Ink soul - reportagem

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Inksoul

FOTO: ARTHUR ROCHA

Raissa Luz tatua trecho de m煤sica nas costelas do estudante de Direito, Julio Alves.

Hist贸rias de quem tem Alma de Tinta

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Ago - Set - Out 2013

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IDADE

ORIGEM

Mateus Gomez

26 anos

S Paulo/SP

FOTOS: ARTHUR ROCHA

NOME

ESTILO PREFERIDO

5 anos

Old school

Passe o Mouse em nossos artistas

“O

desenho saiu legal, mas fizemos algumas coisas erradas. Pintamos o desenho usando uma agulha para traço. Foi meio às cegas, poderia ter sido menos doloroso e mais rápido”, conta, sem seguo riso, Tahiane Macedo, 22 anos, Arthur Rocha rar estudante de Jornalismo e tatuadora aprendiz. O relato é da experiência arthurd.oliveira@hotmail.com da sua primeira tattoo, feita na amifacebook.com/arthurrocha007 ga Gabriella Fonseca. 32

TATUA HÁ

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Tahiane usa a primeira pessoa do plural, “fizemos” e “pintamos”, porque essa primeira tatuagem ela não fez sozinha, fez com Gabriella. “Ela praticamente me obrigou. Ela estava mais animada do que eu, porque eu estava com medo. Eu já desenhava, mas eu não estava confiante para tatuar”, fala Tahiane abrindo o jogo. Gabiella, além de insistir para ser a primeira tatuada pela amiga, ainda deu algumas dicas para a iniciante enquanto Tahiane tatuava cinco morceguinhos pretos no seu braço.

Gabriella tem muitas tatuagens, uma delas é uma caveira mexicanaa tatuada no braço cujos morceguinhos de Tahiane vieram para complementar o desenho original. “Foi divertido. Por um lado ela confiou em mim e me deu esse voto de confiança, e eu confiei nela para me dar esse apoio. Eu ainda não estava familiarizada”, confessa Tahiane. As duas levaram quase duas horas para completar os cinco morceguinhos, que pouco tempo depois ainda foram retocados por Tahiane para garantir o resultado final.

Gabriella, 31, é jornalista e trabalha com mídias sociais, mas também já teve seus tempos de aprendiz de tatuadora. Ela chegou a ficar um ano como aprendiz num estúdio, mas não deu continuidade ao trabalho: “eu não segui o caminho de continuar tatuando, porque o povo só queria fazer desenho feio, em 80% dos casos, ai perdi o tesão”.

Tahiane acha que Gabriella insistiu em ser a primeira, pela amizade principalmente, mas também pelo fato de Gabriella já ter sido aprendiz. “Ela tinha total compreensão do risco de dar algo errado e como ela já tem várias tatuagens, se desse errado não seria tão visível”, justifica. Pode-se achar que o fato de alguém

já ter inúmeras tatuagens é decisivo para se dispor a ser tatuado por um iniciante, mas a segunda tattoo feita por Tahiane foi noutra amiga, Tamires Villar, que estava sendo tatuada pela primeira vez. Tamires desenhou o símbolo “Ohm”, gostou do resultado e fez a segunda tattoo também com Tahiane, uma rosa com tinta branca. Em quatro meses como aprendiz, Tahiane já fez uma média de 25 tatuagens, um bom número para quem está querendo exercitar a técnica. “Estou tatuando mais amigos, mas também já chegaram até mim pessoas que vieram através de amigos que eu tatuei”, conta. Ela se diz surpresa com a evolução que teve em apenas quatro meses.

não achou o ato de tatuar difícil: “acho que qualquer pessoa com treino pode aprender a técnica, mas é preciso muita responsabilidade e há coisas na tatuagem que vão além de furar a pessoa, como você saber usar bem o espaço, entender de desenho, saber como a tattoo vai ficar depois de cicatrizada, quanto de tinta usar...”, pontua.

A tatuagem está muito popularizada entre as pessoas nas grandes cidades e não é raro conhecer tatuadores aprendizes, como Tahiane e Mateus Gomez dos Santos, mais conhecido como Fofo. Mateus não é tão novo no ramo, mas diz que ainda se considera um aprendiz: “eu comecei a tatuar já tem cinco anos, mas a Para os que sempre tiveram von- frequência que eu tatuo é baixa, tade de ser tatuador, mas também diferente de quem tatua em essempre tiveram receio de colocar túdio, que faz trabalho todo dia”, a mão na agulha, Tahiane diz que justifica o jovem de 26 anos. Ago - Set - Out 2013

