Anderson silva Profª Mestre Larissa Soares Gonçalves transbordar: a produção e transformação de bairros-favela e habitação de interesse social em cidades-dormitório na região metropolitana de são paulo. trabalho apresentado como exigência para obtenção do título de arquiteto-urbanista ao curso de graduação na área de arquitetura e urbanismo da universidade anhembi morumbi. são paulo, 2019
Ă Eliana Ribeiro, a maior expressĂŁo da mulher brasileira.
co produção
Caros, Muitos foram os que contribuíram para a minha defasada formação e não seria justo finalizar e ao mesmo tempo começar essa etapa sem que devidos agradecimentos fossem realizados. Brevemente menciono os sujeitos que direta ou indiretamente fomentaram e contribuíram a formação deste projeto, porque são eles (alguns com mais ou menos participação) os responsáveis a me encorajar frente ao tamanho desafio que o foi. Não me refiro aqui a escrita do caderno ou o processo de investigação; sim, aos desafios cotidianos que foram - não somente a mim - herdados à primeira geração de jovens da família com acesso à universidade. Me refiro ao acordar durante as madrugadas e atravessar 2h de cidades; enfrentar a realidade a qual muitos negam enxergar; se enfraquecer frente a falta de ferramentas tão caríssimas e essenciais que são à produção arquitetônica na academia e, principalmente, vencer o desafiante cansaço também cotidiano do filho que a casa - não desenhada para seres humanos - retorna todos os dias. Da família biológica - a qual me fez vivenciar as realidades da qual falo com propriedade de pertencimento e seriedade - são muito relevantes à citação: Eliana, por se prestar a trabalho escravo a fim de realizar o meu sonho, garantindo financeiramente a estadia ao curso e dar força emocional contra às baixas de esperança. Enio, meu grande parceiro às discussões sobre terra, política e gênero, que também financeiramente e emocionalmente contribuiu às minhas jornadas. Graça e Gabriela, por manterem a porta de casa sempre aberta nas madrugadas desesperadas depois de jornadas insalubres na universidade. Da família lógica, cito a nova geração de arquitetos paulistas. Também constituída por filhos de proletários migrantes e companheiros de formação, agradeço por desempenharem relevância as dinâmicas sociais e acadêmicas durante esses quatro anos especialmente à tríade formada pelas arquitetas: Bárbara Spadacini, com quem as discussões, lanches e risos foram extremamente prazerosos; À Nayara Reis, que me deu a honra dos abraços compartilhados e importante calmaria e Paola Macedo, dona de todas as lágrimas das gritantes gargalhadas. Ao arquiteto Guilherme Pacheco por sua calma, maturidade acadêmica e seriedade frente ao ofício de ser o que é: um baita arquiteto; conjunto esse que me faz lhe admirar e aprender quieto o observando a projetar. À Leonam Gusmão, pelas discussões noturnas nos ônibus e trens metropolitanos e todo o amor compartilhado.
Agradeço aos verdadeiros mestres pela paciência, lições de arquitetura e toda a consciência de classe, especialmente à Ana Esquiçato, pela companhia no processo de amadurecimento de ideias, pelo humor e compromisso com a ética exigida ao ofício de conduzir futuros arquitetos. À Flávia Santana, pela longa conversa, pertinentes indagações ao trabalho, conforto na fala e presença. À Isabela Sollero (professora Isa), sempre pela beleza no sorriso, inquietantes provocações, toda ideia e engrandecedoras críticas. À minha orientadora Larissa Soares, mestre e considerável amiga por toda a ajuda, lições de arquitetura e tempo doado neste processo de maturação das ideias e contribuição à produção do transbordar. À Léo Pequi(...) este sujeito que me faz (ainda) surpreendido por tamanha paixão ao ser arquiteto, dramaticidade na fala e escrita e, gargalhadas lindas de se observar. Companheiro de todas as horas na vida tem com certeza não um agradecimento, mas porcentagem significativa sobre o resultado desse trabalho. Obrigado Léo. À Aline Dias, sem a qual a vida não faz sentido, com quem tive privilégio de conviver nesse período de graduação, com quem as trocas foram extremamente recíprocas, com quem as discussões acerca da arquitetura e urbanismo foram desde sempre as mais enriquecedoras. Um grande obrigado Line. Por fim... à Cláudio Manetti, atribuo toda minha vontade de ser, toda a dedicação aos projetos de urbanismo, a força ao enfrentamento dos desafios e o sentido da junção das palavras: arquitetura + urbanismo. Sem esse velho jovem as reflexões acerca das cidades são ignorantes e a vida – meus caros - sem graça. Obrigado mestre. _
resumo a difĂcil tarefa de ser sucintamente consistente
SANTOS, Anderson Silva. TRANSBORDAR: A produção e transformação de bairros-favela e habitação de interesse social em cidades-dormitório na região metropolitana de São Paulo. São Paulo: FAUUAM (trabalho final de graduação), 2.2019. Este projeto ilustra a investigação acadêmica sobre o cerne da história de bairros-favelas e habitação de interesse social no Brasil e para as suas produções e transformações contemporâneas em cidades-dormitório na Região Metropolitana de São Paulo; questão essa tentacular mas, que de modo simples, abrange toda uma configuração de pensamento político metropolitano enraizado em ideais modernista e higienista, por tanto, racista, das cidades metropolitanas. Intui, por meio de método narrativo, discutir as dinâmicas sociais, as disputas políticas e econômicas por terra e o planejamento díspar dos espaços da metrópole sob olhar de um cidadão (autor) que vivenciou e vive nos lugares abarcados no trabalho; questiona os moldes da discussão e (re)produção literária e de difícil compreensão acerca das temáticas nas escolas de arquitetura e urbanismo por acadêmicos realistas, românticos ou preconceituosos. Equaciona-se a investigação, leitura da conformação histórica, política e social da região do grande abc, a discussão de duas hipóteses acerca da transformação e produção das vertentes de habitação lidas no recorte e, a reflexão acerca de impasses sociais, políticos e legais quanto a prática profissional de arquitetosurbanistas em esferas sustentadas a partir de políticas públicas com ênfase em habitação.
prefácio | sobre a gente.12 intro.: ler para entender.18 I. sobre a metrópole.30 da macro à microescala.37 migrantes: os que se naturalizaram paulistas.41 direito à cidade: constituição, impasses e o sangue derramado.45 o bairro-favela.50 história.55 urbanização de riscos.59 lente de aumento às fragilidades.68 problemática romantização.70 apenas habitação destinada aos pobres é de interesse social?.74 a produção dos programas habitacionais no brasil.77 as cidades para dormir.87 II. a produção de bairros-favelas e habitação de interesse social em cidades-dormitório na região metropolitana de São Paulo.94 questão de interesse social.96 produção.97 atenção a zeis.101 o plano de cada dia.101 e agora José?.103
III. a transformação de bairros e HIS em cidades-dormitório na metrópole | campo das hipóteses.106 fundamentos de uma política pública para pessoas.107 eixo 1: leitura territorial | ler e entender.110 eixo 2: prospecção | entender e discutir.137 eixo 3: discutir e desenhar (melhor) | o campo das hipóteses.138 risco possível.140 eleger áreas democráticas.143 transformação das bordas.144 contradições do desenho | considerações finais.148 IV. (in)formação pra que(m)?.150 o papel do arquiteto-urbanista.151 abertura.156 a prática impraticável.158 posfácio | ainda sobre a gente.160 quem contribuiu? (bibliografia).162
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sobre a gente de fato, uma autobiografia
“Escrever este livro foi o desafio maior que me propus”. Faço menção aqui ao “O Povo brasileiro” de Darcy Ribeiro, primeiro por conta de seu caráter didático e realista, que exprime em abrangente conteúdo a configuração de toda a gênese de formação social, cultural e política de um povo único: o brasileiro. Segundo (e talvez o motivo principal), do quão desafiador fora desenvolver este projeto. Relatar brevemente neste prefácio os processos historicamente corruptos que acarretaram a transformação não democrática da vida urbana, portanto social, de uma família brasileira, é um passo para democratizar e resgatar as relações sociais que tão vagarosamente foram se perdendo ao longo dos ensinos de arquitetura e urbanismo nas academias e, principalmente, ilustra quão intrínseca está a relação entre política e arquitetura na vida de todos os sujeitos brasileiros. _ Metropolitanos Assim como milhares de outros baianos, a família Silva, composta por nove integrantes, sendo os adultos: Dona Maria (50 anos), seus três filhos: Geovane (30), Graça (27) e Eliana(20) e, as crianças, Gabriela(05) filha de Graça; Elislaine(03) e Anderson(9meses), filhos de Eliana; precisava da tal garantia de qualidade de vida (na época em questão, esse termo, para a família, estava atrelado unicamente a condição financeira). Afinal: ser pobre em condição rural onde os bens de consumo nem sempre se fazem presentes ou tecnologias ditas como facilitadoras do cotidiano se encontram a quilômetros de distância é uma coisa! Ser pobre na cidade para onde o mundo se volta e as infraestruturas se confundem é outra! O tio está em São Paulo, e conhece bom terreno.
Deste processo, vale enfatizar que para conseguir o feito, Eliana, se viu obrigada vir à São Paulo sem seus dois filhos (Elislaine e Anderson) para trabalhar e garantir o sustento da família na nova cidade. A jornada durou 6 meses e quando retornou em busca dos integrantes da família, principalmente, dos seus filhos, estes, por conta da pouca idade, já nem sabiam quem era sua mãe. A dor foi gigantesca, mas o propósito ali estava escancarado: a melhoria da “qualidade de vida para todos”. Com as economias e bagagens, enfim chegaram ao município de Itapecerica da Serra. Agora sim metropolitanos, se instalaram no bairro Jardim Campestre que se estruturava em dez quadras em traçado ortogonal divididas por um eixo central para onde todos os comércios de caráter local - padarias, mercadinhos, papelarias, bares – e a escola pública de ensino
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- É de vocês também, venham! O que não falta aqui é terra e emprego. Dizia o tio Lérino.
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fundamental se direcionavam. - São Paulo é muito grande, e a cidade fica a 2h daqui. É perfeito. A décima quadra, a qual se localizavam os diversos recém-construídos barracos de madeira - incluindo o da família Silva, que esbanjava os seus 72m2 -, se estruturava de forma distinta tanto social quanto geograficamente ao modelo original do bairro: Um afluente do tal Rio M’boi Mirim corria linearmente à gleba onde construíram as casas. No período, o desenho urbano se estruturou em dois eixos lineares de residências seguidos por uma viela (que ia se estreitando e alargando em alguns momentos) que acompanhava o afluente - agora córrego -; e, para este, foram realizadas duas transposições num mutirão dos moradores. As pinguelas em estrutura de madeira estavam prontas!
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Realizados Num período de quatro anos (1996 – 2000), as famílias passaram por diversos processos de consolidação dos quais valem ser ressaltados: Consolidação Social: marcada inicialmente por conflitos pessoais entre os moradores do “bairro-formal” e do “bairro-informal”. À mando dos pais, as crianças que moravam no “bairro-formal” não podiam brincar com as crianças da então chamada: “favelinha”; e vice e versa. Uma alteração deste comportamento anti-urbano só é percebida quando todas as crianças passam a compartilhar e vivenciar nas mesmas escolas; Consolidação Funcional: momento de organização às ocupações dos lotes, o que marca a demolição (realizada voluntariamente pelos moradores) de todos os barracos de madeira e construção das casas em tijolos. Este processo é marcado por duas questões importantes: o primeiro e único conflito entre as mulheres, marcado pelo uso compartilhado de um varal para estender roupas; e a organização política entre os moradores, que se reúnem para discutir a construção dos muros em cada terreno (estes feitos de madeira), mas que encerra com conflito do uso compartilhado dos varais; Consolidação Financeira: antes mesmo dos anos 2000, todos os chefes de família haviam se estabilizado em empregos - a maioria no setor terciário - e já detinham poder de compra ao menos de equipamentos eletrônicos; Em suma, os processos de consolidação se deram por conta do conjunto de dinâmicas sociais, das relações interpessoais entre os moradores, de
forte empatia criada por convivência, e principalmente aos tempos: tempo de familiarização uns com os outros e tempo de conhecimento tátil da nova cidade. A família Silva, uma das primeiras famílias a se instalar e consolidar ao bairro, fez com que os primeiros cômodos em tijolos fossem erguidos numa força-tarefa de uma semana de duro trabalho braçal, com primos que, já residentes à capital - Grajaú -, vieram ajudar. Ergueram então: a cozinha, onde religiosamente o café da manhã, almoço e a janta eram servidos à mesa; o banheiro, lavado todos os dias lá pelas 05h da manhã pelo garoto; a sala, que necessariamente precisava ser espaçosa porque além de sediar às reuniões familiares, dava lugar às camas dos dois “homens da casa”; o quarto, onde apenas as mulheres entravam; o jardim, onde o cachorro da família – Boby - que além de avisar quando alguém chegasse ao portão, podia brincar à vontade e dormir; a pequena horta da Dona Maria, onde as plantas e ervas cresciam para depois servir aos ingredientes dos chás da família; e a grande varanda (talvez principal espaço da humilde casa), onde roupas aos montes eram lavadas durante as semanas que se passavam; Assim, não apenas a casa da família Silva, mas as casas das famílias Borges, Teixeira, Santos, Pereira, Ribeiro e, sessenta outras com histórias e composições distintas, estavam erguidas, projetadas da maneira desejada pelos chefes de família e davam sotaque e vida as relações cotidianas e tão singulares de cada uma.
Removidos No processo da insensível (e aos olhos de outros: também incoerente) remoção, não apenas as casas, mas as relações tão sólidas que os quase 12 anos de convivência estabeleceu foram perdidas. Os anos seguintes foram
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Notificados Ao que parece, o tempo, que não é tátil, e sim visível aos olhos por percepção das mudanças, consolidou o bairro a outras estruturas urbanas, desmitificou o preconceito acerca dos sujeitos que ali moravam e atrelou o que muitos buscam em projetos de condomínios fechados para a população de alta renda: as relações sociais. Além disso, não apenas duas novas integrantes da família Silva nasceram: Andressa (filha de Eliana) e Duda (filha de Graça); mas o bairro parecia estar próspero. As crianças eram muitas, e a população reivindicou uma creche de ensino primário. Embora o feito seja de extrema relevância a nossa leitura e - mesmo que de forma romântica - tão explorado na contemporaneidade por pesquisadores, não foi sólido suficiente à visão do planejamento ainda rodoviarista moderno da metrópole: Em 2005 a população residente ao bairro fora notificada de uma futura remoção. As explicações que foram mínimas, estimavam a construção de um dos trechos planejados ao rasgo do rodoanel (trecho sul). O fato foi consumado.
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marcados pelos processos de soma a contabilização de pessoas “sem teto”, e a frágil tentativa de reconversão desses sujeitos que se dispersaram na metrópole paulista, rumo a bairros, casas ou apartamentos ditos como legais, bem como, para outros bairros-favela.
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introdução ler e, entender No cenário da conjuntura brasileira, as questões atreladas a carência ou produção de habitação destinada ou produzida pela população de baixa renda1 são inerentes a sua proclamação como república. Em suas metrópoles, onde as fragilidades e potencias atrelados a temática se evidenciam de forma mais latente, lhes são acrescidas antes mesmo da mancha urbana das quatro principais cidades do país – Salvador (1973), Recife (1994), São Paulo (1974) e Rio de Janeiro (1974) - estarem consolidadas ou receberem o status elevado à categoria: metrópole. Na contemporaneidade e, agora, com as atuais 73 Regiões Metropolitanas Brasileiras - Agreste, Alto Vale do Itajaí, Apucarana, Aracaju, Araruna, Baixada Santista, Barra de Santa Rosa, Belém, Belo Horizonte, Campina Grande, Campinas, Campo Mourão, Caetés, Cajazeiras, Capital, Carbonífera, Cariri, Cascavel, Central, Chapecó, Contestado, Curitiba, Esperança, Extremo Oeste, Feira de Santana, Fortaleza, Foz do Rio Itajaí, Grande Florianópolis, Goiânia, Grande São Luís, Guarabira, Gurupi, Itabaiana, João Pessoa, Lages, Londrina, Macapá, Maceió, Manaus, Maringá, Médio Sertão, Natal, NorteNordeste Catarinense, Palmas, Palmeira dos Índios, Patos, Porto Alegre, Porto Velho, Recife, Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, Salvador, Santarém, São Francisco, São Paulo, Serra Gaúcha, Sertão, Sobral, Sorocaba, Sousa, Sudoeste Maranhense, Sul do Estado, Toledo, Tubarão, Umuarama, Vale do Aço, Vale do Itajaí, Vale do Mamanguape, Zona da Mata, Vale do Rio Cuiabá, Vale do Paraíba, Vale do Paraíba e Litoral Norte, Vale do Piancó e Zona da Mata - habitação continua a ser uma questão complexa a ser discutida - seja no campo acadêmico ou civil - e, ainda recorrente as produções literárias nacional e internacional; isso, por conta de seu caráter tentacular, multidisciplinar, sempre mutável e de grande relevância a prática do planejamento e desenvolvimento urbano. Sobre esse aspecto, a questão da habitação nos incita à duas reflexões que parecem primordiais a consolidação de qualquer investigação: A primeira se daria à definição e compreensão do que são as metrópoles e sua relevância para os contextos político-sociais nas dinâmicas nacionais; e a segunda (a qual compõe parte do título do trabalho), seria então, a leitura das questões atreladas ao processo de produção e transformação de vertentes da habitação nessas regiões. _ Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – que tem como premissa “Retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania.” (IBGE, 2018), “metrópole seria o espaço urbano com continuidade territorial que, em razão
1 Consideramos por população de baixa renda, todos os sujeitos com renda familiar menor que R$1.115. Definição adotada por meio da leitura do artigo “Definição de Baixa Renda”, publicado pela Fundação Getúlio Vargas – Centro de excelência em varejo – FGVCEV. Disponível em: encurtador.com.br/wzJQY. Acesso em 16 de novembro de 2018.
V - Metrópole. Fonte: Lei 13.089 de 12 de janeiro de 2015 - Estatuto da Metrópole. Disponível em: http:// twixar.me/DxS1. Acesso em: 17 de agosto de 2018.
de sua população e relevância política e socioeconômica, tem influência nacional ou sobre uma região que configure, no mínimo, a área de influência de uma capital regional (...)”2. Sua definição, composta à interpretação de Cláudia Bastos Coelho a, arquiteta-urbanista, que vem a interpretá-la como,
O que é metrópole? Fonte: Ensaios sobre a metrópole. Disponível em: http://twixar.me/FxS1. Acesso em: 17 de outubro de 2018.
(...) convergência de fluxos urbanos, uma cidade central que agrega outras cidades do entorno, tanto geograficamente, quanto por deslocamentos e atividades exercidas em comum. A metrópole é onde o urbano se mostra de forma mais intensa, contrapondo seus conceitos de modernidade a uma imensa complexidade social, traduzida, em muitos casos, em amplas situações de desigualdade.3
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4 A urbanização brasileira. SANTOS, M. 1993. São Paulo, Edusp, 5ºed., 2013.
Mestre em ciências pelo programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP e arquitetaurbanista pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem experiência em habitação de interesse social como: favela, habitação popular, políticas urbanas e melhorias habitacionais. Fonte: Escavador. Disponível em: http:// twixar.me/x5MK. Acesso em 01 de maio de 2019.
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c Foi um geógrafo brasileiro, considerado por muitos como o maior pensador da história da Geografia no Brasil e um dos maiores do mundo. Destacou-se por escrever e abordar sobre inúmeros temas, como a epistemologia da Geografia, a globalização, o espaço urbano, entre outros. Biografia do Geógrafo. Disponível em: http:// twixar.me/8SMK. Acesso em 01 de maio de 2019.
* Diagrama: composição da metrópole. Elaboração própria.
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Mestre na área de concentração, Design e Arquitetura pela Fundação Ricardo Espirito Santo Silva. Foi professor na Escola do Patrimônio em Sintra, Portugal, na Universidade Anhembi Morumbi e Academia Brasileira de Arte em São Paulo. Atualmente é docente na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu. Fonte: Escavador. Disponível em: http://twixar.me/DSMK. Acesso em 01 de maio de 2019.
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e, que corrobora com a fala de João Ricardo Mori b, também arquitetourbanista e acadêmico, que resume sua compreensão ao dizer que, metrópole, “vem a ser um conjunto de relações humanas com base em determinações políticas de desenvolvimento urbano”3, também combinada a ideia de Milton Santos c, que as define sendo, “áreas onde diversas “cidades” interagem com grande frequência e intensidade, a partir de uma interdependência funcional baseada na unidade das infraestruturas urbanas e nas possibilidades que esse fato acarreta para uma divisão do trabalho interna bem mais acentuada que em outras áreas”4, que será adotada como definição de Metrópole ao longo do trabalho. Assim, é a definição do IBGE sobre a metrópole do espaço urbano continuo; junto a interpretação da metrópole social de Cláudia Bastos; da metrópole política de João Mori, associada a metrópole integrada de Milton Santos, que melhor definem a complexidade do que a é. Ou seja, entenderemos ao citarmos metrópole ou região metropolitana, o conjunto dessas compreensões, que seria por premissa: a confusão ou a ordem de continuidade, sociedade, política e integração sócio espacial.
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Sobre a leitura das questões atreladas a produção e transformação das vertentes de habitação nas metrópoles, é interessante elencar os seus processos de urbanização e expansão e, para tanto, Regina Meyer d e Marta Grostein e discorrem a respeito do então chamado “fenômeno da dispersão” que se articulam entre o processo de esvaziamento dos centros urbanos e crescimento das periferias nas metrópoles: As análises clássicas, as quais descrevem a urbanização contemporânea pelos fenômenos da dispersão e da fragmentação, estão claramente presentes no caso da urbanização metropolitana contemporânea. Já se viu que tal fenômeno se confira pela redução nas taxas de crescimento dos municípios-sede das regiões metropolitanas ao longo da década de 90 e pelo crescimento de suas periferias.5
Metrópoles brasileiras: seus desafios urbanos e suas perspectivas. MEYER, R.P.; GROSTEIN, M.D. [p. 51]. Pós, v.20, p. 34-59, 2006.
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Arquiteta e Urbanista e Professora Doutora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo.
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Arquiteta e Urbanista e Professora Doutora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo.
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Ou seja, se interpreta pelo trecho, urbanização como uma das condições de se habitar os espaços, por tanto, ao elencar as metrópoles do período, é compreensível que os processos de urbanização deem de forma concêntrica e periférica - valendo ressaltar que o termo periferia é utilizado aqui para caracterizar o que está fora do centro – apresentando também uma nova discussão: a dualidade entre crescimento de periferias e as condições para que tal fenômeno se configure.
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* Diagrama: dinâmica espacial entre centro e periferia. Elaboração própria.
7 Conhecendo o direito: proteção e garantia dos direitos humanos no âmbito de megaprojetos e megaeventos. UZZO, Karina G.; SAULE JÚNIOR, Nelson. São Paulo: Instituto Pólis; 2012. p.09.
São Paulo. Fonte: Fórum Nacional de Entidades Metropolitanas. Disponível em: http://fnembrasil.org/ sp/. Acesso em: 10 de setembro de 2018.
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f Foi uma escritora e ativista política do Canadá, nascida nos Estados Unidos. Sua obra mais conhecida é Morte e Vida de Grandes Cidades, na qual critica duramente as práticas de renovação do espaço público da década de 1950 nos Estados Unidos. Disponível em: http://twixar.me/jxS1. Acesso em 01 de maio de 2019.
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6 Morte e vida de grandes cidades. JACOBS, J. 3°ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p.157.
Assim, a argumentação que aponta tanto para a redução na taxa de ocupação dos centros metropolitanos, quanto para o notável aceleramento no crescimento das manchas urbanas nas periferias também metropolitanas, nos incita a questionar o modelo de planejamento urbano nessas regiões, porquê sem exceção, os centros metropolitanos além de “exercer papel fundamental à vida das pessoas”, articulam a convergência e diversidade de grandes componentes de infraestrutura; questão que é marcada por humorada fala de Jane Jacobs f ao dizer que, “As listas telefônicas classificadas revelam-nos uma grande verdade a respeito das cidades: o imenso número de elementos que as formam e a imensa diversidade desses elementos. A diversidade é natural às grandes cidades.”6; contrário de suas periferias, que comumente são atreladas a precarização da urbanização e o lento - porém sempre pertinente - acesso da população de baixa renda a estes territórios; o que será discutindo em breve. Valendo ressaltar também que a “lógica” oposta: periferia infraestruturada VERSUS centro precário é um fenômeno recente e está atrelado a dinâmicas duais que se evidenciam na fuga da classe média dos centros urbanos, podendo ser constatado pelo estudo de conjuntos habitacionais fechados e ilegais (inseridos diversas vezes em áreas ambientalmente frágeis e protegidas) destinados a população de alta renda, como: Alphaville - zona oeste da RMSP - ou em municípios como Santos - Região Metropolitana da Baixada Santista - e São José dos Campos - Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte -. Sobre a urbanização dispersa, o potente aumento das inúmeras ofertas de empregos marcados por setores industriais no início do século sempre fomentadas por políticas públicas, que seriam, “(...) o conjunto de ações desencadeadas pelo Estado (podem ser do governo federal, estadual e/ou municipal) com vistas ao bem coletivo, ou seja, ao bem-estar da população. Toda política pública é um instrumento de planejamento, racionalização e participação.”7 direcionadas ao desenvolvimento econômico via setor automotivo e os fluxos migratórios realizados com maior força à região sudeste do país, onde os índices de empregabilidade durante a década de 70 se tornaram mais expressivos e onde se localizam as duas maiores metrópoles: São Paulo e Rio de Janeiro; induzem a descrita consolidação da então chamada periferia fragmentada, como afirmam as autoras. Estudos recentes elaborados também pelo IBGE e pela Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S.A. - EMPLASA -, constataram que até o ano de 2017, eram residentes da principal metrópole brasileira, a paulista, 21.391.624 de habitantes8, aliás, metrópole global; isto, por conta da influente relevância que a Região Metropolitana de São Paulo – RMSP - exerce não apenas a sua região, a sudeste, mas para o país e mundo. Esse dado, que de maneira alguma nos representa números e sim pessoas habitando um determinado espaço, significa além de um contingente migratório, milhares de brasileiros vivenciando algo que não nos é tátil ou claramente
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* Figura: Conjunto Habitacional Fechado e ilegal em Santos - RMBS. Fonte: Google Earth Pro. Acesso em 10 de janeiro de 2019.
Mestre em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Doutora em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas.
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O processo de ocupação e expansão da metrópole, ligado ao crescimento de áreas do entorno metropolitano, que abrigam grande parte da população sem condições de residir nas áreas mais centrais e valorizadas, aliado à maior concentração de atividades produtivas em determinados espaços centrais, principalmente do município de São Paulo, explica a maioria dos deslocamentos pendulares ocorridos na RMSP.9 Sobre essa visão, novas questões a respeito da urbanização da metrópole (agora paulista) nos são evidenciados: a relação entre centro e valorização; a ocupação da periferia pela população de baixa renda; a dual questão do deslocamento da população de alta renda das centralidades para regiões periféricas e a conjuntura dos deslocamentos pendulares realizados por cidadãos metropolitanos; A primeira, consolida a relação posta anteriormente entre centro e infraestrutura, o que fundamentalmente desempenha grande reflexo não apenas nas dinâmicas sociais, mas, de modo tátil, nos custos financeiros de se habitar nessa região. Acerca da concentração desses equipamentos, é interessante citar que, Os polos de mobilidade metropolitana são localizações urbanas precisas distribuídas no território metropolitano nos quais se articulam as funções urbanas locais e metropolitanas associadas ao transporte público em massa. Derivam diretamente das características assumidas pela forma de crescente complexidade do funcionamento do território metropolitano sob a influência de dinâmicas urbanas que geram as duas características mais evidentes da fase atual: a dispersão funcional e a descontinuidade territorial. A emergência de um polo metropolitano está, portanto, intimamente associada a dois aspectos relacionados com o transporte público de massa: a presença de todos os
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9 Deslocamentos Pendulares nos Espaços Sub-regionais da Região Metropolitana de São Paulo. ANTICO, C. [p. 14]. XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, 2004.
evidenciado, mas que corrobora a nossa questão anterior, ou seja, além de como funcionam os processos de produção e transformação de habitação nas regiões metropolitanas... como moram? Como se dão as atividades cotidianas dos cidadãos que as vivenciam? _ Em sua pesquisa: Deslocamentos Pendulares nos Espaços Sub-regionais da Região Metropolitana de São Paulo, apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu – MG, Cláudia Antico g analisa historicamente estes processos, bem como, interpreta a articulação regional de cidadãos metropolitanos e o determina como uma das principais condicionantes aos então chamados deslocamentos pendulares;
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modos de transporte público e a garantia de uma articulação funcional e territorial de escala metropolitana. Nesse sentido, o polo de mobilidade metropolitana se distingue de outras formas de agregação de funções e de coesão territorial, pois é hoje o antídoto para a dispersão funcional e a descontinuidade territorial (...).10 E, no entanto, uma pesquisa realizada pelo Sindicato da Habitação – Secovi - aponta que o valor mínimo de aluguel em um apartamento com um dormitório no centro de São Paulo equivale a R$ 985,00 reais11. Tendo em vista que qualquer cidadão vivendo sobre padrões legais na metrópole vai precisar também garantir o pagamento de no mínimo um dos impostos pela infraestrutura urbana - água, luz, gás, internet, etc. -, a conta não fecha! Ou melhor, não se paga. Essa alta precificação está diretamente relacionada a completa infraestrutura existente nas regiões centrais. No campo da economia, teóricos vão chamar esse fato de valoração de bens sem preço, que basicamente, define o valor a ser ditado a determinados produtos por conta de sua relação com outros elementos, a exemplo das infraestruturas próximas (parques, equipamentos de cultura, lazer, estações de metrô e trem, ciclofaixas, entre outros). Ou seja, se torna impossível para o cidadão com baixa renda salarial viver nesses locais de forma legal e onde possivelmente seu local de trabalho ou estudo estão localizados. A segunda questão, que se atrela ao processo inacessibilidade da população de baixa renda a moradia no centro, se dá ao fomento pela expulsão dessa classe às periferias metropolitanas. Historicamente, esses cidadãos são impedidos político, social e economicamente de morar nas regiões centrais e, portanto melhor equipadas de infraestruturas urbanas, por conta de políticas públicas segregadoras, higienistas, portanto, racistas. A questão que parece primordial sobre a expulsão - ao menos na Região Metropolitana de São Paulo -, se revela não apenas nos valores de aluguel ou solo, mas também na cor da pele, sotaque... oque evidencia a produção díspar de espaços, que separa as classes e etnias que à compõe. A terceira, se baseia na evidente saída da população de classe média das centralidades para regiões periféricas. Saídas essas comumente realizadas por questões de privilégio econômico e atreladas a dois fatores: 1) A dita desvalorização econômica dos centros e, 2) Acesso da população de baixa renda ao mesmo território. Ambas fomentam a transformação dos espaços em guetos. Já a última, se daria ao fenômeno apresentado como deslocamentos pendulares e que são historicamente cotidianos aos cidadãos rurais e urbanos: Tratam-se simplesmente das relações entre o ir e o vir (sair de casa e ir ao trabalho, vir da escola, etc.). Nas metrópoles, onde esses pontos se dão a quilômetros de distância por conta da já abordada relação entre
São Paulo Metrópole. MEYER, R.M.P.; GROSTEIN, M. D; BIDERMAN, C. 1°ed. São Paulo: Edusp, 2013. p.164.
