Senado condena Dilma Rousseff; Temer assume com o desafio de tirar o país da crise

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FUNDADO EM 1875

Quarta-feira

31 DE AGOSTO DE 2016

JULIO MESQUITA (1862 - 1927)

estadão.com.br

EDIÇÃO DE 14H15

ESPECIAL

SENADO CONDENA DILMA ROUSSEFF; TEMER ASSUME COM O DESAFIO DE TIRAR O PAÍS DA CRISE Em votação histórica, senadores cassam mandato da petista por 61 votos a 20; peemedebista promete reformas PLACAR DO IMPEACHMENT NO SENADO

Como ler o gráfico

61

20

A FAVOR DO IMPEACHMENT

NO JULGAMENTO FINAL, ERAM NECESSÁRIOS

54

CONTRA O IMPEACHMENT

81

OS SENADORES ESTÃO ORDENADOS POR COLUNAS, POR PARTIDOS E POR ORDEM ALFABÉTICA DENTRO DOS PARTIDOS

O PRIMEIRO É DÁRIO

É O TOTAL DE SENADORES

VOTOS PARA DILMA TER O MANDATO CASSADO

BERGER PMDB - SC

Dário Berger PMDB - SC

Jader Barbalho PMDB - PA

Romero Jucá PMDB - RR

Antonio Anastasia PSDB - MG

José Aníbal PSDB - SP

Ciro Nogueira PP - PI

Lúcia Vânia PSB - GO

Wellington Fagundes PR - MT

Omar Aziz PSD - AM

Pedro Chaves PSC - MS

Zeze Perrella PTB - MG

José Pimentel PT - CE

Elmano Férrer PTB - PI

Randolfe Rodrigues REDE - AP

Edison Lobão PMDB - MA

José Maranhão PMDB - PB

Rose de Freitas PMDB - ES

Ataídes Oliveira PSDB - TO

Paulo Bauer PSDB - SC

Gladson Cameli PP - AC

Roberto Rocha PSB - MA

Davi Alcolumbre DEM - AP

Sérgio Petecão PSD - AC

Cristovam Buarque PPS - DF

Angela Portela PT - RR

Lindbergh Farias PT - RJ

João Capiberibe PSB - AP

Vanessa Grazziotin PCdoB - AM

Eduardo Braga PMDB - AM

João Alberto Souza PMDB - MA

Simone Tebet PMDB - MS

Aécio Neves PSDB - MG

Ricardo Ferraço PSDB - ES

Ivo Cassol PP - RO

Romário PSB - RJ

José Agripino DEM - RN

Acir Gurgacz PDT - RO

Fernando Collor PTC - AL

Fátima Bezerra PT - RN

Paulo Paim PT - RS

Lídice da Mata PSB - BA

Roberto Muniz PP - BA

Eunício Oliveira PMDB - CE

Marta Suplicy PMDB - SP

Valdir Raupp PMDB - RO

Cássio Cunha Lima PSDB - PB

Tasso Jereissati PSDB - CE

Wilder Morais PP - GO

Cidinho Santos PR - MT

Ricardo Franco DEM - SE

Lasier Martins PDT - RS

Alvaro Dias PV - PR

Gleisi Hoffmann PT - PR

Paulo Rocha PT - PA

Kátia Abreu PMDB - TO

Garibaldi Alves Filho PMDB - RN

Raimundo Lira PMDB - PB

Waldemir Moka PMDB - MS

Dalirio Beber PSDB - SC

Ana Amélia PP - RS

Antonio Magno Carlos Valadares Malta PSB - SE PR - ES

Ronaldo Caiado DEM - GO

Telmário Mota PDT - RR

Eduardo Lopes PRB - RJ

Humberto Costa PT - PE

Regina Sousa PT - PI

Roberto Requião PMDB - PR

Hélio José PMDB - DF

Renan Calheiros PMDB - AL

Aloysio Nunes Ferreira PSDB - SP

Flexa Ribeiro PSDB - PA

Benedito de Lira PP - AL

Fernando Bezerra Coelho PSB - PE

José Medeiros PSD - MT

Eduardo Amorim PSC - SE

Reguffe

Jorge Viana PT - AC

Armando Monteiro PTB - PE

Otto Alencar PSD - BA

Vicentinho Alves PR - TO

s/ sigla - DF

Por partido PMDB

PT

PSDB

PSB

PP

PR

PSD

DEM

PDT

PTB

PRB

PCdoB

PSC

PPS

PTC

Rede

Sem Partido

A favor

17

11

5

6

4

3

4

3

1

1

2

1

1

PV

1

1

Contra

2

10

2

1

1

2

1

1

– INFOGRÁFICO/ESTADÃO

m uma decisão histórica, o plenário do Senado aprovou na tarde de hoje, por 61 votos a favor, 20 contra e nenhuma abstenção, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, de 68 anos. A petista foi cassada de seu mandato presidencial, conquistado na eleição de 2014 com 54,5 milhões de votos, e o presidente em exercício Michel Temer, de 76 anos, toma posse definitivamente no comando do Executivo federal. O peemedebista é o 37.º presidente da República e, também, o terceiro a assumir o Palácio do Planalto após afastamento de titulares deste período democrático. A decisão faz de Dilma o segundo presidente da República do Brasil a sofrer impeachment, desde o impedimento de Fernando Collor de Mello, em 1992. O resultado final do impeachment – quase nove meses depois de o processo ser aberto pelo ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no início de dezembro do ano passado – também encerra uma hegemonia de 13 anos do PT no poder central do País, iniciada em 2003 com a eleição, no ano anterior, de Luiz Inácio Lula da Silva. Eram necessários ao menos 54 votos favoráveis para que se consumasse o impeachment de Dilma. Não houve surpresa no resultado. Na véspera, o Placar do Impeachment do Estado já indicava um número suficiente de votos para a cassação. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, que presidiu o processo no Senado, deu início à sessão final às 11h16 e proclamou o resultado às 13h35. O plenário também votou um pedido de destaque sobre a inabilitação de Dilma

E

para o exercício de cargos públicos por oito anos. Por 42 votos a favor, 36 contra e três abstenções, Dilma manteve seus direitos políticos. O processo, conforme destacou Lewandowski, terminou com cerca de 27.400 páginas, compreendidas em 72 volumes. Dilma foi acusada e condenada por crime de responsabilidade pelas pedaladas fiscais – nome dado à prática do Tesouro de atrasar de forma proposital o repasse para bancos públicos e privados e autarquias para melhorar artificialmente as contas federais – e pela edição de decretos federais de créditos suplementares para diversas áreas do governo sem a autorização do Congresso. Lewandowski lembrou que Dilma fez sua defesa por 11 horas e 35 minutos no plenário do Senado, respondendo a 48 parlamentares. Depois, 66 senadores fizeram uso da tribuna na fase dos debates que se estendeu até a madrugada de hoje. A defesa de Dilma – que, durante toda a discussão no Congresso, classificou a acusação contra a petista como tecnicalidades e “golpe parlamentar” contra a democracia – deve recorrer ao Supremo, apresentando um mandado de segurança para questionar vícios do processo e desvio de poder de Cunha. Os acusadores, por sua vez, defenderam, ao longo de todo o julgamento, a legalidade do processo. Temer – que já ocupava o cargo em exercício desde 12 de maio, quando o Senado tinha aprovado por até 180 dias o afastamento temporário da petista – terá agora como desafio imediato manter uma base aliada significativa no Congresso para aprovar projetos de emenda constitucional que contribuam para o ajuste das contas públicas, como a PEC do Teto dos Gastos e uma reforma da Previdência.


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O ESTADO DE S. PAULO

QUARTA-FEIRA, 31 DE AGOSTO DE 2016

DEPOIS DO IMPEACHMENT

A HORA DAS MEDIDAS AMARGAS Oficializado como presidente da República, Michel Temer terá agora de conseguir que o Congresso aprove as medidas fiscais que têm por objetivo recuperar as finanças do governo

ILUSTRAÇÃO DE ARY MORAES BASEADA NO QUADRO ‘A PÁTRIA’ (1919), DE PEDRO BRUNO

Adriana Fernandes BRASÍLIA

Cercado de desconfiança sobre a sua capacidade de articulação para aprovar as reformas econômicas, o presidente Michel Temer começa de fato hoje seu mandato com a obrigação de entregar as medidas amargas que prometeu adotar para evitar um colapso nas contas públicas. Com o desfecho do impeachment, o discurso do presidente, até agora cauteloso, deve assumir tom mais duro em torno da aprovação do ajuste fiscal. O Palácio do Planalto sabe da necessidade de aprovar rapidamente as medidas anunciadas no período

de interinidade, quando muitos setores políticos pediram benesses – que foram, em sua maioria, concedidas. Menos gastos e mais investimento é a mensagem central da política de austeridade e de retomada do crescimento da equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Uma estratégia que não contempla, em um primeiro momento, aumento de tributos, mas que impõe a necessidade de aprovação até o fim do ano da proposta de emenda constitucional (PEC) que cria um teto para o gasto vinculado à inflação. Se o texto for aprovado, o Brasil passará a conviver com um novo regime fiscal que po-

derá ter para as contas públicas o impacto que o Plano Real teve, em 1994, para o controle da inflação. “Essa crise cria uma oportunidade histórica de transformarmos a dinâmica de crescimento das despesas públicas no Brasil pela primeira vez desde a Constituinte’’, disse Meirelles ao Estado. Para ele, o principal indutor da recessão no Brasil foi a crescente incerteza com a sustentabilidade do Estado brasileiro em virtude de um crescimento descontrolado da dívida. “Um ajuste fiscal bem-sucedido transforma esse processo de um ciclo vicioso para um ciclo virtuoso”, defende. De 1997 a 2015, a despesa pública cresceu, em média, a uma

velocidade 6% superior à inflação. Uma situação que colocou a trajetória da dívida pública numa rota explosiva em direção a um patamar superior a 90% do Produto Interno Bruto (PIB). Sem a aprovação da PEC, o processo de retomada do crescimento será abortado, segundo a equipe de Meirelles. O governo conta com a volta do crescimento nos últimos três meses do ano, mas não descarta que a atividade comece a se recuperar ainda no terceiro trimestre. O processo de retomada seguirá com aumento do crédito e dos investimentos. Mas o último estágio, reconhecem, será a volta do emprego, que ficará para o ano que vem, se a estratégia fiscal der certo.

