Jubileu da Terra

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Fazendeiro, de Hyatt Moore (In the Image of God, Wycliffe Bible Translators)

pós alguns contatos da Visão Mundial e outras organizações sociais com a ativista ambiental, irmã em Cristo e agora ministra do Meio Ambiente Marina Silva, fomos desafiados a pensar numa ação articulada da igreja evangélica na questão do meio ambiente. Assumimos com prazer esse desafio, primeiro, por causa do nosso compromisso com o Deus da criação e da vida, e, segundo, por causa do nosso compromisso com a igreja brasileira, no sentido de cooperar para que a missão que Deus nos deu seja de fato integral. Estamos convencidos de que a igreja evangélica tem um papel importante na luta pela preservação do meio ambiente, e temos base bíblica suficiente para o engajamento nessa luta como parte de nossa agenda. Ao iniciarmos esse movimento, surpreendeu-nos o grande número de irmãos e irmãs que estão envolvidos com a causa ambiental, seja nas universidades, nas escolas dominicais de suas igrejas, nas empresas públicas de saneamento, em ONG’s etc. Em reunião ocorrida em São Paulo, no dia 16 de dezembro de 2004, foi formado um grupo de trabalho, composto por Movimento Evangélico Progressista, Sociedade Bíblica do Brasil, Visão Mundial, Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos, FALE e A Rocha Brasil – Associação Cristã de Pesquisa e Conservação do Meio Ambiente.

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O grupo se reuniu diversas vezes para pensar e discutir as ações do movimento Jubileu da Terra. Entre essas ações, destaca-se uma oficina com o professor Milton Schwantes e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com a mediação do professor Gedeon Freire, realizada no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, no dia 28 de janeiro. Aproximadamente quatrocentas pessoas de várias partes do Brasil participaram do evento. A publicação deste suplemento é mais uma ação! E para o segundo semestre de 2005 planejamos um encontro nacional sobre o tema “Igreja e meio ambiente”, a se realizar em São Paulo, com a participação de especialistas e militantes evangélicos. O Dia Mundial do Meio Ambiente, 4 de junho, é uma excelente ocasião para se estudar a questão ambiental nas igrejas. Veja na página 16 as indicações de recursos e receba gratuitamente estudos bíblicos para adultos, jovens e crianças. Por fim, vale citar as palavras do sociólogo Alexandre Brasil Fonseca, um dos colaboradores deste encarte: “A pobreza é um problema para a sociedade e para a natureza em geral. Em vários bolsões do mundo temos prejuízos decorrentes da falta de saneamento ou do recolhimento inadequado do lixo. Logo, parte de uma postura de preservação do meio ambiente passa, necessariamente, pelo combate à pobreza.”

Welinton Pereira da Silva é pastor metodista e assessor de relações eclesiásticas da Visão Mundial. jubileu da terra — ultimato jubileu da terra — ultimato

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A PRESENTAÇÃO

Welinton Pereira da Silva


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ATUALIDADE

Fé cristã e meio ambiente Marina Silva

O texto de Isaías 11.6 (“O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito...”) sugere que haverá uma vida em que naturezas, aparentemente uidar do meio ambiente é, para mim, um opostas, se encontrarão. Isso tem um sentido espiritual. compromisso de vida, um ministério. Não Certa vez, ouvi o pastor Jesse Jackson dizer que o meio um ministério no sentido eclesiástico ou ambiente é o primeiro espaço, a primeira casa, o primeiro teológico, mas um ministério que tem suas ethos, onde essa profecia se cumpre. Sabem por quê? raízes no cristianismo. Porque o lobo precisa de água potável, o cordeiro também. É claro que falar de fé cristã e meio O lobo precisa de alimento; portanto, tem necessidade de ambiente não é tarefa simples. Minha terra fértil. O cordeiro também precisa dela. Se pensarmos formação acadêmica é em história. Não que ambos precisam do ar puro para que possam respirar, sou teóloga. Converti-me há oito anos. Como muita gente, vamos perceber que tanto os países ricos como os países eu me converti pela dor. Tinha sofrido uma contaminação pobres, na questão do uso dos recursos naturais, têm de com mercúrio, que estava me fazendo perder a visão, a estar praticamente no mesmo espaço. capacidade de movimentos, a memória A Bíblia nos apresenta várias passagens matemática e espacial. nas quais encontramos Deus se reportando à Ao converter, meu desejo era questão do cuidado com a natureza. Uma carregar comigo, durante todo o tempo, a delas está em Gênesis 2.15: “Tomou, pois, o minha Bíblia. Mas, por ter um grave Senhor Deus ao homem e o colocou no Jardim problema de visão, tive que optar por O CUIDADO do Éden para o cultivar e guardar”. Nesse uma Bíblia de letras grandes e minhas COM O MEIO mesmo versículo, o Senhor acrescenta: “para filhas me criticaram, dizendo que aquela AMBIENTE o cultivar e guardar”. Guardar, no sentido de era uma Bíblia usada por idosos. Fiz, NÃO É cuidado, de zelo. Por que cultivar? Porque a então, o design dessa Bíblia produzida RESPONSABILIDADE terra era e permanece sendo algo como um em couro vegetal, que levo sempre SÓ DOS jardim abundante, com toda espécie de comigo. AMBIENTALISTAS, animais, de frutos... Muitas vezes, nas igrejas, nós temos Quando desrespeitamos a natureza, não MAS DE TODO a idéia de que os ambientalistas, os que utilizamos de forma sustentável os rios, as CRISTÃO defendem o meio ambiente, são pessoas florestas, o solo, o ar, aquilo que é necessário que prestam culto à natureza ou que para a vida do planeta, demonstramos a falta fazem isso porque têm alguma de importância dada às gerações futuras, participação em movimentos esotéricos. transmitindo a idéia de que nós precisamos É claro que isso pode acontecer. Mas a extrair tudo agora porque pensamos apenas, defesa do meio ambiente para nós, no máximo, nos nossos netos. Essa é uma visão cristãos, não é uma questão política, ou utilitária; é uma completamente fora do propósito de Deus na relação do ordenança divina. homem com a natureza. Quando me converti, comecei a ver a Bíblia com outros Abraão também nos apresenta um interessante olhos. Passei a ver exatamente o que havia de ensinamento testemunho, pois foi enviado para uma terra que não para o meu trabalho. Eu era senadora, lidava com temas conhecia, a fim de ser pai de uma grande nação, uma como meio ambiente, direitos humanos, educação, questão geração tão grande que nem poderia ser contada. Ele se social, violência...

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Escultura de Roberto Cipollone (Viver — Calendário 1999, Ed. Cidade Nova)

Oremos por isso. Nossa fé deve caminhar seguindo a vontade de Deus. Deve ter sempre como alvo a edificação. Deve ser coerente com o nosso desejo de que os governantes não busquem a sua própria prosperidade, mas estejam interessados em conhecer e buscar o cumprimento dos propósitos de Deus para o país. Com certeza, isso resultará na alegria do povo e no júbilo divino. Peço que orem por mim, que orem pelos nossos governantes. Para que não cometamos erros e, se os tivermos cometido, sejamos capazes de nos corrigir e passar a evitá-los. O Ministério do Meio Ambiente está trabalhando com políticas integradas, controle social, desenvolvimento sustentável, fortalecimento da política ambiental, e a questão de uma política que contemple os vários segmentos da sociedade. Não tenho dúvida de que a igreja pode ajudar. Eu até penso que poderíamos encetar um grande movimento, dentro das igrejas, chamado “Jubileu Ambiental”. Todos aprenderiam que o cuidado com o meio ambiente não é responsabilidade só dos ambientalistas, mas de todo cristão. Deus no colocou no jardim não só para cultivá-lo, extrair dele o nosso sustento, mas também para cuidar dele.