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Pesquisa mensal de valores de locação residencial - Cidade de São Paulo. Setembro de 2018. Flavio Amary. Fonte: Secovi. Disponível em: http://twixar.me/rxS1. Acesso em: 10 de outubro de 2018.
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Professora universitária, pesquisadora acadêmica, ativista política, ocupou cargos públicos na Prefeitura da Cidade de São Paulo, onde foi Secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano (19891992) e no Governo Federal, onde foi Secretária Executiva do Ministério das Cidades (2003- 2005) cuja proposta de criação se deu sob sua coordenação. Currículo. Fonte: Ermínia Maricato. Disponível em: http://twixar.me/46S1. Acesso em: 17 de novembro de 2018.
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Graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e atualmente, analista de projetos da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE.
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centros, infraestruturas e periferias, são onde esses fluxos se dão com maior frequência, força e desempenham relevância as dinâmicas sociais dos cidadãos. Valmir Aranha h, constata no artigo Mobilidade pendular na metrópole paulista, com base em dados do censo 2000, que no ano em questão, mais de um milhão de cidadãos realizavam intercâmbio intra-municipal, ou seja, entre municípios vizinhos, para realizarem atividades como trabalho e estudo. O número representava 12% da população que se adequava a pesquisa. Dado este que é tátil e resultante dos chamados horários de pico, que seriam períodos no dia com maior intensidade no uso de infraestrutura e equipamentos urbanos e, que como resultado, ocasionam interrupção no tráfego de todos os modais de transporte, fila de milhares de carros nas rodovias e marginais, superlotação de vagões de metrôs e trens, etc. A princípio, esse quarteto que já * Figura: ônibus em trânsito na nos evidencia o quão tentacular é Avenida Santo Amaro, SP. Cedida gentilmente por Leonam Gusmão. (e vai ser ao decorrer do projeto) discutir metrópole, aponta para a complexidade que é compreender suas dinâmicas sociais e políticas, bem como desmistifica a questão sobre ocupação da periferia apenas pelos mais pobres. Inevitavelmente somos direcionados abordar a produção periférica de habitação a fim de compreender como o seu processo de consolidação na mancha urbana se atrelou às transformações da dinâmica social e política entre as cidades que compõem a metrópole paulista. Ermínia Maricato i discute esse processo ao dizer que,
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Em países periféricos ou semiperiféricos e dependentes, como o Brasil, onde a industrialização se deu com salários deprimidos e grande parte dos trabalhadores não se integrou ao mercado de trabalho formal, a moradia também não é obtida regularmente via mercado imobiliário. (...) Com o progressivo processo de industrialização/urbanização, as favelas se estendem por todas as grandes cidades brasileiras e, nos anos 1980 a 2000, inclusive nas cidades de porte médio. As cidades se modernizaram paralelamente à reprodução da exclusão.12 Portanto, as metrópoles brasileiras (territórios que absorveram de modo mais potente as dinâmicas da industrialização) trazem consigo um histórico de exclusão socioespacial atreladas aos processos de desenvolvimento econômico que se manifestam em materialidade fragmentada no território, isto é, nas próprias cidades. Assim,
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As favelas em São Paulo passaram a se destacar na paisagem urbana a partir do final da década de 1970. Antes dessa data, os loteamentos irregulares e cortiços predominavam como alternativa para a população de baixa renda sem condições de acessar outra forma de moradia. Os levantamentos realizados pela Prefeitura do Município de São Paulo em 1973 e 1987 indicaram que a proporção da população do município em favelas havia aumentado de 1,1% para 8,8%, totalizando 812.764 habitantes. 13 A favela, exemplo que abarca em seu “DNA” o peso da segregação e preconceito - aglomerado subnormal segundo o IBGE14 –; que historicamente serve a uma classe excluída como a única maneira de se habitar na cidade (visto todos os impasses ao seu acesso), que é ilegalmente,15 e é resposta dos sujeitos que compõem a sociedade frente a falta de oferta de habitação, se evidencia também como reprodução daquilo que estão planejando. Segundo estimativas do instituto, cerca de 11,42 milhões de brasileiros vivem nesses territórios (IBGE, 2010). “Assim, tanto o clima em São Paulo, quanto seu espaço urbano e o tempo, não são produtos da natureza.”16 Embora seu traçado ou edificação se manifestem contrários as normas da dita cidade formal, não significam a ausência de planejamento. Isso porque diferente da classe média, é inerente a cultura da população moradora de favelas, a população de baixa renda, o hábito da autoconstrução. Em contrapartida, a resposta do estado frente a tamanha produção de favelas e outras vertentes habitacionais, como: cortiços, bairros-cota,
Erradicar o analfabetismo urbanístico. MARICATO, E. p. 02, Texto para a revista FASE, março de 2002.
12
A metrópole de São Paulo no século XXI: espaços, heterogeneidade e desigualdades. MARQUES, E. 1°ed. São Paulo: Unesp, 2015. p.309.
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14 Conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas, etc.) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e/ou densa. Fonte: IBGE – Aglomerados subnormais, Censo demográfico;2010.
A palavra ILEGALMENTE citada aqui, traz seu significado mais genuíno: caráter daquilo que é contrário às disposições da lei, segundo dicionário informal.
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16 São Paulo: segregação urbana e desigualdade. VILLAÇA, F. Estudos Avançados n°25, p. 57, 2011.
KEHL, L. Breve história das favelas. São Paulo: Claridade, p.16, 2010
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19 Cidades-dormitório e a mobilidade pendular: espaços da desigualdade na redistribuição dos riscos socioambientais? - OJIMA, Ricardo; PEREIRA, Rafael H. Moraes; SILVA, Robson Bonifácio. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu-MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008. p.1.. j Arquiteto-Urbanista e autor do livro Breve história das favelas.
As experiências com a construção de conjuntos habitacionais para remoção de favelas e outros assentamentos informais e subnormais mostram que o atendimento a padrões de higiene, níveis de serviço, equipamentos e espaços públicos, além do acabamento e da segurança estrutural das habitações, embora reconhecidos pelas pessoas como uma melhoria em seu padrão de vida, não é suficiente para atender aos anseios mais profundos das populações servidas, que na verdade, aspiram a outra coisa, que muitas vezes não são capazes de expressar. Esta coisa é a liberdade perdida quando a pessoa se torna “incluída”, e dela passam a ser cobradas uma nova postura e responsabilidades diante da sociedade e de sua cidade “formal”.18 A fala de Luis Kehl j evidencia a ineficácia quanto ao atendimento das necessidades sociais da população para quem se destina a habitação promovida pelo estado. De modo prático, a “liberdade” a qual se refere o autor, se daria, entre outras, ao fato da autoconstrução, por exemplo: ampliação, reforma, alteração, etc... que ocorrem pela mão de obra que constrói nesses territórios e, que, culturalmente são difusos nas favelas brasileiras. As fragilidades quanto a produção de HIS’s em território nacional não se limitam a essa questão. Duas das mais evidentes problemáticas atreladas aos programas – e que serão discutidas em capítulos seguintes - seriam: 1: a dificuldade de acesso aos programas por conta de impasses econômicoslegais, tendo em vista as históricas altas taxas de desemprego no país; 2: a rigidez arquitetônica dos conjuntos, que, em boa parte, não se enquadram ao perfil familiar dos usuários e, 3: o território onde estão situadas as habitações, comumente edificadas em cidades-dormitório, que “(...) traz em sua conotação um conjunto de percepções com carga negativa acerca do nível de desenvolvimento econômico e social do município envolvendo precárias condições de assentamento e de vida de sua população e nítida dependência de um aglomerado urbano vizinho.” 19 A vulnerabilidade quanto a esse processo está colocada. além de frágil como desenho de uma política pública equânime, a produção de HIS se tornou grande indutor a urbanização fragmentada nas dependentes periferias metropolitanas e grande aliada ao mercado imobiliário, que neste contexto, contribui a histórica segregação socioespacial controlando a sua produção e venda para quem consegue atender as exigências econômicas.
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17 O Programa Habitação de Interesse Social, por meio da Ação Apoio do Poder Público para Construção Habitacional para Famílias de Baixa Renda, objetiva viabilizar o acesso à moradia adequada aos segmentos populacionais de renda familiar mensal de até 3 salários mínimos em localidades urbanas e rurais. Fonte: Caixa. Disponível em: encurtador.com.br/jmMW7. Acesso em: 17 de novembro de 2018.
palafitas, etc... e o déficit habitacional alarmante nas cidades; é a criação de programas habitacionais com ênfase em produção de Habitação de Interesse Social – HIS.17 - destinados a população de baixa renda e que surgem de políticas públicas. Porém,
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Contudo e, para discutir a abrangência que é investigar a produção e transformação de bairros-favelas e habitação de interesse social em cidadesdormitório na região metropolitana de São Paulo, estruturamos a pesquisa em quatro partes abordando questões síntese dos processos históricos a fim de compreender toda uma gênese de conformação das cidades. Em suma, a primeira parte apresenta e interpreta as definições, histórico e contextualização de dinâmicas nacionais e regionais sobre fluxos e composição sócio espacial na metrópole paulista; discute bairros-favela a partir de falas realistas, românticas e preconceituosas dentro e fora do campo acadêmico; brevemente elenca os programas habitacionais no Brasil a fim de entender suas aplicações, impasses e finalizações e, por fim, discute o que seriam as cidades-dormitório e o papel desse modelo de cidade nos contextos regional e metropolitano. A segunda, compreende melhor as ações do estado frente a pauta colocada a partir da interpretação de políticas públicas que visam reconverter a situação desigual das cidades e, de modo mais “livre”, apresenta brevemente a situação atual da relação entre urbanização de bordas. A terceira parte ilustra hipóteses para as transformações do desenho - também das bordas metropolitanas – a partir de prospecções que se fundamentam estruturalmente em três eixos de leitura. A última, discute a pertinência da produção literária acerca dos questionamentos produzidos ao longo do caderno e por fim, pauta a atuação dos profissionais arquitetos-urbanistas frente a produção de conhecimento e projetos e, os impasses políticos, sociais, jurídicos e midiáticos para uma prática de arquitetura equânime em território nacional. No mais, A sociedade existe com objetos, é com estes que se torna concreta. Por exemplo, São Paulo tem dezesseis milhões de habitantes29, mas se não explicamos como estes se movem, para o lazer, para o trabalho, para as compras, como eles habitam, como participam na reprodução social etc., não estou me referindo a São Paulo, mas apenas a dezesseis milhões de pessoas... (...) A geografia deve preocupar-se com as relações presididas pela história corrente. O geógrafo torna-se um empiricista, e está condenado a errar em suas análises, se somente considera o lugar, como se ele tudo explicasse por si mesmo, e não a história das relações, dos objetos sobre os quais se dão as ações humanas, já que objetos e relações mantêm ligações dialéticas, onde o objeto acolhe as relações sociais, e estas impactam os objetos. O geógrafo seria funcionalista se levasse
E daí a importância de ler questões de modo irrestrito, isto é, de forma completa. Aqui seria entender as questões a partir dos processos sociais, políticos e econômicos que as antecederam e, assim, lançamo-nos ao desafio de discutir temáticas de grande pertinência e de enorme relevância à contemporaneidade, mas que tão pouco são tratadas de forma realista nas academias (principalmente as de arquitetura e urbanismo) e, que quando abordadas por especialistas, são lidas de maneira romântica ou distorcidamente frágil ou preconceituosa. O presente trabalho se dispõe da ânsia em investigar e discutir não apenas com suporte técnico - que parece infinito -, mas também por meio de evidências empíricas, isto é, relatos interpessoais (o que é entendido aqui como de enorme relevância à sensibilidade quanto a leitura e estruturação do projeto); as potências e as fragilidades de questões que tangem ao habitar ainda recorrentes às metrópoles brasileiras, e que sem dúvidas, como será demonstrado no final deste projeto, correlacionam-se entre diferentes escalas urbanas. _ Muitos falam sobre as favelas, sobre a produção de habitação de interesse social nas cidades e sobre os fluxos pendulares; de fato, quando discutidas de maneira democrática, séria e realista, toda e qualquer fala é benéfica e relevante... a questão é: Outros milhares às vivenciam cotidianamente e pouco tem o direito de expressarem as suas realidades. Transbordar não se trata de uma autobiografia, tampouco de um discurso técnico, meritocrático e acadêmico; sim, da potente chance de compartilhar e difundir, mesmo que em síntese, o que é viver nas bordas das cidades. página 29
20 METAMORFOSES DO ESPAÇO HABITADO: fundamentos Teóricos e metodológico da geografia. Santos, M. HUCITEC. São Paulo, 1988. ps.21 e 25.
em conta apenas a função; e estruturalista se apenas indicasse as estruturas, sem reconhecer o seu movimento histórico ou a relação social sem o conhecimento do que a produziu. Impõese, na análise, apreender objetos e relações como um todo, e só assim estaremos perto de ser holistas, isto é, gente preocupada com a totalidade. A relação social, por mais parcial ou mais pequena que pareça, contém parte das relações que são globais (“mais pequena” é escrito aqui no sentido hispânico de menor de todas). Por exemplo, a história que se passa, neste exato instante, em um lugarejo qualquer, não se restringe aos limites desse lugarejo, ela vai muito além. A história da produção de um fato desencadeia um processo bem mais abrangente, que insere o fenômeno em contextos cada vez mais amplos.20
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I sobre a metrópole fomento ao planejamento da urbanização desigual
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Metrópole, legislação e desigualdade. MARICATO, E. Estudos Avançados, v°17, p. 151-167, 2003. (Artigo), p. 151.
21
Vimos que a produção de habitação e o fenômeno quanto à expulsão da população de baixa renda dos centros historicamente melhor infraestruturados para a periferia hora hiperurbana, hora dispersa, se deu por diversas condicionantes e dentre elas destacamos com ênfase o planejamento político-urbano, a fragmentação e dispersão urbana, a segregação socioespacial e o poder de acesso à terra. Milton Santos contribui ao nosso processo de investigação ao dizer que, “O nível da urbanização, o desenho urbano, as manifestações das carências da população são realidades a ser analisadas à luz dos subprocessos econômicos, políticos e socioculturais, assim como das realizações técnicas e das modalidades de uso do território nos diversos momentos históricos.” (SANTOS, M. 1993, p. 11). Sobre este aspecto há de asseverar o completo entendimento sobre as diversas questões com as quais nos deparamos ao longo das discussões. Ou seja, antes de avançarmos à discussão de temáticas contemporâneas, a compreensão de processos anteriores e de extrema relevância para a história, as anteceda. Sobre o planejamento, é importante destacar que é marcado principalmente, por um contexto de transição na estrutura de governo nacional, o que está presente na fala de Ermínia Maricato ao dizer que “A proclamação da República e a abolição da mão-de-obra escrava não superaram a hegemonia agrário-exportadora, o que viria acontecer apenas após a revolução de 1930. Desde então, o processo de urbanização/ industrialização ganha, com as políticas oficiais, um novo ritmo.”21 Ou seja, o processo de urbanização da metrópole paulista é a expressão resultante de políticas governamentais frente ao declínio financeiro da década de 1930 e marcado (nas décadas seguintes) por engrandecimento da economia brasileira em prol da geração de empregos via setor terciário (industrial) nos territórios que abarcam estruturas exportadoras; abertura econômica internacional, que é o convite a chegada do mercado imobiliário; bem como, influência aos fluxos imigratórios e migratórios para as cidades idealizadas potencias, porque sem dúvida... “A industrialização e a urbanização são processos complementares que costumam marchar associados um ao outro.” (RIBEIRO, D. 2015, p. 149). O mapa a seguir nos ensina sobre esse processo. Tanto os saldos, quanto os fluxos migratórios, se direcionam para regiões do país com a maior concentração e diversificação de produção econômica, ou seja, se direcionam para áreas que ofertam trabalho. No entanto, são nessas regiões também, que se concentram as mais diversificadas redes de infraestrutura viária, o que vai nos explicar como e por onde tais fluxos são realizados. Assim, com
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* Mapa produzido com base aos dados do IBGE: Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010. Ilustração própria.
O Fenômeno Migratório Brasileiro No Contexto Capitalista. PEREIRA, A. G.; FILHO, David A. T. Artigo apresentado no VII Encontro Nacional Sobre Migrações de Tema Central: Migrações, Políticas Públicas e Desigualdades Regionais, realização de 10 a 12 de outubro de 2011, Curitiba/PR. p. 284.
22
Origens da habitação social no Brasil. BONDUKI, Nabil G. Análise Social, v°29, p. 711-732, 1994. [p.713].
a oferta de trabalho, o sistema viário que abrange território nacional e, a dita “sedução” ideológica por meios de consumo, serão sim, fomentos à urbanização das principais metrópoles brasileiras. Anaíza Pereira e Fadel Filho dissertam no artigo “O Fenômeno Migratório Brasileiro No Contexto Capitalista”, acerca das condicionantes para a realização desses fluxos... “As migrações como vemos hoje, em território brasileiro, são um reflexo de uma organização do espaço desequilibradas, com isso contribuem para o agravamento de problemas socioeconômicos já existentes desde o tempo da colônia.”22 São Paulo, não mais cidade-média e visada potência nacional por conta de suas condicionantes geográficas - estrutura espacial adequada para portos e rede de planícies que suportavam rede ferroviária -, apresenta de modo mais expressivo os resultados dos processos de enriquecimento advindos da industrialização nas décadas seguintes - as de 1960 e 1970 – e se torna metrópole pela Lei Complementar Estadual N°94 de 1974... parte desse processo é marcado pela narrativa de Nabil Bonduki ao dizer que,
23
Tanto a fala de Nabil Bonduki, quanto a figura a seguir, que ilustra a mancha de evolução urbana da região metropolitana ampliada por tentacular rede de transporte, representam a dinâmica desse crescimento e desmistificam a fala de teóricos e acadêmicos conservadores que chamam o processo de: fenômeno do espraiamento espontâneo da mancha urbana da região metropolitana de São Paulo, que bem da verdade é resultante da ação do estado frente o espaço. E mais, “A população aumentada, a classe média ampliada, a sedução dos pobres por um consumo diversificado e ajudado por sistemas extensivos de crédito, servem de impulsão à expansão industrial.” (SANTOS, M. 1993, p. 39). É seguindo essa dinâmica que a metrópole paulista vai se moldando. Nesse contexto vemos o movimento de população não como um movimento espontâneo, mas sim uma verdadeira expulsão do homem, tanto da cidade como do campo, sempre atrás de melhores ofertas de emprego, sendo esta, uma etapa determinante do processo migratório.24
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O Fenômeno Migratório Brasileiro No Contexto Capitalista. PEREIRA, A. G.; FILHO, David A. T. Artigo apresentado no VII Encontro Nacional Sobre Migrações de Tema Central: Migrações, Políticas Públicas e Desigualdades Regionais, realização de 10 a 12 de outubro de 2011, Curitiba/PR. p. 285.
24
São Paulo, sobretudo, sediando a economia cafeeira e recebendo um fluxo imigratório intenso (a população da cidade cresceu de 40.000 habitantes em 1886 para 260.000 em 1900 e 580.000 em 1920), apresentava um superdinâmico processo imobiliário, com forte expansão urbana e uma hipervalorização de glebas, terrenos e prédios.23
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* Mapa produzido com base em dados da Secretaria Urbanismo da prefeitura de São Paulo. Ilustração própria.
Urbanismo na periferia do mundo globalizado: metrópoles brasileiras. MARICATO, E. São Paulo em Perspectiva, v°14, p. 21-33, 2000. (Artigo). [p. 21].
26
Deslocamentos Pendulares nos Espaços Sub-regionais da Região Metropolitana de São Paulo. ANTICO, Claudia. XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP. Setembro de 2004. p. 4.
27
São Paulo: segregação urbana e desigualdade. VILLAÇA, F. Estudos Avançados n°25, p. 37, 2011.
28
São Paulo: segregação urbana e desigualdade. VILAÇA, F. Estudos Avançados n°25, p.48, 2011.
29
30 Metrópoles brasileiras: seus desafios urbanos e suas perspectivas. MEYER, R.P; GROSTEIN, M.D. [p. 58]. Pós v.20, ps. 34-59, 2006.
A questão não se dá a leitura de ricos no centro e pobres nas bordas e, nossa discussão ganha novo patamar ao evidenciar a segregação étnica na metrópole. Trata-se de RACISMO. Brancos em áreas privilegiadas e negros em áreas carentes de infraestrutura. Há de se apontar que esse conjunto de dinâmicas - embora fragmentado na discussão literária – se atrela ao também conjunto de redes de infraestruturas rodoviárias e de mobilidade da metrópole paulista. O planejamento voltado ao transporte na capital sempre esteve em voga: além de impulsionado pela conhecida revolução industrial, foram eles que mais contribuíram ao setor automotivo e grande potencializador econômico não apenas da cidade de São Paulo, mas do Brasil. De forma mais abrangente e aumentando a escala da discussão, atestamos que “(...) a força de uma “rede urbana nacional” advém da qualidade e da quantidade de conexões de todo tipo, que se estabeleçam entre os diversos elementos do conjunto”,30 e, se levarmos
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São Paulo: segregação urbana e desigualdade. VILLAÇA, F. Estudos Avançados. v°25, p.37-58, 2011. [p.52]
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De modo pragmático, a tal expansão se dá pela grande oferta de empregos via setor terciário (em setores específicos no território) e terra na periferia metropolitana (atrelada aos equipamentos ferroviários), portanto, “(...) uma zona industrial é uma zona de concentração dos empregos dos mais pobres, mas não é uma zona de concentração dos empregos dos maios ricos”25. Tal disparidade entre as zonas de concentração desses equipamentos e sujeitos vai consolidar não apenas a segregação sócio espacial, mas, também, a segregação étnica na metrópole. Ideia essa, também discutida por Ermínia Maricato ao dizer que, “A urbanização da sociedade brasileira se deu no século XX, mas carrega todo o peso da “formação” da sociedade caracterizada como “defasagem e continuidade”,26 que historicamente desempenha principal fator a distinção entre as classes. “Defasagem e continuidade” são adotados no trecho por conta dos processos de planejamento a urbanização das grandes cidades; defasagem, quanto ao atraso na compreensão do estado frente as questões urbanas e sociais; e continuidade, quanto a apática insistência da classe média ao fomento dessa desigualdade. Ou seja, “A RMSP é marcada pela presença do contraste social, e pela constituição de espaços fragmentados”,27 assim, ao passo que as políticas que fomentaram a industrialização abarcaram o desenvolvimento econômico e consolidaram espaços fragmentados, firmaram o histórico contraste social da metrópole. “Daí decorre a importância da segregação na análise do espaço urbano de nossas metrópoles, pois a segregação é a mais importante manifestação espacial-urbana da desigualdade que impera em nossa sociedade”;28 assim, os discursos acerca das dinâmicas entre centros e periferias são desmistificados. Além do mais “(...) a classe dominante produz e difunde ideias que visam esconder os processos reais de produção do espaço urbano desigual, que não é necessariamente centro versus periferia.”29
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* Mapa produzido com base em ilustração do livro: A metrópole de São Paulo no século XXI. Segregação racial; ps. 245 e 246. Ilustração própria.
em consideração que o termo aqui empregado, CONEXÃO, se direciona aos finitos modais de transporte, mas principalmente, ao sistema viário de grande porte (rodovias, avenidas, etc.), estaríamos afirmando, que um dos maiores fatores a segregação espacial nas metrópole - o sistema rodoviário -, ao passo que aumenta a dependência intermunicipal e fragmenta as regiões em guetos, seria a maior potência da metrópole? Não! E é isso que vamos discutir a frente.
A internacionalização da economia permitiu falar de cidades mundiais, verdadeiros nós na cadeia de relações múltiplas que dão um arcabouço à vida social do Planeta, e na verdade, porém, é o espaço inteiro que se mundializou, e já não existe um único ponto do Globo que se possa considerar como isolado. (...) Quanto mais os lugares se mundializam, mais se tornam singulares e específicos, isto é, “únicos”. Isto se deve à especialização desenfreada dos elementos do espaço - homens, firmas, instituições, meio ambiente -,à dissociação sempre crescente dos processos e subprocessos necessários a uma maior acumulação de capital, à multiplicação das ações que fazem do espaço um campo de forças multidirecionais e multicomplexas, onde cada
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Metrópoles brasileiras: seus desafios urbanos e suas perspectivas. MEYER R.P.; GROSTEIN M.D.[ARTIGO] São Paulo, dezembro de 2006; p. 51. 31
da macro à microescala Conexão. Conexão é a premissa básica da metrópole e comumente estabelecida por um sistema viário local, que antecede a sua definição. Ou seja, antes de se tornar metrópole, é necessário coexistir um elemento físico que conecte diferentes territórios e assim possamos considerar a definição adotada no início da introdução: A metrópole que também, por premissa, é a confusão ou a ordem de continuidade, sociedade, política e integração sócio espacial. Assim, “(...) a mobilidade é um princípio, e não um resultado do processo de metropolização.”31 Em São Paulo, onde esse elemento se faz existente entre os 39 municípios que a compõem – mesmo que de forma precária em alguns casos -, ruas, avenidas, rodovias, entre outras, transbordam seus limites administrativos até se atrelarem aos aglomerados urbanos e regiões metropolitanas vizinhas. Por isso a denominação por macro metrópole paulista; que além de definida pela relação de troca entre as metrópoles, se estabelece por meio da internacionalização do território, isto é, o que fazemos, discutimos, produzimos e pensamos aqui (na metrópole), transborda o limite nacional. Milton Santos já discutia essa questão em décadas passadas e a relaciona com a mundialização dos espaços ao dizer que,
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lugar é extremamente distinto do outro, mas também claramente ligado a todos os demais por um nexo único, dado pelas forças motrizes do modo de acumulação hegemonicamente universal.32 Acerca do argumento, cabe a nós ressaltar a relevante heterogeneidade do território; embora exista a dita especialização dos espaços em componentes únicos (o que seria um processo insustentável para a sua manutenção do status metrópole), esse fenômeno se faz extremamente necessário. É desse modo que as trocas urbanas de pequeno e grande porte – sejam elas estabelecidas por setores industriais, comerciais e rurais isolados que desempenham influencia nacional e mundial, ou também por meio dos equipamentos tecnológicos: de educação, saúde, pesquisa, entre outros, que exerçam relevância regional, também pontuados em setores específicos nas cidades – são estabelecidas de modo dissociado, como afirma o geógrafo. Acerca do argumento, cabe a nós ressaltar a relevante heterogeneidade do território; embora exista a dita especialização dos espaços em componentes únicos (o que seria um processo insustentável para a sua manutenção do status metrópole), esse fenômeno se faz extremamente necessário. É desse modo que as trocas urbanas de pequeno e grande porte – sejam elas estabelecidas por setores industriais, comerciais e rurais isolados que desempenham influencia nacional e mundial, ou também por meio dos equipamentos tecnológicos: de educação, saúde, pesquisa, entre outros, que exerçam relevância regional, também pontuados em setores específicos nas cidades – são estabelecidas de modo dissociado, como afirma o geógrafo. De modo pragmático, essa interdependência na relação de troca (também mundializada) entre os lugares, ao passo que afirma a potencialização acerca da economia e desenvolvimento urbano de modo mais expressivo entre os elementos (municípios, por exemplo), potencializa também, mas agora com força duplamente reversa, a dependência. Esse fenômeno que é presente de forma bastante intensa na RMSP, justifica sua divisão por sub-regiões segmentadas, porém não dissociadas. Marta Dora Grostein aponta que, Esses complexos metropolitanos compreendem municípios com funções complementares, gestão independente e capacidade financeira desigual. Estas características dificultam e condicionam o atendimento das demandas sociais e de infraestrutura urbana que, na maioria dos casos, surgem da relação funcional entre municípios e dependem de soluções que extrapolam seus limites político-administrativos, equacionando-se na escala regional.33 Daí a fragilidade quanto a relação de dependência entre os municípios.
SANTOS, Milton; Metamorfoses do espaço habitado, fundamentos Teóricos e metodológico da geografia. HUCITEC. [Ps. 12 e 13], 1988
32
Metrópole e expansão urbana: a persistência de processos “insustentáveis”; GROSTEIN, M. D. p. 13.
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole. Ilustração própria.
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Na metrópole paulista, onde as relações de troca são desiguais, o que aumenta a dependência de municípios mais pobres, esse processo que é resultado de processos históricos, se desempenha de forma recorrente também por conta da relação de centro e periferia. O centro é região estratégica do ponto de vista das vantagens locacionais e é zona privilegiada por conter investimentos urbanos acumulados ao longo do tempo. Numa cidade que cresceu radialmente, seguindo o desenho das ferrovias, o centro é região de distribuição de redes de transportes e de intensa circulação de indivíduos.34 Ou seja, o centro de São Paulo (a capital da região), que é lugar geograficamente estratégico, concentra a confluência desses equipamentos e, de forma radial as distribui para periferia de modo tentacular. Tanto a fala anterior - de Raquel Rolnik -, quanto a figura, salientam a relevância da região central de São Paulo na concentração dos componentes de infraestrutura urbana, bem como, para a sua distribuição em direção às bordas. Assim, ao passo que o centro acolhe e suporta maior parte das dinâmicas sociais, políticas e econômicas da região metropolitana, passa a fomentar também a precarização de sua periferia. Lembrando que o centro de São Paulo não é uma figura física. Quando o citamos, estamos nos referindo a um conjunto de planos e políticas públicas que estruturam o lugar. Sobre esse aspecto,
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O conjunto de bairros denominados bairros centrais, situados ao redor dos centros das áreas metropolitanas, possui um traço comum no panorama atual – todos vêm perdendo população. Essa perda se exprime tanto pela redução global do número de domicílios e de domicílios alugados quanto pela degradação ou pelo abandono dos imóveis existentes. Em contraponto e como parte do mesmo processo, as periferias metropolitanas continuam a apresentar índices de crescimento populacional elevados. Tal dinâmica urbana, observável na maior parte das metrópoles brasileiras, instalou-se e criou um paradoxo urbano e econômico, pois áreas plenamente equipadas em infraestrutura e transporte de massa estão em processo de esvaziamento populacional, enquanto se abrem indiscriminadamente novos e distantes setores de expansão urbana. 35 De fato. A análise de Regina Prosperi Meyer e Marta Dora Grostein aponta para realidades metropolitanas e ainda latentes do ponto de vista das dinâmicas centrais de São Paulo. Sobre a primeira questão – centros
34 São Paulo, início da industrialização: o espaço e a política. ROLNIK, R. p. 07.
Metrópoles brasileiras: seus desafios urbanos e suas perspectivas. MEYER R.P.; GROSTEIN M.D.; São Paulo, dezembro de 2006, p.53, [ARTIGO].