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FOTO: ARTHUR ROCHA

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O apelido Fofo o acompanha desde o colégio. Mateus nasceu em São Paulo, mas mora em Natal há 14 anos quando veio com toda a família para a terra do sol. “Desde molequinho lá em São Paulo eu já curtia tatuagem, sempre quis ter. Fui crescendo, conhecendo tatuadores através do rock e me aproximei mais dessa arte”, lembra Mateus de como tudo ocorreu. Atualmente, não é de tatuagem que Matheus vive propriamente, ele trabalha na cozinha de um restaurante vegano durante o dia. Mas o final da tarde e a noite ficam disponíveis para quando algum cliente procura pelo seu trabalho artístico. Ele tatua no estúdio de um amigo, já que não tem estúdio próprio. “Passo a porcentagem do estúdio [30%], porque eles me fornecem o espaço e o material descartável. Mas tintas e máquina sou eu quem tenho as minhas”, explica o tatuador, que já perdeu as contas de quantas tatuagens tem. Na verdade, é difícil achar um tatuador que saiba precisar quantas tatuagens têm espalhadas pelo corpo. Se por um lado, Natal está cheia de aprendizes no ramo da body art, por outro, há também um bom número de profissionais com bastante tempo de trabalho em estúdio e larga experiência. Alexandre Cavalcante, 35, e é um bom exemplo disso. Ele trabalha com modificação corporal há 15 anos. “Eu sempre fui diferente, sabe quando você chega da escola todo riscado, a roupa rasgada!? Demorou para eu sacar que era isso que eu iria ser e que é isso que eu realmente gosto. Pretendo trabalhar com body art até morrer”, relata. Em 2003, Alexandre abriu seu próprio estúdio de piercing e tatuagem com mais dois sócios. Depois de um ano juntos, Alexandre comprou a parte dos outros dois e ficou como proprietário único, “o estúdio vivia bem só do meu trabalho com modi-

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2 Flor com tinta branca foi a segunda tattoo de Tamires Vilar com a aprendiz Tahiane Macedo

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Morceguinhos feitos por Tahiane enfeitam caveira mexicana de Gabriella Fonseca

4 Decalques funcionam como stencil, ou carimbos, para servir de base na hora de fazer a tatuagem

Segunda tattoo feita por Tahiane foi na amiga Tamires Vilar. O símbolo Ohm representa o som do universo

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ficação corporal, mas eu tinha uns tatuadores que ficaram por um tempo aqui fazendo essa parte de tatuagem”, explica Alexandre. Esses tatuadores não demoraram muito, foi só o tempo necessário para preparar Raíssa Luz suficiente para assumir a cadeira de tatuadora do estúdio. Raíssa tem 29 anos e trabalha como tatuadora há oito, todo esse tempo no mesmo estúdio, junto com Alexandre. A sintonia entre os dois é perfeita, mas eles são bem mais que colegas de trabalho e bodyartists. Onze anos atrás, Raíssa foi até o estúdio de Alexandre colocar um piercing. Ninguém imaginava o que iria acontecer depois daquilo. Os dois não se conheciam bem, mas como explica Alexandre: “nós já tínhamos alguns amigos em comum e nos encontrávamos de vez em quando nos shows, porque a gente tem o mesmo gosto musical”. Os amigos em comum e o gosto musical foram suficientes para Alexandre e Raíssa se aproximarem mais e virarem super amigos. Tão amigos que eles passaram a compartilhar mais do que a paixão pela bodyart, estão casados até hoje e têm duas filhas.

Daniella Marques, 22, estudante de Ecologia, fez uma tatuagem no antebraço esquerdo para homenagear os pais.

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Alexandre foi o maior incentivador para Raíssa começar a tatuar, “olha, eu vou comprar o material ai você tenta, se você não gostar, tudo bem”, dizia ele, torcendo para ela aceitar. Mas foi de primeira, Raissa começou treinando em casa e com uns seis meses ela já estava pronta para tatuar no estúdio. “Quando ela chegou, completou, ficou perfeito. Eu com modificação corporal e ela trabalhando com tatuagem”, diz Alexandre todo empolgado.

tatuador. Mas eu quero ver daqui uns cinco anos. Tem que ter pé no chão, não dá para brincar de ser tatuador”. Alexandre também tem opiniões bem formadas sobre tatuadores sem tatuagens. Para ele, é inconcebível a ideia de alguém que trabalha com uma arte e não admira essa arte a ponto de tê-la para si mesmo. “Acho que tatuador tem que ser tatuado, porque se você trabalha com isso tem que ser porque gosta. E se você gosta, você vai fazer em você. Vejo muita gente hoje na tatuagem que está pelo mercado, pelo dinheiro e não pela arte”, opina. De fato, são pouquíssimos os tatuadores que não tem piercings, alargadores e tatuagens. Seguindo o raciocínio de Alexandre, é o mesmo que ser cantor e não comprar CDs ou ir a shows, ser médico e não cuidar da própria saúde, ser um dentista de dentes estragados, ou ser um cabeleireiro que não cuida do próprio visual.