Lissânder Dias

preocupou com as gerações futuras. Esta é uma parte muito bonita na Bíblia: “Plantou Abraão tamargueiras em Berseba e invocou ali o nome do SENHOR, Deus Eterno” (Gn 21.33). Quantos anos tinha Abraão quando plantou aquele bosque de tamargueiras? 80 anos? 100 anos? Por que um homem de idade tão avançada haveria de se preocupar em plantar um bosque de tamargueiras, se ele não comeria do fruto daquelas árvores, se não usaria as suas sombras para descansar? Ele plantou as tamargueiras simbolizando a sua aliança, o seu cuidado com as gerações futuras. Há vários momentos na Bíblia em que Deus nos ensina claramente a respeito do cuidado com a natureza. Ainda no Pentateuco, na elaboração da Constituição do povo judeu, Ele nos chama a cuidar do meio ambiente. Em Deuteronômio 22.6, Ele nos ensina a cuidar dos animais, quando diz: “Se de caminho encontrares algum ninho de ave, nalguma árvore ou no chão, com passarinhos, ou ovos, [...] não tomarás a mãe com os filhotes”. Matar a mãe com os filhotes é comprometer a reprodução dos animais. E, comprometida a sua reprodução, as espécies entrarão em extinção. Deus é cuidadoso, também, com as espécies, com a variedade de alimentos. No mesmo capítulo de Deuteronômio, no versículo 9, Ele proíbe a mistura de diferentes espécies de sementes, para que não seja profanado o fruto da vinha. E, no versículo 8, do mesmo capítulo, o Senhor nos ensina a segurança no trabalho: “Quando edificares uma casa nova, far-lhe-ás, no terraço, um parapeito”. Sempre que eu passo na frente de construções que têm aqueles tapumes de proteção, eu me lembro dessa passagem, pensando em como Deus, já naquele tempo, recomendava que se colocasse a proteção, para se evitarem os acidentes e, segundo Ele, não houvesse “culpa de sangue”. Há muitas outras passagens em que Deus fala a respeito do cuidado com a natureza, mas estas são suficientes para despertar e incentivar os cristãos a refletirem sobre sua atuação nesse aspecto. É claro que o homem foi feito para dominar o meio ambiente. Mas, tomemos, como exemplo, o domínio divino. Por acaso o domínio de Deus é tirano? Por acaso é descuidado? Por acaso é irresponsável? Não. O domínio de Deus é perfeito. E se ele fez o homem à sua imagem e semelhança e lhe disse que deveria dominar a terra e tudo o que nela há, é no seu referencial e não no referencial humano, utilitarista, oportunista e, muitas vezes, exclusivista, que o homem deve dominar a natureza. Tenho certeza absoluta de que o nosso país pode ser ricamente abençoado.

Nota Texto adaptado do capítulo 8 do livro Missão Integral – proclamar o reino de Deus, vivendo o evangelho de Cristo, publicado pela Editora Ultimato e Visão Mundial (www.ultimato.com.br).

Marina Silva é ministra do Meio Ambiente.

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TEOLOGIA

O descanso e as terras livres (Levítico 25) Milton Schwantes

s escritos bíblicos enfatizam a idéia de um amplo acesso à terra e de uma vida digna nela. Alguns diriam que essa é uma compreensão apenas do Primeiro Testamento; no Segundo, no Novo Testamento, essa já não seria uma ênfase importante. De fato, embora no Segundo Testamento a terra continue a ter sua função, esta já não é decisiva como no Primeiro Testamento. Com a economia grega, o problema da escravização dos corpos tornou-se o assunto principal da vida. Aliás, em torno dele se trava a Guerra dos Macabeus, no início do segundo século antes de Cristo, e a Guerra Judaica, de 66 a 70 depois de Cristo. A rigor, a questão da escravidão, especificamente, não é, por assim dizer, a terra, mas o corpo. E nesse sentido, sim, o Segundo Testamento, em termos hermenêutico-sociais, não trata de um assunto distinto do Primeiro; trata-o em outro contexto social. Mas não é possível aqui tratar de questões tão amplas como a que acaba-se de apontar. É preciso justamente restringir. Este texto aborda tão-somente uma passagem bíblica específica: Levítico 25. Por meio dela introduz-se e evoca-se algumas perspectivas interessantes, inclusive a da escravidão, tão relevante uma vez que o contexto é o mundo persa e a passagem às condições da economia grega. Afinal, a temática de Levítico 25 não está muito distante de Neemias 5!

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A INSISTÊNCIA NO DESCANSO AOS SÁBADOS O descanso é um assunto central na Bíblia. No decorrer dos séculos, tornou-se típico para a experiência do povo de Deus. Pode-se dizer que Jesus também “descansou” em um dia específico. Ressuscitou no primeiro dia da semana, que para nós tornou-se o domingo. Ao vencer o poder da morte, Jesus venceu os poderes contrários ao descanso da criação de Deus, das pessoas. O trabalho incessante tende à escravidão. Domingos e sábados são ocasiões para se reativar a memória da liberdade. 4

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Nesse sentido, é muito significativo que o Antigo Testamento tenha interpretado o sábado radicalmente como dia de descanso. O dia do Senhor tornou-se dia especial de descanso e liberdade para pessoas, animais e plantas. A Bíblia não o interpreta como dia de atividades religiosas. Antes, porém, o entende como dia da “preguiça”, sem atividade, nem mesmo religiosa, muito menos sacrificial. As formulações literárias mais antigas, entre as quais Êxodo (23.12-13), incluem no descanso sabático animais, escravos e filhos de escravas. Os socialmente mais fragilizados também participam do descanso aos sábados, que torna-se um tempo de festa de experiências de igualdade. Em Êxodo (34.21) há uma interessante atualização da norma sabática. Valida-se a exigência de descanso também para os sábados que caem nos períodos da aradura e da colheita, embora nessas atividades possa haver necessidade de trabalho também no sábado, para terminar algum serviço iniciado. Enfim, em Gênesis (1.1-2, 4) a própria criação efetiva o sábado como descanso; aliás, ele é parte da própria criação. É partilhado pelo Deus criador e por suas criaturas, pessoas e animais. Nestes e em outros textos das Escrituras, o sábado é central. Torna-se marca de Israel e de sua vivência com Deus. Para uma vida digna em meio aos jardins criados por Deus, é preciso “viver de modo sabático”. Ao se descansar abrem-se as janelas de novos mundos, para a sociedade, a fim de se superar a espoliação de pessoas e animais. É também nesse âmbito que se situa o tema do ano sabático e do ano do Jubileu da terra em Levítico 25.

OS SÁBADOS E O SÉTIMO ANO Os sábados se tornaram dias de identidade. E, no mínimo, a partir do exílio do povo de Israel se transformaram em um sinal cada vez mais importante. Embora antes já fossem relevantes (Am 8.4-6), são os tempos exílicos que aprofundam a identidade judaíta em relação ao dia de descanso. A experiência do sábado foi se ampliando na história do povo de Israel e depois também nos caminhos das


comunidades messiânicas/cristãs. Parte dessa influência são os anos sabáticos (de sete em sete anos) e o ano do jubileu. Mencionam-se aqui três formulações do ano sabático:

1. Em Êxodo (23.10-11) há uma formulação bastante antiga do ano sabático. Esse ano se refere à “tua terra”, a ser plantada por seis anos (v. 10). Esses seis anos são para “ti” — o pronome de segunda pessoa refere-se ao pequeno lavrador israelita que vive de sua pequena gleba de terra, herança de seus antepassados. Mas no sétimo ano (v. 11) o fruto da terra já não será para “ti”; destina-se aos “pobres de teu povo” e aos “animais do campo” — tanto o que cresce na roça, quanto o fruto das vinhas. No sétimo ano não há plantio, mas ainda assim os frutos são colhidos. Ao não se arar nem se plantar a terra, caracteriza-se a sua existência nesse ano como de descanso. Em descanso, a terra continua criativa, aliás, como também as pessoas.

2. Deuteronômio 15.1-11 é um texto magnífico e detalhado sobre o sétimo ano. Esse trecho deve ser do sétimo século. É significativo que nele a referência seja ao empréstimo financeiro, cujo pagamento a partir do sétimo ano já não pode ser exigido: “Não o exigirá do seu próximo” (v. 2). A orientação básica é: “Ao fim de cada sete anos, farás remissão” (v. 1). Os onze versículos do texto defendem essa medida do perdão de dívidas. Tanto a radicalidade quanto a insistência argumentativa são típicas do deuteronomismo. Não basta exigir; é preciso convencer o coração: “Livremente abrirás a mão para o teu próximo” (v. 10).

