Vida e Obra de Armando Tivane
Ficha Técnica: Título: Vida e Obra de Armando Tivane Autores: Abel Mazuze e Xadreque Mate Direcção: Fernando Dava Colaboração: Célio Tiane, Arrissis Mudender, Laurindo Malimusse Designer: Cândido Nhaquila Edição: ARPAC - Instituto de Investigação Sócio-Cultural Revisão: Cândido Seleça (M&M-Graphics, Lda) Arte final e tratamento de imagens: M&M-Graphics, Lda Impressão: Académica Tiragem: 1000 Exemplares Número de Registo: 7831/RLINLD/2013 Colecção Embondeiro: Edição Especial
Setembro, 2013
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Vida e Obra de Armando Tivane
Índice Introdução................................................................................ 4 I. Origens da Linhagem Tivane................................................ 6 II. Infância de Armando Tivane.............................................. 10 III. Formação e Vida Profissional de Armando Tivane........... 12 3.1. Formação de Armando Tivane.................................. 12 3.2. Vida Profissional de Armando Tivane........................ 16 IV. O Despertar da Consciência Nacionalista em Armando Tivane............................................................................... 25 V. Armando Tivane na Rota de Dar-es-Salaam..................... 31 VI. Preparação Político-Militar de Armando Tivane............... 39 VII. A Frente de Tete no Contexto da Luta Armada de Libertação Nacional......................................................... 44 7.1. Reabertura da Frente de Tete.................................... 46 7.2. Armando Tivane na Frente de Tete............................ 49 7.3. Armando Tivane no Quarto Sector............................. 61 VIII. Circunstâncias da Morte de Armando Tivane................. 72 Bibliografia............................................................................. 74 Anexos................................................................................... 78
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INTRODUÇÃO A Luta Armada de Libertação Nacional que conduziu à libertação da Terra e do Povo moçambicano do jugo colonial, resultou, dentre vários factores, da resistência do regime colonial português em conceder a independência aos moçambicanos pela via diplomática. Este processo contribuiu para a emergência de uma geração heróica que de forma desinteressada, consentiu sacrifícios e privações pela causa libertária. Desta geração, destacase, entre outros, Armando Tivane, nascido em Madjecuze, Localidade de Maqueze, Distrito de Chibuto. Desde tenra idade, Armando Tivane, passou por sevícias e discriminação perpetradas pela administração colonial, sobretudo no acesso ao ensino e empregos condignos. Esta situação concorreu para catalisar o seu sentimento nacionalista e de justiça. Deste modo, imbuído de espírito patriótico, juntou-se à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e engajou-se na Luta Armada. Na Luta Armada, Armando Tivane foi destacado para a Frente de Tete, onde desempenhou a função de Comissário Político no 1º e 4º sectores. Neste teatro de operações, Tivane assumiu o desafio de desbaratar as acções militares conjuntas das tropas portuguesa e rodesiana. A entrega abnegada de Armando Tivane contribuiu para a consolidação da Luta em Tete e sua expansão para a Frente de Manica e Sofala. De igual modo, tornou a Província de Tete no baluarte do nacionalismo zimbabweano.
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É este conjunto de realizações indeléveis na epopeia histórica de Moçambique, que conduziu à produção deste trabalho, enquadrado nas celebrações do 40º aniversário do seu desaparecimento físico. Trata-se igualmente de uma forma de valorização e disseminação do legado histórico da vida e obra de Armando Tivane. Armando Tivane perdeu a vida, vítima de uma bala inimiga, em Setembro de 1973, na zona de Chintolo, em Mucumbura, Distrito de Mágoè, Província de Tete.
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I. ORIGENS DA LINHAGEM TIVANE A linhagem Tivane pertence ao grupo etno-linguístico Ndau1, sendo originária de Mussapa, Distrito de Mossurize, na actual Província de Manica. Esta região era parte integrante do vasto Império de Gaza, erguido a partir de 1822, por Sochangane Nqumayo, igualmente, conhecido por Manukuse. A concordar com Feliciano (1998), o grupo dos Ndau que se fixou em Maqueze, em 1889, teria se deslocado para esta região no âmbito das movimentações da capital do Estado de Gaza, do Sul para o Norte e viceversa2, mais concretamente no reinado de Ngungunyane Nqumayo, filho de Muzila e neto do fundador. De acordo com Gerhard Liesegang (1996), as movimentações no Império tiveram início por volta de 1835/8, durante o reinado de Sochangane. Os Ndau, de um modo geral, constituem uma vasta etnia, cujas origens já foram objecto de vários estudos. Feliciano (1998), refere que a documentação mais antiga a respeito dos Ndau data de 1739, sendo da autoria de Alexandrino de Oliveira. Menciona, igualmente, a informação trazida por J. Julião Silva, de 1836 e, de Caldas Xavier, de 1893. Este último realça a migração dos Ndau da região de Mussapa para o Sul de Moçambique. Foi, de facto, neste contexto que os Ndau se fixaram, entre outros pontos, em Maqueze, no actual Distrito de Chibuto, Província de Gaza. 1
O termo ndau tem as suas raízes nos nguni, pois as populações submissas, naturais da área ao norte do rio Save, ao saudar-lhes, usavam a expressão “ndau-wee” (Liesegang, 1996). 2
As movimentações estavam associadas a questões expansionistas, económicas (tributárias), dentre outras. Segundo Liesegang (1996), em 1889, a capital do Estado de Gaza foi transferida da parte Sul da Província de Manica para a actual Província de Gaza. A transferência deveu-se as dificuldades que Gaza enfrentava no controlo da parte Sul do seu vasto território tributário. O Sul tinha, igualmente, um potencial muito maior para a criação do gado bovino.
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Ao lado dos Ndau, Maqueze foi contemporaneamente habitado por outros grupos que caracterizam a paisagem étno-cultural local. Entre eles, constam os Chopi e Nguni. No que se refere aos Ndau de Maqueze, de entre as linhagens maioritárias, constam os Macamo, Macuácua e Tivane. Relativamente à família de Armando Tivane, as fontes orais apontam o actual povoado de Madjecuze, como o local onde a mesma se estabeleceu. No entanto, na década de 1940, esta viu-se forçada a movimentar-se para Maqueze-Sede, em consequência de uma crise ecológica que afectou a região. Feliciano (1998), faz menção a esta crise, referindo que a mesma teria acontecido em 1941. Na origem da movimentação da família Tivane para a sede de Maqueze esteve uma seca prolongada, que afectou praticamente o actual Distrito de Chibuto. De tão severa que foi, contínua na memória de alguns habitantes, como é o caso de Maria da Luz Gaza Massingue, que se refere a ela, nos seguintes termos: - “Por volta de 1940 registou-se uma seca prolongada no Distrito de Chibuto. Esta calamidade natural levou a que a população esgotasse as suas reservas em alimentos, a ponto de surgir uma crise alimentar. Assim, grande parte da população passou a depender de alimentos enviados por familiares que trabalhavam noutros pontos, não afectados pela calamidade, com mais destaque para as minas sul-africanas. Uma vez que os alimentos chegavam empacotados (maphakeni, em Changana), a fome foi baptizada por ndlala ya maphake, ou seja, fome dos pacotes/embalagens”.3 3
Maria da Luz Gaza Massingue, entrevista de 23/05/2012, Chibuto.
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O termo Tivane tem as suas origens associadas a Ntivativa, uma erva típica de regiões pantanosas. A compreensão deste postulado pode ser sustentada pelo poema laudatório dos Tivane, que estabelece uma associação entre as cheias, as inundações, os pântanos e o tipo de vegetação que lhes atribui o apelido. Vide o poema em referência. “Ndambineee (cheia/inundação) = Thliveee (pântano) = Ntivane (capim)”. 1 A linhagem Tivane, tal como é característica da maioria das linhagens africanas, apresenta um conjunto de ramificações. Com efeito, são considerados Tivane, apelidos como os Qive/Thlive, Chambisso/Nhlambiso e Mioche.4
Jaime Tivane, irmão mais velho de Armando Tivane
A relação entre os Tivane e os Chambisso é confirmada por Joaquim Chambisso5 que, sem avançar muitos 4
Jaime Tivane, entrevista citada.
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Joaquim Chambisso, entrevista de 12/08/2013, Bilene.
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detalhes, realça que os segundos são uma ramificação dos primeiros. Tendo chegado ao Sul de Moçambique, no contexto das migrações nguni, os Tivane foram se ramificando em função dos espaços que iam ocupando, miscigenando-se com as famílias locais. Aliado a esta dinâmica, tomavam novas designações, sem perder de vista a sua origem. A conservação das raízes do apelido pode ser notada na laudação dos Chambisso, que integram os Tivane, nos seguintes termos: “Magwinhaneee … Nhlambiso … Ndzuvaniiii … Ntivane” Corroborando com o posicionamento de Chambisso em relação à proveniência dos Tivane e suas ramificações, Lourenço Tivane6 apresenta uma laudação que, para além dos já referidos apelidos, acrescenta os Mainga e Ndindiza, como se pode ver na seguinte passagem: “Ndindizaaa … Ntivane … Nhlabiso … Mainga”
Casa da família Tivane, vendo-se parte da família 6
Lourenço Tivane, entrevista de 12/08/2013, Mandlakazi.
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II. INFÂNCIA DE ARMANDO TIVANE Armando Tivane nasceu em 1937, na Povoação de Madjecuze, Localidade de Maqueze, Posto Administrativo de Alto Changane, Distrito de Chibuto, na Província de Gaza. É filho de Vimba Tivane e Nyankwave Macamo. Deste casal, nasceram, igualmente, Siteane e Maria. Importa frisar que Vimba Tivane teve 5 esposas. Além da Nyankwave Macamo, figuram Miosse Ngomadji, Lúcia Tamele, Maria Sitoe e Neasse Macamo. Destas, Nyankwave e Neasse entraram para este casamento poligâmico como resultado do Kutchinga7, uma prática tradicional que consiste no envolvimento de um viúvo ou viúva, com um dos familiares do falecido ou falecida. Esta tradição insere outros aspectos, como a assunção e educação dos filhos, bem como a gestão dos bens do falecido. Em última instância, esta prática visa a continuidade e sustentabilidade da linhagem do defunto.
Miosse Ngomadji, primeira esposa de Vimba Tivane 7
Rosita Tivane, entrevista de 21/06/2012, Maqueze.
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A infância de Armando Tivane foi marcada por vários aspectos, desafiando as vicissitudes da época, onde se evidenciavam as desigualdades, a exclusão social, a exploração das populações autóctones, o racismo, entre outras vicissitudes. Com efeito, à semelhança de outras crianças do seu tempo, como Makholwa, Carlos e Kubhave, seus amigos de infância, Tivane teve brincadeiras típicas do meio em que vivia. Entre corridas pelos vastos campos repletos de capim, trepadelas em árvores e outras formas de divertimento, Tivane gostava, particularmente, de mergulhar nos pântanos e outros cursos de água de Maqueze. Outra brincadeira que merece destaque é a caça de pequenos ratos selvagens (timbeva), o que apelava à esperteza e agilidade nos jovens. Este aspecto era complementado pelas brigas entre amigos, as quais contribuíam para a criação e fortalecimento do espírito de bravura entre os pastores de gado. A par destas diversões, Tivane cumpria os deveres domésticos, de entre eles, o pastoreio do gado da família.8 No âmbito das brincadeiras rotineiras e a execução de tarefas de índole doméstica, Armando Tivane interessouse por algumas danças tradicionais, como a Makwayela, uma expressão artístico-cultural fortemente enraizada na zona Sul de Moçambique. Desde cedo, Tivane assistiu e dançou Makwayela, tendo se tornado num exímio executante, qualidades que viriam a revelar-se aquando dos treinos político-militares no campo de Nachingwea, na Tanzania. 8
Xavier Tivane, entrevista de 21/06/2012, Maqueze.