Nesse primeiro momento, a manutenção da confiança do mercado e a recuperação do investimento dependem de uma clara percepção de avanço da PEC. E o mercado também espera uma postura mais dura nessa fase pós-impeachment. Não será tarefa fácil. Segundo o economista-chefe da Tullett Prebon, Fernando Montero, o governo terá de manobrar uma economia letárgica e que rejeita qualquer alta de imposto. Para colocar a dívida de volta em um patamar sustentável, o especialista faz uma conta simples: é preciso que o País saia do patamar atual, de 3% de déficit em relação ao PIB, para um superávit de 2%. Temer terá de atender a essas

ECONOMIA JÁ TEVE INJEÇÃO DE CONFIANÇA CENÁRIO Projeção para 2016 PIB EM PORCENTAGEM -2,8

7,8

AFASTAMENTO DE DILMA

-3,0

-3,16

Inflação

Mercado Dólar

Bolsa

EM PORCENTAGEM

EM REAIS

EM NÚMERO DE PONTOS

4,25

AFASTAMENTO DE DILMA

7,6

60.000

AFASTAMENTO DE DILMA

4,00

55.000

3,75

50.000

7,2

3,50

45.000

7,0

3,25

58.575

AFASTAMENTO DE DILMA

-3,2

7,34

7,4 -3,4

-3,6

3,23 40.000

-3,8

-4,0

6,8

JAN

MAI

AGO

2016

3,00

JAN

MAI

AGO

2016

JAN 2016

35.000 MAI

AGO

FONTES: BANCO CENTRAL E BROADCAST

A melhora recente da confiança inverte tendência de deterioração que começou em 2013 e se agravou em 2014 e 2015. No segundo semestre do ano passado, as sondagens realizadas pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Var-

JAN 2016

MAI

AGO

INFOGRÁFICO/ESTADÃO

gas (Ibre/FGV) mostraram que a confiança atingiu o pior patamar da série histórica em diversas áreas. “Na cabeça dos empresários, a chance de uma recuperação consistente era pequena na gestão Dilma Rousseff”, afirma Aloisio Campelo, supe-

rintendente de estatísticas públicas do Ibre/FGV. O Índice Nacional de Expectativa do Consumidor da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou que em agosto a confiança atingiu 102 pontos, alta de 3,1% sobre o mesmo mês

NA WEB O placar no Senado e depoimentos estadao.com.br/e/placarsenado

Contração do PIB deve ser mais branda

Luiz Guilherme Gerbelli

A chegada do presidente Michel Temer à Presidência, desde quando se tornou interino, aumentou a confiança do mercado, de consumidores e de empresários na economia brasileira. A mudança de governo trouxe a expectativa de que a nova equipe econômica – chefiada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles – pudesse realizar as reformas necessárias, sobretudo na área fiscal. A confiança tem papel fundamental no comportamento da economia. Para os consumidores, traz disposição de tomar crédito e comprar bens duráveis, como veículos. A confiança também motiva os empresários a investir mais, gerando empregos. “A expectativa mais positiva começou com a Ponte para o Futuro (documento com diretrizes para a economia elaborado pelo PMDB). Ele foi bem desenhado, assim como o diagnóstico dos problemas da economia brasileira”, diz Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria Integrada.

expectativas e dizer não a demandas por gastos. “Parece um luxo que o Brasil tenha um presidente da República deposto por infringir regras fiscais, mas não cabem ilusões”, diz José Roberto Afonso, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em sua avaliação, não basta afastar quem errou. É preciso rever leis, fechar lacunas e, o mais importante, evitar que os erros voltem a ser cometidos. “Mais importante do que punir quem arrombou a porta, é impedir que a porta volte a ser arrombada”, adverte.

do ano passado. “Consumidor mais otimista tende a consumir mais. O problema hoje é que eles estão sofrendo com um desemprego elevado e uma renda mais apertada”, afirma Renato da Fonseca, gerente de pesquisa da CNI.

l Na esteira da melhora dos índices de confiança, os economistas começaram a fazer projeções mais otimistas. Neste ano, os analistas consultados pelo relatório Focus, do Banco Central, chegaram a prever uma recessão de quase 4%. Nas últimas semanas, passaram a estimar queda do Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de 3%. A maior confiança com o futuro econômico também ficou evidente no mercado financeiro, embora o contexto internacional também tenha colaborado. Os juros altos do Brasil e o aumento da liquidez no mercado internacional colocaram a economia nacional de volta no radar dos investidores, ajudando na valorização da moeda brasileira. Dessa forma, o dólar caiu de R$ 4, no início do ano, para os atuais R$ 3,20. No mesmo período, a Bolsa avançou dos 40 mil pontos para quase 60 mil pontos. / L.G.G.


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O ESTADO DE S. PAULO

QUARTA-FEIRA, 31 DE AGOSTO DE 2016

Especial H3

DEPOIS DO IMPEACHMENT

EDMAR BACHA E agora, presidente? overno novo, vida nova? O povo brasileiro merece. Além de uma administração proba, o que os brasileiros querem está bem expresso nas manifestações de rua, nas redes sociais e nas pesquisas de opinião pública. Boas oportunidades de trabalho e bens e serviços acessíveis e de boa qualidade. Principalmente na saúde, educação, segurança, transportes, comunicações e serviços financeiros. Tem analista dizendo que não tem jeito, porque acha que o povo quer que o governo proveja tudo isso, e de graça. Claro, há manifestações por gratuidade na saúde, nos transportes, na educação. Também havia, porém, manifestações por congelamento de preços quando a inflação era galopante. No Plano Cruzado, de 1986, foi isso que o governo ofereceu: um congelamento temporário de preços que durou apenas até as eleições daquele ano. O Plano Cruzado foi uma resposta populista a um anseio da população pelo fim da carestia. Não funcionou. O que funcionou, oito anos depois, foi um programa bem explicado para a população brasileira e negociado com o Congresso Nacional. Foi o Plano Real, que primeiro equilibrou as contas públicas, em seguida unificou os reajustes de preços e salários. E só então introduziu uma nova moeda, que se mantém estável até os dias de hoje. Como ocorreu no combate à hiperinflação, hoje também há dois caminhos para atender aos anseios da população por bons empregos, mercadorias e também serviços de qualidade. Um deles é a via populista, quando se O EQUILÍBRIO DAS abrem as comporCONTAS PÚBLICAS tas do Tesouro NaÉ NECESSÁRIO cional para, em sePARA ASSEGURAR guida, precisar conA ESTABILIDADE, trolar os preços em MAS É INSUFICIENTE uma tentativa vã de PARA GARANTIR evitar a explosão VIDA NOVA. inflacionária. MUITA COISA Essa ameaça está DEVE SER FEITA. presente, quando o O FOCO, NESTE novo governo MiMOMENTO, chel Temer cede às DEVE ESTAR NA pressões por auRETOMADA DOS mentos salariais do INVESTIMENTOS funcionalismo e reE NO AUMENTO DA negocia as dívidas PRODUTIVIDADE dos governos estaduais sem contrapartidas relevantes. É um caminho que não vai dar certo, como não deu no passado. O caminho que funciona é mais complexo. Envolve em primeiro lugar restabelecer a confiança da população no equilíbrio das contas públicas – como ocorreu no Plano Real. A desvinculação das receitas da União e o estabelecimento de um teto para os gastos públicos vão nessa direção. Outras medidas, como a reforma da Previdência, precisam vir em seguida. O equilíbrio das contas públicas é necessário para assegurar a estabilidade, mas é insuficiente para garantir vida nova. Há muito que fazer. O foco deve estar na retomada dos investimentos e no aumento da produtividade. Dois passos são essenciais. Um amplo programa de concessões e privatizações e um audacioso projeto de abertura da economia ao comércio internacional. O novo governo parece comprometido com as privatizações e as concessões. É preciso, contudo, saber como se vai mover das boas intenções para a execução desse plano. A privatização da Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro (Cedae) será um teste importante. Porta-vozes do novo governo também têm demonstrado entusiasmo com a negociação de acordos comerciais com nossos principais parceiros. Essa atitude é bem-vinda, mas precisa ser complementada pelo reconhecimento de que a integração da indústria brasileira às cadeias internacionais de valor requer o desmonte da proteção tarifária e dos requisitos de conteúdo nacional. Só assim conseguiremos ter bons empregos e bens e serviços de qualidade nos lares brasileiros.

