Tecnoestresse causa ansiedade e depressão em jovens ANNETTE SCHWARTSMAN COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Pesquisar no Google, mandar um torpedo pelo celular, atualizar o Twitter e postar fotos no Facebook são algumas atividades que crianças e adolescentes são capazes de executar --todas praticamente ao mesmo tempo. Até aí, nada de surpreendente, afinal estamos falando dos nativos da "geração digital" para quem o e-mail já é uma antiguidade. Mas nem mesmo esses seres multitarefa passam incólumes por tanta conectividade e tanta informação. O impacto dessa avalanche se reflete não apenas em aumento de riscos para a segurança dos jovens, temidos pelos pais, como também pode afetar seu desenvolvimento social e psicológico. Ao lado de ameaças que são velhas conhecidas, como pedofilia e obesidade, surgem outras: ciberbullying, "sexting", "grooming" e tecnoestresse (veja abaixo o significado das expressões). O tal do tecnoestresse é causado pelo uso excessivo da tecnologia e provoca dificuldade de concentração e ansiedade. O jovem tecnoestressado também pode tornar-se agressivo ao ficar longe do computador. Segundo o neurologista pediátrico Eduardo Jorge, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisas já associam overdose de tecnologia com problemas neurológicos e psiquiátricos. "Estão aumentando os casos de doenças relacionadas ao isolamento. A depressão é a que mais cresce." O neurologista também diz que há uma incidência maior do transtorno de deficit de atenção entre adolescentes aficionados por computador. "Não é fácil de diagnosticar. Os pais não acham que o filho tem dificuldade de concentração porque ele fica parado no computador." Outro risco é a enxaqueca. "Essas novas telas de LED são um espetáculo, mas têm um brilho e uma luminosidade que fazem com que aumentem tanto o número de crises de enxaqueca como a intensidade delas", alerta.
IMPACTO SOCIAL Para o pediatra americano Michael Rich, professor da Universidade Harvard, o impacto das mídias digitais tem efeitos de ordem física e social. "Do ponto de vista da saúde, o principal risco é o da obesidade; do social, o fato é que, quanto mais conectados, mais isolados os jovens ficam no sentido das relações pessoais. É comum ver casais de mãos dadas e falando ao celular com outras pessoas." Opinião parecida tem o psicólogo Cristiano Nabuco, do Instituto de Psiquiatria da USP. Segundo ele, a tecnologia invadiu tanto o cotidiano que as pessoas se perdem no seu uso. "É mais preocupante em crianças
e adolescentes, porque nessa faixa etária o cérebro ainda não atingiu sua maturidade, não exerce plenamente a função de controle de impulsos", diz. A internet arrebata ainda mais dependentes quando se torna móvel: estatísticas internacionais apontam que 20% da população mundial de usuários de smartphones não consegue exercer um uso equilibrado da internet, de acordo com Nabuco. Mas é claro que nem tudo são pedras no mundo virtual, como explica Eduardo Jorge. "Pesquisas também mostram que crianças usuárias de tecnologias da informação são mais ágeis, mais inventivas e têm uma capacidade maior de raciocínio em alguns testes de QI. A tecnologia não é um bicho de sete cabeças do qual elas tenham que ficar afastadas", afirma. "Devem ser estimuladas a fazer bom uso, com limites." Rich considera que os próprios pais são os principais responsáveis por este quadro "cibercaótico". Segundo ele, por falta de intimidade com as novas mídias, os adultos deixam de preparar as crianças para o mundo virtual. "Muitas vezes, eles apenas dão o laptop e pensam que, desde que os filhos estejam no quarto, não vão se meter em confusão, o que é um erro", afirma. "Os adultos precisam se tornar aprendizes dos jovens na parte técnica para que possam ser seus professores na parte humana." LADO BOM Ninguém ousa negar que a tecnologia abriu portas, expandiu horizontes intelectuais e proporcionou oportunidades antes impossíveis para crianças e jovens. "Quando usada corretamente, a internet educa pessoas em locais isolados, promove a comunicação ao redor do mundo, cria novos mercados e aumenta a conscientização dos jovens sobre questões globais, forçando-os a considerar problemas