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III. FORMAÇÃO E VIDA PROFISSIONAL DE ARMANDO TIVANE Os traços característicos da formação e vida profissional de Armando Tivane, em larga medida, foram influenciados pelo tipo de educação e o contexto social, aquando da sua infância, com maior ênfase para a discriminação no acesso à educação formal e a emprego condigno. Quanto à educação, a discriminação manifestou-se através de várias formas. No entanto, sobressaíram a Política Educacional e a Política de Assimilação. Em face destas políticas separatistas, a educação tradicional era a única alternativa para as crianças progredirem na vida. 3.1. Formação de Armando Tivane A Política Educacional Colonial para além de submeter os moçambicanos não assimilados a um ensino limitado e de baixa qualidade, ministrado pelas missões católicas, tinha em vista a privação da promoção social da maioria da população. Com efeito, a educação dos moçambicanos durante a vigência do regime colonial português não era tida como um direito humano, mas sim, um privilégio para determinadas camadas sociais. Como consequência, grande parte da população moçambicana não teve acesso à instrução, a ponto de à altura da Independência Nacional, em 1975, a taxa de analfabetismo estar acima de 90% (Buendia, 1995). Os poucos moçambicanos que tinham acesso ao ensino, ainda que numa base discriminatória, só podiam ocupar cargos subalternos, não passando de mão-de-obra servil. Diferentemente, aos indivíduos da raça branca, era 12
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reservado um sistema de ensino de melhor qualidade, que se coadunava com a agenda de desenvolvimento colonial. Enfatizando a sua visão reducionista sobre os moçambicanos de raça negra, a política educacional colonial refere, segundo Hedges e Rocha (1999), que se deveria “habilitar o indígena para o seu papel específico de trabalhador barato na economia colonial, enquanto o ensino para brancos deveria oferecer uma formação mais completa, que os indígenas não precisavam”. Para tornar possível o alcance dos objectivos traçados para a educação, o Governo Colonial tinha decretado um conjunto de dispositivos legais que asseguravam a separação acima apontada. Esta legislação, que se estende desde 1926, aparece como continuidade do cumprimento do Decreto de 13 de Outubro, do mesmo ano, ou seja do Estatuto Orgânico das Missões Católicas Portuguesas da África e Timor, que extingue as “missões laicas” e revigora a intervenção das missões católicas. De facto, em função dos acordos entre a Igreja Católica e o Governo Português, à luz da Concordata e do Acordo Missionário de 1940, a responsabilidade da educação dos moçambicanos não assimilados passava, exclusivamente, para a gestão das missões católico-romanas, marcando o início de um período de forte colaboração entre o Estado Colonial e a Igreja católica, uma extensão do princípio da “aliança entre a Cruz e a Espada”, que durante longos anos caracterizou o relacionamento entre estas duas entidades (Dava et al, 2011). Com aquele procedimento, ficava a descoberto, a intenção do Governo Colonial de combater a acção educativa e, sobretudo nacionalista, protagonizada pelas missões protestantes. 13
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A aliança entre o Governo Colonial e o Papado no domínio da educação, conduziu a um aumento vertiginoso das instituições católicas e, consequente redução das protestantes, em todo o território moçambicano. Missões, filiais e missionários
Anos
Índice de crescimento
1945
1961
Missões Católicas
70
184
162.9%
Missões Protestantes
14
15
7.1%
Crescimento das missões religiosas, 1945-1961. Adaptado de Hedges & Rocha (1999:178)
Este conjunto de políticas educativas discriminatórias9 teve como principal consequência, o bloqueio à instrução de muitos moçambicanos, dentre os quais Armando Tivane. Não obstante o crescimento do número de missões católicas destinadas ao “ensino indígena”10, não foi possível expandir, ao ritmo desejado, a sua rede de ensino por todo o País. A título de exemplo, Maqueze não chegou a beneficiar-se de uma escola durante a infância e parte da juventude de Armando Tivane. Para frequentar a escola, Tivane teria que percorrer uma distância de cerca de 20 quilómetros, por dia, para 9
De um modo geral, a política discriminatória teve maior expressão em relação ao ensino secundário. Entendia-se que as qualificações conferidas por este nível proporcionavam um determinado estatuto social que, alegadamente, os moçambicanos não mereciam. Isto pode ser atestado pelo facto de, em 1945, este nível de ensino ter contado com 704 alunos, dos quais apenas 1 era negro. Mais adiante, em 1960, estavam inscritos 2550 alunos, igualmente, com apenas 59 negros (Hedges, 1999). 10
Ensino para cidadãos não assimilados.
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sair de Maqueze-Sede ao Posto de Alto-Changane e vice-versa. Devido a esta série de dificuldades, aliada a outros factores, Armando Tivane não frequentou o ensino formal. No entanto, ele soube contornar as barreiras educativas impostas pelo sistema colonial. Valendo-se da educação tradicional, recebeu conhecimentos virados para a vida quotidiana, aliás, aspecto que caracterizou muitos moçambicanos da sua época, em situação de discriminação. No domínio da educação tradicional, virada para o saber fazer, ser e estar na sociedade, Tivane aprendeu, entre vários ofícios, a cuidar do gado da família, a cultivar a terra, assim como a comercializar produtos agrícolas, entre eles, o algodão e o milho. Neste contexto, operacionalizava o axioma segundo o qual este tipo de educação deve ser entendido, em primeira instância, como a preparação do sujeito para fazer face aos desafios impostos à sociedade em que se encontra inserido. Como afirma Bruner (2000): - “A educação não ocorre apenas nas aulas, mas à volta da mesa de jantar quando os membros da família fazem o confronto do sentido de tudo o que aconteceu ao longo do dia, ou quando a pequenada tenta ajudarse, mutuamente, a encontrar o sentido do mundo adulto, ou quando o mestre e o aluno interagem no oficio”. Na agricultura, Armando Tivane aprendeu a produzir cereais, como o milho e o arroz. Além destes produtos eram produzidas várias hortícolas para a alimentação da família. De referir que em momentos de boa produção, os excedentes eram integrados no comércio de escambo, ou seja, na troca de produtos por produtos, como estratégia de diversificação da dieta alimentar. 15
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Foi na busca pelo sentido da vida que Tivane entendeu que devia procurar alternativas para a situação de humilhação a que ele e seus co-cidadãos estavam sujeitos, em Maqueze. A procura de melhores condições de vida conduziu-lhe a outros pontos do País, nomeadamente Chibuto e Maputo. Posteriormente, seguiria para as minas da África do Sul, onde acreditava poder encontrar melhores condições salariais. 3.2. Vida Profissional de Armando Tivane A vida profissional de Armando Tivane teve o seu início em Maqueze, como referimos, quando participava na agricultura, criação de gado e no comércio, colocando em prática os conhecimentos adquiridos na educação tradicional. Mais tarde, Tivane abandonou Maqueze e participou da integração entre a economia rural e urbana em Moçambique, buscando melhores salários em Chibuto, Maputo e nas minas sul-africanas. É de frisar que a integração entre a economia de Maqueze e a economia urbana teve início por volta de 1943, aquando do lançamento da chamada ocupação efectiva nesta região (Feliciano, 1998). Um dos traços característicos da implantação da economia colonial foi a cultura forçada do algodão. As famílias que tinham charruas eram obrigadas a produzir entre 40 e 50 quilos de algodão cada uma, que era vendido a baixo preço ao comerciante local, vulgo Nwamathondji.
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Casa do comprador de algodão em Maqueze, Nwamathondji
Com o crescimento dos centros urbanos em Moçambique, as oportunidades de emprego (muitas vezes não qualificado) também aumentaram. Efectivamente, o campo passou a fornecer, para além dos seus produtos da terra e de origem animal, mão-de-obra para as cidades. Liesegang (1978) considera que este fenómeno começou a ganhar uma maior dinâmica entre os anos 1930 e 1940, no momento em que os jovens passaram a buscar oportunidades de emprego noutros centros, como Lourenço Marques (actual Maputo) ou em sub-centros, como Chibuto e João Belo (actual Xai-Xai). Armando Tivane integrou-se neste círculo económico aos 17 anos, quando abandonou Maqueze para se fixar em Chibuto. De facto, em 1954, Tivane trabalhou nesta cidade, como empregado doméstico na residência de um comerciante de origem indiana, até 1956. Neste mesmo ano, foi convidado para Maqueze, onde deveria assistir 17
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ao enlace matrimonial do seu irmão, Jaime Tivane. Nesta altura, em contacto com outros jovens teria ouvido falar de Lourenço Marques, como um centro de oportunidades de emprego. Consequentemente, Tivane deslocou-se para esta cidade, onde trabalhou em casa de um pastor da Igreja Presbiteriana (Missão Suíça), cujo nome não tivemos acesso. Através da Missão Suíça, Armando Tivane aprendeu a ler e a escrever. Durante a alfabetização, os missionários suíços foram transmitindo mensagens sobre a igualdade entre os homens, a necessidade de respeito pela dignidade humana. De um modo geral, chamavam à atenção para a necessidade de se combater todos os malefícios que colocassem em questão este conjunto de preceitos. Os missionários protestantes, cientes dos males do colonialismo em Moçambique, serviram-se das escrituras da Bíblia Sagrada para combatê-lo. Entre os livros mais destacados para o efeito consta, segundo Carlos Mazivila11, o de Salmos, no seu capítulo 37, versículos 1,2,8,9 e 10, onde se pode ler os seguintes postulados: “… Unga tsuki u karihela lavo homboloka, unga tsuki u navela lava endlaka le swo biha … Hi kuva va ta tsemiwa sweswi kukotisa byanyi, va ta vuna kukotisa rilhaza …. tsika ku kariha u fularela ku leva, unga lhundzuki, swinga ku dlohisa ntsena … hikuva l avo biha va ta susiwa … ku sele nkarinhana, ku tani lo wo biha a nga ka a nga vi kona, u ta lavisisa swivandla swa yena kutani a ta a nga há ri kona…” 11
Carlos Mazivila, entrevista de 02/08/2013, Bilene.
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Tradução “… Não te indignes por causa dos malfeitores, nem tenhas inveja dos que praticam a iniquidade … porque cedo serão ceifados como a erva, e murcharão como a verdura … Deixa a ira, e abandona o furor; não te indignes de forma alguma para fazer o mal … Porque os malfeitores serão desabrigados … Pois ainda um pouco, e o ímpio não existirá; olharás para o seu lugar, e não aparecerá…” Em 1961, na sua viagem de Maputo à Maqueze para visitar sua mãe, Tivane fez-se acompanhar pelo pastor que lhe tinha acolhido em Maputo. Este facto pode provar a grande afinidade que existia entre ambos, assim como a ligação entre Tivane e a Missão Suíça, aspecto testemunhado com muito orgulho pelos irmãos: - “Armando veio a Maqueze, em 1961, na companhia de um amigo que nos apresentou como sendo o pastor da Igreja Presbiteriana e com quem vivia em Maputo. Toda a aldeia ficou surpresa por Armando ter vindo de carro e com um branco. Ficamos muito contentes com este acontecimento”.12 Nesta viagem, Tivane permaneceu em Maqueze, a pedido da mãe. Esta entendia que o seu filho já estava em idade de se casar. Ela já tinha arranjado uma noiva para o efeito. Assim, a constituição da sua família obedeceu aos critérios estabelecidos pela educação tradicional, desde tempos imemoriais. Armando Tivane casou-se com Celina Chaúque, em 1962, com quem teve um filho, que veio a falecer nos primeiros meses de vida. 12
Jaime Tivane, entrevista citada.
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Depois do casamento, Tivane, procurou, de facto, trabalhar nas minas da África do Sul, uma prática já enraizada na sua comunidade. Os jovens desta altura cresciam com a mentalidade de que, na sua fase adulta, o seu prestígio passava pelo engajamento nesta actividade, pois, os proventos adquiridos lhes conferiam um melhor estatuto social. Com efeito, adquiriam dinheiro para o lobolo e construção de casas melhoradas, investimento na agricultura, indumentária distintiva, entre outros benefícios económico-sociais. A expressão “Dlhani nwananga uta kula uya djoni” (coma meu filho para cresceres, de modo a ires às minas da África do Sul), sublinhada por Covane (1988; 1996) e Dava (1997), demonstra a inserção da tradição do trabalho mineiro nas comunidades do Sul de Moçambique. De facto, a população masculina de Maqueze teve, neste período, as minas sul-africanas como um local de emprego predilecto. Como refere Feliciano (1998), “em 1965, por exemplo, saíam por semana entre 70 a 80 (homens) (…) em 1971 a maior parte dos homens encontrava-se na África do Sul (…) eu próprio pude constatar, em 1978, não haver na região de Maqueze nenhum homem que não tivesse ido às minas, pelo menos uma vez, tendo a maioria ido várias”. Importa destacar outras razões de fundo por detrás deste massivo movimento migratório. Trata-se da brutalidade dos agentes do regime colonial no seu relacionamento com as comunidades locais. Além da sujeição à cultura forçada do algodão, desigualdades nas trocas comerciais, xibalo, incorporação coerciva no exército colonial, 20
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pagamento do imposto de palhota, figuram os castigos corporais. A este respeito, Feliciano (1998), faz menção a exemplos de tratamento desumano, tanto às lideranças tradicionais, como a população, em geral. Citando diários do chefe do Posto de Alto Changane, traz as seguintes palavras repressivas deste agente colonial, dirigidas aos seus colaboradores (líderes tradicionais): “Obrigá-los a trabalhar e (…) se não trabalham castigo-os” Em busca de contracto como trabalhador das minas da África do Sul, Tivane sujeitou-se ao penoso percurso para se chegar a este país. Sebastião Mate, um antigo mineiro de Maqueze, contemporâneo de Armando Tivane, descreveu esta trajectória nos seguintes termos: - “A viagem para a África do Sul começava por uma caminhada de 10 quilómetros de Maqueze a AltoChangane, onde se encontrava uma representação da WENELA13. Uma vez em Alto-Changane, éramos alistados e permanecíamos alí alguns dias, que por vezes chegavam a cinco. Dalí, éramos transportados de autocarros até à vila João Belo (actual Xai-Xai)”.14
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Witwatersrand Native Labour Association, uma empresa dedicada ao recrutamento de mão-de-obra para as minas da África do Sul. 14
Sebastião Mate, entrevista de 21/06/2012, Maqueze.
