SUMÁRIO Sobre o EIV..............................................................................................3 Apresentação.........................................................4 TEXTOS DE ESTUDO Exploração e o trabalho humano...............5 A Questão Agrária...................8 Alguns elementos sobre o histórico do desenvolvimento rural no Brasil .....13
ALGUNS ELEMENTOS SOBRE O HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO RURAL NO BRASIL
ÍNDICE
SOBRE O EIV............................................................................................................ 3 APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 4 COMISSÃO POLÍTICO PEDAGÓGICA DO XIII EIV SM ................................... 5 TEXTOS DE ESTUDO Exploração e trabalho humano ...................................................................... 6 A questão agrária ............................................................................................ 8 Alguns elementos sobre o histórico do desenvolvimento rural no Brasil ..... 13 A doença da “normalidade” na universidade ............................................... 19 Movimento estudantil: papel & concepção .................................................. 23 Sociedade e educação uma relação indissociável: a ruptura passa por aqui 27 O que é gênero e suas implicações ............................................................... 31 Juventude e diversidade sexual ..................................................................... 34 Estruturação do racismo e os desafios para combater o genocídio da juventude negra ........................................................................................................ 36 Agroecologia não é um tipo de agricultura alternativa ................................ 37 Por que o socialismo? ................................................................................... 39 MÚSICAS ................................................................................................................. 45 POEMAS .................................................................................................................. 54
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SOBRE O EIV A fim de contemplar uma reflexão mais profunda sobre os processos educativos, sociais e agrários, o estágio se configura com metodologia bastante distinta dos projetos formais de extensão. As atividades dividem-se em três fases:
Preparação: Inicia a partir do momento em que a comissão político pedagógica envia ao endereço dos estagiários a cartilha com os textos bases, sendo essa leitura obrigatória para um melhor aproveitamento dessa fase. Tem prosseguimento já no local da fase preparatória, na sede comunitária do assentamento de Invernadinha, na cidade de Júlio de Castilhos – RS. Esta fase durará sete dias, sendo este período destinado para o estudo e aprofundamento teórico-prático e para os encaminhamentos do estágio. Nesta etapa pretende-se, através de discussões, aprofundar alguns temas que serão necessários para um maior entendimento da/o estagiária/o acerca do contexto organizativo e produtivos do espaço agrário.
Vivência e acompanhamento: É, sem dúvidas, o período mais importante do estágio, uma vez que é nesse momento que o estagiário tem a oportunidade de entrar em contato com a realidade dos assentamentos de reforma agrária do Rio Grande do Sul, por cerca de sete dias, a fim de experenciar, refletir e avaliar o contexto vivenciado. Nesta fase os estagiários serão conduzidos até as localidades de assentamentos rurais que perfazem as regionais do MST, onde acompanharão todas as atividades realizadas pelas famílias e de mais organizações que possam estar inseridas neste contexto. É, de fato, um momento de real imersão na realidade das famílias.
Avaliação e conclusão: Nesta etapa é prevista a reunião de todos os estagiários com os demais participantes por quatro dias, com o objetivo de socializar as experiências individuais do período de vivência, aprofundar os temas levantados durante a preparação, avaliar a experiência do estágio como um todo e por fim elaborar propostas para ações futuras que levem esta reflexão a outros espaços e a construção do próximo estágio interdisciplinar de vivência.
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APRESENTAÇÃO
Nascido das experiências acumuladas pela FEAB (Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil) na década de 80, o Estágio de Vivência tornou-se um espaço consolidado em inúmeras Universidades do país e vem contribuindo de maneira significativa na formação de profissionais mais voltados para a difícil realidade social brasileira. Além de promover um envolvimento maior das universidades com as suas regiões de abrangência, rompendo com o academicismo desprovido de práxis social, o Estágio de Vivência proporciona aos estudantes universitários um contato direto com as comunidades de assentados e agricultores familiares organizados, vivenciando na prática seus problemas, suas formas de organização e os desafios por eles enfrentados. Com uma metodologia bastante distinta dos projetos formais de extensão desenvolvidos nas Universidades, o Estágio de Vivência se caracteriza por fundamentar-se em alguns princípios básicos, dentre eles a interdisciplinaridade, onde se procura incentivar a participação de diversos cursos para que se possa abranger a realidade sob diversos enfoques, de acordo com as respectivas áreas do conhecimento. Outra característica importante é a forma interativa dos espaços reservados à discussão, principalmente nas fases de preparação e avaliação, privilegiando o debate como forma de construção do conhecimento, refletindo conjuntamente sobre as diferentes realidades vivenciadas durante o Estágio. Este projeto busca ainda, em sua primeira fase, mostrar a relação social do modelo de desenvolvimento imposto à sociedade Brasileira comparada à realidade vivida pelos assentados, através de Cursos de Formação Política envolvendo Economia e o Modelo Agrário, embasado em profundos estudos teórico-práticos desta realidade.
