VICOM Vicariato para a Comunicação
Homilia na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo-Ano A 2014
Dt 8,2-3.14-16; 1Cor 10,16-17; Jo 6,51-58
Querido Irmão Dom Waldemar, querido Mons. João Daiber, nosso vigário geral, queridos vigários episcopais e sacerdotes co-celebrantes, diáconos, religiosas/os, seminaristas, autoridades. Queridos irmãos e irmãs em Cristo: Viemos à Praça Cívica de lugares e setores diferentes das nossas cidades. O Espírito Santo nos reúne, nesta tarde, para estarmos com o Senhor e diante do Senhor. Na primeira leitura, tirada do Livro do Deuteronômio, ouvimos: “Moisés falou ao povo, dizendo: “Lembra-te de todo o caminho por onde o Senhor teu Deus te conduziu! “Não te esqueças do Senhor teu Deus que te fez sair da terra do Egito”. Nesta era pós-moderna, mais seduzida pelo novo do que fiel às suas raízes, o passado é passado apenas como um artigo de luxo, uma espécie de moda “antiquada” para conforto dos espíritos mais saudosistas. “Lembra-te”! “Lembrar”, “recordar” são, talvez, os verbos mais esquecidos num tempo sem memória. Jesus na Eucaristia nos convida a recordar o passado, a não fazer tábua rasa das maravilhas de Deus. E isto não para ressuscitar o passado, mas para fundamentar a esperança e despertar a gratidão. É para recordar, isto é, para fazer “passar pelo coração” a experiência da graça e do amor revelada em Cristo Jesus. Mas não poderíamos chegar aqui, para estar aqui e partir daqui, sem o gesto simples e livre do nosso caminhar: “Lembra-te de todo o caminho por onde o Senhor teu Deus te conduziu”. Caminhar para o Senhor, caminhar com o Senhor, como quem reza e celebra, não só com as mãos, mas também com os pés! Sair de nossas casas, para vir à comunidade e celebrar a Sagrada Eucaristia, sair de nós próprios, do nosso mundo, dos nossos interesses pessoais, ocupações e preocupações é, em si mesmo, um gesto libertador. Só podemos caminhar com o Senhor e para o Senhor na medida em que nos dispusermos a sair ao encontro dos outros.
A Igreja no nosso tempo é fortemente chamada à cultura do encontro, à pastoral do encontro, como bem ensina o papa Francisco. Mas estejamos atentos, nos adverte o mesmo papa Francisco: “Podemos caminhar quanto quisermos, podemos edificar um monte de coisas, mas se não confessarmos Jesus Cristo, está errado. Tornar-nos-emos uma ONG sócio-caritativa, mas não a Igreja, Esposa do Senhor. Quando não se caminha, ficamos parados. Quando não se edifica sobre as pedras, que acontece? Acontece o mesmo que às crianças na praia quando fazem castelos de areia: tudo se desmorona, não tem consistência. Quando não se confessa Jesus Cristo, faz-me pensar nesta frase de Léon Bloy: “Quem não reza ao Senhor, reza ao diabo”. Quando não confessa Jesus Cristo, confessa o mundanismo do diabo, o mundanismo do demônio” (Homilia aos Cardeais, 14/03/20013). Com a Procissão do Corpo de Deus, que realizaremos no final desta celebração, a Igreja, de algum modo, reinterpreta a caminhada de Israel pelo deserto. Nas andanças pelo deserto, o Povo de Deus, pôde encontrar o caminho, justamente porque o Senhor ia à sua frente, como nuvem e coluna de fogo. Esse povo pôde viver na aridez das dunas sem vida, porque não vivia só de pão, mas de toda a Palavra que brotava da boca de Deus. Israel encontrou uma terra, e depois de perdê-la, continuou a subsistir, exatamente porque não se alimentava só de pão, mas encontrou na Palavra a força da vida que o conduziu, durante séculos, por todos os becos sem saída e por todos os desterros. “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem come deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo”. O verdadeiro Pão que sai da boca de Deus, e que alimentava Israel, e hoje alimenta a Igreja, o novo Israel, é precisamente a Eucaristia! Levando este corpo eucarístico, em procissão, dizemos ao mundo: “Fora de Deus, não há Caminho”! “Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida! Jesus