3. Em Levítico (25.1-7) tem-se uma versão exílica do uso sabático da terra. Pode ser que se trate de um texto préexílico ou, mais provavelmente, pós-exílico. O certo é que refere-se a uma época em que o território de Israel está anexado pelos assírios, babilônios e, talvez, persas, e Judá está muito fragilizado. Um novo começo e uma chance para o futuro exigem medidas de reforma e de verdadeiro recomeço. Para tais reinícios é preciso retomar o melhor do passado e lançar sonhos já sonhados para o futuro, em direção a práticas inovadoras. E a questão da terra aparece aí como central, como indica todo o capítulo 25. O ano de descanso (v. 1-7) começa a expressar o antigo-novo que precisa ser implementado. Basicamente esses versículos reafirmam o que já está dito em trechos anteriores: “A terra guardará um sábado ao Senhor” (v. 2), isto é, descansará, ou, como expressa o capítulo 25: “Haverá um sábado de descanso solene”. Estão outra vez em questão as plantas, que, embora sem plantio, crescem e dão colheita no campo, e as árvores frutíferas (v. 3). É interessante que o primeiro a se beneficiar com o produto do “sábado solene” seja um “tu”, isto é, o próprio agricultor judaíta/israelita! Essa estranha (à primeira vista) destinação do que frutifica

“naturalmente” no sétimo ano tem a ver com as condições vividas por Judá e Israel. Em 701, seus territórios foram arrasados e só em Judá 46 cidades foram queimadas. No sétimo século, os assírios e outros povos continuamente invadiam as terras e as espoliavam de tudo. Os tempos do exílio foram de extrema pobreza. Logo, torna-se claro por que o capítulo 25 reverte os “benefícios” do ano de descanso (o sétimo ano) para o “tu” (v. 6), para os do próprio povo de Deus. Os demais nomeados no texto são os socialmente enfraquecidos, mas sempre relacionados ao “tu”: “teu servo” e “tua serva”, “teu diarista” e “teu estrangeiro”. Importa, pois, aqui mais que em outros textos, que esses empobrecidos sejam “os filhos de Israel” (v. 1); também o gado e os animais são “teus”, diretamente relacionados ao “tu”. A TERRA DO Essa ênfase, peculiar de Levítico 25, “ANO merece um destaque especial, considerando-se também o novo conceito ACEITÁVEL” peculiar de Israel — servo! —, que emerge — DO dos tempos e da sociedade exílica. (Veja JUBILEU — Isaías 52–53.) ANSEIA POR Sim, o sábado e o ano sabático (ano de CORPOS COM descanso) tiveram grande importância SAÚDE, POR na vida social de Israel. ROÇAS O ano do Jubileu se situa nessas ACESSÍVEIS A tradições. Em um contexto peculiar e no desenvolvimento dessas tradições do dia de TODA GENTE, sábado e do ano sabático, desdobra-se com POR POVOS vitalidade outra antiga tradição de Israel. SEM Ainda que antigo, esse costume jubilar só DIVISÕES veio a florescer em tempos de exílio e pósexílio, mas então com redobrado vigor e rigor. Só haverá futuro se houver nova lida com a terra. Eis a questão!

UM DESAGUADOURO E UM PROJETO PARA O RECOMEÇO — LEVÍTICO 25.8-55 Na tentativa de realçar o sentido e a própria atualidade de Levítico (25.8-55), devem-se considerar vários aspectos. Comecemos pelo Novo Testamento, com o texto de Lucas 4. Afinal, há quem possa ter a impressão de que anseios concretos como os de “reforma agrária” não caberiam na proclamação de Jesus. É importante perceber a concretude de seu evangelho, de seu sentido em favor de alimento e de terra para o povo de Deus. As palavras do capítulo 4 são centrais no evangelho de Jesus em Lucas (veja também o Magnificat de Maria em Lucas 1.46-55). O ano aceitável — Lucas 4.16-30 Na verdade, esse texto de Lucas se baseia especificamente em Isaías 61.1-4, mas situa-se também no âmbito de Levítico 25. Particularmente interessa o versículo 19, que se refere claramente ao Jubileu: “E jubileu da terra — ultimato

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apregoar o ano aceitável do Senhor”. Essa é, à luz do verso 18, a última e decisiva tarefa messiânica. Esse “ano aceitável” celebra o direito de todas as pessoas aos bens sociais, em especial à terra. Vida digna tem a ver com acesso à terra; sem terra a vida se desumaniza. A tragédia brasileira de milhões de pessoas sem nada é a da terra de poucos; 500 anos de vida sem chão sob os pés resultam na tristeza de nossas favelas e malocas. Deus nos dá o ano da graça! Abre portões e apodrece cercas! O ano da graça é a bem-aventurança suprema (v. 18). Quatro detalhes o realçam: dois afloram por palavras Quadro de Hyatt Moore (In The Image of God, Wycliffe Bible Translators) e dois, por atos, o que, em sentido bíblico, são dois lados do mesmo. Esse ano da graça se faz evangelizando e proclamando. Pobres são evangelizados, pois na graça sua desgraça se desfaz. Aos cativos será proclamada libertação! Cada um desses propósitos é mais lindo que o outro em seu afim de nova vida. O ano da graça se faz também na “restauração da vista” e na “libertação dos cativos”. Esse ano da graça vale a pena, porque suas palavras são maravilhosas e suas ações libertadoras são encanto, são “palavras de graça” (v. 22). A profecia já o dizia. Por toda a Bíblia o lemos. Nos Salmos o rezamos. A sabedoria bíblica o incute. Pois sem lugar para viúvas e oprimidos não há povo que seja de Deus. Isaías 61 é apenas um dos textos que o confirmam. Todo o livro de Isaías grita-o aos quatro ventos: criancinhas, viúvas e pobres são “meu povo” (3.15); e “o escravo” é seu sinal, presença de Deus (42.1-4; 52-53). Sim, a própria esperança tem sua raiz nas frágeis crianças, “maravilhas” do Senhor (8.16-18; veja também 7.10-17; 9.1-6; 11.1-5). Isaías 61 constitui povo em meio ao dilaceramento, a um exílio que a todos tornara um vale de ossos secos 6

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(Ezequiel), escravos de rostos golpeados, feridos, torturados (Isaías 40-55), natureza sem vida (Lamentações). É daí que emerge o povo novo, saído de escombros e canseiras (Isaías 40). Não há como não ler esse Isaías, passado pelo exílio na Babilônia, sem nossa própria história. Afinal, não raro achamos mais aprazível viver de costas para nossas “veias abertas”. Sonhar com as “Europas” é mais educado e alegra nossos corações. Nossas chagas são demasiadas e como que sem solução. Índias e negras ainda choram seus lamentos. Não é boa a América Latina e Caribenha. E eis aqui o alento da graça! Os corpos ungidos e coroados, libertos, serão chamados “carvalhos da justiça” (Is 61.3). A profecia impulsiona o sonho por uma nova criação. A vida se recria a partir da vivência e prática da justiça, e, a partir dessa justiça, as pessoas são recolocadas na teia das relações sociais. Os jardins da justiça são o lugar onde se inserem as novas criaturas. A terra do “ano aceitável” — do Jubileu — anseia por corpos com saúde, por roças acessíveis a toda gente, por povos sem divisões, como explicam Lucas 4.20-30. A terra precisa voltar O trecho de Levítico 25.8-55 é longo e diversificado. Por isso, observá-lo por partes facilita a percepção de algumas de suas peculiaridades: v. 8-12; v. 13-19; v. 20-24; v.25-28; v. 29-34; v. 35-38; v. 39-46; v. 47-54; v. 55. Nos comentários a seguir, dá-se preferência a alguns aspectos das subdivisões. A matriz do texto: liberdade e terra andam de mãos dadas — v.8-12 ESTES SÃO VERSÍCULOS fundamentais destas orientações, de seus mandamentos e de suas proibições. São, por assim dizer, a matriz de origem do que segue. De acordo com o verso12b, “o produto do campo” destina-se a “vós”. Aí há que lembrar que no sétimo ano, no quadragésimo nono ano, pois, já tivemos um “ano de descanso”, quando os produtos ficaram destinados, principalmente, aos animais e aos empobrecidos (v. 6-7). Não se estranhe, pois, que agora, no ano subseqüente (qüinquagésimo ano), os produtos crescidos por conta própria sejam de “vós”, sem que haja definição maior. Contudo, neste particular o verso 11 tende a ser mais restritivo, excluindo esses mesmos “vós” da colheita. Em todo caso, o mais relevante está no verso 10, segundo o qual no qüinquagésimo ano “proclamareis liberdade na terra”, quando “tornareis cada um à sua possessão, e cada um à sua família”. Esse é o ano do Jubileu: da volta à terra e à família! Da volta à terra e à família nascerá a liberdade. Liberdade e terra andam de mãos dadas. Sem o chão não há caminho próprio. Cada qual, voltando à origem de sua família, estará regressando às terras originárias da família, onde encontrará a terra em liberdade, desocupada de quem a tenha “adquirido” até a chegada do ano do Jubileu.