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Sebastião Mate, Colega de Armando Tivane na África do Sul
Posto de recrutamento de mão-de-obra para África do Sul (WENELA), Alto-Changane 22
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De João Belo em diante, a trajectória podia ser feita por duas vias, nomeadamente a terrestre e a fluvial. Relativamente a primeira, os mineiros seguiam de autocarros cuja terminal recebia o nome local de Magaizene, por se tratar de um local também de chegada dos Magaiza (designação atribuída aos recém-chegados da África do Sul). A segunda, era através de embarcações que partiam da ponte cais de João Belo.
Embarcação navegando no rio Limpopo. Fonte: Rufino, 1929
De referir que tanto os autocarros, assim como as embarcações, tinham como um dos destinos, a cidade de Lourenço Marques15. Desta cidade em diante, a viagem era através de locomotivas que, partindo do porto da capital moçambicana, transportavam os trabalhadores para a África do Sul, onde eram posteriormente distribuídos pelas diversas companhias, quer mineiras assim como de plantações, onde passariam a prestar serviços.
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Alguns autocarros iam até Xinavane, a partir de onde os emigrantes seguiam para Lourenço Marques via ferroviária.
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Em território sul-africano, Armando Tivane trabalhou na cidade de Kinross, na companhia mineira de Leslie, residindo num dos compartimentos das residências desta companhia. Trata-se de um quarto simples a que cada mineiro tinha direito, sendo por vezes partilhado com outros colegas, dependendo das circunstâncias.16
Afonso Tsenane 16
Afonso Tsenane, entrevista de 29/11/2012, Cidade de Maputo.
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IV. O DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA NACIONALISTA EM ARMANDO TIVANE O despertar da consciência nacionalista em Armando Tivane esteve associado a uma série de acontecimentos, desde a sua infância, em Maqueze, passando pela influência da Missão Suíça, até aos momentos vividos nas minas da África do Sul. Neste percurso, Tivane viveu situações de opressão, discriminação e exploração perpetrados pela administração colonial portuguesa e pelo regime do Apartheid, na África do Sul. Em Maqueze, além dos abusos referidos, importa destacar as prisões efectuadas pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) nas cerimónias de Ukanyi17, a classificação do algodão abaixo da sua real qualidade e uso de balanças falsificadas na compra do algodão dos camponeses. A Missão Suíça, estabelecida em Moçambique, por volta de 1880, estendeu as suas actividades para a região de Maqueze, pelo menos, desde 1962. A sua actividade culminou com a consciencialização de alguns residentes à respeito do nacionalismo moçambicano, numa altura em que a PIDE fazia fortes incursões nesta região. Neste contexto figuram nomes de nacionalistas como Simião Chivite, Amós Mahanjane e Zefanias Mathe, citados em relatórios oficiais de Alto Changane, como influenciados pela Missão Suíça para o nacionalismo (Feliciano, 1998). 17
Festa tradicional enraizada nas comunidades do Sul de Moçambique que tem lugar de Janeiro a Março. Consiste no fabrico, ritualização e consumo de ukanyi, vinho tradicional feito a partir do fruto do canhoeiro (sclerocarya birrea).
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Ainda em Maqueze, há relatos, por um lado, de líderes tradicionais que se associaram ao sistema colonial e, por outro, de líderes que se opuseram, veementemente, às atrocidades do regime. Em relação a estes últimos, consta o nome de Mbeti, de Xicova que em 1966 foi preso por, de forma aberta e ousada, ter proferido publicamente as seguintes palavras de contestação, contra a ordem administrativa colonial: “vocês brancos hão-de ir embora daqui”. Além desta forma de contestação, foram observadas outras, designadamente, a fervura de sementes de algodão antes de serem lançadas para terra e a criação de um cancioneiro de impugnação. Feliciano (1998), apresenta os seguintes exemplos: “Tu Maxikawane (e induna) estás a emagrecer por causa do tratamento do administrador”
oh ngevani estamos arranjados trabalhamos sem receber dinheiro em notas estamos arranjados
ngevani io komeka kutira inga oli male ia mapepa io komeka
Em 1948 foi instituído o regime do Apartheid, que consistia essencialmente num sistema de segregação racial, em que a minoria branca detinha o poder económico e político em prejuízo da maioria negra sul-africana. A brutalidade deste regime fazia-se sentir, igualmente, no sector mineiro, onde Armando Tivane se encontrava. Por conseguinte, Tivane e os seus companheiros estavam sujeitos a uma vida cheia 26
Vida e Obra de Armando Tivane
de restrições, sendo proibidos de se movimentarem, sob o risco de serem vítimas de torturas e prisões arbitrárias. As condições laborais eram dolorosas, havendo, inclusive, vários riscos de vida, em consequência dos frequentes acidentes de trabalho. À semelhança do que acontecia em Moçambique, Tivane confrontou-se com situações de discriminação racial, no acesso ao emprego de qualidade, à habitação, à educação, circulação nas vias públicas, entre outras privações.18 Não obstante as restrições impostas pelo regime discriminatório sul-africano, os mineiros tinham alguns momentos de relaxamento. Nestas ocasiões, os trabalhadores maximizavam o escasso tempo, orientando as conversas para os mais variados assuntos. Afonso Tsenane, relatou esses momentos, nos seguintes moldes: - Em momentos livres, concentrávamo-nos no recinto da companhia e conversávamos. Entre os diversos assuntos debatidos constavam o sofrimento a que estávamos sujeitos, nós os mineiros, tanto os naturais, como os moçambicanos, suázis, tsuanas, namibes, zambianos, zimbabweanos, malawianos, tanzanianos, entre outros que afluíam à África do Sul. Nessas conversas, não faltavam assuntos banais, típicos de uma concentração de homens, como a beleza feminina”.19 Nestas concentrações falava-se de forma bastante sigilosa, sobre o nacionalismo e os movimentos de libertação na África Austral. No caso de Moçambique, 18
Sebastião Mate, entrevista citada.
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Afonso Tsenane, entrevista citada.
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Vida e Obra de Armando Tivane
debatia-se sobre casos de indivíduos que tinham entrado para o trabalho migratório, como estratégia de fuga à perseguição da PIDE, por estarem envolvidos na luta clandestina. Entre eles, existiam também os que já tinham efectuado tentativas de fuga para Dar-es-Salaam, a fim de ingressarem na Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e participarem da Luta de Libertação Nacional em Moçambique.20 O carácter sigiloso destas conversas explica-se, de acordo com Mudender et al (2010), pelo temor à estreita colaboração que existia entre o regime do Apartheid e o colonialismo português. Com efeito, surgiram vários casos de interrogatórios, raptos, prisões e deportações de nacionalistas moçambicanos, perpetrados no âmbito desta colaboração. De facto, os raptos ocorreram um pouco por toda a África Austral, com destaque para a Suazilândia, onde funcionavam alguns centros de acolhimento de nacionalistas vindos de Moçambique, primeiro em Ezulwine e depois em M’sunduza. Maria Helena Muthambe, combatente da luta clandestina, retrata esta onda de raptos, destacando que culminou com o assassinato do seu marido, Mário Mondlane, um moçambicano radicado na Suazilândia, tendo representado os moçambicanos naquele território. Este recebeu e prestou apoio aos nacionalistas moçambicanos que passavam pela Suazilândia, para se juntarem à FRELIMO, na Tanzania. Dentre vários, destacam-se Francisco Mazuze, Leonardo Cumbe, Armando Guebuza, Ângelo Chichava, Josina Muthemba, Milagre Mazuze e Juvenália Muthemba. A nossa informante acrescentou: 20
Sebastião Mate, entrevistado
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Vida e Obra de Armando Tivane
-“Foram raptados muitos moçambicanos na Suazilândia. Lembro-me de dois que se chamavam Ibraimo (Ibraimo Papucho e Ibraimo Mangusso) que foram raptados por agentes da PIDE. (…) Esta onda de raptos foi crescendo a ponto de se prender o meu marido, Mário Mondlane, que era representante dos moçambicanos. (…) Mário Mondlane foi raptado em circunstâncias mal esclarecidas, em 1966, no dia 27 de Agosto, quando regressava de uma reunião. Há relatos de que este tenha sido raptado por um grupo de agentes da PIDE acompanhado por polícias”.21
Maria Helena Muthambe
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Maria Helena Muthambe, entrevista de 22/11/2012, Cidade de Xai-Xai.
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A experiência de Armando Tivane nas minas da África do Sul desempenhou um papel decisivo para a sua iniciativa de se juntar à FRELIMO e combater contra o colonialismo. Com efeito, as privações que os negros sul-africanos sofriam perante um não menos sangrento regime do Apartheid e a realidade que tinha vivido em Moçambique foram, de facto, elementos catalisadores para a sua decisão. Refira-se que Armando Tivane já havia frequentado os círculos da Missão Suíça, congregação que teve um papel fundamental no despertar da consciência nacionalista entre os jovens moçambicanos. Diante deste cenário e com os movimentos nacionalistas fortificados na região e, acima de tudo, correndo informações de acções combativas da FRELIMO no interior de Moçambique, Tivane terá decidido juntar-se ao movimento libertador, na Tanzania e engajar-se na Luta Armada. Foi nas conversas com os colegas na África do Sul que Tivane consolidou o estudo das rotas para chegar a Dar-es-Salaam. Partiu do território sul-africano, cujo regime tinha um posicionamento hostil para com os movimentos de libertação na África Austral.
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V. ARMANDO TIVANE NA ROTA DE DAR-ES-SALAAM O acesso a Dar-es-Salaam era feito através de várias rotas, definidas em função de afinidades históricoculturais e, sobretudo, das oportunidades políticas em prol da independência de Moçambique. Este processo foi influenciado pela negativa, devido ao posicionamento político de alguns países da região, contrários aos princípios de cooperação, solidariedade e irmandade entre povos e Estados. O uso da mesma língua em zonas transfronteiriças com a Tanzania, Zâmbia, Malawi, África do Sul, Zimbabwe e Suazilândia, facilitou, de certo modo, a movimentação dos nacionalistas a caminho de Dar-es-Salaam. Por conseguinte, muitos nacionalistas recorriam à pertença étnica comum ou mesmo inter-étnica, para partilharem os seus ideais libertários. Neste contexto, procuravam recuperar e valorizar os laços de solidariedade das suas comunidades afectados pela imposição de fronteiras em face da dominação estrangeira. No que concerne às oportunidades políticas, refira-se que do grupo de países que, manifestamente, se identificaram com a causa moçambicana, pontifica a Tanzania, que após a sua independência foi dirigida por Julius Nyerere, um académico notável da África pós-colonial. Nyerere viria a adoptar a ideologia socialista, não no sentido puro do marxismo, mas adaptando-o a realidade africana, o chamado socialismo africano, baseado nas estruturas agrárias tradicionais (Jesus, 2010). Este autor acrescenta que Nyerere, no quadro geopolítico do continente africano, representava valores de humanismo, de africanismo e de 31
Vida e Obra de Armando Tivane
pouco alinhamento. Foram estes aspectos que, em nossa opinião, principalmente, o seu sentido humanitário e de justiça, o levaram a apoiar os movimentos nacionalistas, em geral, e de Moçambique, em particular. De facto, Julius Nyerere notabilizou-se por reconhecer que o povo moçambicano constituía, ao nível da região, um dos que ainda estavam sob a dominação estrangeira. Apelando ao povo tanzaniano para o apoio à luta da FRELIMO, reafirmou que esta não visava a libertação somente dos moçambicanos, mas sim, de toda a África. Operacionalizando o seu nobre princípio de que nunca se sentiria satisfeito, enquanto houvesse países africanos ainda colonizados, dirigiu-se ao povo tanzaniano, nos seguintes termos: - “Temos, caros irmãos, de lutar pela libertação de Moçambique que é o enclave da nossa querida África que se encontra sob a ameaça dos colonialistas portugueses. Temos de enfrentar sem medo alguns dos soldados da força repressiva, mas tenhamos fé na extirpação do colonialismo português que ofusca o caminho do desenvolvimento, da paz e segurança de África. As vitórias dos soldados nacionalistas da FRELIMO, dão início a uma guerra declarada contra os colonialistas portugueses. Não restam dúvidas que o ano em curso nos trará mais possibilidades na conquista da libertação e independência de Moçambique. Afirmo ao povo da Tanzania que a conquista de Moçambique não é só a concessão da emancipação dos moçambicanos, mas sim uma honra para o bem colectivo do povo da Tanzania”.22 22
AHU, MU/GM/GNP/049. PIDE, Informação N.51 - SI/CI(2).