maiores do que os seus próprios", enumera Cajetan Luna, diretor do Center for Health Justice de Los Angeles. Outro ponto positivo das novas tecnologias é o fato de serem um elemento agregador entre os jovens. Para Rodrigo Nejm, psicólogo e diretor da Safernet (organização que protege e promove os direitos humanos na rede), a internet também ajuda o adolescente a descobrir sua sexualidade. "Temos que evitar o pânico e não julgar se agora é pior ou melhor do que antes. A questão é que hoje é diferente. Precisamos entender essa mudança e pesar os prós e contras que toda inovação tem", pondera. Segundo Nejm, o grande problema é que os adultos não fazem a mediação do acesso das crianças à internet, definida por ele como "uma praça pública frequentada por 2 bilhões de pessoas, onde há todo tipo de gente e de conteúdo, dos melhores aos mais perigosos". O psicólogo defende que é preciso ensinar aos jovens que o acesso à rede exige cidadania, cuidado, ética e responsabilidade. Para Luna, o envolvimento dos pais tem que ser feito de forma aberta e honesta. "A solução não é censurar ou proibir, nunca funciona, mas explicar as coisas para que os jovens possam reconhecer o que é bom e o que não é." Para Tito de Morais, que apresenta o programa "Miúdos Seguros na NET", em Portugal, a chave é acompanhar. "Temos a obrigação de ser pais on-line e off-line, e isso implica usar as tecnologias com eles desde pequenos, preparando-os para irem ganhando autonomia."
Na opinião de Morais, a segurança dos jovens na rede deve incluir quatro abordagens diferentes: regulamentares, educacionais, parentais e tecnológicas. "Se abordarmos só de uma forma, pode ter certeza que alguma coisa vai falhar." Em casa, para garantir que crianças e adolescentes usufruam do que as mídias digitais oferecem com segurança, ele recomenda que elas sejam usadas em um espaço comum que permita a integração da família.
Rede favorece treino sexual do jovem, mas há perdas afetivas ANNETTE SCHWARTSMAN COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Jovens de ontem fechavam seus diários com cadeado. Os de hoje expõem suas vidas íntimas em redes sociais. Isso se torna problema quando ultrapassa os direitos de colegas e parceiros. Mas, a rigor, se uma menina publica uma foto sua de biquíni, está produzindo pornografia infantil, o que é crime no Brasil. Seria o caso de criminalizar a conduta? Não, diz o psicólogo Rodrigo Nejm, da Safernet. "Os adolescentes têm cada vez mais liberdade, o que é bom, mas cada vez menos mediação no uso da internet e no amadurecimento da sua sexualidade." Para Nejm, o primeiro equívoco é dos adultos, ao não diferenciarem sexo e sexualidade. "Dizem que não é assunto de criança e restringem o acesso à informação." As crianças, segundo o psicólogo, precisam ser orientadas desde cedo sobre sexualidade, o que implica explicar uma série de curiosidades sobre prazer, corpo e sobre limites das brincadeiras com o corpo de outras crianças. Na visão dele, pais e educadores têm dificuldade em lidar com a educação sexual de crianças e teens. Por conta desse tabu, a internet acaba sendo o único lugar onde esses jovens podem se expressar e descobrem essas experiências. O lado positivo é que a rede ajuda o adolescente a construir sua identidade, seus relacionamentos e sua sexualidade. "Funciona para treinar habilidades, como abordar assuntos íntimos que eles têm vergonha de tratar 'olho no olho'", diz Patti Valkenburg, do Centro de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Mídia da Universidade de Amsterdã. RISCOS Mas há riscos, claro. "Criminosos se aproveitam dessa etapa vulnerável da descoberta da sexualidade e acolhem a angústia do adolescente, mas com intenções de abusar e explorar sexualmente", adverte Nejm. Outro fenômeno que chama a atenção do psicólogo é o fato de jovens terminarem relacionamentos apenas mudando o status do Facebook. "Nem se dão ao trabalho de assumir o fim do namoro face a face e a responsabilidade pelo sofrimento do outro." Nesse caso, diz Nemj, ao trocar o "gaguejar e ficar vermelho" por mediação tecnológica, o jovem perde uma experiência de afetividade fundamental para a formação da sua personalidade. Editoria de Arte/Folhapress