Clayton Alves, 32, é um exemplo de tatuador tatuado: “Quantas tattoos você tem? Ah... já parei de contar, agora eu conto os espaços que estão vazios”, diz enquanto olha para os braços, procurando um espaço em branco na pele. Clayton já tinha muitas tatuagens antes mesmo de ser tatuador. A primeira foi um desenho animado, do Tiny Toon, feita em Vitória/ES, cidade onde morou muitos anos, até vir a Natal em 2003. “Não tenho mais. Já cobri”, diz ele Quando o assunto é o grande núme- a respeito da primeira tattoo. Na ro de novos tatuadores surgindo no época, Clayton era menor de idade mercado, Alexandre dispara: “Eu e atribui a isso o fato de ter se desvejo muita gente que vai na onda, agradado da antiga tatuagem a ponmuito jovem, larga tudo para virar to de fazer outro desenho por cima.

Natural de Brasília, Clayton tem uma mistura de sotaques de quem morou também por muito tempo em Vitória e mesclou o sotaque capixaba com o potiguar. Foi em Natal que começou a trabalhar como tatuador, em 2003. Depois de um ano na cidade do sol, ele voltou para Vitória na tentativa de conseguir um mercado melhor na área de body art, mas retornou para a capital potiguar depois de um ano em Vitória. Clayton diz que prefere ficar em Natal. Para o futuro, Tahiane pretende deixar de lado o jornalismo e se dedicar a profissão de tatuadora “é isso que eu quero fazer, acho que não estou dando passos maiores que as minhas pernas”, comenta a aprendiz com a satisfação de quem tem conquistado bons resultados em tempo tão curto. A jovem, que começou tatuando do mais simples, já enxerga grande evolução nos seus desenhos, desenvolvimento também tem atestado de Gabriella Fonseca: “com certeza ela já evoluiu muito. Mais um ano e ela vai estar profissional, isso eu garanto. Já vi muita gente começar e estagnar, mas ela vai longe”. Independente de opiniões, uma coisa é certa: Tahiane não tem mais pintado tattoos com agulhas para traço. Ago - Set - Out 2013

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Família XTREME

E

ntre uma tattoo e outra, Raissa larga as agulhas e tintas para amamentar. Bela está todos os dias no estúdio, afinal, ainda é um bebê e precisa dos cuidados dos pais, que não podem se afastar do trabalho, porque no caso de Alexandre e Raissa, as licenças maternidade e paternidade não são úteis. Ficar sem trabalhar implica em não atender aos clientes e é prejuízo certo. “Logo que ela puder ir para um berçário, ela vai, porque o trabalho dos pais não é o ambiente certo para eles [filhos], eles devem ter outras rotinas”, justifica a mãe.

sempre teve vontade de ter uma tatuagem ou um piercing, mas nunca o fez por preconceito. Nesses casos, entretanto, são gerações mais velhas que agora se abrem para esta arte. Contudo,, um novo perfil de pais tem surgido nos últimos anos: aqueles que sempre tiveram tatuagens, desde antes do casamento e da chegada dos filhos. É o caso do casal de tatuadores Alexandre e Raissa.

Os dois se aproximaram através da body art e, hoje, têm duas filhas: Nicole, de dez anos, e a pequena Cada vez mais, pais, mães, tios e Bela, que ainda vai completar seu avós se rendem à body art. Para primeiro aninho. Os dois tatuadores a tatuadora Raissa Luz, isso se dá são muito apegados às filhas, e dão quando se trata de alguém que o melhor que podem para as peque38

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papai e mamãe trabalham.

nas, tanto materialmente quanto em atenção e carinho, como qualquer bom pai e boa mãe. Durante a entrevista, não foram raros os momentos em que os pais corujas relatavam os acontecimentos abraçados com Nicole ou ba-

lançando Bela no braço. Um choro aqui, outro ali, mas é só manha de Bela para falar para o pai que quer alguma coisa ou que não quer outra. Ela é muito pequenini-nha ainda para falar. O carrinho de bebê está sempre por perto, vai que Bela resolve dar um cochilo enquanto