Detalhamentos: a terra não tem preço, só empréstimo — v.13-19 ESSES VERSÍCULOS JÁ entram em detalhamentos. O assunto é o que se vende ou se compra ao vender ou comprar uma “possessão”. Pois, afinal, ao se vender, vende-se a possessão, não a terra, que não há como ser vendida (1 Rs 21). A compra de uma terra, a rigor, é a compra do direito de plantio e de uso da terra até o próximo Jubileu: à venda somente está, pois, “o número dos anos das messes” (v. 16). Nesse caso, oprimir o próximo seria desconsiderar essa norma. Trata-se de uma cessão por tempo, por no máximo cinqüenta anos. Logo, o preço varia de acordo com esse tempo de cessão e não é relativo à terra, de acordo com o mercado, como acontece hoje. Pois terra não tem preço, já que é dom, dádiva de Deus, que libertou seu povo do Egito (Js 1-11, 12-24); logo, não tem preço, só empréstimo. Para que a terra não seja feita mercadoria, para que possa ser cedida, porém não vendida, é preciso observar “leis” e “direitos” (v. 18). Aí, sim, se pode “habitar” na terra (v. 19). Tais promessas condicionadas pressupõem o exílio de Judá, a partir de 587 antes de Cristo. Explicam também por que Judá e Israel perderam suas terras e foram deportados ao exílio e submetidos a trabalhos forçados na Assíria e na Babilônia: porque não se ativeram às “leis” em prol dos indefesos e aos “direitos” do povo. Quando a terra foi feita mercadoria, quando os pobres dela foram roubados, começou o fim, o exílio, a deportação. Por isso, agora, no exílio e no pós-exílio, faz-se necessário começar de novo, retomando as antigas tradições de que terra não é mercadoria, de que ela não tem preço. Superando os argumentos racionais de medo da lei — v. 20-24 NÃO FALTARÁ ALIMENTO PARA aquele que cumprir a lei do ano do Jubileu, ainda que ele observe o ano sabático (o sétimo ano), resultando assim em dois anos seguidos de celebração de descanso. Essa é a clara ênfase dos versículos. O texto quer superar as argumentações racionais de medo da lei, de que a própria observância da lei possa resultar em fome. Ele vai apresentando uma brilhante formulação teológica cujo objetivo é afastar quaisquer inseguranças de parte da população. A espiritualidade é a que se propõe superar em uma tese aguda quaisquer incertezas. É o que se lê no verso 23: “Também a terra não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós sois para mim estrangeiros e peregrinos”. À luz dos versículos anteriores, a rigor se diria que a terra é da família, da herança (veja 1 Reis 21). Justamente por isso é que não pode ser vendida, considerando-se também que na roça ficam a sepultura dos antepassados (veja Gênesis 23). Esse é, por assim dizer, o argumento mais antigo em relação à terra como bem familiar. Aqui, no verso 23, temos um argumento mais teológico e recente: não se pode vender a terra porque ela é doação de Deus.

À luz do êxodo, a terra foi “dada” ao povo. Deus Javé, como doador, é também seu dono, eternamente. Por isso não cabe preço ao solo, já que uma doação não pode ser repassada em contrato de compra e venda. Assim, Israel é feito, em termos mais teológicos que sociais, “estrangeiro” (não “estranho”!) e “peregrino” na própria terra. Por ser “possessão”, é como se fosse de “peregrino”! Eis o sentido da terra. A remissão da terra — v. 25-28 AGORA O ENFOQUE MUDA novamente: trata-se da remissão da terra (veja Deuteronômio 15). Já foi mencionado que as subdivisões passam a assumir conteúdos próprios, vinculados ao Jubileu, mas que, a rigor, têm suas próprias ênfases. Nos versículos 13-19 e 2024 foi assim. Agora, nos versos 25-28, acontece o mesmo. O eixo central permanece, de certo modo, o Jubileu, mas o que a ele se agrupa não tem relação originária com ele. Os versículos 25-28 tratam do caso de “irmãos” empobrecidos que tenham de pôr à venda suas possessões ou algo delas e da função do resgatador, um parente seu (v. 25) que faça o resgate, caso suas condições lhe permitam (v. 26-27). De todo modo, todas as possessões sobre as quais recaiam dívidas serão resgatadas. Isso pode ocorrer por meio daquele que tiver direito à possessão, ou de outra pessoa, ou, enfim, por meio do próprio ano do Jubileu — no qüinquagésimo ano acontece a libertação da terra. Nenhuma terra permanecerá, pois, alienada para sempre em Israel. Há que considerar que o resgate de dívidas que pesassem sobre a terra era uma instituição, em si, específica. O resgate não se aplicava apenas a questões de terra, se bem que aí ele tivesse seu sentido peculiar. Aqui, esse assunto é associado ao tema da terra, porque a ele pertence, assinalando os diversos costumes e direitos que defendem a terra sob controle do Javé exodal e do tribalismo, cuja instituição central é a terra na mão de quem a trabalha. A remissão das casas — v. 29-34 AQUI TAMBÉM SE TRATA de resgate, mas o ângulo é outro. Estão em questão as casas, sob dois enfoques: as casas nas aldeias e as casas em cidades com muro. Casas em aldeias, onde justamente moravam os camponeses, também fazem parte da lei do resgate (v. 31). Após cinqüenta anos retornam a seus “proprietários” originais. O mesmo vale para as casas dos levitas (v. 32-34), seja em aldeias, seja em cidades muradas. Portanto, a grande maioria das casas é excluída da venda perpétua. Somente casas em cidades com muros podem ser vendidas após um ano de desocupação (v. 29-30). Há que considerar que na época cerca de 90% da população vivia em aldeias. Basicamente, as casas são vistas à luz dos costumes e interesses do campo. Aliás, a ótica camponesa é a que prevalece no capítulo 25, o que se percebe, por exemplo, nos versículos em questão. Em geral, as casas, mesmo as jubileu da terra — ultimato

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de centros urbanos, são submetidas às condições rurais. E os levitas são focalizados na perspectiva de sua pertença ao campesinato. Pensa-se, pois, o ano do Jubileu como senso de costumes rurais, de jurisprudência aldeã.

bíblica. Há que lembrar que a Guerra dos Macabeus, em 176 antes de Cristo, ou mais tarde a Guerra dos Zelotes, de 66 até 70 depois de Cristo, foram, por excelência, levantes antiescravagistas. O horror à escravidão já está formulado em um trecho como o dos versos 39-42.)

O sustento de pessoas empobrecidas — v. 35-38 ESSES VERSÍCULOS tratam de pessoas empobrecidas que têm de ser sustentadas. Tem-se a impressão de que refere-se não apenas a pessoas empobrecidas pela violência da opressão e espoliação (veja Amós), mas também a gente golpeada por doenças e incapacidade para o trabalho. De acordo com o verso 35, “sua mão” está decaída. Essa “mão” pode ser a própria vida, porém é mais provável que seja, mais especificamente, as forças de vida da pessoa. Ao dar-lhe ou emprestar-lhe alimento, não há que esperar que ela o devolva (v. 36-37). Também não se podem cobrar juros (v. 36-37), o que, aliás, aplica-se a qualquer irmão (Dt 15.1-11). Por fim, o trecho insiste em considerar tais irmãos empobrecidos na lógica da história da salvação. No Egito, Deus escolhera os mais empobrecidos, os próprios escravos (v. 38). Acima, no verso 36b, o argumento provém do “temor a Deus”, do seguir a ele. Pela quantidade e variedade de argumentos, percebe-se quão aguda era a situação desses “irmãos empobrecidos”. Essas são condições pós-exílicas, semelhantes àquelas encontradas em Lamentações ou em Ageu.

Os escravos estrangeiros em Israel — v. 47-54 COM RELAÇÃO AO TEMA da escravidão é preciso entender que esta refere-se àquela pessoa que tenha sido vendida como escrava a um “estrangeiro ou peregrino” que vive em Israel. Nos versículos 44-46, nota-se uma situação mais ou menos inversa: a escravidão de pessoas vindas das nações. Nesse sentido, os versos 47-54 completam os versos anteriores. A diferença está em que as pessoas (escravizadas) nos versos 44-46 não tenham em comum com os filhos de Israel e Judá a mesma terra, mas terras distintas. Já os “estrangeiros e peregrinos”, nos versículos 47-54, estão escravizando “teu irmão” em terra dada por Deus. Em terra dada por Javé libertador as leis são diferentes daquelas em terras das nações. Nas terras dadas aos ex-escravos libertos da casa da escravidão no Egito não pode haver escravos nem escravas! O “irmão” em mãos de estrangeiro pode ser resgatado (v. 48-49), e o resgate pode dar-se em qualquer momento nos anos anteriores ao do Jubileu ou, ao mais tardar, naquele “ano da graça” (v. 54). O “estrangeiro” fica, pois, submetido às leis de Israel ao morar nas terras do povo de Deus. Esse terá sido um motivo de não poucos conflitos, considerando que naqueles tempos Judá não passava de uma província persa.

