nova Onda Democrática Anti-Americanismo em Declínio?
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GLOBAL TRENDS 2025: UM MUNDO TRANSFORMADO
O Cenário Global de 2025 Certezas Relativas
Impactos Prováveis
Um sistema global multipolar está emergindo com a ascensão da China, Índia e outros. O poder relativo de atores não estatais – negócios, tribos, organizações religiosas, e até de organizações criminosas – também aumentará.
Lá por volta do ano 2025 uma “comunidade internacional” simples, composta por nações-estado, não mais existirá. O poder estará mais disperso, com os novos atores criando novas regras para o jogo, enquanto aumentam os riscos de enfraquecimento das alianças tradicionais do Ocidente. Em vez de seguirem os modelos políticos e econômicos ocidentais, um número crescente de países pode ser atraído para a alternativa chinesa de modelo desenvolvimentista.
A mudança sem precedentes na riqueza e no poder econômico relativos, grosso modo migrando do Ocidente para o Oriente, vai continuar.
Um incentivo na direção da estabilidade geopolítica pode-se dar em alguns países, à medida que alcancem o bem-estar econômico. Entretanto, essa transferência está fortalecendo Estados como a Rússia, que desejam desafiar a ordem do Ocidente.
Os Estados Unidos continuarão a ser individualmente o país mais poderoso, mas seu nível de dominação irá decrescer.
A retração da capacidade econômica e militar pode colocar os Estados Unidos em situação difícil de intercâmbio entre as prioridades de suas políticas internas ou externas.
O crescimento econômico continuado – conjugado com os 1,2 bilhão de pessoas a mais em 2025 – pressionará as fontes de energia, comida e água.
O ritmo de inovação tecnológica será a chave para os resultados desse período. Todas as tecnologias atuais são inadequadas para substituir a matriz energética tradicional, na escala necessária.
O número de países de população jovem no “arco de instabilidade”1 irá decrescer, mas as populações de vários Estados com proeminência de jovens têm previsão de permanecerem em trajetórias de crescimento rápido.
A não ser que as condições de emprego mudem dramaticamente em países de risco e com predominância jovem, como Afeganistão, Nigéria, Paquistão e Yemen, eles continuarão a ser um terreno fértil para a instabilidade e a falência do Estado.
As tensões potenciais dos conflitos
A necessidade dos Estados Unidos
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Países com pirâmides etárias jovens e acentuado crescimento demográfico descrevem um crescente ou “arco de instabilidade” estendendo-se desde a região andina, na América Latina, atravessando a África Sub-Saariana, o Oriente e o Cáucaso, até algumas partes setentrionais do Sul da Ásia.
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aumentarão, devido às rápidas mudanças que ocorrem no Oriente Médio e à disseminação da capacidade letal de ataque em certas áreas dessa região.
agirem como fator de equilíbrio no Oriente Médio irá aumentar, mesmo que outras potências externas – Rússia, China e Índia – venham desempenhar papéis mais relevantes que os atuais.
É improvável que o terrorismo tenha desaparecido em 2025, mas seu atrativos podem ser reduzidos pela continuidade do crescimento econômico no Oriente Médio, fazendo com que diminuam os índices de desemprego entre a população mais jovem. Para os terroristas em atividade, a difusão da tecnologia deixará recursos muito perigosos ao seu alcance.
As oportunidades para ataques terroristas com vítimas em massa, usando armas químicas, biológicas, ou menos provável, armas nucleares, irão aumentar com o avanço tecnológico e com a expansão de programas nucleares capazes de produzirem essas armas. As conseqüências práticas e psicológicas desses ataques serão intensificadas em um mundo globalizado
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Incertezas-Chave
Conseqüências Potenciais
Se uma transição da matriz energética, passando ao largo do petróleo e do gás – apoiada na melhoria das condições de armazenagem, biocombustíveis e carvão limpo – será concluída durante o cenário de 2025.
Com os altos preços do petróleo e do gás, os maiores exportadores, como a Rússia e o Irã, incrementarão substancialmente seu poder nacional, com o PIB russo potencialmente aproximando-se do PIB do Reino Unido e da França. Uma queda persistente nos preços, talvez sustentada por uma mudança da base econômica na direção de novas fontes de energia, poderia deflagrar um longo período de declínio para os países produtores, como atores regionais e globais.
Com que rapidez ocorrem as mudanças climáticas e em que locais ou de que forma seu impacto é mais perceptível. Se as práticas mercantilistas ensaiam um retorno e ocorre uma retração dos mercados globais.
As mudanças do clima tendem a exacerbar a escassez de recursos, particularmente a escassez de água.
A recaída para um mundo de nacionalismo em torno dos recursos básicos aumenta os riscos de confrontação entre grandes potências Se vão ocorrer avanços em direção à O pluralismo político parece mais democracia na China e na Rússia. improvável na Rússia, pela ausência de diversidade econômica. Uma classe média emergente aumentaria as chances de liberalização política e também de um nacionalismo maior na China. Se os temores regionais de que o Irã Conflitos ou atos terroristas de menor desenvolva seu arsenal nuclear irá intensidade, ocorrendo sob um guardadesencadear uma corrida chuva nuclear, poderiam causar uma armamentista, com o conseqüente escalada involuntária, levando a um aumento da militarização. conflito mais amplo. Se o Oriente Médio se torna mais A turbulência tende a aumentar na estável, especialmente o Iraque, e se o maioria dos cenários. O retorno do conflito árabe-israelense será resolvido crescimento econômico, um Iraque pacificamente. mais próspero e o fim da disputa Israel-Palestina poderia gerar certa estabilidade, à medida que a região lidar com o fortalecimento do Irã e com a transição para uma matriz energética que irá se afastar do petróleo e do gás. Se a Europa e o Japão superam as A integração bem-sucedida das dificuldades econômicas e sociais minorias islâmicas na Europa poderia provocadas pelas pressões ampliar os números da população demográficas, ou combinadas com economicamente ativa e evitar uma ela. crise social. Esforços insuficientes da Europa e do Japão para atenuarem as pressões demográficas poderiam levávi
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Se as potências globais colaboram com as instituições multilaterais, para que estas ajustem suas estruturas e ações ao cenário geopolítico transformado.
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los à um longo período de declínio. As potências emergentes demonstram ambivalência em relação a instituições internacionais, como a ONU e o FMI, mas isso pode mudar se elas se tornarem protagonistas do cenário global. A integração da Ásia pode fortalecer suas instituições regionais. A OTAN enfrenta desafios muito duros ao tentar conciliar compromissos crescentes fora de sua área de atuação com o declínio do poderio militar europeu. As alianças tradicionais serão debilitadas.
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Sumário Executivo O sistema internacional (a comunidade internacional) N.T. — como foi construído após o fim da Segunda Guerra Mundial — será quase irreconhecível em 2025, devido à ascensão das potências emergentes, à globalização econômica, a um histórico de transferência da riqueza relativa e do poder econômico, grosso modo do Ocidente para o Oriente, e à influência dos atores não-estatais. Por volta de 2025, a comunidade internacional terá um sistema global e multipolar, com redução das distâncias entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, na escala de poder nacional 2. Concomitante com as mudanças de poder entre os Estados-Nações, o poder relativo de vários atores não estatais (não-governamentais), incluindo os negócios, as tribos, organizações religiosas e redes criminosas – está crescendo. Os atores estão mudando, e isto está ocorrendo também com o alcance e a amplitude das questões transnacionais relevantes, para a manutenção de uma prosperidade global sustentável. Populações envelhecendo no mundo desenvolvido, restrições crescentes de energia, alimentos e água, e a preocupação com as mudanças climáticas irão limitar e diminuir as realizações desse período, que mesmo assim será conhecido como uma era histórica e sem precedentes de prosperidade. Historicamente, sistemas multipolares em formação têm sido mais instáveis do que bipolares e unipolares. Apesar da volatilidade financeira revelada recentemente – que poderia terminar acelerando muitas das tendências em progresso – não cremos estar nos dirigindo para um colapso completo do sistema internacional, como ocorreu em 1914-1918, quando uma fase mais remota da globalização foi interrompida. Entretanto, os próximos 20 anos de transição para um novo sistema estão repletos de riscos. Rivalidades estratégicas estarão circundando o comércio, os investimentos, a aquisição e inovação tecnológica, mas não podemos descartar um quadro semelhante ao do século 19 na corrida armamentista, busca de expansão territorial e nas tensões militares. Esta história não tem um final claro, como ilustramos na série de vinhetas usadas para mapear os diversos futuros possíveis. Apesar dos Estados Unidos provavelmente permanecerem sendo o ator individualmente mais poderoso, o poder relativo dos americanos, — mesmo seu poderio militar— irá declinar, e o predomínio americano será menor. Ao mesmo tempo, não está claro até que ponto outros atores — estatais ou não-governamentais — serão capazes ou estarão dispostos a suportar encargos mais pesados. Os gestores e suas comunidades terão de enfrentar uma demanda crescente por cooperação multilateral, quando o sistema internacional estiver sendo pressionado pela transição não concluída, da velha para uma nova ordem ainda em formação. O Crescimento Emergentes
Econômico
Alimentando
a
Ascensão
dos
Atores
N.T.
: O documento refere-se ao “sistema internacional” como sendo o espaço de integração e relacionamento entre os países, mas no Brasil “comunidade internacional” é a expressão normalmente usada para designar o conjunto organizado das nações e seus sistemas. 2
Pontuações do poder nacional, calculado pelo modelo computadorizado International Futures (um modelo computacional chamado Futuros Internacionais), são produzidas por índices combinando fatores ponderados – pesos diferentes - do PIB, gastos de defesa, população e tecnologia.
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GLOBAL TRENDS 2025: UM MUNDO TRANSFORMADO
Em termos de volume, ritmo e direção do fluxo, a transferência da riqueza global e de poder econômico agora em curso, grosso modo do Ocidente para o Oriente – não tem precedentes na história moderna. Essa mudança é derivada de duas fontes. Primeiro, dos aumentos de preço do petróleo e das commodities, gerando lucros extraordinários para os países do Golfo e para a Rússia. Segundo, custos menores combinados com políticas governamentais levaram para a Ásia os grandes parques industriais de manufaturas e de alguns setores da indústria de serviços. As previsões de crescimento para os países do BRIC - Brasil, Rússia, Índia e China indicam que eles irão atingir coletivamente a parcela original que detinha o G-7, na participação do PIB global, por volta de 2040-2050. A China se coloca para produzir mais impactos mundiais nos próximos 20 anos do que qualquer outro país. Se as tendências atuais se confirmarem, em 2025 a China terá a segunda maior economia do mundo e será uma das grandes potências militares. Poderá ser também o maior importador de recursos naturais e o país mais poluidor. A Índia provavelmente continuará a desfrutar de um crescimento econômico relativamente rápido, e despenderá grandes esforços na construção de um mundo multipolar que coloque Nova Délhi como um de seus pólos. China e Índia precisam decidir até onde estão determinadas e são capazes de assumir papéis globais crescentes, e como serão suas relações mútuas. A Rússia tem um potencial para ser mais rica, mais poderosa e mais confiante, em 2025, se investir em seu capital humano, expandir e diversificar sua economia, e se integrar ao mercado global. A alternativa é uma perda significativa de seu status, se a Rússia não conseguir dar esses passos, e se os preços de petróleo e gás ficarem em torno de US$ 50-70 o barril. Para nenhum outro país há a previsão de chegar aos níveis de crescimento de China, Índia ou Rússia, e nem é provável que outro país individualmente exerça tanta influência global quanto eles. Esperamos, entretanto, assistir aos avanços econômicos e políticos de outros países – como Indonésia, Irã e Turquia. Em grande parte, China, Índia, e Rússia não estão seguindo o modelo liberal do Ocidente, para o desenvolvimento auto-induzido, mas, em vez disso, utilizam o modelo do “capitalismo de Estado”. Capitalismo de Estado é um termo amplo usado para descrever um sistema de gerenciamento econômico que dá um papel destacado ao Estado. Outros países emergentes – Coréia do Sul, Taiwan e Singapura – também utilizaram o capitalismo de Estado para desenvolver suas economias. Contudo, o impacto da Rússia, e particularmente da China, seguindo esse mesmo caminho, é potencialmente muito maior, dadas as suas dimensões e o enfoque que dão à “democratização”. Estamos otimistas, quanto aos prognósticos de longo-prazo, de que ocorra uma ampla democratização, mesmo que os avanços se mostrem lentos e que a globalização esteja sujeitando muitos países de democracia recente a um aumento das pressões econômicas e sociais, a ponto de enfraquecerem as instituições democráticas. Muitos outros países ficarão bem para trás na economia. A África Sub-Saariana permanecerá sendo a região mais vulnerável à ruptura econômica, às tensões internas, à guerra civil e à instabilidade política. Mesmo com o aumento da demanda por commodities, que terá na região uma grande fornecedora, as populações locais têm pouca chance de melhoria das condições de vida. Lucros extraordinários provenientes do aumento continuado nos preços das commodities podem, em vez disso, vir a fortalecer governos corruptos ou mal preparados em diversas regiões, diminuindo as perspectivas de reformas democráticas baseadas no livre-mercado. Não obstante o fato de que muitos dos ix
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grandes países da América Latina terão se tornado potências médias emergentes em 2025, outros, particularmente aqueles como a Venezuela e a Bolívia, que abraçaram políticas populistas por um extenso período, ficarão para trás — e alguns, como o Haiti, terão se tornado ainda mais pobres e mais ingovernáveis. Sobretudo, a América Latina continuará a ter um atraso em relação à Ásia e a outras áreas de crescimento mais rápido, em termos de competitividade econômica. Ásia, África e América Latina responderão por virtualmente todo o aumento populacional nos próximos 20 anos; o Ocidente contribuirá com menos de 3% desse número. A renda per capita de Europa e Japão continuará sendo muito maior que a das potências ascendentes China e Índia, mas eles terão de lutar para manter a robustez de suas taxas de crescimento, pois terão um decréscimo da PEA (população economicamente ativa). Os Estados Unidos serão em parte uma exceção ao aumento de idade da população no mundo desenvolvido, porque apresentarão taxa de natalidade maior e mais imigração que outros países. A migração de países menos favorecidos para os mais favorecidos deverá aumentar. A proporção de países com maioria de população jovem no presente “arco de instabilidade” tem projeção de queda para 40%. Três em cada quatro países com inchaço no número de jovens estarão na África Sub-Saariana; quase todos os remanescentes estarão localizados no miolo do Oriente Médio, ou espalhados pela região Sul e Centro da Ásia, e também nas Ilhas do Pacífico. A Nova Agenda Transnacional A questão das fontes de recursos naturais ganhará destaque na agenda internacional. O crescimento econômico global sem precedentes — positivo em tantos outros aspectos — continuará a pressionar um conjunto de recursos altamente estratégicos, incluindo a energia, os alimentos e a água, e as novas demandas estão previstas para ultrapassarem facilmente a oferta disponível, em aproximadamente uma década. Por exemplo, a produção fora da OPEP de hidrocarbonetos, petróleo cru, gás natural e de produtos não convencionais, como a areia betuminosa — não crescerá proporcionalmente à demanda. A produção de petróleo e gás de muitos produtores tradicionais já está decrescendo. Em outros lugares — China, Índia e México —, a produção estagnou. Países com capacidade de expandirem significativamente a produção sofrerão retração. A produção estará concentrada em áreas de instabilidade. Como resultado disso e de outros fatores, o mundo se verá em meio a uma mudança fundamental das fontes de energia, de petróleo para o gás natural, carvão e outras alternativas. O Banco Mundial estima que a demanda por alimentos vá crescer 50% até 2030, como resultado do crescimento da população mundial, do aumento da prosperidade e com a mudança para hábitos alimentares ocidentalizados, por parte de uma classe média crescente. A falta de acesso ao fornecimento regular de água está atingindo proporções críticas, particularmente para uso agrícola, e o problema tende a piorar, devido à rápida urbanização em todo o mundo, e aos aproximadamente 1,2 bilhão de pessoas engrossando as massas populacionais, nos próximos 20 anos. Hoje, os especialistas calculam que 21 países, com uma população somada de 600 milhões, sofrerão com a escassez de terra agricultável e de água potável. Devido ao crescimento populacional continuado, 36 países, com aproximadamente 1,4 bilhão de pessoas, estão previstos para ingressarem nessa categoria, em 2025.
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A expectativa é de que as mudanças climáticas intensifiquem a escassez de recursos. Embora o impacto das mudanças climáticas apresente variações em cada região, algumas delas começarão a sofrer efeitos danosos, especialmente pela falta de água e pela queda na produção agrícola. As diferenças regionais na produção agrícola tendem a se tornar mais pronunciadas com o tempo, pela quebra desproporcional das safras, concentrada nos países em desenvolvimento, em especial na África Sub-Saariana. O impacto das perdas agrícolas deve aumentar consideravelmente mais adiante neste século, prevêem os especialistas. Para muitos países em desenvolvimento, a diminuição da produção agrícola será devastadora, porque a agricultura responde por grande parte de suas economias, e muitos de seus cidadãos ainda se encontram próximos aos níveis da economia de subsistência. As novas tecnologias poderiam mais uma vez fornecer soluções, como alternativas viáveis para os combustíveis fósseis ou meios de superar a crise de alimentos e a falta de água. Entretanto, todas as tecnologias atuais são inadequadas para substituírem os modelos energéticos tradicionais, na escala necessária, e as novas fontes de energia provavelmente não serão comercialmente viáveis, nem estarão largamente difundidas, em 2025. O ritmo de inovação tecnológica é a chave. Mesmo que haja políticas adequadas e ambiente de investimentos favoráveis aos biocombustíveis, ao carvão limpo e ao hidrogênio, a transição para a nova matriz energética será lenta. A adoção de novas tecnologias básicas historicamente tem apresentado atrasos de instalação. Um estudo recente do setor energético revelou que leva em média 25 anos para que uma nova tecnologia de produção seja amplamente instalada. Apesar do que é visto hoje como tendo grandes chances de ocorrer, nós não podemos excluir a possibilidade de uma mudança da matriz energética em 2025 que evite os custos de renovação da infra-estrutura de energia. As maiores possibilidades de haver uma transição rápida e de baixo custo nesse período vêm de fontes geradoras com maior coeficiente de renovação (fotovoltaica e eólica), e da melhoria tecnológica na fabricação de baterias. Em várias dessas tecnologias, o custo proibitivo da infra-estrutura nos projetos individuais pode diminuir, permitindo que vários atores de pequeno porte adotem seus próprios planos de transição, segundo suas conveniências — por exemplo, células de combustível fixas fornecendo energia a residências e escritórios, veículos de baterias recarregáveis ou híbridos, vendendo a carga excedente para a rede. Além disso, sistemas de conversão de energia — como dispositivos geradores de hidrogênio para automóveis, a partir da eletricidade, sendo colocados em garagens domésticas — isto eliminaria a necessidade de se desenvolver uma complexa infra-estrutura de transporte e abastecimento de hidrogênio. Perspectivas para o Terrorismo, Conflitos e Proliferação Terrorismo, proliferação e conflitos continuarão a ser preocupações centrais, mesmo se a questão dos recursos passar a orientar a agenda internacional. É improvável que o terrorismo tenha desaparecido em 2025, mas sua atratividade poderá diminuir, desde que persista o crescimento econômico e diminua o desemprego entre os jovens, no Oriente Médio. Oportunidades de trabalho para a juventude e mais pluralismo na política poderia dissuadir alguns deles de se juntarem às fileiras terroristas, mas outros — motivados por fatores diversos, como o desejo de revanche ou para se tornarem “mártires” — continuarão recorrendo à violência para cumprirem seus objetivos.