No sábado, Nicole não tem aula, então passa a manhã com os pais no estúdio, que abre no sábado até às 13h. Nicole fica no computador, jogando e online nas redes sociais. Ela também dá uma ajuda aos pais cuidando da irmã mais nova e chamando Alexandre quando chega alguém no estúdio para ser atendido. Nicole diz que gosta de ficar no trabalho dos pais e que acha bonito os desenhos que eles tatuam. De vez em quando ela, que também gosta de desenhar, até opina nos decalques de Raissa. Tem gente que não gosta de trabalhar com o marido ou a esposa,

porque acha ruim ficar o tempo inteiro junto, “mas a gente não tem isso não, sempre foi tranquilo, nunca tivemos problema”, relata a esposa de Alexandre. No estúdio de Raissa e Alexandre só os dois trabalham fixos, mas de vez em quando vem algum tatuador de fora para passar uma temporada e logo vai embora. No mais, são só os dois, dia após dia trabalhando juntos num empreendimento compartilhado. “Eu prefiro que ela me tatue, ela é uma excelente tatuadora e nesse campo eu sou amador”, revela Alexandre, que tem engatinhado seus primeiros passos no campo da tatuagem. Tanto Raissa tem tatuagens feitas por Alexandre, quanto Alexandre tem tattoos desenhadas pela esposa. Ago - Set - Out 2013

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Clayton Alves tatua frase “Ir, sobretudo, em frente”, no estudante de jornalismo André Araújo

No princípio era a tinta

FOTOS: ARTHUR ROCHA

Desenhar na infância é algo comum, mas como saber que o ato de desenhar é mais do que uma simples brincadeira e pode virar algo profissional? Boa parte dos tatuadores, antes de desenharem na pele, desenhavam no papel. Contudo, como diz Clayton Alves, “tem tatuador que tatua, mas não desenha. Assim como tem muita gente que desenha sem precisar ser tatuagem”.

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Luvas e máscaras descartáveis são material indispensável na hora de tatuar

No caso de Tahiane, o desenho apareceu para ela desde os três anos de idade – relatos da mãe para a filha, pois Tahiane não lembra bem dessa época, então define como “desenho desde que lembro de mim”. A aprendiz fala que nunca imaginou que o desenho poderia ser algo profissional. Hoje pensa em fazer vestibular para Artes Visuais ou design, depois de se formar em Jornalismo. Foi só quando entrou na faculdade que Tahiane começou a pensar em trabalhar com o que mais gostava de fazer, desenhos. Em 2010 ela fez sua primeira tatuagem, um cogumelo colorido, foi o primeiro passo para sentir na pele o que seria tatuar. “Alguns amigos tatuadores me incentivavam muito, me davam dicas e me deixavam ficar vendo eles trabalharem no es-

túdio. Isso tudo fez diferença e contribuiu muito, lembra Tahiane. Até botar a mão na agulha, foram dois anos de leitura, estudo, pesquisas, desenhos e muitas referências, só ai Tahiane comprou seus primeiros equipamentos e se lançou num universo novo de possibilidades. O início de qualquer atividade é sempre instigante pelo novo, mas sempre incerto. Raissa Luz, incentivada pelo marido, usou a seguinte tática de aprendizado no início da profissão: “Comecei me tatuando e aproveitando a oportunidade para ver e saber como se faz, ai fui tendo noção das coisas”, relembra. Raissa montou tudo para ser tatuadora, realmente investiu todas as fixas nisso. Desde a primeira tatuagem, ela já tinha essa ideia fixa. Não abandonou o curso de Jornalismo, mas concluiu a faculdade e guardou o diploma na gaveta. Desde a época em que ainda era universitária, Raissa já trabalhava com tatuagem. É curioso ver uma história tão parecida com a de Raissa se repetindo com a recente aprendiz Tahiane. “Eu sempre gostei de desenhar, desde pequena, mas não fazia nada que preste não”, conta Raissa com bom humor. Foi só em 2003, que ela fez um curso para ajudar a desenvolver o lado direito do cérebro, “então

passei a enxergar os desenhos de forma diferente e fui praticando mais para me aperfeiçoar”, relata. Para Alexandre, sempre houve o interesse em trabalhar com o mercado. Ele sempre foi independente, de opinião e empreendedor, foi assim que colocou para frente o projeto do estúdio próprio, que passou por alguns problemas de sociedade no início, mas que hoje traz bons resultados. Ele começou colocando piercing, expandiu o campo de trabalho para outras formas de modificação corporal, e hoje em dia está dando seus primeiros passos na arte de tatuar. Nesse momento, Raissa tem sido professora. O incentivo dos pais pode ser muito significativo no desenvolvimento das habilidades dos filhos. Mateus diz que sempre gostou de desenhar, mas que sente falta de ter sido mais estimulado a essa habilidade desde a infância. “Fui me envolvendo com outras coisas e deixei o desenho de lado, só voltei mesmo a desenhar quando me aproximei da galera da tattoo e voltei já fazendo desenho de tatuagem”, explica. Fofo também teve seus Ago - Set - Out 2013