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Vida e Obra de Armando Tivane
Julius Nyerere à direita, acompanhado por Samora Machel
Julius Nyerere, a par de Nkwame Nkrumah antigo Presidente do Gana, foi um dos impulsionadores para a criação da Organização da Unidade Africana (OUA), que tinha como pano de fundo a libertação total do continente africano. Como resultado do cometimento de Nyerere, o Comité de Libertação da OUA foi instalado na Tanzania, passando este país a figurar como entreposto logístico dos movimentos nacionalistas. Por outras palavras, na Tanzania funcionou uma espécie de centro de comando e de sustentação para os movimentos nacionalistas, com o apoio da China, da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e da República Democrática Alemã (RDA), que forneciam material de guerra, bem como ministravam a preparação político-militar. 33
Vida e Obra de Armando Tivane
Por alturas do recrudescimento dos movimentos nacionalistas e contestatários em território moçambicano contra o jugo colonial português, o Botswana e a Suazilândia ainda eram protectorados britânicos. Este cenário não inibiu a alguns cidadãos e organizações destes territórios, o apoio aos nacionalistas da região, não obstante a colaboração entre a administração colonial portuguesa e as estruturas britânicas montadas nestes países. Assim, os cidadãos daqueles territórios e as suas lideranças tiveram que se socorrer de uma estratégia cuidadosamente elaborada, no apoio aos nacionalistas moçambicanos. A Zâmbia, na altura liderada por Kenneth Kaunda empenhou-se bastante à causa dos movimentos nacionalistas na região, manifestamente, através da aceitação da instalação das representações dos movimentos independentistas da Rodésia do Sul, Angola e Moçambique. No entanto, a situação geográfica do seu País, de dependência dos portos da Beira e Lobito, não permitia que manifestasse, explicitamente, o seu posicionamento contra as pretensões colonialistas portuguesas. Em virtude desta situação, Kaunda restringiu o movimento dos nacionalistas moçambicanos, no seu território, no entanto, prestando-lhes apoio, de forma camuflada. Existem informações que demonstram o apoio dissimulado em vários momentos da sua actuação. A título de exemplo, a 6 de Dezembro de 1967, a Delegação da PIDE em Angola, elaborou uma informação em que fazia menção à transferência de um grupo de nacionalistas para Rufunsa, a cerca de 145km de Lusaka, onde ficariam sob vigilância. 34
Vida e Obra de Armando Tivane
A mesma fonte refere que estas atitudes eram golpe de “política de fachada”, do Presidente zambiano.23 Armando Tivane, usando o benemérito de Kenneth Kaunda, penetrou na Zâmbia, tendo antes passado pela Rodésia do Sul (actual Zimbabwe), saído da África do Sul, à caminho de Dar-es-Salaam, provavelmente em 1966. Ainda não encontramos muitas evidências da presença de Tivane em território zambiano. O único testemunho em nosso poder é a missiva dirigida a um conterrâneo seu e amigo de infância, Afonso Tsenane, com o qual estivera nas minas da África do Sul. Essencialmente, informava-o que estava preso na Zâmbia. Afonso Tsenane afirma ter continuado a receber correspondências de Tivane, mas este destruiu outras cartas devido ao seu teor, como se pode ler no depoimento seguinte: - “Recebi três cartas de Armando Tivane quando me encontrava na África do Sul. Na primeira, ele me relatava o facto de estar preso na Zâmbia e que eu devia reagir se tivesse recebido a carta. Eu reagi, através do mesmo endereço postal que Tivane usou e, de certeza que ele recebeu a minha carta, porque depois disso ele mandou mais duas correspondências. Nestas ele dizia não saber qual seria o seu destino, mas que se tudo corresse bem, conseguiria chegar à Tanzania, que era seu desejo.”24
23
AHU, MU/GM/GNP/042. PIDE, Angola, Informação N.1307 - SC/CI(2).
24
Afonso Tsenane, entrevista citada.
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Carta de Armando Tivane a Afonso Tsenane
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Tradução do conteúdo da carta de Tivane a Tsenane
Caro irmão Afonso Tsenane Em primeiro lugar quero saber da saúde Eu estou bem, não sei você pai Tsenane. Informo-lhe que estou na Zâmbia, Mas não trabalho. Fui preso, estou na cadeia, mas estou bem. Fui preso na fronteira entre Rodésia e Zâmbia, mas já havia entrado na Zâmbia e agora estou aqui na Zâmbia, Sendo assim peço-lhe para que se cuidem; a si e os de lá de casa, assim seja. Não tenho muito a dizer. Cumprimentos. Manda cumprimentos a todos que vivem consigo. Peço que ao receber esta carta me responda com urgência há outras coisas que lhe quero explicar. Adeus, do seu filho Armando Tivane. A partir desta carta pode-se ver que Armando Tivane atravessou, igualmente, a Rodésia do Sul, actualmente Zimbabwe. Na altura, este país era dirigido por Ian Smith, que representava os interesses da minoria branca, com pretensões neo-coloniais. Smitlh sentira-se ameaçado com a onda de independências concedidas às colónias britânicas e, acima de tudo, com a política que dava primazia aos governos de maioria negra. Dada a sua insatisfação e pretendendo manter um status quo dos brancos, confrontou-se com a Inglaterra, ao que reagiu com a criação da Declaração Unilateral da Independência (DUI), para a Rodésia do Sul, em 1965. 37
Vida e Obra de Armando Tivane
Portugal, atento a estes acontecimentos, encontrou em Ian Smith e na Rodésia do Sul um aliado para impedir a difusão de ideais nacionalistas, e sobretudo, a utilização do território rodesiano pelos moçambicanos. Deste modo, estreitava-se o relacionamento entre a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) e os Serviços Secretos Rodesianos (CIO). O Malawi, por sua vez, tinha como presidente, Hastings Kamuzu Banda, um homem que tinha atitudes paradoxais, pois, jogava com um “pau de dois bicos”. Por um lado, enquanto precisava do apoio dos outros movimentos nacionalistas, apoiou o movimento libertário regional e, uma vez conduzido à presidência daquele país, optou por um apoio camuflado, contrariando as expectativas. Esta última atitude é explicada por algumas correntes de opinião, pelo seu encravamento geográfico, situação que o tornava dependente de Moçambique. A concordar com Jesus (2010), o Presidente Banda era obrigado a tomar posições políticas únicas com Portugal. “Banda, embora mantivesse uma representação da FRELIMO no seu território, mantinha relações excelentes com Portugal”. Atento à situação geopolítica regional, estamos em crer que Armando Tivane não teria passado por Malawi, para atingir Dar-es-Salaam, ainda que fosse uma rota usada por muitos nacionalistas.
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VI. PREPARAÇÃO POLÍTICO-MILITAR DE ARMANDO TIVANE Armando Tivane teve os seus treinos político-militares no campo de Nachingwea, a partir de 1967. O centro de preparação político-militar de Nachingwea foi aberto em Outubro de 1965, por cerca 40 instrutores moçambicanos, dirigidos por Samora Moisés Machel. Este campo estava localizado na propriedade agrícola número 17, uma farma de sisal abandonada após a proclamação da independência da Tanzania. Distava a cerca de 100km da fronteira moçambicana, a Sul daquele país. Neste campo viria a ser estabelecido o “Comando Nacional” das forças de libertação de Moçambique (Manjate et al, 2013). Durante os treinos em Nachingwea, Armando Tivane fez parte de um pelotão considerado especial, pelo facto de integrar mulheres, pela primeira vez, treinando juntamente com os homens. Esta era uma orientação do Presidente Eduardo Mondlane que, guiado pelos princípios de equidade de género, defendia que a mulher devia ter um papel mais interventivo no contexto da Luta. A propósito da preparação de Tivane em Nachingwea, Cara Alegre Tembe, seu colega de treinos e de trincheira, prestou o seguinte depoimento: - “Conheci o Camarada Armando Tivane no campo de preparação político-militar de Nachingwea, em 1967. Estávamos no mesmo pelotão, onde pela primeira vez foram integradas mulheres, pelo que não houve separação de nenhum tipo. Lembro-me de alguns nomes deste grupo, como Deolinda Guezimane, Vasco Sulil, Lucas Langa e David Massingue. Os nossos 39
Vida e Obra de Armando Tivane
treinos tiveram a duração de cerca de 1 ano, tendo-se estendido até 1968. A integração de mulheres trouxe muita surpresa porque muitos homens não acreditavam que elas pudessem cumprir na íntegra, os exercícios submetidos aos homens, mas a determinação delas permitiu-lhes superar todos os desafios”.25
António Rufino Cara Alegre Tembe
A rotina no campo de Nachingwea começava às 5:00 horas, com a preparação física, a qual consistia na corrida matinal e outro tipo de exercícios. Por volta das 6:00 horas era servido o matabicho, quando existisse. As 07:00 horas, seguia-se a formatura onde os grupos levantavam o armamento e iam aos treinos militares. Estes eram interrompidos por volta das 12:00 horas, para o almoço. A parte da tarde era reservada para as aulas políticas. No final do dia, cerca das 18:00 horas, era servido o jantar. 25
António Rufino Cara Alegre Tembe, entrevista de 30/11/2012, Matola.
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Vida e Obra de Armando Tivane
As lições em Nachingwea compreendiam aulas teóricas e práticas. Nas primeiras, eram ministradas matérias ligadas a topografia militar, entre outras matérias relevantes. Lembrando-se das lições ministradas em Nachingwea, Cara-Alegre, acrescentou: - Durante os treinos tínhamos aulas de alfabetização. Também aprendíamos noções de geografia e relevo (topografia militar), leitura de mapas topográficos. Numa primeira fase, o nosso pelotão recebeu treinos básicos que consistiu em tácticas militares, manuseamento de armamento, desde pistola até canhão (artilharia), bem como defesa anti-aérea. Posteriormente, recebemos treinos como instrutores gerais. A última fase da instrução era reservada à especialização. Aqui, Armando Tivane seguiu a área de Comissariado Político. Nesta época, os treinos básicos estavam sob a responsabilidade de instrutores moçambicanos, enquanto a especialização estava sob a alçada de instrutores chineses”.26
Guerrilheiros durante treinos em Nachingwea, com canhão 75 mm 26
António Rufino Cara Alegre Tembe, entrevista citada.