G

] SÓCIO FUNDADOR E DIRETOR DO INSTITUTO DE ESTUDOS DE POLÍTICA ECONÔMICA/CASA DAS GARÇAS

GOVERNO TERÁ CORRIDA CONTRA O RELÓGIO Empresários estão otimistas com a mudança, mas cobram ações ousadas e rápidas da gestão Temer para retomada da economia MUDANÇA DE PERCEPÇÃO ● Índices

de confiança ficaram mais positivos

Consumidor

Comércio

EM NÚMERO DE PONTOS

EM NÚMERO DE PONTOS

AFASTAMENTO DE DILMA

110

102

100

100

90

90

80

80

70

70

60

JAN 2016

MAI

60

AGO

Indústria

82,1

MAI

JAN 2016

AGO

Serviços

EM NÚMERO DE PONTOS

EM NÚMERO DE PONTOS

AFASTAMENTO DE DILMA

110

AFASTAMENTO DE DILMA

110

AFASTAMENTO DE DILMA

110

100

100

90

90

86,1 80

80

70

70

60

JAN 2016

MAI

AGO

60

78,8

JAN 2016

MAI

FONTES: CNI E FGV

A certeza de que um ciclo, finalmente, se fechou no cenário político é a responsável por um quê de otimismo entre os empresários brasileiros. A sensação, no entanto, vem acompanhada de cautela. Há um consenso de que a equipe do novo presidente precisa agir rápido e ser ousada na aprovação de reformas como a da Previdência e a trabalhista. O setor de infraestrutura, por exemplo, cobra rigor no equilíbrio das contas públicas e a criação de condições para a retomada dos investimentos. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, lista entre as prioridades do novo governo a reforma da Previdência e a modernização das leis trabalhistas – ambas polêmicas e que exigirão grandes negociações no Congresso. “Mas não há outra saída. É fazer ou fazer. Senão, o Brasil não sobrevive.” O presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini, diz que o governo de Michel Temer já deu bons sinais nesse sentido durante a gestão interina. “Houve uma série de avanços, como as discussões em torno do reforço das agências reguladoras e modernização das leis ambientais e de desapropriação.” Rubens Menin, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) e fundador da MRV, maior incorporadora do Minha Casa Minha Vida, também pondera que é a implementação das reformas que vai dar condições para que o País volte a crescer. “A definição da situação política cria condições para essas reformas e traz também o aumento da confiança do empresariado e da sociedade em geral”, disse. Mas a esperança de que as coisas vão melhorar só vai se converter em confiança, de fato, se Temer for firme nas negociações com o Congresso, dizem os empresários. “Não existe mágica: é preciso cortar gastos ou aumentar impostos”, diz Flávio Rocha, presidente da varejista Riachuelo e um dos primeiros a de-

AGO INFOGRÁFICO/ESTADÃO

REPERCUSSÃO “Nós precisamos limpar o ambiente de negócios e tirar as pedras do caminho.” RAFAEL CERVONE PRESIDENTE DA ABIT

“É fazer ou fazer (reformas). Se não, o Brasil não sobrevive.” JOSÉ CARLOS MARTINS PRESIDENTE DA CBIC

“Durante a interinidade, já houve avanços em medidas importantes.” VENILTON TADINI PRESIDENTE DA ABDIB

“Precisamos de reformas da Previdência, trabalhista, tributária e política.” FERNANDO FIGUEIREDO PRESIDENTE EXECUTIVO DA ABIQUIM

“Na questão do orçamento público, não dá para continuar gastando mais.” FLÁVIO ROCHA PRESIDENTE DA RIACHUELO

fender publicamente o impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Quando questionados, os deputados dizem que não querem nem uma coisa nem outra. O problema é que não dá para continuar gastando mais.” Eficiência. O presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Alencar Burti, acredita que Temer tem condições de reunir o apoio necessário para fazer as mudanças estruturais de que o Brasil precisa. “É preciso atacar as causas dos desequilíbrios, que estão do lado do setor público, em vez de transferir mais recursos privados para socorrer um Estado que precisa ser reduzido e se tornar mais eficiente.” Há quem defenda que esse movimento já está em curso. O presidente da Associação de Lo-

jistas de Shoppings do Brasil (Alshop), Nabil Sahyoun, diz que o País já começa a ver os sinais de retomada e lembra que instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam para o fim da recessão e a volta do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro já em 2017. “O impeachment representa o fim definitivo de um ciclo. A partir disso, a retomada vai acontecer.” Setores que encolheram com a crise econômica cobram demandas específicas do governo. O de máquinas e equipamentos, por exemplo, demitiu 100 mil pessoas com a queda de 60% no faturamento desde 2013. “Para sobreviver nessa travessia de governo e ter alguma melhora no segundo semestre do ano que vem, precisamos de urgência nas concessões, além de alavancar as exportações”, diz João Carlos Marchesan, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). “Isso só é possível com um dólar previsível.” O setor pleiteia o dólar a R$ 3,75. Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Rafael Cervone, o governo terá pouco tempo para preparar o País para quem vai assumir a Presidência em 2018. “Precisamos limpar o ambiente de negócios e tirar as pedras do caminho o mais rápido possível”, diz. Apesar de conhecer os desafios, Cervone diz que as expectativas do setor com o novo governo são positivas. Em meio ao otimismo, no entanto, há olhares desconfiados como o do presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein. Ele diz que o governo tem dado sinais contraditórios nos últimos meses. “Temos três ministros que estão se manifestando sobre a situação econômica”, afirma. “O setor privado gostaria de ter expectativa positivas, mas os discursos contraditórios trazem uma certa inquietude.” / ANNA CAROLINA

ZEINA LATIF A responsabilidade de Temer Brasil passa por aquilo que os economistas chamam de mudança de regime de política econômica. O novo regime está calcado na expectativa de conserto da crise fiscal, em substituição a um regime que desestabilizava a economia, fruto de um governo que produziu a crise e não sabia como superá-la. Como a economia é afetada por expectativas, essa percepção de mudança já vem produzindo um alívio no mercado financeiro, após o estresse do ano passado até o início deste ano, quando os mercados passaram a considerar crescentemente a probabilidade de o governo Dilma perder o controle da inflação ou até mesmo fazer um calote da dívida. A pressão no mercado financeiro, diferentemente do que Dilma parecia pensar, não é neutra para a economia, pois afeta as condições no mercado de crédito e de capitais, bem como a situação financeira de empresas e famílias, com repercussões na economia. Portanto, o alívio atual pode ser o primeiro passo para tirar o País da crise. A expectativa de ajuste fiscal, no entanto, precisa ser confirmada com a entrega das promessas de reformas feitas pelo governo, para que esse movimento benigno no mercado financeiro não seja apenas um “soluço”, e possa se traduzir em melhora da economia. Por ora, há um abismo entre o bom humor do mercado financeiro e o pessimismo de empresários e consumidores, apesar do aumento recente dos índices de confiança. O Brasil precisa voltar à normalidade, com superação da crise fiscal, inflação em torno da meta e consequente retomada da atividade econômica. Essa é a misA VOLTA DA são de Temer. Não NORMALIDADE há tempo, nem conSERÁ UM dições políticas, paELEMENTO ra uma agenda mais CENTRAL PARA ambiciosa nos próxiA ESTABILIZAÇÃO mos dois anos. POLÍTICA, O QUE Ainda assim, sua IMPLICA UMA missão não é coisa SOCIEDADE pouca. Significa coloQUE NÃO SE car a economia nos ARREPENDA POR trilhos para o País TER APOIADO O avançar depois; uma IMPEACHMENT E ponte para o futuro, UMA CAMPANHA quando poderemos ELEITORAL discutir uma agenda RESPONSÁVEL progressista, que reaEM 2018 valie a ação estatal na economia, fortaleça instituições, contemple uma maior abertura comercial e avance nos indicadores sociais. Não é possível esse debate sem antes estabilizar a economia. A volta da normalidade será um elemento central para a estabilização política, o que implica uma sociedade que não se arrependa por ter apoiado o impeachment e uma campanha eleitoral responsável em 2018, com debate honesto sobre as propostas de projetos para o País, diferente da vergonha da campanha de 2014, quando sobraram dissimulação e despreparo. Se Temer falhar, não conseguindo recuperar a confiança e o bem-estar social com inflação e desemprego em patamares civilizados, a agenda futura de desenvolvimento poderá ser novamente adiada e até sofrer retrocessos, ameaçando indicadores sociais e ampliando o abismo entre o Brasil e o mundo. Parece haver boas chances de o governo Temer construir essa ponte. A saída de Dilma, cuja ascensão parece um acidente de percurso na história política do País, não é garantia de sucesso de Temer, mas faz diferença, pois reduz o risco de colapso do Brasil. O debate econômico está mais maduro e a sociedade, mais participativa, anseia por mudança. A ver se o governo será, além de pragmático, corajoso. Se Temer for bem-sucedido, a capacidade de reação do País poderá surpreender, ainda que não no curto prazo por conta da gravidade da crise. Curar as feridas ainda vai demorar algum tempo. Os próximos passos precisam ser firmes para que o País recupere a musculatura perdida e não caia adiante. A decisão do impeachment é histórica e histórica também será a escolha pelo necessário ajuste que vai conduzir o Brasil para a discussão democrática e honesta de projeto para o País.

O

PAPP, FERNANDO SCHELLER, LUIZ

]

GUILHERME

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS

GERBELLI,

OSCAR e RENÉE PEREIRA

NAIANA


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O ESTADO DE S. PAULO

QUARTA-FEIRA, 31 DE AGOSTO DE 2016

DEPOIS DO IMPEACHMENT

TEMER VAI PRECISAR DE ALIADOS FIÉIS Desafio é aprovar no Congresso medidas impopulares na área econômica; para base, agenda tem de passar até o fim de 2017 Ricardo Brito / BRASÍLIA

Em pouco mais de três meses de interinidade, o presidente Michel Temer conseguiu forjar uma base aliada na Câmara dos Deputados de tamanho semelhante a que o presidente Itamar Franco (1992-1995) conquistou após o impedimento de Fernando Collor. O principal desafio de Itamar foi seu plano de estabilização monetária que culminou no Plano Real, em 1994, e teve principalmente a oposição do PT. Temer, sucessor da petista Dilma Rousseff, terá de manter aliados fiéis no Congresso a fim de aprovar medidas impopulares na área econômica. O segundo presidente brasileiro que assume após um processo de impeachment desde a redemocratização de 1988 te-

rá, no limite, 2 anos e 4 meses para votar a Proposta de Emenda à Constituição do Teto dos Gastos e a reforma da Previdência. Aliados, porém, estimam que o governo tem até o fim de 2017 para passar a agenda no Legislativo, uma vez que, em 2018, as atenções estarão voltadas para as eleições. Projeção feita pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), entidade que há mais de 30 anos acompanha as atividades do Congresso, indica que o governo Temer poderá ter o apoio “consistente” de 236 deputados. Essa composição engloba os parlamentares de partidos que têm uma identidade maior com o governo e que, em tese, devem dar maior respaldo à agenda de votações. Integram esse grupo legendas como