IMPACTO SOCIAL Para o pediatra americano Michael Rich, professor da Universidade Harvard, o impacto das mídias digitais tem efeitos de ordem física e social. "Do ponto de vista da saúde, o principal risco é o da obesidade; do social, o fato é que, quanto mais conectados, mais isolados os jovens ficam no sentido das relações pessoais. É comum ver casais de mãos dadas e falando ao celular com outras pessoas." Opinião parecida tem o psicólogo Cristiano Nabuco, do Instituto de Psiquiatria da USP. Segundo ele, a tecnologia invadiu tanto o cotidiano que as pessoas se perdem no seu uso. "É mais preocupante em crianças e adolescentes, porque nessa faixa etária o cérebro ainda não atingiu sua maturidade, não exerce plenamente a função de controle de impulsos", diz. A internet arrebata ainda mais dependentes quando se torna móvel: estatísticas internacionais apontam que 20% da população mundial de usuários de smartphones não consegue exercer um uso equilibrado da internet, de acordo com Nabuco. Mas é claro que nem tudo são pedras no mundo virtual, como explica Eduardo Jorge. "Pesquisas também mostram que crianças usuárias de tecnologias da informação são mais ágeis, mais inventivas e têm uma capacidade maior de raciocínio em alguns testes de QI. A tecnologia não é um bicho de sete cabeças do qual elas tenham que ficar afastadas", afirma. "Devem ser estimuladas a fazer bom uso, com limites." Rich considera que os próprios pais são os principais responsáveis por este quadro "cibercaótico". Segundo ele, por falta de intimidade com as novas mídias, os adultos deixam de preparar as crianças para o mundo virtual. "Muitas vezes, eles apenas dão o laptop e pensam que, desde que os filhos estejam no quarto, não vão se meter em confusão, o que é um erro", afirma. "Os adultos precisam se tornar aprendizes dos jovens na parte técnica para que possam ser seus professores na parte humana." LADO BOM Ninguém ousa negar que a tecnologia abriu portas, expandiu horizontes intelectuais e proporcionou oportunidades antes impossíveis para crianças e jovens. "Quando usada corretamente, a internet educa pessoas em locais isolados, promove a comunicação ao redor do mundo, cria novos mercados e aumenta a conscientização dos jovens sobre questões globais, forçando-os a considerar problemas maiores do que os seus próprios", enumera Cajetan Luna, diretor do Center for Health Justice de Los Angeles. Outro ponto positivo das novas tecnologias é o fato de serem um elemento agregador entre os jovens. Para Rodrigo Nejm, psicólogo e diretor da Safernet (organização que protege e promove os direitos humanos na rede), a internet também ajuda o adolescente a descobrir sua sexualidade. "Temos que evitar o pânico e não julgar se agora é pior ou melhor do que antes. A questão é que hoje é diferente. Precisamos entender essa mudança e pesar os prós e contras que toda inovação tem", pondera. Segundo Nejm, o grande problema é que os adultos não fazem a mediação do acesso das crianças à internet, definida por ele como "uma praça pública frequentada por 2 bilhões de pessoas, onde há todo tipo de gente e de conteúdo, dos melhores aos mais perigosos".
O psicólogo defende que é preciso ensinar aos jovens que o acesso à rede exige cidadania, cuidado, ética e responsabilidade. Para Luna, o envolvimento dos pais tem que ser feito de forma aberta e honesta. "A solução não é censurar ou proibir, nunca funciona, mas explicar as coisas para que os jovens possam reconhecer o que é bom e o que não é." Para Tito de Morais, que apresenta o programa "Miúdos Seguros na NET", em Portugal, a chave é acompanhar. "Temos a obrigação de ser pais on-line e off-line, e isso implica usar as tecnologias com eles desde pequenos, preparando-os para irem ganhando autonomia." Na opinião de Morais, a segurança dos jovens na rede deve incluir quatro abordagens diferentes: regulamentares, educacionais, parentais e tecnológicas. "Se abordarmos só de uma forma, pode ter certeza que alguma coisa vai falhar." Em casa, para garantir que crianças e adolescentes usufruam do que as mídias digitais oferecem com segurança, ele recomenda que elas sejam usadas em um espaço comum que permita a integração da família.