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Na ausência de oportunidades de emprego e de meios legais de expressão política, as condições serão propícias para o ódio, o radicalismo crescente e o provável recrutamento da juventude por grupos terroristas. Os grupos terroristas em 2025 serão possivelmente uma combinação de sucessores de grupos tradicionais — herdando a organização disciplinar, as estruturas, os processos de comando e os programas de treinamento necessários à execução de ataques sofisticados — com novas formações emergindo do ressentimento e da exclusão, radicalizando-se espontaneamente. Os grupos terroristas operantes em 2025 terão ao seu alcance algumas das habilidades tecnológicas e científicas mais perigosas do mundo, em função do avanço tecnológico. Um dos nossos maiores receios é o de que grupos de terroristas ou de malfeitores possam adquirir e empregar agentes biológicos ou, mais improvável, dispositivos nucleares, a fim de produzirem atentados em massa. Embora a obtenção de armamento nuclear pelo Irã não seja inevitável, a preocupação de outros países com o Irã se tornar potência nuclear pode levar os países da região a criarem medidas complementares de segurança, junto a potências externas, adquirindo novas armas e passando a perseguir suas próprias ambições nucleares. Não está claro se as relações de contenção recíproca relativamente estáveis, que havia entre as grandes potências durante quase toda a Guerra Fria, poderiam se estabelecer naturalmente no Oriente Médio, diante da capacidade militar nuclear do Irã. Conflitos de baixa intensidade ocorrendo sob um guarda-chuva nuclear poderiam levar a uma escalada involuntária e a um conflito muito mais amplo, se os limitesN.T. entre os países envolvidos não forem bem estabelecidos. Cremos que conflitos ideológicos semelhantes à Guerra Fria dificilmente criariam raízes nesse mundo em que a maioria dos países estará empenhada nos desafios pragmáticos da globalização e no realinhamento das relações internacionais. Os apelos da ideologia devem ser mais fortes no mundo islâmico — em especial no mundo árabe. Em países confrontando os problemas de uma grande população de jovens, combinados com um débil suporte econômico — como Paquistão, Afeganistão, Nigéria e Iêmen — a tendência islâmica radical Salafi poderá ganhar impulso. Tipos de conflito que não víamos há algum tempo — como a disputa por recursos básicos — podem tornar a aflorar. A percepção da escassez energética levará os países a agirem para assegurar seu acesso ao fornecimento de energia no futuro. No pior dos casos, isto poderá causar conflitos internacionais, se as lideranças governamentais julgarem que assegurar o acesso às fontes de energia, por exemplo, seja essencial à estabilidade interna e à sobrevivência de seus regimes. Entretanto, mesmo atitudes não bélicas terão conseqüências geopolíticas importantes. Preocupações com a segurança nos mares estão motivando a construção naval e os esforços de modernização, tais como os investimentos no aumento da capacidade marítima em alto mar, por parte da China e da Índia. O desenvolvimento de uma indústria naval regional pode aumentar as tensões, rivalidades e levar a ações de contrapartida, mas pode também criar oportunidades de cooperação multinacional na proteção das rotas marítimas mais problemáticas. Com a escassez de água na Ásia e no Oriente Médio, a cooperação para gerenciar as mudanças dos recursos hídricos deverá ser dificultada, dentro dos países e entre os países.
N.T.
red lines
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O risco do uso de armas nucleares nos próximos 20 anos, embora permaneça muito baixo, será possivelmente maior do que é hoje, como resultante de várias tendências convergentes. A disseminação de tecnologia nuclear e de conhecimento traz a preocupação de que surjam novas potências nucleares, ou de que grupos terroristas tenham acesso ao material nuclear. As atuais disputas de “baixa-intensidade” entre Índia e Paquistão alimentam o fantasma de que tais eventos possam escalar para um confronto mais intenso entre duas potências nucleares. A probabilidade de que um ruptura ou desorganização política possa ocorrer em um Estado com capacidade militar nuclear, como a Coréia do Norte, também continua a levantar questões a respeito de Estados enfraquecidos poderem controlar e proteger seus arsenais nucleares. Se as armas nucleares forem usadas nos próximos 15 ou 20 anos, a comunidade internacional ficará chocada com as conseqüências humanitárias econômicas e político-militares dessa experiência. O emprego de armamento nuclear no futuro provavelmente produziria mudanças geopolíticas relevantes, à medida que alguns países procurariam estabelecer ou reforçar os acordos de cooperação militar com as potências nucleares, enquanto outros países se engajariam em um esforço para o desarmamento nuclear. Uma comunidade internacional mais complexa A tendência para uma dispersão maior de autoridade e poder, que tem ocorrido nas últimas duas décadas, será provavelmente acentuada, devido a fatores como a ascensão de novos atores globais, a piora do déficit institucional, a provável expansão dos blocos regionais e o fortalecimento dos atores não-governamentais das mais variadas redes. A multiplicidade de atores no cenário internacional pode fortalecer — no sentido de preencher o vazio deixado pelas instituições envelhecidas do pós-Segunda Guerra Mundial — ou então fragmentar a comunidade internacional, incapacitando os esforços de cooperação internacional. A diversificação dos atores aumenta a possibilidade de uma fragmentação ocorrer nos próximos 20 anos, especialmente se for considerado o amplo esquema de dificuldades transnacionais que se coloca diante da comunidade internacional. As potências em ascensão dos BRIC não têm as mesmas condições de confrontarem a ordem internacional, como o fizeram a Alemanha e o Japão nos séculos 19 e 20, mas, por causa de sua crescente influência na geopolítica e na economia, obterão um alto grau de liberdade para conceber suas próprias orientações políticas e econômicas, em vez de se submeterem totalmente às normas do Ocidente. Esses países se inclinam a preservar o não-alinhamento automático para manobras políticas, deixando que outros países arquem com o ônus primário de terem de lidar com os temas do terrorismo, mudanças climáticas, proliferaçãoN.T. e segurança energética. As atuais instituições multilaterais — que são grandes demais e inadequadas, por terem sido projetadas para outros contextos geopolíticos — terão dificuldade em se adaptarem rapidamente ao encargo das novas missões, em assimilarem mudanças dos países-membros e em ampliarem suas fontes de recursos. Organizações não-governamentais (ONG's) — focalizadas em questões específicas — têm papel crescente nos novos contextos, mas as redes das ONG’s N.T.
Proliferação tem vários sentidos no relatório. Proliferação nuclear – ou nãoproliferação, proliferação de identidades culturais ou proliferação do terrorismo, conforme o caso.
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têm perspectivas limitadas de conseguirem mudanças efetivas, sem os esforços conjuntos de instituições governamentais ou multilaterais. Esforços que garantam maior inclusão — e reflitam o surgimento das novas potências — podem tornar mais difícil a intervenção dos organismos internacionais nos problemas transnacionais. O respeito à visão discordante entre os paísesmembros continuarão a moldar a agenda dessas organizações, restringindo os tipos de solução que podem ser empreendidas. Um aumento do regionalismo na Ásia — possível em 2025 — teria implicações globais, incentivando ou reforçando a tendência de formação de três grandes centros comerciais e financeiros, que podem vir a ser quase-blocos consolidados: América do Norte, Europa e Leste da Ásia. A formação desses quase-blocos alteraria as condições de se realizarem novos tratados no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Os grupos regionais passariam a competir pontualmente no estabelecimento de padrões trans-regionais como a tecnologia da informação, biotecnologia, nanotecnologia, direitos de propriedade intelectual e em outros tópicos da “nova economia”. De outro lado, a falta de cooperação regional na Ásia poderia acirrar a disputa entre China, Índia, e Japão, por fontes de recursos naturais, como a energia. Intrínseca à complexidade crescente de papéis que se sobrepõem, entre o Estado, as instituições e os setores não-governamentais, é a proliferação de identidades políticas, que está levando ao estabelecimento de novos vínculos em rede e a comunidades que ressurgem. Nenhuma dessas identidades políticas deve ser dominante nas sociedades de 2025. Grupos integrados pela religião podem ser o modelo das redes temáticas e, sobretudo, podem vir a desempenhar um papel mais importante que as associações seculares em muitos dos temas transnacionais, como o meio ambiente e a desigualdade social. Os Estados Unidos: Um Poder Menos Dominante Em 2025, os EUA serão apenas um dos atores mais importantes do cenário mundial, não obstante continuem a ser os mais poderosos. Mesmo seu poderio militar, área em que os Estados Unidos irão manter vantagens consideráveis, os avanços de outras potências em ciência e tecnologia, a disseminação das táticas de guerra “não convencionais” por atores estatais e não estatais, a proliferação de armas de precisão de longo alcance e o aumento crescente de ataques militares cibernéticos deverão restringir o espaço para as ações americanas. O declínio do papel dos EUA terá implicações para outros países e afetará as probabilidades de que as questões de uma nova agenda internacional sejam efetivamente encaminhadas. Apesar de o antiamericanismo ter-se intensificado em tempos recentes, os EUA provavelmente continuarão a ser vistos como um mediador regional importante no Oriente Médio e na Ásia. Persistirá a expectativa de que os Estados Unidos desempenhem um papel importante na luta contra o terrorismo global, valendo-se de suas habilidades militares. Nas questões de segurança mais recentes, como as mudanças climáticas, a liderança dos EUA será claramente percebida como sendo crítica, para que se levantem visões desafiadoras e discordantes na busca de soluções. Ao mesmo tempo, a multiplicidade de atores influentes e uma desconfiança muito forte significam um espaço menor para os Estados Unidos tomarem atitudes sem o apoio de fortes parceiros. Os acontecimentos ao redor do mundo, incluindo acontecimentos internos em certos países-chave — em particular a China e a Rússia — serão cruciais na determinação da política americana. 2025—Que Tipo de Futuro? xiv
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As tendências acima sugerem grandes descontinuidades, choques e surpresas, que sublinhamos no decorrer do texto. Os exemplos incluem o uso de armas nucleares ou uma pandemia. Em alguns casos, o elemento surpresa é apenas uma questão de tempoN.T: a mudança da matriz energética, por exemplo, é inevitável; a pergunta nesse caso é apenas quando e quão repentina ou suavemente essa mudança se dará. A transição de um tipo de combustível (combustíveis fósseis) para outro (alternativos) é um evento que historicamente tem acontecido apenas uma vez no período de um século, quase sempre trazendo conseqüências momentâneas. A mudança da madeira para o carvão ajudou a alavancar a industrialização. Neste caso, a transição — particularmente abrupta — para as fontes alternativas aos combustíveis fósseis teria repercussões enormes para os países produtores de energia no Oriente Médio e na Eurásia, podendo indicar o declínio permanente de alguns desses países, em sua influência ou protagonismo regional e global. Outras descontinuidades são menos previsíveis. Elas tendem a resultar da interação de várias tendências e dependem da qualidade das lideranças. Incluímos neste grupo incertezas como saber se China e Rússia irão se tornar uma democracia. O crescimento da classe média na China aumenta as chances disso acontecer, mas não torna esse acontecimento inevitável. O pluralismo político parece ser menos provável na Rússia, por não haver lá um ambiente de maior diversidade econômica. A pressão vinda das camadas menos favorecidas da sociedade pode alterar esse quadro, se um líder desses países quiser aperfeiçoar o processo democrático, para equilibrar a economia ou para estimular o crescimento econômico. Uma queda continuada nos preços de petróleo e gás alteraria as perspectivas e aumentaria as previsões de uma liberalização política e econômica mais ampla, na Rússia. Se alguns desses dois países fossem democratizados, isto provocaria uma nova onda de democratização muito significativa para vários outros países em desenvolvimento. Os desafios demográficos da Europa, do Japão e até da Rússia também são incertos. Em nenhum desses casos a questão demográfica precisa ser sinônimo de menor poder regional e global no futuro, como resultado inevitável. A tecnologia, o papel da imigração, melhorias na saúde pública, leis incentivando maior participação feminina na economia, são algumas das medidas que poderiam alterar a trajetória das tendências atuais, que apontam na direção de um crescimento econômico menor, tensões sociais crescentes e possivelmente o ingresso em uma fase de declínio. A dúvida de que as instituições globalizadas possam ser revigoradas e adaptadas — outra incerteza central — também é uma das funções de liderança. As tendências atuais sugerem a dispersão de poder e autoridade, criando um déficit na governança global. Reverter essas tendências requer uma liderança forte na comunidade internacional, a ser desempenhada pelas principais potências mundiais, inclusive as potências emergentes. Algumas das incertezas teriam conseqüências maiores — se elas se concretizassem — do que outras. Neste relatório, enfatizamos acima de tudo o potencial para os conflitos maiores — alguns dos quais poderiam ameaçar a globalização —. Incluímos o terrorismo munido com armas de destruição em massaN.T. e a corrida armamentista nuclear do Oriente Médio nessa categoria. As N.T N.T.
timing WMD-weapons of mass destruction.
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incertezas e seus possíveis impactos foram discutidas no texto e sintetizadas em quadros complementares. Nos quatro cenários virtuais, destacamos os novos desafios que podem emergir como resultado das transformações globais em curso. Eles propõem novos contextos, dilemas ou previsões que representam saídas para os acontecimentos recentes. Como são cenários virtuais, eles não cobrem todas as possibilidades de futuro. Nenhum desses cenários é inevitável ou forçosamente provável, mas, como todas as outras incertezas, cenários que podem indicar possíveis mudanças no jogo. • Em Um Mundo sem o Ocidente, as novas potências suplantam o Ocidente como líderes do cenário global. • Uma Surpresa em Outubro ilustra o impacto da desatenção nas mudanças climáticas globais; grandes impactos inesperados estreitam o leque de opções mundial. • Em A Quebra do BRIC, a disputa por recursos vitais surgem como fonte de conflitos entre grandes potências — neste caso entre dois pesos-pesados emergentes — Índia e China. • Em A Política nem sempre é Local, as redes não estatais emergem para estabelecer a agenda internacional sobre o meio ambiente, eclipsando o papel dos governos.
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Introdução: Um mundo transformado O sistema internacional — como foi
estruturado após a Segunda Guerra Mundial — será quase irreconhecível em 2025. De fato, “sistema internacional” é uma denominação incorreta, já que sua composição híbrida e heterogênea, não obstante seja conveniente ao período, estará mais para fazê-lo em pedaços do que para ordenar o período de transição, que ainda estará em andamento, por volta de 2025. Sua transformação está sendo alimentada pela globalização econômica, marcada pela mudança histórica da riqueza relativa e do poder econômico, do Ocidente para o Oriente, e também pelo peso crescente dos novos atores — especialmente Índia e China. Os EUA permanecerão sendo o ator principal, mas serão menos dominantes. Da mesma forma que ocorreu com os Estados Unidos nos séculos 19 e 20, China e Índia serão em certas ocasiões reticentes, e em outras ocasiões impacientes, quanto a assumirem papéis maiores no cenário mundial. Em 2025, ambos estarão ainda mais preocupados com seu próprio desenvolvimento interno do que com as prováveis mudanças do sistema internacional N.T.
Ilustração do Relatório original
como o conhecemos pode definhar, por causa da falta de habilidade dos governos em proverem necessidades básicas à população, inclusive a segurança. Por volta de 2025, a comunidade internacional será composta por diversos atores além dos estadosnações, e sentirá a falta de uma abordagem ampla da governança global. O “sistema” será multipolar e terá vários núcleos formados por atores estatais e não-estatais. Sistemas multipolares internacionais — como o Congresso de Viena — já existiram no passado, mas este que está se formando não tem precedente, por ser global e por incluir um misto de atores estatais e não-estatais, que não estão mais agrupados em campos rivais de pesos relativamente equivalentes. As características mais destacadas da
Simultaneamente às mudanças de poder entre os estados-nações, o poder relativo de vários atores nãoestatais — negócios, tribos, organizações religiosas e mesmo criminosas — continuará a aumentar. Muitos países podem até vir a ser tomados e governados pelas redes criminosas. Em algumas áreas da África ou do Sul da Ásia, o Estado N.T.
Novamente se observa que no Brasil o termo “sistema internacional” é menos utilizado que “comunidade internacional”.
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“nova ordem” serão as mudanças de um mundo unipolar dominado pelos Estados Unidos para uma hierarquia relativamente desestruturada entre as potências tradicionais e as nações emergentes; e a difusão de poder, saindo dos atores estatais para os não-estatais.
modo geral, a abrandar os riscos das mudanças muito rápidas, no presente não parecem estar à altura desses desafios, sem que haja um esforço combinado de seus líderes. Mais Mudanças que Continuidade A ordem internacional mudando rapidamente em um tempo de desafios geopolíticos crescentes, aumenta a probabilidade de ocorrerem descontinuidades, choques e surpresas. Nenhum resultado isolado parece estar definido: o modelo Ocidental de liberalismo econômico, democracia e secularismo, por exemplo, que muitos acreditavam ser inevitável, pode perder seu brilho — pelo menos no médio prazo.