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migrantes: os que se naturalizaram paulistas Ao todo, os fluxos, que visam as metrópoles como destino, se enquadram em momentos da história em que, economia, acesso à terra e políticas públicas (ou a falta delas) permitam a instalação dos sujeitos nos mais diversos espaços. A formação da sociedade paulista se deu, assim como em outras regiões do país, através da presença dos povos indígena e caipira, já residentes a capital; de uma expressiva onda imigratória, composta por alemães, japoneses, italianos e franceses; bem como, de modo também expressivo, a primeira geração de migrantes: baianos, cearenses, pernambucanos e piauienses. Estes sujeitos que fizeram de São Paulo a macro metrópole mais diversa, se difundiram ao território, consolidaram suas “tribos”, orgulham-se de suas origens, mas acima de tudo, compartilham da naturalização paulista. O fenômeno não ocorre de forma alheia. Nas metrópoles brasileiras essa mudança é marcada pela conversão de zonas rurais em zonas urbanas o que caracteriza fundamentalmente os processos
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e perda de população -, há de se pontuar que não é uma problemática recente. Na metrópole paulista, o centro tido como antigo, passa a perder número significativa de seus moradores (a elite) no momento em que um novo eixo central – rumo a região da avenida paulista - é criado em prol do estimulo capitalista. E não apenas! Essa dinâmica também está atrelada a dispersão da população não residente da região central após realizadas suas atividades de trabalho, estudo, lazer, entre outras. Ou seja, o centro concentra predominantemente em seu território programação voltada para atividades diversas, que não habitacionais. Seu zoneamento é enrijecido quanto a áreas destinadas ao uso residencial, fazendo com que “aconteça” apenas durante os períodos de produção. Questão essa que vai suscitar seu esvaziamento em determinado período como afirmam as autoras, mas que, no entanto, não se resume a espontânea saída de seus moradores. Além disso, o fenômeno da dispersão vai gerar a necessidade por políticas públicas que visam sua requalificação como os programas Morar Centro, PIU central, Operação Urbana Centro, entre outras diversas, que, embora tenham cunho polêmico e são aplicadas de maneira controversa, são passos à frente. O contraponto desse lugar - o centro - é a sua periferia, que ao passo que esvazia durante o dia por conta da perda de população que sai em prol das atividades urbanas, recebe durante a noite seus milhares de habitantes, que, com o pouco tempo que os restam para viver a cidade, dormem. A problemática que não se refere apenas a dormir, realizar atividades ou taxas se crescimento populacional é mais abrangente e será melhor discutida nos capítulos seguintes. O que é de enorme pertinência nesse momento, é discutir quem habita as bordas e como o fazem?
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de mercantilização das terras. Ou seja, a terra (solo urbano ou rural nas cidades) se torna produto frente a um ideal que gira em torno da produção e acumulo de capital. * Gráfico produzido com base em dados do IBGE: censo demográfico de 2010.Ilustração própria.
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A figura que expressa a evolução percentual da população em áreas urbanas e o declínio da população em situação rural, ilustra também em qual lugar das cidades, vai se instalar determinados cidadãos. Atrelada a fala de Milton Santos, ao dizer que, O modelo de crescimento capitalista adotado pela maioria dos países subdesenvolvidos, somado à explosão demográfica, resultaram numa explosão urbana e concentração de riqueza e pobreza nas cidades. Pensava-se antigamente que a industrialização capitalista podia trazer uma solução à crise
Loteamentos Clandestinos. MARICATO, E. MO’DULO: revista de arte, cultura e Arquitetura. Setembro de 1980, p. 91.
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, explicita de modo pragmático que, esse contraponto em distinção de modelos de vida nas cidades, representam o domínio do espaço pelo homem (branco) e, principalmente, um momento na história em que a capital paulista vai precisar de mão-de-obra para edificar o que conhecemos hoje como São Paulo. Sobre a população caipira, estes já residentes à capital, vão perdendo territórios e expulsos às bordas mais longínquas das cidades e chegam a se consolidar rasteiramente nas regiões interioranas. Nos casos da população indígena, o que a história e o presente nos evidenciam, é que, em alguns momentos vão até ser dizimados pela relação de forças e visão, também do homem branco, ao domínio de suas terras. Assim, o que de há de se asseverar é que a “lei” passa a imperar sobre o território ditando deveres aos cidadãos. O que pontuamos frente ao dito, é que as ações do estado, no período, passam a atuar de modo insensível e dizimador perante populações vulneráveis por conta de planos que visam o domínio legal sobre as terras. Além disso, “as mudanças políticas, frequentes nos países subdesenvolvidos, geraram, também, várias e volumosas correntes migratórias, mas há, também migrações internacionais de trabalho bastante expressivas.” (Santos, M. p. 15). E, portanto, a primeira geração de imigrantes se estabilizou à região central da capital com aporte do comércio característico a Itália, Japão, entre outros, e passa a usufruir da industrialização e abertura econômica para instalação, bem como, da consolidação de grandes empresas em São Paulo. Já a população migrante, que representa maior saldo dentre os povos que foram compor a metrópole - valendo destacar que nem todos chegaram induzidos pela melhoria da qualidade de vida e bens de consumo ou se instalaram em territórios menos privilegiados - se instalou na periferia da cidade por conta da falta do poder de acesso à terra e se tornou a principal mão-de-obra da indústria – polarizada nos vetores leste e oeste -. Ermínia Maricato afirma que, “As massas migrantes, que constituem os trabalhadores urbanos mal remunerados, não têm poder aquisitivo para comprar um lote urbanizado, tal como exige a lei, e dentro das condições do mercado imobiliário.”37 Assim, contingentes migratórios inteiros viriam a compor o que hoje é a macro metrópole paulista em busca de melhores condições de vida frente a precariedade urbana na região nordeste do país e o boom econômico da região sudeste marcado pela indústria fordista e pelo aumento potencial da indústria civil. O período marca a potência da metrópole no contexto nacional onde a correlação de forças entre São Paulo e Brasil se tornam equivalentes e
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36 Pobreza Urbana. SANTOS, M.3°ed. São Paulo: Edusp, 2013. p. 57.
social que gerou. Quando se tornou claro que isso não ocorria, o problema foi atacado por outros meios indiretos, como habitação, educação etc.36
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*Figura: Barragem Santa Luzia antes da urbanização. Fonte: Urbanização brasileira, redescobertas. p.92. Figura: O migrante quer morar. Fonte: TRAVESSIA - A revista do migrante. A luta pelo direito de morar. Publicação do CEM; ano V. nº14. Edição do autor.
se manifestam em crescimento econômico sucedido da industrialização. Resultante do processo, são as expressivas taxas de crescimento de produção de irregularidades habitacionais nas metrópoles e, a partir do instante, são constituídos “modelos legais e ilegais de se produzir cidades”. O processo é tão dramático, que se faz existente até a contemporaneidade. “Por isso, a grande cidade, mais do que antes, é um polo da pobreza (a periferia no polo...), o lugar com mais força e capacidade de atrair e manter gente pobre, ainda que muitas vezes em condições sub-humanas.” (Santos, M. 1993, p. 10). Assim, ao passo que – frutos de um plano - o território, população, economia e mancha urbana da cidade crescem e o número de empregos em ascendência dá condições para que a chamada massa migrante se estabeleça na cidade, diversos bairros vão se adensando em vielas estreitas e não asfaltadas, barracos erguidos à beira de represas e rios e, nesse momento, o estado que já não tem total controle sobre as terras (por conta de uma defasada fiscalização), perde plena força frente as demandas de sua população.
Direito à cidade: constituição, impasses e o sangue derramado A discrepância histórica entre distribuição, acesso à terra, produção de habitação e ainda, o fomento e indução à ocupação das periferias metropolitanas, nos conduz a discussão acerca das ações do estado frente a visível exclusão e demandas da população de baixa renda em meio a então chamada: precária urbanização. Assim, Ermínia Maricato aponta para o poder de um novo personagem da nossa discussão: o mercado imobiliário. Ele é gentilmente convidado a participar da história brasileira de forma mais expressiva durante a década de 60, isso porque, o estado autoritário precisaria de um ator que construísse as cidades planejadas. É interessante esclarecer também, que detém amplo domínio dos territórios abastecidos das redes de infraestrutura. A relação legislação/mercado e restrito/exclusão talvez se mostre mais evidente nas regiões metropolitanas. É nas áreas rejeitadas pelo mercado imobiliário privado e nas áreas públicas, situadas em regiões desvalorizadas, que a população trabalhadora pobre vai se instalar: beira de córregos, encostas dos morros, terrenos sujeitos a enchentes ou outros tipos de riscos, regiões poluídas, ou... áreas de proteção ambiental (onde a vigência de legislação de proteção e ausência de fiscalização definem a desvalorização).38 Ou seja, na conjuntura da necessidade por habitação, quem detém o
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Metrópole, legislação e desigualdade. MARICATO, E; p. 154.
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole e do IBGE. Ilustração própria.
poder sobre as terras interessantes à sua produção é o mercado imobiliário; quem detém a necessidade quanto a ação: morar, é a população de baixa renda, que não tem acesso. Daí explicado o argumento anterior quanto a instalação desses sujeitos nas beiras de córregos, etc. Embora sejam de enorme relevância para a composição de sistemas hídricos e florestais, essas áreas são desassistidas das esferas que as controlam e, portanto (desde a formação da metrópole), são passíveis de ocupação. Nesse contexto, o estado uma vez que frágil ao enfrentamento das demandas habitacionais, se torna principal aliado do mercado, ou seja, “(...) a lei é utilizada como expediente de manutenção e fortalecimento de poder e privilégios, contribuindo para resultados como a segregação e a exclusão.” (MARICATO, E; p. 160).Essa figura que é demasiadamente forte, passa a exercer relevante papel na relação de distribuição de terra nas cidades; o centro se torna cada vez mais restrito a burguesia e, a periferia, se exprime com a potencialização da urbanização autoconstruída, precária e ilegal, traduzida em falta de assessoria técnica. Oque estavam fazendo os arquitetos-urbanistas nesse período? Marta Dora Grostein disserta acerca da característica urbanização autoconstruída que se manifestou nas principais metrópoles brasileiras ao dizer que,
Embora a fala venha de uma renomada autora, descordamos de alguns trechos da citação e antes mesmo de continuar nossa investigação nos cabe pautá-las porque o próprio trabalho nasce também do contraponto à autores (brancos, de meia-idade e da classe média) que discutem as metrópoles brasileiras. Pontuamos também que a discussão literária é pertinente a nossa formação e continuaremos a citar Marta Dora Grostein sempre que acharmos a fala pertinente ao fomento ou discordância de questões aqui interessadas. Assim, como discutido em páginas anteriores: Nada em São Paulo é fruto da ocasional força da natureza. Tudo será projeto do homem frente ao território e não nos faltariam bons autores para desmitificar essa questão, como Flávio Villaça, Ermínia Maricato, Raquel Rolnik, Claudio Manetti, entre outros. No entanto, é interessante discorrer a respeito do então chamado:
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39 Metrópole e expansão urbana: a persistência de processos “insustentáveis”; GROSTEIN, M. D. p.14.
Em apenas quatro décadas – entre 1950 e 1990 – formaram-se 13 cidades com mais de um milhão de habitantes e em todas elas a expansão da área urbana assumiu características semelhantes, isto é, não resultou de determinações ou projetos articulados visando a extensão da cidade, mas, ao contrário, prevaleceu a difusão do padrão periférico, condutor da urbanização do território metropolitano, perpetuando, assim, o loteamento ilegal, a casa autoconstruída e os distantes conjuntos habitacionais populares de produção pública, como seus principais propulsores.39
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espraiamento e fomento a periferização da metrópole. Acerca disso, o Plano das grandes Avenidas de Prestes Maia40 - datado de 1930 – visou o modelo rodoviarista em desenho radio concêntrico para a cidade e é reconhecido por diversos acadêmicos como um dos principais indutores na concentração de infraestruturas nas áreas centrais e dispersão da urbanização periférica. Vimos também que mobilidade é um princípio e, em São Paulo, até mesmo um ponto de ônibus é visto como indutor a urbanização. Ou seja, as relações que dizem respeito as dinâmicas entre centro e periferia não podem ser ditas como resultantes da falta de planejamento, assim como a segregação nela presente. São Paulo foi pensada e desenhada para se espraiar sob essas relações; para compreendê-las melhor, basta ler e as discutir à gral de aprofundamento preciso. Acerca dos loteamentos ilegais e retomando a citação, são também planejados! As questões que nos parecem fundamentais seriam: Planejados por quem? E sobre quais valores de cidade? Claramente os loteamentos irregulares - ou clandestinos – podem ser desenhados por sujeitos que detém e visam o parcelamento do solo urbano a fim de margem de lucros em 100%. Esse parcelamento, que de modo pragmático é a divisão do terreno em lotes mínimos à edificação (muitas vezes de residências), está comumente atrelada a terrenos longínquos de redes urbanas consolidadas e, portanto, acessíveis à compra por uma população que detém menor renda, bem como, a falta de fiscalização do poder público local em caso de inserção em áreas de risco geológico ou proteção permanente. Dizer que cidades (quais que sejam) são fruto da falta de planejamento, significa ignorar as pessoas que a construíram. Ou seja, no campo acadêmico, é admitir extrema ignorância. Por conta desse então fenômeno, se tornaram inerentes à composição das metrópoles brasileiras a emancipação/regularização de cidades que expandiram seus territórios majoritariamente através desses loteamentos. Como já visto, é na metrópole que a necessidade por habitação se mostra de forma mais latente. Esse fenômeno vai ditar para alguns autores o que são então as cidades-formais: pensadas e desenhadas pelo poder público (legal) a rigor da compreensão acadêmica, com distinções de usos e equipamentos específicos e; as cidades-informais: condicionadas à expansão ilegal, “espontânea” e atreladas a ausência ou precarização de equipamentos urbanos. “A reprodução e a permanência desse padrão de urbanização apontam para a incapacidade recorrente do Estado em controlar e fiscalizar o uso e a ocupação do solo e atuar como controlador, financiador ou provedor de moradia para as populações com menos recursos. No Município de São Paulo, esse processo também é a expressão da crise do modelo de instrumentos
Eleito prefeito da cidade de São Paulo em 1938.
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* Figura: Plano das grandes avenidas. Disponível em: encurtador.com.br/ aqJ05.
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* Figura: parcelamento e ocupação do solo. Ilustração própria.
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formulado na década de 70, dominado pelo conceito de zoneamento urbano, que, ao invés de ampliarem benefícios para o conjunto da população, funcionaram como limitadores da oferta de moradias ou loteamentos no mercado regular.”41 E não apenas, esse padrão de urbanização, dito ilegal, evidencia o atraso do estado frente o rápido espraiamento tentacular da mancha urbana da capital paulista, bem como, escancara a problematização da fiscalização (cuidado) dos territórios. Não é o caso de nos atermos a discussão sobre o que seria força ou capacidades do estado, porque os ditos instrumentos urbanos costumam os descrever detalhadamente; mas uma questão interessante à fala anterior, seria o enrijecimento dos zoneamentos urbanos que dificultam a inserção dessa população nas cidades-formais. De fato, vimos que morar nos centros urbanos, logo infraestruturados, custa caro; mas o que parece primordial a nossa conjuntura seria discutir: existem duas cidades? Formal e informal?
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_ Não. É pertinente discorrer que apesar de todas as disparidades comumente existentes às cidades metropolitanas, não podem coexistir no mesmo espaço cidades que se encaram como formal e informal. É insustentável. As cidades são vividas por pessoas e, em cada, suas dinâmicas são ricas e sempre interessantes às compreensões. Dizer que as existam, seria rotular cidadãos como formais e informais. Daí que tenha nascido o preconceito elitizado acerca de quem vive nas periferias metropolitas ou, até o presente momento, construído sua casa de forma contrária a lei; e não nos esquecemos de quem firmam essas ideologias e propagam saberes meritocráticos, ideológicos higienistas e únicos. Toda a discussão acerca do que seria legal ou ilegal nos evidencia fundamentalmente que a troca de capital seria a única forma de se obter moradia: pagando para o mercado e estado o direito de construir ou, pagando para donos de terrenos um pedacinho de lote. Discutiremos em seguida que as favelas metropolitanas vão surgir acompanhando todo o processo de urbanização das cidades e, além de reivindicação política, será nova resposta a sempre existe necessidade do morar.
O bairro-favela “Morar em favela não é exatamente uma escolha; é a opção possível diante da falta de políticas habitacionais, o que resultou em formas desordenadas de ocupação dos territórios, principalmente em áreas urbanas (...).”42 Discutir a formação dos bairros-favela de forma consistente, direta e clara é um posicionamento político frente a todo pensamento ainda moderno,
41 Metrópole e expansão urbana: a persistência de processos “insustentáveis”; GROSTEIN, M. D. p.14. 42 Viver em áreas de risco. Reflexões sobre vulnerabilidades socioambientais. SPINK, M.J. São Paulo: EDUC, ED. TERCEIRO NOME, 2018; p. 78.
COMO DEFINIR O BAIRRO: UMA BREVE REVISÃO. BEZERRA, J.A. p.29. GEO Temas. jan./jun.2011 [p.21-31].
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FAVELAS. Fonte: habitaSAMPA. Disponível em: http://twixar. me/02S1. Acesso em 20 de março de 2019. 45
Professor Mestre, do CGE/ CAMEAM/UERN e pesquisador do Núcleo de Estudos em Geografia Agrária e Regional.
k
“(...) assentamentos precários que surgem de ocupações espontâneas feitas de forma desordenada, sem definição prévia de lotes e sem arruamento, em áreas públicas ou particulares de terceiros, com redes de infraestrutura insuficientes, em que as moradias são predominantemente autoconstruídas e com elevado grau de precariedade, por famílias de baixa-renda e, situação de vulnerabilidade.”45
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Loteamentos Clandestinos. MARICATO, E. 1980. MO’DULO: revista de arte, cultura e Arquitetura. Setembro de 1980. p. 92. 43
traduzido por narrativa ilegítima exteriorizada pela classe média branca acadêmica-intelectual. “O debate acerca da arquitetura perde aqui sua autonomia, tão ao gosto da leitura formal idealista, para compor um todo no conjunto da luta política.”43 Proferir esses bairros na contemporaneidade elencando a sua atuação na construção da metrópole paulista, faz parte do exercício à democratização das falas dentro e fora das academias. A fim de discutir essa e tantas outras questões atreladas a sua consolidação, o presente capítulo investiga de modo pontual os principais aspectos da (re) produção dessa que é uma grande ideia: O bairro-favela. _ Sim! o bairro-favela. A provocação acerca da junção dos termos bairro e favela é proposital e utilizado nesse capítulo a fim de romper o pré conceito acerca dessa vertente de moradia: a favela. Não é o caso de nos atermos a considerações românticas ou que exacerbam precariedades nesses lugares, porque estas são na verdade pautadas nos capítulos seguintes ou, sequer propor uma correção no vocabulário acadêmico; o que será pertinente nesse breve trecho é a compreensão acerca das definições dos elementos pautados e a sugestão sobre a junção de ambos [bairro+favela] que, assim como tantas outros nomenclaturas técnicas, nos atrevemos a pronunciar não apenas na academia - e mal compreendemos de fato suas origens, seus significados e relevância. Assim, utilizando fragmento da fala de Manuel Castells elencada no artigo: Como definir o bairro? Uma breve revisão, de Josué Alencar Bezerra k,o bairro seria então o lugar “(...)provido de equipamentos coletivos e acessíveis ao pedestre; mas, além disso, ele se constitui em torno de uma subcultura e representa um corte significativo na estrutura social(...)”44, assim, ao referir equipamentos e a questão do acesso, a definição do bairro estaria atrelada a condição das redes locais das cidades, ou seja, atrelada aos pequenos percursos ou perímetros. Outro aspecto presente na fala seria a questão da subcultura, que de simples modo, nos remete a questão do reconhecimento do sujeito frente ao território que lhe abraça ou melhor lhe representa social e culturalmente. Já as favelas, que reúnem arcabouço enorme de definições, são de forma genérica “enquadradas” pela secretaria de Habitação do Município de São Paulo – SEHAB – como sendo,
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Isso porque até mesmo as do município de São Paulo trazem em sua conotação experiências das mais diversas naturezas e desenhos morfológicos dos mais complexos à organização formal - rua, calçada, lote -, portanto, se torna complexa qualquer dissertação concreta a seu respeito. O que o trecho elencado nos revela – e o que é comum em favelas – seria o fato de sua ocupação ocorrer em áreas sem titularidade, o que é um risco do ponto de vista da perda do imóvel quando em casos de reintegração de posse (o que será discutido em breve); sua insuficiência ao que diz respeito a infraestrutura urbana formal, o que em muitos casos condiciona seus moradores a estados de insalubridade - normalmente não são abastecidos de água encanada por exemplo - e sua composição socioeconômica estabelecia pela população de baixa renda, que recorre à essa vertente por conta na inacessibilidade burocrática a programas de estância pública ou privada que ofertam habitação. O tal elevado grau de precariedade, traduzido em carência e que vai estar presente também na preconceituosa definição dos aglomerados-subnormais (favelas) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – (IBGE) ao dizer que são, Conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas, etc.) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e/ou densa.46 não exprime a real constituição dos aspectos arquitetônicos dessas casas ou barracos autogeridos, porque não os descrevem detalhadamente, ou seja, são genéricos. Além do mais, a última definição que é (repetimos) preconceituosa, portanto não será anunciada novamente no caderno, nos indica a percepção pejorativa sobre as favelas ou cidadãos que as vivenciam. Sub: Prefixo que significa inferioridade, aproximação ou substituição; Normal: O que é igual à maioria que está ao seu redor, não se destaca Inferior ao que é igual?47
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Rosana Denaldi define sua compreensão ao dizer que, “As favelas são territórios de ilegalidade e exclusão social. São a expressão da desigualdade. (...)”.48 Já Tales de Oliveira a define como, (...) um movimento de resistência dos pobres ao espaço destinado a eles (ou o que lhes restou) na estrutura socioterritorial da cidade, é o território da ação tática, percebida como uma possibilidade de adaptação às inescapáveis condições de
46 Aglomerados subnormais. Fonte: IBGE. Censo demográfico; 2010. 47
Dicionário informal.
48 Políticas de Urbanização de Favelas: evolução e impasses. ROSANA, D. p.42. São Paulo: FAUUSP, 2003.
50 KEHL, L. Breve história das favelas. São Paulo, Claridade; 2010. p. 15.
, e que não necessariamente é contrária a romântica fala de Luis Kehl, que a interpreta como, (...) a forma natural de organização dos homens numa sociedade ditada pela escassez – ou, para usarmos uma expressão que parece mais correta, uma sociedade ditada pela afluência, no sentido que a moderna antropologia emprega este termo, ou seja, como a capacidade que uma sociedade tem de prover o necessário para a satisfação de desejos e necessidades com facilidade – com afluência.50 Frente toda a exposição de interpretações sobre as favelas, é mais do que didático complementar as dissertações firmando o quão complexa são. O que buscamos, na verdade, seria a compreensão de sua gênese através de discussões mais amplas. Assim, temos dois contrapontos: os bairros, que reúnem à sua caracterização, abrangência e complexidade, mas a percepção do que os seriam é bastante clara para os cidadãos, que de modo pragmático, o reconhece como parte elementar das cidades. A exemplo da fala: “eu moro no bairro!”; já as favelas, que trazem em sua conjuntura definições bastante especificas por entidades governamentais, acadêmicas, entre outras... passa em síntese, por complexa percepção de quem as vivenciam ou não e transcendem as mais diversas discussões do que de fato as seriam ou seriam aqueles que as vivenciam (ser favelado cidadão ou cidadão que mora na favela?). Logo, sob os aspectos formais, ambas as palavras que parecem distantes à junção no vocabulário (bairro+favela) podem e serão adotadas de maneira complementar ao longo do trabalho. Isso porque compreendemos as favelas, em síntese, como bairros carentes de infraestrutura pública. Bairros. “Construída” a nova palavra, nos deixaremos conduzir a intrigante história dos bairros-favela na Região Metropolitana de São Paulo, a fim do sempre relevante critério: conhecer para falar; o que será de extrema importância para os capítulos seguintes, que abrangem de modo sistemático: as tipologias de riscos atrelados a então chamada vertente de moradia; os processos de romantização sobre a temática e, seu contraponto: a lente de aumento às fragilidades. O conjunto elencado, visa trazer à narrativa as dinâmicas que impulsionaram a transformação das mais diversas tipologias habitacionais
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49 Como se faz uma favela: práticas e cotidiano na produção do espaço urbano “periférico” - OLIVEIRA, Tales B. L. Gonzaga de. p.16. Salvador: UFBA, 2011.
precariedade urbana, estrutural, econômica e habitacional, e, ao mesmo tempo, como um movimento difuso de resistência e de alteração da condição urbana destas populações, através de uma relação dialética de adaptação/acomodação com as estruturas dominantes da cidade formal.49
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* Figura: Segregação em SP. Disponível em: http://twixar.me/l50n. Acesso em 23 de agosto de 2018. Edição do autor.
52 Conhecendo o direito: proteção e garantia dos direitos humanos no âmbito de megaprojetos e megaeventos. UZZO, Karina G.; SAULE JÚNIOR, Nelson. São Paulo: Instituto Pólis; 2012. p.10.
KEHL, L. Breve história das favelas. São Paulo, Claridade; 2010. ps.31 e 37.
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Os direitos humanos são os nossos direitos fundamentais. Foram previstos na legislação brasileira pela Constituição Federal de 1988 como direitos e garantias fundamentais, que abrangem tanto os direitos individuais e coletivos (previstos no artigo 5°), como os direitos sociais (previstos nos artigos 6°, 7°, 8° e 9°). Esses direitos têm uma história de luta pela liberdade, pelos direitos civis e econômicos e pelos direitos ao bem-estar, no âmbito individual ou coletivo. Essa história compreende períodos ou fases históricas, chamadas gerações do direito, em que os direitos não são substituídos ou alterados, mas se complementam, uma vez que para realizar um direito de uma geração seguinte é fundamental a realização da anterior.52 Portanto, será pautado sobre a construção histórica das lutas em prol dos direitos básicos de milhares de brasileiros, que os próximos capítulos buscarão se embasar.
história Ao que nos parece, os bairros-favela são inerentes a história das civilizações e os estudos produzidos no Brasil a fim das descobertas acerca de quem os vivenciam ou como se consolidam ao tecido da paisagem urbana, se dão instantaneamente a condição das metrópoles. É pertinente destacar também, que o estudo contemporâneo sobre estes bairros nos revela uma matriz de pensamento intelectual sobre a conformação nos territórios por sua população, que transcende o pensamento moderno-único discutido nas academias. Assim, dentre os diversos pesquisadores que os discutem, nos pautaremos sobre a visão de Ermínia Maricato, Claudio Manetti, Raquel Rolnik e, principalmente, a de Luís Kehl, que exprime no livro Breve História das Favelas, a real consolidação dessa vertente de habitação na metrópole paulista. Assim, o que a história nos conta é que... “No Brasil, discute-se a “favela”, tal como surgiu no Rio de Janeiro no final do século XIX, é uma construção original em si, ou se é originária, filha direta dos cortiços (...). No seu início as favelas cariocas colocaram-se, em contraposição ao cortiço, como solução para a moradia dos pobres.”53 Para tanto e segundo a compreensão de Claudio Manetti... “O cidadão morador do cortiço, dispõe de quantia financeira para quitar sua estadia
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CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Fonte: Planalto. Disponível em: http:// twixar.me/l2S1. Acesso em: 21 de março de 2019. .
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tidas pelos estados como informais nos territórios metropolitanos, bem como, as lutas da classe trabalhadora brasileira em prol do acesso a direitos fundamentais, tais como a garantia do direito de propriedade, prevista na constituição de 1988.51
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ou a de sua família. Esse valor, em alguns casos no centro de São Paulo, equivale a 600 reais por cômodo alugado (...)”54, ou seja, nos indica que seus moradores são trabalhadores (formais ou não) que dispõem de dinheiro; contrário a população dos bairros-favela, que iniciam a edificação de suas casas por urgente necessidade e reivindicação a inacessibilidade a moradia, bem como, também trabalham (formalmente ou não) porém não dispõem de quantia para o caríssimo aluguel ou parcelas de compra residencial. A definição de cortiço para Raquel Rolnik, que os interpreta sendo, (...) a longa fila de cômodos geminados, que dão para o pátio ou corredor comum e que tem banheiro, cozinha e tanque coletivos. Alta intensidade de vida social em espaço exíguo. Nele se misturam trabalhadores e vagabundos, famílias e solteiros, negros, brancos e mulatos nascidos no Brasil, bem como portugueses, espanhóis e italianos.55 junto a definição do HABITASAMPA, que os define como, (...) assentamentos precários que se caracterizam como habitações coletivas precárias de aluguel, e que frequentemente apresentam instalações sanitárias compartilhadas entre vários cômodos, alta densidade de ocupação, circulação e infraestrutura precárias, acesso e uso comum dos espaços não edificados e altíssimos valores de aluguel por m2 edificado.56 ilustram a hegemonia de sua composição social que é rica a nossa leitura, bem como, exprimem a presença de insalubridade de seus espaços, isso, porque além de pagar caro, o cidadão precisa compartilhar dos demais cômodos. Frente a questão,
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A partir do final do século XIX e início do XX, os cortiços paulistanos foram alvos de campanhas alternativas de erradicação e regulamentação, passando ainda por períodos em que ficaram totalmente à margem da legislação, como durante a vigência do Código de Obras de 1929, que simplesmente não reconhecia a sua existência.57 Pressionado por diversas instancias, o estado passa a controlar de modo mais legitimo as questões atreladas a salubridade de edificações regulamentadas nas cidades e, é no período citado, que o número de bairrosfavela na metrópole paulista vai transbordar as estatísticas. Habitadas por uma população em geral mais jovem do que
54 Trecho cedido a partir de fala sobre moradia nos centros históricos de São Paulo. 55 Rolnik, R. São Paulo, início da industrialização: o espaço e a política. p.04.
CORTIÇOS. Fonte: habitaSAMPA. Disponível em: http://twixar.me/ w2S1. Acesso em 20 de março de 2019.
56
57 KEHL, L. Breve história das favelas. São Paulo, Claridade; 2010. p.55.
Origens da habitação social no Brasil. BONDUKI, Nabil G. Análise Social, v°29, p. 711-732, 1994. [p.729].
59
60 Erradicar o analfabetismo urbanístico, MARICATO, E. Texto para a revista FASE, p.3. março de 2002. 61
Kehl, 2010, pgs. 28.
A fala de Luis Kehl atrelada ao mapa de fluxos e saldos migratórios no Brasil vai nos explicar em qual território, ou melhor, como se instalaram milhares de migrantes nas regiões metropolitanas; além disso, ilustra a segregação social-espacial que vai se expressar culturalmente nesses territórios. “As primeiras favelas de São Paulo e a intensificação do crescimento das favelas no Rio de Janeiro ocorrem exatamente nesta conjuntura nos primeiros anos da década de 40, ocupando terrenos públicos e abrigando famílias despejadas ou migrantes recém-chegados.”59 Assim, podemos afirmar que os moradores das favelas, são em predominância: jovens mulheres e homens, negros, pobres, que de modo ou de outro, foram induzidos pelo sonho da melhoria de condições vida à metrópole e constituírem em fragmentos, a expressão da cidade real: A cidade que exacerba diferença entre classes, cultura e que continua recebendo fomento as desigualdades nas mais diversas escalas, sejam elas na atuação do poder ou no desenho acadêmico. Não há dados fidedignos (nem do IBGE) sobre o número de brasileiros morando em favelas. E essa desinformação não é casual. Até mesmo o urbanismo oficial e acadêmico participa da dissimulação dessa realidade ao reforçar a cidade cenário ou cidade mercadoria, cheia dos símbolos indutores do consumo e da alienação, que constituem embalagem do processo de formação das rendas de localização.60 O que a fala de Ermínia Maricato nos dá de mais precioso, seria a denúncia quanto ao esquecimento dos bairros como se não fizessem parte das cidades. Como discutido em capítulos anteriores, alguns autores conservadores vão fomentar esse pensamento ao escrever sobre cidades-formais e cidadesinformais como se houvesse distinções planetárias acerca de ambas. A apropriação da terra pode se dar por grandes invasões, mas o padrão normal é a infiltração me pequena escala e sem confrontos em terrenos marginais ou intersticiais, que não tem valor; normalmente, a terra invadida pertence ao Estado; há casos em que políticos, líderes poderosos ou quadrilhas “garantem” a posse de terrenos.61 Claudio Manetti, pontua essa crítica ao dissertar sobre “cidades-formais e cidades-reais”, ao dizer que “(...) o cenário contemporâneo das grandes
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KEHL, L. Breve história das favelas. São Paulo, Claridade; 2010. p.58.