PMDB, PSDB, DEM e PPS. Há também outros 178 apoios “condicionados”, formados por legendas que, para aprovar iniciativas impopulares, terão de receber compensações do Executivo. Nessa lista, constam siglas do Centrão, como PP, PSD e PTB, e agremiações menores. Temer terá a oposição declarada de 98 deputados, centralizados especialmente no PT, PCdoB e PDT. Para o diretor do Diap, Antônio Augusto de Queiroz, se quiser aprovar as reformas constitucionais, que precisam na Câmara de pelo menos 308 votos dos 513 deputados, Temer vai precisar do apoio de 70% dos parlamentares do Centrão. Também terá, em sua avaliação, de não propor mudanças muito agressivas para reequilibrar as contas públicas em cur-

to prazo. “Se não houver uma certa calibragem, o risco é de que nada venha a ser aprovado”, afirmou Queiroz. Pressão. O governo votará as

reformas em meio a cobranças – principalmente de tucanos – de compromisso com o ajuste fiscal, após a aprovação de uma série de concessões na interinidade que levaram o PSDB a desconfiar de motivação eleitoral de Temer e do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. “Tenho confiança de que Temer sabe que o compromisso dele é com a história”, disse o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG). O partido aliado quer ainda apoio do governo ao candidato da legenda a presidente da Câmara. A oposição, liderada pelo PT com a adesão de entidades sin-

dicais, também vai reagir a eventuais mudanças do governo. Some-se a isso ainda a resistência de senadores à gestão Temer – menor, porém, do que entre os deputados. No Senado, o governo precisa reunir ao menos 49 dos 81 votos. O primeiro desafio do Planalto é aprovar a PEC do Teto dos Gastos, medida que pretende controlar o aumento das despesas públicas. A proposta foi encaminhada ao Legislativo em junho, mas pouco andou. A expectativa do governo é de que seja aprovada até o fim deste ano, para que entre em vigor já a partir de 2017. “Não tem outro caminho, se não reduzirmos a despesa pública, o quadro econômico vai deteriorar. Qualquer remendo só vai agravar o quadro do paciente”, disse o deputado Dar-

císio Perondi (PMDB-RS), aliado de Temer e que foi escolhido para relatar a PEC na comissão especial. “Ou o governo abre algum tipo de negociação ou a PEC do Teto não vai passar”, afirmou o líder do PT e ex-ministro de Lula, senador Humberto Costa (PE). Em setembro, logo após o impeachment, Temer deverá encaminhar ao Congresso a reforma da Previdência que deverá conter, entre outras medidas, a fixação de idade mínima e uma regra de transição que aumentará entre 40% e 50% o pedágio a mais de trabalho para a aposentadoria. A intenção do Planalto é usar o próximo ano para apreciá-la no Legislativo. “O governo tem todas as condições e maioria para isso”, afirmou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

GOVERNISMO ● Projeção

do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) mostra que governo Temer terá apoio "consistente" de 236 parlamentares na Câmara; para aprovar reformas constitucionais, são necessários ao menos 308 votos dos 513 deputados

Apoio dos presidentes no Congresso

Taxa de fidelidade ao governo na Câmara

EM NÚMERO DE DEPUTADOS 90

CONSISTENTE

CONDICIONADO

OPOSIÇÃO

Parlamentares de partidos que têm maior identidade com o governo e que, em tese, dão respaldo à agenda de votações

Parlamentares de legendas que, para apoiar iniciativas impopulares, têm de garantir compensações do Executivo

Parlamentares que integram partidos oposicionistas ao governo

85% 85

351 296

80

304

291 260

250

75

236 207

203

190

183

176

160 160 115

70

178

136

123 130

116

102

111

98

86

65

51

50

33 Collor*

Itamar*

FHC 1

FHC 2

Lula 1

Lula 2

Dilma 1

Dilma 2

1990-1992

1992-1995

1995-1999

1999-2003

2003-2007

2007-2011

2011-2015

2015-2016

60

Temer** 2016

2003

2007

2011

Lula 1

Lula 2

Dilma 1

2015

Dilma 2*

2016

Temer**

*Última votação em 3 de maio; **Última votação em 10 de agosto

*Nesses dois governos, a Câmara tinha 503 deputados federais. **O número deu 512 deputados, por excluir Eduardo Cunha (PMDB-RJ) FONTES: BASÔMETRO E DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR (DIAP)

NA PRÁTICA, MAIA ASSUME POSTO DE VICE-PRESIDENTE Presidente da Câmara tenta se firmar como principal interlocutor de Temer e vai exercer o comando do País durante viagem à China Igor Gadelha / BRASÍLIA

Com a efetivação de Michel Temer (PMDB) na Presidência da República, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEMRJ), se torna, na prática, o vice-presidente do Brasil até fevereiro de 2017, quando deixará o comando da Casa. A posição reforça a estratégia do parlamentar de tentar se firmar como o principal interlocutor de Temer no Congresso, além de acentuar a in-

fluência da antiga oposição (PSDB, DEM, PPS e PSB) dentro da base aliada. O presidente da Câmara vai ter a oportunidade de assumir o comando do País nos próximos dias, quando Temer viajará para a reunião do G-20 na China. Ainda em setembro, Maia deverá assumir a Presidência outra vez, pois Temer pretende viajar para os Estados Unidos para participar da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova York. Até o fim deste ano, há ainda outras chances de Maia assumir o pos-

INFOGRÁFICO/ESTADÃO

to, uma vez que existe o planejamento de várias viagens para Temer “se apresentar” ao mundo. Maia foi eleito presidente da Câmara em julho, em uma articulação que uniu a direita e grande parte da esquerda para derrotar Rogério Rosso (PSD-DF), candidato de Eduardo Cunha e do Centrão – grupo de 13 partidos da base liderado por PP, PSD e PTB. A eleição significou uma espécie de revanche para Maia, que, dois meses antes, tinha sido preterido por Temer na escolha do líder do governo. O escolhido foi o deputado André Moura (PSC-SE). Desde que assumiu a presidência da Casa, Maia vem aproveitando o cargo para aumentar sua influência junto a Temer. Ele tem a seu favor a desconfiança do Planalto com o atual líder do governo e a histórica distância entre Temer e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o que o ajuda a se cacifar como um dos principais interlocutores do governo no

Congresso. Agora, como substituto de Temer, a expectativa é de que sua força aumente. Por meio de Maia, a antiga oposição também aumenta sua influência para a eleição do presidente da Câmara para o mandato 2017-2018. O deputado do DEM não pode disputar reeleição, mas há vários pré-candidatos de seu partido e principalmente do PSDB para o posto. O Centrão, que nunca engoliu a derrota sofrida para Maia, promete marcar ainda mais posição, o que pode afetar a união da base e prejudicar Temer. PFL. O DEM não ocupava a vi-

ce-presidência da República desde 2002, último ano do mandato do pernambucano Marco Maciel como vice-presidente de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Naquele ano, quando a legenda ainda se chamava PFL (Partido da Frente Liberal), Maciel chegou a assumir o comando do País em fevereiro, por sete dias, durante viagem de FHC à Europa.

3 PERGUNTAS PARA... Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados

1.

Será possível aprovar o ajuste fiscal? Aprovar o

ajuste o fiscal não é questão de possibilidade, mas de necessidade para o País.

2.

Como avalia as tensões entre PMDB e PSDB em torno dos rumos do ajus-

te? As tensões estarão encer-

radas com o fim do julgamento do impedimento da presidente Dilma Rousseff.

3.

Do que depende o sucesso do governo Michel Temer? O sucesso

do governo Michel Temer depende, diariamente, da clareza das ações do governo e da aprovação de leis que recuperem o equilíbrio fiscal do Brasil.

]

CENÁRIO: Eduardo Kattah

Presidente põe à prova relação com Congresso

A

proximadamente cinco meses antes de assumir interinamente o Palácio do Planalto, o então vice-presidente da República Michel Temer apresentou durante palestra em São Paulo o modelo que considera ideal para a democracia do País: falou na ideia de um semiparlamentarismo, no qual o Congresso passaria a atuar efetivamente ao lado do governo. A declaração de Temer, em dezembro de 2015, foi dada poucos dias depois de o então

presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitar um pedido de impeachment de Dilma Rousseff. Foi também a senha dada pelo peemedebista para a relação que pretendia estabelecer com o Legislativo caso assumisse a Presidência com o afastamento da petista – o que de fato ocorreu em maio último. Ex-presidente da Câmara por três mandatos, Temer montou um Ministério de faceta predominantemente congressual e festejou quando deputados e senadores aprovaram a revisão da meta fiscal e a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União. Depois, sua relação com o Parlamento foi mais marcada pelas concessões em proje-

tos de reajustes a servidores, socorro aos Estados e aumento de despesas que elevaram a previsão de gastos no momento em que o mercado esperava cortes de despesas. Na interinidade, o peemedebista vendeu a imagem de travessia e estabeleceu o impeachment como divisor para as “maldades” necessárias. Vai, portanto, colocar à prova a relação conceitual com o Congresso. Temer, até o momento, tem uma elevada taxa média de governismo na Câmara – acima de 80% (segundo o Basômetro, ferramenta do Estadão Dados) –, mas esse desempenho será realmente testado agora. No roteiro ideal, a gravidade da crise e a autoridade do governo efetivo serão sufi-

cientes para aprovar, no médio prazo, as propostas de reforma da Previdência e de criação de um teto para limitar o crescimento dos gastos públicos como deseja a equipe econômica chefiada por Henrique Meirelles. No script real, o presidente vai ter de surfar nos difusos interesses dos parlamentares para impor sua pauta impopular. Isso em meio a uma eleição municipal e diante de um setor financeiro cada vez mais impaciente. Para garantir o impeachment, Temer enfrentou pressão e chantagem por parte de senadores que se declaravam indecisos. Agora vai ter de negociar ainda mais com os aliados – do Centrão fisiológico ao PSDB (fogo) amigo e ao mesmo tempo ameaçador.