“… nós não acreditamos estar nos dirigindo para um colapso total [do sistema internacional]… Entretanto, os próximos 20 anos de transição para um novo sistema internacional estão repletos de riscos…” A História nos diz que mudanças rápidas trazem muitos perigos. Apesar da recente volatilidade financeira, que poderia terminar acelerando muitas das tendências atuais, não acreditamos estar nos dirigindo para um colapso total — como ocorreu no período de 19141918, quando uma fase mais remota da globalização foi interrompida. Entretanto, os próximos 20 anos de transição para um novo sistema internacional estão repletos de riscos — mais do que imaginamos quando publicamos Mapeando o Futuro Global 3, em 2004. Esses riscos incluem a perspectiva crescente de uma corrida armamentista nuclear no Oriente Médio, e possíveis conflitos entre os países, por fontes de recursos. A abrangência das questões transnacionais exigindo maiores cuidados também está aumentando, para incluir os problemas ligados à escassez de recursos nas áreas de energia, alimentos e água, além das preocupações com as mudanças climáticas. Instituições globais que poderiam ajudar o mundo a lidar com essas questões transnacionais e, de
Em alguns casos, o elemento surpresa é apenas uma questão de tempo: a mudança da matriz energética, por exemplo, é inevitável; as únicas dúvidas são quando e quão abruptamente ou suavemente essa transição se fará. Outras descontinuidades são menos previsíveis. Reconhecendo que o que parece implausível hoje pode se tornar factível ou mesmo provável em 2025, examinamos o desenvolvimento de alguns “choques”, individualmente. Os exemplos incluem o impacto global que teria o comércio de armas nucleares, a rápida substituição dos combustíveis fósseis e a democratização da China. As novas tecnologias poderiam oferecer soluções como alternativas viáveis para os combustíveis fósseis,
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V. Mapping the Global Future: Report of the National Intelligence Council’s 2020 Project, National Intelligence Council, dezembro de 2004, disponível no seguinte endereço: www.dni.gov/nic/NIC_2020_project.html
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Comparação entre 1. Mapeando o Futuro Global: Relatório do Conselho Nacional de Inteligência para o Projeto 2020 e 2. Tendências Globais 2025: Um Mundo Transformado A diferença mais marcante entre os dois relatórios é a hipótese sustentada pelo mais recente, de um mundo multipolar no futuro e, portanto, de mudanças dramáticas para o sistema internacional. O relatório para 2025 descreve um mundo em que os EUA desempenham um papel proeminente nos acontecimentos globais, mas são apenas um entre os muitos atores globais que participam do gerenciamento de problemas. Em contraste com ele, o relatório para 2020 prevê a continuidade da dominância americana, fazendo a colocação de que as grandes potências abandonaram a idéia de equilibrarem forças com os Estados Unidos. Os dois documentos também diferem no tratamento que dão à oferta e à demanda de energia, e às novas fontes alternativas. No de 2020, a oferta de energia “em produção” é “suficiente para atender a demanda global.” A dúvida, segundo o primeiro relatório, é saber se, por causa da instabilidade política nos países produtores, eventuais interrupções do abastecimento, ou a competição por fontes de recursos, poderiam afetar o mercado internacional de petróleo de forma deletéria. Embora a projeção para 2020 mencione o aumento do consumo global no consumo de energia, ela dá ênfase ao domínio dos combustíveis fósseis. Contrastando com isso, a previsão para 2025 vê o mundo em meio à transição para fontes mais limpas de combustível. Novas tecnologias são esperadas, aumentando a capacidade de substituição dos combustíveis fósseis e de solução da escassez de água e alimentos. O relatório para 2020 reconhece que a demanda por energia irá influenciar as relações entre as superpotências, mas o Global Trends 2025 considera a escassez de energia como sendo o fator principal da geopolítica. Os dois relatórios projetam como sendo provável um forte crescimento econômico global — alimentado pela ascensão de Brasil, Rússia, Índia e China, sem grandes choques. O relatório para 2025, entretanto, calcula como sendo alta a probabilidade de haver grandes descontinuidades, enfatizando que “nenhum resultado está definido” e que os próximos 20 anos em direção a um novo sistema internacional estão repletos de riscos, como uma corrida armamentista nuclear no Oriente Médio e possíveis conflitos entre os países, por recursos básicosN.T.. Os cenários nos dois relatórios apontam para o futuro da globalização, a futura estruturação do sistema internacional e as linhas divisórias entre os grupos, que serão causas de conflito ou de entendimento. Nos dois relatórios, a globalização é vista como diretriz tão compreensiva que irá reordenar as divisões atuais baseadas na geografia, nas filiações étnicas e religiosas ou no status sócio-econômico. ou meios de superar a falta de alimentos e de água. Uma grande
incerteza é saber se novas tecnologias serão desenvolvidas e
N.T.
As fontes de recursos básicos são principalmente aquelas que tradicionalmente se avaliava como sendo naturalmente “renováveis” – água, terra fértil e alimentos, e que agora se aproximam de um virtual esgotamento, se mantidos os antigos níveis e formas de utilização, mais as novas fontes alternativas de energia.
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comercializadas a tempo de reverter a significativa desaceleração do crescimento econômico, a ser causada pela escassez de recursos. O desaquecimento da economia ameaçaria a ascensão das novas potências e seria um duro golpe para as aspirações daqueles países que ainda não participam inteiramente do jogo da globalização. Um mundo em que predomine a escassez poderia gerar comportamentos divergentes de outro mundo em que a falta de recursos fosse superada pela tecnologia e por outros meios.
próximos 15-20 anos como um daqueles grandes momentos decisivos da história, em que múltiplos fatores entrarão em cena. O modo como esses fatores irão interagir entre si, mais o desempenho dos papéis de liderança, serão cruciais para o desenlace dos fatos. Na construção desses cenários, focalizamos as incertezas em pontos críticosN.T., referentes à importância relativa do estado-nação, quando comparada com a dos atores nãoestatais, e com o nível de cooperação global. Em alguns dos cenários, os Estados dominam e conduzem as dinâmicas globais; em outros, os atores não-estatais, incluídos movimentos religiosos, organizações não-governamentais (ONG’s) e indivíduos muito poderososN.T., desempenham papéis mais importantes. Em alguns dos cenários, os atores centrais interagem a partir de grupos que competem entre si, através de parcerias e de relações transfronteiriças. Outros cenários prevêem interação maior, assim que atores isolados passem a operar de modo independente e eventualmente entrem em conflito uns com os outros.
Alternativas de Futuro Este estudo está organizado em sete segmentos que examinam: • A Globalização Econômica. • Demografia da Discordância. • Os Novos Atores. • Escassez em Meio à Abundância. • Potencial Crescente para os Conflitos. • O Sistema Internacional Estará à Altura dos Desafios? • Os EUA em um Mundo Multipolar.
Em todos esses cenários ficcionais, destacamos desafios que poderiam emergir, resultantes do progresso das transformações globais. Os cenários apresentam novas situações, dilemas ou impasses, que poderiam gerar revoltas no cenário global, aumentando o distanciamento entre vários “mundos” muito diferentes. Nenhum desses cenários é
Como em nossos trabalhos anteriores, iremos descrever alternativas possíveis de futuro, que poderiam resultar das tendências que discutimos4. Nós vemos os 4
V. Global Trends 2015, A Dialogue About the Future with Nongovernment Experts, National Intelligence Council, dezembro de 2000; e Mapping the Global Future: Report of the National Intelligence Council’s 2020 Project, National Intelligence Council, dezembro de 2004. Esses relatórios podem ser encontrados em: www.dni.gov/nic/NIC_global trends 2015.html, e www.dni.gov/nic/NIC_2020_project.html
respectivamente. N.T.
“incertezas críticas”. super-empowered individuals, poderosos pelos cargos que ocupam, geralmente cargos públicos estratégicos. N.T.
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inevitável, nem mesmo são necessariamente os cenários prováveis; mas, como muitas outras incertezas, eles podem mudar o curso dos jogos.
tanta destruição, os líderes do mundo inteiro precisam começar a tomar medidas drásticas, tais como transferir a população de parte das cidades costeiras.
Um mundo sem o Ocidente. Neste mundo, descrito em uma carta fictícia de um futuro diretor da Organização de Cooperação de Xangai (SCO), as novas potências suplantam o Ocidente como líderes do cenário mundial. Os EUA ficam sobrecarregados e se retiram da Ásia Central, inclusive o Afeganistão; a Europa não se movimenta para assumir a liderança. Rússia, China e outros países são forçados a lidar com o potencial de transbordamento e instabilidade nessa região. A SCO tem peso ascendente, enquanto declina o status da OTAN. O antagonismo anti-China nos EUA e na Europa cresce gradualmente; barreiras protecionistas são impostas ao comércio. Rússia e China selam um casamento de conveniência; outros países — Índia e Irã — juntamse a eles. A falta de qualquer bloco estável — tanto no Ocidente quanto nas culturas não-ocidentais — acrescenta a desordem e a instabilidade crescente ao cenário, a ponto de ameaçar a globalização.
O rompimento do BRIC. Neste mundo, o conflito irrompe entre a China e a Índia, pelo acesso aos recursos vitaisN.T.. As outras potências intervêm, antes que o conflito tenha uma escalada e se transforme em uma conflagração global. A questão é provocada pela suspeita da China, de que outros países estão agindo para minar a capacidade energética chinesa. Erros de avaliação e de cálculo levam ao confronto. O cenário destaca a importância da energia e de outros recursos básicos — para o crescimento econômico e para o desenvolvimento, como sendo uma grande fonte de poder. Isto mostra até que ponto um conflito no mundo multipolar tem probabilidades iguais de ocorrer, tanto entre países emergentes quanto entre novas e velhas potências. A Política nem sempre é Local. Neste mundo, esboçado em um artigo de um repórter fictício do Financial Times, várias redes nãoestatais — ONG’s, organizações religiosas, lideranças corporativas e ativistas locais — aliam-se para estabelecer a agenda internacional sobre o meio ambiente, e usam sua influência para eleger o SecretárioGeral da ONU. Essa coalizão política global de atores não-estatais tem um papel crucial, ao garantir a assinatura de um novo acordo mundial sobre as mudanças climáticas. Neste novo mundo
Surpresa em Outubro. Neste mundo, descrito pelas anotações da agenda de um futuro presidente dos EUA, muitos países têm estado preocupados em alcançar o crescimento econômico à custa do sacrifício da proteção ambiental. A comunidade científica ainda não foi capaz de lançar alertas mais específicos, mas aumenta o receio de que o pico de saturação tenha sido atingido, acelerando as mudanças climáticas e tornando possíveis impactos muito destrutivos. A cidade de Nova York é atingida por um enorme furacão, causado pelas mudanças climáticas globais; a Bolsa de Valores de Nova York é seriamente danificada e, diante de
N.T.
A idéia de “recursos vitais” é muito próxima de “espaço vital”, as disputas territoriais do final do séc. 19, que redundaram em disputas fronteiriças e depois nas 2 Grandes Guerras. Foi o “espaço vital” a base do nascimento da geopolítica, no contexto das disputas da Alemanha recém-unificada com a França. O “recurso vital” poderia ser o novo estopim de grandes conflitos.
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conectado pela comunicação digital, classes médias ascendentes e grupos de interesse transnacionais, a política não é mais local, e as
agendas domésticas e internacionais permitem um intercâmbio cada vez maior entre elas.
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Projeções de Longo Alcance: Uma História de Advertência No século 20, especialistas fazendo previsões para 20 anos, como neste estudo, frequentemente erraram os eventos geopolíticos, em projeções lineares, ao não explorarem os fatores que poderiam causar descontinuidades. Antes da Primeira Guerra Mundial, enquanto cresciam as tensões entre as grandes potências européias, poucos pressentiram as grandes mudanças no futuro próximo, desde a extensão da carnificina que se seguiu até a ruína dos impérios senis. No princípio dos anos 20, poucos previram a situação devastadora que estava para se desenrolar, precedida pela Grande Depressão, pelos processos de Stálin e por uma guerra ainda mais sangrenta, envolvendo múltiplos genocídios. O período do pós-guerra viu o estabelecimento de um novo sistema internacional, e muitas dessas instituições — ONU e Bretton Woods — permanecem conosco. Embora na era do bipolarismo e das tensões nucleares não tenham faltado conflitos e guerras, esse período apresentou um quadro estável, até o colapso da União Soviética. O avanço da globalização econômica, tendo a China e a Índia como protagonistas, entretanto, iniciou uma nova era, de futuro incerto. As lições do último século, entretanto, parecem sugerir: • Líderes e suas idéias fazem diferença. Nenhuma história dos últimos cem anos pode ser contada sem pesquisar o papel e o pensamento de líderes como Vladimir Lênin, Josef Stalin, Adolf Hitler e Mao Tse-tung. As ações dos líderes são o fator mais difícil de antecipar. Em diversas conjunturas do século 20, os analistas ocidentais pensaram que as idéias do liberalismo e do mercado tivessem triunfado. Como atestam os impactos de Churchill, Roosevelt e Truman em grandes acontecimentos históricos, a liderança é a chave mesmo em sociedades de instituições fortes, com espaço restrito para personalismos. • A volatilidade econômica passou a ser um grande fator de risco. Historiadores e cientistas sociais descobriram uma forte correlação entre mudança econômica acelerada — positiva ou negativa — e instabilidade política. O abalo e a volatilidade econômica de grandes proporções, provocados pelo fim da “primeira” globalização, em 1914-1918, e o aumento das barreiras protecionistas nas décadas de 20 e 30, acrescidos do ressentimento prolongado pelo Tratado de Versailles, preparou o terreno para a grande guerra de 1939. O colapso dos impérios multinacionais com base em etnias, após a 1a. Guerra Mundial, prosseguiu com o fim dos impérios coloniais, no pós-2a. Guerra Mundial, e também desencadeou uma longa série de conflitos étnicos e nacionalistas, que repercutem até hoje. A globalização atual também impulsionou a migração, rompendo as fronteiras geográficas e sociais tradicionais. • Rivalidades geopolíticas alavancam mais descontinuidades do que as mudanças tecnológicas. O papel da tecnologia na produção de mudanças radicais é bastante acentuado, e não há dúvida de que este tem sido um dos condutores principais delas. Nós — e outros — temos freqüentemente subestimado seu impacto. Entretanto, ao longo do último século, as rivalidades geopolíticas e suas conseqüências têm sido as causas mais influentes de várias guerras, do colapso de impérios e da ascensão de novas potências, que a tecnologia por si só.
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Capítulo 1: A Globalização Econômica Em
termos de volume, ritmo e direção de fluxo, a mudança global da riqueza relativa e do poder econômico atualmente em curso — grosso modo do Ocidente para o Oriente — não tem precedentes na história moderna. Essa mudança emana de duas fontes principais. Primeiro, aumentos sucessivos nos preços do petróleo e das commodities geraram lucros extraordinários para os países do Golfo e para a Rússia. Segundo, custos trabalhistas relativamente baixos combinados com políticas governamentais acertadas mudaram a base da indústria manufatureira e de algumas indústrias de serviços para a Ásia. A forte demanda global desses produtos criou largas margens para economias de escala em toda a Ásia, particularmente a China e a Índia. Essas mudanças na oferta e na procura são profundas e estruturais, e isto sugere que a resultante de transferência do poder econômico que estamos testemunhando provavelmente irá perdurar. Essas mudanças são as forças condutoras por trás da globalização, que — como destacamos em nosso relatório Mapping the Global Future N.T. — N.T é uma meta-tendência , transformando os padrões históricos dos fluxos econômicos e de suas reservas subjacentes, criando pressões que levam a ajustes dolorosos tanto para os países ricos quanto para os países pobres.
Ilustração do Relatório original
“Em termos de volume, ritmo e direção de fluxo, a mudança global da riqueza relativa e do poder econômico atualmente em curso — grosso modo do Ocidente para o Oriente — não tem precedentes na história moderna.” Apesar dessa transferência não ser N.T. unilateral , os países mais desfavorecidos, como ocorre na maioria da América Latina (excetuando-se o Brasil e poucos mais) e na África, não estão recebendo nem um prêmio pela transferência inicial de ativos, nem a entrada de qualquer investimento significativo, por parte dos países
N.T.
O relatório anterior, para 2020, Mapeando o Futuro Global. N.T “meta”, neste caso, é o prefixo grego e não o substantivo “meta” (objetivo): meta-trend.
N.T.
zero-sum, soma-zero, situação em que um lado somente ganha e o outro lado somente perde, na balança comercial.
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destinatários N.T.. Alguns países industrializados, como o Japão, também parecem sentir a concorrência crescente deste princípio de conexão financeira entre os mercados emergentes. Os EUA e a e a Zona Euro estão recebendo boa parte da liquidez desses mercados emergentes, mas, se isto irá beneficiar a posição relativa que ocupam hoje, esta é uma questão que depende de vários fatores, inclusive da habilidade dos países ocidentais reduzirem o consumo e a demanda de petróleo, da habilidade desses países capitalizarem quando o ambiente de exportação lhes é favorável, em setores de vantagens comparativas, como na tecnologia e nos serviços, e das políticas locais dos países destinatários, particularmente nas questões de política monetária e de abertura a investimentos estrangeiros.
As projeções de crescimento para Brasil, Rússia, Índia, e China indicam que coletivamente eles irão igualar a participação original do G-7 no PIB global, entre 2040-2050. De acordo com estas mesmas projeções, as oito maiores economias em 2025 serão, em ordem decrescente: EUA, China, Índia, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Rússia. A China, especialmente, despontou como um novo peso-pesado das finanças, declarando US$ 2 trilhões em reservas cambiais no ano de 2008. Os países de desenvolvimento acelerado, inclusive China e Rússia, criaram fundos soberanos, (SWF) 5 com o objetivo de usarem seus ativos valendo centenas de bilhões de dólares para aumentarem seus rendimentos e se protegerem das tempestades econômicas. Alguns desses recursos retornarão ao Ocidente na forma de investimentos, dessa forma estimulando maior produtividade e competitividade econômica. Entretanto, o investimento direto estrangeiro (IDE) das potências emergentes no mundo em
De Volta para o Futuro Locomotivas da economia na Ásia — China e Índia — estão recuperando as posições que detinham duzentos anos atrás, quando a China produziu aproximadamente 30% e a Índia 15% da riqueza do mundo. China e Índia, pela primeira vez desde o século 18, caminham para ser os maiores contribuintes para o crescimento econômico mundial. Esses dois países provavelmente irão ultrapassar o PIB de todas as outras economias, exceto EUA e Japão, por volta de 2025, mas a renda per capita deles continuará a ficar para trás, durante décadas. Os anos em torno de 2025 serão caracterizados pela “dupla identidade” N.T. desses gigantes asiáticos: poderosos, mas chineses e indianos se sentirão individualmente pobres em comparação com os ocidentais.
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Fundos soberanos (SWF) são formados por excedentes de capital dos governos, investidos em setores privados no mercado externo. Desde 2005, o número de países titulares de fundos soberanos cresceu de 3 para mais de 40, e o montante sob controle desses fundos aumentou de US$ 700 bilhões para US$ 3 trilhões. O espectro de setores atendidos por eles também aumentou, já que vários dos países que os criaram recentemente preferiram perpetuar os superávits de suas contas correntes, ou formar uma poupança para as próximas gerações, em vez de diminuírem a volatilidade do mercado de commodities. Se forem mantidas as tendências atuais, esses fundos terão um incremento de mais de US$ 6.5 trilhões em cinco anos, de US$ 12-15 trilhões em dez anos, superando o total das reservas fiscais e abrangendo cerca de 20% de toda a capitalização global.