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a do município, as favelas de São Paulo apresentam uma predominância de cor preta ou parda, e a origem das pessoas situa-as majoritariamente como migrantes da região mais pobre do País, com quase 70% oriundas dos Estados do Nordeste.58
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metrópoles é a representação do extrato cultural brasileiro; a cidade-real (bairros-favela), a qual muitos negam enxergar e falar, faz parte da mesma paisagem e, portanto, do mesmo tecido urbano e fruto do mesmo projeto.”62 Assim, fomentando a ideia acerca da originalidade dos bairros, não há porque negar ou dissertar sobre essa vertente como se fosse contrária a condição das cidades.
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O Approach tradicional do planejamento em relação aos assentamentos de baixa renda tem sido “esquecer” ou estigmatizar estes territórios (denominando-os “subnormais”) e investir neles politicamente. Investir politicamente significa negociar, em geral usando votos como moeda de barganha, provendo investimento em infraestrutura e serviços como “concessões” ou “favores” do Prefeito ou Vereador para as comunidades. Este mecanismo tem sido uma fonte muito importante de poder político na esfera local, na medida que assentamentos irregulares ou ilegais não têm o mesmo direito à infraestrutura a serviços como a cidade legal possui. O estatuto ilegal de seu ambiente torna os habitantes de baixa renda ainda mais vulneráveis ao clientelismo.63 A pertinente e complexa fala de Raquel Rolnik expressa também em denúncia, ao que nos parece, induz a compreensões elementares sobre questões atreladas a atuação do estado frente aos bairros-favela, o seu direito às infraestruturas urbanas e as diversas condições de vulnerabilidade de seus cidadãos. É notável o esquecimento dos bairros-favela por meio da falta de fiscalização ou atenção de quem detém (ou deveria deter) controle sobre as terras. Como exemplo, são raríssimas as exceções, de municípios que os mapeiam de modo que possam ser viabilizados sugestões projetuais ou de assessoria técnica por instituições de ensino público ou privados. Vale dissertar também, que é comum a condição dos bairros com maiores dimensões urbanas e já consolidados, projetos de redesenho que visam a intervenção do estado como provedores de melhorias ao que dizem as infraestruturas urbanas: calçadas, energia, saneamento, coleta de lixo, etc.; essa atuação na verdade, é inerente a condição do estado. Ele é responsável junto à sociedade civil, por estudar e viabilizar todas as instalações necessárias que deem condições mínimas de salubridade aos espaços; o que não pode ser tratado como clientelismo, ou seja, como moeda de troca de votos. Assim, e em contrapartida, são cobrados a qualquer cidadão que dispõe das mesmas infraestruturas os chamados impostos, que são obtidos à manutenção das infraestruturas. No município de São Paulo, por exemplo, os bairros-favela que passam
Entrevista gentilmente cedida à produção da pesquisa.
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Exclusão Territorial e Violência: O Caso do Estado de São Paulo. ROLNIK, R. p. 12.
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Núcleo. Fonte: HABITASAMPA. Disponível em: http://twixar.me/ w2S1. Acesso em 16 de junho de 2018. 64
Políticas de Urbanização de Favelas: evolução e impasses. ROSANA, D. p.2. São Paulo: FAUUSP, 2003.
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Mapeamento de Riscos em Encostas e Margem de Rios. CARVALHO, C. S.; MACEDO, E. S.; OGURA, A. T. (Org.). Brasília: Ministério das Cidades; Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT, 2007. Disponível em: encurtador.com.br/ ycjw0. Acesso em: 27 de março de 2019. 66
População em áreas de risco no Brasil / IBGE, Coordenação de Geografia. - Rio de Janeiro: IBGE, 2018. Disponível em: encurtador. com.br/nxFO0. Acesso em: 27 de março de 2019.
por adequação de infraestrutura urbana são denominados de Núcleos “(...) dotados de 100% de infraestrutura de água, esgoto, iluminação pública, drenagem e coleta de lixo, viabilizadas através de ações por parte do poder público ou não. Porém, ainda não regularizadas legalmente.”64 A denominação é também atrelada a mecanismos públicos que visam a adequação dos preços impostos para a população de baixa renda. Desse modo a visão acerca das infraestruturas urbanas passam de “desenhos em planos”, para fundamentos previstos e garantidos por leis. Rosana Denaldi, exprime em didática fala, através de sua tese de doutorado - Políticas de Urbanização de Favelas: evolução e impasses – a urgência do conhecimento acerca das áreas onde se instalam os cidadãos mais pobres ao dissertar que, A população excluída é levada a ocupar as áreas desprezadas pelo mercado imobiliário, onde a construção é vedada, como áreas lindeiras a rios e córregos, ‘reservadas de loteamentos’ (institucionais ou verdes) ou ainda de grande importância ambiental, como as APMs (Áreas de Proteção dos Mananciais), florestas e mangues.65
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Urbanização de Riscos Estudos relevantes apontados nos cadernos: mapeamento de riscos em encostas e margens de rios (2007)66 e, população em áreas de risco no Brasil (2018)67; ilustram de forma detalhada os riscos tidos como desastrosos atrelados a condicionantes geológicas presentes no território brasileiro e, alertam de forma direta às municipalidades, sobre os caminhos e devidos cuidados para o controle de ocupações nessas áreas, bem como, apresentam diretrizes de intervenção que visam a sua reversão ou adequabilidade, quando em situações de moradia. Expressão da discussão, é que, cerca de 8,27 milhões de cidadãos brasileiros vivem nessas áreas - segundo pesquisa do IBGE68 -. No entanto, estudar a consolidação de bairros-favela em áreas de risco, está longe do resumo às suas fragilidades geológicas, isso, porque a questão está associada a uma gama de problemáticas que transcendem a percepção do que seriam esses territórios e, segundo a fala do arquitetourbanista Jonathas Magalhães, “(...) está atrelada a percepções e noções da
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Fonte: Agência Brail. Disponível em: http://twixar.me/bXCK. Acesso em 04 de maio de 2019.
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Além de frágeis geográfica e ambientalmente (o que nos instiga a preocupação das ocupações), boa parte dessas áreas, apresentam vulnerabilidades diversas e latentes a condição dos bairros-favelas em diversos graus de afetação: sociais, geológicas, legais e físicas; portanto, merecem atenção especial à consolidação da nossa discussão e é sobre elas que nos pautaremos nos capítulos seguintes.
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sociedade do que seriam riscos socialmente aceitos ou não.”69 É sobre essa diversa questão que o presente capítulo busca discutir. Sobre esse aspecto, uma área de risco seria, Área passível de ser atingida por fenômenos ou processos naturais e/ou induzidos que causem efeito adverso. As pessoas que habitam essas áreas estão sujeitas a danos à integridade física, perdas materiais e patrimoniais. Normalmente, no contexto das cidades brasileiras, essas áreas correspondem a núcleos habitacionais de baixa renda (assentamentos precários).70 Assim, o que trazem em comum para os cidadãos que as ocupam, seria a probabilidade da perda: de suas residências, de seus bens materiais e em casos não extremos, perda de suas vidas; isso considerando apenas os ditos riscos desastrosos, causados por dinâmicas naturais (chuva, por exemplo). E porquê dessas áreas afetarem de modo mais preocupante os bairrosfavela? Vimos que são nelas – nas áreas de riscos geológicos, com aclive acentuado, sem infraestrutura local, preservação permanente e em diversas outras não propicias a ocupação - que comumente se instalam a população de baixa renda. De modo geral, esses lugares são os únicos acessíveis a renda dessa parcela de cidadãos (que somam maioria em território nacional). Além disso, esses sujeitos apresentam níveis elevados de vulnerabilidade, que seria o, “Grau de perda para um dado elemento, grupo ou comunidade dentro de uma determinada área passível de ser afetada por um fenômeno ou processo.”71 seja ele econômico, social ou político. Não obstante, as áreas de risco se configuram em diferentes escalas de abrangência (classificação hierárquica) e, para discuti-las de forma coesa, apresentaremos as dissertações elencadas nos estudos anteriormente citados, como: riscos naturais, ocasionados por estações chuvosas ou ações inapropriadas em solo frágil por exemplo; e o que vamos denominar de riscos por legitimidade, que se formalizam por ações, recursos, disputas jurídicas, entre outras... destacando as mais latentes na região metropolitana de São Paulo. _ Os Riscos Naturais são de certo nocivos e, comumente enunciados pela mídia. Estão atrelados a problemáticas concretas e não são danosas exclusivamente aos bairros ainda não consolidados as estruturas urbanas ou que sofrem por precariedade ao que tange as arquiteturas ou sistemas estruturais. Nos estudos apresentados, estes riscos são pautados como desastrosos por conta de seu caráter dizimador às regiões afetadas e, trazem em comum características atreladas aos deslizamentos que “(...) engloba uma variedade de tipos de movimentos de massa de solos, rochas ou detritos, gerados pela ação da gravidade, em terrenos inclinados, tendo como fator deflagrador principal a infiltração de água, principalmente das
69 Fragmento de fala resgatada de um seminário sobre ocupação urbana cedida na Universidade Anhembi Morumbi aos alunos do 3° semestre na aula de projeto de urbanismo: espaços livres. 70 Mapeamento de Riscos em Encostas e Margem de Rios; p.26. Disponível em: encurtador.com.br/ ycjw0. Acesso em: 27 de março de 2019. 71 Mapeamento de Riscos em Encostas e Margem de Rios; p.26. Disponível em: encurtador.com.br/ ycjw0. Acesso em: 27 de março de 2019.
chuvas.”72 e se configuram por: Rastejo “(...) movimentos lentos, que envolvem grandes massas de materiais, cujo deslocamento resultante ao longo do tempo é mínimo (mm a cm/ano).” Quedas “(...) envolvem blocos e/ou lascas de rocha em movimento de queda livre, instabilizando um volume de rocha relativamente pequeno.” Corridas de massa “(...) movimentos gravitacionais de massa complexos, ligados a eventos pluviométricos excepcionais.”72 Tríade essa, presente em todo território nacional. Além disso o estudo aponta para vertentes de riscos atreladas a condicionantes hidrográficas, como: Inundação Processo de extravasamento das águas do canal de drenagem para as áreas marginais (planície de inundação, várzea ou leito maior do rio) quando a enchente atinge cota acima do nível máximo da calha principal do rio. Alagamento “(...) acúmulo momentâneo de águas em uma dada área por problemas no sistema de drenagem, podendo ter ou não relação com processos de natureza fluvial. Erosão Marginal Remoção e transporte de solo dos taludes marginais dos rios provocados pela ação erosiva das águas no canal de drenagem. Solapamento Ruptura de taludes marginais do rio por erosão e ação instabilizadora das águas durante ou logo após processos de enchentes e inundações. Enxurrada “(...) escoamento superficial concentrado e com alta energia de transporte, que pode ou não estar associado a áreas de domínio dos processos fluviais, enchentes, inundações, alagamento, erosão marginal e solapamento. (...) É comum a ocorrência de enxurradas ao longo de vias implantadas sobre antigos cursos d’água com alto gradiente hidráulico e em terrenos com alta declividade natural.”72
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Mapeamento de Riscos em Encostas e Margem de Rios; ps.31, 33, 37, 39, 91, 95 e 97. Disponível em: encurtador.com.br/ycjw0. Acesso em: 27 de março de 2019.
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* Figura: Desastres provocados por chuva em São Paulo. Edição do autor.
R1 – baixo ou sem risco 1. os condicionantes geológico-geotécnicos predisponentes (inclinação, tipo de terreno, etc.) e o nível de intervenção no setor são de baixa ou nenhuma potencialidade para o desenvolvimento de processos de deslizamentos e solapamentos. 2. não se observa(m) sinal/feição/evidência(s) de instabilidade. Não há indícios de desenvolvimento de processos de instabilização de encostas e de margens de drenagens. 3. mantidas as condições existentes não se espera a ocorrência de eventos destrutivos no período compreendido por uma estação chuvosa normal. R2 - médio 1. os condicionantes geológico-geotécnicos predisponentes (inclinação, tipo de terreno, etc.) e o nível de intervenção no setor são de média potencialidade para o desenvolvimento de processos de deslizamentos e solapamentos. 2. observa-se a presença de algum(s) sinal/feição/evidência(s) de instabilidade (encostas e margens de drenagens), porém incipiente(s). Processo de instabilização em estágio inicial de desenvolvimento. 3. mantidas as condições existentes, é reduzida a possibilidade
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Maricato, E. Metrópole, legislação e desigualdade; p. 158.
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De certo, são as condicionantes acima que ditarão as problemáticas acerca de futuras intervenções no solo. Embora a aquisição e ocupação desses espaços ocorram de modo irrestrito e majoritariamente consumados sem qualquer estudo técnico, são essas áreas - concentradas nas bordas metropolitanas, quase sempre longínquas aos equipamentos e infraestruturas de caráter urbano, etc. – as únicas acessíveis a condição e onde a população mais pobre vai se instalar. Os bairros-favela (como veremos a frente) são, por gênese, a materialização da ação dos sujeitos que os vivenciam frente uma necessidade que é inerente a condição humana: morar. Uma das interpretações acadêmicas mais relevantes e que abrange a complexa ocupação a fim de moradia em áreas de risco pela população pobre, seria a fala de que, “O que sucede mais frequentemente, entretanto, é a consolidação das ocupações ilegais em áreas de proteção ambiental devido ao custo inviável de sua remoção.”73 Dentre as diversas possíveis leituras acerca da dissertação, o que nos parece, é que quanto mais consolidado ao tecido urbano, mais difícil a intervenções outras, como as do estado, em prol da remoção, qualificação nos bairros. Daí o fomento quanto formação e atuação de profissionais arquitetosurbanistas, engenheiros, etc. nesses territórios. Ainda, as áreas de risco são classificadas em quatro níveis de probabilidade de ocorrência, sendo: R1, R2, R3 e R4; seguindo as respectivas definições:
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de ocorrência de eventos destrutivos durante episódios de chuvas intensas e prolongadas, no período compreendido por uma estação chuvosa. R3 - alto 1. os condicionantes geológico-geotécnicos predisponentes (inclinação, tipo de terreno, etc.) e o nível de intervenção no setor são de alta potencialidade para o desenvolvimento de processos de deslizamentos e solapamentos. 2. observa-se a presença de significativo(s) sinal/feição/ evidência(s) de instabilidade (trincas no solo, degraus de abatimento em taludes, etc.). Processo de instabilização em pleno desenvolvimento, ainda sendo possível monitorar a evolução do processo. 3. mantidas as condições existentes, é perfeitamente possível a ocorrência de eventos destrutivos durante episódios de chuvas intensas e prolongadas, no período compreendido por uma estação chuvosa. R4 – muito alto 1. os condicionantes geológico-geotécnicos predisponentes (inclinação, tipo de terreno, etc.) e o nível de intervenção no setor são de muito alta potencialidade para o desenvolvimento de processos de deslizamentos e solapamentos. 2. os sinais/feições/evidências de instabilidade (trincas no solo, degraus de abatimento em taludes, trincas em moradias ou em muros de contenção, árvores ou postes inclinados, cicatrizes de deslizamento, feições erosivas, proximidade da moradia em relação à margem de córregos, etc.) são expressivas e estão presentes em grande número ou magnitude. Processo de instabilização em avançado estágio de desenvolvimento. É a condição mais crítica, sendo impossível monitorar a evolução do processo, dado seu elevado estágio de desenvolvimento. 3. mantidas as condições existentes, é muito provável a ocorrência de eventos destrutivos durante episódios de chuvas intensas e prolongadas, no período compreendido por uma estação chuvosa.74 Embora o teor das referidas classificações aponte para as dramáticas ações em cadeia dos ditos eventos destrutivos, estes são considerados passíveis a reconversão ou estabilização. Isso, porque até os estudos que pautam a definição do que os seriam, trazem em sua estrutura, pertinentes exemplos de como corrigi-los de modo menos impactante as populações que neles se consolidaram. As soluções são pautadas em duas vertentes, sendo:
74 Mapeamento de Riscos em Encostas e Margem de Rios; ps.64 e 65. Disponível em: encurtador.com. br/ycjw0. Acesso em: 27 de março de 2019.
Medidas estruturais: Obras de engenharia específicas para cada tipo de processo, drenagem, reurbanização de áreas, moradias, proteção de superfície. Medidas não estruturais: Planejamento urbano, legislação, política habitacional, pesquisas, sistemas de alerta e contingência, educação e capacitação. De modo ou de outro, se referem a um conjunto sistematizado de projetos que se intercalam em diversas escalas de abrangência, e que se pautam sobre a atuação do estado como provedor da qualificação urbana (cumpridor de seu papel). Além disso, essas medidas fomentam a consolidação da discussão anterior acerca da relação entre risco e perda. E nesse sentido,
76
KEHL, L. 2010, p. 93.
Risco e perda se direcionam aqui a questões físicas e legais. Considerando que “(...) a definição da favela está exatamente na relação jurídica de não propriedade” (Maricato, E. 2003), podemos supor que exista sobre o cidadão que habita, insegurança quanto a posse ou perda de edificação. Dado disso, são os milhares casos de desapropriação ou reintegração de posse que são traumáticos. De fato, apenas a edificação da moradia é “propriedade” do morador; é ela que pode ter sido construída, comprada, cedida ou alugada (mas raramente, invadida). As negociações em relação aos barracos não giram em torno do bem, construção ou lote, mas daquilo que a moradia simboliza, enquanto direito a ocupar um trecho de terra numa comunidade.76 A fala de Luis Kehl que evidencia a “insegurança” quanto a propriedade legal do imóvel, nos leva a discussão da segunda vertente acerca da perda e que chamamos de riscos por legitimidade; que, embora possam ser extintos por intermédio de instrumentos de política urbana que, (...) deve ser executada pelo Poder Público, em especial pelo Município, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo
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Viver em áreas de risco. Reflexões sobre vulnerabilidades socioambientais. SPINK, M.J. São Paulo: EDUC, ED. TERCEIRO NOME, 2018; p. 36.
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(...) “perda” é multifatorial e inclui pelo menos três aspectos: as consequências que servem como referência; o significado dessas perdas; e a incerteza a elas associada. Considerando que esses aspectos são subjetivos e imprecisos, risco não poderia ser um aspecto objetivo das decisões. 75
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Estatuto da Cidade (Lei Federal n° 10.257/2001), que estabelece as diretrizes para planejamento, execução e monitoramento da política urbana no Brasil e deve ser respeitada por todos. O Estatuto da Cidade consagra o direito à cidade e o princípio da gestão democrática da cidade entre outras diretrizes também estabelece instrumentos jurídicos.77 , e que instrumentalizam medidas como a Regularização fundiária, que (...) consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam a regularização de assentamentos irregulares e a titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o plano desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.77 ,o Usucapião Urbana, que “(...) é um instrumento utilizado exclusivamente para regularizar ocupações em áreas particulares, garantindo o direito à moradia, prevista no art.1240 do Código Civil, no art. 9° do Estatuto da Cidade e art. 183 da Constituição Federal de 1988.”77; a Legitimação de posse que “É o ato do Poder Público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse.”77 que visam garantir ao morador a posse legal sobre o imóvel – quando em estado de consolidação ou estabilização física, o que se refere seu sistema estrutural - são usados em prol de interesses dos personagens já conhecidos no trabalho: o mercado e o estado.
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Em um estudo que trata da dimensão jurídico-social de uma favela que o autor chama de Pasárgada, Boaventura de Souza Santos mostra que o medo do despejo ou de chamar atenção para suas condições de ilegalidade na ocupação da terra, é motivo (ou um dos motivos) para que os moradores nunca procurem a justiça. 78 A citação de Ermínia Maricato trata de riscos quanto a segurança de posse da propriedade perceptíveis e quase sempre presentes no cotidiano da população que vive em bairros-favela. O despejo que dentre os riscos quanto à segurança se evidencia por conta do maior índice de ocorrências na metrópole (mas que infelizmente não podemos apresentar com dados factíveis) é na maioria dos casos, apresentado pelas diversas mídias contemporâneas como um instrumento viabilizado juridicamente e que visam a retomada de glebas aos proprietários, bem como, a desocupação
77 Conhecendo o direito: proteção e garantia dos direitos humanos no âmbito de megaprojetos e megaeventos. UZZO, Karina G.; SAULE JÚNIOR, Nelson. São Paulo: Instituto Pólis; 2012. ps.13, 17, 53 e 57.
MARICATO, E. Metrópole, legislação e desigualdade. p. 155.
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de áreas de risco em estado emergencial. Para tanto, elencamos alguns outros ricos atrelados a situação referida, como por exemplo:
80 Conhecendo o direito: proteção e garantia dos direitos humanos no âmbito de megaprojetos e megaeventos. UZZO, Karina G.; SAULE JÚNIOR, Nelson. São Paulo: Instituto Pólis; 2012. p.52.
Remanejo. Disponível em: http:// twixar.me/61ZK. Acesso em 02 de abril de 2019.
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A tríade exposta recebe fomento de instancias políticas e são viabilizadas por políticas públicas higienistas desde o início da consolidação dos bairros-favela nas principais metrópoles brasileiras. No entanto, as duas primeiras (Reintegração de posse e Desapropriação) podem ser viabilizadas também a fim de garantir o progresso da população moradora dos bairros. Iniciativas pioneiras de sua aplicação, vão ocorrer de modo mais regular pós constituição de 1988, que garante como direito fundamental a habitação em dois de seus artigos: “5° o direito à propriedade e o atendimento desse objeto - a propriedade - a sua função social; e 6°, direito social a moradia” (Constituição de 1988). Já o Remanejo, é comumente empregado (ainda em tempo contemporâneo) em projetos de “urbanização” de bairros-favela e funciona até mesmo como instrumento da Reintegração e Desapropriação, onde é preferível reassentar a população em outro espaço. Contudo, é assegurado hoje - via políticas públicas – que, não apenas o cidadão de bairros-favelas, mas das outras vertentes de habitação situadas em áreas de risco, a segurança quanto a posse, legitimação ou estadia em seu bairro. É o caso da Lei Federal n°11.977/09, que, (...) estabelece em seu artigo 54 o Estudo Ambiental como subsídio da regularização fundiária em Área de Preservação
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79 Reintegração de posse. Disponível em: http://twixar.me/znZK. Acesso em 02 de abril de 2019.
Reintegração de posse (...) tipo de ação possessória, a qual é aplicada nos casos em que o possuidor perde a sua posse, injustamente, por um terceiro, em razão da violência, clandestinidade, ou precariedade, podendo ainda pleitear indenização por perdas e danos.79 Desapropriação (...) consiste na retirada da propriedade de um indivíduo sobre um bem. É o ato pelo qual o Poder Público, mediante prévio procedimento e indenização justa, despoja alguém de sua propriedade e a toma para si. A desapropriação pode ser realizada pela necessidade ou utilidade pública do bem ou, ainda, por interesse social, e tem como base o princípio da supremacia do interesse coletivo sobre o individual. O poder Público (União Federal, Estados, Distrito Federal ou Municípios) pode declarar uma área como de interesse social e realizar a desapropriação, efetuando a regularização fundiária de interesse social e garantindo, por exemplo, o direito à moradia.80 Remanejo Mudar; alterar a localização ou a disposição de alguma coisa.81
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Permanente. Além disso, o artigo 7° da Resolução Recomendada 87 de dezembro de 2009 do Conselho das Cidades, que estabelece a Política Nacional de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos, estabelece a implementação da regularização fundiária como medida de prevenção de conflitos urbanos. 82
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,esses instrumentos viabilizam ações da política estatal e atrelam a participação da sociedade cível na tomada de decisões que tendem a influenciar de modo direto em seu cotidiano. Antes de prosseguimos, vale dissertar que as definições apresentadas durante o capítulo são de extrema inacessibilidade. A dificuldade que também revela a incompreensão da sociedade civil quanto às suas definições e claramente influência nas tomadas de decisão quanto as disputas por acesso à terra, representa para quem escreve sobre a temática a necessidade em difundir de maneira lucida o que de fato significam e como funcionam. Tais instrumentos, representam hoje, os principais impasses para a obtenção da titularidade de posse das residências consolidadas em áreas ocupados pela população de baixa renda. Ermínia Maricato assevera a importância da titularidade ao dizer que, “A reivindicação, motor da ação dos moradores é a obtenção da escritura.”83 Esse processo, que vai se fazer de extrema relevância em diversos municípios na região metropolitana de São Paulo é que vai contribuir de forma potente a desmistificação das questões enxergadas sob a lente de aumento às fragilidades dos bairros-favela.
Lente de aumento às fragilidades Uma única visão expressa pelas academias, mídias de comunicação, autores, apresentadores, músicos, atores, entre outros... transmite uma realidade única. Esse é um fato. O presente capítulo e o seguinte, que nascem da inquietação frente a diversos depoimentos preconceituosos, racistas, inocentes, romancistas, frágeis e controversos acerca dos bairrosfavela, buscam discutir a importância de se trazer aos debates, as diversas dinâmicas que trazem a sua gênese de forma realista. Parte da discussão é um resgate da disciplina “Projeto de Urbanismo: Metrópole” instruída pela Docente e Mestre Isabela Sollero, no oitavo semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Anhembi Morumbi. Como sugestão da docente, parte dos estudos acerca de temáticas diversas (habitação, mobilidade, legislação, entre outras) deveriam abarcar, além de suas fragilidades - que comumente são as primeiras a serem apontadas -, as suas potencias, a fim de tornar as leituras realistas e maduras à compreensão coletiva. Essa iniciativa, que aprimorou o nível dos estudos e visão acerca de cada temática, que hoje está entrelaçada a postura frente a narrativa
Conhecendo o direito: proteção e garantia dos direitos humanos no âmbito de megaprojetos e megaeventos. UZZO, Karina G.; SAULE JÚNIOR, Nelson. São Paulo: Instituto Pólis; 2012. p.34.
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Loteamentos Clandestinos. MARICATO, E. MO’DULO: revista de arte, cultura e Arquitetura. Setembro de 1980, p.91.
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Metrópole e expansão urbana: a persistência de processos “insustentáveis”. GROSTEIN, M. D.; p.14. 84
Arquitetos reinventam favelas em SP. Disponível em: http://twixar.me/ hR2K. Acesso em 06 de maio de 2019. 85
“Ao entrar no apartamento novo, o morador vira classe média, com endereço registrado. Quase ninguém leva os móveis da época em que vivia na favela”85
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* Figura: Cidadão portanto arma. Disponível em: http://twixar.me/ BTDn. Acesso em 10 de maio de 2019. Edição do autor.
do trabalho e é propagada durante as monitorias em diversos semestres na academia é adotada aqui, como princípio a democratização de todas as falas, bem como, demonstra a relevância da iniciativa didática e responsável de verdadeiros mestres. Discutir bairros-favela vai além do que as telinhas mostram! É necessário conhecer para descrever. Generalizar com um estereótipo os bairros, seria dizer também, que todas as metrópoles pelo mundo passam pelas mesmas dificuldades, se edificam sob as mesmas circunstâncias, que sua população é única... ignorando de forma imatura toda a sua excepcionalidade e processos de conformação histórica, social, política, morfológica, etc. É recorrente a fala de renomados acadêmicos modernos brancos de classe média e certamente preconceituosos, a distorção dramática quanto as dinâmicas dos bairros. De modo geral, é esse minúsculo fragmento da população brasileira que dissemina nas mídias e, principalmente nas universidades - pautados sobre experiências profissionais isoladas -, relatos sobre casos de extrema precariedade habitacional, ilegalidade e violência nesses territórios. A exemplo, podemos citar Marta Dora Grostein – renomada acadêmica que tem certa difusão midiática -, que se refere aos bairros dizendo que, “A precariedade e a ilegalidade são seus componentes genéticos e contribuem para a formação de espaços urbanos sem atributos de urbanidade.”84 Outra figura – que tem participação relevante no setor público de habitação – também acadêmica, Elisabete França, pontua em entrevista publicada pelo site Núcleo de Direito à Cidade, o seguinte relato acerca de moradores de bairro-favela que passam pelo processo de remanejo e se instalam em apartamentos:
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Enfatizamos que, embora pautadas sobre extensa atuação profissional, as falas se distanciam da responsabilidade quanto a informação, porque são genéricas e preconceituosas; para quem desconhece a questão, soam verdades absolutas e, até mesmo os estereótipos acerca da possível precariedade, são infundados enquanto gênese dos bairros. Rosana Denaldi pontua que “(...) A imagem da favela associada ao ‘barraco’ não corresponde mais à realidade da maioria das favelas em metrópoles.”86 Isso também, por conta das lutas em prol do acesso aos bens de consumo ampliadas, conquistadas e aplicadas durante a gestão do presidente Lula (período da gestão: 2003-2011). E sobre a questão, o que se nota em diversos bairros da Região Metropolitana de São Paulo, é a rápida edificação de casas (em estruturas convencionais de cimento e tijolo) e a verticalização das casas, que chegam a ultrapassar seis pavimentos por conta da ampliação do que conhecemos como unidade familiar ou um modo de aumentar a renda em prol de aluguéis de alguns dos andares. Não é o caso de nos atermos a condicionante da fiscalização quanto as obras de ampliação ou verticalização, mas a questão nos preocupa apenas, no sentido de que esses locais, como já discutido em capítulos anteriores, tem em sua gênese de formação, a carência por assessoria técnica. Ou seja, o que é comum a esses canteiros de obra, seriam justamente a falta de segurança dos pedreiros que pouco usam equipamentos de segurança individuais ou coletivos; o desperdício ou falta de material para continuidade da edificação e o superdimensionamento das estruturas, que caba encarecendo o “projeto” para a família. Vejam, a mão de obra que constrói nos bairros-favela é a mesma que constrói em qualquer outro lugar na metrópole. O que nos interessa discutir, seria a potência da participação de arquitetos-urbanistas, bem como outros atores da construção civil em prol da assessoria técnica nesses projetos e intervenções – o que será melhor discutido no desfecho do trabalho –, mas que de forma substancial, nos remete a diretrizes de projeto simples, como as de conforto térmico, acústico, projeção, circulação, acesso, adaptação, etc. que tão pouco são explorados de forma útil na academia e usados a serviço de pseudo projetos de desinteresse social. A troca seria vital e engrandecedora. Contrapondo a discussão, existem aqueles que elevam as potencias dos bairros de forma tão afinca, que acabam por ignorar as suas fragilidades. Comumente os chamamos de românticos: os que ignoram toda a dura realidade da presença dos riscos e vulnerabilidades dos bairros.
Problemática romantização Elencamos nesse breve capítulo quatro fragmentos da fala de Luis Kehl no livro Breve História das Favelas para discutir o que compreendemos como uma possível problemática romantização acerca de fragilidades
Políticas de Urbanização de Favelas: evolução e impasses. ROSANA, D. p.43. São Paulo: FAUUSP, 2003.
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existentes nos bairros. Dentre o nosso exército bibliográfico é o autor, que ilustra com escrita didática e poética a gênese de formação dos bairros de maneira mais romântica – o que não é de todo ruim -. Não nos contrapomos as dissertações que elevam exageradamente as potências dos bairros, porque estas questões precisam, de fato, chegar aos que lhe enxergam com pré-conceitos. De modo mais direto, se a problemática fosse romantização... a discussão seria outra. Assim, os quatro fragmentos que são pontuados cronologicamente no livro, se direcionam a condicionantes como o padrão socioeconômico, Para os que estão acostumados a valorar o conforto e o acesso às benesses do progresso com referência de bem-estar e de felicidade, pode surpreender que pessoas sejam felizes – e inclusive mais felizes – em meio a dificuldades que pareceriam desanimar qualquer um, e que se adaptem “perfeitamente” às suas condições de vida e à economia de recursos e de energia que são obrigadas a superar a cada dia. , a organização urbana, Neste sentido, o bairro-favela, se não nos atermos às questões ligadas à precariedade, é, enquanto organização urbana, tão antiga quanto o mundo; a cidade é a grande novidade da história da civilização. , a herança cultural, Somente entendendo a herança que transportam por seus becos e vielas, que guardam em quintais e barracos, que conservam ainda nas rodas de conversas, nas formas de entendimento do próprio espaço e do não-tempo em que se inserem , seremos capazes de interagir com essas comunidades, não para incluí-las em nosso próprio paradigma, mas para retirar as barreiras que lhes são impostas pela precariedade e pela escassez absoluta, e que nos impedem de vê-las tais como são.