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Vida e Obra de Armando Tivane
Armando Tivane assimilou na íntegra as lições ministradas pelos instrutores e era exímio nos treinos prático-militares. Rapidamente, revelou uma capacidade comunicativa e de diálogo extraordinária. Voluntariamente, transmitia confiança e esperança a outros instruendos no campo, quando por várias razões fraquejassem, transmitindolhes mensagens encorajadoras. Essas habilidades não passaram despercebidas dos instrutores, o que terá pesado para a sua integração na especialização, como comissário político. Armando Tivane era um grande apreciador das artes, especialmente da dança Makwayela. Neste contexto, e já exteriorizando as qualidades de um comissário político, mobilizou o seu pelotão, dinamizando o grupo cultural A Voz do Militante. Este grupo executava várias expressões artísticas, desde a poesia, passando pelo canto até a dança. Nesta última, destacavam-se, especialmente, o Mapiko, o Makhwayi e a Makwayela, como se recordou Cara Alegre: - “Armando Tivane foi nosso maestro de Makwayela. O nosso grupo fazia apresentações às sextas-feiras, à noite, por volta das 18/19h, inseridas nas sessões de espectáculos culturais no campo de Nachingwea, como forma de descontracção. Muitas canções revolucionárias criadas em 1967 foram feitas pelo nosso grupo. Lembrome de colegas que integravam o grupo, nomeadamente, Josina Muthemba, Deolinda Guezimane e Paulina Mateus”.27 27
António Rufino Cara Alegre Tembe, entrevista citada.
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Vida e Obra de Armando Tivane
Findos os treinos militares, a Direcção da FRELIMO destacou Armando Tivane para a Frente de Tete, em 1968. Como resultado das suas qualidades, com destaque para a flexibilidade, fácil trato e eloquência no diálogo, bem como a coragem demonstrada durante a instrução, foi designado Comissário Político. Teve, igualmente, a responsabilidade de, juntamente com outros guerrilheiros, preparar o avanço da luta para as actuais províncias de Manica e Sofala, uma estratégia para a extensão da guerra para o Sul do País, aspecto a ser desenvolvido mais adiante.
Guerrilheiros da FRELIMO na Frente de Tete
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Vida e Obra de Armando Tivane
VII. A FRENTE DE TETE NO CONTEXTO DA LUTA ARMADA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL A Luta Armada de Libertação Nacional teve início em 1964, nas províncias de Cabo Delgado, Niassa, Zambézia e Tete. A opção por estas províncias explica-se pela sua posição geoestratégica. Para Cabo Delgado e Niassa pesou, entre vários factores, a proximidade ao território tanzaniano onde estava instalado o comando da FRELIMO e toda a estrutura logística indispensável à guerrilha. Por sua vez, as províncias da Zambézia e Tete, no contexto das estratégias traçadas pela FRELIMO, possibilitariam um rápido avanço da Luta para as regiões de Manica e Sofala e, em última instância, para a zona Sul, onde estava instalado o centro do poder político-administrativo colonial. De acordo com Pelembe (2012), na Província de Tete tinham sido formados dois grupos. O primeiro, comandado por Luís Gouveia, integrava entre outros, Raúl César e Artur Fole. Este grupo não conseguiu realizar a sua acção na data prevista, por ter sido descoberto pelo inimigo. Na sequência, foi atacado quando ainda se preparava para iniciar o combate, tendo recuado para a base de Chididi. Mais tarde, entrou o segundo grupo, vindo do campo de Kongwa, composto por Tchokisse Munhiwa, Mário Mairosse, Pedro Seguro, entre outros. Apesar deste reforço, o avanço da Luta em Tete não se mostrou fácil, em virtude de constrangimentos de vária ordem, desde o posicionamento geográfico à importância geopolítica e económica da Província. De facto, a Província de Tete faz fronteira com a Zâmbia, a Rodésia do Sul e 44
Vida e Obra de Armando Tivane
o Malawi. Enquanto a Rodésia do Sul era abertamente hostil ao nacionalismo moçambicano, o Malawi, como referido anteriormente, tinha um posicionamento ambíguo. Efectivamente, a FRELIMO tinha que lidar com o indeciso governo malawiano, cujo presidente havia adoptado uma política que não permitia definir, claramente, o seu posicionamento. Este tinha celebrado acordos com o governo português para cedência de meios navais e o uso do corredor da Beira para o escoamento de produtos de e para o Malawi, sendo que em troca, o Malawi iria colaborar com as forças portuguesas, não apoiando as investidas da FRELIMO (Afonso e Gomes, 2010). Neste contexto, o Presidente Banda tornou-se num vizinho estratégico não seguro. Por um lado, como referimos, tinha que manter a sua palavra de honra perante os seus parceiros viáveis para a vida económica do seu país e, por outro, as relações histórico-culturais que o obrigavam a apoiar o nacionalismo regional. Portugal já se tinha apercebido da posição ambígua de Banda. De igual modo, tinha conhecimento do envolvimento das lideranças políticas malawianas no apoio aos movimentos nacionalistas. Estas interpretações fundamentam-se em informações dos serviços secretos portugueses. A título de exemplo, os Serviços de Centralização e Coordenação de Informações, no seu Bolentim de Difusão de Informações, N. 94/64, Processo 2/11/5/17, datado de 29/06/1964, referem o seguinte: -“O Dr. Banda, dada a sua posição de líder africano, faz “vista grossa” às actividades da FRELIMO na Niassalândia, embora não reconheça, oficialmente, a referida organização subversiva”.28 28
AHU, UM/GM/GNP/036/Pt.6.
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Vida e Obra de Armando Tivane
A conjuntura da luta na Frente de Tete apresentava-se com muitos desafios para a FRELIMO. Dentre estes, destacam-se a fuga de populações para os países vizinhos, motivada pelas brutalidades e massacres perpetrados pela administração colonial, o que por sua vez criava dificuldades de mobilização da população e materialização de um dos princípios da guerra de guerrilha, defendidos por Mao Tse Tung, segundo o qual “a população é a água e o guerrilheiro, o peixe”. A assistência logística a esta Frente, a partir de Dares-Salaam configurou-se entre os desafios principais. Foi este cenário que contribuiu, decisivamente, para a interrupção das operações militares nesta Frente. No entanto, em reconhecimento da importância de Tete no contexto da Luta de Libertação, o Comando da FRELIMO foi desenhando estratégias político-militares para retomar à guerra, abertamente, pois, ela continuava clandestinamente. 7.1. Reabertura da Frente de Tete As acções na Frente de Tete, tendentes à sua reabertura fortificaram-se em 1967, com o envio de um grupo de cerca de 12 guerrilheiros comandados por Francisco Manyanga. Estes fizeram um trabalho de mobilização para criar as condições necessárias para o relançamento efectivo da Luta. Nesta altura, a situação regional havia mudado significativamente, com a consolidação da independência da Zâmbia, o que facilitou a mobilidade de homens e material de guerra para Tete29. 29
O exército colonial português criou o Sector F, em 1967, especificamente para travar as incursões dos guerrilheiros, pois, desconfiava que estes ao se fazerem presentes no terreno pudessem se apoiar no Malawi e na Zâmbia.
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É de realçar que a Província de Tete assumia capital importância no contexto da Luta Armada. Para a FRELIMO, Tete era o “estômago do inimigo”, um ponto estratégico para a expansão da Luta para a região de Manica e Sofala. Efectivamente, debilitando o inimigo nesta Frente, abriam-se fortes possibilidades de expansão da Luta para a região Sul do País. De igual modo, criavam-se bases de apoio e retaguarda para os nacionalistas zimbabweanos, que se preparavam para lançar ofensivas militares contra o regime minoritário instalado no seu País. A administração colonial portuguesa, igualmente, ciente do valor geoestratégico de Tete, recorreu a várias iniciativas para impedir o avanço da Luta da FRELIMO. Neste contexto, Portugal encontrou no projecto de construção da Barragem de Cahora Bassa um mecanismo para materializar os seus desígnios, conferindo a este empreendimento uma dimensão económica, quando na realidade este aspecto era suplantado por razões de natureza política. Portugal via naquele projecto um pretexto para materializar os seus planos de administração territorial, que consistiam na continuidade da presença colonial em Moçambique. Para o efeito, procurou atrair investidores para o projecto. No entanto, este objectivo só poderia ser alçando mediante a demonstração da viabilidade económica do empreendimento. Para o efeito, em 1966, Portugal apresentou uma proposta à África do Sul, convidando este País a participar do projecto30, aspecto que viria a ter anuência. 30
AHU, UM/GM/GNP/030.
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A administração colonial portuguesa desenvolveu, igualmente, manobras no sentido de garantir, entre os países ocidentais, um investimento para a construção daquele empreendimento. Deste modo, iria atrair apoio dos investidores no projecto, através do grupo Zamco31. O desenvolvimento criado a partir da Barragem permitiria a instalação de milhares de colonos europeus32, retirando a base de apoio ao nacionalismo moçambicano (Afonso e Gomes, 2010). Este aspecto é partilhado por Lourenço Mutaca, combatente da Luta de Libertação Nacional, nos seguintes termos: - “O projecto da Barragem de Cahora Bassa não era de natureza essencialmente económica, mas sim política. Neste contexto, pretendia-se tornar a região sul da África num continente branco”.33
Barragem de Cahora Bassa, em construção 31
Zamco – Consórcio Hidroeléctrico do Zambeze, ao qual foi adjudicada a construção de Cahora Bassa. A Zamco era composta por empresas de países membros da Nato. 32
Numa primeira fase estava prevista, no âmbito do projecto Vale de Zambeze, a instalação de 80 000 colonos. Porém, nas previsões do projecto chega-se a avançar o número de um milhão de europeus a colocar na região centro, muitos deles antigos militares que ficariam em Moçambique após as suas comissões, atraídos pela generosa natureza para actividades agro-pecuárias e minerais. 33
AHU, UM/GM/GNP/030. A tradução do documento do inglês é da responsabilidade do ARPAC.
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Em face deste cenário, várias diligências foram encetadas no sentido de se inviabilizar a construção deste empreendimento. A questão de fundo não residia na Barragem em tanto que infra-estrutura física, mas no seu aproveitamento para o bloqueio do avanço da Luta que conduziria os moçambicanos à independência. Em termos militares, a conclusão da Barragem e consequente enchimento da albufeira, dificultaria a travessia dos guerrilheiros para o Sul. A FRELIMO opôs-se à sua construção, desenvolvendo, igualmente, acções de âmbito diplomático, com destaque para diversos pronunciamentos de Eduardo Mondlane ao nível da ONU, contra aquele projecto (Schneidman, 2005). No contexto desta luta diplomática, Mutaca pronunciou-se nos seguintes termos: - “É por essa razão que nós não aceitamos Cahora Bassa. Como podemos aceitar uma coisa feita para nos exterminar. Nós explicamos ao mundo, que queremos interromper o apoio destes sete países a Portugal”.34 Em Março de 1968 a FRELIMO reiniciou as ofensivas militares contra posições coloniais nesta região. Na sequência, foram efectuados ataques a três alvos específicos, em Furankungo, Fíngoè e Chifombo. 7.2. Armando Tivane na Frente de Tete Após o reinício efectivo das acções combativas na Frente de Tete, em 1968, a Direcção da FRELIMO convocou o II Congresso, realizado em Matchedje, na Província de Niassa, de 20 a 25 de Julho. Este Congresso teve a particularidade 34
AHU, UM/GM/GNP/030. Os países em referência eram a Inglaterra, França, Estados Unidos da América, Itália, Suíça, Alemanha e África do Sul.
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de ter sido o primeiro em território moçambicano, uma prova inequívoca dos sucessos militares alcançados pela FRELIMO. Por este acontecimento, o mesmo é apelidado de “Congresso da Vitória”, associado ao facto de ter conduzido os moçambicanos à Independência Nacional35. Armando Tivane tomou parte no II Congresso, integrado na delegação de Gaza, na qualidade de observador, juntamente com Simone Sithole. Tomaram parte como Delegados desta Província, Francisco Langa, Jacinto Hlacude, Eugénio Matusse, Josina Muthemba, Raimundo M. Lumbela, Salvador Gazete, Miguel Chivite, Cândido S. Langa, Cândido Mondlane e Romão P. Mondlane.
Participantes ao II Congresso
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Refira-se que foi o único Congresso realizado dentro do território nacional, no período da Luta. Os subsequentes tiveram lugar após a independência do País.