N.T.
No caso, os países-sede de fluxos econômicos transnacionais. N.T. dual identity.
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desenvolvimento está significativamente.
crescendo
Uma geração de empresas globalmente competitivas está emergindo das novas potências, ajudando a consolidar a posição destas no mercado global; a agroindústria brasileira e a exploração de gás e petróleo no mar territorial do Brasil; o setor energético e a produção de metais da Rússia; tecnologia da informação (IT services), farmacêutica e autopeças da Índia; aço, eletrodomésticos e equipamentos de telecomunicações, na China. Entre as 100 maiores novas corporações globalizadas, ocupando posição de liderança fora do grupo do OCDE (OECD N.T), listadas em um relatório de 2006 do Boston Consulting Group, 84 tinham sede no Brasil, Rússia, China e Índia. Classe Média em Expansão Estamos testemunhando um momento único na história da humanidade: nunca antes tantas pessoas foram resgatadas da extrema pobreza quanto está acontecendo hoje. Espantosos 135 milhões de pessoas saíram de um estado de pobreza terrível, apenas entre 1999 e 2004 — mais do que a população do Japão e quase tantas quantas vivem na Rússia atualmente. Ao longo das próximas décadas, o número de pessoas fazendo parte da “classe média global” está previsto para aumentar de 440 milhões para 1.2 bilhão, ou de 7.6% para 16.1% da população mundial, de acordo com o N.T
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 30 países que assumiram o compromisso com o modelo da democracia representativa e da economia de livre mercado, o “Grupo dos Ricos”, com mais de 50% do PIB mundial (Wikipedia-pt, 19/01/09).
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Banco Mundial. A maioria dos novos incluídos virá da China e da Índia. •
Entretanto, há um lado escuro nessa moeda da classe média global: a desigualdade nos extremos irá aumentar. Muitos países — especialmente àqueles sem saída para o mar e pobres em recursos da África SubSaariana — faltam os fundamentos para entrarem no jogo da globalização. Entre 20252030, a parte do mundo considerada pobre irá diminuir aproximadamente 23%, mas os pobres do mundo — que ainda são 63% da população do globo — caminham para serem relativamente mais pobres, de acordo com o Banco Mundial.
Capitalismo de Estado: Um Mercado Pós-Democrático surgindo no Oriente? A conquista monumental de milhões escapando da extrema pobreza sustenta a ascensão das novas potências — especialmente China e Índia — no cenário internacional, mas não conta toda a história. A riqueza hoje não está apenas se deslocando do Ocidente para o Oriente, mas está se concentrando mais intensamente sob o controle do Estado. No limiar da crise financeira global de 2008, o papel do Estado na economia está se acentuando em todo o mundo. Com algumas exceções como a Índia, os países
notáveis,
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beneficiários dessa massiva mudança da riqueza relativa — China, Rússia, e os países do Golfo — têm regimes não democráticos, e políticas econômicas com distinções não muito claras entre o público e o privado. Esses países não estão seguindo o modelo ocidental do liberalismo econômicoN.T., mas usam um modelo diferente — o “capitalismo de Estado”. Capitalismo de Estado é um termo amplo, usado para descrever um sistema de gerenciamento econômico que N.T.
Aqui significando “economia de mercado”, ou livre-iniciativa.
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confere Estado.
um
papel
destacado
ao
Outros países — como Coréia do Sul, Taiwan e Singapura — também optaram pelo capitalismo de Estado no início de seu desenvolvimento econômico. Entretanto, o impacto de Rússia, e particularmente da China seguindo esse caminho é potencialmente mais intenso, dado o peso deles no cenário mundial. Ironicamente, o aumento do papel do Estado nas economias ocidentais agora em curso, como resultado da atual crise financeira pode intensificar a preferência dos países emergentes por modelos de maior
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controle do estado e gerar desconfiança na desregulamentação do mercado.
significativa entre os esforços do presente e os de períodos anteriores, entretanto, é que esses países agora detêm os meios e os recursos para implementarem esses projetos, e não precisam contar com parcerias em programas de incentivo e nem atrair capital estrangeiro.
Esses países naturalmente favorecem: •
Clima Favorável à Exportação. Dado que a riqueza flui para dentro desses países, o desejo de manterem a moeda fraca, apesar do alto desempenho das economias nacionais, requer a intervenção pesada do Estado no mercado de câmbio, levando à intensa acumulação de ativos governamentais, operações que até agora foram efetivadas pela compra de títulos do Tesouro Americano.
•
Fundos Soberanos (SWF) e Outros Instrumentos de Investimento do Estado. Depois de acumularem enormes recursos, o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) e os técnicos chineses vêm usando de forma crescente várias formas de investimentos de fundos soberanos. Os estados aplicando em mercados privados agem assim devido às perspectivas de maior retorno. Os fundos soberanos têm sido as formas mais amplamente difundidas, mas são apenas um dos vários instrumentos de investimento soberano.
•
Esforços Renovados de Política Industrial. Governos que administram suas economias com padrões elevados de qualidade freqüentemente demonstram ter interesse por política industrial. China, Rússia e os países do Golfo têm projetos de Estado para diversificarem suas economias e ascenderem na escala de valores agregados, em direção à alta tecnologia e ao setor de serviços. A diferença 12
•
Recuo da Privatização e o Ressurgimento das Empresas Estatais. Em meados dos anos 1990, muitos economistas previram que as estatais seriam uma relíquia do século 20. Eles estavam errados. As estatais estão longe da extinção, estão prosperando, e em muitos casos buscam expandir as fronteiras de suas atividades, particularmente no setor de commodities e de energia. As estatais, especialmente as empresas nacionais de petróleo, tendem a atrair investimentos, pelo excedente de capitais disponíveis que esses países vêm acumulando. De forma semelhante aos fundos soberanos, as estatais cumprem uma função secundária como válvulas de escape, ajudando a suavizar a inflação e as pressões de valorização da moeda. Podem também atuar como instrumentos de aumento do controle político. Em toda a extensão que as estatais ultrapassem suas fronteiras, elas podem se tornar instrumentos de influência geopolítica, particularmente as que negociam com os principais recursos estratégicos, como a energia.
O crescente papel do Estado atuando nos mercados emergentes, contrastou até recentemente com as tendências quase opostas no Ocidente, onde o Estado tem lutado para acompanhar o ritmo da engenharia financeira privada, como
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no caso dos derivativos e dos swaps. A fonte da profundidade e complexidade deste mercado de
capitais está nos anos 1980, mas eles cresceram com o aumento de preço dos ativos e dos bull
Globalização em Risco, com a Crise Financeira de 2008? Como na maioria das tendências discutidas neste relatório, a gravidade dos impactos da crise financeira dependerá grandemente da atuação de liderança dos governos. Políticas fiscais e monetárias pró-ativas irão provavelmente assegurar que o pânico atual e as prováveis e profundas recessões nacionais não se convertam em uma prolongada depressão, mesmo que o crescimento econômico reduzido possa atrasar a marcha da globalização, intensificando as pressões protecionistas e a fragmentação financeira. A crise está acelerando os ajustes do equilíbrio econômico global. Os países em desenvolvimento foram atingidos; muitos, como o Paquistão, com um déficit enorme nas contas correntes, correm um risco considerável. Mesmo aqueles com reservas líquidas — como Coréia do Sul e Rússia — foram golpeados severamente; um aumento brusco do desemprego e da inflação poderia desencadear instabilidade política generalizada e deixar as potências emergentes sem rumo. Contudo, se China, Rússia e os países exportadores de petróleo do Oriente Médio puderem evitar a crise internacional, eles estarão em condições de alavancar suas reservas provavelmente ainda consideráveis, adquirindo ativos estrangeiros e dando suporte financeiro diretamente aos países em dificuldade, em troca de favores políticos ou para fomentarem novas iniciativas regionais. No Ocidente, a grande mudança — que não foi antecipada antes da crise — é o aumento do poder do Estado. Os governos ocidentais agora possuem largas faixas do setor financeiro e precisam gerenciá-los, possivelmente politizando o mercado. A crise tem intensificado o apelo por uma nova “Bretton Woods”, a fim de que se regule melhor a economia global. Os líderes mundiais, entretanto, serão cobrados para que reformulem o FMI e criem um conjunto de regras globalmente transparentes e efetivas, aplicáveis a diversos capitalismos e níveis diferentes de desenvolvimento institucional financeiro. A falha em construir uma nova arquitetura geral poderia levar os países a buscarem segurança em políticas monetárias competindo entre si, e em novas barreiras ao investimento, aumentando os riscos de fragmentação do mercado. Markets N.T. dos anos 1990, até recentemente. A engenharia financeira — baseada em uma magnitude de alavancagem impensável na década anterior — em seguida injetou graus de risco e volatilidade sem precedentes nos mercados globais. Controles mais rígidos e regulagem internacional — uma possível conseqüência da atual crise financeira — poderiam alterar N.T.
Mercado com as cotações em alta, diminuindo o rendimento no resgate dos títulos (yeld)
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essa trajetória, embora uma distinção no papel do Estado na economia provavelmente vá permanecer, entre o Ocidente e as potências econômicas emergentes de ritmo acelerado. Terreno Acidentado na Correção dos Desequilíbrios Globais A recusa dos mercados emergentes em permitirem a valorização da moeda, a despeito de seu boom econômico, somada à disposição dos
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EUA de se endividarem ainda mais, criou um ciclo de desequilíbrios realimentado reciprocamente, embora em última instância seja insustentável.
específicos incluem:
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superados
Maior Volume Comercial e Protecionismo para os Investimentos. A aquisição cada vez mais agressiva de ativos estrangeiros por corporações sediadas em economias emergentes — muitas delas estatais — levará ao aumento das tensões políticas, podendo gerar uma reação popular contrária nos países não muito favoráveis ao comércio exterior e ao investimento estrangeiro. A percepção de benefícios desiguais advindos da globalização pode alimentar as forças protecionistas nos Estados Unidos.
•
Busca Acelerada aos Recursos. As novas potências terão cada vez mais recursos para a aquisição de commodities, no esforço para assegurarem um desenvolvimento continuado. Rússia, China e Índia associaram à segurança nacional o aumento de controle do estado e o acesso às fontes de energia e aos mercados, através de suas estatais do setor de energia. Os países do Golfo se interessam pela aquisição ou arrendamento de terras em outras regiões, a fim de assegurarem o abastecimento adequado de alimentos.
•
Democratização mais lenta. A China, particularmente, oferece um modelo alternativo de desenvolvimento político, além de revelar uma trajetória econômica diferente. Esse modelo pode-se provar interessante para regimes autoritários de baixa performance, ou também para democracias mais frágeis e frustradas por anos seguidos de baixos desempenhos econômicos.
•
O Ofuscamento das Instituições Financeiras Intern-
Grandes rupturas financeiras e os necessários reajustes econômicos e políticos freqüentemente extrapolaram a arena financeira. A História sugere que esses ajustes exigirão esforços de longo prazo, para que se estabeleça um novo sistema internacional. Os pontos
serem
•
De fato, os eventos de 2008 em Wall Street marcam os capítulos iniciais de uma longa história de ajuste e correção dos rumos desses desequilíbrios. A correção desses desequilíbrios será acidentada, dado que a economia global caminha para um realinhamento. As dificuldades de coordenação global da política econômica — em parte um subproduto da crescente multipolaridade financeira e política — fazem crescer as chances de um trajeto acidentado. Um dos acontecimentos seguintes ou uma combinação deles poderia gerar um ajustamento: uma desaceleração do consumo americano e o conseqüente aumento do nível de poupança dos EUA, e ainda um aumento de demanda dos mercados asiáticos emergentes, particularmente China e Índia. Se o desequilíbrio irá estabilizar ou continuar em 2025 depende em parte das lições específicas que as potências emergentes escolhem tirar da crise financeira. Alguns podem interpretar na crise a lógica de acumular ainda mais para reduzir os impactos, enquanto outros — considerando que poucas ou nenhuma economia emergente eram imunes ao período de baixa generalizada — podem avaliar que a acumulação de reservas não seja prioritária.
a
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acionais. Os fundos soberanos têm injetado mais capital nos mercados emergentes do que o FMI e o Banco Mundial juntos, e essa tendência pode se manter, em face à propagação dos desequilíbrios globais. A China já está começando a casar os investimentos dos fundos soberanos com a ajuda direta aos países e a assistência internacional, freqüentemente superando o Banco Mundial no desenvolvimento de projetos. Esses investimentos internacionais por parte dos países de enriquecimento recente, como China, Rússia, e os países árabes N.T do GCC levarão ao realinhamento diplomático e a novas relações entre esses países e o mundo em desenvolvimento. •
Um Declínio no Papel Internacional do Dólar. A despeito do recente influxo de ativos em dólar e de sua valorização, o dólar poderia perder seu status único de moeda corrente global em 2025, e se tornar apenas uma entre outras iguais, em uma cesta de moedas. Isto pode forçar os EUA a examinarem mais cuidadosamente o modo como a condução de sua política internacional afeta o dólar. Na ausência de uma fonte permanente de demanda por dólares no exterior, as ações dos EUA em política internacional poderiam trazer a exposição a choques financeiros e taxas de juros mais altas para os americanos.
O uso crescente do euro é evidente, possivelmente tornando mais difícil para os EUA no futuro explorarem essa condição exclusiva do dólar no comércio e nos investimentos internacionais, congelando ativos e N.T.
Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo Pérsico
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interferindo no fluxo financeiro de seus adversários, como foi feito recentemente no caso das sanções financeiras contra as lideranças da Coréia do Norte e do Iran. Incentivos e propensões para se afastar do dólar serão contrabalançadas, entretanto, pelas incertezas e instabilidades do sistema financeiro internacional. Pólos Financeiros Múltiplos Ancorado nos EUA e na UE, no Ocidente, Rússia e os países do GCC na Ásia Central e no Oriente Médio, e China e finalmente a Índia, no Oriente, o cenário financeiro pela primeira vez será genuinamente global e multipolar. Na proporção que a recente crise financeira eleve os juros nas economias com baixo nível de alavancagem operacional, as finanças islâmicas também podem ter um impulso. Enquanto uma ordem financeira multipolar como essa sinalizar com um relativo declínio do poder americano e um provável aumento na complexidade e competição do mercado, esses lados negativos poderão ser acompanhados por muitos lados positivos. Ao longo do tempo, conforme o seu desenvolvimento,
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Liderança em Ciência e Tecnologia: Um Teste para as Potências Emergentes A relação entre os avanços em ciência e tecnologia e o crescimento econômico foi estabelecida há bastante tempo, mas esse caminho nem sempre é previsível. O mais importante é a efetividade de um Sistema Nacional de Inovação (NIS – em inglês), o processo pelo qual os conceitos intelectuais se dirigem para a comercialização, beneficiando a economia do país. Segundo um levantamento global feito por cientistas especializados, contratados pelo NIC (National Intelligence Council), os Estados Unidos atualmente ostentam um programa de inovação mais forte que o das economias emergentes da China e da Índia. •
A idéia de um Sistema Nacional de Inovação surgiu inicialmente nos anos 1980, para ajudar na compreensão de como alguns países estavam se saindo melhor do que outros, na transformação de conceitos intelectuais em produtos comerciais que impulsionariam suas economias. O modelo do Sistema de Inovação (NIS) está evoluindo na medida em que a tecnologia da informação e os efeitos da globalização crescente (e das corporações multinacionais) influenciam as economias nacionais.
De acordo com os estudos de comissionados do NIC (Conselho Nacional de Inteligência, em inglês), nove fatores podem contribuir para um plano de inovação nacional atualizado: fluidez de capital, flexibilidade da força de trabalho, receptividade do governo aos negócios, tecnologias de informação e comunicação, infra-estrutura de desenvolvimento do setor privado, sistemas jurídicos de proteção aos direitos da propriedade intelectual, existência de capitais científicos e humanos, estratégias de marketing e uma propensão cultural a incentivar a criatividade. Espera-se que China e Índia, conjuntamente, em 10 anos estejam próximas à paridade com os EUA em duas áreas: científica e de capital humano (Índia), e receptividade governamental à inovação nos negócios (China). China e Índia irão se aproximar significativamente, mas não eliminarão a distância em todos os outros fatores. A expectativa é de que os Estados Unidos continuem a dominar em 3 áreas: proteção aos direitos da propriedade intelectual, sofisticação dos negócios para desenvolver sistemas de inovação, e incentivo à criatividade. Empresas na China, Índia e em outros grandes países em desenvolvimento têm oportunidades únicas de serem os primeiros a desenvolverem uma série de novas tecnologias. Este é especificamente o caso de empresas que estão construindo novas infra-estruturas e não estão sobrecarregadas por padrões históricos de desenvolvimento. Tais oportunidades incluem geração e distribuição de energia elétrica, fornecimento de água potável e a próxima geração da Internet e novas tecnologias da informação (tais como a ubiqüidade da computação e a Internet das Coisas — vejam o encarte). A adoção precoce e intensa dessas tecnologias poderia criar vantagens econômicas consideráveis. esses múltiplos centros financeiros podem criar redundâncias que ajudariam a isolar os mercados de 16
choques financeiros e crises monetárias, suavizando seus efeitos antes que um contágio global tome
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conta. De modo similar, as regiões se voltam mais para seu epicentro financeiro, aumentando os incentivos para preservar a estabilidade geopolítica e proteger esses fluxos financeiros. A História sugere, entretanto, que tal direcionamento voltado para os centros financeiros regionais podem rapidamente se espalhar por outras áreas de influência. Raramente, se é que alguma vez, esses “financistas como último recurso” contentaram-se em limitar sua influência estritamente aos domínios financeiros. As tensões inter-regionais poderiam dividir o Ocidente, com os EUA e a UE tendo divergências crescentes nas prioridades econômicas e monetárias, complicando os esforços ocidentais para exercerem a liderança e conjuntamente desenvolverem a economia global. Modelos de Desenvolvimento Divergentes, mas Até Quando? O modelo centralizado no Estado, em que o Estado toma as decisões principais e, no caso da China, e cada vez mais da Rússia, há uma democracia restrita, levanta questões a respeito da inevitabilidade da receita tradicional do Ocidente — de liberalismo econômico e democracia — como bases para o desen-volvimento. Nos próximos 15-20 anos, um número maior de países em desenvolvimento poderão gravitar em direção ao modelo de Estado centralizador de Pequim, em vez de incorporarem o modelo tradicional do Ocidente, da livre iniciativa e de sistemas políticos democráticos, como incentivos ao desenvolvimento acelerado e a uma clara estabilidade política. Embora acreditemos que a distinção entre eles vá permanecer, um avanço do papel do Estado no Ocidente poderá também diminuir o contraste entre os dois modelos.