Assim, na gênese de qualquer favela existe, em primeiro lugar, a expulsão de segmentos da sociedade da estrutura urbana formal, e busca pela construção de um ambiente em que os indivíduos se fecham para possibilitar sua sobrevivência, pessoal e grupal; e esta sobrevivência está baseada, socialmente falando,
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e a identidade,
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* Figura: Bastidores do video clip Vai Malandra. Fonte: Youtube. Disponível em: http://twixar.me/c1Dn. Acesso em 10 de maio de 2010. Edição do autor.
KEHL, L. 2010, ps.14, 15, 19 e 87.
O autor elenca temáticas pautadas em diversos momentos do trabalho, mas a sua visão que trata de condicionantes outras que não as problemáticas dos bairros-favela, evidencia um outro universo a se discutir. Sua percepção, embora romântica, busca resgatar o que de fato é presente na gênese de formação dos bairros: o padrão socioeconômico de seus habitantes; a organização urbana; a herança cultural e a sua identidade. Assim, fomenta de maneira potente nossa discussão acerca de que o conhecimento precisa anteceder qualquer crítica. o bairro-favela deve ser muito mais que a malandra mulher que dança na laje e, talvez sejam a jovem moça arrumando o crespo no espelho deve ser o lar das crianças que brincam o futebol mais inocente da Dona Maria, que acaba de chegar tarde do trabalho no sábado, deve tomar café com as vizinhas deve ser frases como, o dinheiro para pagar as contas fazer as compras no fim do mês o corte de cabelo no Juarez escutei tiros, não! Fogos de artifício não, tiro mesmo gol do Corinthians deve ser meu bairro, me chamaram de favelado na primeira série. Aquele favelado! Soube que morava lá Quando saí
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não numa estrutura de modos de produção e leis objetivas que regulam as relações entre as pessoas e entre elas e o meio, mas em uma teia de sobrevivência imediata e relações subjetivas que visam mais ou menos ao mesmo resultado.87
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É bairro pra quem? Favela pra que(m)? É um bairro . Não é o caso de fazermos considerações acerca dos objetivos com a pesquisa, mas se pudermos sugerir que questões tentaculares como as dos bairros sejam discutidas a luz de todas as percepções a seu respeito... teremos aí conquistado um grande feito. Frente a produção autoconstruída de habitação que fundamentou a gênese dos cortiços, bairros, palafitas, entre outros, uma questão, também de fortíssima relevância, nos inquieta: e o estado?
apenas habitação destinada aos pobres é de interesse social? Veremos que a produção de Habitação de Interesse Social (HIS) no Brasil, está atrelada a atuação e contribuição de personagens como o estado, mercado e população, em prol da solução quanto as diversas precariedades habitacionais fundamentadas em prol da necessidade básica de morar. Precariedades essas, edificadas sob vista grossa em um momento de ausência do estado; sob a luz do sol para acomodar as populações mais pobres no território; sobre a organização e luta política destes sujeitos: negros, migrantes, pobres, sem-terra ou teto, em mote da reivindicação do que lhes foi conquistado: a constituição de 1988 e, com ela, direitos também fundamentais - dentre eles, o direito ao acesso à terra -. Nesse sentido, os capítulos seguintes investigam os moldes e contextos políticos da produção estatal de habitação no país; ficando a cargo deste ilustrar a origem do termo habitação de interesse social e discutir brevemente o papel do direito à terra em um país de construção ideológica, social e política ainda defasado, como o Brasil.
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O que Luis Kehl nos ensina, é que, Nos anos 1970 surge uma tentativa de prover uma melhor modalidade habitacional, por meio da Lei n°8.266, de 20 de junho de 1975, que introduzia como o novo Código de Edificações do Município, a definição de Habitação de Interesse Social (H.I.S.), definida como “uma habitação permanente, quer sejam casas ou apartamentos, habitados por uma ou mais famílias e construídas em mutirão ou por iniciativa pública ou privada, com recurso do Sistema Financeiro de Habitação.88
KEHL, L. Breve história das favelas. São Paulo, Claridade; 2010. p.55..
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O que é Habitação de Interesse Social. Caixa. Disponível em: http:// twixar.me/4DX1. Acesso em: 08 de maio de 2019. .
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* Figura: vende-se 1/2 [de] lote [em] terreno em área de invasão. Acervo pessoal do autor.
O termo adotado, atrelado a definição da Caixa Econômica, ao dizer que habitação de interesse social “(...) têm como objetivo viabilizar à população de baixa renda o acesso à moradia adequada e regular, bem como o acesso aos serviços públicos, reduzindo a desigualdade social e promovendo a ocupação urbana planejada.”89 Nos sugere que essa política habitacional nasce visando a qualificação da moradia dos mais pobres e tem em sua gênese, cofre específico para captação de recursos. Além disso, é uma primeira evidência quanto a atenção do poder público (ao menos em instância municipal, já que o código de obras referido é produzido para o município de São Paulo) ao enfrentamento das precariedades habitacionais que datam a período (cortiços e bairros-favela). O que nos interessa também, é o fato de que a definição não traz estipulação de metragem quadrada ou perfil arquitetônico da edificação, o que vai contrapor diretamente ao que vemos (ainda em tempo contemporâneo) sendo produzido: tipologias gêmeas de edificações sem qualidade arquitetônica, que visam (e verão... sempre visaram) a produção em massa de unidades.
50 milhões de brasileiros vivem na linha de pobreza. Fonte: Agência Brasil. Disponível em: http://twixar. me/FWqK. Acesso em: 07 de maio de 2019.
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91 Assistir urgentemente Ilha das Flores. Disponível em: http://twixar. me/SDX1. Acesso em 05 de maio de 2019.
O princípio básico de se viver numa República e, graças a luta e morte de milhares: numa República Democrática - até o presente momento -, é de que deveríamos ter a consciência de que vivemos em sociedade sem distinções de direitos. Isto é, não existe um ponto no globo terrestre em que haja ser humano isento de seus direitos fundamentais. No Brasil, acesso à terra é um deles. Para enfatizar, é dado pelo IBGE em entrevista ao portal Agência Brasil que “50 milhões de brasileiros vivem na linha de pobreza”90 e embora pobres, não é isento a nenhum deles o acesso à justiça, por exemplo. Com habitação não poderia ser diferente. Embora sejamos todos portadores de um “telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor”91, alguns nascem mais miseráveis que outros. Também exemplo disso e, sobre a questão do habitar, é que qualquer e todo ser humano nasce morando em
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A final de contas, é habitação grátis para os mais pobres! não? Não! E não será!
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* Produção residencial do programa Minha Casa, Minha Vida. Fonte: Cidades para que(?). Disponível em: https://c i d a d e s p a r a q u e m . org/textosacadmicos/2013/2/7/jhsvikabs. Acesso em 15 de março de 2019.
a produção dos programas habitacionais no Brasil O povo da moradia Música: Salete O povo da moradia está lutando pra valer, Pra ter a reforma urbana, vai ter muito o que fazer. (bis) Eu venho aqui, meus amigos, Pra lhes contar a nossa missão. É tanta gente sem casa, Que é de cortar coração. E gritando em voz alta: “Queremos solução!”. Voltamos com a pesquisa, para fazer revisão. O desemprego é tão grande, que é de fazer compaixão. E o povo todo gritando: “Queremos uma solução!” As ruas sem calçamento, lazer também não tem, não. As crianças sem espaço, gritando uma solução, Pois a massa é muito grande E o fermento é pouco, então.
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Erradicar o analfabetismo urbanístico; MARICATO, E. Março de 2002, p.3.
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algum lugar: casas térreas, apartamentos, barracos, duplex, triplex, mansões, sobrados, cortiços, entre outros. Já construímos ao longo do trabalho as discrepâncias históricas na distribuição de renda, segregação étnicas, acessos as infraestruturas, etc... Seria injusto para aqueles que nascem sem privilégio econômico e social a busca pela aquisição formal por uma casa. Para tanto, são existentes alguns fundos que capitalizam dinheiro arrecadado via impostos para que as diversas gestões no poder possam distribuir segundo as demandas de cada lugar ou comunidade. “É preciso evidenciar, para as camadas populares, as estratégias das classes sociais na produção e ocupação do espaço, ou seja, nada aí é natural ou fruto do acaso.”92 Na macro metrópole paulista, como vimos, onde todo espaço tem valor já determinado pelos atores da cidade, sua histórica e polêmica produção, gera diferentes interesses entre os personagens do que chamamos em capítulos anteriores de espaços polarizados, e são eles, os interesses, que determinam a produção dos espaços na cidade. Toda e qualquer intervenção na cidade, é de interesse social e, quando se trata da produção de habitação, é ainda de maior interesse. A fim de investigar mais a fundo a questão, é que o capítulo a seguir foi construído.
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Por isso, meus amigos, vamos prestar atenção! Temos direito a casa boa, lazer e educação. (bis) Nós queremos casas boas, pra poder ter união, Com direito a saúde, pra poder ser cidadão. Nós agora só votamos, num governo pra o povão. Nós queremos a limpeza e uma área de lazer, Porque também somos humanos, Temos direito a viver. (bis) Água, esgoto, energia, queremos com abundância, Educação, rua calçada e também ter segurança. (bis) O povo sem conhecimento, Sem ter uma formação Pra lutar por seus direitos. “Queremos uma solução!” (bis) O povo todo clamando, chorando a situação, Chora velho, chora moço e chora toda a nação! Chora velho chora moço, em busca de habitação.
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Luta é pra quem acredita E pra quem quer conquistar Favelas e prédios públicos, Na luta por melhorar (bis). 93 _ Frente a sempre existente demanda do povo brasileiro por habitação e, ainda mais, a necessidade das metrópoles em acolher contingentes populacionais ao longo da história, é pertinente discutir aqui a criação de programas e sistemas de financiamento habitacional desenvolvidos por políticas públicas, bem como, fazer visível a quem esses instrumentos beneficiaram ao longo das décadas. Ante a toda cronologia dos programas e sistemas de financiamento habitacionais brasileiros, é necessário entender que antes da década de 1930, ou melhor ilustrando: durante o período denominado República Velha, o estado não era ator principal da produção habitacional nas cidades (se é que foi algum dia). “Se, por um lado, o Estado não intervém na produção de moradias e no controle dos aluguéis, as organizações populares também não parecem reconhecer no Estado o interlocutor capaz de dar andamento a suas reivindicações em torno da questão.”94 A fala de Nabil Bonduki, que
O direito à moradia em João Pessoa. SAULE JÚNIOR, Nelson; CARDOSO, Patrícia de M.; GIOVANNETTI, Julia C. São Paulo: Instituto Pólis, 2005. p.12.
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94 Origens da habitação social no Brasil. BONDUKI, Nabil G. Análise Social, v°29, p. 711-732, 1994. [p.714].
96 Vilas operárias como patrimônio industrial. SANTOS, R. H. V. FIAMFAAM, p.5.
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Origens da habitação social no Brasil. BONDUKI, Nabil G. Análise Social, v°29, p. 711-732, 1994. [ps.714 e 715].
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embora curta, expressa uma contingência de fragilidades entre produção, transformação e luta por moradia refletidas ainda na contemporaneidade. “Em suma, o Estado não assumia a responsabilidade de prover moradias nem a sociedade lhe atribuía esta função”,95 o autor complementa em trecho seguinte, “«O governo não deve produzir casas para os operários mas estimular os particulares a investirem»é a lógica que orienta, de modo geral, o Estado liberal da República Velha.” 95 Assim, discutir os contextos políticos de décadas passadas, vai contribuir à formação da nossa pesquisa e compreensão das dinâmicas atuais que envolvem a questão, além de que, a fala autor, vai culminar ao início da construção de políticas públicas habitacionais. Nesse contexto, o primeiro programa habitacional viria a nascer na década de 1930, desenhada como vertente de habitação e frente a precariedade habitacional da classe proletária recorrente ao aumento de cortiços no território brasileiro: As vilas operárias, “(...) denominação de procedência carioca descreve a disposição espacial da vila como uma versão melhorada do cortiço. Que por sua vez foi chamado também de estalagem, descendente dos albergues coloniais e imperiais.”96 Versão essa, que deveria respeitar um simplista código de obras que garantia minimamente a salubridade dos espaços. “As vilas operárias eram conjuntos de casas construídas pelas indústrias para serem alugadas a baixos aluguéis ou mesmo oferecidas gratuitamente a seus operários.”95 Acerca de sua produção, eram instaladas comumente ao lado de estações ferroviárias – no local de trabalho dos moradores - e vale ressaltar que as vilas eram de posse industrial, ou seja, habitavam a edificação quem fosse o proletariado legalmente registrado pela firma. Este sujeito, que era o único autorizado a desfrutar do humilde lugar, podia também hospedar a família, mas mantinha durante todo o período de estadia, o risco de ser expulso à “propriedade” caso fosse demitido. Frente também ao sempre existente trabalho informal e a contínua produção de cortiços, as vilas operárias já se mostravam ineficazes quanto solução ao déficit habitacional brasileiro e finalizaria com a sua restrita produção, juntamente com o falimento das grandes companhias ferroviárias, suas financiadoras. Ao longo das décadas, o estado é pressionado pela população a dedicar mínima atenção a crise habitacional e esse processo é marcado pelo desenho de políticas públicas com fomento ao acesso a programas de financiamento habitacional; exemplos destes, foram os Institutos de Aposentadoria e Pensões, Fundação da Casa Popular, Banco Hipotecário, entre outros. Os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP’s), que datam 1934, foram atrelados diretamente ao poder privado que produziram em seus diversos seguimentos, dezenas de conjuntos habitacionais pelo país. Tinham por
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premissa se tornar mais acessíveis a classe proletária e sua produção se tornou restrita a classe. “(...) Sua produção foi expressiva, chegando em 1945 a atender cerca de 5,2% da população urbana brasileira - estimada em 14,31 milhões - com a produção de cerca de 124.000 unidades habitacionais num período de 8 anos - de 1937 a 1945 -.”97 Em 1946, durante a gestão de Eurico Gaspar Dutra (1946 e 1951), foi então desenvolvida e aplicada A Fundação da Casa Popular (FCP), que “(...) propõe o financiamento de habitações rurais e urbanas, para a locação e compra de imóveis sem fins lucrativos”.98 Se diferenciando da anterior apenas no tocante ao trabalho industrial, mas, que influenciou drasticamente o desenvolvimento do Banco Hipotecário (BH) e o Instituto Brasileiro de Habitação (IBH), que visavam o empréstimo financeiro ao trabalhador em prol da edificação residencial. Durante a ditadura militar é criado o Banco Nacional da Habitação (BNH), datado de 1964, (...) deveria ser o gestor e financiador de uma política destinada a “promover a construção e aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor renda”, bem como a ampliar as oportunidades de emprego e dinamizar o setor da construção civil.99
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A meta estava dada: produção em série de moradia destinada a déficit habitacional brasileiro – o que claramente iria refletir à qualidade de suas edificações -; assim, “Durante sua vigência, o BNH financiou 4,8 milhões de habitações para todas as faixas de renda, sendo que apenas 20% destinaram-se à população de baixa renda”,100 o que atesta para a nossa discussão a ineficácia quanto quantidade mal desenhada, bem como “(...)financiou obras de habitação, saneamento básico e urbano, incluindo grandes projetos regionais e nacionais das áreas de transporte e energia.”101 Além disso, vale relembrar que o período em questão é marcado pelo maior número de expansão e construção de bairros-favela por todo território nacional e principalmente nas metrópoles. Nos arriscamos a dizer que a ausência do estado frente as questões das camadas populares foi uma das principais condicionantes ao fato. Rosana Denaldi contribui à discussão ao dizer que, Única alternativa para milhões de famílias desprezadas pelo poder público e ignoradas pela sociedade a ‘moradia indigna’ avança sem limites na ocupação desordenada do solo, com a construção à beira de rios e córregos ou no fundo de vales, contribuindo para o agravamento de inundações e enchentes em toda a cidade.101
97 Políticas de Urbanização de Favelas: evolução e impasses. ROSANA, D. p.12. São Paulo: FAUUSP, 2003.
Habitação em situação emergencial: Os conjuntos Santa Clara I e II do Programa Minha Casa Minha Vida em Barreiros – Pernambuco. SOUZA, L. M. de. 2017, p. 24.
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99 BANCO NACIONAL DA HABITACAO. Fonte: FGV. Disponível em: encurtador.com.br/isEI9. Acesso em: 17 de novembro de 2018.
Habitação em situação emergencial: Os conjuntos Santa Clara I e II do Programa Minha Casa Minha Vida em Barreiros – Pernambuco. SOUZA, L. M. de. 2017, p. 28.
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101 Políticas de Urbanização de Favelas: evolução e impasses. ROSANA, D. ps.14 e 03. São Paulo: FAUUSP, 2003.
Frente a problemática, o mercado (nosso conhecido personagem) passa novamente a crescer “vantagem” sobre a política habitacional estabelecida; já o proletariado... este não tem meios à enfrentá-lo. O processo é presente na fala de Milton Santos, ao dizer que,
SANTOS, M. 1993, p.107.
103 Erradicar o analfabetismo urbanístico. MARICATO, E. Março de 2002, p. 3.
Políticas de Urbanização de Favelas: evolução e impasses. ROSANA, D. p.29. São Paulo: FAUUSP, 2003.
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Ermínia Maricato complementa ao dissertar que, A mais importante intervenção do Estado brasileiro com a política de habitação, que institucionalmente combinou o BNHBanco Nacional de Habitação e SFH – Sistema Nacional de Habitação, no período 1964 a 1986, atendeu mais às camadas de renda média e ao capital imobiliário (promotores, construtores, financiadores) do que à grande maioria da população. 103 Assim, essa tríade de pertinentes falas contribuem à nossa discussão no sentido de fomentar a ideia sobre a ausência do estado frente a questão da habitação; a ineficácia quanto a produção monótona e disparada de habitação de interesse social, o empoderamento do estado ajustado à políticas públicas habitacionais e principalmente o desajuste nos programas de habitação que de modo geral sempre destinaram de modo díspar as unidades habitacionais entre os mais pobres e os mais ricos. Claramente diversos outros programas habitacionais viriam a ser lançados pós BNH em instância federal, muitos deles atrelados a planos, como o Plano Nacional de Habitação (PLANHAB) entre outros. Dentre os programas, destaca-se por exemplo “O programa PAR – Programa de Arrendamento Residencial, criado em abril de 1999 (Medida Provisória n.º 1823, de 29/04/99) é destinado à população com renda de até seis salários mínimos (...).”104 que apresenta um novo modelo de intervenção nos bairrosfavela, já que é o primeiro a definir de forma participativa diretrizes viáveis para a inserção de infraestrutura urbana nos bairros. No período referido, é interessante enfatizar que a participação popular no planejamento de habitação de interesse social será incentivada em
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O estabelecimento de um mercado da habitação “por atacado”, a partir da presença do Banco Nacional de Habitação e do sistema de crédito correspondente, gera novas expectativas, infundadas para a maioria da população, mas atuantes no nível geral. Como isso se dá paralelamente à expansão das classes médias urbanas e à chegada de numerosos pobres à cidade, essa dupla pressão contribui para exacerbar o processo especulativo. A terra urbana, dividida em loteamentos ou não, aparece como promessa de lucro no futuro, esperança justificada pela existência de demanda crescente. 102
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todo território nacional via movimentos e lideranças sociais. Embora essa articulação já tivesse indícios de crescimento nas metrópoles brasileiras, são nas décadas seguintes as de 90 que os movimentos por habitação ganharão maior destaque midiático. Para ilustrar a força desse processo, é pertinente narra duas canções que tratam da participação popular na reivindicação por direito ao acesso a moradia: Acorda mulher Letra: Teresinha Ferreira da Silva Música: Salete João Pessoa, 08 de março de 2002 Acorda mulherada, acorda, Acorda vem participar Da luta pelos seus direitos E a cidadania poder conquistar Você com os braços cruzados, Não sai nunca deste lugar! Para você só existe um consolo: Chorar e se lastimar... Entrando na luta, a vida muda. A gente não sabe explicar... Só sei que dá luta eu não saio. Lutando vou me transformar!
Quem lura por moradia Letra: Wellington Música: Salete
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Quem luta por moradia não pode desanimar. Toca sanfona e pandeiro E não deixa o corpo parar. (bis) Jesus Cristo acompanha Quem a vida entregar. Quem briga por seus direitos, Ele vem iluminar. (bis) O governo quer o povo oprimido e sem ação, Quando alguém abre os olhos,
Lá vem a perseguição. (bis) Não tememos seus poderes, destes homens Incompetentes. Penso que é banana e bobo, E é quem enganou a gente. (bis) Quem tem sua casa caindo Vive e respira aflição. E não dorme, só dá cochilos, É grande a solidão. (bis) Agora falo dos sem-teto, Que vivem na humilhação. E uma nudez maior, É viver na vida em vão. (bis) As crianças eu conto bem, Sofrem e gemem em silêncio. Seu desenho é sempre casa, Que mostram muito contentes. (bis) Para falar da mulher, Tenho que falar com raça. Além de não ter a casa, E o marido na cachaça. (bis) Para falar da moradia e omitir o sofrimento, Prefiro escrever, a negar meus sentimentos. (bis)
Ambas evidenciam a relevância da luta por habitação e da participação popular nas conquistas e conhecimento dos direitos fundamentais do povo. Ante ao exposto, os programas habitacionais de instância federal, no Brasil, funcionaram de maneira restrita à classe proletária e, embora tenham produzido quantidade palpável de habitação, mal chegaram a resultar em pertinente solução habitacional porque sem exceção, estes programas rejeitavam de algum modo a população sem condições financeiras de arcar com os inúmeros empréstimos ou que pudessem, ao menos, solicitar. Ou seja, nos arriscamos a dizer, que o que faltou a esses programas habitacionais, foi a cooperação entres os diversos seguimentos da política urbana, como exemplo, a mescla de políticas públicas habitacionais e econômicas; mesclas essas que pouco foram realizadas. Um programa tão
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105 O direito à moradia em João Pessoa. SAULE JÚNIOR, Nelson; CARDOSO, Patrícia de M.; GIOVANNETTI, Julia C. São Paulo: Instituto Pólis, 2005. ps. 26 e 32..
Confiando em Jesus Cristo, que é homem Justo e fiel, sua terra prometida, Onde correm leite e mel. (bis)105
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potente quando ao BNH, só vai surgir em 2009, durante a gestão do então presidente Lula - que vai equilibrar de modo mais coerente a economia, gestão de políticas públicas, saúde, fomento ao desenvolvimento industrial e principalmente, produção, gestão, controle e qualificação de habitação –. Assim, o Programa Minha Casa Minha Vida, (...) é o programa habitacional do Governo Federal que dá acesso à casa própria aos brasileiros de baixa renda nas zonas urbana e rural. É uma estratégia inovadora para prover moradia digna, ao mesmo tempo em que gera emprego e renda, por meio do aumento do investimento no setor da construção civil.106 , que atua com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), bem como pode ser produzido via Entidades sem fins lucrativos, o que evidencia maior sensibilidade quanto a participação popular e, setor privado, que vai exercer grande relevância quanto a produção de produção para as camadas de renda mais altas. A atuação do programa também em esfera rural é uma novidade no sentido de ampliar a oferta de moradia no campo, tendo em vista que os seus antecedentes fomentaram de modo radical a ampliação de áreas urbanas residenciais e, não as de produção agrícola por exemplo. Acredita-se que o fomento quanto a produção de habitação neste setor, fora planejada em vista do já conhecimento do estado frente ao eminente esgotamento de áreas urbanizáveis das cidades, além da aproximação entre moradia e trabalho de forma equivalente – meta da gestão presidencial de Lula -. Dentre as esferas de atuação, são especificados faixas e grupos para famílias que se adequam em diretrizes estabelecidas sobre renda mensal e anual, sendo que para a esfera urbana, são aplicadas quatro faixas, sendo: Faixa Faixa Faixa Faixa
1: Famílias com renda de até R$ 1.800,00; 1,5: Famílias com renda de até R$ 2.600,00; 2: Famílias com renda de até R$ 4.000,00; 3: Famílias com renda de até R$ 7.000,00;
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Para a esfera rural, se aplicam respectivamente, Grupo 1: famílias com renda até R$ 17.000,00/ano; Grupo 2: famílias com renda de R$ 17.000,01 a R$ 33.000,00/ ano; Grupo 3: famílias com renda de R$ 17.000,01 a R$ 33.000,00/ ano;107
106 O programa. Fonte: Ministério das Cidades. Disponível em: encurtador.com.br/sDF29. Acesso em: 17 de novembro de 2018. 107 Minha Casa Minha Vida Habitação Urbana. Disponível em: encurtador.com.br/mpxQ2. Acesso em 09 de maio de 2019.
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* Manchete de jornal. Déficit habitacional bate recorde e movimentos veem futuro com preocupação. Fonte: Rede Brasil Atual. Disponível em: http://twixar. me/lFDn. Acesso em 26 de abril de 2019.
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* Figura produzida com base a ilustração de Luiza Martins de Souza na Dissertação de Mestrado: Habitação em situação emergencial: os conjuntos Santa Clara 1 e 2 do programa minha casa minha vida em Barreiros – Pernambuco.
109 Disponível em: encurtador.com. br/bfJM0. Acesso em 08 de maio 2019. 110 Cidades-dormitório e a mobilidade pendular: espaços da desigualdade na redistribuição dos riscos socioambientais? OJIMA R. PEREIRA, R. H. M. e SILVA, R. B. da. 2008, p.3.
* Parâmetros para edificação de empreendimentos residenciais e cada cenário. Fonte: Caderno 1- Análise de custos referênciais. MCMV.
as cidades para dormir Seu termo é subjetivo, bem como, seu território é fragmentado e disperso: ora hiperurbano (com alta densidade), ora infra-urbano (com baixa densidade de construção); além disso, (...) em sua análise, Freitag (2002) destaca que o morador desse tipo de cidade não se reconhece como cidadão da mesma, pois na medida em que ali não se encontra seu local de trabalho e só serve como dormitório e residência, ele não teria compromisso efetivo com a cidade. 110 É sobre as contestações acima que se tratam as cidades-dormitório. Acerca da afirmação anterior, sobre o não reconhecimento como cidadão... é provável que por conta da evidência quanto ao tempo que esse cidadão passa em outro lugar na metrópole. Flávio Villaça disserta a respeito do que
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108 Caderno 1 - qualificação da inserção urbana, análise de custos referenciais. Brasil, 2017. P.14.
Quanto aos números de unidades, é evidente ressaltar que há um impasse estatístico quanto as somas relativas a produção do programa, isto por conta do número de projetos contratados e aprovados, porém ainda não edificados. O que sabemos, é que até o ano de 2017 o programa havia contratado cerca de 4,5milhões de unidades habitacionais108 frente a um déficit de 7,78109 milhões de moradias, como estampa a manchete do jornal digital Rede Brasil Atual. Correções recentes ao programa, redesenharam diretrizes que visam o melhor controle da produção das unidades habitacionais (em zona urbanas e rurais) e, embora o feito não equacione ainda o controle sobre a produção das diferentes faixas, acredita-se que tenhamos dado um passo frente a reflexão sobre as potências de um programa habitacional e correção de suas fragilidades em prol de sua continuidade, mesmo diante a tantos conflitos partidários em instancia federal. Portanto, as críticas ao programa continuarão a cargo de duas fragilidades: a reprodução em série de unidades habitacionais e a localização dos projetos. A dita reprodução não visa a adequabilidade espacial ao morador, desconsiderando as diversas tipologias familiares, culturais e sociais, tendo em vista também, que modalidades do programa como “entidades” (que mostram ter melhor aceitação dos proprietários que participam de sua produção) se mostraram mais complexos de organizar por conta de gestão das obras e viabilidade financeira. A localização dos projetos, outro ponto importantíssimo a crítica, é notável porque se destinam em maior número por territórios longínquos: as bordas metropolitanas ou rurais e cidades-dormitório, temática essa a qual vamos nos debruçar nas páginas seguintes.
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viriam a ser as cidades-dormitório em definição ao dizer que, (...) essa dominação se dá pela desigual distribuição das vantagens e desvantagens do espaço produzido; essas vantagens e desvantagens dizem respeito especialmente à manipulação, pela classe dominante, dos tempos gastos nos deslocamentos espaciais dos habitantes da cidade. 111 E não apenas, compreendemos aqui as cidades-dormitório como aquelas não passíveis de acolher maior parte de sua população de modo que suas atividades urbanas (trabalhar, estudar, recrear, pesquisar, se entreter, medicar, entre outras) aconteçam em território local. Ou seja, de maneira involuntária, o cidadão desse lugar se desloca para outro, em prol da realização de atividades necessárias ao seu cotidiano. Sobre a questão, a Professora Mestre Isabela Sollero questiona “(...) cidade só para dormir, é cidade?” E para ilustrar a resposta, tomamos um exemplo pragmático da questão com definição por dados socioeconômicos: Tomamos com base um munício aleatório da Região do Grande ABC Paulista – região essa que reúne variantes urbanas interessantes a nossa leitura -, como exemplo, Mauá. Não é o caso de nos aprofundarmos à sua análise, mas basicamente, segundo o IBGE, o município conta com uma população residente estimada em 461.148 pessoas e uma população ocupada – que trabalha formalmente – estimada a 71.591 pessoas. Se cruzarmos esses dados ao do último censo demográfico (o de 2000), também produzido pelo IBGE, ao comprovar que 56.617 pessoas saem do município para exercer atividades elementares na contemporaneidade como trabalho e estudo em outro município, teremos aí evidências alarmantes frente a questão. Além de ilustrar que apenas 15,6% da população trabalha formalmente, apontamos que mais de 80% destes cidadãos não trabalham e/ou estudam no município onde moram. Ou seja, Mauá é uma cidade-dormitório porque não tem aporte industrial ou educacional que acolha mais da metade da população dita “ativa” (que trabalha ou estuda). O fato não tira a cargo do município o seu título de cidade, porque, ao passo que perde 56.617 mil habitantes durante períodos de pico, continuam atuantes e protagonistas do lugar 404.531 mil habitantes, que não necessariamente trabalham ou estudam, mas que desempenham atos diversos a fim da manutenção de suas vidas. Para tanto, elencamos em infográfico dados que visam apontar todas as cidades dormitório na Região Metropolitana de São Paulo a fim de enfatizar as dinâmicas entre capital e anel metropolitano, como segue:
São Paulo: segregação urbana e desigualdade. VILLAÇA, F. Estudos Avançados n°25, p.49, 2011.
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* Figura: Cidades para dormir. Produzido com base os dados do IBGE e censo demográfico de 2010. Ilustração própria.