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tempos de iniciante. Ele começou a tatuar com 20 anos, como aprendiz no estúdio “Insane needles”, que não existe mais. Um estilo pra chamar de meu Todo tatuador tem suas preferências na hora de desenhar e de tatuar. O gosto é algo intrínseco à condição humana, mas no caso dos tuadores, esse gosto pode ajudar a definir um estilo próprio. “Eu gosto de colorido, eu amo fazer desenhos com cor e pretendo crescer nesse estilo... Mas, na verdade, eu gosto de tudo, só que o colorido deixa tudo mais divertido”, opina Tahiane. Quem compartilha do gosto pelas cores é Raissa: “Eu gosto de desenhos coloridos, coisas orgânicas, desenhos de coisas vivas... pessoas, animais, flores”, conta. Independente do gosto ou estilo, uma coisa é unanimidade entre os tatuadores: todos preferem tatuar seus próprios desenhos. “Eu gosto mais de tatuar os meus desenhos, mas quando as pessoas já trazem algo pronto que se identificam e não querem que seja feita qualquer alteração, ai faço do jeito que me trazem, normalmente isso acontece com símbolos e frases”, explica Raissa. A maior parte dos tatuadores está nos estúdios de body art, mas há muitos que optam por não trabalhar fixo em estúdio algum. Isso também é uma forma de delimitar um estilo próprio de trabalho. Mateus, o Fofo, diz que não costuma fazer tatuagem comercial, “faço

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mais meus desenhos mesmo, vou em estúdios de amigos só quando me aparece algum trabalho legal, não fico fixo”, explica. Apenas em casos quando Fofo está precisando muito de uma renda extra é que ele faz coraçõezinhos, borboletas, estrelinhas, pimentinhas e símbolos do infinito. “Eu defendo muito a tatuagem como arte e a tatuagem autoral, é isso que eu quero para mim, por isso que eu não fico muito em estúdio”, opina. Clayton Alves tem tatuagens feitas em Natal, em Vitória, na Europa, em São Paulo... Clayton também viaja muito para outras cidades e outros países para participar de eventos de body art e para tatuar pessoas por todos os lugares. “Eu gosto de estilo oriental, e tattoos em preto. Mas eu faço de tudo, trabalho em estúdio e cada dia tem um trabalho diferente. Eu gosto mais quando aparece um oriental ou realista. A gente se empolga mais, mas também vai muito do cliente lhe dar a liberdade para você trabalhar”, opina o tatuador. Público e Mercado No início, Raissa diz que tatuava mais jovens, de 20 a 30 anos, “hoje em dia não tem mais isso. Tenho muitas clientes senhoras”, explica ela. Parece curioso, mas a tatuadora diz que é bem recorrente jovens que vão ao estúdio levar os avós, pais e tios para colocar um piercing ou fazer uma tatuagem. Raissa começa a rir quando lembra um dia em que a avó ficou insistindo para a neta fazer uma tattoo, disse que pagava e tudo, e a moça não quis fazer de jeito nenhum, ainda retrucava com a avó

que não insistisse que ela não gostava de fazer tatuagem. A maior parte do público do estúdio de Alexandre e Raissa chega ao local procurando especificamente pelo trabalho dos dois. No geral, são pessoas que já conhecem o trabalho, gostam ou então que receberam indicação de amigo. “A galera mais madura é um público muito legal de trabalhar, e hoje em dia está muito comum”, relata Alexandre, que por ser profissional antigo em Natal, tem uma vasta e fiel clientela, conquistada ao longo de muitos anos. Há dez anos, o mercado de body art era bem complicado em Natal, cidade ainda muito pequena na época. Este cenário foi decisivo para Clayton passar um ano em Vitória na busca por um mercado mais aberto à sua arte. “Mas a cidade vai crescendo, as pessoas viajam, veem mais coisas diferentes, vão gostando e isso vai ficando mais habitual”, explica como é o processo pelo qual a tatuagem foi se naturalizando. Os clientes mais jovens, principalmente quem vai se tatuar pela primeira vez, costuma fazer desenhos prontos, normalmente encontrados na internet. A arte muitas vezes deixa de ter seu caráter artístico quando o mercado e a cultura de massa se apropriam dela, impulsionando uma reprodutibilidade desenfreada. “As vezes me perguntam, e ai, o que está saindo mais? É complicado de responder”, diz Clayton a respeito das tattoos comerciais. Frases, borboleta, estrelinha é o que mais aparece no estúdio