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O ESTADO DE S. PAULO

QUARTA-FEIRA, 31 DE AGOSTO DE 2016

Especial H5

DEPOIS DO IMPEACHMENT

MARCO ANTONIO C. TEIXEIRA Desafios para o futuro do governo e do PMDB em apresentar candidato próprio para uma eleição presidencial desde 1994, quando Orestes Quércia obteve apenas 4,6% dos votos válidos, o PMDB chega à Presidência da República trilhando o mesmo caminho pelo qual alcançou o cargo em suas duas experiências anteriores: se beneficia do afastamento do titular. Em 1985, José Sarney, recém-filiado à legenda, tornou-se presidente com a repentina morte de Tancredo Neves. Em 1992, Itamar Franco, chegou ao Palácio do Planalto com a conclusão do processo de impeachment de Fernando Collor. Todavia, quando se observa o futuro do PMDB no momento em que o partido passa a comandar o governo federal, os prognósticos não são animadores. A legenda continua sem contar com uma liderança nacional que tenha sido legitimada pelo voto e novamente se fragmenta em interesses internos que na maioria das vezes são inconciliáveis com os do governo. O conflito entre senadores e deputados peemedebistas, quando se discutem temas importantes, como a alocação de recursos públicos, a ocupação de espaços no governo e as mudanças legislativas, é apenas um dos exemplos. O fato de o PMDB ainda não ter apresentado um projeto claro do que o partido quer para o País é um indicador dos enormes desafios que Temer pode enfrentar na coordenação política governamental no Congresso. Corre-se o risco, como se verifica atualmente em importantes discussões como o aumento salarial para os ministros do STF, a reforma da Previdência e a reforma da CLT, de o governo e parte PMDB tomarem caminhos distintos. Recentemente, Renan Calheiros classificou de “pequeO PMDB CONTINUA nez” as críticas ao SEM CONTAR COM aumento salarial paUMA LIDERANÇA ra os ministros do NACIONAL QUE STF vindas, princiTENHA SIDO palmente, do PSDB LEGITIMADA PELO e da equipe econômiVOTO E NOVAMENTE ca de Temer. SE FRAGMENTA EM Se por muito temINTERESSES po não tomar posiINTERNOS QUE NA ções claras em temas MAIORIA DAS VEZES sensíveis à pressão SÃO INCONCILIÁVEIS COM OS DO GOVERNO. social permitiu que o PMDB marchasse O CONFLITO ENTRE unido na divergênSEUS SENADORES E cia, permanecer desDEPUTADOS É APENAS UM EXEMPLO sa forma comandando o governo pode ser letal não apenas para os interesses do governo em projetos que exigem quóruns elevados como as PECs, mas também para o futuro do próprio partido. O PMDB participou ativamente dos governos FHC, Lula e Dilma e em todos eles seus parlamentares se dividiram entre apoiadores e opositores desses governos. Também é importante recordar que 40% dos convencionais do PMDB votaram contra o apoio do partido à chapa Dilma-Temer em 2014. Uma nova postura pós-impeachment que poderá ser assumida pelo PSDB já preocupa o PMDB. Se Temer passar incólume à Lei da Ficha Limpa, à Lava Jato e ao TSE e, ainda, promover a recuperação econômica do País, essa será a chance de ouro de, pela primeira vez, o partido chegar ao Palácio do Planalto pela via eleitoral. Todavia, os tucanos não apenas mantêm suas pretensões presidenciais para 2018, como ainda acreditam que Temer não concorrerá à reeleição, apesar de Rodrigo Maia já ter lançado o nome do peemedebista publicamente. Se assim for, o PSDB dificilmente vai seguir no papel de força política coadjuvante. O custo para os tucanos tem sido muito alto, uma vez que o partido perdeu o lugar de porta-voz da oposição e nem sequer consegue protagonizar o “novo” governo. Não será surpresa se o PSDB, ao perceber que o PMDB se movimenta para a reeleição, assumir um discurso de independência em relação ao governo e buscar se colocar como uma quarta via para a disputa em 2018, mesmo correndo o risco de perder quadros importantes. O lugar de candidato da oposição, com grandes chances de chegar ao segundo turno, caso não tenha impedimento legal, já está reservado para o ex-presidente Lula. O espaço da terceira via, por sua vez, já vem sendo ocupado desde 2010 por Marina Silva.

S

] PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA E VICE-COORDENADOR DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA FGV-SP

SUCESSÃO ENVOLVE AMBIÇÕES PARA 2018 Temer assume o Planalto com apoio de aliados interessados na próxima disputa presidencial, sob pressão da crise econômica e da busca por confiança da população para aprovação de reformas Tânia Monteiro Carla Araújo / BRASÍLIA

Efetivado no cargo, o agora presidente da República, Michel Temer, de 75 anos, enfrentará desafios maiores do que os encarados durante seu período de interinidade. Ele terá de conciliar as ambições eleitorais para 2018 de seu partido com os atuais aliados. O peemedebista continuará cercado de sua “tropa de choque” que o acompanha desde os tempos em que presidia a Câmara dos Deputados. Os peemedebistas Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco e Romero Jucá formam um quarteto que despacha quase que diariamente com o presidente. Temer tem ainda a colaboração direta de Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, apontado como o fiador da primeira fase de seu governo. Esse protagonismo de Meirelles – que tem ambições eleitorais – exigirá de Temer jogo de cintura para evitar rachas em sua equipe, uma vez que há fortes

PROTAGONISMO DO MINISTRO DA FAZENDA EXIGIRÁ DE TEMER JOGO DE CINTURA PARA EVITAR RACHAS EM SUA EQUIPE

ministros presidenciáveis, como José Serra (Relações Exteriores), e aliados de olho na sua cadeira, como o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o ministro Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações). Se tiver sucesso na condução econômica, não será surpresa se Temer, que durante o período de interinidade fez recuos, mude de ideia e se sinta “forçado” a se colocar aos brasileiros como opção para continuar no Planalto daqui a dois anos. Até lá, porém, um de seus desafios é alcançar um nível de conciliação com o Congresso capaz de pôr em marcha as reformas trabalhista e previdenciária, assim como as medidas de contenção de gastos. Por isso, o Planalto encomendou pesquisas para desenhar uma estratégia de comunicação com a sociedade sobre a reforma da Previdência, por exemplo. A ideia é tentar adiantá-la ainda neste ano. Popularidade. Já outro desafio

bem maior que se impõe no

atual tempo de crise ao governo é a retomada do crescimento com redução do desemprego – indicadores que costumam minguar a popularidade dos governantes. Em julho, uma pesquisa do Ibope apontou que 66% dos brasileiros diziam que não confiavam em Temer e 13% classificavam o governo como ótimo. Além de angariar apoio da população, Temer precisa convencer o mercado financeiro de que está realmente empenhado em colocar as contas do País em ordem. Os investidores, que apoiaram Temer no período de interinidade, têm pressa. O novo presidente terá de lidar com a distribuição de cargos a aliados fiéis nessa passagem bem-sucedida de interino a efetivo na Presidência. Uma “pontual” reforma ministerial deve ocorrer para, até mesmo, adaptar a Esplanada ao governo pós-impeachment. Temer, que embarca para a China em sua primeira viagem oficial, já planeja investidas também internas. Durante a interi-

nidade, ele detectou a necessidade de conquistar o Nordeste, tentou criar agenda na Região, mas teve de cancelar as viagens para focar no impeachment. Agora, já ordenou que se prepare o calendário de seu desembarque no reduto petista. Pedras no caminho. Temer sabe que há uma outra sombra que pode turvar seu caminho. O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), responsável por abrir o processo de impeachment de Dilma, é considerado por interlocutores do Planalto uma “bomba-relógio” com alto poder destrutivo capaz de abalar o novo ocupante do Executivo. A Lava Jato também é um receio constante do governo, uma vez que o esquema de corrupção na Petrobrás atingiu vários integrantes do PMDB e de outros partidos. Temer já foi citado em delações, mas sem acusações diretas.

CRÍTICA A TEMER SERÁ PLATAFORMA ELEITORAL Isadora Peron Julia Linder / BRASÍLIA

Fora dos holofotes do processo de impeachment de Dilma Rousseff, Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) preparam o discurso para a disputa eleitoral de 2018 e não devem poupar críticas à gestão Michel Temer. Marina, que declarou apoio ao impeachment, tem mantido a crítica de que o governo não tem legitimidade e é tão responsável pela crise atual quanto a presidente petista cassada. “Não podemos nos fiar apenas na competência técnica da equipe econômica, há que se reconhecer a insolvência política do governo, que tenta mostrar que é outro sendo o mesmo, enfrentando uma crise que ele mesmo ajudou a produzir”, afirmou a ex-senadora. Conhecido por não ter papas na língua, Ciro avisa que fará oposição ferrenha ao governo. “A relação com um governo ilegítimo, ilegal e usurpador terá minha oposição, crítica e atenção redobrada.” Base. Os questionamentos

SE PRETERIDO, PSDB DESEMBARCA Pedro Venceslau

Principal aliado do presidente Michel Temer no Congresso, o PSDB manterá a pressão sobre o Palácio do Planalto com a efetivação da nova administração. Apesar de comandar três ministérios e a ainda ter a liderança do governo no Senado, o partido deixa uma porta aberta para o desembarque. O “gatilho” será acionado se os tucanos identificarem que o PMDB atua para construir um projeto de poder alheio ao senador Aécio Neves (MG). Presidente nacional do PSDB, o principal adversário de Dilma Rousseff em 2014 comanda a máquina partidária e tem ascendência sobre lideranças no Congresso. A beligerância entre tucanos e peemedebistas chegou ao bate-boca público em agosto, quando Moreira Franco, secretário do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal, respondeu às re-