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Assim, é pertinente relembrar que na metrópole paulista - ou em qualquer outra a qual estejamos discutindo - tudo é projeto do homem frente ao espaço. Isso porque a construção do trabalho nos evidenciou a correlação entre os sistemas de transportes, o dito anel metropolitano (municípios que margeiam o perímetro administrativo de São Paulo) e a sua urbanização. Ou seja, 112
A organização dos transportes obedece a essa lógica e torna ainda mais pobres os que devem viver longe dos centros, não apenas porque devem pagar caro seus deslocamentos como porque os serviços e bens são mais dispendiosos nas periferias. E isso fortalece os centros em detrimento das periferias, num verdadeiro círculo vicioso. (...) O modelo rodoviário urbano é fator de crescimento disperso e de espraiamento da cidade. Havendo especulação, há criação mercantil da escassez e acentua-se o problema do acesso à terra e à habitação. 112 De todo modo (e analisando a imagem seguinte), é inegável pontuar a concentração por exemplo dos equipamentos de trabalho e educação na capital. Tanto a figura quanto a dissertação de Milton Santos apontam à potência que é uma rede urbana consolidada. Embora exacerbem problemáticas como dispersão, fragmentação e fomento das desigualdades no território, são elas as responsáveis por atrelar as correlações entre municípios e desempenharem manutenção ao status de qualquer metrópole; isso por conta de sua premissa: a conexão. Assim, nos arriscamos a dizer que há de haver um equilíbrio entre as correlações das diversas escalas abordadas: nacional, estadual, metropolitana, municipal e até na escala dos bairros. Acentuamos que, “(...) a mobilidade é a função urbana com maior potencial de agregar e relacionar setores urbanos segregados do ponto de vista social, dispersos do ponto de vista funcional e descontínuos do ponto de vista espacial.”113 Desse modo, não há prerrogativas quanto a ênfase sobre a ideia de o sistema viário fomentar a definição quanto a essas cidades–dormitório.
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Cotidiano em fala Por quanto tempo vivo as cidades_ Ao 12:00 saio de casa Tomo o Paranavaí para chegar ao centro O centro de Mauá De lá, tomo o trem até o Brás
SANTOS, 1993, p.106.
Metrópoles brasileiras: seus desafios urbanos e suas perspectivas. MEYER, R. P. GROSTEIN, M. D. 2006, p.54.
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole e do IBGE. Ilustração própria.
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São 13:20h; Do Brás vou até o Anhangabaú Estou no Centro de São Paulo O celular pontua 13:30h Às 17:30 saio do trabalho e vou a pé até ao terminal Bandeira Tomo o Ônibus com destino ao Terminal Santo Amaro Desço na Vila Olímpia Entro na Faculdade às 18h Saio às 22h; Retorno pelo mesmo caminho à Mauá Perdi o Paranavaí das 00:30h Chego em casa 01:00h Como e tomo banho (ou o contrário); Durmo; _ Ao 12h saio de casa (...). Atrelado a narração anterior, Claudia Antico diz que, Nesse contexto, os deslocamentos pendulares na RMSP relacionam-se a aspectos ligados à espacialização das atividades econômicas e dos locais de moradia, gerando a configuração de locais com funções distintas, permeados pelo acesso diferenciado à terra e pela divisão regional do trabalho metropolitano. 114
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De fato, como discutido em capítulos anteriores, a metrópole paulista é segregada em diversas instâncias: social, étnica, política e economicamente. Como visto, estas dinâmicas se equacionam ao que chamamos também de polarização dos espaços e, embora desempenham relações dispares quanto ao desenvolvimento dos municípios componentes à sua região, explicam o quão essenciais seriam os fluxos pendulares, bem como as cidadesdormitório para a manutenção do que conhecemos como metrópole.
114 Deslocamentos Pendulares nos Espaços Sub-regionais da Região Metropolitana de São Paulo. ANTICO, C. 2004. p.4.
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II a produção de bairros-favela e habitação de interesse social em cidades-dormitório na região metropolitana de sp
A relevância da pergunta acima, se dá pelo número de informações reveladas à sua resposta: Raça, etnia, classe econômica, partido político, sotaque... todas são manifestadas. Isso, porque a pesquisa até o presente momento nos revela, ao menos, os territórios e cores de dois personagens: os cidadãos ricos e cidadãos pobres. Vimos que para os ricos da metrópole, toda a sua terra é acessível: pirambeiras, áreas de preservação permanente, áreas centrais, desertas, longínquas e as mais diversas tipologias de condomínios fechados. Para tanto e embora acessíveis, a escolha de terra para estes personagens é essencialmente atrelada a condicionantes viabilizadas por privilégio econômico e interesses individuais como, proximidade a infraestruturas de interesse pessoal (equipamentos de cultura, saúde, lazer, entre outras) e até mesmo a distância destes a fim do tal isolamento do caos urbano. Ou seja, para as camadas sociais com renda média e alta, o acesso à terra se torna uma opção frente tamanha produção dos objetos de moradia que lhes são ofertados. Do ponto de vista local, a terra acessível aos ricos continuará seguindo moldes de arquitetura elitista, que próximas ou distantes dos centros urbanos, deterão infraestrutura urbana completa, porque, além de quem determine seu valor, há quem os pague. Sobre esse aspecto, os territórios e equipamentos nas metrópoles exercem também importante fator – se não principal – quanto a instalação das diferentes camadas. É de conhecimento popular, que uma casa de 50m2 nos bairros Jardins e em Jandira custam preços expressivamente distintos. E por isso é sempre importante destacar a força de nosso velho conhecido “mercado imobiliário” e de seus agentes: os especuladores. Já para os cidadãos pobres - metropolitanos ou não -, o acesso à terra, que embora seja garantido por direito, não é obtido por opção. Vimos durante as discussões sobre os bairros-favela que ocupar áreas ainda não edificadas e passíveis de urbanização como as de várzea, proteção ambiental e “riscos”, são condições eminentes frente a escassez de oferta e poder de compra de habitação. Outra maneira (tendo em vista a falta de dinheiro ou parâmetro para se adequar a programas habitacionais), seria o subsidio do estado quanto a produção de habitação ou a regulamentação, legitimação de posse e qualificação de assentamentos dos bairros ainda sem infraestrutura urbana. Processos estes que fundamentalmente caminham a curtos prazos à democratização em território nacional, mas que de modo geral, representam papel importante da atuação do poder público ao enfrentamento da questão que transcende gestão estatal mesmo enfraquecido frente ao
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Onde você mora? ______________
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poder do setor privado. De qualquer modo, e do ponto de vista local, a terra e habitação acessíveis aos pobres continuam a ser as fracas quanto as redes de infraestruturas, longínquas dos polos de trabalho e educação e, distantes das áreas de comércio e equipamentos de cultura nas cidades. Essa sobra é fruto, como vimos, de uma lógica perversa e excludente de se produzir cidades.
questão de interesse social Mas afinal, como então se sustenta a produção de tantos bairrosfavela e Habitação de Interesse Social em cidades-dormitório na Região Metropolitana de São Paulo?* Embora já tenhamos dado alguns indícios dessa histórica, simples (do ponto de vista da urbanização) e complexa questão (do ponto de vista narrativo), nos pautaremos sobre a firmação de duas respostas possíveis (ocupação e atenção), nos atrevendo a resgatar em alguns trechos, memórias discutidas no trabalho. Frente ao questionamento, é elementar discorrer que contrário a lentidão do estado a seu enfrentamento (como discutimos anteriormente), os sujeitos da metrópole mostraram - e ainda mostram - urgência e imediatismo face a necessidade inerente a condição do ser humano: morar. Daí o processo de ocupação das já conhecidas e desassistidas áreas frágeis ambientalmente, sugerindo assim a edificação e consolidação dos bairros. Isso, porque a partir da compreensão de sua gênese, a sua produção estará sempre atrelada a um conjunto mínimo de estruturas: ruas (asfaltadas ou não), postes de luz próximos, pontos de ônibus (próximos ou não), proximidade a outros bairros, etc. Ou seja, um fragmento da premissa da metrópole: a conexão. Portanto, a sustentação da produção dos bairros está atrelada a ofertas dessas terras, que de modo ou de outro, não escancaram sua função social e, mesmo que complexas do ponto de vista das intervenções, aguardam timidamente por atenção que se dá por ocupações úteis e controversas. Isso, porque embora estejam dando função útil a terra, as ocupações agridem em diferentes escalas, de certo, a ambientação geográfica do lugar. Para tanto e, sob olhar otimista, chegamos brevemente a abordar as respostas do estado frente a todo esse “aglomerado de questões normal” à metrópole. Com respeito a humorada fala de Isabela Sollero: “respostas estas que se dão historicamente por leis, que se desenvolvem em planos, depois subplanos que voltam a compor os planos, depois projetos e subprojetos que se integram as leis e, finalmente, voltam a compor planos que visam a materialização da ideia no desenho urbano”. Ou seja, uma confusão de ações que tardam em gerar resultados práticos, mas que também timidamente, visam mais fortemente pós década de 1930 (e com maior força pós constituição de 1988) buscar seus enfrentamentos via
* Responder à questão que dá nome ao trabalho é talvez o segundo maior desafio que me propus – e, certamente, é acrescido ao frio na barriga, a provocação quanto à sua resposta por Cláudio Manetti em apresentação do trabalho na prébanca.
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2019 Referência ao documentário Ilha das flores. Disponível em: encurtador.com.br/ HRSY7. Acesso em 05 de maio de 2019.
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políticas públicas e planos com ênfases específicas. De modo igual aos bairros-favela, a sustentação da produção de habitação de interesse social se dá através da oferta de terras acessíveis do ponto de vista econômico para quem a edifica (poder público ou privado) e, a sua instalação se distingue unicamente a aspectos geomorfológicos dos territórios (características dos solos). Embora haja casos específicos de produção de HIS em áreas de preservação (comumente em área de preservação permanente - app) circunstanciadas por esgotamento de áreas urbanizáveis ou fragilidades projetuais; seria contraditório e incoerente, por parte desses agentes, a reprodução de tipologias habitacionais em áreas tidas como inadequadas à construção. Exemplificação possível, seria ter em vista a produção em cidades-dormitório, que daí sim, justificariam a acessibilidade financeira, tanto do poder público, quanto da sociedade civil à compra e ocupação de suas terras (de maneira formalizada ou não).
produção A figura ao lado ilustra especificamente os processos de ocupação, edificação e consolidação de um bairro com projeto que dá uso a uma gleba com vegetação rasteira não planificada e, inserida em zona urbana ainda não consolidada (2010). Em um primeiro intervalo de cinco anos, seu entorno manifesta transformações significativas no padrão de densidade construtiva – notado pela ausência de pequenas glebas entre as quadras – e, no próximo intervalo, pode-se confirmar uma conversão de unidade territorial. Diferente de seu entorno imediato que apresenta morfologia orgânica, o bairro-favela traz desde o início à demarcação de seus logradouros projeto em traçado ortogonal que se adéqua ao perfil topográfico, a final de contas, foi construído por seres portadores de um “telencéfalo altamente desenvolvido e dois polegares opositores”115 e, assenta hoje, cerca de sessenta unidades residenciais, estimando aproximadamente, 180 pessoas morando no local (60 unidades x3 pessoas)*. É de se destacar o porque do bairro apontado não acompanhar as transformações cronológicas em relação a densidade construtiva das outras áreas: Trata-se, na verdade, de um lote de propriedade municipal que espera
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* Figura: Produção de bairro e HIS em Mauá (cidadedormitório da RMSP). Fonte: Google Earth Pro. Acesso em 15 de abril de 2019. Edição do autor.
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* Figura: Produção de bairro e HIS em Mauá (cidade-dormitório da RMSP). Fonte: Google Earth Pro. Acesso em 15 de abril de 2019. Edição do autor.
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(ou esperava), a inserção de um equipamento público (desde a sua demarcação). Ou seja, era uma “área de espera pública” que foi ocupada, loteada e, ainda no dia de hoje, passa pelos processos de instalação de pessoas sem teto e, até mesmo, o de venda e compra às famílias interessadas – processo este realizado por especuladores imobiliários das periferias metropolitanas -. Cabendo apenas à que futuras eleições realizem as dinâmicas da regularização fundiária e garantam a sua população os devidos títulos de propriedade, já que cumpriram função social da propriedade e ao que sabemos, vivenciam o lugar há mais de cinco anos. Ou seja, se consolidaram. Já a figura ao lado, ilustra especificamente os processos à inserção de tipologias habitacionais de interesse social. Diferente dos bairros, que apresentam conflitos fundiários, a produção de HIS está atrelada, como discutimos, a oferta e compra formalizada de glebas nas cidades e, no exemplo apontado, tratam-se de glebas em topografia plana e livres de edificação ou vegetação, como campos de várzea ou “áreas de espera pública”, o que viabiliza de maneira mais rápida a edificação das unidades. Assim como no exemplo anterior, os intervalos temporais de cinco anos indicam a transformação de adensamento na área, bem como, a inserção de seiscentas unidades residenciais dividas em seis blocos de cinco pavimentos cada (2010), posteriormente (2015), mais seiscentas unidades divididas em doze blocos, e ainda o acréscimo de vinte e quatro unidades unifamiliares de dois pavimentos (produzidas com o aporte do programa habitacional minha casa, minha vida – faixa 1). Estima-se a locação de aproximadamente 3.672 pessoas (que são por essência diferentes umas das outras) tendo de viver e conviver sob as mesmas condições e dinâmicas urbanas. Ou seja, os bairros-favela que apresentam historicamente diversos impasses legais, mostram através de suas dinâmicas de consolidação, uma maior rigorosidade no cuidado à inserção de pessoas no território; já a produção de HIS, se evidencia nos exemplos ilustrados como agressiva sobre a ótica de instalação. No entanto, os dois exemplos foram escolhidos para ilustrar que, além de “por que” e “como” ...discutir a questão do “onde” se instalam no território, é elementar (ver próxima página). Ambos foram pautados a fim de evidenciar que, tanto para bairros-favela, quanto para habitação de interesse social, não restam maiores opções que não a resiliência de glebas em cidadesdormitório (que resguardam em seu tempo o passo a passo das dinâmicas de nossos objetos de estudo), áreas qualificadas ou não passíveis à sua ocupação.
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* Figura: Produção de bairro e HIS em Mauá (cidade-dormitório da RMSP). Fonte: Google Earth Pro e Qgis. Acesso em 15 de abril de 2019. Edição do autor.
o plano de cada dia Como resposta, exigido e instrumentalizado pelo Estatuto da Metrópole em 2001, que (...) estabelece diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos Estados, normas gerais sobre o plano de desenvolvimento urbano integrado e outros instrumentos de
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116 Entre o nó e o fato consumado, o lugar dos pobres na cidade. Um estudo sobre as ZEIS e os impasses da reforma urbana na atualidade. AMORE, Caio S. FAUUSP São Paulo, 2013. p.3.
atenção a zeis Um contraponto das lógicas apresentadas e que se refere a produção, qualificação e regularização de habitação para os cidadãos mais pobres, seria a utilização da Zonas Especial de Interesse Social – ZEIS, que de modo prático - e como diz Caio Santo Amore em sua tese de doutorado: Entre o nó e o fato consumado, o lugar dos pobres na cidade. Um estudo sobre as ZEIS e os impasses da reforma urbana na atualidade – “(...) definem áreas onde é prioritária a construção ou a manutenção de habitação de interesse social, de moradias para os mais pobres. São áreas onde há favelas e loteamentos precários ou áreas vazias onde se pretende estimular a produção de habitações de interesse social.” 116 As ZEIS são instrumentos de grande potência à garantia de qualificação urbana de bairros-favela, resguardo e recuperação de áreas ou edificações em tecido urbano já consolidado, bem como, viabiliza diretamente a produção de habitação de interesse social por entidades públicas ou privadas. Ou seja, reserva terra e garante a produção de espaços para os cidadãos mais pobres. É aos moldes deste instrumento viabilizado por qualquer plano diretor e demarcado em zoneamento, que uma das respostas possíveis frente ao controle e gestão das demandas habitacionais possam ser desenvolvidas, fomentadas e replicadas nas cidades. Discussão interessante acerca do instrumento, se daria novamente a localização de suas áreas. Isso, porque é simples a nossa leitura que qualquer demarcação de área na metrópole estará passível a disputa de interesses: do estado, sociedade, mercado, especuladores, etc. Para tanto, indicamos a leitura integral da tese referida*. De qualquer modo - e embora tenhamos certeza do passo à frente quanto criação de políticas públicas que fomentam a democratização do acesso à terra -, a demarcação de áreas nas cidades, nos diz respeito apenas sobre polígonos registrados em planos, nos levando a questionar: E o estado? Ele não seria o responsável por mediar os interesses e conflitos dos diversos personagens que formam as cidades?
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governança interfederativa, e critérios para o apoio da União a ações que envolvam governança interfederativa no campo do desenvolvimento urbano (...).117 , os estados se viram obrigados a desenhar planos de escala e caráter metropolitano a fim de destinar em seus territórios áreas especificas de interesse para os seus personagens. Assim, fez parecer pela primeira vez na história desse país, que a compreensão territorial a partir de equanimidade regional, seria pensada em prol da diminuição das desigualdades metropolitanas onde, como vimos, as disparidades sociais e, principalmente, as disparidades econômicas se acentuam. E de fato, se ignorado a realidade de que estes instrumentos deverão ser aplicados por quem detém maior poder nas metrópoles, há de se pontuar que fora muito bem produzido, como afirma Ermínia Maricato no evento: Planejamento na escala da metrópole: experiências realizadas e perspectivas atuais. 118 Assim, se tornaram obrigatórias e com prazo determinado à apresentação em câmara legislativa (até o ano de 2021) a criação do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado, que visa “(...)propor diretrizes, programas, projetos e ações para o ordenamento do desenvolvimento territorial das Regiões Metropolitanas.”119 O que na realidade a qual bem vivenciamos – e ao menos na metrópole paulista -, o instrumento que foi discutido em todos os 39 municípios e está em fase de aprovação na câmara, fomentou absolutamente todas as disparidades que questionamos durante a pesquisa. Além disso, acaba sendo contraditório e genérico em diversos momentos quando pauta as ações de âmbito municipal, a exemplo da figura ao lado: que trata das áreas de expansão urbana, investimento e fomento econômico e de infraestrutura nas centralidades na metrópole. O plano destaca fomento a expansão e investimentos financeiros em áreas centrais de municípios nos vetores oeste e leste da metrópole: Taboão da Serra, Francisco Morato, Ferraz de Vasconcelos, Suzano e Mogi das Cruzes; sendo que apenas dois destes - Francisco Morato e Ferraz de Vasconcelos - se enquadram a nossa definição de cidade-dormitório. Ou seja, há de se questionar que um plano que vise a diminuição das desigualdades territoriais deva abarcar a princípio, os municípios com maiores fragilidades, no caso: as cidades para dormir; não? Mais a fundo, notamos outra vez um padrão periférico de se pensar e construir cidades, já que exceto ao vetor sudeste, as manchas de expansão urbana da metrópole paulista (tentáculos) são desenhadas em prol da junção as metrópoles e aglomerações urbanas vizinhas: Baixada Santista, Campinas, Sorocaba, Vale do Paraíba e Litoral Norte, Jundiaí e Piracicaba. A sua mancha de expansão e investimento urbano que não é abrangido por centralidades a serem potencializadas, não apresenta desenho quanto ao controle rumo as áreas ambientalmente frágeis como as de proteção
117 Estatuto da metrópole. Fonte: Planalto.gov. Disponível em: encurtador.com.br/zDFGN. Acesso em 18 de março de 2019.
Planejamento na escala da metrópole: experiências realizadas e perspectivas atuais. Fonte: YouTube. Disponível em: encurtador. com.br/nBDO2. Acesso em 18 de abril de 2019.
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119 Sendo que apenas quatro das 73 regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Baixada Santista) finalizaram ou estão em processo de conclusão.
* Centralidades. Fonte: Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado. Caderno de Propostas. CDRMSP; p.34. Disponível em: https://www.pdui.sp.gov.br/ rmsp/?page_id=755. Acesso em 18 de maio de 2019.
aos mananciais e permanente; o que nos leva questionar mais uma vez na história do planejamento urbano, o modelo de cidades visado. No entanto, se faz necessário pontuar o quão dual é interpretar instrumentos urbanísticos: se por um lado se torna relevante a instrumentalização e obrigação de desenho dos Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado que, por gênese, devem pensar as metrópoles como um conjunto de relações a se articularem de forma equilibrada, por outro, é inegável a crítica quanto a representação de ideais ainda modernos e higienistas que em plena contemporaneidade, reproduzem mais do mesmo, ou seja, nenhuma solução clara para soluções que apontem para a minimização de um déficit habitacional e a produção de irregularidades habitacionais ou para o declínio da desigualdade socioespacial e da interdependência de cidades-dormitório.
e agora José? Chegamos ao estigma do planejamento urbano e o que a pesquisa nos revela é que são no mínimo contraditórios. De certo, visaram o desenvolvimento econômico como o principal motor das cidades brasileiras e, o que isso significa? Significa expandir cidades geográfica, demográfica e, principalmente, economicamente em prol de um pseudo status capital comparado a sociedades ditas “mais” avançadas. Isso nos dá, ao menos, o porquê de os bairros localizados em cidades-dormitório serem renegados ao desenho no PDUI, por exemplo. Eles representam o atraso das grandes capitais brasileiras em gerenciar demandas urgentes como as habitacionais e, a resistência política da sociedade civil frente os conflitos com o estado. É bastante comum que teses e dissertações do campo das ciências sociais aplicadas, quase que cumprindo um papel de relatório técnico, sejam concluídas com “recomendações” ao leitor, ao poder público, a empreendedores, à sociedade civil...120 Assim, além de planos que visam o seu desenvolvimento econômico, uma contribuição palpável para as cidades seria a de que realizassem a hipótese mais afinca de suas possíveis transformações. No campo acadêmico, é recorrente a discussão acerca da transformação de edifícios com relevância arquitetônica à ruínas. E a transformação de bairros-favela e HIS? Porque não se discutir? Desenvolvimento - crescimento, progresso, adiantamento. Transformação - qualquer alteração no estado de um sistema.
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120 AMORE, C. S. Entre o nó e o fato consumado, o lugar dos pobres na cidade: um estudo sobre as ZEIS e os impasses da reforma urbana na atualidade. São Paulo: FAUUSP, 2013. p.257.
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Sobre esse aspecto, a pesquisa se encaixa em âmbito de aberturas ainda não dimensionáveis. Isto é: para questões tão tentaculares quanto as discutidas, a interpretação precisaria se equiparar. Por isso a relação das hipóteses, que são entendidas aqui como realidades possíveis.* Também não nos esquivamos da compreensão acerca da importância e relevância da participação dos personagens e agentes envolvidos em cada capítulo para um desfecho mais completo, a final de contas: “a comunidade é especialista!”121 O trabalho até o presente momento caminhou rente as arriscadas hipóteses auto construídas e, que posteriormente lançadas ao questionamento de quem as lê, propôs alguma reflexão. Assim, nos debruçaremos durante o próximo capítulo à leitura de questões que visam nos “alimentar” de mais interpretações, bem como, vamos a contribuição intelectual - mesmo que de forma sintética – ao desenho de hipóteses que pautam possíveis transformações de bairros-favela e habitação de interesse social em cidades-dormitório com ênfase ao vetor sudeste da metrópole. Vetor este que apresentou maior fragilidade entre os desenhos de intensão sobre a existência no Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado de São Paulo. E porque se pautar sobre hipóteses? A pesquisa nas escolas de arquitetura, que passa por momento de estagnação e enfraquecimento frente a precarização geral no ensino brasileiro, deve contribuir tanto (e até mais) para a reflexão sobre os potencias e enfrentamentos das questões nas cidades, do que os exigidos “projetos” de edificações, que em suas frágeis tentativas de sanar carências, acabam por dissociar objetos das relações urbanas. Em vista do planejamento, uma resposta concreta acerca do desenho, redesenho e até mesmo o controle das bordas das cidades nos parece fugir de mãos, no sentido de que (da forma mais humilde possível), uma única possibilidade não haverá e, por se tratar de tarefa multidisciplinar, não cabe a individualidade do autor no breve tempo que lhe resta o fazer tão facilmente. Assim, as hipóteses que trazem em sua gênese um caráter de abrangência quanto as aberturas, compreenderão a formação e o sentido do território a partir de sua leitura mais abrangente.
* Recomendamos a leitura do trabalho final de graduação: reinventando o espaço de organização popular, de Leonardo Pequi. Disponível em: https://issuu. com/leopequi/docs/tfg_2mov
GEHL, J; SVARRE, B. A vida na cidade: como estudar. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2013, p.32.
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III a transformação de bairros-favela e habitação de interesse social em cidades-dormitório na região metropolitana de sp
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campo das hipóteses
fundamentos de uma política pública para pessoas É elementar expressar o quão especial é essa nova área de estudos: o vetor sudeste, ou como é conhecida, a região do grande abc. Por isso é necessário saber que vamos tratar de municípios pioneiros na atuação das questões do transbordar: Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema com o enfrentamento e ações aos bairros-favela; São Caetano do Sul com padrão segregador e higienista dos espaços; Mauá, com a sua relação de bordas e maior transformação contemporânea dos bairros e; Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, municípios que encaram as condições e limitações
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GEHL, J; SVARRE, B. A vida na cidade: como estudar. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2013, p.30.
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Caminharemos rumo a um desenho ainda esquemático, mas que visa uma melhor compreensão do que seriam as hipóteses elencadas sobre as transformações de bairros-favela e habitação de interesse social e, ainda, a prospecção do que seria a confluência das manchas de expansão urbana dos anéis metropolitanos da macrometrópole paulista atreladas a condicionante do esgotamento de áreas urbanizáveis no território influenciados, como visto, pelo Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana de São Paulo (PDUIRMSP), pautadas na pesquisa e a relação cotidiana do autor nos territórios lidos. Para tanto, seguiremos as discussões guiados por métodos de estudos desenvolvidos durante as disciplinas de Projeto de Urbanismo nos semestres letivos na universidade. A exemplo da tríade da ação, simples estrutura de investigação do território desenvolvida pelo autor junto a Leonam Gusmão durante as monitorias na disciplina. Se baseia fundamentalmente em três eixos: ler e entender; entender e discutir e, discutir e desenhar (melhor); Levantar, ler, sobrepor, desenvolvida no 8°semestre com estrutura baseada no levantamento de dados, compreensão afinca através de discussões plurais e de âmbito coletivo e, sobreposição dos dados colhidos para destacar potências e conflitos do espaço (edificado ou não). Elencamos também ao conjunto de métodos, a recomendação do livro viver a cidade: como estudar, de Jan Gehl e Birgitte Svarre, sendo: contagem, mapeamento, traçado, rastreamento, vestígios, fotografia, diário e caminhada teste122. Estes que são na verdade elementos de estudos para escalas menores do ponto de vista da dimensão territorial, nos serão válidas no sentido de compreender melhor a ação dos milhares de cidadãos que vivenciam a nova área de estudos. Assim, o que pautaremos como sugestão ao desenho das hipóteses será organizado em 3 eixos de discussão, como seguem: eixo 1: leitura territorial | ler e entender eixo 2: prospecção | entender e discutir eixo 3: discutir e desenhar (melhor) | o campo das hipóteses
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ambientais desde a sua emancipação. E, tão diferente dos outros vetores na metrópole, bem como uma contradição, já que a sub-região conta com três cidades-dormitório: Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, é presente na fala de seus cidadãos certo pertencimento, “moro no abc!” Claro, são municípios que compõem o anel metropolitano da capital e cada qual expressa a dentro de seus limites administrativos singularidades cotidianas a qualquer cidade de grande e médio porte. Assim, frente ao pouco tempo e ferramentas que nos restam, não cabe discutir tão enfaticamente sua linha temporal, bem como, divulgar “números” específicos. Discutiremos aqui, fundamentos de uma política pública para pessoas do lugar que nos parece um território síntese. Sobre esse aspecto, Rosana Denaldi disserta sobre as políticas públicas aplicadas com ênfase ao tratamento dos bairrosfavela no grande abc em dois trechos de sua tese:
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Na década de 1980, os municípios estabeleceram políticas municipais de urbanização e regularização de favelas, buscando garantir o direito à terra a seus ocupantes e priorizaram a execução de obras de saneamento, tentando promover a melhora gradativa das condições de habitação. _ Diadema, na região sudeste da RMSP, foi uma das primeiras cidades brasileiras a estabelecer, em 1983, uma política abrangente de urbanização de favelas. Inovou ao tratar a questão da urbanização de favelas não mais como mera intervenção pontual ou programa alternativo. A continuidade político-administrativa propiciada pela eleição consecutiva de três governos progressistas do mesmo partido (Partido dos Trabalhadores), que administraram a cidade por 14 anos – de 1983 a 1996 –, garantiu que a política para favelas fosse consolidada e aprimorada.123 Não há romantização quanto a afirmação do pioneirismo dos municípios – principalmente Diadema – ao enfrentamento das questões de nossa abrangência. Se bem compreendermos a fala da autora, percebemos que a região (diferente dos outros vetores) não tardou a instrumentalizar ações que priorizassem a qualificação dos bairros, bem como, trazer as pautas municipais maneiras de intervir nestes territórios e desenhar as ações que visavam realizar a instalação de infraestruturas. Acrescentase destaque a questão da gestão municipal, que priorizou essas ações e nos faz questionar mais uma vez a relevância do estado na construção e manutenção de políticas públicas viáveis. Além disso é elementar trazer as falas de Izilda, Clarice, Maria e Antônio, moradores que receberam em seus bairros as intervenções de qualificação e instalação de infraestruturas, a fim
Políticas de Urbanização de Favelas: evolução e impasses. ROSANA, D. ps.99 e 84. São Paulo: FAUUSP, 2003.
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de evidenciar a importância da ação, como segue: “Aqui tem muitos ratos, crianças foram mordidas, eles andam por cima da cama, da comida.” (Izilda A. Coelho, depoimento registrado antes da intervenção). “Quando o meu filho tinha um ano, ficava sentado no chão e os ratos vinham pegar a bolacha das mãos dele. Agora eu aterrei a casa e isto não acontece mais.” (Clarice Lima). “Toda vez que chovia, ficava alerta com as camas, com a comida, para não irem embora com as águas. (...) Quando enchia, os vizinhos vinham ajudar a tirar as crianças para elas não morrerem afogadas. A gente também tentava salvar os móveis. Teve um dia que não deu tempo: eu fui desligar a televisão, mas ela já estava boiando. (...) Em janeiro, cinco meses depois da canalização da Prefeitura, veio a pior chuva e rezei e nada aconteceu. Eu comecei a olhar da janela, esperando pela enchente. Mas a água simplesmente passava.” (Maria de Fátima).
Ou seja, é inegável a relevância do papel dos agentes promotores dessas melhorias na reconversão de realidades precárias. Valendo pautar que, embora concretizadas com rigor técnico, o município de Diadema (que sediou as intervenções) sofreu com diversos impasses para realizar o feito: dentre as maiores dificuldades, era latente a carência por equipe qualificada de arquitetos-urbanistas, engenheiros, assistentes sociais, etc... e diríamos que, principalmente, o impasse por arrecadação de fundos que custeava além da equipe, todo o processo de instalação, como pontua a autora, “(...) lembramos que o custo de uma política de urbanização de favelas depende, entre outros fatores, dos parâmetros de urbanização adotados, característica dos sítios, preço e disponibilidade de terra, fatores que se diferenciam de uma cidade para outra e de um programa para outro. No entanto, há indícios de que a urbanização nem sempre é “inúmeras vezes mais barata” que a produção de novas moradias, quando incorporamos todos os custos envolvidos na urbanização e decorrentes dela.”124
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Políticas de Urbanização de Favelas: evolução e impasses. ROSANA, D. ps.172 e 198. São Paulo: FAUUSP, 2003.