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No Oriente Médio, o secularismo, que tem sido parte integrante do modelo ocidental, terá espaço cada vez mais rarefeito, na medida em que os partidos islâmicos passem a predominar e possivelmente comecem a dirigir os governos. Como na Turquia de hoje, podemos observar ambos, a islamização e a ênfase maior no crescimento econômico e na modernização. “A China, particularmente, oferece um modelo alternativo de desenvolvimento político, além de revelar uma trajetória econômica diferente.” A falta de uma ideologia comum abrangente, e a combinação diferenciada de alguns elementos — por exemplo, Brasil e Índia são democracias de mercados vibrantes — indica que o modelo centrado no Estado ainda não constitui qualquer contorno de um sistema alternativo, e, em nossa visão, é improvável que algum dia venha a sê-lo. A liberalização política e econômica da China ou sua frustração, nas próximas duas décadas, será um teste decisivo para provar a sustentabilidade dessa possível alternativa ao modelo tradicional do Ocidente. Embora a democratização provavelmente seja lenta, e possa trazer seus traços chineses específicos, acreditamos que a classe média emergente irá pressionar para ter mais influência política e responsabilidade em relação à classe dirigente, especialmente se o governo central for hesitante na sustentação do crescimento econômico, ou se não der respostas adequadas aos temas da “qualidade de vida”, como a poluição crescente e a necessidade de aperfeiçoar a saúde e a educação. Os esforços governamentais para estimular a Ciência e Tecnologia, e criar uma economia high-tech irão multiplicar os incentivos para que haja uma postura mais aberta ao
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desenvolvimento do capital humano local (nacional) e também para atrair expertiseN.T. e idéias de fora. Os padrões históricos associados a outros produtores de energia sugerem que pressões divergentes exigindo uma liberalização no país serão mais fáceis de controlar para as autoridades russas. Tradicionalmente, os países produtores de
N.T.
Conhecimento especializado
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energia também têm sido capazes de usar essas receitas para comprar adversários políticos; poucos fizeram a transição para a democracia enquanto suas vendas de energia permaneceram altas. Uma queda continuada no preço do petróleo e gás alteraria esse panorama e aumentaria as perspectivas para uma liberalização política e econômica mais ampla na Rússia.
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América Latina: Crescimento Econômico Moderado, Violência Urbana Ininterrupta Muitos países latino-americanos terão alcançado um notável progresso em sua consolidação democrática, em 2025, e alguns desses países terão se tornado potências médias recentesN.T.. Outros, particularmente aqueles que adotaram políticas populistas, ficarão para trás — e alguns, como o Haiti, terão ficado ainda mais pobres e menos governáveis. Os problemas de segurança pública continuarão a ser de difícil solução — incontroláveis em alguns casos. O Brasil se tornará liderança e potência regional, mas seus esforços para integrar a América do Sul terão resultados apenas parciais. Venezuela e Cuba manterão alguma influência residual na região em 2025, mas os problemas econômicos irão limitar a influência deles. A menos que os Estados Unidos sejam capazes de proporcionar acesso permanente e significativo aos mercados do continente, poderão perder sua posição tradicionalmente privilegiada na região, com o declínio concomitante de sua influência política. O crescimento econômico constante de hoje até 2025 — talvez a taxas de 4% a.a. — irá produzir reduções modestas nos níveis de pobreza, em alguns países, e uma redução gradual do setor informal. O avanço das reformas críticas em setores básicos, como educação, reforma tributária com impostos regressivos, direitos de propriedade enfraquecidos e a aplicação inadequada da lei, permanecerá minimizado e localizado. A importância relativa crescente da região como produtora de petróleo, gás natural, biocombustíveis e de outras fontes alternativas de energia irá estimular o crescimento no Brasil, Chile, Colômbia e México, mas a propriedade estatal e a turbulência política impedirão o desenvolvimento eficiente das fontes de energia. A competitividade econômica da região continuará ficando para trás da Ásia e de outras áreas de crescimento acelerado. O crescimento demográfico na região será relativamente moderado, mas a população rural e as populações indígenas continuarão a crescer a uma taxa mais alta. A América Latina terá uma população madura, com o aumento do número de adultos com mais de 60 anos. Algumas partes do continente continuarão a figurar entre as áreas mais violentas do mundo. Organizações de tráfico de drogas, sustentadas em parta pelo aumento local de consumo de drogas, cartéis criminosos internacionais e quadrilhas e gangs locais, continuarão afetando a segurança pública. Esses fatores, mais a persistente debilidade na aplicação da lei, significam que alguns dos países menores, especialmente no Caribe e na América Central, estarão no limite de se tornarem estados falidos. A América Latina continuará a ter um papel marginal no sistema internacional, (Continua...)
(Continuação...) N.T.
income pode também significar “renda”, e poderia ser traduzido, neste caso, por “potência econômica”, como em um aumento do PIB. Foi traduzido como “recente”, uma nova potência que está chegando.
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com exceção de sua participação no comércio internacional e em algumas operações de paz. A influência do EUA na região irá diminuir um pouco, em parte devido ao alargamento das relações econômicas e comerciais com a Ásia, Europa e outros blocos. A América Latina, em geral, aguardará a posição dos Estados Unidos para orientar suas relações globais e regionais. O crescimento de uma numerosa população hispânica nos EUA certamente fará com que os americanos acompanhem com mais atenção e se envolvam diretamente nas áreas da cultura, religião, economia e política da região.
As Mulheres como Agentes de Mudança Geopolítica O fortalecimento econômico e político das mulheres poderia transformar o cenário global nos próximos 20 anos. Essa tendência já é evidente no estudo econômico: A explosão da produtividade na economia global em anos recentes vem ocorrendo tanto pela motivação dos recursos humanos —particularmente pelas melhorias na saúde, educação e oportunidades de emprego para as mulheres — quanto pelos avanços tecnológicos. •
A predominância de mulheres no setor manufatureiro do Sudeste da Ásia é provavelmente um fator-chave do sucesso econômico dessa região; as mulheres trabalhando na agricultura respondem por metade da produção mundial de alimentos — mesmo não tendo acesso garantido a condições básicas, como terra, crédito, equipamento e mercados.
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Nos próximos 20 anos, a admissão crescente e a manutenção de mulheres nos postos de trabalho podem continuar mitigando os impactos econômicos do envelhecimento global.
Em várias partes da Ásia e da América Latina as mulheres estão atingindo níveis educacionais mais altos que os homens, uma tendência que é particularmente significativa em uma economia global com uso intensivo do capital humano. •
Os dados demográficos indicam uma correlação sensível entre índices mais altos de alfabetização das mulheres e um crescimento mais robusto do PIB, dentro de cada região (e.g., as Américas, Europa e o Leste da Ásia). No caso oposto, as regiões com índices mais baixos de alfabetização de mulheres (Sul e Oeste da Ásia; países árabes e a África Subsaariana) são as mais pobres do mundo.
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Melhores condições educacionais para as mulheres também atuam como fator de redução das taxas de natalidade em todo o mundo — por extensão melhorando as condições pré-natais. As conseqüências de longo prazo dessa
(Continua...) (... Continuação) 20
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tendência incluem a diminuição do número de órfãos, menos subnutrição, mais crianças nas escolas e outras contribuições à estabilidade social. Embora os dados sobre o envolvimento das mulheres na política sejam menos conclusivos que aqueles a respeito da participação delas na economia, o aumento do poder político das mulheres parece estar mudando as prioridades governamentais. Exemplos tão díspares como Suécia e Ruanda indicam que países com grande parcela de mulheres participantes da política dão importância maior às questões sociais, como planos de saúde, meio ambiente e desenvolvimento econômico. Se essa tendência persistir nos próximos 15-20 anos, como é provável, um número crescente de países poderia dar prioridade aos programas sociais, em vez dos programas militares. Uma governança de melhor qualidade também poderia ser um benefício complementar, já que a um número maior de mulheres no parlamento ou nos primeiros escalões de governo corresponde um nível de corrupção mais baixo. Em nenhum lugar o papel das mulheres poderia ser mais importante para as mudanças geopolíticas do que no mundo islâmico. As mulheres muçulmanas se saem muito melhor que os homens na adaptação à EuropaN.T., em parte porque elas se distinguem no sistema educacional, o que facilita a admissão delas em empregos no setor de comunicação e na indústria de serviços. A queda brusca da taxa de natalidade entre os muçulmanos na Europa demonstram essa disposição delas ingressarem no mercado de trabalho e a recusa crescente de se conformarem com as normas tradicionais. No curto prazo, o enfraquecimento das estruturas familiares tradicionais dos muçulmanos podem ajudar a explicar a receptividade de muitos jovens muçulmanos homens às mensagens islâmicas radicais. Entretanto, nas futuras gerações em formação, as mulheres podem ajudar a mostrar o caminho para que se ampliem as áreas de assimilação social, reduzindo as probabilidades de proliferação do extremismo religioso. O impacto do número crescente de mulheres nos postos de trabalho pode ter ainda um impacto fora da Europa. Os países em modernização do Mediterrâneo Islâmico mantêm fortes laços com a Europa, para onde têm mandado muitos de seus emigrantes. Os imigrantes retornam para visitas, ou para se restabelecerem em seu país de origem, e trazem consigo novas idéias e expectativas. Esses países islâmicos também recebem influências estrangeiras pela exposição aos meios de comunicação de massa europeus, através de satélite ou da Internet.
N.T.
Quando emigram para a Europa.
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Níveis mais Altos da Educação Moldando o Panorama Global de 2025 Considerando que os negócios globais crescem desfazendo as fronteiras e tornando o mercado de trabalho mais unificado, a educação tornou-se um aspecto decisivo do potencial e do desempenho econômico dos países. Uma educação básica adequada é essencial, mas a qualidade e o acesso ao ensino médio e superior serão ainda mais importantes para determinar se uma sociedade será bem sucedida em aumentar os índices de valor agregado à sua produção. A liderança americana em mão-de-obra altamente qualificada irá se estreitar, quando países em desenvolvimento e de grandes dimensões, particularmente a China, começarem a colher dividendos dos investimentos feitos recentemente em capital humano, incluindo educação, alimentação e assistência médica. A Índia enfrenta dificuldades, pois a educação fundamental inadequada está disseminada pelas regiões mais pobres, e as instituições educacionais de alto nível atendem a poucos privilegiados. O financiamento da educação em relação ao PIB aumentou para aproximadamente 5% na maioria dos países europeus, apesar de poucas universidades européias serem cotadas entre as melhores do mundo. Os gastos com educação no mundo árabe estão, grosso modo, ao par com o restante do mundo, em termos absolutos, ultrapassando a média global, em termos de porcentagem do PIB, ficando apenas ligeiramente atrás dos países de alta renda do OCDE (Grupo dos Ricos). Dados da ONU e resultados de pesquisas de outras instituições sugerem, entretanto, que o treinamento e a educação dos jovens no Oriente Médio não são orientados pelas necessidades dos empregadores, especialmente em ciência e tecnologia. Mas há alguns sinais de progresso. Os EUA podem ser singularmente capazes de adaptarem seu sistema de educação superior e programas de pesquisa ao aumento da demanda global e colocarem-se como centro educacional mundial para o número crescente de estudantes que ingressarão no mercado educacional até 2025. Embora a abertura das salas de aula e dos laboratórios dos EUA possa significar um aumento da competição para os estudantes americanos, a economia americana provavelmente se beneficiaria disso, pois as empresas tendem a sediar suas atividades em locais próximos à disponibilidade do capital humano. A continuidade na exportação dos modelos educacionais dos EUA, com a construção de campi americanos no Oriente Médio e na Ásia Central, poderia aumentar a atratividade e o prestígio global das universidades americanas.
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Ilustração original ampliada (aumentar o zoom).
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Ilustração de capa do capítulo 2
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Capítulo 2: A Demografia da Discórdia As
tendências das taxas de nascimento, morte e migração estão mudando a composição e a proporção de jovens e idosos, da população rural e urbana, das maiorias e minorias étnicas, seja da população interna ou em movimento, entre as potências emergentes e estabelecidas. Essas reconfigurações demográficas irão gerar oportunidades econômicas e sociais para algumas potências e abalar severamente as estruturas consolidadas de outras. As populações de mais de 50 países terão um incremento superior a um terço (em alguns casos, superior a dois terços) até 2025, colocando ainda mais pressões sobre os recursos naturais vitais, os serviços básicos e a infraestrutura. Dois terços desses países estão na África Subsaariana; a maioria dos outros países com altas taxas de crescimento demográfico estão no Oriente Médio e no Sul da Ásia. Populações Crescendo, Diminuindo e Diversificando-se — ao Mesmo Tempo Há uma projeção de crescimento da população mundial de aproximadamente 1,2 bilhão, entre 2009 e 2025 — 6,8 bilhões para em torno de 8 bilhões de pessoas. Embora o crescimento da população global seja significativo — com o correspondente impacto nos recursos — a taxa de crescimento será menor do que era, e terá níveis mais baixos que no período de 1980 até hoje, em que houve um aumento de 2,4 bilhões de pessoas. As projeções dos demógrafos indicam que Ásia e África contabilizarão a maior parte do crescimento populacional até 2025, enquanto que menos de 3% do crescimento 25
ocorrerá no “Ocidente” — Europa, Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Em 2025, grosso modo, 16 % da humanidade estará vivendo no Ocidente, abaixo dos 18% de 2009 e dos 24% em 1980. •
O maior aumento ocorrerá na Índia, representando em torno de 1/5 de todo o crescimento global. A previsão é de que a população da Índia terá um acréscimo de aproximadamente 240 milhões, até 2025, chegando próxima a 1,45 bilhão de pessoas. De 2009 até 2025, outro gigante asiático, a China, tem projeção de acréscimo de mais de 100 milhões de pessoas a sua população atual, de mais de 1.3 bilhão (Veja o gráfico na página 28).
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A projeção para os países da África Subsaariana em bloco é de um acréscimo populacional em
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torno de 350 milhões, durante esse mesmo período, enquanto os países da América Latina e do Caribe terão um acréscimo de 100 milhões. •
Entre hoje e 2025, a expectativa é que Rússia, Ucrânia, Itália, quase todos os países do Leste Europeu e o Japão assistam a um declínio populacional de vários pontos percentuais. Essa diminuição pode beirar ou ultrapassar os 10% da população, na Rússia, Ucrânia e em alguns países do Leste Europeu.
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As populações de EUA, Canadá, Austrália e de mais alguns países industrializados, com taxas de imigração relativamente altas, continuarão a crescer — Os EUA mais de 40 milhões, o Canadá 4.5 milhões e a Austrália mais de 3 milhões de habitantes.
Em 2025, a já diversificada composição das pirâmides etárias nacionais promete ser mais variada do que nunca, e a distância entre os perfis de países mais novos e mais velhos continuará a se ampliar. Os países mais “maduros” — aqueles em que as pessoas com menos de 30 anos compõem menos de 1/3 da população — formarão uma faixa em torno da margem setentrional do mapa mundi. Contrastando com eles, os países “mais jovens”, em que a os grupos com menos de 30 anos representam 60% ou mais da população, estarão quase todos localizados na África Subsaariana.
O Boom dos Pensionistas: Os Desafios de Populações que Envelhecem O envelhecimento da população levou os atuais países desenvolvidos — com algumas exceções, como os EUA — para um “ponto crítico” de sua demografia. Hoje, aproximadamente 7 em cada 10 pessoas encontram-se em faixas etárias economicamente ativas (entre 15 e 64 anos), no mundo desenvolvido — uma marca culminante. Esse número nunca foi tão alto antes disso, e, de acordo com os especialistas, provavelmente nunca mais atingirá esse nível. Em quase todos os países desenvolvidos, o período de crescimento mais rápido na proporção de idosos (65 anos ou mais) em relação à população economicamente ativa ocorrerá durante os anos 2010 a 2020, pressionando os encargos fiscais dos programas de previdência. Em 2010, haverá em média uma pessoa idosa para cada 4 pessoas da P.E.AN.T., no mundo desenvolvido. Em 2025, essa proporção de idosos terá subido para 1 em cada 3, ou ainda mais. •
O Japão está em uma posição difícil: sua PEAN.T. tem retraído desde a metade da década de 1990 e sua população total está diminuindo, desde 2005. As indicações atuais projetam uma sociedade em que, por volta de 2025, haverá um idoso para cada dois japoneses em idade de trabalho.
(Veja os mapas na página 26.)
N.T.
PEA, população economicamente ativa. N.T. v. nota anterior
26
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O quadro para a Europa Ocidental é mais diversificado. Reino Unido, França, Bélgica, Holanda e os países nórdicos, provavelmente irão manter as taxas de fertilidade mais altas da Europa, mas ficarão abaixo de 2 filhos por mulher. No restante da região, a fertilidade provavelmente ficará abaixo de 1,5 filhos por mulher, semelhante ao Japão (e bem abaixo do nível de renovação de 2,1 filhos por mulher).
Um crescimento acentuado e sustentável da taxa de fertilidade, mesmo começando agora, não conseguiria reverter a tendência de envelhecimento por várias décadas, na Europa e no Japão. Mesmo se a fertilidade subisse imediatamente para o nível de renovação, na Europa Ocidental, a proporção entre a terceira idade e as faixas em idade de trabalhoN.T. continuaria a aumentar firmemente na metade final dos anos 2030. No Japão, esse aumento continuaria até o final dos anos 2040. A média anual de imigração líquida teria de dobrar ou triplicar, para evitar que a PEA encolhesse, na Europa Ocidental. Em 2025, as minorias não-européias podem atingir proporções significativas — 15% ou mais — em praticamente todos os países da Europa Ocidental, e formarão uma pirâmide etária substancialmente mais jovem que a população nativa (veja página 26). Dado o descontentamento crescente com os níveis atuais de imigrantes entre os europeus nativos, aumentos muito bruscos poderiam elevar as tensões sociais.
N.T.
O texto original do Global Trends ressalva que a “idade de trabalho” refere-se apenas a um conceito tradicional, para cálculo dos custos previdenciários. Isso não impede que pessoas maduras também trabalhem.