OLD SCHOOL As tatuagens Old School, ou “tradicionais”, tem origem na década de 1890, mas a popularização deste estilo ocorreu após os anos 1920, época em que boa parte dos tatuadores foi trabalhar perto de bases navais americanas. Foi então que a tatuagem Old School se tornou símbolo de bravura e personalidade, contando histórias e viagens dos marinheiros. Os principais desenhos deste estilo são rosa dos ventos, estrela náutica, âncoras, rosas, andorinhas, corações com flâmulas e frases, mulheres seminuas e pin-ups. Ago - Set - Out 2013

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que Clayton atende. No verão então... Nem se fala... É a época em que os tatuadores cansam o braço e as agulhas ficam a todo vapor. O que aparece de sol com metade coberto pela lua, estrelinha por trás da orelha e símbolo de infinito no pulso não está escrito. No verão todo mundo que se mostrar, as roupas são mais curtas e o lance é deixar a tattoo à mostra. Segurança e cuidados

FOTOS: ARTHUR ROCHA

Tintas e equipamentos importados ainda são considerados melhores que os de marcas nacionais

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A tatuagem é uma arte que utiliza coo suporte não o papel ou uma tela de computador, como as artes gráficas, mas sim o corpo humano. Em virtude disso, há algumas peculiaridades no que diz respeito à segurança que este trabalho exige para ser desempenhado. O número de tatuadores que não trabalham segundo as normas de vigilância, segurança e higiene é bem reduzido, mas ainda existe. Segundo Clayton Alves, este número tem reduzido, “porque está tudo muito mais acessível: materiais, tintas... Pela internet dá para comprar, antigamente era muito mais complicado, tudo vinha de fora, era preciso viajar”, explica. Hoje, há muito mais fábricas brasileiras no ramo de produtos para body art e a qualidade do trabalho destas empresas também melhorou muito, apesar dos produtos importados serem ainda muito melhores, mas também são bem mais caros. Além das questões de higiene, é muito importante atentar para um ponto destacado por Alexandre, o sério problema da pirataria no

Brasil, que não se restringe a CDs e DVDs, mas até peças de modificação corporal e produtos para tatuar são pirateados no país. “No início era difícil se conseguir comprar equipamentos para trabalhar com body art porque só existia mais fora do país e os vendedores não vendiam abertamente por conta da pirataria, era preciso ser de muita confiança, para saberem que você é realmente profissional”, explica o tatuador. Da mesma forma que hoje os produtos e materiais estão mais acessíveis, expandiu-se também o mercado pirata de body art. “Tem muita loja por ai, de bijuteria por exemplo, que vende peça barata dizendo que é aço cirúrgico, mas não é. Aço cirúrgico tem uma liga especial que não possui nenhuma substância prejudicial ao organismo, não é o que eles vendem. Mas a população não quer qualidade, só quer pagar barato, isso já me desmotivou um pouco algumas vezes”, opina. Concorrer com preços mais baixos é sempre foi difícil em qualquer segmento de mercado, e lidar com a concorrência trazida pela pirataria é uma situação que os profissionais de body art enfrentam diariamente. Os consumidores devem ficar atentos aos materiais que compram e aos locais onde se tatuam ou fazem modificação corporal, porque o barato pode não sair em conta quando trouxer prejuízos para a própria saúde. O tatuador Clayton Alves dá algumas dicas de decisões e cuidados necessários na hora de fazer uma tatuagem. Confira no vídeo.

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Quando a tatuagem vira filme “F

azer tatuagem é uma coisa interessante. A gente termina, olha no espelho e pensa: ‘vai ficar aí pra sempre’. Eu gosto disso”, relata Rafael Barbosa, 23, jornalista. Se fazer uma tatuagem pode ser algo interessante Rafael já está na segunda e pensando na próxima – imagina ter sua tattoo documentada em videoart?! O trabalho artístico do vídeo, desde filmagem até a edição, ficou a encargo de Rafaela Bernardazzi e Vanessa Paula Trigueiro. A dupla utilizou duas câmeras Canon 60D, com lentes 50mm, e o software de edição Adobe Premiere CS6 na realização do trabalho. Rafaela já havia feito uma sessão de fotos em 2010, durante a primeira tatuagem de Rafael. Mas em 2012, Rafaela e Paula se juntaram para dar forma à ideia de videoart. “A ideia surgiu no momento em que Rafael disse que faria outra tatuagem e nos chamou para acompanhá-lo”, explica Vanessa Paula. A gravação do vídeo durou o tempo de realização da tattoo e foram mais dois dias para editar o material.