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“Antes só quem morava aqui podia falar do esgoto. Depois que lançaram esse projeto, foi o mesmo que ganhar na loteria.” (Antônio I. de Souza).124
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Assim, nos deparamos com uma questão ao certo dual; isso porque, se por um lado há a dita política de urbanização dos bairros, que em disparado soma a participação popular durante os processos de opção das intervenções o que se equaciona em “melhores projetos”, há também os custos oriundos da escolha. Frente as diversas outras demandas as cidades, deve-se pensar que seria conflituoso para qualquer gestão, a escolha desse modelo de se produzir cidades como uma prioridade a seguir. Sobre esse aspecto, Laura Machado pontua em sua conclusão no artigo “parâmetros para a avaliação de vida urbana e qualidade habitacional em favelas urbanizadas”, que, (...) as experiências analisadas demonstram que a implementação de projetos de urbanização de favelas é complexa e demorada, exigindo grande determinação do órgão executor ou promotor em finalizar as obras. (...) A construção de tais redes interdisciplinares, ligadas à melhoria da qualidade do ambiente construído, deve ser objeto de uma política pública de desenvolvimento tecnológico nacional.125
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Desse modo, fica clara à nossa discussão que embora mais complexa de se concretizar por conta de impasses financeiros, uma política pública habitacional que vise a qualificação, estruturação ou produção de edificações onde se mora, deva ser sim o centro das atenções nas gestões de municípios que contemplam precarização habitacional. Podemos dizer também, que por um breve instante na história, a região do abc fomentou enfaticamente essas políticas e hoje nos servem como exemplos a serem melhor investigados.
eixo 1: leitura territorial | ler para entender Nitidamente o desmembramento de uma unidade territorial ao que conhecemos hoje como 7 municípios que compõem a região do grande abc será refletido não apenas em instância política atrelada as disputas por espaços de produção econômica - por conta da conflitos partidários -, mas principalmente, na consolidação de seus bairros e nas dinâmicas populares dos modos mais diversos. Assim, o que o processo histórico da região nos conta é que de fato, não apenas a atuação do estado, mas a atuação popular exerceu (e exerce) grande relevância a manutenção das cidades. Isso porque, a voz do povo, foi principal responsável pela desarticulação do sítio de Santo André equacionados a distinção social de cada povoado; isto ainda na década de 1940. Fruto desse processo, não apenas na região - mas em todos os vetores da metrópole paulista -; seria o conflito entre as gestões municipais que ignoram municípios vizinhos dos mais diversos
125 Parâmetros para a avaliação de vida urbana e qualidade habitacional em favelas urbanizadas. BUENO, Laura M. de Mello. Coletânea Habitare – vol. 1 – Inserção Urbana e Avaliação Pós-Ocupação (APO) da Habitação de Interesse Social, ps.344 e 349, São Paulo, 2012. (Artigo).
* Figura: Desmembramentos municipais no vetor sudeste. Produzido com base em dados do livro São Paulo Metrópole. Ilustração própria.
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modos: regionalismo; controle de resíduos; distribuição de verbas; e principalmente a desatenção quanto as bordas. De modo mais abrangente, nos parece hoje, que os municípios (nos referimos as gestões municipais) não aprenderam a se colocar frente ao território como parte que integra o todo; pelo contrário, diríamos que se colocam em prol das disputas que segregam a sociedade. Frente ao exposto, prosseguiremos a leitura territorial atrelados a condicionantes geográficas do lugar, por que sem dúvida, esse aspecto nos revelam o desconhecido acerca do tempo edificado, ou seja, nos conta sobre a sua conformação econômica e social.
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole. Ilustração própria.
O lugar, de certo modo, não seria o mais acolhedor ao processo de urbanização por conta de seu “mar de morros” presentes nos setores sul e sudeste de seu perímetro, bem como, por conta da riqueza de seus rios. É nesse lugar onde os morros formam a paisagem, que a represa Billings se espraia (em trechos de Diadema e Santo André) e que importantes rios como o Tamanduateí nascem (em Mauá especificamente). Essa, no entanto, seria uma mera descrição do território, que embora seja de nosso interesse, não faz sentido ao estudo do espaço contemporâneo sem estar atrelado a outros layers de informação. Para tanto, daremos início a sobreposição dos desenhos a fim de compreender seu estado em tempo atual desde a sua conformação geográfica.
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Por isso aproveitamos a deixa para recomendar a leitura do trabalho final de graduação de Aline Dias Ferreira - entre os rasgos e costuras - que aborda de modo mais especifico a questão da segregação de espaços fomentada por grandes equipamentos rodoviários e de mobilidade.
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole. Ilustração própria.
O que conhecemos como urbano, vai se consolidar no abc como glebas industriais que apresentam hoje questões complexas e duais: embora estejam passando por intensivos processos de reconversão e saída dos territórios originais - o que afeta de modo preocupante seus trabalhadores -, este setor continua abastecendo de modo mais expressivo a economia dos municípios com polos específicos. De modo geral, são elas que continuam a desempenhar maior controle sobre as ofertas de emprego, o que nos evidencia a força de um mercado privado. Produzidas aos moldes da industrialização paulista, o setor vai se instalar no grande abc induzido sobre um pensamento rodoviarista. Assim, é seguido de diversas intervenções que visam a conexão: premissa da metrópole; a exemplos do processo do plano de avenidas (1930); plano moses (1950); plano gagmacs (1957); plano urbanístico básico (1968); plano diretor de desenvolvimento integrado (1971); programa de canalização de córregos e construção de avenidas de fundo de vale (procav1 – 1987) e, programa de canalização de córregos, implantação de avenidas e recuperação ambiental e social de fundos de vale (procav2); que sem exceção, priorizaram a extensão dos percursos metropolitanos via automóvel particular, que a indústria vai se consolidar. Vale pontuar com ênfase, que o principal sistema de mobilidade de cargas (a ferrovia), fora principal indutora a instalação das referidas industrias e da expansão demográfica da região. Hoje ainda em funcionamento, a linha 10-turquesa, transporta em seus trilhos milhares de cidadãos metropolitanos que exercem fluxos para os mais diversos lugares na metrópole e, funciona ainda, como meio de transporte para de produtos exportados e importados como grãos, por exemplo; que traçam rota Santos - Jundiaí. Portanto é a reflexo desse conjunto de planos e intervenções que as questões dos fluxos pendulares se dão no vetor. Do ponto de vista local, todo esse aglomerado de infraestruturas de transporte é sentido pelos cidadãos do abc como um conjunto de barreiras que cortam municípios e fragmentam bairros, além das relações sociais que seriam atreladas de forma ininterrupta.126 Sobre esse aspecto, o da logística de infraestruturas, os terminais de transporte regional do grande abc se elevam a potência na leitura territorial. Embora não se façam existentes em alguns setores, os terminais regionais se conectam por extensas redes de corredores de ônibus atrelando ainda de maneira tímida os 7 municípios que compõem o todo do abc paulista.
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole e IBGE. Ilustração própria.
Sobreposta as informações, a produção de bairros-favela, do programa minha casa minha vida e a produção privada de habitação se assemelham a instalação da indústria no grande abc no sentido de procurarem glebas de interesse à sua edificação: A construção de bairros, que está atrelada a proximidade (quase vizinha) das indústrias, se caracteriza na região por sua organização espacial, ágil consolidação a paisagem e por sua verticalização – explicada pela instalação em áreas de morro. Além, novos bairros ganham o status: “favela”, apenas por se consolidarem em terrenos de propriedade alheia – que não exercem função social - e não deterem oficialmente de infraestrutura urbana pública: luz e água encanada por exemplo. Restando a atuação municipal quanto os bairros edificados em áreas de proteção permanente, principalmente localizados nas franjas da represa Billings, que detém decreto específico ao controle de suas bordas. A produção privada de habitação, assim como na capital paulista, nos apresenta escolha dos centros municipais que estão passando por intensivos processos de gentrificação como alvo de edificação. Para tanto, são edificados em prol de outros equipamentos privados como os shoppings centers e, como é o caso da sua produção em Diadema, produzidos em áreas próximas aos terminais regionais, praças públicas e equipamento de cultura e lazer. Assim, são vendidos a preços caríssimos por conta da então chamada valoração de bens sem preço e vão segmentando os bairros de modo mais expressivo aos moldes da polarização social: o que vimos como lugares dos ricos e lugares de pobres. Embora localizados também em áreas centrais dos municípios, os lançamentos residenciais do programa minha casa minha vida contratados durante o ano de 2018 foram poucos comparados a produção privada: cinco são destinados a faixa 1 e apenas um lançamento destinado a faixa 2, em Mauá. Assim, o que se elenca primeiro através da análise, é que, até mesmo fora da capital metropolitana, as centralidades que reúnem componentes urbanos importantes às dinâmicas das cidades, são protagonistas dos conflitos entre interesses. Segundo: a sobreposição dos polos industriais com a produção das vertentes de moradia e ainda o mais saldo de fluxos intermunicipais, confirma uma ideia de que a região tenha força para sustentar certa autonomia quanto as ofertas de trabalho.
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Professor Titular e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PosUrbArq PUC-Campinas) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pós-Doutoramento no ProArq da UFRJ (2015-2016). Arquiteto Urbanista pela FAUUSP (1989). Mestre (1999) e Doutor (2005) em estruturas ambientais urbanas na FAUUSP. Fonte: Lattes. Disponível em: http://twixar.me/ vTWn. Acesso em 19 de maio de 2019.
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole e do IBGE. Ilustração própria.
Mais além, e sobre as manchas verdes, observem o centro da região: além de consideravelmente preenchido pela represa Billings é compreendido também por diversas áreas de preservação ambiental, tanto no âmbito municipal quanto estadual, a exemplo do parque estadual da serra do mar. Essa porção é compreendida pelos municípios de Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires e Santo André e elencadas como ambientalmente frágeis; logo, esse fator vai influenciar diretamente em seu padrão de organização que é fragmentada. Destacam-se dentre as áreas preservadas (em nível hierárquico do ponto de vista de restrições): o Parque Estadual da serra do mar; o Parque Estadual Águas da Billings; a Unidade de conservação do Parque Natural Municipal do Pedroso e, por fim, as áreas de urbanização controlada, que representam, na verdade, grande esforço dos municípios de Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires em equilibrar a expansão da urbanização regional em sua direção. Se torna eminente o conflito da mancha de expansão urbana a “barreiras” estruturais como as vias de grande fluxo e as diversas e importantes áreas de proteção. Nos arriscaríamos até em dizer, que em uma margem de próximos 20 anos, as áreas sinalizadas como de urbanização controlada, tenham sido completamente ocupadas por edificações; restando apenas como “respiro” à paisagem do abc, as porções de áreas que margeiam a represa, os perímetros dos parques, unidade de conservação ambiental e as áreas verdes com potenciais recreativos. Há também certa polêmica quanto a discussão do potencial de uso recreativo e a função social dessas áreas. Isso porque, segundo a fala do Professor Doutor Jonathas Magalhães l “(...) proteger áreas ambientalmente frágeis, faz se cumprir a função social do espaço.” O que concordamos em partes. Vejam: cercar uma área de modo que a população mal tenha o seu contato visual, não nos parece o melhor modo de proteger. Para ilustrar, exemplificamos com fala bastante pragmática dessa relação, a exemplo da exposição de quadros em museus: É de noção social que qualquer quadro exposto em museu merece ali a sua preservação. O que curioso é que a sociedade aprendeu, ou melhor, ensinou! que para preservar o objeto, não é necessário guardar o mesmo em cofres confinados ao olhar do homem. Convenientemente organizam a sua exposição com diretrizes especificas (toque restringido, etc.) que visam a não danificação do objeto. Posto isto, diríamos que com os biomas defenderíamos o mesmo rigor. Embora saibamos também, que desconstruir uma visão social, educativa e política das comunidades, seria tarefa extremamente difícil (mas não impossível).
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole e do IBGE. Ilustração própria.
Sobrepondo os desenhos estão as áreas de risco, que distintas das de proteção ambiental, se caracterizam por receber bairros inteiros em seu perímetro (o que é preocupam-te) e, se distinguem em um potente sentido: a possibilidade de reconversão. Isso porque, como vimos na leitura dos riscos, com a contribuição de agentes da construção civil, seria possível reverter áreas passíveis de solapamento ou dizimar em completo as com riscos de enchentes e alagamentos. Ressaltando apenas, que o danoso processo de urbanização “formalmente planejado”, fora principal responsável pelo dano as águas do abc. De modo geral - e sempre atrelando a sobreposição dos mapas – são nas áreas de fundo de vale e várzeas que as principais industrias de produção massiva se instalaram a fim do engrandecimento da economia regional, justamente onde os pontos de riscos de enchentes se concentram. Para isso, e por encomenda do consórcio do grande abc, fora produzido um plano de canalização dos córregos a fim de sanar a problemática. O plano contemplou de modo mais assertivo os municípios de Santo André e São Bernardo do campo por conta da disparidade desses municípios em relação ao número de enchentes catastróficas. No mais, a Região do Abc conta com apenas 5 aterros sanitários que recebem de modo geral resíduos sólidos de quase todos os municípios da região metropolitana de São Paulo. Por conta disso, é atrelado via consórcio do grande abc parcerias de âmbito regional que viabilizam de forma mais passiva o controle, bem como a captação destes resíduos.
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole e do IBGE. Ilustração própria.
Sobre tudo, faz sentido elencar as centralidades municipais e os equipamentos de educação, saúde e de comércio, que de modo geral, desempenham enorme relevância às relações de troca, principalmente ao que refere aos usuários (com ênfase a escala regional). Além da concentração dos elementos destacados, continuam sendo as áreas centrais as que atraem investimentos privados (vide lançamentos imobiliários), que assim como na capital, se organizam em seguimentos distintos da oferta mercadológica, a exemplo dos serviços voltados a tratamento médico em Mauá, comércio popular em Santo André, móveis em São Caetano e, turismo recreativo em Ribeirão Pires; e que reúnem de modo polarizado equipamentos urbanos necessários as ações cotidianas da população. Contrapondo a dinâmica da polarização, se destacam os equipamentos de educação e saúde que exercem função nas áreas periféricas e se espraiam na região até alcançar a borda metropolitana.
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole e do IBGE. Ilustração própria.
Ao elencar o zoneamento vigente da região, constatamos pertinente preocupação da municipalidade quanto ao equilíbrio da polarização dos seus espaços. Isso por conta da rigorosidade (o que é atípico a municípios brasileiros) quanto a subdivisão das macroáreas ou zonas especificas, a exemplo das zonas e áreas de controle da urbanização que representam a atenção dos municípios quanto o espraiamento das manchas de expansão urbana rumo as áreas ambientalmente frágeis e, as zonas de uso diversificado, que dinamizam os padrões de ocupação característicos do território: residencial, comercial local, de serviço e uso misto. Essa rigorosidade que é na verdade uma estratégia para exercer controle sobre o território, se expressa também através das dinâmicas territoriais cotidianas, isto é, por mais equilibrado, as áreas e zonas que recebem de forma mais expressiva a população trabalhadora são as de uso comercial, industrial e empresarial, por exemplo. Assim, os fluxos pendulares se evidenciam novamente como uma característica da gênese de territórios metropolitanos.
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Atrelados aos dados do zoneamento, estão os cortes transversal e longitudinal, que embora esquemáticos, nos expressam diversos conflitos entre ocupação e morfologia urbana. Exemplo do fato são as zonas industriais que estão consolidadas nas planícies e várzeas do território. Tendo em vista que a topografia acentuada dificulta a acessibilidade da população, constatamos que essas zonas visaram espaço privilegiado quanto aos acessos à mobilidade urbana. A instalação desses equipamentos, como vimos a pouco, está atrelada aos valores de sua época: rodoviária e industrialista. Além disso, nos faz pensar que a população se instalou em maior número em momento posterior a consolidação destes equipamentos de produção moderna. Assim, depois da premissa da metrópole: a conexão; a indústria (mercado de trabalho, serviços, etc.), pode ser elencada agora, como a segunda forte impulsora da urbanização nas metrópoles. Contraponto do privilégio territorial são as áreas de especiais de interesse social - aeis, que “(...) são destinadas prioritariamente à regularização fundiária, urbanização e realização de empreendimentos de interesse social, com a implantação de equipamentos públicos, inclusive de recreação e lazer, comércio e serviços de caráter local.”127 que ocuparam as áreas de bordas. Ou seja, onde deu (literalmente!). De modo geral, estão exprimidas entre as zonas urbanas (residencial, mista, industrial) e as áreas de preservação ambiental: nas áreas de transição; quando não a beira dos rios e represa. E o estado? Como ele age para a discussão da manutenção ou à reconversão desses conflitos?
Plano Diretor Estratégico de Mauá. 2007, p.07.
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Somando à leitura territorial, elencamos o que denominamos de políticas publicas aplicadas, que seriam o conjunto de elementos que visam a organização territorial tratados em plano diretor estratégico de cada município, ou pelo consórcio intermunicipal do abc e plano de desenvolvimento urbano integrado, ambos instrumentalizados pelo estatuto da metrópole. Ao que tange os Planos Diretores Estratégicos, é pertinente o destaque quanto ao esforço de cada município (exceto a São Caetano do Sul) em firmar estruturalmente princípios que fundamentem a sua relação regional, a exemplos de São Bernardo do Campo que visa “articular todos os sistemas de transporte público que operam no município em uma rede única, de alcance metropolitano, integrada física, tarifária e operacionalmente;” e de Ribeirão Pires, que pretende “integrar os programas e políticas municipais, regionais e setoriais, especialmente aqueles referentes à habitação, uso do solo, transportes, saneamento ambiental, infraestrutura, educação ambiental, manejo de recursos naturais e geração de renda, necessários à preservação do meio ambiente;” Valendo pontuar também a típica generalização quanto a fundamentos, princípios e até mesmo ações discutidas. De modo geral, os planos não apresentam com clareza diretrizes específicas para alcançar seus objetivos.
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* Ilustração própria.
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Já o Consórcio Intermunicipal do Grande abc, que foi fundado em 1990 e composto pelas lideranças municipais da região, é reconhecido pela relevância da produção e aplicação de planos específicos para o enfrentamento de questões de abrangência regional como, transporte e logística, educação, resíduos e, mais recentemente, cultura. Sobre esse aspecto, porque não se elencar habitação como uma questão regional? O instrumento funciona, desde a sua criação, em prol da relação de trocas recíprocas. Ou seja, os planos difundidos no consórcio estarão atrelados apenas aos interesses individuais de cada gestão. O que explica a ausência de um plano regional de habitação por exemplo. Exemplo disso, é o plano de mobilidade. Os pontos destacados no mapa (trevos, viadutos, alças de acesso, pontes, rotatórias e eixos de duplicação de vias) representam intervenções pontuais de caráter ainda rodoviarista e que desconsideram, de certo, o tecido urbano circundante. O fato só nos leva a pensar que os valores da região não mudaram, estão estagnados a pressupostos do pensamento moderno onde, a exemplo do automóvel, fora visto como prioridade a manutenção do que chamaram de desenvolvimento.
Santo André princípios e fundamentos função social da cidade; função social da propriedade; sustentabilidade; gestão democrática e participativa. potências *localizar as áreas com potencial de deslizamento e desabamento, gerando ações preventivas; *priorizar o atendimento e a remoção das unidades residenciais que estejam em situações de risco geotécnico ou que interfiram na implantação de obras públicas, garantindo a transferência em condições de habitabilidade, dentro da política habitacional do município e a recuperação ambiental da área. *viabilizar a produção agrícola em espaços da cidade, que fomentarão melhoria da qualidade de vida e geração de emprego e renda, priorizando a capacitação para a produção agrícola familiar, detrimento da atitude assistencialista do poder público. fragilidade *Para a produção de Habitação de Interesse Social HIS, com objetivo de remanejamento da população existente na Zona de Recuperação Ambiental, o gabarito que trata o caput poderá ter, no máximo, 06 (seis) pavimentos.
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política única *estabelecer política de desenvolvimento integrado do turismo, articulando-se com os demais municípios da região metropolitana;
São Bernardo do Campo princípios e fundamentos o desenvolvimento sustentável; a função social da Cidade; a função social da propriedade imobiliária urbana; a igualdade e a justiça social; a participação popular e a gestão democrática da política urbana. potências *adotar métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais e a capacidade de pagamento dos usuários; *estimular mecanismos para democratizar o acesso à terra urbanizada e ao mercado secundário de imóveis; *priorizar soluções de moradia para a população que vive em situação de risco físico e ambiental;
São Caetano do Sul princípios e fundamentos no âmbito de sua esfera de atuação, garantir a promoção do desenvolvimento urbano sustentável em suas dimensões sociais, econômicas e ambientais. potências *revitalizar, requalificar e manter todos os parques, praças e áreas verdes, por meio de ações integradas, prevendo-se inclusive o disciplinamento de seu uso recreativo e condições para parcerias públicoprivadas para sua manutenção; *promover políticas públicas de apoio à agricultura urbana em espaços abertos ou confinados da cidade; *desenvolver projeto urbanístico que melhore as condições de integração territorial nos bairros lindeiros à via férrea.
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política única *articular as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de proteção ambiental, de fragilidade promoção da saúde e outras de relevante interesse *o atual plano diretor do município ão tange a social voltadas para a melhoria da qualidade de questões regionais ou metropolitanas. vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante; *articular todos os sistemas de transporte público que operam no Município em uma rede única, de alcance metropolitano, integrada física, tarifária e operacionalmente; *propor e implementar mecanismos de articulação institucional, inclusive no âmbito regional, do conjunto de setores públicos, privados e demais agentes sociais afetos ao setor habitacional;
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Ribeirão Pires princípios e fundamentos função social e ambiental da cidade; função social e ambiental da propriedade; sustentabilidade urbana; gestão democrática e participativa da cidade.
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potências *na promoção da política urbana, o município deve observar e aplicar as diretrizes gerais estabelecidas no artigo 2º, do Estatuto da Cidade - Lei Federal nº 10.257/2001, na Lei Federal nº 11.977 de 07 de julho de 2009, Capítulo III, que dispõe sobre Regularização Fundiária de Assentamentos urbanos e as diretrizes estabelecidas nas Leis Estaduais nº 13.579, de 2009 - Áreas de Proteção e Recuperação dos Mananciais Billings - APRM-B e nº 9.866, de 28 de novembro de 1997(...). *restrição à ocupação das áreas de risco geológico e em áreas de interesse de preservação ambiental; *estimular parcerias com instituições de ensino e pesquisa visando a produção de conhecimento científico e a formulação de soluções tecnológica e ambientalmente adequadas às políticas públicas;
Mauá princípios e fundamentos a oferta de condições adequadas à realização das atividades voltadas para o desenvolvimento sócio econômico; a oferta de condições dignas de moradia para seus habitantes; o atendimento da demanda de serviços públicos e comunitários da população que habita e/ou atua no município; a preservação e recuperação do meio-ambiente; a preservação da memória histórica e cultural; potências *propiciar a melhoria das unidades residenciais, e a regularização urbanística e fundiária dos aglomerados habitacionais ocupados pela população de baixa renda; Priorização da remoção de unidades residenciais dos núcleos habitacionais que estejam em condições de risco, que interfiram na implantação de obras públicas ou cujo realocação seja necessária para viabilização de desadensamento e urbanização do núcleo de origem, garantida a realocação em melhores condições de habitabilidade e a recuperação ambiental da área de origem;
política única *integração entre os órgãos e Conselhos Municipais, promovendo a atuação coordenada no política única desenvolvimento e aplicação das estratégias, metas *Integrar o sistema municipal de transporte coletivo e ações da Agenda 21 e formação do Conselho da com o sistema metropolitano de transporte urbano; Cidade; *assegurar e potencializar a função do Município de produtor de água para a Região Metropolitana de São Paulo, de forma compatível com a ocupação humana, garantindo sua qualidade e quantidade; *integrar os programas e políticas municipais, regionais e setoriais, especialmente aqueles referentes à habitação, uso do solo, transportes, saneamento ambiental, infraestrutura, educação ambiental, manejo;
Diadema princípios e fundamentos (...) realizar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade e o uso socialmente justo e compatível com salubridade ambiental de seu território, de forma a assegurar o bem estar de seus habitantes, devendo ser observado pelos agentes públicos e privados que atuam no Município. potências *serão aceitos como formas de aproveitamento de imóveis não edificados, subutilizados ou não utilizados a construção de equipamentos comunitários ou espaços livres arborizados, desde que seja previsto o uso público e garantida a melhoria da qualidade ambiental, conforme diretrizes fornecidas pelo Poder Executivo Municipal e análise do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente - COMDEMA. *o Poder Executivo Municipal implementará Regularização Fundiária Sustentável, que consiste num conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visem a adequar assentamentos informais ou parcelamentos do solo para fins urbanos, implantados irregularmente no Município, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade, da cidade e o direito ao meio ambiente urbano equilibrado.
Rio Grande da Serra princípios e fundamentos função social da cidade; função social da propriedade; sustentabilidade ambiental; gestão democrática e participativa; potências *dinamizar a atividade rural, com utilização de práticas de manejo agrícola adequadas, priorizando a agricultura orgânica, o plantio direto, bem como proibir o uso de defensivo agrícola; *a intervenção em áreas degradadas e de risco, de modo a garantir a integridade física, o direito À moradia e a recuperação da qualidade ambiental dessas áreas; *aplicar nas Zonas Especiais de Interesse Social ZEIS, os instrumentos relativos À regularização fundiária e, quando couber, a Concessão Especial para Fins de Moradia (...).
política única *a orientação das ações econômicas municipais a partir de uma articulação metropolitana para a mediação e resolução dos problemas de natureza supra municipal; *estimular o fortalecimento das cadeias produtivas do município em articulação ao desenvolvimento regional; *condicionar todo o processo de desenvolvimento municipal e de ocupação e organização do território fragilidade a um sistema de planejamento rigoroso que assegure [os documentos públicos de interesse social do a proteção dos mananciais metropolitanos; município não são disponibilizados de forma acessível];
* Leitura produzida com base em análise do Plano Diretor Estratégico dos municípios referidos.
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política única *Integrar o sistema municipal de transporte coletivo com o sistema metropolitano de transporte urbano;
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Complemento da gestão do consórcio, tendo em vista a sua contribuição ao resultado está o PDUI. Suas intenções estão representadas pelas manchas em vermelho e amarelo na figura: áreas intuídas passiveis de estruturação (áreas passando por processos de consolidação), redução de vulnerabilidades (ações que visam a diminuição da abrangência que são as áreas de risco, ou condições de precariedade social) e, a porção do mapa não colorida, é elencada no plano como área de preservação ambiental. Assim, embora tenham definições claras e concisas, não trazem se quer, ações estimadas para o feito. Como discutido anteriormente, são generalistas. Diríamos mais! Não precisamos de um PDUI para constar as áreas passiveis de estruturação porque o cidadão que vive, de fato, a metrópole: o cidadão que vive nas bordas; presencia esse fenômeno física e visualmente todos os dias. Nos atrevemos pela segunda vez: A pergunta está errada! Não é a qual preço o desenvolvimento chega, e sim, como transformamos a cidade de forma equânime!
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole, PDUI e Consórcio do abc. Ilustração própria.
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* Figura: Borda metropolitana. Fonte: Google Earth Pro. Acesso em 15 de abril de 2019. Edição do autor.
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole. Ilustração própria.
eixo 2: prospecção | entender e discutir Nesse sentido e, tendo lido e entendido brevemente os pressupostos da conformação da região do grande abc, é de se destacar que a síntese de sua unidade territorial se daria pelos contrastes das relações que tangem especialmente o pertencimento social das diversas camadas que a compõem, da sua organização espacial e, de seus conflitos políticos administrativos, que de modo geral, perpetuam também as grandes cidades brasileiras. Isto é, embora discutido o rigor em polarizar as diversas zonas e áreas de modo equânime, é de se pensar que elas desempenham papéis diferentes na vida urbana e, com isso, relevância distinta para cada município. Para tanto e, expressão das ditas contradições, a figura de prospecção aponta em síntese da leitura a escassez das áreas livres de recreação; a relação estruturadora que os terminais regionais exercem; a ocupação dos bairros nas áreas de borda de transição (produção e proteção); a unidade territorial, entre outras, além do protagonismo das áreas que somam ao território urbano (vetor norte) comparado as áreas de proteção ambiental (vetor sul) representados pela soma de expressões na ilustração. O fato nos leva a pensar novamente acerca do esgotamento de áreas urbanizáveis. Isto porque, áreas como as de capoeira, mata, etc. que não recebem atenção expressiva do código florestal, por exemplo, atreladas aos vetores de expansão indicadas pelas setas, possam ser ocupadas nas próximas décadas. Junto a isso, o processo de verticalização massivo nas áreas de morro e, posteriormente (se o poder público se fizer presente), atrelado a instalação das infraestruturas viárias tentaculares, a expansão rumo as metrópoles vizinhas se deem com maior força de consolidação, já que hoje apresenta ainda, padrão de urbanização dispersa. Essa que na verdade seria uma dissertação, revela do ponto de vista do planejamento estatal, um grande desafio quanto a organização de redes que conectem de forma coesa metrópoles e, para expressá-la de maneira didática, elencamos duas questões: 1. Frente a escassez de área urbanizável, como estão se transformando os bairros e habitação de interesse social das bordas metropolitanas? (respondida nos subcapítulos: risco possível e eleger áreas democráticas) e, 2. Atrelado a questão anterior, como se daria a colisão das estruturas urbanas Inter metropolitanas em São Paulo? (respondida no subcapítulo: transformação das bordas).
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eixo 3: discutir e desenhar(melhor) | o campo das hipóteses Atentos a construção da pesquisa e, ainda considerando o vetor sudeste da metrópole como estudo de caso síntese, se torna inegável a realidade do esgotamento de áreas urbanizáveis. De modo simples, este fato se apresenta na contemporaneidade ou por conflitos entre as manchas de produção urbana e preservação ambiental ou, por condicionantes atreladas ao distanciamento financeiro da classe proletária ao financiamento de habitação. Para tanto, o que o dito planejamento formal elencou como resposta a evidência alarmante, fora o processo de adensamento das cidades. “Mas o que significa adensar? Historicamente, tanto em São Paulo como em outras cidades brasileiras, falar em “adensamento” é permitir a verticalização, ou seja, a construção de edifícios.”127 Os bairros-favela, por exemplo, que trazem em sua gênese o processo de verticalização ocasionados por adensamento e, estão se transformando, continuam a ter muito a nos ensinar. O que notamos primeiramente, é que não haveriam prerrogativas quanto ao atraso ou impedimento desse fenômeno que segue tendência mundial – a verticalização ocasionada pelo adensamento – em qualquer lugar da metrópole. Atrelado a isso, destacamos ainda o preconceito acadêmico, também enraizado sob pressupostos modernos, que firmam a subestimação da mão de obra que edifica nos bairros-favela como se os materiais e técnicas construtivas fugissem de seu acesso; o que não é verdade! A final de contas, cimento e tijolos são vendidos em qualquer casa de construção! Assim, as experiências de verticalização nos bairros-favela nos ensinam mais sobre adensamento que os próprios planos diretores.
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O seu João, mestre de obras da cyrella, quando volta pra favela não deixa de ser mestre de obras E além da inteligência que é social, política e racialmente inferiorizada, o que esse aglomerado de questões representam? Além de representar resistência, apresenta possíveis riscos. Isto é, vimos que os bairros vão se consolidar a paisagem urbana, no mínimo, isentos de estudos formais que lhe assegurem a “qualidade do solo” em que se edifica. Vimos que os diversos riscos podem causar danos a vida das pessoas e o fato nos leva a questionar a atuação do estado em garantir a segurança da população vive nestes territórios. O que se sabe, é que até meados de agosto de 2018, a EMPLASA disponibilizava em seu portal Sistema de Informações Metropolitanas – SIM -, mapeamento consistente das áreas de riscos e as suas referidas classificações em território metropolitano. Após período chuvoso com diversos casos de solapamento, principalmente na região do abc, os dados
Territórios em conflito: São Paulo: espaço, história e política. ROLNIK, R. São Paulo: Três Estrelas, 2017. p.117.