Papel da escola é fundamental nos casos de ciberbullying ANNETTE SCHWARTSMAN COLABORAÇÃO PARA A FOLHA No Colégio Pentágono, em São Paulo, há internet sem fio e lousas eletrônicas nas salas das turmas a partir do 6º ano. Alunos podem levar seus laptops e o portal do colégio tem ferramentas para acompanhamento das lições. "O papel da escola é formar os alunos para saberem utilizar eticamente as diferentes ferramentas", diz Darlene Sola, assessora pedagógica de tecnologia educacional. As opiniões sobre o tema divergem. As escolas da pedagogia Waldorf, baseada nos princípios da antroposofia, são contra o contato das crianças com os meios eletrônicos. "A pedagogia Waldorf entende que existe idade para introduzir essas ferramentas [em torno dos 14 anos]. A capacidade de imaginação não depende da tecnologia", diz Lorenzo Bagini, professor da Escola Waldorf São Paulo. Há ainda escolas que usam a tecnologia como recurso pedagógico, mas com moderação. Na escola Vera Cruz, mesmo as pesquisas feitas em casa são orientadas: "Indicamos fontes de informação na internet, principalmente para alunos dos 8º e 9º anos", diz Vera Lúcia Conn, coordenadora do ensino fundamental. A participação da escola fica mais importante nos casos de ciberbullying. Para o espanhol Jorge Flores, fundador do PantallasAmigas (entidade que promove o uso seguro da internet), esse é o problema mais relevante para as crianças: "Suas consequências podem ser muito graves, é muito difícil de prevenir e quando a coisa começa é muito difícil de interrompê-la".
Estudante conta como foi ficar uma semana off-line ANNETTE SCHWARTSMAN COLABORAÇÃO PARA A FOLHA "Você prefere que eu vá mandando o diário por e-mail todo dia?" Como assim, e-mail, se a proposta era ficar sem conexão? Esse ato falho marcou o início da conversa, pelo Facebook, entre a reportagem e o estudante Francisco Felli Marques, 14, que concordou em ficar uma semana sem usar computador, celular e videogame. TV não entrou no pacote --o sacrifício seria grande demais. Chico pediu autorização aos pais para participar da experiência. Ficou acertado que o "jejum"começaria na segunda-feira seguinte. Até lá ele teria tempo de adiantar as lições que precisassem da internet e do computador. Ele é aluno do 9º ano. Adriano Vizoni/Folhapress
O estudante Francisco Felli Marques, 14, que experimentou ficar sete dias sem internet e celular
"Ele gosta de jogos on-line, tipo truco e jogos de guerra, de ficar falando pelo Skype e de videogame. Mas não tem aquela fissura de celular, de ficar mandando mensagens, tirando fotos, usa mais pra ouvir música ou para falar comigo", diz a mãe, Cecília Felli, 55. Chico usa a internet por mais ou menos uma hora e meia por dia. Outro hábito é o videogame, um PlayStation que costuma entretê-lo por 30 minutos diários. Após o teste, Chico recebeu a repórter em sua casa com anotações sobre o que fez nas horas vagas. "Não foi muito fácil. A curiosidade de saber se tinha alguma coisa nova no Facebook era grande. Ficar sem jogar videogame também foi um pouco ruim. Mas, tirando isso, foi tranquilo. No tempo livre, procurei jogar mais bola aqui no prédio com meus amigos, ver mais TV e estudar mais. No final das contas, foi legal." Quanto tempo aguentaria sem usar nenhuma dessas mídias? "Acho que uns 15 dias no máximo", calcula. E seus pais, o que acharam? "Meu pai concordou. Minha mãe só ficou um pouco preocupada por causa do celular, porque eu sempre ligo para perguntar se posso fazer alguma coisa. Mas ela achou bom, pensou que eu ia usar o tempo para estudar mais. Até que estudei um pouco mais." A experiência também serviu para que ele passasse a anotar as lições de casa na agenda (antes, checava as tarefas no site da escola). "Acho que foi bom assim." Na opinião da mãe, a semana foi positiva: "Ele aproveitou para ler o livro que a escola pediu, coisa da qual não gosta, mas parece que se interessou mais", conta. "Além disso, jogou mais futebol, frequentou a academia do prédio, andou de skate", enumera. Já Nelson Marques, 53, o pai, que convive com o filho nos finais de semana e não tem computador em casa, não notou muita diferença. "O Chico já é naturalmente ansioso e inquieto", diz. O menino afirma que não chegou a se desesperar por estar incomunicável. "Recebi mensagens, mas nem olhei". Uma amiga dele chegou a se desculpar por enviar um torpedo: "Ah, esqueci que você não pode!".