As duas vídeoartists integram o projeto Maracujá Limão, que realiza vídeos de making offs de casamentos, de ensaios fotográficos, e qualquer situação em que o princípio seja acompanhar um processo que está sendo realizado por outro profissional e mostrar esses bastidores. Quanto ao resultado final, Rafael não mediu elogios: “Ficou muito bom. Não é porque são minhas amigas, mas elas se garantiram nas imagens e edição”. Para Rafaela, “o resultado foi satisfatório, tanto esteticamente quanto em relação à visualização do nosso canal [no Youtube]. O vídeo ficou leve e cumpriu bem sua proposta”, comenta. Rafael se mostrou interessado em fazer

outra videoarte com a próxima tattoo. E não é por acaso, o vídeo teve uma repercussão positiva nas redes sociais e Rafael até ficou surpreso ao ver gente que nem conhecia curtindo o vídeo e elogiando o trabalho. As videoartist dizem que a intenção não era ter muitas visualizações ou fazer qualquer tipo de promoção, mas sim “fazer o registro de um momento legal entre amigos”, explica Vanessa Paula. Apesar disso, o Maracujá Limão já está disponível para o caso de algum tatuador precisar de vídeos promocionais do estúdio de tatuagem. Confira o resultado da produção no vídeo a baixo e se inspire para o caso de você fazer a sua tattoo.

FOTOS: RAFAELA BERNARDAZZI

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1. Rafael Barbosa na seção da sua primeira tatuagem, um tribal maori 2. Segunda tattoo de Rafael, alvo das videomakers Vanessa Paula e Rafaela Bernardazzi 46

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FOTO: JEANN DANTAS

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o tengo todo calculado / ni mi vida resuelta / solo tengo una sonrisa / y espero una de vuelta” é um trecho da música “La vuelta al mundo”, da banda urbana portorriquenha Calle 13 (conheça mais da banda clicando aqui). Traduzindo, as palavras tatuadas na panturrilha de Jeann Dantas (31), jornalista, designer e estudante de Licenciatura em Espanhol, significam “Não tenho tudo calculado / nem minha vida resolvida / tenho apenas um sorriso / e espero um de volta”. Esta é a segunda tatuagem de Jeann (a primeira você pode ver na galeria de fotos desta reportagem). Ele a fez no dia em que completou 29 anos, em novembro de 2011. Jeann conheceu a banda Calle 13 por meio da esposa, Samaria Araújo, através do videoclipe da música Latinoamérica (que você pode assistir clicando aqui). Ele descreve a descoberta da banda portorriquenha como “amor à primeira escutada. Daí para baixar os álbuns da banda, foi um pulo. E cada vez me atraía mais a mescla sonora e as letras tão ácidas, inteligentes, de crítica social e de defesa do povo e da cultura latinoamericana”, explica. Dois meses depois, estavam Jeann e Samaria num show do Calle 13 na cidade de Córdoba/ Argentina. Depois de ouvir a banda ao vivo

“fiquei ainda mais absorvido pela energia da banda”, conta Jeann. Mas a ideia de tatuar um trecho de “La vuelta ao mundo” veio num dia enquanto escutava a música despretensiosamente. “Essa música, para mim, fala de alguém com ganas de escapar da rotina e buscar novos horizontes, novas experiências, e de fazê-lo ao lado da pessoa amada...” foi assim que o designer sentou de frente ao computador para desenhar a sua própria tattoo. A ideia inicial era tatuar só o trecho da música, mas quando Jeann começou a desenhá-la, veio a ideia de agregar alguns símbolos, como um sol e um homem alado, que ilustram a vontade de ir além, de buscar, de transcender. Dois dias depois do desenho pronto e uma hora e meia com as agulhas tingindo a pele, estava Jeann carregando na perna uma nova tatuagem. Jeann fotografou a nova tatuagem, postou no facebook e teve a ideia de marcar o perfil da banda na sua postagem. Não deu outra, a banda compartilhou a foto na página própria deles e os inúmeros seguidores do Calle 13 não perderam tempo em curtir, comentar e compartilhar. A tatuagem de Jeann já foi, desde então, visualizada pelo mundo todo, e inclusive copiada parcialmente e até na íntegra (veja a tattoo de Jeann na Fanpage do Calle 13, clicando aqui).

Quando a tatuagem sai da pele e ganha o mundo 48

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Uma boa história para a

primeira tatuagem

N

a bancada, o papel cirúrgico, sabão, a fonte com regulagem de voltagem, o clip cord – peça que transfere energia para a máquina, álcool e tinta – pigmentos vegetais e minerais de cores variadas. Clayton vai preparando tudo para fazer a tatuagem. O decalque, cópia da imagem em papel vegetal, já foi feito há alguns minutos. Coisa rápida, com grafite e o papel por cima do desenho original, não levou mais que cinco minutos.