O envelhecimento das sociedades terá conseqüências econômicas. Mesmo havendo ganho de produtividade, um crescimento mais lento do emprego, causado pelo encolhimento da força de trabalho, provavelmente irá reduzir o já sofrível crescimento do PIB europeu em 1%. Nos anos 2030, a projeção para o PIB do Japão é de uma queda para próximo de zero, segundo alguns modelos. O custo de tentar manter a cobertura na previdência e na saúde irá comprimir os gastos com outras prioridades, como a defesa. Persistência no Populações Jovens
Boom
das
Países com estrutura etária muito jovem (formando a base de uma pirâmide etária) e populações crescendo rapidamente formam um crescente alongando-se desde a região dos Andes, na América Latina, atravessando a África Subsaariana, o Oriente Médio e o Cáucaso, até a faixa setentrional do Sul da Ásia. Em 2025, o número de países contidos nesse “arco de instabilidade” terá diminuído entre 35 e 40%, dados o declínio da fertilidade e o envelhecimento das populações. Na África Subsaariana estarão ¾ das três dúzias de “países com inchaço de jovens”, com previsão de que essa situação perdure após 2025. Os restantes estarão localizados no Oriente Médio ou espalhados pela Ásia e entre as Ilhas do Pacífico. •
O surgimento de novos tigres econômicos em 2025 poderia ocorrer nas regiões em que o inchaço do número de jovens “envelhecer” para um inchaço no número de trabalhadores disponíveis. Os especialistas dizem que essa bonificação demográfica é mais vantajosa quando o país apresenta uma força de trabalho instruída e um ambiente negocial propício aos
investimentos. Os prováveis beneficiários dessas tendências são Turquia, Líbano, Irã, o bloco do Magreb, no Norte da África (Marrocos, Algéria e Tunísia), Colômbia, Costa Rica, Chile, Vietnã, Indonésia e Malaysia. •
O atual boom de jovens no Magreb, Turquia, Líbano e Irã irá decrescer rapidamente, mas na Cisjordânia/Faixa de Gaza, no Iraque, Iêmen, Arábia Saudita e adjacentes, Afeganistão e Paquistão, esse quadro irá continuar em 2025. A não ser que as condições de emprego mudem dramaticamente, a juventude de países de estruturas mais fracas continuará a emigrar — exportando instabilidade e violência.
As populações de países já em situação de risco, por causa do número excessivo de jovensN.T. — como o Afeganistão, República Democrática do Congo (RDC), Etiópia, Nigéria, Paquistão e Iêmen — estão previstas para permane-cerem N.T.
youth bulge
em trajetórias de crescimento rápido. As populações do Paquistão e da Nigéria têm projeção de crescimento de 55 milhões de habitantes, cada uma. Etiópia e RDC irão provavelmente somar mais 40 milhões cada, enquanto que as populações do Afeganistão e do Iêmen têm previsão de se tornarem 50% maiores que as de hoje. Todos eles irão manter estruturas etárias com largas proporções de jovens, um traço demográfico associado ao aumento da violência política e a conflitos civis.
O Impacto do HIV/AIDS Nem uma vacina eficaz contra o HIV, nem um microbicida autoaplicável, mesmo se desenvolvido e testado antes de 2025, têm perspectiva de estarem largamente disseminados até então. Não obstante os esforços de prevenção
e as mudanças locais de comportamento façam decrescer os níveis globais de infecção, os especialistas acreditam que o HIV/AIDS continuará a ser uma pandemia global em 2025, com o epicentro da infecção na África Subsaariana. De modo distinto do que ocorre hoje, a grande maioria das pessoas vivendo com o HIV terá acesso a terapias antiretrovirais pela vida toda. • Se a eficácia de prevenção se mantiver nos níveis atuais, a população de soropositivos está projetada para ser de 50 milhões em 2025 — elevando-se dos 33 milhões de hoje (22 milhões na África Subsaariana). Nesse cenário, 25 a 30 milhões de pessoas precisariam de terapia anti-retroviral para sobreviverem. • Em outro cenário, de aumento da prevenção em larga escala por volta de 2015, a população infectada pelo HIV atingiria o pico e então cairia para 25 milhões em todo o mundo, em 2025, fazendo o número de pessoas precisando de terapia anti-retroviral baixar para algo entre 15 e 20 milhões de pessoas.
Mudanças de Localidade: Migração, Urbanização e Mudanças Étnicas. Experiências de Movimentação. A migração em massa da população rural para áreas urbanas e de países pobres para países ricos tende a continuar intensa em 2025, alimentada por uma disparidade crescente de segurança física e econômica entre regiões vizinhas.
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A Europa continuará a atrair imigrantes vindos das regiões mais próximas na Ásia e na África, de países mais jovens, menos desenvolvidos e de rápido crescimento demográfico. Entretanto, outros centros emergentes em industrialização — China, Sul da Índia, e possivelmente a Turquia e o Irã — poderiam absorver parte da migração da força de trabalho, na medida em que o crescimento da população em idade de trabalho diminui nesses países, e os salários aumentam.
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A migração de trabalhadores para os Estados Unidos possivelmente diminuirá, com o crescimento do parque industrial mexicano e o envelhecimento da população mexicana — um efeito do rápido declínio da fertilidade nos anos 1980 e 1990 — e à medida que cresce a competição de outros centros de desenvolvimento, no Brasil e no Cone Sul do continente.
Urbanização. Se persistirem as tendências atuais, em 2025 por volta de 57% da população mundial irá viver em áreas urbanas, acima dos aproximadamente 50% de hoje. Em 2025, oito novas megacidades serão acrescentadas às 19 da lista atual — sete dessas oito estarão na Ásia e na África Subsaariana. A maior parte do crescimento urbano, contudo, ocorrerá nas cidades menores dessas regiões, que se expandem ao longo das rodovias e se aglutinam perto dos entroncamentos e do litoral, quase sempre sem um crescimento dos empregos formais e sem uma oferta adequada de serviços. Demografia da Identidade Cultural. Nas regiões em que os grupos étnico-religiosos passaram a ter taxas de nascimento menores, em ritmos diferenciados, o boom do
número de jovens nesses grupos, e alterações proporcionais na composição deles, poderiam desencadear mudanças políticas significativas. Alterações na composição dessas comunidades, resultantes da migração, também poderiam causar mudanças políticas, particularmente quando os imigrantes se estabelecem em países industrializados de baixa fertilidade. •
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Taxas diferenciadas de crescimento para as comunidades étnicas de Israel poderiam provocar mudanças políticas no Knesset (Parlamento de Israel – n.t.). Em 2025, os israelenses de origem árabe, que atualmente compreendem um quinto da população do país, passarão a compor em torno de 1/4 da população estimada para esse ano, de aproximadamente 9 milhões de habitantes. Nesse mesmo período, as comunidades israelenses de judeus ultraortodoxos podem duplicar de tamanho, passando a ser mais de 10% da população de Israel. Independente do status político que terão em 2025, as populações da Cisjordânia (Margem Ocidental do Rio Jordão – Judéia e Samaria), atualmente com população estimada de 2,6 milhões de pessoas, e Gaza, agora com 1,5 milhão, terão crescido substancialmente: a Margem Ocidental aproximadamente 40%; Gaza quase 60%. Sua população combinada em 2025 — ainda jovem, crescente e se aproximando dos 6 milhões (ou superando esse número, de acordo com algumas projeções) — promete introduzir desafios adicionais às instituições, gerando empregos e políticas públicas adequadas, assegurando a disponibilidade de água potável e alimentos, e produzindo estabilidade política.
Algumas outras mudanças étnicas terão implicações regionais. Por exemplo, o aumento na proporção de indígenas americanos em várias democracias andinas e centroamericanas tende a continuar pressionando esses países em direção ao populismo. No Líbano, o declínio de fertilidade em curso entre a população xiita, que atualmente fica para trás de seus vizinhos de mesma etnia em renda, mas os supera no tamanho das famílias, irá produzir uma estrutura etária mais madura para essa comunidade — e poderia aprofundar a integração dos xiitas às tendências principais da vida política e da economia libanesa, aliviando as tensões comuns. A Europa Ocidental tornou-se o destino escolhido anualmente por mais de um milhão de imigrantes e a residência para mais de 35 milhões de habitantes nascidos no estrangeiro — muitos provenientes de países de maioria muçulmana no Norte da África, Oriente Médio e Sul da Ásia (veja box na pág. 25). Imigração e políticas de imigração, e confrontações com os conservadores muçulmanos a respeito de educação, direitos das mulheres e relação entre o Estado e a religião, podem levar ao fortalecimento das organizações de centro-direita e fragmentar as coalizões de centro-esquerda, que foram fundamentais na construção e sustentação dos welfare statesN.T. da Europa. Em 2025, o capital humano proveniente da migração internacional e os efeitos da transferência de tecnologia começarão a beneficiar os países N.T.
Welfare State, modelo ideal de Estado segundo a social-democracia européia – Europa Ocidental, no final dos anos 1970 e durante os anos 1980, que tinha como prioridade o bem-comum ou, literalmente, o Estado do bem-estar.
mais estáveis da Ásia e da América Latina. Apesar de que a emigração de mão-de-obra especializada possivelmente irá continuar a desfalcar os talentos dos países mais pobres e instáveis da África e de parte do Oriente Médio, o provável retorno de asiáticos e latinoamericanos enriquecidos e educados nos Estados Unidos e na Europa irá ajudar a elevar a competitividade de China, Brasil, Índia, e México. Quadros Demográficos: Rússia, China, Índia e Irã Rússia: Um País Multiétnico em Formação? Atualmente um país com aproximadamente 141 milhões de habitantes, a Rússia vê sua população diminuindo e envelhecendo, e a projeção para 2025 é de cair para menos de 130 milhões de habitantes. As chances de impedir um declínio tão abrupto durante esse período são pequenas: a população de mulheres na faixa dos 20 anos — a principal faixa etária associada à gravidez— irá decrescer rapidamente, reduzindo para em torno de 55% do número atual, em 2025. É improvável que mude significativamente a alta taxa de mortalidade entre os indivíduos masculinos de meia-idade na Rússia. Ao mesmo tempo, as minorias de muçulmanos que têm mantido taxas de fertilidade mais altas irão compor parcelas maiores da população russa, e isto também ocorrerá com os imigrantes turcos e chineses. De acordo com as projeções mais conservadoras, a minoria muçulmana
da população russa aumentará de 14% em 2005 para 19% em 2030, e para 23% em 2050. Em uma população que está diminuindo, o aumento da proporção de não eslavos ortodoxos irá provavelmente provocar uma reação nacionalista. E dado que os problemas atuais da Rússia com as taxas de fertilidade e mortalidade deverão persistir em 2025, a economia russa — ao contrário da Europa e do Japão — terá de sustentar uma grande proporção de dependentes econômicos. Uma China envelhecida? Em 2025, demógrafos esperam que a China tenha quase 1,4 bilhão de pessoas, perto de 100 milhões a mais que a população atual. A condição vantajosa de ter uma população relativamente grande de trabalhadores e pequenas parcelas tanto de idosos quanto de crianças e adolescentes economicamente dependentes começará a desaparecer por volta de 2015, quando o número da população economicamente ativa da China passará a declinar. O envelhecimento demográfico — o choque causado pelo maior número de aposentados e pela diminuição relativa do número de trabalhadores — está sendo acelerado por décadas de políticas de controle da natalidade e por uma tradição de aposentadoria precoce. Ao optar por refrear dramaticamente o crescimento da população, a fim de conter a demanda crescente por energia, água e comida, a China aumenta o ritmo de envelhecimento de sua população. Em 2025,
Muçulmanos na Europa Ocidental A população de muçulmanos da Europa Ocidental totaliza atualmente entre 15 e 18 milhões de habitantes. As maiores proporções de muçulmanos — 6 a 8% — estão na França (5 milhões) e na Holanda (perto de 1 milhão), seguida de países com proporção de a 4 a 6%: Alemanha (3,5 milhões), Dinamarca
(300.000), Áustria (500.000) e Suíça (350.000). Reino Unido e Itália também possuem populações muçulmanas relativamente grandes, 1,8 milhão e 1 milhão respectivamente, apesar de constituírem uma proporção menor do total (3% e 1,7%, respectivamente). Se os padrões atuais de imigração e de residentes de origem muçulmana apresentando taxas de fertilidade acima da média prosseguirem, a Europa Ocidental poderá ter incorporado de 25 a 30 milhões de muçulmanos em 2025. Países com número crescente de muçulmanos deverão passar por uma rápida mudança de sua composição étnica, particularmente no entorno das áreas urbanas, potencialmente complicando os esforços para facilitar a assimilação e integração social. As oportunidades econômicas tendem a ser maiores no espaço urbano, mas, na ausência de crescimento de empregos adequados, essa concentração crescente poderia criar situações mais tensas e instáveis, como as que ocorreram em 2005, nos tumultos do subúrbio de Paris. Lentidão geral de crescimento, mercados de trabalho com regulamentação excessiva e certas políticas corporativas (workplace policies – n.t.), se mantidos, irão dificultar a ampliação das oportunidades de emprego, a despeito da necessidade européia de deter o declínio de sua população economicamente ativa. Quando combinados com formas de discriminação profissional e com as desvantagens da formação escolar, esses fatores podem restringir um grande número de muçulmanos a um status de inferioridade e a empregos de baixossalários, aprofundando a segregação étnica. A despeito de um estrato apreciável de muçulmanos integrados aos países de imigração, um número crescente — levados por um senso de exclusão, descontentamento e injustiça — estariam cada vez mais inclinados a valorizarem a segregação, em áreas de culturas e práticas religiosas muçulmanas muito pronunciadas. Embora seja improvável que as comunidades de imigrantes obtenham representação parlamentar suficiente para ditarem políticas internas ou exteriores, em 2025, as questões relacionadas com as comunidades muçulmanas serão focos e formadores crescentes do cenário político europeu. As tensões políticas e sociais correntes relacionadas com a integração dos muçulmanos poderão fazer com que os articuladores políticos tornem-se gradualmente mais sensíveis às possíveis repercussões locais de quaisquer políticas externas voltadas para o Oriente Médio, inclusive os alinhamentos muito próximos dos EUA em posições vistas como pró-Israel. grande parte da população chinesa estará aposentada ou em vias de se aposentar. Apesar de a China ser capaz de ao longo do tempo reverter suas políticas de controle da natalidade, a fim de produzir coortes de nascimentoN.T. mais balanceados entre meninas e meninos, os adultos em idade de casamento por volta de N.T.
Coorte é um termo técnico da Estatística e da Demografia, associando um grupo determinado a certo evento.
2025 ainda encontrarão um desnível apreciável de dominação masculina, refletindo-se na formação de um grande contingente de homens solteiros. Duas Índias. A atual taxa de fecundidade da Índia, de 2.8 filhos por mulher, oculta grandes diferenças entre os estados de baixa fecundidade no sul da Índia e nos centros comerciais de Mumbai
(Bombaim), Délhi e Kolkata (Calcutá), de um lado, e as taxas mais altas dos estados mais populosos, no chamado Cinturão Hindu, ao Norte, onde a situação das mulheres é precária e os serviços disponíveis são insuficientes. Em grande parte devido ao crescimento populacional dos estados densamente povoados no Norte, faz-se a projeção de que a população da Índia irá ultrapassar a da China, por volta de 2025 — enquanto a população chinesa deverá atingir seu pico, depois começará a declinar lentamente.
economicamente ativa irá gerar mais crianças, terá mais oportunidades de poupança, de uma educação melhor e, finalmente, poderá desenvolver indústrias tecnicamente mais avançadas, elevando os padrões de vida da população. Se o Irã irá capitalizar esse bônus demográfico ou não depende da liderança política do país, que no presente é hostil aos mercados e ao setor privado, imprevisível para os investidores, e está mais focada nos rendimentos do petróleo que em uma política mais ampla de criação de empregos.
Nessa época, a dualidade demográfica da Índia terá aumentado a distância entre o Norte e o Sul. Em 2025, a maior parte do crescimento da força de trabalho virá dos distritos rurais do Norte da Índia, os mais populosos, empobrecidos e de menor escolaridade. Embora as famílias empreendedoras dessa região tenham vivido por décadas nas cidades do Sul, a chegada de comunidades inteiras de hindus, mão-de-obra não especializada e à procura de empregos, poderia reacender as animosidades adormecidas entre o governo central da Índia e os partidos étniconacionalistas do Sul.
Mais duas quase-certezas demográficas são visíveis: primeiro, apesar da baixa taxa de fertilidade, a população do Irã irá passar de 66 milhões para 77 milhões em 2025. Segundo, nessa época, um novo inchaço no número de jovens (um eco produzido pelos nascimentos ocorridos no boom atual) estará em expansão — mas, neste caso, a faixa entre 15-24 anos representará apenas 1/6 dos que estarão em idade de trabalhar, comparados com os 1/3 de hoje. Alguns especialistas acreditam que essa segunda onda de juventude está sinalizando com o ressurgimento de políticos revolucionários. Outros especulam que, no contexto mais educado e desenvolvido do Irã de 2025, adultos mais jovens deverão achar a carreira profissional e o consumo mais atraentes que a política extremista. Apenas um dos aspectos do futuro do Irã é dado como certo: sua sociedade estará demograficamente mais madura do que nunca, e notavelmente diferente de seus vizinhos.
A Trajetória Única do Irã. Tendo passado por um dos declínios de fertilidade mais rápidos da história — de mais de seis filhos por mulher, em 1985, para menos de dois, hoje — a população do Irã está destinada a passar por mudanças dramáticas, em 2025. A numerosa juventude do paísN.T., politicamente agitada, faminta por empregos, será grandemente dissipada ao longo da próxima década, dando lugar a uma população mais madura, e a taxas de crescimento da força de trabalho comparáveis às taxas atuais dos EUA e da China (próximo de 1% a.a.). Nesse quadro, a população N.T.
youth bulge, inchaço de jovens na estrutura etária.
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Ilustração de capa do capítulo 3
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Capítulo 3: Os Novos Atores Em
2025, os Estados Unidos se encontrarão na posição de ser apenas um de uma série de atores importantes no cenário mundial, ainda que continuem a ser os mais poderosos dentre todos. A influência política e econômica relativa de muitos países irá mudar nessa época, de acordo com um modelo do International Futures que compara o PIB, os gastos com defesa, a população e a tecnologia, de cada Estado individualmente (veja o gráfico na página anterior) 6. Historicamente, sistemas multipolares emergentes têm sido mais instáveis que os bipolares, ou mesmo que os unipolares; a maior diversidade e o poder em ascensão de um número maior de países são prenúncios de menos coesão e efetividade para o sistema internacional. A maioria das potências emergentes já almeja um papel maior e, ao lado de muitos europeus, rejeita a idéia de uma única potência ter o direito de ser hegemônica. A possibilidade de haver menos coesão e mais instabilidade é sugerida também pela redução mais acentuada do poderio da Europa e do Japão. Apesar de acreditarmos que há boas chances de que China e Índia continuem a sua escalada, essa ascensão não está consolidada e exigirá a superação de grandes 6
Os índices de Poder Nacional são o resultado de uma pontuação combinada dos valores ponderados do PIB, gastos com defesa, população e tecnologia. A pontuação é calculada pelo modelo computadorizado do International Futures (software, n.t.) e expressa em porcentagem a parcela relativa do país no poder global.