A terra precisa estar livre, e as pessoas também — v. 39-46 O “IRMÃO EMPOBRECIDO” (v. 34-38) tende a tornar-se “escravo” (v. 39-46), no caso de seu nível de espoliação e expropriação ser aumentado (v. 39). O escravo é o assunto desta subdivisão, cuja parte final (v. 44-46) trata do escravo estrangeiro. É permitido que se tenha tal escravo em perpetuidade. Contudo, muito poucos terão sido os homens ricos em Judá que tinham tais escravos em tempos pósexílicos, pois a grande maioria do povo de Deus era muito pobre e dependente. O problema maior, aos olhos do povo (veja Neemias 5), era a pobreza e a escravização, que estão em foco nos versos 39-42. É preciso atentar para o verso 42, semelhante ao 36a. A escravidão vivida no Egito e a libertação dela são, novamente, padrões de argumentação em favor do escravo irmão. O “irmão empobrecido” não pode ser chamado de “escravo” (v. 39), mas é “jornaleiro e peregrino” (v. 40), ainda que sua realidade seja a de pessoa até cinqüenta anos a serviço de seu credor (portanto, um “escravo”). Esse “jornaleiro” ou “escravo” retornará à sua possessão no qüinquagésimo ano. Percebe-se nessa parte do capítulo 25 de Levítico o quanto se deseja evitar a escravidão no meio do povo de Deus. A terra precisa estar livre, mas na mesma intensidade também as pessoas. (Em Êxodo 21.1-11 ainda não se percebia essa ênfase cada vez mais antiescravagista da memória

A assinatura final: “Eu sou o Senhor, vosso Deus” — v. 55 ESTE VERSÍCULO PODERIA agregar-se somente à última subdivisão dos versos 47-54. Mas parece que sua função vai além em relação ao que vem imediatamente antes. Ele tem o capítulo 25 como um todo em sua perspectiva. “Eu sou o Senhor, vosso Deus” equivale a uma assinatura final. O que nesse capítulo 25 de Levítico se diz em favor das pessoas, dos escravos e das escravas, e dos animais brota da fé em Javé, o Deus de Israel. Esse Deus, Javé, e os cuidados com irmãos e irmãs são confluentes. Em Deus Javé é preciso passar a viver nas perspectivas da liberdade, do fim do acúmulo da terra e do fim da escravidão. Além disso, “os filhos de Israel” têm relação especial com o Senhor Javé: são-lhe “escravos”. É interessante que em um texto como o de Levítico 25 se conclua realçando a relação de “escravidão” com “Eu Sou”. O ser de Deus nos tira da escravidão, fazendo-nos seus escravos e escravas, adoradores somente dele, de seus caminhos de libertação e de liberdade. É nesse sentido, de adoradores exclusivos do Deus da libertação, que somos escravos dignos, porque pessoas livres.

NÃO SE PODE VENDER A TERRA PORQUE ELA É DOAÇÃO DE DEUS

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Milton Schwantes, pastor luterano, é especialista em Antigo Testamento e leciona na Faculdade Metodista de São Bernardo do Campo, SP. É casado e tem três filhos.


CARTA DA LIBERDADE: JUBILEU DA TERRA AOS 15 DIAS DO MÊS DE DEZEMBRO DE 2004, REPRESENTANTES DE VÁRIAS ORGANIZAÇÕES CRISTÃS, DE DIVERSAS DENOMINAÇÕES RELIGIOSAS EVANGÉLICAS, REUNIRAM-SE NO BAIRRO LIBERDADE, EM SÃO PAULO, SOB A COORDENAÇÃO E INICIATIVA DA VISÃO MUNDIAL.*

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iscutimos sobre meios e estratégias que possam permitir uma constante e efetiva participação dos evangélicos na proteção ambiental no Brasil, assolado com a progressiva degradação do meio ambiente a que assistimos. Essas ações serão chamadas de Jubileu da Terra. Reconhecemos nossa inexpressiva e desarticulada atuação na questão ambiental do país. É nossa responsabilidade contribuir para a solução de tão sério problema, tanto pelos plenos direitos de exercício da cidadania, quanto pelo dever de cumprir o mandato cultural de servirmos na terra como administradores de Deus, preservando o ambiente e todos os seus recursos naturais. Temos um potencial de técnicos, educadores, simpatizantes etc., além de grupos já envolvidos direta e indiretamente com a questão ambiental. Reconhecemos que o assunto é de alta complexidade, que muitos danos ambientais ocorridos e em progresso no Brasil são irreversíveis e que esses problemas têm assumido conseqüências mais drásticas nos países em desenvolvimento, com sérios prejuízos à saúde das populações.

Reconhecemos a necessidade de uma visão integral do problema, principalmente no que diz respeito à rígida observação das políticas públicas e das desigualdades sociais. Acreditamos em nossa capacidade de mobilização e conscientização em âmbito nacional, como contribuição em um tema de tamanha importância. Essa contribuição poderá ser efetivada de várias formas: com o uso dos mecanismos de mobilização e conscientização por meio da mídia nacional e dos recursos didáticos disponíveis; por meio da proposta (aos governos) de modelos apropriados de gerenciamento técnico; e, finalmente, por meio de medidas locais que permitam o resgate da cidadania e a inclusão social nas áreas e nos aglomerados populacionais de baixa renda. Paralelamente a essas ações, seriam criados fóruns permanentes de debates por meio de publicação específica, oficinas temáticas, seminários, congressos etc. Como um movimento que visa contribuir com a igreja e o país, o grupo terá caráter interdenominacional. Marcello Casal Jr. — ABr

* A Visão Mundial é uma ONG humanitária cristã que, há mais de cinqüenta anos, atua em mais de noventa países, assistindo a cerca de 1,5 milhão de crianças e adolescentes.

EXPEDIENTE O SUPLEMENTO JUBILEU DA TERRA É UMA REALIZAÇÃO DA VISÃO MUNDIAL E DO CLAI – CONSELHO LATINO-AMERICANO DE IGREJAS, EM PARCEIRA COM A ROCHA BRASIL, ICEC – INSTITUTO CRISTÃO DE ESTUDOS CONTEMPORÂNEOS, MEP – MOVIMENTO EVANGÉLICO PROGRESSISTA E SBB – SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL. TIRAGEM: 45.000 EXEMPLARES (35.000 ENCARTADOS NA EDIÇÃO 294 (MAIO-JUNHO 2004) DA REVISTA ULTIMATO E 10.000 DISTRIBUÍDOS PELAS ORGANIZAÇÕES PARCEIRAS) Os desenhos que ilustram as páginas 2, 4, 10, 12 e 15, da autoria de Christina Balit, foram retirados da Bíblia para Crianças, com autorização da Editora Sinodal.