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* Figura: Life in a Slum. Artista: Cristian Chierici. Fonte: Behance. Disponível em: encurtador.com.br/ bjPT2. Figura: Prédios sendo construídos pela milícia na favela da Muzema, junto a Lagoa da Tijuca. Foto de Márcia Foletto. Fonte: O Globo. Disponível em: encurtador.com.br/ hxA05.
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foram extintos da página de acesso público. Base desses dados também podem ser encontradas no Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado,que embora produzido por entidade responsável (UFABC), nos faz questionar sobre qual viés está sendo utilizada. Isto porque, em consideração a margem da represa Billings, as áreas ocupadas por cidadãos ricos são demarcadas como aptas à urbanização, já as ocupadas por cidadãos pobres e, onde estão instalados alguns bairros, a demarcação se dá por inapta ou com alta prioridade para conservação ambiental, sendo que toda a borda da represa segue a mesma restrição de proteção. Ou seja, as leis de preservação ambiental devem ser respeitadas em detrimento das relações de poder econômico? Não! A fala de Sandra Teixeira é a que melhor explicita nossa perspectiva: “E outra coisa, vamos parar de ver a favela como um problema. Muito pelo contrário, ela é uma solução. A favela é a solução que a população pobre encontrou para o problema da ausência de políticas públicas.”128 E, para tanto, lançamos a discussão duas simples reflexões (ou recomendações): a primeira se dá a classificação de um novo nível de risco e, a segunda, se dá a ampliação da utilização das áreas especiais de interesse social, como seguem.
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risco possível Os bairros estão se transformando a décadas, hoje se verticalizam em poucos meses e, a sua população mal sabe onde está “pisando”! Se o desconhecimento acerca das áreas de risco nos locais comumente acessíveis a população pobre nos é preocupante, porquê não elencar essas áreas como “r0-risco possível”? Tendo em vista que qualquer intervenção posterior a instalação do bairro em solo causa algum dano e é passível de aumentar as chances de risco, essa classificação pode vir, além de atentar a municipalidade a produzir amplamente ações preventivas, bem como, alertar a populações vulneráveis a buscar meios de organização que possibilitem a ocupação dessas áreas atreladas a assessoria técnica, por exemplo.
* Áreas de risco. Fonte: PDUI. Caderno de Propostas. CDRMSP; p.131. Disponível em: https://www.pdui.sp.gov.br/ rmsp/?page_id=755. Acesso em 18 de maio de 2019. 128 Entrevista: Sandra Teixeira. (p.68) - Dimensões do Intervir em favelas: desafios e perspectivas. São Paulo, Peabiru TCA, 2019.
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* Figura: Áreas de risco e suas classificações. Ilustração própria.
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* Mapa produzido com base em dados do site Centro de Estudos da Metrópole. Ilustração própria.
* Figura: vende-se apartamento. Acervo pessoal do autor.
“Quando o meu filho tinha um ano, ficava sentado no chão e os ratos vinham pegar a bolacha das mãos dele. Agora eu aterrei a casa e isto não acontece mais.” (Clarice Lima). “Toda vez que chovia, ficava alerta com as camas, com a comida, para não irem embora com as águas. (...) Quando enchia, os vizinhos vinham ajudar a tirar as crianças para elas não morrerem afogadas. A gente também tentava salvar os móveis. Teve um dia que não deu tempo: eu fui desligar a televisão, mas ela já estava boiando. (...) Em janeiro, cinco meses depois da canalização da Prefeitura, veio a pior chuva e rezei e nada aconteceu. Eu comecei a olhar da janela, esperando pela enchente. Mas a água simplesmente passava.” (Maria de Fátima).129 Nesse sentido, as AEIS se apresentam, também, como forte instrumento para a manutenção da democracia nas cidades porque apresentam em sua gênese, a necessidade de aliar os diversos agentes da produção de seu desenho. Ou seja, não existe área especial de interesse social que não tenha sido discutida por todos os moradores de seu perímetro, por exemplo. Podendo inclusive, atuar sobre os territórios com presença de habitação de interesse social, que concentra população também pobre, mas que por não se “adequar” a tipologia residencial, comumente vende ou aluga seu apartamento e buscam outros bairros para residir.
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Políticas de Urbanização de Favelas: evolução e impasses. DENALDI, R. p.172. São Paulo: FAUUSP, 2003.
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eleger áreas democráticas As áreas especiais de interesse social e, ainda se atreladas às r0, asseguram em primeiro momento, que as famílias consolidadas nestes territórios permaneçam onde estão (mesmo em áreas de r4, porque toda área de risco é passível de reconversão a estabilidade geológica, como discutido), ou seja, é um instrumento de resistência! Segundo, viabilizam de maneira coerente, práticas como as de urbanização gradual ou parcial, que consistem na execução de melhorias em relação as infraestruturas urbanas ao longo de períodos diversos, que podem estra associadas a programas municipais de habitação ou, imbuídas as diretrizes das aeis em plano diretor estratégico. Terceiro, a relevância do instrumento se expressa pela fala de cidadãos que tiveram em seus bairros melhorias urbanas atreladas a programas habitacionais, por exemplo.
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Portanto, é considerando todo o potencial desse instrumento que pensamos fazer a prática também da arquitetura ser mais coerente e acessível nas cidades. As Áreas Especiais de Interesse Social, se desenhadas em sua totalidade, estimariam amplo campo intelectual e prático, bem como, necessitaria de mão de obra diversificada em toda metrópole paulista. Além disso, ela contribui para a formação e atuação de arquitetos úteis (como vamos discutir em breve)! Um próximo passo, caso houvesse tempo palpável na produção do trabalho, seria alternar as escalas de leitura e prosseguir para um desenho coletivo de cada uma das áreas...e, frente a dinâmica a qual nos propusemos, seguiremos rumo a exposição da última hipótese.
transformação das bordas Assim, pautamos a “tentacular” e complexa hipótese quanto a junção das manchas de expansão urbana dos anéis metropolitanos da macrometrópole paulista atreladas a condicionante do esgotamento de áreas urbanizáveis. Isto é, se as metrópoles do vetor sul de São Paulo são, de fato, conectadas por extensas redes de infraestruturas principalmente viárias - o que dá significado a denominação de macro –, esses territórios: as áreas de bordas, seriam também propulsoras da dita urbanização pensada e dispersa. Ilustração da hipótese, se daria pelo questionamento de Cláudio Manetti ao trabalho “(...) como se desenha o desfecho das cidades?”
* Figura: Macrometropole paulista. Fonte: Google Earth Pro. Acesso em 15 de abril de 2019. Edição do autor.
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Figura: Mancha urbana de São Paulo em 1950. Produzida com base a figura de mancha de expansão urbana. Ilustração própria.
Nesse contexto e, respondendo o questionamento anterior, nos pautamos a conformação histórica do processo de urbanização da metrópole paulista para discutir: Qual era o desfecho da cidade de São Paulo na década de 1950? Desfecho na realidade, não há. O que presenciamos, no passado e agora, é que é presente a todo território, áreas de transição. Bordas. No contexto da década de 50, o que se existiu fora um território urbano que se fragmentava quando atingia a área de transição a zona rural. Já na contemporaneidade, embora não possamos destacar com ênfase as zonas rurais, é pertinente destacar que o processo histórico do planejamento firmou historicamente, meios de lhe dar com áreas de transição sem que o urbano (a novidade) deixasse de existir. Ou seja, lidamos com a região do grande abc, por exemplo, que apresenta área de transição entre zonas urbanas e de conservação ambiental e, o fato, não representa o desfecho das cidades, representam sim, áreas de bordas. E o que acontece depois das bordas? O que as experiências acadêmicas nos ensinam, por exemplo, é que o motor da metrópole vai ser a mobilidade atrelada a condicionante dos polos de trabalho. Assim, indo trabalhar, vindo morar; são frases que pertencem ao vocabulário de milhares de cidadãos induzidos a se instalar cidades, a exemplo das regiões metropolitanas da Baixa Santista e Vale do Paraíba e Litoral Norte, interpretadas durante o 6° e 8° semestre na universidade.
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* Diagramas: conformação espacial das metrópoles. Ilustração própria.
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Nota-se quase que uma receita de como se produzir uma metrópole: 1.um vetor de conexão e ligação; 2.uma centralidade expressiva; 3.enfrentar barreiras marcantes 4.conduzir a expansão urbana ao vetor; Ou seja, são elementos já conhecido a nossa leitura que visam a consolidação e espraiamento das manchas urbanas (embora possa se fragmentar em alguns trechos) em detrimento de uma rede linear de mobilidade e que foram aplicados na metrópole de São Paulo de forma tentacular, como sugere o diagrama:
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* Diagrama: conformação espacial da rmsp. Ilustração própria.
De fato, é palpável a realidade do esgotamento de áreas urbanizáveis, mas a nossa interpretação se dá, então, pelo fato de que criamos um nó no padrão de transformação das cidades que nos permite avançar ou espraiar de forma tentacular no espaço urbano, rumo a quaisquer vetores de interesse para a consolidação da vida. Esse modelo já está consolidado no território que conhecemos como macro. Sobre esse aspecto, nos atrevemos a dizer também, que embora possível, o processo seria consumado apenas nos próximos centenários tendo em vista, a velocidade em que a urbanização está se dando nas metrópoles, os processos de transformação dos núcleos e bordas das cidades, bem como, a representação do que o distanciamento das zonas urbanas em relação as centralidades representariam não apenas para as administrações públicas, mas principalmente, para quem seria obrigado a se distanciar ainda mais desses territórios.
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* Figura: Região Metropolitana de São Paulo e o seu esgotamento de áreas urbanizáveis. Fonte: Google Earth Pro. Acesso em 15 de abril de 2019. Edição do autor.
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contradições do desenho | considerações finais “A cidade é um ser vivo que cresce, se desenvolve, se reinventa e não espera pelo projeto urbano.”130 e, portanto, nos deparamos com diversas contradições firmadas pela prática do desenho formal. Essas contradições, ao que nos parece, se manifestam a partir de dinâmicas que inferiorizam o realismo a partir de sua deturpação ao otimismo. E o que seria isso? Seria firmar, por exemplo, que a demarcação de áreas que garantem a estadia de uma determinada população em seu local de pertencimento seja tarefa utópica ou bastante otimista fomentada por ideais acadêmicos. Outro exemplo, seria enfatizar que a preocupação quanto a possíveis risco, se sustentaria apenas sobre uma visão romântica de quem pode vir a morrer por conta de um deslizamento. Contradição do desenho, seria ignorar as hipóteses aqui elencadas depois de se aprofundar na leitura do trabalho. O próprio antagonismo de problemáticas urbanas reais, se dá pela contradição, também real, do protagonismo de alguns indivíduos frente as suas pautas ou discursos. A contradição do desenho se explicita da maneira ainda mais cômica, quando um graduando em arquitetura e urbanismo, ex-morador de um bairro-favela, se perde em Higienópolis. E o que a enxurrada de pensamentos teriam a ver com a nossa pesquisa? Em síntese, nos propusemos neste momento a elencar alguns impasses da prática do desenho, porque não acreditamos ser ele o protagonista em delinear os novos (re)valores das cidades. O desenho formal, tão querido em campo acadêmico, se tornou ferramenta que realiza a manutenção da visão elitista que os arquitetos-urbanistas passam para a sociedade, bem como, fomenta em diversos níveis uma relação de poder deplorável entre “quem usa a ferramenta e quem precisa dela”. Por isso a necessidade de elencar um desenho que atue sobre ideais hipotéticos, porque ele se permite a discussão democrática! Assim, o que as hipóteses e, a breve fala sobre contradições e desenho somam a pesquisa, é a firmação quanto ao apontamento de que o desenho: instrumento de poder; fora usado historicamente em prol da manutenção de valores e das condições díspares entre as camadas que compõem as metrópoles pelo estado. E, tendo em vista que o estado somos nós, quais seriam então, os nossos papéis frente a soma de questões que abarcam nossa discussão?
130 Perspectiva da atuação do poder público em assentamentos precários: Caso Sol Nascente - DF. (p.51) - Dimensões do Intervir em favelas: desafios e perspectivas. São Paulo, Peabiru TCA, 2019.
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IV (in)formação pra que(m)
Aspectos da segregação urbana que caracteriza o desenho da cidade. SILVA, J. M. Pereira da; IV enanparq, Porto Alegre, 2016..
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o papel do arquiteto urbanista Quem é você arquiteto? “(...) Arquiteto a serviço da reprodução do capital ou a serviço de uma transformação social feita por meio de pequenos deslocamentos?(...).”131 Não existe uma resposta assertiva, certa ou errada, “apenas” um posicionamento político. Sobre esse aspecto, é importante ressaltar dois trechos da matéria “O desafio concreto de ser um arquiteto útil” publicada pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU -, onde o entrevistado: Caio Santo Amore; além de outras questões, adverte sobre a relevância da atuação de arquitetos-urbanistas na sociedade e papel de sua formação acadêmica.
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Embora trata-se da velha e moderna tarefa acadêmica e, comumente aconselhada a seguir à risca padrões e normas rígidas, me atreverei neste desfecho (que abre tantas discussões) a escrever de maneira pessoal. _ Essa ideia: o transbordar; nasce da inquietação frente às diversas questões que nos cercam – e já abordadas – mas que tão pouco nos permitimos a enfrentá-las (me refiro não apenas ao campo acadêmico) por conta de seu caráter abrangente. Nasce também da reciprocidade em meio a dinâmica acadêmica de ensinar e aprender e aprender a ensinar..., da didática e responsividade de verdadeiros amigos também graduandos em arquitetura e urbanismo, mestres e um doutor que se propuseram a colaborar nestes cinco anos à construção da discussão e pesquisa; mas principalmente, nasce do enfrentamento à inutilidade da contribuição teórica e prática a qual os trabalhos finais de graduação são posicionados e, de uma premissa bastante ousada: que seja lido. Para tanto, nos dedicamos a construir a narrativa dos textos de maneira simples e direta em prol da acessibilidade. Por isso as discussões tentaram transparecer o esforço pela didática e o compromisso acerca da premissa em alcançar – mesmo que em devaneio - o público almejado: o cidadão da metrópole. Assim e, sobre utilidade, é pertinente encerrar nossa contribuição elencando a relevância da atuação do arquiteto-urbanista na sociedade, bem como, o papel das universidades em seu processo de formação. Questões estas - ao que nos parece - tão elementares durante e pós o processo de amadurecimento ao curso, mas que rapidamente foram tidas como desinteressantes pelas escolas.
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Por que, como diz a professora Ermínia Maricato, “o arquiteto deve ser útil”? Essa provocação, parece-me, tem pelo menos dois sentidos. Primeiro, existe um entendimento geral, na sociedade, de que o arquiteto é um profissional de elite e de que o sucesso de um arquiteto depende da sua capacidade de realizar uma obra “autoral”. Um cidadão médio (não me refiro nem mesmo às famílias mais pobres e mais vulneráveis) mal sabe para que serve o serviço que o arquiteto presta. O arquiteto público, apesar de ser uma categoria com presença importante na Caixa Econômica Federal ou em algumas secretarias de prefeituras e governos estaduais, por exemplo, tem pouca visibilidade para a sociedade em geral. O mesmo ocorre com os profissionais que se empenham em praticar a arquitetura e o urbanismo para as maiorias. A outra provocação, acredito, é direcionada aos próprios arquitetos, pois nossa formação pode nos afastar frequentemente da “produção”, das condições materiais que produzem a cidade, a Arquitetura e o Urbanismo, em nome de se tolher a criatividade formal, a experimentação acadêmica. Nós podemos ser mais bem formados para enfrentar desafios concretos, como dar conta de uma infiltração, um mofo, ou qualquer outra patologia da construção; como viabilizar empreendimentos financeiramente; como dialogar com os “clientes”, individual ou coletivamente, para compreender suas necessidades e não inventá-las; como conhecer materiais e processos construtivos, sua adequação à mão de obra que vai executar o edifício.132 Seu comentário, reflexo da experiência de quem é de fato, um arquiteto útil; ao que nos parece, aponta para duas realidades: 1) o entendimento da sociedade do que são ou o que fazem os arquitetos-urbanistas e, 2) o papel da academia na formação de arquitetos-urbanistas. Ambas enfatizam (direta ou indiretamente) o elitismo ainda intrínseco à questão. De um lado, nos enxergam como “aqueles que vão escolher o tapete dos mais ricos”, isso por conta de uma proliferadora ideia midiática; do outro, somos aqueles que vão projetar hotéis com suítes presidenciais durante o período de formação, mesmo frente a todas as prioridades já discutidas e que necessariamente requerem da atuação do profissional. Ermínia Maricato, a quem a jornalista recorre à formulação da
Caio Santo Amore e o desafio concreto de ser um arquiteto útil. Fonte: CAU/GO. Disponível em: encurtador.com.br/fktCG. Acesso em: 26 de agosto de 2018.
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pergunta, evidencia as problemáticas ao explicar que,
Percepções da sociedade sobre Arquitetura e Urbanismo [2015]. Fonte: CAU/ BR. Disponível em: encurtador.com.br/afIO5. Acesso em: 19 de 0utubro de 2018. 134
Ou seja, as problemáticas atreladas ao reconhecimento e formação são recorrentes a classe de arquitetos-urbanistas antes mesmo da década de 70, valendo enfatizar que justamente no período de maior espraiamento das bordas periféricas e expressivo aumento nas taxas de crescimentos de bairros-favela na Região Metropolitana de São Paulo, período este apontado durante a pesquisa, como a de principal distanciamento da prática profissional nos territórios mais pobres das cidades. Assim, é de se pensar, que enquanto arquitetos brancos e modernos edificavam aos montes torres sobre pilotis nos centros urbanos, a periferia metropolitana - com taxas de crescimento altíssimos –, se viu obrigada a autoconstruir paisagem (um teto), e é claro, sem necessidade alguma do profissional. Dado disso, vem do próprio CAU, que constata na pesquisa “Percepções da sociedade sobre Arquitetura e Urbanismo”134, que 85,40% das pessoas entrevistas já realizaram algum tipo de obra individualmente ou com um pedreiro e, sem assessoria técnica de um profissional legalmente habilitado. E, por tanto, há de se assentir que uma barreira marcante e, ainda latente na contemporaneidade quanto a atuação do profissional acrescida por um impasse histórico que questiona sua função social, não vá ser desconstruída tão rapidamente. No entanto, visamos um redesenho possível no cenário estereotipado quanto as práticas do profissional porque desde 2008, durante a gestão do então presidente Lula, fora sancionada pelo Congresso Nacional a Lei 11.888, que assegurou às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, Art. 1º Esta Lei assegura o direito das famílias de baixa
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Loteamentos Clandestinos. MO’DULO: revista de arte, cultura e Arquitetura. MARICATO, E. p.90-92; 1980. [p.90].
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(...) o arquiteto empregado nas empresas privadas ou profissional autônomo, trabalhador produtivo, vê excluído da clientela para quem desenha a grande maioria da população, cujo poder aquisitivo mal chega para a própria sobrevivência, como atestam, inclusive, levantamentos oficiais. (...) Colocar-se a serviço da luta popular, e não do poder autocrático vigente (mas sim contra ele), significa uma ruptura ideológica dos nossos intelectuais, tradicionalmente intermediados pelo Estado em suas atividades no Brasil anterior à década de 70.133
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renda à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, como parte integrante do direito social à moradia previsto no art. 6º da Constituição Federal(...).135 Hoje, após onze anos, tanto arquitetos-urbanistas, quanto a população de baixa renda, contam com a instrumentalização de políticas públicas que atrelam as possibilidades de troca de modo a encurtar esse distanciamento histórico, ficando a cargo das escolas exercer papel fundamental em âmbito de formação de base, para que a manutenção e potencialização das práticas que visem a transformação de realidades possíveis para todos, possam ser concretizadas com maior difusão e responsabilidade . Nesse sentido, qual seria o papel da escola? Na conjuntura atual, o seu papel deveria ser o de formar arquitetos-urbanistas conscientes. Isto é, são eles: os próprios arquitetos; responsáveis por ensinar. Eles exercem, sem dúvida, responsabilidade quanto a atuação dos futuros profissionais. Ao que nos parece, o docente arquiteto-urbanista, que reproduz na sala de aula as práticas de sua atuação, deve refletir minimamente em como o seu ouvinte: o graduando; vai reproduzir a lição. “Somos analfabetos urbanísticos”.136 E o que nos parece assustador na frase, é que também somos estudantes de arquitetura e urbanismo analfabetos urbanísticos! A questão dramática, é claro, está atrelada a discussão anterior acerca da contribuição prática dos profissionais ao enfrentamento de problemáticas recorrentes em todo território metropolitano e, a denúncia discursiva de Ermínia Maricato, remete além de tudo, sobre a importância do ensino urbanístico durante a formação de seus principais atores, que, a cada semestre, sofrem com alguma defasagem como a redução de carga horária, portanto, prática e intelectual, bem como, com o condensamento de sua estrutura básica. A autora disserta sobre a dificuldade ao enfrentamento prático de questões como as dos bairros-favela, por exemplo, ao dizer que, A dificuldade de construir uma proposta urbanística nos governos municipais democráticos, que se elegeram após o fim da ditadura, em 1988 (ou mesmo antes, em 1984), mostra que estamos despreparados para o tema, enquanto profissionais que deveriam informar governos e sociedade sobre possíveis alternativas e suas consequências.137 Ou seja, além de despreparados por conta de um defasado processo de formação – que se perpetua na contemporaneidade -,
Lei 11.888 de Assistência técnica. Fonte: Planalto. Disponível em: encurtador.com.br/ jkpBO. Acesso em 18 de março de 2019.
135
MARICATO, Ermínia. Erradicar o analfabetismo urbanístico. março de 2002, p.2. 136
Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. MARICATO, E.7°ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2013. p.49.
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, a autora contribui a nossa discussão apresentando o distanciamento dos arquitetos-urbanistas frente as demandas reais da população. Embora seja estabelecido pelo órgão que regulamenta nossa profissão, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU -, que estabelece diretrizes, atribuições, normas quanto à postura profissional, entre outras... um conjunto mínimo de conteúdo teórico e prático ao dizer que,
, nos encontramos, de modo realista, distantes de processo de formação útil e completo ao enfrentamento das questões das cidades. Assim, não podemos ser apáticos a frágil e retardada contribuição das escolas ao longo do processo de formação, porque a não responsabilidade dessas – as escolas de arquitetura e urbanismo quanto essa diretriz que se faz por lei, seria além de irresponsável, INCONSTITUCIONAL. A frase da qual iniciamos o capítulo, escrita em 2002 por Ermínia Maricato, que já alertava para uma defasagem quanto ao chamado “conjunto sistematizado de conhecimento”, nos dá parâmetros mínimos para que possamos reivindicar o que é nosso por direito. Sobre as questões pertinentes a serem discutidas nas academias, completamos com o segundo e último trecho da matéria referida: Como “convencer” as instituições de ensino a de fato incorporarem a habitação em sua grade, seja na teoria, seja na prática? Eu vejo que os estudantes de arquitetura e urbanismo já percebem as fragilidades de sua formação diante da realidade urbana brasileira. Podem até desejar (ainda) se tornarem arquitetos “de sucesso”, e realizarem obras de arte, autorais, mas reconhecem cada vez mais que essa prática será restrita a pouquíssimos profissionais. As revistas e sites especializados devem contribuir para ampliar esse debate, as entidades profissionais, em diálogo com o Ministério da Educação, também teriam condições
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Código de ética e disciplina para arquitetos urbanistas, 2013, p.18.
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O arquiteto urbanista é um profissional liberal, nos termos da doutrina trabalhista brasileira, o qual exerce atividades intelectuais de interesse público e alcance social mediante diversas elações de trabalho. Portanto, esse profissional deve deter, por formação, um conjunto sistematizado de conhecimento das artes, das ciências e das técnicas, assim como das teorias e práticas específicas da Arquitetura e Urbanismo.138
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de impor conteúdos. E não podemos nos restringir às Instituições Públicas de Ensino. É óbvio que deve haver um “compromisso social” do estudante de escola pública de arquitetura. Mas esse é um compromisso de toda a sociedade. Não é que na escola privada deva-se ensinar a fazer shopping centers e na pública a fazer habitação de interesse social. A dimensão pública da arquitetura e do urbanismo, a vinculação com o processo produtivo, é um assunto do nosso campo profissional.132
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Por isso fica explícito o papel das universidades quanto a formação de profissionais úteis; da mobilização e dedicação dos estudantes e docentes que travam longínquas reuniões em prol de correções necessárias e, da iniciativa fomentada entre diferentes entidades, esferas e mídias à discussão da relevância de uma formação completa aos arquitetos-urbanistas frente a possibilidade de reconversão das dificuldades das cidades reais em nosso tempo.
abertura Embora abordadas em capítulos distintos por questões formais, tivemos o privilégio em chegar a um conjunto de entendimentos acerca de temáticas complexas, duais, contraditórias e resultantes do processo histórico da metrópole que hoje, cicatrizado em sua morfologia urbana, podem nos evidenciar potências e dificuldades ao desafio de se desenhar cidades. Discutimos em um primeiro momento, a ideia de que o espaço é político porque é produzido frente a ideais dos homens em cada tempo e, historicamente, em prol dos interesses de uma minúscula parcela da população: a que detém poder sobre um dito planejamento do espaço; que variam conforme interesses de cada um e em diferentes épocas, bem como, discutimos que os valores tidos como únicos para as sociedades mudam também com a inconstância cronológica que é o tempo nos lugares. Assim, além do conjunto ou bagunça acerca de sociedade, continuidade, política e integração e contradição, podese afirmar agora, que a metrópole é também, a produção do sujeito – homem e mulher, migrante e imigrante, negro e branco -, frente as diversas condicionantes que a movem: espaço, tempo, sociedade, economia e política. Por isso foi inevitável a entrada aos becos dos bairros. Esse que é o maior exemplo de planejamento, segregação e organização política dos sujeitos nas cidades, ensina sob o olhar de sua gênese (problematizada e romantizada) os conflitos e potências do que se
Caio Santo Amore e o desafio concreto de ser um arquiteto útil. Fonte: CAU/GO. Disponível em: encurtador.com.br/fktCG. Acesso em: 26 de agosto de 2018.
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é: um bairro. Mais além, chegamos a compreensão e súplica, de que cada bairro deve ser estudado de forma singular e ao mesmo tempo não dissociado dos outros a fim de interpretá-lo de maneira realista. Essa foi elencada a melhor maneira de se atrelar a prática do desenho ao seu território. Em seguida nos deixamos conduzir a pergunta “Apenas habitação destinada aos pobres é de interesse social?” a fim de desvendar os papéis e ações do estado frente as diversas precariedades habitacionais em território nacional e, principalmente, nas regiões metropolitanas. Sobre ela nos foi ensinado que mais uma vez a “velha e conhecida política” estava à frente de questões de maior pertinência para a sociedade e que para diversas gestões (para quem deteve o poder em algum momento), a solução para um déficit habitacional seria controlado ou dizimado com a produção em massa de nãocasas: projetos residenciais padronizados e destinados a qualquer ser vivo que não o cidadão da metrópole. No entanto alcançamos timidamente alguns dos potentes programas habitacionais na história brasileira e deles extraímos a experiência dos poucos acertos e erros que puderam (e podem) ser corrigidos e potencializados na contemporaneidade. Logo depois conhecemos as cidades para dormir: os lugares onde as diversas terras são acessíveis (financeira ou socialmente) aos que não podem escolher entre qualidade ou quantidade. Suas dinâmicas acontecem em prol da manutenção urbana de seus vizinhos e, embora não tenhamos certa conclusão – o que não é o objetivo -, podemos asseverar que em sua gênese está presente a palavra “carência”. Carência sempre de algo extremamente importante para a sua população: trabalho, educação, saúde ou lazer. Faça-se saber que em síntese, essa ausência é componente essencial para a manutenção das trocas, relações intermunicipais, fluxos pendulares, dependência financeira e diríamos até que, para o fomento quanto as disparidades econômicas e sociais metropolitanas. À vista disso, é bastante interessante pontuar que, mesmo involuntariamente, os sujeitos das cidades para dormir extrapolam qualquer noção quanto ao sentido de morar na metrópole: São estes e estas caras os que mais treinam a percepção do espaço metropolitano, dado que conhecem todos os horários de pico, todas as estações de metrô e trem, bairros, principais locais de compra, entre outros... além de exercerem em disparado e com maior frequência a cidadania, posto que apenas vivenciando os espaços públicos comuns é que tal feito possa ser alcançado. No entanto, poderíamos dizer que não necessariamente as metrópoles devem expressar segregação racial, étnica, econômica, social ou política, porque como visto, estes são feitos e ações muito
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bem pensadas dos dominantes: os personagens com poderes das ações e construção do espaço e, por isso, a necessidade de se pensar (e repensar) a quem se destina os nossos votos nas urnas eletrônicas. Assim, chegamos a ver que a sua distribuição - nitidamente pensada - é reproduzida à tributo de quem a comprará e, embora estejamos lutando para o redesenho dos valores do planejamento urbano, nos encontramos distantes de torná-lo equivalente do ponto de vista de acesso para as camadas pobres.
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a prática impraticável Discussões calorosas apontam que a realização de práticas equânimes, consciente das questões de raça e classe se tornaram a grande utopia para arquitetos-urbanistas tanto em campo acadêmico, quanto em campo prático-profissional. O que se aponta, primeiro, é que parece existir uma percepção bastante deturpada quanto a ideia de utopia nas academias. Para os arquitetos, esta percepção está enraizada principalmente, ao estudo de arquitetura utópica: cidades voadoras, por exemplo. Para tanto, elevar questões sólidas do planejamento urbano com ênfase em habitação de interesse social, que hoje ofertam diversas experiências em abrangência nacional e tem já em sua composição um sistema de políticas públicas instrumentalizadas, a patamar utópico... nos parece incoerente. De fato, vimos durante a discussão acerca da transformação dos bairros-favela e habitação de interesse social e, posteriormente, na dissertação das hipóteses, que as práticas referidas passam por conflitos e diversos embates políticos porque lidam com interesses de distintos agentes nas cidades. Por isso, não lidamos em momento algum com utopias. Os conflitos que o homem e branco criou e problematizou na história são mutáveis. Não haverá dissertações tão assertivas. Esse é o momento de pensar no campo das hipóteses! Além de um grande retrocesso político e ético, vivemos sobre campos e tempos difíceis e, historicamente, enfrentamos dificuldades para o aprimoramento das práticas de reconversão das realidades. Daí a necessidade de levar e elevar a nível maduro de discussão as possibilidades, porque a final de contas, são passíveis de se consumar.
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* Ilustração própria.
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posfácio | ainda sobre a gente quase que suprimido ao fardo que a graduação trouxe, engrandecido pela construção vertical que proporcionou e, não mais sufocado pela angustia em gritar: uma outra versão dos fatos, me sinto responsável e confortável em completar algo que fora maltratado pela supressão de outros fatos tão protagonistas que são
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bem da verdade, e pensando bem... os tempos no bairro não foram exatamente uma grande maravilha porque, de certo,
as agressões a mulher do vizinho a mãe espancada pelo filho a polícia nunca entrava lá! e o Cláudio sendo levado morto pela viela não é a realidade não é a violência não é a lembrança que um garoto de 12 anos quer guardar da investigação, pesquisa, leitura, do processo, o sentido e as lembranças boas são as que ficaram sobre a gente _
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