Marcelo Labes
TRAPAÇA
Editora Oito e Meio Rio de Janeiro, 2016
© Marcelo Labes 2016 Este 4livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de XX Produção Editorial: Flávia Iriarte Diagramação: Fabi Cenci Desenhos: Andréia Peres
Dados Internacionais para Catalogação na Publicação. (CIP) ________________________________________ Labes, Marcelo Trapaça / Marcelo Labes – Rio de Janeiro: Oito e Meio, 2016 ISBN: 1 – Poesia brasileira I. Título CDD – B869 ________________________________________ Travessa dos Tamoios, 32, Loja C Flamengo, Rio de Janeiro – RJ www.oitoemeio.com.br contato@oitoemeio.com.b
SUMÁRIO
um prefácio ou um poema, por Caio Carmacho ....................7 Vento Sul ..........................................................................13 primeira parte ...................................................................15 desdiálogo ..........................................................................16 variação #01 17 variação #02 19 entrelinhas 21 ofício 22 naftalina 23 despoema 24 às 3 da manhã 25 resquiasce in Pace 26 solicitamos: 27 código Postal 28 no entanto 29 poesia S.A. 30 segunda parte 33 outono 34 janela 35 luiza 36 respiro 38 lusco-fusco votos manhã em solo de sax 130 quilômetros inverno 39 balança 40 agenda 41 terceira parte 43 pigarro 44
reviravolta 45 ritual 46 calendário 47 pássaros 48 horário de verão 49 advertência 51 mcgyver 53 vinícius 54 seo alfredo 56 alfaite 57 dona Miranda 59 daniel 61 1994 62 1999-2001 63 oitenta, noventa, dois mil e cinquenta 64 frente a frente 66 manual de instruções 67 festa de família 68 desencontro 69 retorno a 200 metros 70 astronômico 71 quarta parte 73 poço 74 demolição 75 demolição II 76 quermesse 79 queratina 659-9-1 atlântida ou não receita de bolo paus & pedras boletim de ocorrência pindorama macau anúncio publicitário
progresso negócios 02/11 frio (sem estética) repartição quem diria bolsos como luvas quadrilátero academia desamante um guia corrido, egoísta e monologado, por marcelo pierotti
U M P R E F ÁC I O O U U M P O E M A
caio carmacho* a trapaça existe desde que o mundo é mundo paulo coelho & jesus cristo tudo é literatura até que se prove o contrário trapaça não é apenas autoficção milonga discurso para entendidos é obra em processo o caminhar superando o caminho marcelo andando no terreno movediço que é a poesia contemporânea buscando nos cacos dos dias uma unidade diversa assim como selarón em sua escadaria mas para você leitor este título pode soar estranho pacto com algo indefinível sub-reptício não é o caso trapaças são fugas não da realidade (pois dela se nutrem e valem)
mas do sufoco é voltar à superfície após longo tempo submerso nas profundas águas do cotidiano ouso dizer para desconfiança geral que nunca uma trapaça me pareceu tão sincera *caio carmacho é poeta e picareta cultural.
A Alfredo Labes, meu pai, por ter me ensinado a poesia do silĂŞncio.
VENTO SUL
de qualquer forma sul como promessa de desengano melancolia grave de quando faz frio trรณpico de capricรณrnio redesenhado na garganta.
TRAPAร A 13
tântrico tétrico tro vão
trânsito término ten ta ção
TRAPAÇA 15
ENTRELINHAS
o poema consuma e consome os anônimos e seus nomes. o poema reflete muito pouco [muito pouco] o que se espera apareça no espelho. por isso te aconselho: não procures no poema mais do que haja nas entrelinhas. assim evitas desvios e poupas que se entorte o caminho (já) incerto que caminhas.
TRAPAÇA 16
V A R I AÇ ÃO # 0 1
o poema pra existir necessita desse silêncio. o poema necessita do hiato que se forma quando pára finalmente de chover. o poema para haver necessita desse porão acinzentado que a gente leva consigo por onde quer que se ande. o poema necessita de mim e de ti nu n c a n e
TRAPAÇA 17
D E S D I Á LO G O
— A poesia tá morta faz tempo e a gente fica fazendo onda. — Mas aqui dentro faz calor, só tu que não vê. — O vento é frio e cortante, mesmo que o verão venha do alto? — Mataram as andorinhas e já não se olham mais no espelho.