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POBREZA

O poder tóxico da desigualdade Alexandre Brasil Fonseca

sociedade capitalista a coisificação da natureza e das pessoas. Tudo tem seu preço e é preciso obter sempre o maior lucro. pobreza é um problema para a sociedade e No livro A Grande Transformação, Karl Polanyi fala para a natureza em geral. Em vários sobre o estabelecimento do capitalismo na Europa e gasta bolsões do mundo temos prejuízos um bom número de páginas naquilo que define como decorrentes da falta de saneamento ou do “mercadorias fictícias”. Com o advento do regime recolhimento inadequado do lixo. Logo, econômico, que hoje é praticamente o único no mundo — parte da postura de preservação do meio curiosamente numa época em que se defende o pluralismo ambiente passa, necessariamente, pelo para tudo, menos para a gestão econômica —, as pessoas e combate à pobreza. as terras se tornaram elementos que podem gerar riqueza. A preocupação com a preservação da natureza é Porém, com o tempo, os próprios empresários perceberam realidade para poucos, o que torna difícil imaginar-se um a fraqueza dessas mercadorias, ora com o esgotamento da movimento abrangente, que inclua aqueles que não têm terra, ora com a morte dos empregados. Foi nesse terrível condições mínimas de sobrevivência. Em contextos de contexto social que se desenvolveu a miséria, desestruturação familiar e estrutura de bem-estar social, uma resposta violência, falar de ecologia não passa de à degradação vivida na sociedade do século um luxo ou devaneio. 19. Para o diretor-executivo do Programa Em relação ao ser humano foram criadas ENTRE OS das Nações Unidas para o Meio uma série de leis de proteção social que Ambiente, Klaus Toepfer, “o elemento POBRES, AS regularam o tempo de serviço e garantiram mais tóxico para o meio ambiente é a DOENÇAS elementos mínimos para que fosse possível a pobreza”. Diante dessa constatação, a INFECCIOSAS, reprodução do trabalho. Em relação às terras solução sugerida pelos organismos MUITAS também foram criadas leis que passaram a internacionais seria o combate à regular o seu uso. Nessas questões tem-se de CAUSADAS PELA pobreza por meio do desenvolvimento, forma recorrente novas propostas e avanços graças ao incremento do comércio entre MÁ QUALIDADE que visam garantir a preservação dessas as nações. DA ÁGUA, duas “mercadorias fictícias”, as quais são Tudo poderia transcorrer nessa linha MATAM DUAS alvo da ganância e do desejo de de argumentação que, ao mesmo tempo enriquecimento de alguns. VEZES MAIS DO que fica indignada com a pobreza, exige Nessa luta, a questão ecológica é a que uma postura responsável para com toda QUE O CÂNCER mais tem avançado graças à mobilização de a criação de Deus. Porém, se optasse por vários setores da sociedade e às propostas de esse caminho, este não seria um artigo regulação que têm sido debatidas em completo e honesto. conferências internacionais como a Rio 92 O principal elemento tóxico não é a pobreza, mas sim a ou a Rio +10. Outro passo importante foi o estabelecimento riqueza e a busca desenfreada pelo maior lucro possível. do Protocolo de Kyoto, que propõe uma série de avanços e Eu diria que é exatamente nessa imbricação entre pobreza que não contou com a adesão dos Estados Unidos. A nação e riqueza que mais perdemos. A desigualdade, que a cada que mais danos traz ao meio ambiente se nega a assinar o dia avança no mundo, salienta as diferenças entre os acordo. gêneros, as etnias, os ricos e os pobres. O modo de vida que O artigo “As raízes históricas de nossa crise ecológica”, escolhemos, fruto do afastamento do ser humano de Deus, do historiador Lynn White Júnior, publicado em 1967 pela tem por princípio a exclusão do outro e assume na

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revista Science, motivou o pensador cristão Francis Schaeffer a escrever o livro Poluição e a Morte do Homem – uma perspectiva cristã da ecologia, lançado em 1970. A discussão proposta parte de uma afirmação do historiador: “A atitude das pessoas para com a ecologia depende do que pensam de si mesmas em relação a tudo que as rodeia. A ecologia humana está profundamente condicionada ao que cremos acerca de nossa natureza e destino, isto é, à religião”. Nessa linha de raciocínio, o autor argumenta que a “visão ortodoxa” do cristianismo dissemina a compreensão de que o homem deve dominar a natureza, o que cria condições para a destruição humana. O que devemos considerar é que o texto bíblico define a relação do homem com a natureza a partir da lógica do mandato cultural. É nosso dever cuidar da criação dentro da perspectiva da mordomia. Embora possamos identificar certos momentos da história em que o cristianismo tenha contribuído para a degradação do meio ambiente, hoje não cabe uma associação entre ele e a destruição da natureza. Voltemos ao fato de Lynn White Jr. ter acertado em sua argumentação sobre o papel das crenças e dos valores no dia-a-dia da sociedade. Esse é um elemento central que precisamos considerar em nossas ações e discussões. Nessa direção, percebemos que a questão ecológica tem no capitalismo – e em sua lógica de riqueza a qualquer custo – o seu principal opositor. Os recursos naturais não são suficientes para se manter o nível de consumo vigente entre os mais ricos do mundo. A atual situação só é possível graças à desigualdade social, pois, se todos tivessem o padrão de consumo de combustível, alimentação ou energia elétrica existente em boa parte dos lares americanos, o mundo já teria entrado em colapso. É preciso esclarecer que, nestes anos de globalização, para que a tão aclamada “América” exista também é preciso que tenhamos o continente africano. Em outro registro, Ipanema não se sustentaria se não existisse a Rocinha. Essa é a dinâmica que sustenta este mundo injusto e cada vez mais desigual. Em meio a essa realidade o meio ambiente padece, seja pela ausência de pobres, seja pelo excesso de ricos. Entre os pobres, as doenças infecciosas, muitas causadas pela má qualidade da água, matam duas vezes mais do que o câncer. No Brasil apenas 60% do lixo coletado tem tratamento adequado e somente 35% do que é captado pelo sistema de saneamento é tratado. Já entre a minoria rica há uma crescente concentração de bens e capital. Além disso, por exemplo, apesar de os Estados Unidos possuírem menos de 5% da população mundial, lá se consome 26% do petróleo, 35% do carvão mineral e 27% do gás natural mundial. E as conseqüências disso recaem sobre os países pobres, mais vulneráveis às mudanças

climáticas que ocorrem no globo devido a fenômenos como o efeito estufa. Se é certo que a pobreza traz danos ao meio ambiente, também são gritantes os problemas que os excessos dos mais ricos representam para a natureza. Estamos diante de uma iminente crise no abastecimento de água e precisamos de uma postura distinta da lógica capitalista quando se trata dos recursos do planeta. Ao clamarmos pela vinda do reino de Deus, somos chamados a uma postura de mordomia, de misericórdia e de solidariedade para com o próximo e a criação.

Alexandre Brasil Fonseca é sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Participa da Secretaria Executiva da ABUB e da Coordenação Nacional do FALE — Unindo Vozes pela Justiça.

Compassion Internacional

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ESPIRITUALIDADE

“Voltar ao passado é progredir” Os cristãos celtas e um modelo de espiritualidade centrado na criação Carlos Caldas

diretamente aos propósitos desta breve reflexão: um modelo de espiritualidade centrado na criação. Os celtas desenvolveram uma teologia que enfatizava oltar ao passado é progredir” — esta uma visão de Deus como Senhor da criação. Ainda que não expressão, que tem se tornado proverbial, haja nada de original nesta perspectiva — os cristãos celtas revela algumas vezes profunda verdade: não foram os inventores desta teologia —, não se pode em determinadas situações, por mais deixar de mencionar que há diversas implicações práticas estranho que pareça, voltar ao passado dessa visão. Uma dessas conseqüências é exatamente ter significa progresso, não retrocesso. É o uma atitude constante de júbilo e regozijo na criação, que caso da vivência da espiritualidade a revela Deus. Como os celtas eram um povo com forte partir do modelo do cristianismo celta inclinação à poesia, produziram muitas poesias antigo. Diante de tal afirmativa, alguém poderia pensar: comoventes, louvando a Deus pela obra da criação. Um “mas o que cristãos do século 21 poderiam aprender com poema datado do século nono, escrito na antiga língua do cristãos que viveram em pleno período medieval?” País de Gales, tem início com as seguintes palavras: Certamente o cristianismo contemporâneo tem a aprender Todo Poderoso Criador, que fizeste com o cristianismo celta, entre muitas todas as coisas; outras possibilidades, também no que diz O mundo não pode expressar toda a respeito a uma vivência da espiritualidade tua glória, em harmonia com a natureza, entendida DOS CRISTÃOS Ainda que a grama e as árvores como criação de Deus. CELTAS possam cantar. O cristianismo conhecido como “celta” MEDIEVAIS floresceu na Irlanda, na Escócia, no País de Outro poema escrito no século oitavo, Gales e mesmo em partes da Inglaterra, APRENDEMOS na antiga língua irlandesa, declara: grosso modo, do quarto ao décimo séculos. A TER UMA Somente um tolo não seria capaz de São conhecidos os nomes de missionários louvar a Deus pelo seu poder, ESPIRITUALIDADE celtas como Patrício, Columba e Quando as pequeninas aves incapazes de QUE NÃO É Columbano, que evangelizaram o norte das pensar Ilhas Britânicas e vastas partes do DESCOLADA O louvam com seu vôo.1 continente europeu. Mas o cristianismo NEM Estes versos expressam o lugar de celta floresceu, humanamente falando, não DESLOCADA destaque que a natureza ocupava na apenas devido ao trabalho dos missionários DA CRIAÇÃO maneira como os cristãos celtas antigos mais conhecidos, mas também devido ao viam a vida e pensavam sua relação com esforço de incontáveis anônimos, pessoas Deus. A visão da criação como reveladora sinceras em sua fé, que viviam o de Deus está profundamente enraizada na cristianismo com “alegria e singeleza de Bíblia. Os fragmentos poéticos citados coração”. Foi um cristianismo que revelam influência de textos bíblicos como Salmos 98.7-8 desenvolveu características próprias, que o tornavam ou Isaías 55.12. De fato, muito da poesia e das orações distinto do cristianismo de inspiração romana que daqueles cristãos denotam influência da visão bíblica a florescia na Europa continental no mesmo período. O respeito da natureza. Textos como o de Salmos 19.1eram cristianismo celta tinha muitas características notáveis. particularmente queridos pelos cristãos celtas. Para eles, o Entre tantas, destaca-se aqui apenas a que interessa