APESAR DE COMANDAR TRÊS MINISTÉRIOS, ‘GATILHO’ SERÁ ACIONADO SE OS TUCANOS IDENTIFICAREM QUE O PMDB ATUA PARA CONSTRUIR UM PROJETO DE PODER ALHEIO AO SENADOR AÉCIO NEVES

centes críticas feitas pelo PSDB ao titular da Fazenda, Henrique Meirelles, e disse ao Estado que o ministro está sendo vítima de “manipulação eleitoral”. Temer atuou como bombeiro e reduziu a tensão, mas recebeu um “deadline”: se os operadores políticos do governo insistirem em flexibilizar o ajuste fiscal, a aliança implodirá. Com três pré-candidatos à Presidência – Aécio; o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin; e o ministro das Relações Exteriores, José Serra –, o PSDB já prevê uma disputa fratricida. Nesse cenário, segundo tucanos da cúpula, a preocupação é de que Temer explore a divisão e atue à revelia da atual direção. “O PSDB está muito confuso. Tem Serra, Alckmin e Aécio como candidatos. Se tiverem um consenso interno, terão mais força para negociar com o PMDB”, disse o consultor Gaudêncio Torquato, um dois mais próximos conselheiros políti-

cos de Temer. Segundo ele, para chegar a um consenso mínimo, o PMDB deve evitar que Meirelles, filiado ao PSD, se coloque como candidato. “O governo emitiu sinais muito contraditórios (nas votações do ajuste fiscal). À beira do abismo, namoraram o caos”, afirmou o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), um dos principais aliados de Aécio. Presidente do Instituto Teotônio Vilela, o senador José Aníbal (SP) minimiza as divergências. “O rompimento está totalmente descartado. Houve um bom entendimento e deu-se centralidade ao ajuste de contas.” Ajuste. Para o líder do PSDB

na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), o que houve foi um “momento de desconforto”, mas a relação está sendo ajustada. A lista de demandas do partido, segundo ele, passa pelas “reformas estruturantes”, como a previdenciária e trabalhista.

partem também de nomes de legendas que integram o grupo de sustentação a Temer, como o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) e o deputado Jair Bolsonaro (PSCRJ), que tentam se cacifar para concorrer à Presidência. Mesmo o DEM sendo um dos principais parceiros de Temer, Caiado tem mantido uma postura crítica em relação ao governo e já ameaçou abandonar o projeto político do peemedebista se não houver mudanças de rumo. Ele questiona, por exemplo, a aprovação do reajuste para servidores do Judiciário, que vai gerar um efeito cascata no funcionalismo público e dificultar o ajuste fiscal. Bolsonaro, por sua vez, afirma que vai adotar “postura independente”. O deputado critica o fato de Temer manter programas que foram criados pelo PT, como o Mais Médicos. “Tem de agravar penas, botar um ponto final na indústria da demarcação de terras indígenas e dar um chega para lá no Mercosul”, afirma o deputado federal.


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O ESTADO DE S. PAULO

QUARTA-FEIRA, 31 DE AGOSTO DE 2016

DEPOIS DO IMPEACHMENT

O FUTURO DO PT NAS MÃOS DAS ESQUERDAS

LEONARDO AVRITZER O impeachment e a esquerda

A

Sobrevida depende de união em torno de Lula e diálogo com movimentos sociais Ricardo Galhardo

O PT chega ao término de 13 anos no poder federal longe da hegemonia que exerceu na esquerda brasileira por quase duas décadas, menor, isolado, acossado por denúncias de corrupção, responsabilizado pela maior crise econômica dos últimos anos e diante de profundas divergências internas que, segundo texto avaliado formalmente pela direção partidária, colocam em “risco a unidade”. Em avaliações feitas em caráter reservado, lideranças petistas admitem que a perspectiva de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltar ao governo em 2018 é o principal fator de garantia da coesão partidária hoje. Antes de pensar na volta de Lula ao Planalto – que ainda depende do andamento de ações s judiciais –, o PT vai precisar passar por uma grande mudança que inclui, conforme integrantes do partido, uma profunda e pública autocrítica em relação a erros, reformulação da organização interna e admissão de que já não lidera absoluto as forças progressistas do País. Para alguns líderes petistas, a configuração da comitiva que escoltou a presidente cassada Dilma Rousseff na sessão de segunda-feira do Senado é um indicativo do futuro. Além de Lula, dirigentes e ex-ministros, estavam presentes Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), João Paulo Rodrigues, do Movimento Sem Terra (MST), e o cantor Chico Buarque, que nos últimos meses funcionou como vetor dos novos coletivos de esquerda – em grande parte

agrupados no setor cultural. “O PT vai compartilhar a liderança de um bloco social e político do País, vai ter de compreender que o debate sobre o PT é o debate de toda a centro-esquerda, superar as fronteiras do partido, atuar mais como uma frente”, disse o secretário municipal de Saúde de São Paulo, Alexandre Padilha, ministro nos governos Lula e Dilma. Para ele, antes de pensar em 2018 ou nas eleições deste ano, o PT precisa se abrir e reforçar vínculos com movimentos que estão fora da política partidária e suas respectivas pautas. “Se entrar de cabeça no processo eleitoral, vai perder a capacidade de protagonizar mudanças”, disse Padilha, da corrente Construindo Um Novo Brasil (CNB). Ensaio. Desde 2005, quando

eclodiu o mensalão, o PT montou seguidos palcos para essa mudança, mas o processo sempre foi interditado – na maioria das vezes por interesse eleitoral. Agora o palco deve ser o Encontro Nacional Extraordinário, inicialmente marcado para novembro, mas que pode ser adiado para março de 2017 sob protesto das correntes de esquerda que alegam urgência na mudança. “O ano de 2018 não existirá sem 2016. A democracia só existirá nos próximos anos se ela for conquistada agora”, disse Carlos Árabe, representante da Mensagem ao Partido na Executiva. Nos últimos meses a Mensagem se articulou com outras quatro correntes minoritárias em aproximadamente 25 dos 51 deputados federais em torno do lema Muda PT. O objetivo é ganhar o poder no partido, hoje sob comando da CNB. Árabe é autor do texto que fala em “risco à unidade”, mas recusa enfaticamente a possibili-

O PT MONTOU SEGUIDOS PALCOS PARA ESTA MUDANÇA, MAS O PROCESSO SEMPRE FOI INTERDITADO

dade de o grupo abrir um racha. “Será uma mudança não voltada para a cisão, mas para a mudança de prática”, disse. O primeiro tema de embate será o apoio ao plebiscito por novas eleições defendido por Dilma e excluído da última resolução do PT. Segundo Árabe, o partido não pode deixar esfriar a mobilização contra o impeachment, e as “Diretas-Já” podem ser um fator de união. Exame. Tarso Genro, ex-minis-

tro do governo Lula e da mesma corrente de Árabe, defende a reestruturação do partido e de sua direção. “(O PT tem de) fazer um exame crítico do que aconteceu na sua relação com o governo Dilma e um exame de como setores do PT se deixa-

ram envolver nas práticas tradicionais de financiamento de campanha. Se o PT não fizer isso, vai criar um encobrimento artificial dessa crise e então o PT não vai acabar, mas vai se transformar em um partido tradicional”, disse. Embora procurem saídas para a crise, os petistas têm noção do tamanho do abismo em que o partido mergulhou. Pesquisa da Fundação Perseu Abramo feita no fim de 2015 mostra que palavras como tristeza, decepção, vergonha, revolta, frustração, desespero e insegurança são usadas para definir a legenda. Nestas eleições, o número de candidatos a prefeito caiu 44% em relação a 2012. O PT é o partido com o maior número de chapas puras, o que indica isolamento.

‘SINTO FALTA DE ANDAR NA RUA’, DIZ DILMA Presidente cassada deixa o Alvorada para viver em um bairro de classe média de Porto Alegre Vera Rosa / BRASÍLIA

Um apartamento de três quartos e 120 metros quadrados, em Porto Alegre, será o endereço de Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita presidente da República e deposta quase seis anos após subir a rampa do Palácio do Planalto, em 2011. É ali, no bairro de classe média com o sugestivo nome de Tristeza, que ela começará a escrever um livro para resgatar sua biografia e “disputar” a narrativa histórica do impeachment. Dilma recebeu vários convites de editoras para contar os bastidores da crise política que a derrubou. Além disso, foi convidada a dar palestras até nos Estados Unidos sobre o cerco ao Planalto e o confronto com o Congresso. Sua intenção, por enquanto, é ficar no Brasil. “Eu não vou descansar um minuto enquanto não mostrar que tudo isso foi uma fraude, um novo tipo de golpe, sem tanque e sem armas, para me tirar do poder”, disse a presidente cassada. A retórica de Dilma, porém, contrasta com o seu isolamento político. Eleita pelo PT em 2010 sob o carimbo de “criatura” de Luiz Inácio Lula da Silva, ela foi se distanciando cada vez mais do parti-

do e de seu padrinho, a ponto de ficar praticamente reclusa no Palácio da Alvorada. A antiga base aliada de seu governo se esfacelou e muitos a traíram. Presa política na ditadura, integrante de organizações de extrema esquerda, Dilma sempre mostrou orgulho por nunca ter traído seus pares. “Isso significava a diferença entre a vida e a morte”, disse ela, em conversa com amigos. “Quando a gente é jovem tem uma alegria de viver que não encontra em outras circunstâncias. Tem hora que acho até que esqueci. Sabe aquela história de que a gente não sente a velhice chegar porque ela chega aos poucos?”, emendou. Viagem. No início de 2017, Dilma pretende viajar para países da América Latina, como Chile e Uruguai. Quer fazer um retiro europeu, pela França e Inglaterra. No seu périplo, promete levar na bagagem a denúncia do “golpe”, que não sai de seu repertório desde que o então presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – hoje prestes a perder seu mandato de deputado federal – aceitou o pedido para sua deposição. A petista não se ausentará do País por muito tempo. É na capi-