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As resoluções saídas do II Congresso, respeitantes à Luta Armada, defendiam o envolvimento de todo o povo moçambicano no combate contra a opressão e exploração coloniais. Para o alcance desse desiderato, afigurava-se importante intensificar a mobilização e organização da população para o seu total engajamento nos esforços da Luta. Resoluções do II Congresso sobre a Luta Armada “… para fazer face a todas as formas de opressão e de repressão colonialistas, o povo moçambicano prosseguirá resolutamente a Luta Armada, travando uma guerra renhida de independência ou morte … Mais ainda, a situação geográfica e política do nosso país, assim como a situação política dos países limítrofes: Suazilândia, África do Sul, Zimbabwe, Malawi, tornaram a expansão da luta para o Sul difícil … para alcançarmos a vitória não temos outro caminho se não o de mudarmos o sentido do desequilíbrio, o que conseguiremos sem dúvida, mas que exige de nós grande esforço … é necessário intensificar a mobilização e a organização do povo, tanto nas zonas libertadas como nas regiões onde a luta armada ainda não começou…” Em linhas gerais, as Resoluções do II Congresso sobre a Luta Armada reconheciam a necessidade de implantação da Luta em todo o território nacional. Em resposta a este comando político-militar, reforçou-se o contingente dos combatentes em Tete. Na sequência, um grupo de cerca de 38 guerrilheiros saídos de Nachingwea seguiu para a Frente de Tete, em Outubro de 1968. Integravam-no, entre outros, Armando Tivane, António Rufino Cara Alegre 51
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Tembe, Armando Canda, Tomé Eduardo, João Aleixo Malunga, Alberto (ou) Jorge Munguambe, Fernando Machanguana e Lucas Langa. Cara Alegre Tembe, debruçou-se sobre a saída do seu grupo para a Frente de Tete, passando por Zâmbia, nos seguintes termos: - “De Nachingwea seguimos para a Frente de Tete, em 1968, logo no reinício da Luta. Lembro-me que estava na companhia de Armando Tivane, Lucas Langa, Tomé Eduardo, e outros camaradas, perfazendo um grupo de 38 combatentes seleccionados em Nachingwea, por Samora Machel. Saímos de Nachingwea de carro até Lusaka, na Zâmbia. Deste local, fomos até Tete”.36
Guerrilheiros da FRELIMO na Frente de Tete, vendo-se em primeiro plano Fernando Machanguana e Tomé Eduardo 36
António Rufino Cara Alegre Tembe, entrevista citada.
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A chegada do reforço à Província de Tete não passou despercebida ao exército colonial português que, consequentemente, entrou em desdobramentos militares defensivos. Estrategicamente, reforçou a sua cooperação com a tropa da Rodésia do Sul, na ânsia de estancar o avanço da Luta. A este respeito, Cara Alegre acrescentou: - “Quando o inimigo se apercebeu da nossa presença em Tete, desdobrou-se em acções defensivas, recorrendo aos seus aliados rodesianos. Passamos a enfrentar a tropa portuguesa e rodesiana, que entrou no conflito sob pretexto de impedir o apoio que a FRELIMO poderia conceder aos nacionalistas zimbabweanos. Enfrentamos momentos difíceis. Lembro-me de um ataque que sofremos por volta das 5:00 horas. No momento em que preparávamos a refeição caiu um obus no local onde estávamos acampados. Por sorte ninguém ficou ferido. Como estivéssemos na fronteira com a Zâmbia, não reagimos ao ataque, limitamo-nos a retirar, atravessando para este país. Se disparássemos poderíamos ter problemas com as autoridades zambianas”.37 Naquele território, os guerrilheiros reorganizaram-se e retomaram a sua marcha para o interior de Tete. Uma vez mais, caíram numa emboscada da tropa colonial, tendo ficado ferido um dos guerrilheiros. Após escapar deste ataque, o grupo decidiu organizar-se em pequenas unidades, que seguiram para diferentes direcções, como forma de desnortear o inimigo, evitando ser um alvo fácil de abater. 37
António Rufino Cara Alegre Tembe, entrevista citada.
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Vida e Obra de Armando Tivane
De modo a dinamizar a Luta, Samora Machel decidiu enviar um comandante experiente para a Frente de Tete. Neste âmbito, José Moiane foi nomeado para o cargo de Chefe de Operações da Província, em 1969. A respeito deste assunto, Moiane (2009), referiu: - “Por volta de Fevereiro ou Março de 1969, o camarada Samora Moisés Machel chamou-me para o seu gabinete e informou-me que eu tinha sido nomeado chefe de operações da província de Tete. Afirmou que a província precisava de um comandante experiente e, como eu tivesse a experiência da Província de Niassa, acharam que realmente seria útil para Tete. Disse-me qual era a importância estratégica da Província de Tete, no contexto da Luta de Libertação Nacional”.
Guerrilheiro da FRELIMO, transportando material, vendo-se em seguida, José Moiane e Lucas Langa
Após a sua inserção na Frente de Tete, Moiane, inspirando-se na experiência de Niassa, que tinha sido dividido em regiões, apresentou um plano estratégico de organizar a Província em sectores, como forma de 54
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impulsionar o avanço da Luta para as regiões Centro e Sul de Moçambique. Assim, esta Frente ficou estruturada em Quatro Sectores38. O Primeiro Sector compreendia a área a Norte do rio Zambeze até a fronteira com a Zâmbia, entre os rios Aruângua e Capoche, até ao rio Zambeze; o Segundo Sector enquadrava-se na área entre o rio Capoche e a estrada que liga Tete ao Malawi, desde o Zambeze até a fronteira com a Zâmbia e Malawi. O Terceiro Sector correspondia à região Sul do Zambeze, até a fronteira com o Zimbabwe, limitado a Leste pela Cidade de Tete. Por fim, o Quarto Sector compreendia toda região Sul do rio Zambeze.39
Distribuição dos sectores na Frente de Tete 38
Em 1971 o Primeiro Sector era chefiado por Sebastião Soares na qualidade de comandante, coadjuvado por Domingos Mascarenhas, com o Quartel-general na Base Chizame. O Segundo era comandado por Rodolfo Mendes e o adjunto Ernesto Campos. Por seu turno, o Terceiro era comandado por Elias Sigaúque, coadjuvado por Félix Mendes. De acordo com as fontes coloniais do Arquivo Histórico Ultramarino, Armando Tivane era o Comissário Político. No entanto, Moiane (2009), indica que o Comissário Político deste Sector era José Gilion Michila. 39
Moiane (2009). AHU, UM/GM/GNP/039. Esquema do dispositivo da FRELIMO no Distrito de Tete.
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Vida e Obra de Armando Tivane
Cada Sector era composto por destacamentos. De uma forma geral, a missão destes destacamentos consistia no bloqueio das estradas, tendo havido, porém, algumas especificidades, como a protecção do transporte de material bélico, sob a responsabilidade do Oitavo Destacamento; a exploração político-militar, sob alçada do Nono Destacamento; e a instrução e segurança, no décimo quinto Destacamento. Refira-se que estes destacamentos pertenciam ao Segundo Sector. Apesar do sucesso da divisão da Província em sectores para o avanço da Luta, prevaleceram desafios internos, associados à falta de coordenação dos planos da Luta, má utilização dos fundos, dentre outros. Segundo Pelembe (2012), a solução passava pela intervenção da direcção máxima da FRELIMO. Na circunstância, foi enviada a Tete uma brigada constituída por Sebastião Mabote e Oswaldo Tazama. Foi na sequência do relatório desta missão que o Presidente Samora Moisés Machel decidiu efectuar uma visita à Província de Tete, acompanhado por Joaquim Alberto Chissano, Chefe do Departamento de Segurança e Armando Emílio Guebuza, Chefe da Secção do Comissariado Político. Como resultado desta missão, Pascoal Nhampule, então chefe do Departamento de Defesa da Província, foi transferido para Cabo Delgado, tendo José Moiane assumido o cargo. Tomé Eduardo tornou-se Chefe das Operações e Segurança e João Aleixo Malunga, Chefe de Reconhecimento.
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Samora Machel e outros guerrilheiros na Frente de Tete
Com a divisão sectorial da Província de Tete, Armando Tivane assumiu o cargo de Comissário Político, no Destacamento de Chidima, no primeiro sector, em 1969. Refira-se que o primeiro sector servia de elo de ligação entre a sede da FRELIMO, na Tanzania e a Frente de Tete, através da Zâmbia. Era por via deste sector que toda a Frente recebia abastecimento em material letal e não letal, imprescindível ao avanço da Luta na região. João Facitela Pelembe (2012), destaca a importância deste sector, no seu livro de memórias, da seguinte forma: - “Para acompanhar o desenvolvimento da luta, o comando provincial decidiu introduzir uma nova dinâmica nas operações, como forma de fazer uma adequação à situação real no terreno, ou seja, 57
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adoptou o princípio táctico da planificação conjunta e implementação dispersa das suas decisões. (…) O 1º sector coube ao chefe da província, o camarada José Moiane, devido à sua importância estratégica para o desenvolvimento da luta no interior de Tete. Este sector era muito importante porque permitia a ligação com o exterior de Moçambique, através da nossa representação em Lusaka, onde estavam os camaradas Francisco Langa e Mariano Matsinha, representantes militar e diplomático, respectivamente. Por exemplo, estando no 1º sector, o chefe da província poderia ter mais facilidade para supervisionar o escoamento do abastecimento militar vindo do centro de Nachingwea, através da Zâmbia, para as diferentes frentes da luta.” Armando Tivane permaneceu 2 anos em Chidima. Como comissário político, tinha a tarefa de mobilizar a população e os guerrilheiros, explicando os propósitos e desafios da Luta. Relativamente à população, pretendia-se criar uma base de apoio, operacionalizando a máxima de Mao Tse Tung, já mencionada. De igual modo, recrutou jovens para as fileiras militares. Aos guerrilheiros, acrescia-se ainda a difícil tarefa de elevar a moral combativa, mantendo altos os seus índices motivacionais. A respeito do papel desempenhado por Armando Tivane, na qualidade de comissário político, José Moiane, salientou: - “Como comissário político, Armando Tivane destacouse na mobilização da população e recrutamento de novos guerrilheiros. Com paciência e responsabilidade, Tivane transmitia confiança aos companheiros, explicando-lhes que deviam estar preparados para 58
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uma guerra prolongada. Ouvindo as mensagens de Tivane, os guerrilheiros enchiam-se de coragem e não pestanejavam quando solicitados para os combates, mesmo cientes de que o inimigo estava melhor equipado”.40
População mobilizada para guerra
Os resultados destas acções conjugadas não se fizeram esperar. Com efeito, ocorreram ataques sucessivos a uma companhia do exército colonial estacionada na Cantina Oliveira e ao Quartel de Chiputo. O ataque ao primeiro alvo, que culminou com o seu desmantelamento, foi comandado por José Moiane, coadjuvado por João Facitela Pelembe. Relativamente ao Quartel de Chiputo, como resultado das constantes investidas militares dos guerrilheiros, esta viu reduzida a sua capacidade ofensiva. 40
José Moiane, entrevista de 22/08/2013, Cidade de Maputo.
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O Comissariado Político tinha, ainda, sob a sua responsabilidade, a organização do sector de saúde, visando a assistência sanitária a população e aos guerrilheiros feridos em combate. Esta área era crucial para a mobilização das populações, pois, criava confiança nas acções dos guerrilheiros e, deste modo, vislumbrava a materialização das mensagens da FRELIMO à respeito da Luta, com enfoque para o bem-estar de todos os moçambicanos. No que se refere aos guerrilheiros, a assistência servia, igualmente, para elevar a moral combativa. Maximizando as potencialidades sócioestratégicas deste sector, o Comissariado Político mobilizava os guerrilheiros para campanhas ambulatórias.
Guerrilheiro prestando assistência sanitária a população 60
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Afonso e Gomes (2010), descreveram um episódio em que a FRELIMO se serviu da assistência sanitária para a mobilização da população: “um grupo de 16 elementos da FRELIMO executou várias acções de propaganda e aliciamento de populações a sudoeste de Vasco da Gama (Chidima), na zona de Tete. Para o efeito, este grupo organizou várias “banjas” durante as quais fez tratamentos sanitários as populações”. O sucesso das acções de mobilização e das ofensivas militares da FRELIMO criou condições para que o comando da Província decidisse, pela extensão das actividades para outras áreas. Neste sentido, foi seleccionado um grupo de guerrilheiros experientes, que já tinham demonstrado excelentes capacidades político-militares para o reconhecimento da zona Sul do rio Zambeze, com vista a abertura do Quarto Sector. Este tinha sido constituído por quatro combatentes dentre eles, Armando Tivane e Cara Alegre Tembe. O relatório desta missão foi abonatório, pelo que se decidiu pela travessia do Zambeze e criação do Quarto Sector. 7.3. Armando Tivane no Quarto Sector A travessia do rio Zambeze não se mostrava fácil, pois, a tropa colonial, recorrendo a lanchas, fazia constantes patrulhas. Como forma de contornar este obstáculo, os guerrilheiros recorreram à ajuda da população local. Neste processo, Armando Tivane, na qualidade de comissário político, mobilizou as comunidades locais o que resultou na travessia segura, indicação dos melhores itinerários e disponibilização de canoas e guias. Estes sucessos se deveram à eloquência do seu discurso. 61
Vida e Obra de Armando Tivane
Concretizada a travessia do Zambeze, em Outubro de 1970, Armando Tivane, de forma inteligente, em valorização dos esforços da Direcção da FRELIMO na aquisição de meios para a guerra tomou a iniciativa de esconder o material de guerra num local secreto. Em seguida, empenhou-se na sensibilização da população para o avanço da Luta. Paralelamente, fez-se o reconhecimento dos melhores locais para o estabelecimento das bases, em função do posicionamento da tropa inimiga, bem como da distribuição geográfica da população. Foi desta forma que se instalou a Base Sectorial, a Sul do rio Zambeze.