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obstáculos econômicos e sociais. Por causa disso, os dois países tendem a se manter focalizados em seus problemas internos, e a renda per capita deles ficará bem defasada em relação às economias ocidentais, no período que abrange 2025 e os anos subseqüentes. Individualmente, os cidadãos dessas potências econômicas emergentes provávelmente se sentirão ainda empobrecidos em relação aos ocidentais, embora o PIB desses países vá deixar o PIB de cada um dos países ocidentais cada vez mais para trás. Para a Rússia, manter-se no topo da fileira, como tem conseguido fazer desde seu notável ressurgimento, no final dos anos 1990 e nos primeiros anos do século 21, pode ser extremamente difícil. A demografia nem sempre dá a última palavra, mas diversificar a economia será determinante para que a Rússia possa manter essa posição. Para que possa manter suas perspectivas de
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longo prazo, após as transições que ocorrerão em um mundo que não será mais dependente dos combustíveis fósseis. Europa e Japão igualmente enfrentarão desafios relacionados à demografia; as decisões tomadas hoje irão provavelmente determinar as trajetórias de longo curso. Embora nenhum outro país possa igualar o impacto do crescimento de países populosos como a China e a Índia, alguns deles podem desempenhar papéis cada vez mais importantes no cenário mundial, como os países de alto potencial econômico - Irã, Indonésia e Turquia, por exemplo – especial-mente por poderem estabelecer novos padrões para o mundo islâmico. "Poucos países estão em condições de terem um impacto global maior do que a China, nos próximos 15-20 anos.” Pesos Pesados em ascensão: China e Índia China: Terreno Acidentado à Vista. Poucos países estão em condições de terem um impacto global maior do que a China, nos próximos 15-20 anos. Se as tendências atuais se confirmarem, em 2025 a China terá a segunda maior economia do mundo, e será uma grande potência militar. Ela poderá ser também a maior importadora mundial de recursos naturais, e uma poluidora ainda maior do que é hoje. •
A segurança dos EUA e seus interesses econômicos podem encontrar um novo desafio à frente, se a China se tornar um competidor à altura, dotada de poderio militar e de uma economia dinâmica, faminta por energia.
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O ritmo do crescimento econômico da China irá quase certamente diminuir, ou até mesmo retroceder, mesmo que reformas adicionais tentem cuidar das pressões sociais crescentes, causadas por disparidades salariais cada vez maiores, uma rede de securidade social saturada, quase nenhuma regulamentação dos negócios, carente de energia estrangeira, uma corrupção resistente e degradação ambiental. Qualquer um desses problemas pode ser solucionado isoladamente, mas o país pode ser assolado por uma "tempestade perfeita" (combinada – n.t.), se muitas dessas questões se tornarem prioritárias ao mesmo tempo. Mesmo que o governo chinês consiga resolvê-las, não será capaz de assegurar a alta performance de sua economia. A maior parte do crescimento econômico da China continuará a ser orientada para o mercado doméstico, mas os setoreschave dependem do mercado externo, de fontes de recursos e tecnologia, e das redes produtivas globalizadas. Em conseqüência disso, a saúde da economia chinesa será afetada pela saúde de outras economias - particularmente os EUA e a UE. Ao cuidar desses problemas, os líderes chineses precisam regular o nível de abertura necessário para sustentar o crescimento econômico – essencial para a aceitação do monopólio de poder político do Partido Comunista – contrastando com as restrições necessárias para proteger esse monopólio. Passando por tantas mudanças sociais e econômicas, o Partido Comunista e a situação que ocupa devem sofrer ainda outras transformações. De fato, os próprios lideres do Partido Comunista falam abertamente sobre a necessidade de se encontrarem novas formas de manter a aceitação popular do papel dominante que o partido tem hoje. Até agora,
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entretanto, parece que esses esforços não incluem a abertura do regime para as eleições livres e a imprensa livre. Além disso, excetuando-se a “tempestade perfeita” descrita acima, não endossamos previsões de que as pressões sociais estejam forçando a China em 2025, na direção de uma democracia real. Feitas essas ressalvas, pode-se dizer que o país pode estar caminhando para mais pluralismo na política e para uma governança de maior responsabilidade N.T.. Os líderes chineses poderiam, entretanto, continuar a gerenciar essas tensões, desde que garantam um desempenho econômico significativo, sem que isso ponha em risco o monopólio político do partido, como têm conseguido fazer, nas últimas três décadas. Embora uma baixa prolongada na economia possa representar uma séria ameaça política, o regime se inclinaria a rebater as críticas da população culpando a interferência externa por eventuais insucessos chineses, alimentando as formas mais virulentas e xenófobas de nacionalismo chinês. •
Historicamente, pessoas que se acostumaram à elevação dos padrões de vida reagem com irritação, quando suas expectativas não são mais atendidas, e pouca gente tem tido espaço para essas altas expectativas, tanto quanto os chineses.
•
A reputação internacional da China baseia-se em parte nas previsões estrangeiras de que esse é “o país do futuro”. Se os estrangeiros passassem a tratar o país com menos deferências, os nacionalistas chineses poderiam responder com indignação.
N.T.
Accountability.
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Índia: Um Crescimento Complicado. Ao longo dos próximos 15-20 anos, os líderes hindus vão se empenhar na construção de um sistema internacional multipolar, tendo Nova Délhi como um desses pólos, servindo de ponte política e cultural entre a China emergente e os Estados Unidos. A crescente confiança de que desfruta a Índia no cenário internacional, derivada primordialmente de seu crescimento econômico e de uma experiência democrática bem sucedida, estimula Nova Délhi a estabelecer parcerias com vários países. Entretanto, essas parcerias estão orientadas para maximizar a autonomia da Índia, e não para buscar um alinhamento da Índia com qualquer outro país ou coalizão internacional. A Índia provavelmente continuará a desfrutar de um crescimento econômico relativamente rápido. Apesar de a Índia deparar-se com uma deficiência prolongada em infraestrutura, mão-de-obra especializada e produção de energia, esperamos que a classe média em franca expansão no país, a população de maioria jovem, a redução da dependência da economia de base agrícola e os altos níveis de poupança e de investimento continuem a impulsionar o crescimento econômico. O impressionante crescimento econômico da Índia nos últimos 15 anos reduziu o número de pessoas vivendo em estado de miséria absoluta, mas a desigualdade crescente entre ricos e pobres irá se tornar uma questão política de maior importância. Acreditamos que os hindus manterão um compromisso forte com a democracia, mas a política poderá ser mais fragmentada e turbulenta, fazendo com que o poder nacional seja dividido através de uma sucessão de coalizões políticas. As eleições no futuro tendem a ser
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negociações entre numerosas partes interessadas, gerando alianças complicadas e gestões não muito bem definidas. Em geral, a direção das políticas econômicas da Índia não deverá ser revertida, mas o ritmo e a dimensão das reformas irão flutuar. Insurgências regionais e étnicas que têm assolado a Índia desde a independência devem persistir, mas elas não ameaçarão a unidade do país. Estimamos que Nova Délhi permanecerá confiante de que pode conter o movimento separatista da Caxemira. Contudo, é provável que a Índia apresente um aumento de violência e instabilidade em diversas partes de seu território, por causa do avanço do movimento maoísta Naxalite Os líderes hindus não vêem Washington como um tutor militar ou econômico, e agora crêem que a presente situação internacional dispensa um benfeitor. Nova Délhi, entretanto, irá buscar os benefícios de laços cordiais com os EUA, em parte, também, como uma barreira contra o surgimento de laços hostis com a China. Os estrategistas hindus estão convencidos de que o capital, a tecnologia e o apoio americano são essenciais para que a Índia continue sendo uma potência global ascendente. Os Estados Unidos continuarão a ser um dos principais destinos das exportações da Índia, essenciais para o acesso a instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial, ao financiamento estrangeiro de suas operações comerciais, além de serem a maior fonte de remessas financeiras. A diáspora hindu – composta em grande parte por profissionais de alta capacitação – irá se manter como um elemento-chave no aprofundamento dos laços entre os EUA e a Índia. O mercado indiano crescerá substancialmente para as mercadorias americanas, à medida 40
que Nova Deli reduza as restrições ao comércio e aos investimentos. Os militares indianos também estarão ansiosos por se beneficiarem da ampliação dos acordos de defesa com Washington. As lideranças hindus, entretanto, provavelmente evitarão os elos que possam parecer uma relação de aliança militar. “A Rússia tem potencial para ser mais rica, poderosa e autosustentável em 2025... [mas] várias restrições podem limitar a capacidade de concretização de seu pleno potencial econômico.” Outros Atores Principais A Trajetória Russa: Boom ou Colapso. A Rússia tem potencial para ser mais rica, poderosa e autosustentável em 2025, se investir no capital humano, expandir e diversificar sua economia e se integrar aos mercados globais. De outro lado, as múltiplas restrições podem limitar a habilidade russa de realizar todo seu potencial econômico. As principais dessas restrições são o déficit no investimento em energia, gargalos nos pontos básicos de infraestrutura, deterioração nos sistemas de saúde e educação, um sistema bancário pouco desenvolvido, crime e corrupção. Uma conversão mais breve para os combustíveis alternativos ou uma queda global e continuada dos preços no setor energético, antes que a Rússia tenha a chance de desenvolver uma economia mais diversificada, provavelmente iria restringir o crescimento econômico. A diminuição da população russa em 2025 irá exigir escolhas políticas muito firmes. Em 2017, por exemplo, a Rússia terá uma população estimada de apenas 650.000 jovens do sexo masculino com idade de 18 anos, para sustentar suas forças armadas que hoje têm 750.000
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alistados. O declínio populacional pode ainda afetar a economia provocando uma forte escassez de mão-de-obra, particularmente se a Rússia não investir mais no capital humano atual, reconstruir sua base científica e tecnológica (S&T, sigla em inglês, n.t.) e se não empregar mão-de-obra de imigrantes estrangeiros. Se a Rússia diversificar sua economia, poderá desenvolver um sistema político mais pluralista, apesar de não ser democrático – como resultado do fortalecimento institucional, de uma classe média em expansão e de novos grupos de interesse exigindo mais influência. Uma política externa mais ampla e pró-ativa é provável, refletindo o ressurgimento de Moscou como um dos atores principais do cenário mundial; um parceiro importante para os capitais do Ocidente, da Ásia e do Oriente Médio, e a maior força de oposição ao domínio global dos EUA. Controlar pontos-chave de suprimento de energia e as conexões no Cáucaso e na Ásia Central – vital para a ambição russa de se tornar uma superpotência em energia – constituirá sendo uma prioridade no restabelecimento da esfera de influência ao longo de suas fronteiras. A percepção comum a respeito do terrorismo e do radicalismo islâmico pode estreitar as políticas de segurança da Rússia e do Ocidente, apesar das divergências em outras questões e da prolongada disparidade de valores. As alternativas de futuros possíveis para a Rússia permanecem amplas, por causa de forças totalmente divergentes – tendências econômicas liberais e tendências políticas não liberais. A tensão entre as duas tendências – junto com a susceptibilidade russa às descontinuidades potenciais, que podem ser desencadeadas pela 41
instabilidade política, por uma enorme crise da política externa ou por outras cartadas inesperadas – torna impossível excluir alternativas futuras como as de um petro-estado nacionalista e autoritário, ou mesmo uma ditadura plena, que é pouco provável, todavia factível. Mais inesperado seria a Rússia tornar-se um país significativamente mais aberto na economia e mais progressista, em 2025. Europa: Perda de Influência em 2025 Cremos que por volta de 2025 a Europa terá feito um pequeno progresso em direção ao que esperam dela seus atuais líderes e elites: ser um ator global coeso, integrado e influente, capaz de utilizar de maneira independente um espectro integral de instrumentos políticos, econômicos e militares, em apoio aos interesses europeus e ocidentais, e aos ideais universais. A União Européia teria de resolver a distância perceptível existente entre Bruxelas e os eleitores europeus, e deixar no passado a prolongada discussão sobre suas estruturas institucionais. A UE estará em condições de reforçar a estabilidade política e a democratização nas áreas periféricas da Europa, através da inclusão de novos membros nos Bálcãs, e mais talvez a Ucrânia e a Turquia. Entretanto, o reiterado fracasso em convencer uma população cética em relação aos benefícios de uma integração econômica, política e social mais profunda, ou em encarar as dificuldades de uma população decrescente e amadurecida (previdência social), implantando reformas dolorosas, pode fazer da UE um gigante com pés de barro, dividida por disputas internas e pela concorrência entre as agendas nacionais, tornando-a menos capaz
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de traduzir seu peso econômico em influência global. O declínio da população econômicamente ativa será um duro teste para o modelo europeu do bem-estar N.T social , uma das pedras fundamentais da unidade política na Europa Ocidental, desde o fim da 2ª. Guerra. O avanço da liberalização econômica deverá prosseguir apenas em passos graduais, até que o envelhecimento da população ou uma estagnação econômica prolongada exija mudanças mais radicais — um ponto da crise que não será atingido antes de algum momento na próxima década, e que pode ser adiado por um tempo ainda maior. Não há soluções fáceis para o déficit demográfico europeu, exceto as prováveis reduções dos benefícios de saúde e previdência, que a maioria dos países não começou a implementar, e nem mesmo a considerar. Os gastos com defesa devem sofrer mais cortes, a fim de adiarem a necessidade de uma profunda reestruturação dos programas de benefícios sociais. O desafio de integrar as comunidades de imigrantes, especialmente os muçulmanos, poderá ser intensificado, se os cidadãos confrontados com a redução repentina de expectativas recorrerem a um nacionalismo mais estreito e concentrado em interesses provincianos, como já ocorreu no passado. A perspectiva estratégica da Europa é a de permanecer provavelmente mais limitada que a de Washington, mesmo se a UE tiver sucessos em reformas que criem um “Presidente Europeu” e um “Chanceler Europeu”, e desenvolva sua habilidade de gerenciamento de crises. Percepções internas divergentes sobre ameaças à Europa, e a probabilidade de que os gastos com defesa permanecerão descoor-denados, sugerem que a N.T
Welfare State.
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União Européia não será uma grande potência militar em 2025. Os interesses nacionais de suas maiores potências continuarão a complicar as políticas externas e de segurança da UE, e isto poderia corroer o apoio europeu à OTAN. A questão da admissão da Turquia como membro da UE será um teste para o foco externo da Europa, de hoje até 2025. O aumento das dúvidas sobre a aceitação desse novo país-membro poderá atrasar as reformas políticas e de direitos humanos exigidas dos turcos. Qualquer rejeição claramente expressa corre o risco de gerar repercussões adicionais, fortalecendo os argumentos no mundo islâmico — incluindo as minorias muçulmanas na Europa — a respeito da incompatibilidade entre o Ocidente e o Islã. O crime pode ser a ameaça mais séria dentro da Europa, à medida que as organizações transnacionais eurasianas — infladas pelo envolvimento com negócios de energia e mineração — tornem-se mais poderosas e ampliem o seu escopo. Alguns governos do Leste Europeu e da Europa Central podem até mesmo tornarem-se presas dessas organizações. A Europa continuará a depender pesadamente da energia russa em 2025, não obstante os esforços para aumentar a eficiência energética, o uso de fontes renováveis e emissões mais baixas de gases que provocam o efeito estufa. Níveis variáveis de dependência, perspectivas divergentes sobre a consolidação democrática e as aspirações econômicas da Rússia, e a falta de um consenso sobre os papéis em Bruxelas, estão obstruindo os esforços nascentes para desenvolver as políticas comuns da UE para a diversificação energética e a segurança. Na ausência de uma abordagem coletiva que pudesse reduzir a influência dos russos, essa
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dependência irá favorecer a atenção constante aos interesses de Moscou, por intermédio dos principais países da UE, inclusive a Alemanha e a Itália, que vêem a Rússia como um fornecedor confiável. A Europa poderá pagar um preço por essa forte dependência, especial-mente se as companhias russas forem incapazes de cumprir compromissos de contrato, por causa do baixo investimento em seus campos de gás natural, ou se a corrupção crescente e o envol-vimento do crime organizado no setor energético eurasiano transbordar, a ponto de infectar os interesses comerciais do Ocidente. Japão: Preso entre os EUA e a China O Japão passará por uma grande reformulação de suas políticas domésticas e externas, e deverá manter sua posição no topo das potências médias. Internamente, os sistemas político, social e econômico serão provavelmente reestruturados, para atender seu declínio demográfico, uma base industrial envelhecida e uma situação política mais volátil. O decréscimo populacional pode forçar as autoridades a pensarem em novas políticas de imigração, como concederem um visto de longo-prazo para os trabalhadores temporários. Os japoneses, entretanto, terão dificuldade de superar sua relutância em naturalizar estrangeiros. O envelhecimento da população irá também estimular o desenvolvimento dos planos de saúde e habitação, para atender a um grande número de idosos dependentes desses planos. A força de trabalho em retração – e a aversão cultural do Japão a uma mão-de-obra imigrante muito numerosa – colocará os serviços assistenciais e a receita fiscal japonesa sob tensão máxima, 43
levando ao aumento de impostos e a uma cobrança por mais competição no mercado interno, para forçar uma queda de preços nos bens de consumo. Estamos prevendo uma reestruturação extensiva da indústria de exportação japonesa, com ênfase reforçada nos produtos de alta tecnologia, de alto valor agregado e de tecnologia da informação. A retração do setor agrícola japonês deverá se manter, caindo para talvez 2% da força de trabalho, com o correspondente aumento dos custos de importação de alimentos. A população apta ao trabalho está diminuindo em números absolutos, e inclui um grande número de desempregados e de mão-de-obra não especializada, na faixa dos 20 anos ou menos. Isto pode levar à falta de trabalhadores administrativos e para os cargos de direção. Com o crescimento das disputas eleitorais, o sistema político monopartidário japonês provavelmente terá sido totalmente desmantelado em 2025. O Partido Liberal Democrático poderá rachar, dando origem a vários partidos rivais entre si, mas o mais provável é que o Japão irá testemunhar uma fusão ou divisão contínua de partidos políticos concorrentes, levando a um impasse político. No front externo, a política japonesa sofrerá influências maiores das estratégias da China e dos Estados Unidos, abrindo-se a possibilidade de ocorrerem quatro diferentes cenários: •
No primeiro cenário, a China segue em seu padrão de crescimento atual, tornando-se cada vez mais importante para o crescimento econômico do Japão. Tóquio empreenderá esforços para manter boas relações políticas com a China e para ampliar o acesso dos produtos japoneses ao mercado chinês.