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Talvez alguns desses relatos sejam exagerados, mas mesmo assim deixam claro que eles levavam a sério, no sentido literal, a expressão “não fazer mal a uma mosca”. Columbano, por exemplo, chegou a afirmar: “Entenda a criação se desejas conhecer o Criador... pois aqueles que desejam conhecer as grandes profundidades precisam primeiro perceber o mundo natural”. Ian Bradley, professor de teologia prática e história da Igreja na Faculdade de Teologia da Universidade de Saint Andrews, na Escócia, afirma que esses relatos demonstram que os celtas se relacionavam com os animais no mesmo estilo de Jesus. Marcos afirma que Jesus estava com animais selvagens no deserto, mas eles não o feriam (não há como ler Marcos 1.13 e não se lembrar de passagens como Gênesis 2 ou Isaías 11.6-8). Neste sentido, o cristianismo celta antecipa em séculos uma ênfase que só viria ser encontrada em Francisco de Assis, tido em nossos dias como “patrono” do movimento ecológico. Bradley afirma também que há comprovação de que Francisco visitou uma comunidade monástica em Bobbio, na Itália. Essa comunidade (assim como outras nas vizinhanças de Assis) fora fundada pelo próprio Columbano. Bradley defende a teoria de que, nesses mosteiros de origem irlandesa, Francisco aprendeu o amor à natureza, que o tornou tão conhecido. Portanto, dos cristãos celtas medievais podemos aprender a ver a natureza com espírito de alegria, gratidão e louvor a Deus. Aprendemos com eles a ter uma espiritualidade que não é descolada nem deslocada da criação. “Voltar ao passado é progredir”; no que diz respeito à prática da espiritualidade centrada na criação, este provérbio é absolutamente verdadeiro e necessário para o nosso tempo. The Slide File / Celtic Saints, The Pitkin Guide

mundo criado é uma teofania, isto é, uma manifestação de Deus. Nesse sentido, deve-se observar que os celtas contrastavam com os cristãos do mesmo período na Europa continental — enquanto estes tinham sua vivência de espiritualidade na escuridão de seus conventos, aqueles viviam uma espiritualidade ao ar livre, em meio à natureza. Não se importavam com o frio tão característico das Ilhas Britânicas! Antes, regozijavam-se no Senhor pelo cenário de deslumbrantes belezas naturais daquelas ilhas. No continente europeu prevaleceu uma visão influenciada pela antiga filosofia platônica, que via as coisas materiais como sendo inferiores às espirituais — nada mais distante do pensamento celta! Aliás, nada mais distante do pensamento bíblico! Outro aspecto admirável da teologia desenvolvida pelos cristãos celtas é a sua concepção da soteriologia, isto é, da doutrina da salvação. Eles criam firmemente em Jesus Cristo, o Filho de Deus, que morreu na cruz para a salvação e libertação de todo aquele que crer. A cruz celta, que era esculpida em pedra, tornou-se uma figura conhecida em praticamente todo o mundo. As características básicas da cruz celta são: ter o braço horizontal tão largo quanto a sua base vertical, e ser circundada por um círculo, que provavelmente representa uma visão unificada das obras da criação e da redenção. Há também o aspecto de que tanto o poste como a trave da cruz celta são marcados por figuras esculpidas. Em muitas dessas cruzes há representações de animais. Desse modo, aqueles cristãos representavam esteticamente sua leitura de Romanos 8.19-23, que afirma a globalidade da obra de Cristo Jesus na cruz. Tal obra tem efeitos salvíficos para o povo de Deus e para o restante da obra das mãos de Deus, suas criaturas não-humanas. Os cristãos celtas demonstravam, dessa maneira, uma sofisticada teologia, holística em sua maneira de encarar a criação e a redenção. Assim, o cristão celta da Idade Média ficaria horrorizado se pudesse viajar no tempo e ver a destruição desenfreada da natureza que acontece em nosso tempo. Há relatos documentais impressionantes de antigos santos celtas que tinham um relacionamento todo especial com os animais, criaturas não-humanas de Deus.

Nota 1. Os versos citados e as referências a Bradley foram extraídos do livro The Celtic Way, de Ian Bradley (London: Darton, Longman & Todd, 2003).

Carlos Caldas é pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil. Leciona na Escola Superior de Teologia e no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo.

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A ROCHA BRASIL – Associação Cristã de Pesquisa e Conservação do Meio Ambiente Hernani Ramos

em relação à degradação do meio ambiente, cristãos ao redor do mundo, cada vez mais, se apegam à idéia de que o ambiente também faz parte da nossa responsabilidade, como mordomos, no cuidado da criação de Deus. Há mais de 20 anos, tendo em mente essa base de trabalho, um grupo de pesquisadores cristãos, sensibilizados pela causa ambiental, iniciou um projeto chamado A Rocha. Esse projeto pode ser melhor conhecido por meio do livro A Rocha — uma comunidade evangélica lutando pela conservação do meio ambiente (ABU Editora), escrito por Peter Harris, que conta a história da fundação da primeira base de campo do projeto, Cruzinha, localizada na região do Algarve, em Portugal. No prefácio, John Stott atenta para a responsabilidade ambiental do cristão. Segundo ele, “nós não podemos amar e servir verdadeiramente ao nosso próximo se estivermos ao mesmo tempo destruindo o meio ambiente no qual ele vive, sendo coniventes com a destruição deste ou até mesmo ignorando as circunstâncias ambientais esgotadas nas quais tantas pessoas são obrigadas a viver. Assim como Jesus Cristo se encarnou a fim de entrar em nosso mundo, também a missão verdadeiramente encarnada implica entrar no mundo das outras pessoas, inclusive no mundo da sua realidade social e ambiental”. Os projetos A Rocha são desenvolvidos com base em cinco compromissos:

2. de conservação, baseado na investigação, planejamento e execução de projetos científicos; 3. de comunidade, pois é fundamental relacionar-se com Deus, uns com os outros e com toda a criação, bem como envolver as comunidades locais nesse processo e buscar nós mesmos sermos bons exemplos de comunidades; 4. transcultural, pois nenhuma cultura apresenta todas as soluções para os problemas ambientais; por isso a necessidade de compartilhar idéias e práticas entre países e culturas distintas; 5. de cooperação, pois é fundamental somar os esforços, trabalhar em rede e estabelecer parcerias com outras organizações e indivíduos que partilham dos objetivos ambientais, independentemente de suas crenças, pois nisso também consiste a missão evangelística. Os projetos A Rocha estão presentes em quinze países. No Brasil, está em processo a fundação de um novo ramo, e nossa expectativa é a implementação de alguns centros de pesquisa a partir da primeira unidade, que servirá como referência nacional, assim como Cruzinha é referência internacional. Em nosso projeto nacional elegemos a cidade de São Paulo para dar início a toda essa jornada. Nossa oração é que o Senhor nos ajude a fundar primeiramente um escritório que servirá de apoio para os aspectos logísticos e administrativos de nossas pesquisas e para as ações práticas de conservação e de educação ambiental. Os processos diretivos da organização e as reuniões do comitê são sempre acompanhados de orações e de alguma reflexão bíblica. As reuniões são abertas a todos os interessados em conhecer, se envolver ou se associar ao projeto A Rocha Brasil.

1. cristão, pois cremos na revelação bíblica de que Deus criou e ama o mundo;

Hernani Ramos é médico veterinário em São Paulo.