Guerrilheiros atravessando um rio
Depois de criadas as condições para o início da Luta neste sector, intensificou-se a travessia de guerrilheiros da FRELIMO, aumentando consideravelmente o número de combatentes nesta zona. Assim, houve necessidade de 62
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se constituir o comando sectorial. Este, foi composto por Elias Sigaúque, como Comandante, Zeca Caliate, Adjuntocomandante, Armando Tivane, Comissário Político, Cara Alegre Tembe, Chefe de Artilharia, Mariano Neves, Chefe dos Serviços de Reconhecimento (Moiane, 2009).
Guerrilheiros da FRELIMO na Frente de Tete, atravessando um rio
Com a constituição deste Comando, a FRELIMO começou a levar a cabo acções militares contra alvos coloniais. Estas iniciativas afectaram psicologicamente a população de origem portuguesa e a tropa colonial, ao ponto de as autoridades classificarem a situação de “extremamente preocupante”. A este respeito, um relatório dos serviços secretos coloniais descreveu esta situação nos seguintes termos: - “Reputa-se de muito grave e preocupante a posição assumida pelo inimigo no distrito de Tete. O inimigo 63
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deambula pela área do Quarto Sector (Sul de Moatize) dominando já as Regedorias Chacala, Mogunda e Catabua, cujas populações estão na sua quase totalidade, subvertidas. O movimento, ora subterrâneo, ora visível, do inimigo, tende a expandir-se em direcção à Mutarara, em ameaça às Forças da Ordem e num desafio aos seus meios disponíveis. O inimigo intensificou a sua actividade, e dela resultou maior número de acções violentas assim discriminadas: emprego de 35 minas, 4 ataques, 4 emboscadas, 7 militares mortos e, feridos 35 (…)”.41
Guerrilheiros em acção combativa
Ainda no mês de Agosto, na segunda quinzena, a FRELIMO voltou a infligir golpes ao inimigo. Esta acção resultou em baixas significativas, igualmente, reportadas pela Direcção Geral de Segurança, Delegação em Moçambique nos seguintes termos: 41
Direcção Geral de Segurança, Delegação em Moçambique, datado de 19/08/1971, relativo às actividades da FRELIMO no Quarto Sector. Exemplar N° 2334/71/DI/2/SC. In http://www.dgarq.gov.pt (Torre do Tombo).
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- “Durante a quinzena, a gravidade da situação no distrito que nele pende como a espada de Democles, assume aspectos de ponderar. (…) A actividade inimiga foi intensa, como demonstra o quadro seguinte: emprego de minas (21), ataques (3), emboscadas (4), soldados mortos em combate (7), feridos militares (34), milícias capturadas pelo inimigo (4) (…)”.42 De modo a contrapor as manobras da administração colonial relativas à construção da Barragem de Cahora Bassa, a FRELIMO desenvolveu uma série de operações militares. Neste âmbito, intensificou a implantação de minas anti-carro na estrada Tete - Songo43. Compulsando sobre o papel do quarto sector em relação ao projecto da Hidroeléctrica de Cahora Bassa, Pelembe (2012), referiu: - “Antes eu havia recebido uma carta escrita pelo camarada Joaquim Chissano (Chefe do Departamento de Segurança), vinda de Dar-es-Salaam, cujo portador era Pedro Acone, que alertava a Província de Tete, em especial, ao Comando do Quarto Sector, (sobre) a passagem (…) de uma grande coluna de camiões do inimigo transportando as turbinas para a barragem de Cabora Bassa. Isto significava que os trabalhos da barragem estavam numa fase relativamente avançada e que se tornava necessário que o comando da província e, sobretudo, o quarto sector, procurassem por todos os meios impedir o trânsito de tais turbinas”. 42
Direcção Geral de Segurança, Delegação em Moçambique. Exemplar N° 2556/71/ DI/2/SC, de 11/09/1971, in http://www.dgarq.gov.pt (Torre do Tombo). 43
Direcção Geral de Segurança, Delegação em Moçambique, datado de 19/08/1971, relativo às actividades da FRELIMO no Quarto Sector. Exemplar N° 2334/71/DI/2/SC. In http://www.dgarq.gov.pt (Torre do Tombo).
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Guerrilheiros em protidão combativa
As acções combativas dos guerrilheiros da FRELIMO iam tendo impacto significativo a nível regional e internacional. Estes acontecimentos, por sua vez contribuíam para o reconhecimento da legitimidade das acções levadas a cabo por este movimento, do que surgiam apoios diversos à Luta Armada. A título de exemplo, uma comunicação da Embaixada Portuguesa em Londres, que data de 21 de Dezembro de 1971, citando o jornal “Africa Confidential”, referiu o seguinte: 66
Vida e Obra de Armando Tivane
-“A FRELIMO tem sido muito activa na província moçambicana de Tete, local onde está a ser erguida a Barragem de Cahora Bassa, importante empreendimento, alvo principal dos guerrilheiros. De acordo com uma informação recente da FRELIMO, uma empresa mineira sul-africana viu-se forçada a abandonar o distrito, devido à incapacidade das tropas portuguesas de controlar a área”.44 O impacto internacional da Luta, pode ser visto na seguinte entrevista concedida por um dirigente da FRELIMO45, a 17 de Janeiro de 1973: -“Na frente externa, a nossa ofensiva foi dirigida no sentido de isolar cada vez mais o colonialismo português e o aumento do nosso apoio na senda internacional. Há que salientar as viagens realizadas pelo Presidente da FRELIMO a muitos países socialistas e a muitos países da Ásia, onde a solidariedade para com a nossa luta foi cada vez mais fortificada. Além da participação no Conselho de Segurança, realizada pela primeira vez em África e fora da ONU, a FRELIMO obteve sucessos importantíssimos ao garantir, juntamente, com outros movimentos de libertação o estatuto de observador na Assembleia Geral da ONU”.46 Reagindo contra os sucessos progressivos da FRELIMO no campo militar e diplomático, Portugal foi tomando uma série de medidas, com enfoque para a criação de instituições operativas. Com efeito, criou a Zona 44
AHU, UM/GM/GNP/039. A tradução do inglês é da responsabilidade do ARPAC.
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O seu nome foi omitido na fonte da entrevista, alegadamente, por razões de segurança. 46
AHU, UM/GM/GNP/039.
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Operacional de Tete (ZOT), na qual operavam o CODCB (Comando Operacional da Defesa de Cahora Bassa), o Comando Operacional das Forças de Intervenção (COFI), o Comando das Cargas Críticas (CCC) e o Centro de Instrução dos Grupos Especiais (CIGE). Foi criado o AB7 e os respectivos aeródromos de Manobra em Furacungo, Chicoa e Mutarara. A este contingente militar adicionou-se a própria PIDE/DGS e o engenheiro Jorge Jardim, para além da criação dos Grupos Especiais (GE), Flechas, Grupos Muito Especiais (GMP), Grupos Especiais Páraquedistas (GEP) e Grupos Especiais de Pisteiros de Combate (GEPC).47 A outra estratégia adoptada por Portugal foi a criação de aldeamentos, com o objectivo de confinar a população, mantendo-a fora do alcance das acções de mobilização e recrutamento da FRELIMO. Consequentemente, em 1970, a guerrilha passou por enormes desafios, pois, a população ao resistir às iniciativas de aldeamentos, impostas pela administração colonial, fugiu para os países vizinhos. Esta situação abalou a base de apoio dos combatentes, sabido que ela constitui o baluarte de qualquer acção de guerrilha, que se queira bem sucedida. Armando Tivane na qualidade de comissário político desempenhou um papel preponderante diante deste cenário. De facto, com destreza recorreu à antropologia da guerra, mobilizando as lideranças tradicionais e suas 47
Os GE – eram recrutados entre voluntários de uma zona étnica específica e, após a instrução militar, regressavam ao seu local de origem, para aí realizarem missões características de contra guerrilha, de flagelação e de redução do inimigo, tirando o máximo partido da sua adaptação natural ao meio e do profundo conhecimento do terreno e das populações. Os primeiros seis Grupos Especiais com um efectivo de 550 homens, participaram na Operação Nó Górdio. Até 1974, estima-se que o seu efectivo rondava nos 7700 homens. Para mais detalhes vide Afonso e Gomes (2010). Afonso e Gomes (2010:610).
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comunidades a retornarem às zonas de origem, o que resultaria no apoio necessário para o sucesso da Luta. A propósito destas acções, o relatório da DGS sobre a situação em Tete, no período entre 01 e 15 de Janeiro de 1972, destaca os seguintes acontecimentos ocorridos no 4º Sector, que os remetemos aos feitos de Armando Tivane: -“Continua grave a situação do distrito. O inimigo a Sul do Zambeze, designadamente Magoe, Mocumbura, Chioco e Marara tem recrutado centenas de indivíduos para as suas fileiras. Parte destes recrutas recebe a primeira instrução na Base de Instrução a Sul do rio Zambeze, sendo depois enquadrados em grupos, que já partiram na direcção de Vila Gouveia. Outros, mais evoluídos, seguem para Nachingwea para especialização”.48 O avanço impetuoso da Luta na Frente de Tete, mais especificamente no Quarto Sector, reduziu a capacidade operativa da tropa colonial. De facto, como resultado da intensa actividade de implantação de minas e consequente bloqueio das vias principais, o exército colonial viu as suas despesas militares a crescerem grandemente, devido ao recurso a meios aéreos para as suas operações. Com efeito, o mencionado relatório confidencial de um dirigente da FRELIMO, menciona, de forma elucidativa, o desgaste militar da administração colonial, nos seguintes termos: - “Há umas semanas o inimigo lançou de avião um panfleto que dizia: muito bem, vocês podem minar as 48
AHU, UM/GM/GNP/039.
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estradas e impedir-nos de circular por elas - mas vamos a ver se serão capazes de minar o espaço aéreo, nós vamos começar a nos deslocar por ar”.49 Com o confinamento da tropa colonial, a situação social das comunidades registou melhorias significativas, devido à reinstalação de infraestruturas sociais básicas, tanto da saúde como da educação. Com efeito, Armando Tivane, esmerou-se na criação de escolas para a alfabetização, onde se destaca a Escola de Djeke.
Ensino e aprendizagem durante a Luta Armada
Diante desta realidade, os nacionalistas zimbabweanos viram em Tete o baluarte para as suas acções tendentes à libertação do seu território. Armando Tivane, imbuído de 49
AHU, UM/GM/GNP/039.
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espírito internacionalista, irmandante e solidariedade entre os povos, chegou a fazer reconhecimento em território zimbabweano, como afirmou José Moiane: - “As notícias sobre o sucesso da Luta no Quarto Sector rapidamente se espalharam na região. Algumas comunidades do Zimbabwe chegaram a apelar a intervenção da FRELIMO na luta para a libertação do seu território. Neste período, Armando Tivane, na companhia de outros guerrilheiros, fizeram um reconhecimento no Zimbabwe. No entanto, não era aconselhável o envolvimento directo dos nossos guerrilheiros naquela luta, pelo que optamos por prestar apoio logístico e treinamento”.50 O regime minoritário de Ian Smith, apercebendo-se destas movimentações no seu território, reforçou a sua aliança e cooperação com a tropa portuguesa, especialmente na realização de acções militares combinadas. Crispen Marcos Catiza Mafunga lembrou-se destes acontecimentos, nos seguintes termos: - “No início do mês de Setembro de 1972, sofremos vários ataques na região. Eram ataques combinados entre a tropa portuguesa e rodesianas, tendo recorrido a forças aerotransportadas, artilharia e infantaria. Um destes ataques foi ao centro educacional de Djeke, aberto por Armando Tivane. A nossa rápida intervenção permitiu salvar todas as crianças”.51
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José Moiane, entrevista citada.