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Bem mais cedo que 2025, os japoneses devem propor um tratado de livre comércio com Pequim. Nesse mesmo período, o poder militar e a influência da China serão uma preocupação em alta para os estrategistas políticos japoneses. Sua provável resposta será uma aproximação maior com os Estados Unidos, aumentar as baterias de mísseis para defesa e a capacidade de guerra antisubmarinos, buscar alianças com países como a Coréia do Sul e pressionar para que haja um desenvolvimento maior das organizações multilaterais interna-cionais no Leste da Ásia, incluindo uma cúpula asiática. •
Em um segundo cenário, o crescimento econômico da China enfraquece, ou suas atitudes tornam-se abertamente hostis aos países da região. Em resposta a isso, Tóquio provavelmente agiria para garantir sua área de influência, em parte procurando reunir em torno de si as democracias do Leste da Ásia, e em parte continuando a desenvolver seu próprio poder nacional, através de equipamentos militares avançados. Tóquio aceitaria um forte apoio de Washington, nessas circunstâncias, e se mobilizaria para estabelecer fóruns regionais que pudessem isolar ou limitar a influência chinesa. Isto levaria os países da região a fazerem uma escolha difícil entre o desconforto antigo que sentem diante do poder militar japonês ou de uma China capaz de dominar praticamente todas as nações próximas de suas fronteiras. Como conseqüência disso, o Japão pode vir a se deparar com um movimento de países nãoalinhados do leste asiático, tentando evitar o predomínio seja de Tóquio ou de Pequim.
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•
Em um terceiro cenário, se o compromisso dos Estados Unidos com o Japão na área de segurança enfraquecer, ou se for percebido dessa forma por Tóquio, o Japão poderá decidir-se pela aproximação com Pequim, nas questões regionais, e no final poderá selar um acordo de defesa que conceda à China o protagonismo de fato na manutenção da estabilidade em territórios marítimos próximos ao Japão. Tóquio dificilmente responderá à perda do guardachuva de segurança americano com o desenvolvimento de um programa de armas nucleares, exceto na hipótese de uma clara intenção agressiva da China em relação ao Japão.
•
Um quarto cenário mostraria os Estados Unidos e a China claramente mobilizados e orientados para a cooperação política e estratégica na região, permitindo que os americanos possam assimilar a presença militar chinesa, e levando a um realinhamento ou à diminuição das forças americanas presentes nessa área. Neste caso, Tóquio quase certamente seguiria a tendência dominante e ficaria mais próxima de Pequim, para garantir sua inclusão nos arranjos políticos e de segurança. De forma similar, outros países da região, incluindo a Coréia do Sul, Taiwan e os membros da ASEAN N.T. , tenderiam a seguir essa mesma direção americana, colocando ainda mais pressão sobre Tóquio, para que alinhe suas políticas às dos outros países da região.
N.T.
Associação de Nações do Sudeste Asiático (sigla em inglês): Brunei Darussalam, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Filipinas, Singapura, Tailândia e Vietnam.
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Brasil: Fundamentos Sólidos para um papel de liderança mais destacada. Em 2025 o Brasil estará provavelmente exercendo uma liderança regional de maior influência, tornando-se o ator principal entre os seus pares, nos fóruns sul-americanos, mas, apesar de seu papel crescente como grande produtor de energia, e do papel que vem desempenhando nas conferências de comércio, irá demonstrar habilidades limitadas de se projetar para além de seu continente e assumir um papel central das questões mundiais. Os avanços alcançados na consolidação democrática e na diversificação de sua economia servirão de modelos regionais a serem seguidos. O compromisso reiterado do país com a democracia está firmemente apoiado em processos eleitorais livres e transparentes, acompanhados por suaves períodos de transição que já se tornaram rotineiros. Seu atual Presidente, Lula da Silva, possui uma forte inclinação socialista, mas tem seguido uma trajetória política moderada nos cenários nacionais e internacionais, estabelecendo um precedente muito positivo para seus sucessores. A percepção que os brasileiros têm da importância de seu país passar a desempenhar um papel decisivo nas duas instâncias, tanto a liderança regional quanto a liderança mundial, já está amplamente enraizada na consciência nacional e transcende as questões partidárias. A economia brasileira construiu uma base sólida para o crescimento sustentável, baseado na estabilidade política e em um processo gradativo de reformas. O aumento do consenso em torno de políticas fiscais e monetárias responsáveis tende a reduzir as descontinuidades causadas pelas crises, que têm 45
assolado o país no passado. Divergências muito pronunciadas do atual consenso econômico no Brasil, tanto uma guinada em direção ao modelo de livre-mercado e livrecomércio N.T. quanto em direção à mão pesada de uma orientação estatista parecem ser improváveis em 2025. A recente descoberta brasileira de uma possível grande reserva de petróleo em águas profundas tem o potencial de conferir outra dinâmica à já diversificada economia, e de colocar o país no rumo de um crescimento mais rápido. As descobertas de petróleo na Bacia de Santos - possivelmente contendo dezenas de bilhões de barris em reservas - podem fazer do Brasil um grande exportador de petróleo depois de 2020, quando esses campos estiverem plenamente operacionais. Os cenários mais otimistas, que consideram um arcabouço legal e regulatório atrativo para o investimento estrangeiro, projetam a exploração de petróleo aumentando para uma participação de 15% do PIB em 2025; mesmo nesse caso, o petróleo iria apenas complementar as fontes já disponíveis de riqueza nacional. "As descobertas de petróleo na Bacia de Santos - possivelmente contendo dezenas de bilhões de barris em reservas - podem fazer do Brasil um grande exportador de petróleo..." O avanço na temática social, como a redução do crime e da pobreza, deverá ter um papel decisivo na definição da imagem que terá a liderança brasileira no futuro. Se não houver avanços nessa questão do respeito à lei, mesmo o crescimento econômico acelerado será solapado pela instabilidade resultante do crime e da corrupção dominantes. N.T.
Neste caso uma referência ao modelo neoliberal.
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Mecanismos para incorporar parcelas crescentes da população na economia formal serão igualmente necessários, para consolidar o status do Brasil como uma potência mundial modernizada. Potências Prováveis Devido às grandes populações e à grande extensão territorial das novas potências, como Índia e China, é improvável que surja outra constelação de potências no cenário mundial, na próxima década ou na seguinte. Entretanto, os países de desenvolvimento mais promissor podem responder por uma parcela crescente do crescimento econômico mundial, até 2025. Outros ainda irão exercer certo protagonismo junto aos seus vizinhos. Indonésia, Turquia e um Irã pós-clerical – países de predomínio islâmico, mas que não compõem o núcleo de países árabes – parecem estar bem situados para o aumento de seu papel internacional. O contexto de uma política macroeconômica desenvolvimentista permitiria que seus dotes econômicos naturais prosperassem. No caso do Irã, uma reforma política radical será necessária. O desempenho da Indonésia irá depender dela repetir o sucesso de suas reformas políticas nas medidas para estimular a economia. Na última década, os indonésios transformaram o que já foi um país autoritário em uma democracia, tornando o vasto arquipélago em um lugar relativamente tranqüilo, em que o apoio às soluções moderadas está fortalecido, os movimentos separatistas estão desaparecendo por completo, e os terroristas, sem grande apoio popular, passam a ser localizados e presos de modo crescente. Com recursos naturais abundantes e uma grande população de consumidores em potencial (é a quarta maior população do mundo), a Indonésia poderá iniciar uma fase 46
de crescimento econômico, se os seus líderes eleitos derem os passos para melhorar o ambiente de investimentos, incluindo o fortalecimento do sistema jurídico, o aperfeiçoamento dos marcos regulatórios, reformando o setor financeiro, reduzindo os subsídios dos combustíveis e dos alimentos e, de forma geral, reduzindo os custos de se fazer negócios no país. Olhando para o Irã — um país rico em gás natural e em outros recursos, e com reservas de capital humano — reformas políticas e econômicas complementando um clima estável de investimentos poderiam redesenhar fundamentalmente tanto a maneira como o mundo vê o país quanto a maneira como os iranianos vêm a si mesmos. Sob essas circunstâncias, o renascimento econômico poderia rapidamente se instalar no Irã, estimulando uma classe média iraniana que é cosmopolita de forma latente, educada e ocasionalmente secular. Se investida de poder, essa parcela da população poderia ampliar os horizontes do país, particularmente indo na direção do Oriente e se afastando de décadas de enquadramento do país nos conflitos árabes no Oriente Médio. O recente histórico da Turquia de aumento do crescimento econômico, o vigor da classe média emergente no país, e sua localização estratégica criam o prognóstico de um papel regional de importância crescente Oriente Médio. Vulnerabilidades econômicas, tais como a enorme dependência de fontes de energia no exterior, podem estimular o país a buscar um papel internacional de maior expressão, à medida que as autoridades turcas procurem desenvolver seus laços com os países fornecedores de energia — incluindo
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os vizinhos mais próximos, Rússia e Irã — e confirme sua posição de centro para os transportes e movimentações N.T.. Nos próximos 15 anos, a trajetória mais provável da Turquia envolve uma combinação de forças islâmicas e nacionalistas, que podem servir de modelo para outros países do Oriente Médio que também estejam em processo de modernização acelerada.
N.T.
Transit Hub.
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Cenário Global I: Um Mundo Sem o Ocidente Neste quadro fictício, as novas potências suplantam o Ocidente como líderes no cenário mundial. Isto não é inevitável, nem é a única possibilidade para a ascensão de novas potências. Historicamente o surgimento de novas potências – como o Japão e a Alemanha no final do século 19 e início do século 20 – apresentou duros desafios para o sistema internacional instituído, que levaram a um conflito de escala mundial. A nosso ver, mais plausível que um desafio direto ao sistema internacional é a possibilidade de que as potências emergentes irão assumir um papel maior em áreas que afetem seus interesses vitais, particularmente em vista do que pode representar a saturação dos encargos que já têm as potências ocidentais. Uma coalizão de forças como essa poderia ser um competidor para instituições como a OTAN, ao oferecer a terceiros uma alternativa para o Ocidente. Como foi detalhado, não vemos essas coalizões alternativas como sendo instrumentos necessariamente permanentes do novo cenário. Na verdade, dados seus interesses variados e dada a competição por recursos básicos, as novas potências
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podem se distanciar umas das outras tão facilmente quanto podem se unir. Apesar de as potências emergentes terem a tendência de se preocuparem com os temas domésticos e com a sustentação de seu desenvolvimento econômico, gradativamente, como foi esboçado neste capítulo, elas terão a capacidade de ser atores globais. As pré-condições para este cenário incluem: •
O crescimento mais lento no Ocidente induz os EUA e a Europa a tomarem medidas protecionistas contra as potências emergentes, que crescem mais rapidamente.
•
Modelos diferentes de relações entre Estado e sociedade ajudam a sustentar a poderosa (embora frágil) aliança sino-russa.
•
As tensões entre os atores principais no mundo multipolar aumentam, à medida que esses países buscam segurança energética e esferas de influência reforçadas. A Organização para a Cooperação de Xangai (OCS), particularmente, procura membros confiáveis e dependentes em regiões estratégicas – e a Ásia Central fica no quintal de ambas, Rússia e China.
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Carta do Chefe da Organização para a Cooperação de Xangai (OCS) para o Secretário-Geral da OTANN.T. 15 de junho de 2015
Sei que nos encontraremos amanhã para iniciar nosso diálogo estratégico, mas antes disso gostaria de comentar com você minhas análises sobre a OCS (SCO – Shangai Cooperation Organization), e o ponto a que chegamos. Quinze a 20 anos atrás, jamais teria imaginado que a OCS pudesse se equiparar à OTAN – se não (dou-me um tapinha nas costas) uma organização internacional ainda mais importante, de alguma forma. Cá entre nós, não estávamos destinados à grandeza, exceto pelos tropeços do Ocidente. Penso que esteja correto dizer que isso começou quando vocês deixaram o Afeganistão sem concluir a missão de pacificar o Talibã. Sei que tiveram poucas escolhas. Anos de pouco ou nenhum crescimento nos EUA e no Ocidente haviam dizimado as verbas para Defesa. Os americanos se sentiram exigidos demais, e os europeus não ficariam sem uma forte presença dos americanos. A situação afegã ameaçava desestabilizar toda a região, e não podíamos ficar lá sem fazer nada. Além do Afeganistão, tínhamos informações preocupantes de que alguns governos “aliados” da Ásia Central estavam sob pressão de movimentos radicais islâmicos, e continuávamos dependentes da energia daquela região. Chineses e hindus estavam muito relutantes em medir forças com minha terra natal – Rússia – mas não tiveram opções melhores que essa. Nenhum de nós queria que o outro se encarregasse desse problema: guardávamos muitas suspeitas uns dos outros e, seja dita a verdade, isto continua a ser assim. A conhecida operação de “manutenção da paz” realmente colocou a OCS no mapa e nos tirou da imobilidade. Antes disso, esta era uma organização para a qual “cooperação” seria uma denominação inapropriada. Seria mais adequado chamá-la de “Organização de Xangai para a Desconfiança Mútua”. A China não queria ofender os EUA, então não se alinhou aos esforços antiamericanos da Rússia. E a Índia estava lá pra vigiar ambas, China e Rússia. Os centro-asiáticos acharam que poderiam usar a OCS para seus próprios propósitos, jogando as grandes potências vizinhas umas contra as outras. O presidente do Irã, Ahmadinejad, teria apoiado qualquer coisa que tivesse um vestígio de antiamericanismo. Mas, mesmo com essas operações, a OCS não teria se tornado um “bloco”, não fosse pelo crescente antagonismo demonstrado contra a China, por americanos e europeus. Por mais estranho que possa parecer, as fortes ligações da China com os EUA tinham dado legitimidade a Pequim. A China também se beneficiou da forte presença americana na região; os vizinhos de Pequim na Ásia teriam ficado bem mais preocupados com a ascensão da China, se eles não tivessem os EUA como proteção. China e Índia estavam satisfeitas com seu status quo e não quiseram fazer uma aliança muito forte com nós russos, por recearem a oposição dos americanos. Enquanto persistiu essa situação, as perspectivas da OCS serem um bloco eram limitadas. Então vieram os movimentos crescentes de protecionismo nos EUA e na Europa, liderados por uma coalizão de forças que tomava todo o espectro político, desde a esquerda até a direita. Os investimentos chineses passaram a ser mais controlados e cada vez mais rejeitados. O fato de que China e Índia foram as primeiras a adotarem muitas das novas tecnologias – a próxima geração da Internet, água limpa, estoque de N.T.
O cabeçalho da carta é uma imagem ao fundo, seguida por outra imagem que dá a cor azulada. A segunda imagem é desenhada também nas outras páginas (retângulo, sem linhas, efeitos de preenchimento).
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GLOBAL TRENDS 2025: UM MUNDO TRANSFORMADO
energia, biogerontecnologia, carvão limpo e biocombustíveis – apenas aumentou a frustração motivada pela economia. As barreiras protecionistas ao comércio foram erguidas. Outros que não o Ocidente tiveram de pagar um preço pela recessão que se alastrou por lá, mais que em qualquer outro lugar. A modernização militar da China foi vista como uma ameaça, e houve muito falatório no Ocidente a respeito das potências emergentes dispensarem a proteção americana nas rotas marítimas. Desnecessário dizer que esse antagonismo ocidental foi uma faísca que despertou o movimento nacionalista na China. Curiosamente, nós os russos assistimos a isso do lado de fora, sem saber o que fazer. Estávamos contentes por ver nossos bons amigos no Ocidente levarem uma sova na economia. Isso ainda não era nada, comparado ao que passamos nos anos 1990, e, ainda por cima, naturalmente tomamos um golpe quando os preços da energia despencaram, com a recessão no Ocidente. Mas já tínhamos acumulado muitas reservas antes disso ocorrer. No final, esses eventos acabaram sendo uma providência divina, ao jogarem a Rússia e a China nos braços um do outro. Antes disso, a Rússia estava mais desconfiada da ascensão chinesa que os próprios Estados Unidos. De fato, falamos muito sobre direcionar todo nosso fornecimento de energia para o Oriente, para assustar os europeus, de tempos em tempos. Mas também jogamos a China contra o Japão, interferindo nas possibilidades que havia e depois não seguindo adiante com elas. Nossa preocupação maior era a China. O temor de a China invadir o extremo leste da Rússia era parte disso, mas acho que a maior ameaça, de nosso ponto de vista, era uma China mais poderosa – por exemplo, que não ficasse para sempre se escondendo atrás das saias russas, na ONU. A ruptura URSS-China também estava sempre à espreita. Pessoalmente, eu estava irritado com a conversa interminável dos chineses, sobre não repetir os erros soviéticos. Isso dói. Não que os chineses não estivessem certos, mas admitir que tínhamos falhado, enquanto eles podiam acertar – isto atingiu o orgulho dos russos. Mas agora tudo isso é passado. Ter tecnologia que permitisse o uso limpo dos combustíveis fósseis foi uma dádiva de Deus. Se o Ocidente nos deu, ou se a roubamos, como fomos acusados de fazer, isto é irrelevante. Vimos uma chance de estabelecer um vínculo reforçado – oferecendo aos chineses a oportunidade para um abastecimento seguro de energia, menos dependente do abastecimento por via marítima, vindo do Oriente Médio. Eles nos deram reciprocidade, através de contratos de longo prazo. Também aprendemos a cooperar, na Ásia Central, em vez de nos debilitar uns aos outros, com as ações dos diversos governos. Vendo o crescimento de uma forte parceria Sino-Russa, os outros países – Índia, Irã, etc. – não quiseram ficar de fora e se agruparam à nossa volta. Naturalmente, ajudou o fato dos protecionistas americanos e europeus unirem a Índia e a China, portanto não havia realmente muita coisa que pudessem fazer. Qual é a estabilidade de nossas relações? Não me cite, mas esta não é uma nova Guerra Fria. Claro, falamos muito bem sobre capitalismo de Estado e autoritarismo, mas isso não chega a ser uma ideologia, como o comunismo. E é de nosso interesse mútuo que a democracia não caia na Ásia Central, pois China e Rússia se tornariam alvos das rebeliões que viriam. Não posso afirmar que russos e chineses têm afinidades maiores que no passado. Na verdade, temos de nos precaver contra a perspectiva de que nossos respectivos nacionalismos atrapalhem nossos interesses comuns. Vamos dizer assim: russos e chineses não estão enamorados um pelo outro. Russos querem ser respeitados como europeus, não como eurasianos, e o coração das elites chinesas no fundo ainda palpita na direção do Ocidente. Mas conveniências passageiras podem se tornar permanentes, não é?
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