“O decalque vale muito para esses desenhos comerciais, é como um carimbo”,

explica ele. E o meu desenho era um desenho comercial: um avião de papel dobrado, estilo origami. O tempo para elaboração do decalque varia muito, é determinado pelo desenho a ser tatuado, quanto maior e mais cheio de detalhes for o desenho, mais trabalhoso será, nada disso foi o meu caso. Eu já estava de gravador ligado, perguntando uma infinidade de coisas. Clayton, que desde o agendamento da entrevista já havia se declarado tímido, responde tudo com poucas palavras, ainda meio inseguro. Todo repórter fica em pânico com fontes que são muito sucintas com as respostas. Por dentro eu sentia o dever de tornar a situação descontraída o suficiente para deixar o entrevistado mais a vontade e obter mais declarações. É tipo um jogo, que o repórter joga o tempo todo com a fonte, mas só quem sabe das regras é a parte que pergunta. Nunca fui que nem Alexandre, que chegava da escola todo rasgado e riscado de caneta ou hidrocor. Mas tem muito tempo que venho querendo fazer uma tatuagem. Gosto também de piercings. Tenho na orelha, já pensei em colocar no nariz, mas meu perfil alérgico 24 horas por dia a poeira e mudanças

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Em apenas dez minutos de dores suportáveis, me despeço de Clayton e deixo o estúdio com uma nova companhia para toda a vida

de tempo poderia ficar chateado com a decisão de um corpo estranho. E se eu espirrar até arrancar o piercing? Sempre me causou receio. Sou jornalista, queria uma história interessante para minha primeira tatuagem. Algo que fosse significativo para mim e me marcasse e que eu pudesse compartilhar com outras pessoas. A experiência de trabalhos e pesquisas na faculdade, sobre o ato do comunicador refletir sobre seu trabalho e contar bastidores das reportagens me inspirou a criar este espaço nesta publicação. Resolvi unir as duas coisas, fazer minha primeira tattoo e descrever isso e como foi fazer esta reportagem, com a possibilidade de compartilhar com tanta gente, quanto a internet me permitisse. E este alcance é incalculável e quase que infinito. O desenho escolhido foi pequeno, apenas em preto, num local do corpo nem muito exposto nem muito escondido, com traços e pintura. O avião de papel remete à possibilidade de transformação. O mesmo avião pode ser desfeito e o papel novamente dobrado dará origem a um mundo de novas possibilidades de uso. Eu gosto dessa característica híbrida, flexível e múltipla das coisas. Não que eu ache que tatuagem precise ter um significado para ser feita, mas a minha tem. Foi difícil decidir qual desenho tatuar, porque eu tinha – e ainda tenho – ideia para umas dez, mas a pressão do dead line foi o principal fator a me obrigar a decidir logo o tal desenho. Foi tudo rápido, em no máximo dez minutos eu tinha um desenho gravado no meu ante-

braço esquerdo. A dor é bem suportável, mas acredito que isso de dor é muito subjetivo, não dá para sair por ai quantificando dor, mas eu particularmente me considero alguém com uma boa resistência para dor. É legal quando às vezes o repórter também é personagem da sua própria reportagem, mas preferi deixar isso restrito a este espaço. Enquanto tatuava, Clayton ia me contando sobre as tatuagens que ele havia feito naquele dia, anteriormente a minha. Falava sobre que tipo de tatuagem é mais trabalhosa de fazer, e sobre os casos dele fazer o mesmo desenho em pessoas diferentes no mesmo dia. Muitos flashs, para registrar o momento, dos fotógrafos-amigos Januário Júnior e André Araújo, que também compartilhou naquele dia a novidade de exibir por ai uma tatuagem, mas dessa vez ele ganhou de mim por ter feito dois desenhos, enquanto eu fiz apenas um. Virão as próximas. Agradeço aos personagens da minha reportagem, que aceitaram fazer parte desta construção e se dispuseram a me dar o que eles têm de mais preciso, suas histórias. Adorei conhecer Alexandre, Raissa, Nicole e Bela, uma família linda que deve servir de inspiração para muita gente, como forma de quebrar preconceitos que ainda teimam em existir. Reportagem é um ato de entrega e de amor às histórias que se conta e eu me entreguei completamente a esta, que me fez dormir por algumas noites às quatro, cinco horas da manhã, mas que lembrarei sempre que olhar para minha primeira tatuagem. Ago - Set - Out 2013

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