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Crispen Marcos Catiza Mafunga, entrevista de 19/08/2013. Cidade de Tete.
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VIII. Circunstâncias da Morte de Armando Tivane Armando Tivane perdeu a vida em Setembro de 1973, na região de Chintolo, em Mucumbura, Distrito de Mágoè. As circunstâncias em que esta fatalidade aconteceu enquadram-se no contexto das alianças políticas regionais, contrárias aos movimentos independentistas na África Austral. Armando Tivane, como comissário político, foi marcado como um dos alvos a abater, devido à sua destreza e coragem. Efectivamente, no mês de Agosto de 1972, a Luta Armada no 4° Sector preparava-se para atingir a Província da Zambézia, através da infiltração de guerrilheiros para a região de Pinda.52 Em reacção a esta onda de operações, as tropas portuguesas e rodesianas intensificaram os ataques à região. No âmbito destas diligências, foi realizada uma série de bombardeamentos às posições da FRELIMO e aos assentamentos populacionais, especificamente, no 4º Sector. Para contrariar as intenções do inimigo, um grupo de guerrilheiros chefiados pelo destemido e abnegado comissário político Armando Tivane, partiu de encontro ao inimigo. No entanto, durante a caminhada, os guerrilheiros viram-se, subitamente, envolvidos numa emboscada, tendo sido atingido mortalmente. A morte de Armando Tivane só foi notada quando das buscas efectuadas por um grupo de guerrilheiros, comandado por Mariano Neves, Chefe de Segurança Sectorial. A este respeito, este informate afirmou: 52
AHU, UM/GM/GNP/061. Gabinete Provincial de Acção Psicológica, análise semanal da propaganda da rádio, Agosto, relatório n. 100.
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-“Eu pertencia ao Quarto Sector, onde estava afecto, igualmente, o camarada Armando Tivane. Estávamos em plena actividade, quando nos apercebemos da movimentação das forças portuguesas e rodesianas. Em face desta movimentação, enviámos um grupo para fazer a revista à zona, mas este regressou sem sucesso, afirmando que não havia problemas. Porém, o nosso Comando não se conformou com o relatório. Assim, enviámos outro grupo, que também voltou sem sucesso, o mesmo acontecendo com o terceiro. Neste contexto, o camarada Tivane, recorrendo à sua profunda experiência como combatente, decidiu dirigir pessoalmente as acções de reconhecimento. Foi na sequência desta missão que caiu numa emboscada do inimigo. Passados três dias, sem o regresso, tomei a decisão de procurar por ele, tendo o encontrado em cima de uma montanha, sem vida. Foi ali onde o sepultámos”.53 A morte de Armando Tivane deixou um vazio enorme, não só ao nível do 4º Sector em Tete, mas também em toda estrutura da FRELIMO que tinha nele um exemplo de total entrega à causa libertária. A sua actividade contribuiu para a mobilização e integração de jovens nas fileiras da guerrilha, na elevação da moral combativa dos guerrilheiros e no avanço impetuoso da Luta para a região Sul do País. Tivane foi vítima de um conluio entre a tropa colonial portuguesa e os soldados do regime minoritário da Rodésia do Sul, abraçados à negação da liberdade dos povos moçambicano e zimbabweano. Estes povos procuravam mecanismos para ostentarem bandeiras próprias e assim ocupar um espaço digno no concerto das nações. 53
Mariano Neves, entrevista de 26/08/2013, cidade de Maputo.
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Vida e Obra de Armando Tivane
ANEXOS 1. Alguns Depoimentos sobre Armando Tivane Manuel Luís Bartone, Instrutor no Centro de Instrução básica de Chintolo lembra-se da obra de Tivane nos seguintes termos: “A tarefa principal de Tivane, para além de lutar era de Comissário Político, nos reunia para nos explicar qual era o objectivo da FRELIMO. Explicava aquele que ia lutar qual era o nosso objectivo. Tivane era activo, não tinha medo de guerra, quando houvesse guerra ao invés de mandar os outros ele ia em frente, diferentemente de outros que se escondiam. Armando Tivane trabalhou muito, ele mobilizava todos mesmo em tempo de fome convencia a todos. Não o considero herói não somente porque foi combatente no quarto sector, mas sobretudo porque trabalhou heroicamente. Era um homem muito forte, só para ver ele era Comissário Político, mas no combate onde ele cai, ele é que era o comandante.”54
54
Manuel Luís Bartone, Entrevista de 13 de Dezembro de 2012. Tete.
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Vida e Obra de Armando Tivane
Deve Nguilaze comandante do Sexto Destacamento do quarto sector, trabalhou directamente com Tivane e admira a sua capacidade directiva e a liderança mobilizadora: “Trabalhei com Tivane, porque depois da minha instrução fui afecto na província de Tete e destacado como comandante de sexto destacamento em Nhacadenga, distrito de Changara. Conheci ArmandoTivane como Comissário Politico, ele trabalhava directamente com o nosso comandante Fernando Matavele, com muita frequência Tivane visitava todos os destacamentos e unia os soldados e unia também o povo, para além dessa tarefa de mobilização ele combatia. Mas a tarefa dele era de mobilizar os nossos soldados explicar as razões de luta e era admirávamos a capacidade de convencer que Tivane tinha. Nos anos setenta a guerra era muito difícil por causa da fome e a força do inimigo. O Comissário Político Tivane trabalhou muito para convencer os camaradas que pensavam em abandonar a luta e fez isso com sucesso.”55
55
Deve Nguilaze. Entrevista de 13 de Dezembro de 2012. Tete.
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Vida e Obra de Armando Tivane
2. Lista de entrevistados Afonso Ntsenane Agostinho William Alface Ananias Quive António Rufino Cara alegre Tembe António Hama Thai Bernardo Beca Carlos Mazivila Crispen Marcos Mafunga Deve Nguilaze Francisco Elias Muchave Jaime Tivane Jaire Crosse Joaquim Chambisso João facitela Pelembe João Naftal Chaúque José Moiane Jorge Dick Jotamo Janeiro Mulambo Lourenço Tivane Manuel Luís Bartone Maria da Luz Gaza Massingue Maria Helena Muthambe Mariano Neves Pedro Quilione André Tovele Rosita Tivane Sebastião Mate Tomé Eduardo Xavier Tivane Zefanias Mangue Zeferino Paiva Amadeu
80
81 Ntonvo
Muatambazi
Chimuala
Chipsere
Cauyo
Lunene
Angónia
Canhama
Mau-Mau
Lumadzi
Chivungo
Chinghombe
Mango
Cassuende
Chiúta
Catondo
Canhama Matenje
ChiwalaBungue
Mapapaia
Chizame
Muakwangala
Mpangula
Calere
Mitamboa
Sidamissale
Mulowe
Base
Chadiza
Macanga
Chifunde
Distrito
Mirulo
Ntangue
Muze
Base
2º SECTOR
Mutarara
Moatize
Distrito
Tchaca
Doa
Chicongolo
Ntsungo
Inhangoma
Logística
Mputsi
Bagamoyo
Mwambe
Base
3º SECTOR
da FRELIMO na Frente de Tete
Fonte: Direcção Provincial dos Combatentes de Tete
Marávia
Zumbo
Distrito
1º SECTOR
3. Bases Base
Cansawawa
Segurança
Bungue
Mphalamabue
Gola
Nachinanga
Dzimica
Nhamajanela
Chocondamoyo
Dewetewe
Caponda
Macombe
4º SECTOR
Cahora-Bassa
Changara
Magoe
Distrito
Vida e Obra de Armando Tivane
Vida e Obra de Armando Tivane
4. Alguns combatentes da Frente de Tete 1º SECTOR Nr.
Nome
01
Augusto Capece Chico
02
Calulu Caphale Chirubumo
03
Bento Binzi
04
David Juliasse Siquilande
05
Siquione Maenda
06
Eduardo Mpera Chitsinde
07
Manuel Luís Bartone
08
Gervásio Phingo
09
Paulina Nsumba
10
Avelino Machipissa Nhale
11
Calulu Yamicani
12
Manuel Kamuzimbe
13
Estefânio Macajo
14
Sinario dos Santos
15
Domingos Chinwaza
16
Germano Lidodo
17
Alberto Zacarias Tawane
18
Alfredo Wassira
19
Mário Francisco
20
Alfredo João Manuel 82
Vida e Obra de Armando Tivane
Nr.
Nome
21
Vicente Jamisse
22
Cândido Zagua
23
António Baulele
24
Augusto Fernando Chombe
25
João Baptista Jamal
26
Santos Monteiro
27
Xavier Lumbe
28
Francisco Langa
29
Carlito Fernando Machanguane
30
Bethingine
31
Aguinesse Juliasse
32
Adimoni Daniel
33
António Baulene
34
Bernardo Beca
35
Moisés Roque Fernando
36
Haizeque Nkande Kamanga
37
Inês Tseca
38
Zita Capangula
39
Júlia Celestino de Sousa
40
Maurício Beulane Daca
83
Vida e Obra de Armando Tivane
2º SECTOR Nr.
Nome
01
Tadeu Kaindi Macaza
02
António Chide Chimuca
03
Langisse Cachiwa
04
Deuladeu Martins Chatseca
05
Lucas Lupewa
06
Gabriel Maurício Nhantimbo
07
Manuel Joaquim Norte
08
Salvador Samissone Nhantumbo
09
Evenia Sevene Chissinga
10
Marta Nvungue
11
Odete Jotamo
12
António Cambewa
13
Lisboa Andissene
14
Khamioni Botao
15
Chafa Chaola
16
Beulani Chissuanda
17
Júlio Kampeni Banda
18
Manuel Khoza
19
Eduardo Faquione
20
Alberto Mabuleia
21
Júlio Chipembere 84
Vida e Obra de Armando Tivane
Nr.
Nome
22
Alberto Samba
23
Maria Almoço
24
Lúcio Patrique
25
Maria do Céu Tembo
26
Pedro Doce
3º SECTOR 01
Bernardo Maqui
02
Canembera Francisco Trinta
03
Guetinal Khethani
04
Belina Pita Lore Fermenga
05
João Melione
06
Branquinho Mafuta
07
Mayesso Mpende
08
Waquiele Chalira Chissoni
09
Vulande Queniasse
10
Victor Sopa
11
Fernando Chissone
12
Anguista Mulatinho
13
Laissone Josse Chaonangoma
14
Limpo Ofesse
15
Rufino Zuze 85
Vida e Obra de Armando Tivane
Nr.
Nome
16
Júlio Muchila
17
Nhamitambo Campira
18
Nambewe Vicente
19
Toalha Saka
20
Timepo Laiva
21
Zefa Rocha
22
José Ajape
4º SECTOR 01
Damião dos Santos Banda
02
Lino Samuanibwino
03
Aibaque Fungulani
04
Lheratu Bene Camba
05
Manuel Foguete
06
Albertina Jequessene Mangação
07
Fátima Chatima
08
Joana Bandifolo
09
David Alguineiro
10
Isabel Sixpence
11
Maria Dua Sango
12
Mateus António Simão
13
Maurício Champerewere
14
Crispen Marcos Mafunga 86
Vida e Obra de Armando Tivane
Nr.
Nome
15
Augusto Danger
16
Virgílio Nguilazi
17
Massimba Romeu
18
José Sopa
19
Chagololino Xadreque Tesoura
20
Adelino Andiscente
21
Alfredo Chandi Guera
22
Augusto Sande Ngoma
23
Domingos Jombosse Thussa
24
João Muandinhosa
25
Adini Agida Chimili
26
César Alguineiro
27
Alberto Cachiza
28
Maria Abussumane
29
João Muandipezar dos Santos
30
Alexandre Macajo
31
Kefasse Madungue
32
Gonçalves Goliati Chaola
33
Lázaro Canhate
34
Temóteo Matope
35
Catarina Gonçaalves
36
Bicoco Deza 87
Vida e Obra de Armando Tivane
ALGUNS COMANDANTES DE ESCALÃO PROVINCIAL Nr.
Nome
01
José Moiane
02
Tomé Eduardo
03
João Facitela Pelembe
04
João Aleixo Malunga
05
Américo Nfumo
06
Ermelino Leo Mwila
07
Alfredo Arijuane Wassira
08
Roque Vicente
09
António Hama Thai
Fonte: Direcção Provincial dos Combatentes de Tete
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