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V A R I AÇ ÃO # 02
a poesia esporádica catártica sintomática e voraz deveria ser caminho de paz mas não: o poema é vento que antecede a tempestade. o poema é sombra para toda e qualquer verdade. poesia somente de vez em quando como quem diz não mas quer sempre mais.
TRAPAÇA 19
ENTRELINHAS
o poema consuma e consome os anônimos e seus nomes. o poema reflete muito pouco [muito pouco] o que se espera apareça no espelho. por isso te aconselho: não procures no poema mais do que haja nas entrelinhas. assim evitas desvios e poupas que se entorte o caminho (já) incerto que caminhas.
TRAPAÇA 20
OFÍCIO
Que o poema fale por si. Que os poemas dêem a si mesmos algum significado. Que os poemas nos deixem dormir cada um prum lado. Que os poemas nos cobrem menos, andamos tão atarefados. Que não exijam demasiado, que tenham em si a leveza daquele dia em que eu sorria. Por que poemas?, volta e meia me perguntam. [Eu me faço essa pergunta todo dia].
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NAFTALINA
Todas palavras guardadas decantaram e formaram crosta no fundo de meu aquário. As palavras não ditas mesmo intranqüilas sedimentaram.
E eu, que guardava cada palavra bem no fundo do armário
não pude escutar os segredos que as palavras me falavam.
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DESPOEMA
Se os poemas ao menos nos dissessem o que a gente cresce sem nem desconfiar: que a vida é dura e é toda tua e que não perdes por esperar: [a gente só perde senta, espera; perde, senta e espera] Se os poemas ao menos dissessem que a gente nunca chega, de fato, a ganhar. Então os poemas seriam sinceros [e já não haveria mais que escrevê-los]
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ÀS 3 DA MANHÃ
correr o risco de comprometer a palavra: reexistir no extinto redesenhar os destinos recaminhar a caminhada. autorizar o desatino reeditar o manuscrito: o poema deveria exigir silêncio, mas não cala.
TRAPAÇA 24
R E S Q U I A S C E I N P AC E
aqui jaz um poema com todas suas mazelas sujo como uma janela que chuva alguma daria jeito de limpar. aqui jaz um poema-cela que se prendeu a si mesmo — porta trancada por fora que não vale a pena arrombar.
TRAPAÇA 25
SOLICITAMOS:
o poema sรณ faz sentido quando se dรก conta de seus perigos. t que a poesia seja amiga pra toda vida. que os poemas silenciem e nos permitam dormir.
TRAPAร A 26
CÓDIGO POSTAL
escrever nos envelopes poemas como se endereços postá-los para quem sabe e esperar chegar o olhar atento e um balançar de cabeça como resposta: “o senhor precisa preencher direito” aceita assim mesmo se o envelope se perde talvez que a gente se encontre por aí.
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NO ENTANTO
sigo queimando poemas que quase ninguém lê três ou quatro leitores não se pode levar a sério : não levam à tevê ; ao encontro com a fátima ; às cozinhas enguiçadas dos programas de culinária sigo escrevendo poemas e me pergunto : pra quê? fazer dessa uma outra vida e recomeçar a caminhada , palavras , palavras , poemas armação & cilada.
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POESIA S.A.
direto da prateleira do mercado marcado com o preço dos mais caros alvo, perfumado e macio. sobretudo despreocupado sobretudo vazio. mas quem disse? serve para limpar a pele e o plástico do bacio. leve tanto quanto vadio. surdo — que não ouve meus reclames. mudo — que fala sem dar um piu. nada de poema umedecido com cheiro de talco de salto alto e juvenil: é necessário que diga a verdade mesmo que a verdade se encontre no fundo do rio. é preciso o poema da urgência das noites de tristeza e frio (que sirva a quem quer que seja sem lugar e hora marcados, sem norte ou algum outro lado) que seja água para os afogados espalhe merda pra todos os lados. já não preciso do poema sutil que sirva só pra limpar o meu rabo.
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TRAPAÇA 30
sonhos de edredom num inverno que nasce belo e reflete nem o cinza nem o marrom: desabrocha amarelo.
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