COM A CRESCENTE PREOCUPAÇÃO MUNDIAL

A ROCHA BRASIL www.arocha.org E-mail: a_rocha_brasil@yahoo.com.br Telefone: 11 9836-2420

Equipe de base de Cruzinha, em Portugal

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Geoutopia (O Sonho da Terra) Certo de que não é vã a resistência Arara, numa noite calma meus pensamentos tomaram formas e as mãos registraram o sonho da terra nesta terra de sonhos, nesta geoutopia. Verde-espaço Verde-encantado Verde-em-contato Com O azul Sideral

JÁ QUE É PASTOR E TAMBÉM ORNITÓLOGO, o inglês Peter Harris fundou um centro de pesquisa de campo em Portugal para promover a conservação ambiental e o evangelismo. Este livro é a história dos últimos nove anos que ele, sua esposa, Miranda, e seus quatro filhos passaram no Algarve, contada com modéstia, paixão e graça e intercalada com profundas reflexões teológicas com respeito à questão ambiental. O envolvimento ecológico pode ser apropriadamente incluído sob a bandeira da “missão”? Não só pode, como deve. Afinal, missão abrange tudo o que Cristo manda o seu povo fazer no mundo, tanto serviço quanto evangelismo. [Na verdade,] os cristãos deveriam estar na vanguarda do movimento em prol da responsabilidade ambiental. A Rocha, em seu ministério, veio dar vida a uma forma empolgante e contemporânea de missão cristã. John Stott, no prefácio do livro A Rocha.

Flora Escassa Fauna Extinta

Verde Espaço Ver-te Usurpado Verde Agredido Ver-te Tombado Máquina estranha Fora do compasso Desabitando Habitantes Violando Solo Sagrado Esdrúxulo Ato Verde-infinito Vermelho Se agita Subindo Sumindo Volátil Espiral Fauna Ex-caça Flora Extinta Geoeconomia Geoegomania Triste geografia Geoutopia

O homem Mais pobre Progresso Do norte Verde-sonho Ver-te tombando Vermelho-escuro Índio Cansado Pensante-calado Atônito-triste (Trans) amazônico Extraditado Expelido Jogado Humano Sem rumo Húmus estranho Estranho estrume

Ambição Desenfreada De gente Tão desumana Construindo Humanidade Resto De verde Gosto De Vida Resistem Hérois Homem Mulher À Shirley Micla e Leisa, família minha. Aos Arara, nossa outra família.

Issac Costa de Souza é missionário entre os Arara, próximo a Altamira, PA, e consultor e diretor de cursos na Associação Lingüística Evangélica Missionária (ALEM), em Brasília. Publicado em maio de 1992 na revista Ultimato.

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RECURSOS

AQUI VOCÊ ENCONTRA INDICAÇÕES DE LIVROS, LIÇÕES PARA ESCOLA DOMINICAL E SITES SOBRE O MEIO AMBIENTE L IÇÕES PARA E SCOLA D OMINICAL O Mundo de Deus [Criação, Ecologia], kit completo Unidade I: O Mundo Criado por Deus – O que a Bíblia diz sobre a criação; Deus criou cada um de nós; Os cientistas e a criação; Em busca dos dinossauros; Os dinossauros e outros animais Unidade II: O Mundo Cuidado por Nós – Quem deve cuidar do mundo de Deus?; Como cuidar do mundo de Deus?; Cuidando dos lugares onde vivo; Cuidando do nosso corpo Unidade III: O Mundo Usado por Deus – Como Deus usou os animais; Como Deus usou as aves; Como Deus usou os peixes; Como Deus usou as crianças www.editoracristaevangelica.com.br

L IVROS A Criação e a Ação Humana; Vilmar Berna; Paulus, 31 pág. O autor mescla o texto bíblico da criação com informações atuais sobre o atual estado das coisas. Indicado para crianças a partir de 8 anos. www.planetanews.com/produto/L/37571

Criação e Graça – reflexão sobre as revelações de Deus; Russel Shedd; Vida Nova Uma análise não apenas da revelação especial encontrada na Bíblia, mas acerca das revelações de Deus pela criação e pelas leis, por um lado, e a revelação de sua graça, por outro”. Teologia do Desperdício; Russell Shedd; Vida Nova Ajuda o leitor a perceber a necessidade de se viver de forma que glorifique a Deus, desafiando-nos a aproveitar ao máximo cada oportunidade que temos. www.vidanova.com.br

Uma Vida com Propósito; Rick Warren; Vida Um manual para se viver no século 21 um estilo de vida fundamentado nos propósitos eternos de Deus e não em valores culturais. Sete Mitos sobre o Cristianismo; Dale & Sandy Karsen; Vida Neste livro os autores respondem à “acusação”: o cristianismo provocou a crise ecológica. www.editoravida.com.br / Tel.: 0800 172 085 16

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A Dança do Novo Tempo – o novo milênio, o jubileu bíblico e uma espiritualidade ecumênica; Sinodal, CEBI, Paulus. Uma espiritualidade de jubileu pede que nos enchamos de gratidão pela misericórdia que recebemos de Deus e de solidariedade com nossos irmãos e irmãs, com animais, plantas e com todo o universo que saiu do coração de Deus.

Poluição e a Morte do Homem; Francis A. Schaeffer; Cultura Cristã; 96 páginas A resposta cristã à depredação humana do jardim de Deus. “Quando nós tivermos aprendido a visão da natureza, então poderá haver uma ecologia verdadeira: a beleza fluirá, a liberdade psicológica virá, e o mundo parará de ser transformado em um deserto.”

www.editorasinodal.com.br

www.cep.org.br / Tel.: 11 3207-7099

Antropoceno – iniciação à temática ambiental; Genebaldo Freire Dias; Gaia Exame instigante das causas, conseqüências e das possíveis saídas para o atual impasse da espécie humana.

Cristianismo Genuíno; Ronald Sider; Hagnos Em especial o capítulo 10, intitulado “Cuidando do jardim sem adorá-lo”. www.hagnos.com.br / Tel.: 0800 772 6272

E-mail: gaia@dialdata.com.br

Vocabulário Básico de Recursos Naturais, 2ª ed.; IBGE

Almanaque Brasil Socioambiental; Beto Ricardo e Maura Campanili, ed.; Instituto Socioambiental; 480 pág. A incrível diversidade brasileira, as principais ameaças e possíveis soluções. Elaborado por 82 autores e 16 consultores; 75 verbetes, além de mapas, fotos, ilustrações e ensaios fotográficos.

Verbetes técnicos relacionados à área ambiental. São mais de 2.800 definições. Disponível em formato impresso com CD-ROM interativo, a 30 reais. Uma versão em pdf pode ser baixada gratuitamente pela internet, no site do IBGE: www.ibge.gov.br/home/presidencia/vocabulario.pdf

E-mail: isa@socioambiental.org / Tel.: 11 3660-7949

O Homem e o Mundo Natural; Keith Thomas; Companhia das Letras Este livro “explica tudo – por que comemos o que comemos, por que plantamos isso e não aquilo, por que gostamos de certos animais e não de outros, por que matamos as coisas que matamos e amamos as que amamos”.

Trabalho, Descanso e Dinheiro; Timóteo Carriker; Ultimato; 80 pág. O autor expõe a espiritualidade encarnada nas áreas rotineiras da nossa vida: o tempo que gastamos no nosso emprego, o nosso lazer e algo bem material mesmo — o uso do nosso dinheiro. www.ultimato.com.br / Tel.: 0300 313 1660

S ITES

www.companhiadasletras.com.br

Rede brasileira de educação ambiental: www.redeambiente.org.br

A Criação Redimida; Van Dyke et al.; Cultura Cristã; 272 pág. Quatro biólogos cristãos enfatizam que, à luz da Bíblia, há esperança para a crise ecológica. Cristãos em Uma Sociedade de Consumo; John Benton; Cultura Cristã; 160 pág. O consumismo produziu um forte impacto negativo nas áreas da ecologia, justiça e espiritualidade. Uma igreja de consumistas não tem uma mensagem salvadora para a sociedade. Criação e Consumação, vol. 1; Gerard Van Groningen; Cultura Cristã O plano e a estratégia de Deus para a criação, desde o seu começo até a sua consumação.

ISA – Instituto Socioambiental: www.socioambiental.org Instituto Akatu: www.akatu.net Ministério do Meio Ambiente: www.mma.gov.br

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R ECURSOS

www.arocha.org ou www.cbe2.com.br/jubileu

Ou escreva para A Rocha Brasil A/C Hernani Ramos Alameda Nhambiquaras, 711 – Moema 04090-011 São Paulo, SP Telefax: 11 5051-7964 Tel.: 11 9836-2420 E-mail: hgcramos@yahoo.com.br


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