condenação da presidente Dilma Rousseff e o abreviamento de seu mandato encerram um ciclo de governos de esquerda no Brasil que começou em 2003. A maneira como esse ciclo está sendo encerrado por meio de um processo de impeachment com fortes dúvidas legais e no qual importantes testemunhas técnicas acabaram impedidas por suspeição, impossibilita um balanço claro sobre o seu resultado global. Ainda assim, parece necessário avaliar o legado que o governo de esquerda deixará ao País e à continuidade de um projeto de esquerda no Brasil. Para proceder a uma avaliação do período é necessário diferenciar “PT governo” do “PT partido” e trabalhar a dimensão da relação entre o PT e outras forças de esquerda. No que diz respeito ao PT governo, vale a pena levantar a cabeça da crise que se abateu sobre o País e pensar nos pontos positivos dos governos Lula e Dilma. Eles foram capazes de implementar diversas políticas sociais com importante impacto na redução da pobreza e da desigualdade. O Brasil foi reconhecido por diversas instituições internacionais como tendo reduzido a desigualdade de forma politicamente desejável e economicamente eficiente. Nesse sentido, o objetivo maior de uma política de esquerda se cumpriu, o Estado mostrou que pode ser instrumento de redução da desigualdade, de produção da diversidade social. No que diz respeito ao PT partido, o balanço deve ser muito mais nuançado. Durante o período acima mencionado, a legenda não conseguiu desenvolver no Congresso uma política que associasse a sua crítica às práticas tradicionais com a sua necessidade de garantir a governabilidade. Pelo contrário, o par- OUTROS PARTIDOS tido se inspirou na DE ESQUERDA política tradicional DISPUTARÃO ESPAÇO de financiar o sisteCOM O PT, ma político por meio PRINCIPALMENTE do Estado e das esta- O PSOL E A REDE. tais e levou essa pro- O MAIS PROVÁVEL É posta ao paroxismo. QUE, AO FINAL Ao aderir ao finan- DESSE PROCESSO, ciamento ilegal de SE REDUZA A campanha, o PT mu- HEGEMONIA dou a correlação de PETISTA SOBRE forças entre os seus A ESQUERDA diferentes setores e BRASILEIRA E perdeu a capacidade TENHAMOS UM de eleger represenMELHOR EQUILÍBRIO tantes de movimen- DE FORÇAS tos sociais para a Câmara. A atual bancada federal é de baixíssimo nível, o que fez com que a liderança do movimento contra o impeachment ficasse nas mãos do PCdoB e do PSOL, por absoluta incapacidade de a bancada do PT na Câmara liderar esse processo. Cabe agora ao PT realizar uma ampla autocrítica. O ideal seria que a liderança, em especial o presidente Rui Falcão, caísse e o PT voltasse a ter um presidente que não fosse representante da máquina política. O PT necessita de um presidente representante das ruas, dos movimentos sociais e de um projeto de aprofundamento democrático e de reforma do sistema político. Por fim, resta o tema da relação do PT com os movimentos sociais. O governo Temer expressa uma coalizão perversa entre as corporações do Estado, em especial o Judiciário e o Ministério Público, e um sistema político que não representa ninguém, constituído por deputados cujo único objetivo é fazer negócios. Essa é uma coalizão entre duas formas de predação do Estado: uma antiga, o patrimonialismo, e uma nova, o corporativismo das elites estatais. A resistência dos movimentos sociais a uma proposta neo-oligárquica de rearticulação do Estado deve marcar a reorganização da esquerda no próximo período. Do ponto de vista partidário, vão crescer aqueles partidos que consigam se associar a esse movimento de defesa de Estado social comprometido com uma agenda de direitos e que consigam articular essa defesa com uma bancada no Congresso que não esteja a cargo de interesse privados e antidemocráticos. O PT vai se renovar na medida em que consiga se reorganizar para liderar esse processo. Outros partidos de esquerda disputarão espaço com o PT, principalmente o PSOL e a Rede. O mais provável é que se reduza a hegemonia petista sobre a esquerda brasileira e tenhamos um melhor equilíbrio de forças.

tal gaúcha que vivem o advogado Carlos Araújo, seu ex-marido, a filha Paula e os netos Gabriel e Guilherme. Aos 68 anos, Dilma é apaixonada pelas duas crianças. “Neto é filho com assistência técnica”, costuma repetir. No Palácio da Alvorada, ela mora com a mãe, Dilma Jane, de 93 anos, que vai acompanhá-la a Porto Alegre, e com dois cachorros. Levará apenas a dachshund Fafá. Herdado de José Dirceu – o ex-ministro que hoje está preso –, o labrador Nego, de 13 anos, permanecerá em Brasília. Xodó de Dilma, a bicicleta da linha Specialized Expedition será despachada para o Sul. Há mais de um mês, ela tenta vender a moto vermelha Scooter, praticamente sem uso. “Sinto falta de andar na rua como uma pessoa qualquer”, contou Dilma.

CRONOLOGIA

A era PT em 13 atos Janeiro de 2003. Lula toma posse para seu primeiro mandato na Presidência. Junho de 2005. O então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denuncia o mensalão. Outubro de 2006. Lula é reeleito. Janeiro de 2007. Lula lança o PAC, coordenado pela Casa Civil, comandada por Dilma. Janeiro de 2011. Dilma toma posse como a primeira mulher a assumir a Presidência. Junho de 2013. Protestos contra corrupção e políticos se espalham pelo País. Novembro de 2013. Condenados do mensalão, como José Dirceu, começam a ser presos. Março de 2014. PF deflagra a Lava Jato. Outubro de 2014. Dilma é reeleita. Março de 2015. STF abre investigação contra políticos alvo da Lava Jato. Junho de 2015. Marcelo Odebrecht é preso. Julho de 2016. Denunciado por tentativa de obstruir a Lava Jato, Lula vira réu. Agosto de 2016. Quase nove meses depois do impeachment ser aceito na Câmara, Senado aprova cassação do mandato de Dilma.

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NA WEB Veja a cronologia completa: estadao.com.br/e/erapt13anos

PROFESSOR TITULAR DE CIÊNCIA POLÍTICA DA UFMG. É AUTOR DE IMPASSES DA DEMOCRACIA NO BRASIL (ED. CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA)


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O ESTADO DE S. PAULO

QUARTA-FEIRA, 31 DE AGOSTO DE 2016

Especial H7

DEPOIS DO IMPEACHMENT

CONTRASTE DE ESTILOS MARCA NOVA DIREÇÃO Da forma de governar à imagem familiar, a saída de Dilma e a chegada de Temer representam uma ruptura em antigos símbolos que marcaram os anos do PT no comando do Palácio do Planalto

REAÇÕES “Torço para que o fim desse processo traga paz às relações entre as pessoas.” OLIVIER ANQUIER CHEF DE COZINHA

“Não há questões de natureza meramente técnica no campo da política.” MARIO SERGIO CORTELLA FILÓSOFO E ESCRITOR

Leonencio Nossa / BRASÍLIA

O impeachment de Dilma Rousseff e a posse de Michel Temer não representam apenas uma mudança do ocupante do Palácio do Planalto. O desfecho do processo simboliza também um novo estilo que deve tomar conta da capital federal a partir de agora. A começar pelo estilo de administrar: sai o “governo do PowerPoint” para dar lugar ao de grandes reuniões. Uma imagem, porém, deve permanecer: a de um governante de gabinete. As viagens por grotões brasileiros, uma das marcas de Luiz Inácio Lula da Silva, foram esporádicas na gestão de Dilma e também não fazem o estilo de Temer. Com perfil “centralizador”, Dilma passava madrugadas no Palácio da Alvorada em frente ao computador analisando indicadores econômicos e avaliando planilhas e projetos. Já Temer é conhecido por reunir parlamentares e aliados em jantares no Palácio do Jaburu que costumam se prolongar até o início da madrugada. Ambos têm em comum o tom discreto nos discursos e no vestuário. Em entrevistas, ela tenta manter o controle da conversa usando as expressões “meu querido” e “minha querida”. Ele, com uma voz mais baixa e quase rouca, adota um “você sabe?”. No perfil familiar, Dilma era a “avó do Gabriel e do Guilherme”, filhos de Paula, filha única da petista. Temer é o “pai do Michelzinho”, filho do peemedebista com a ex-miss Paulínia Marcela Tedeschi. Restaurantes. No governo

Lula, a baiana Maria de Jesus da Costa, a Tia Zélia, aumentou o espaço de seu restaurante, na Vila Planalto, após receber o petista. Já Dilma nunca apareceu por lá para provar rabadas e galinhadas. Peemedebistas do primeiro e segundo escalões preferem o Expand, na Asa Sul, uma recriação do lendário Piantella, que entrou para a história como a casa do

SIGNOS

“Acho que fazer oposição antes do governo começar é bastante precipitado.” ANDRÉ STURM CINEASTA E DIRETOR DO MUSEU DA IMAGEM E DO SOM (MIS-SP)

“O Brasil vai sair melhor de todo esse processo (de impeachment).”

Dilma

Temer MAURICIO MEIRELES ATOR E COMEDIANTE

Família

No perfil familiar, Dilma aparecia como a “avó do Gabriel e do Guilherme”, filhos de Paula, a filha única da presidente. Em Brasília, tinha a companhia da mãe, Dilma Jane, que levou para morar no Palácio da Alvorada. Sempre que podia, passava os fins de semana em Porto Alegre.

Estilo de governar

Com perfil “centralizador”, Dilma costumava passar madrugadas no Palácio da Alvorada em frente ao computador analisando indicadores econômicos e avaliando planilhas e projetos.

ROSÂNGELA LYRA

O novo presidente é conhecido por reunir parlamentares e políticos aliados em jantares no Palácio do Jaburu que se prolongam até o início da madrugada.

“Prevejo o desmonte do Brasil e um ajuste fiscal penalizando os mais pobres.” FREI BETTO ESCRITOR E FUNDADOR DO PT

Gastronomia

Na era petista, o restaurante da Tia Zélia, famoso por suas rabadas e galinhadas (R$ 30 por pessoa), ganhou notoriedade após receber a visita do ex-presidente Lula. Dilma, porém, não era frequentadora.