é a Palavra de Deus feita carne”. Com isso, poderão dizer os bem-pensantes, não resolveremos os problemas do mundo, tais como a fome, a miséria, o comércio e consumo de drogas, a violência, a corrupção, o desemprego, o tráfico humano e muitas outras coisas mais. São João Paulo II em discurso dirigido a nós, bispos do Centro-Oeste (29/01/1996) assim se expressava: “O capítulo de intolerância, de violência nas cidades e no campo, de que tenho notícia, com as graves formas de injustiça e de marginalização social que atingem vossa sociedade, só será superado mediante uma catequese que, ao inspirar retos critérios de justiça social, leve a uma conversão dos corações para Deus, e a uma consciência mais viva da realidade sobrenatural da própria vida. Por isso, não é demais insistir que “quando a Igreja anuncia ao homem a salvação de Deus, quando lhe oferece e comunica, através dos sacramentos, a vida divina, quando orienta a sua vida segundo os mandamentos do amor a Deus e ao próximo, contribui para a valorização da dignidade do homem” (Centesimus Annus, 55). Meus irmãos e minhas irmãs, o critério fundamental está lançado: Deus em primeiro lugar, a sua Palavra é o verdadeiro Pão! Onde Deus e a sua Palavra não são escolhidos como “a melhor parte” ou “o único necessário”, depressa vem a faltar aos homens energias e vontade, para o cultivo e para a partilha do pão de cada dia! Efetivamente, a história recente mostra-nos que lá, onde apenas se quis dar pão à multidão, tendo como moeda de troca a negação e o esquecimento de Deus, depressa tal pão se transformou em “pedras” de ruína e destruição.
Por outro lado, lá, onde sobeja o pão na mesa de poucos, para faltar na de muitos, com certeza é porque faltou Deus e o gosto pela sua Palavra. Porque quando Deus é a referência, quando lhe é dada a precedência e a prioridade que merece, quando Deus se torna o alimento e o sustento da vida, então também a orientação da vida dos homens se torna mais justa e mais fraterna. Caminhar com o Senhor, que se fez Pão da Vida, torna-se, para todos, o sinal eficaz do compromisso com a justiça, com a verdade e com a paz. A celebração de Corpus Christi “nos dá uma ideia de como era a celebração nas origens, em Roma e em tantas outras cidades aonde chegava à mensagem evangélica, a celebração Eucarística: em cada Igreja particular havia um só Bispo e ao redor dele, ao redor da Eucaristia por ele celebrada, se constituía a Comunidade, única, porque único era o Cálice abençoado e único o Pão partido, assim como ouvimos das palavras de Paulo na segunda leitura (Cor 10,16-17)”. (Corpus Christi, Bento XVI, 2008). Eu tenho certeza de que o Senhor está nos convidando neste Ano Mariano missionário a renovar essa realidade do nosso ser Igreja una. Irmãos e Irmãs, estamos aqui, por causa do Senhor, e o Senhor está, por causa de nós! Quanto mais estivermos aqui, de alma e coração, “com o Senhor, diante do Senhor e para o Senhor”, tanto mais nos sentiremos unidos uns aos outros, e tanto mais crescerá, em nós, a força para nos compreendermos e a capacidade de nos reconhecermos irmãos! A nossa “comunhão”, em Cristo, é, por isso, o fruto mais significativo e mais precioso da Sagrada Eucaristia.
Concluiremos esta jornada eucarística, ajoelhando-nos diante do Senhor, em adoração! Trata-se de um gesto, de humildade diante de Deus e de submissão ao seu amor que nos livra da escravidão dos falsos deuses e de nos dobrarmos à cultura dominante. Um padre jesuíta alemão, condenado à morte, pelas tropas nazistas escreveu em seu diário: “o pão é importante; a liberdade é ainda mais importante; mas o mais importante é a fidelidade constante e a adoração ao Senhor, jamais atraiçoada”. A todos os que, de perto ou de longe, se puseram a caminho, para chegar até aqui e estar com o Senhor, desejo que a Palavra e o sacramento sejam o seu verdadeiro alimento, que sacie toda a sua fome e sede de Deus!