Peemedebistas que ocupam cargos de primeiro e segundo escalão preferem restaurantes como o Expand, na Asa Sul, especializado em vinhos, uma recriação do lendário Piantella, na mesma região.

“Se fosse na iniciativa privada, Dilma já teria sido demitida há tempos.” ALBERTO HIAR (TURCO LOCO) EMPRESÁRIO E DONO DA GRIFE CAVALERA

Entrevistas

Literatura

Dilma tenta manter o controle da conversa usando as expressões “meu querido” ou “minha querida”, principalmente quando se sente contrariada.

Temer costuma falar com uma voz mais baixa e quase rouca. Quando quer chamar a atenção do seu interlocutor, adota um “você sabe?”

Dilma já confidenciou que ficara perturbada com a narrativa de O Homem que Amava os Cachorros, de Leonardo Padura, uma análise das utopias políticas. Também já fez comentários públicos sobre Seu Amigo Esteve Aqui, uma biografia do colega de guerrilha Carlos Freitas, assassinado em 1971, escrita por Cristina Chacel. Contou também ter gostado da trilogia Getúlio, de Lira Neto, e do filme homônimo protagonizado por Tony Ramos e Drica Moraes.

Ex-professor de Direito Constitucional, Temer escreveu um livro de poesias – Anônima Intimidade –, do qual pouco fala. Entre os títulos lidos recentemente pelo peemedebista estão A Noite do Meu Bem, de Ruy Castro, que traz histórias do samba-canção, e Querido Líder, de Jang Jin-Sung, que trata da ditadura norte-coreana.

PMDB de Ulysses Guimarães. Desde que se tornou vice de Dilma, em 2010, Temer deixou de se reunir em locais públicos de Brasília com aliados. Já Dilma foi, às escondidas, a restaurantes e museus em escalas fora do roteiro oficial de viagens a Nova York, Marrakesh e Porto. Para a Brasília que viu Fernando Collor fazer cooper, Itamar Franco ir ao cinema com a namorada, Fernando Henrique Cardoso frequentar a Pizzaria Fratello e Lula tirar fotos com

Reverter a resistência da classe artística após extinção de ministério é desafio do governo

Difícil quem não pensou ou cantarolou um trecho de Apesar de Você ao saber que Chico Buarque era parte da comitiva que acompanhava a agora ex-presidente Dilma Rousseff em seu derradeiro depoimento. Além de um ato de solidariedade pessoal, a presença do cantor e compositor no Senado carregou, simbolicamente, a bandeira de uma resistência que o governo de Michel Temer ainda não conseguiu dobrar: a dos artistas e produtores culturais. O passo torto desse relacionamento foi dado logo após Temer assumir o governo interino, em maio, e fundir o Ministério da Cultura com a Educação (na prática, extinguindo-o). A atitude causou uma reação em cadeia que culminou com a ocupação de diversos equipamentos culturais. Em poucos dias, Temer voltaria atrás – recriando o MinC. O recuo não serviu para pa-

“Espero que o novo governo trabalhe contra a corrupção. Acredito em milagres.” SOCIALITE

turistas no Alvorada, Dilma surpreendeu quando aderiu à prática de pedalar de manhã. Entre livros. A biblioteca do Al-

vorada deve continuar um ambiente importante. Dilma incluiu um almoço, em 2014, com o romancista cubano Leonardo Padura e confidenciou que ficara perturbada com O Homem que Amava os Cachorros, uma análise das utopias políticas. Ela ainda comentou publicamente Seu Amigo Esteve Aqui,

INÍCIO RUIM NA CULTURA, DIFÍCIL DE SE CONTORNAR Gilberto Amendola

Temer é o “pai do Michelzinho”, filho de 7 anos do presidente com a ex-miss Paulínia Marcela Tedeschi, de 33. Durante a interinidade, decidiu levá-los para morar com ele em Brasília após protestos na porta da sua casa em São Paulo.

vimentar uma nova relação de confiança. No período que se seguiu, aumentou a participação de artistas nas manifestações contra o impeachment. Os mais afoitos defensores do novo governo chegaram a limitar a luta da classe artística a uma briga pela manutenção da Lei Rouanet. Não faltou quem apelasse para um axioma capenga: “artista = vagabundo”. Mais exemplos de resistência pipocaram. O escritor Raduan Nassar quebrou o seu silêncio mítico (e quase místico) para defender o governo Dilma e acusar o “golpe”. Do cinema, talvez, tenha saído a reação mais forte. Em Cannes, o elenco de Aquarius fez um protesto durante um dos mais importantes festivais de cinema do mundo. O governo nega, mas a classificação do longa de Kléber Mendonça como apropriado para maiores de 18 anos soou como uma espécie de “vingança”. No último capítulo desse embate (ao menos por enquanto), diversos diretores retiraram seus filmes da disputa pela indi-

cação brasileira ao Oscar. Com o fim da interinidade, a relação entre agentes culturais e o governo Temer pode ser construída? Existem canais para um diálogo? Ou essa relação já estaria definitivamente contaminada? O escritor Marcelo Rubens Paiva é quem dá o tom desse debate. “Este governo é oriundo de uma aliança com um movimento conservador, extremista e reacionário, que chama atriz de ‘puta’, artista de vagabundo, de mamar na teta do Estado.” O movimento Ocupa MinC segue a mesma linha e é taxativo e seco: “Não negociamos com governo golpista”. Função. O dramaturgo Mario Viana também criticou a postura do novo governo, mas disse querer deixar uma porta aberta. “Diálogo tem de haver sempre. Sou contra fechar portas, mesmo que do outro lado esteja alguém em quem você não votou ou não queria ali. E não adianta dizer que ‘não reconhece o governo golpista’. É preciso reconhecer, sim, saber direitinho onde ele está e como age”, afirmou. “Agora, manter diálogo não significa abrir mão da visão crítica. Devemos manter aceso

“Para o esporte vai ser muito pior. O novo governo já sinaliza com cortes.” DIOGO SILVA LUTADOR DE TAEKWONDO

“Espero que tenhamos um estadista que ponha para funcionar o que já existe.” PEDRO HERZ EMPRESÁRIO

NO ESTILO DE ADMINISTRAR, SAI O ‘GOVERNO DO POWERPOINT’ PARA DAR LUGAR AO DE GRANDES REUNIÕES.

biografia do colega de guerrilha Carlos Freitas, de Cristina Chacel. Também falou da trilogia Getúlio, de Lira Neto. Ex-professor de Direito Constitucional, Temer escreveu um livro de poesias, do qual pouco fala. Recentemente, leu A Noite do Meu Bem, de Ruy Castro, que traz histórias do samba-canção, e Querido Líder, de Jang JinSung, sobre a ditadura norte-coreana. / COLABORARAM LU AIKO

“O novo governo tem a boa vontade do mercado financeiro, da Fiesp, mas não tem legitimidade popular.” MARCELO RUBENS PAIVA ESCRITOR

“Passamos por todo esse processo respeitando os princípios democráticos.” MARIA TEREZA SADEK CIENTISTA POLÍTICA

“Não existe nenhuma possibilidade de otimismo diante de um golpe.”

OTTA, RAFAEL MORAES MOURA e TÂNIA MONTEIRO

MANTER DIÁLOGO NÃO SIGNIFICA ABRIR MÃO DA VISÃO CRÍTICA. DEVEMOS MANTER ACESO NOSSO PONTO DE VISTA CRÍTICO, ÁCIDO E IRÔNICO MARIO VIANA, DRAMATURGO

VAMOS RECUPERAR A CREDIBILIDADE PARA QUE OS ARTISTAS VOLTEM A PARTICIPAR DE EDITAIS E CONTRIBUIR COM A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EFETIVAS MARCELO CALERO, MINISTRO DA CULTURA

nosso ponto de vista crítico, ácido e irônico. A função do artista é cutucar o poder, a sociedade, a própria arte.” A cineasta Tata Amaral comentou a ascendência dos artistas nesse processo de resistência: “Acho que os artistas, com sua sensibilidade e consciência, acabam funcionando como uma antena parabólica de uma cultura. Isso acontece em todos os lugares, países, civilizações. No Brasil, a classe artística, em sua maioria, tem se posicionado contra o golpe parlamentar que tirou do poder um governo legitimamente eleito”. Por e-mail, o ministro da Cultura, Marcelo Calero, afirmou que “o Ministério da Cultura tem uma agenda e conta com a contribuição da classe artística”. “Estamos dialogando com interlocutores da classe artística desde a posse, há quase cem dias. Neste tempo, tivemos encontros com representantes de todos os segmentos da cultura”, declarou o ministro. Sobre a credibilidade do governo em relação a artistas e agentes culturais, Calero disse: “O Ministério da Cultura está disposto a dialogar com a classe artística, apoiando e fomentando o desenvolvimento da arte, a pesquisa de linguagem e a cultura. Vamos recuperar a credibilidade para que os artistas voltem a participar de editais e contribuir com a construção de políticas públicas efetivas”.

KARINA BUHR CANTORA E COMPOSITORA

“Quem não está confuso neste momento está desinformado.” MONICA IOZZI ATRIZ, VIA TWITTER

“Foi radical a forma como se deram as coisas. Diferente do impeachment do Collor.” RAFAEL GALLO ESCRITOR

“O capitalismo neoliberal é a batuta que orquestrará os dias que virão.” THIAGO ALIXANDRE BAILARINO

“Entra para a história um país que se entrincheirou em dois polos cegos.” ALEXANDRE YOUSSEF EMPRESÁRIO, VIA TWITTER

“Parabéns, Eduardo Cunha. Vitória sua (...) E que Temer se comporte!” PAULO COELHO ESCRITOR, VIA TWITTER

“Tenho vergonha e medo. Medo desse passado que vem pela frente.” PAHOLA RIBEIRO JORNALISTA


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O ESTADO DE S. PAULO

QUARTA-FEIRA, 31 DE AGOSTO DE 2016

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