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COMISSÃO POLÍTICO PEDAGÓGICA DO XIII EIV SANTA MARIA
Aline Seixas Anna Victoria Silva Artur Fernando Poffo Costa Camila Tavares Paim Eduardo Machado Hector dos Santos Facco Mariana Marques Sebastiany Marjana Lourenço Mateus Luan Klein Karling Mauren Buzzatti Nicole Rezende Vitor Hugo Lopes
“Ou os estudantes se identificam com o destino de seu povo, com ele sofrendo a mesma luta, ou se dissociam do seu povo, e nesse caso, serão aliados daqueles que exploram o povo” Florestan Fernandes
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EXPLORAÇÃO E TRABALHO HUMANO O homem se distingue dos outros animais por várias coisas: pela música, pela filosofia, pela literatura. Porém antes de filosofar, compor ou escrever, os homens se diferenciam dos outros animais por sua capacidade de trabalho. O que significa que os homens são os únicos seres que produzem os meios de subsistência e, para fazê-lo, transformam o meio em que vivem. Os outros animais apenas recolhem o que encontram na natureza, sem plantar e depois colher. Assim, sua capacidade de modificação do meio em que vivem é pequena ou até mesmo nenhuma. Por outro lado, os homens, ao buscar os meios para comer, para se proteger da intempérie, para se divertir, transformam o meio que os cercam. Plantam, trabalhando a terra, alterandoa. Constroem casas, pontes, veículos para se deslocar-se. Assim, cada geração encontra um mundo diferente, não necessariamente melhor, mas sempre diferente do que a de seus pais. Invoca-se sempre o caso das abelhas ou das formigas, que sem dúvida, trabalham. O trabalho delas, no entanto, é instintivo, repetitivo. Tanto assim, que é o mesmo ao longo dos tempos. Praticamente nada muda no mundo dos outros animais que não tenha sido introduzido pelo homem, da comida enlatada para gato ao poste. De resto, de geração a geração com as mesmas lentas transformações biológicas do homem, a vida transcorre de forma praticamente similar para os outros animais, ao passo que cada geração de homens se depara com um mundo transformado, para melhor ou para pior e vivem situações diferenciadas. A diferença dos outros animais, os homens têm a capacidade de transformar racionalmente o mundo que os cercam, formular um projeto e traduzi-lo em realidade concreta, por exemplo, construindo uma ponte para cruzar um rio ou um despenhadeiro. O homem reflete sobre as condições que vai enfrentar, formula um projeto, materializa esse projeto numa realidade concreta e assim muda o meio em que vive, domina as condições naturais em que se encontra e transmite às gerações seguintes um mundo modificado pelo seu trabalho. Por isso, ao ser aquele que transforma a natureza quando produz as condições de sua sobrevivência, o homem é o único ser que tem história, isto é, cujas condições de existência são transformadas por sua própria ação. O homem transforma a natureza quando nela investe para obter as condições para a sua sobrevivência e, ao mesmo tempo, é transformado por ela ou é transformado por seu próprio trabalho através das condições que o cercam, com um fim determinado. A energia humana se translada para um objeto material que é criado ou transformado através de ato de trabalho. Para que o trabalho seja possível, é necessária a ação do homem e matérias primas sobre as quais atuar, que podem ser a própria terra, no caso da agricultura, ou substâncias como, por exemplo, ferro, madeira ou couro. Além desses elementos, costuma haver instrumentos de trabalho, desde estiletes até máquinas complexas. Este ato de sobrevivência pode, ao mesmo tempo, ser um ato de emancipação, quando dirigido conscientemente para fins determinados, elaborado pelo intelecto e pela imaginação humana como o ato de liberdade, de criação livre do homem. Ou pode ser um simples ato 6
de sobrevivência inconsciente, um meio para obter um fim imediato, que se reproduz de forma cotidiana, mecanicamente. Para grande maioria da humanidade o trabalho tem sido isso - um instrumento de luta pela sobrevivência, um meio e não um fim. O trabalho tornou-se meio de vida para a grande maioria e meio de acumulação de riqueza para uma minoria. Isto é, serve como forma de exploração da grande maioria da humanidade por aqueles que ao possuírem capital, não necessitam trabalhar e podem viver do trabalho alheio. O trabalho se torna então fonte de sobrevivência precária para tanto se fonte de acumulação de riqueza para alguns. Antes do capitalismo o trabalho já era fonte de exploração e de acumulação de riquezas de uns à custa de outros. Enquanto a sociedade tinha um nível muito elementar de desenvolvimento econômico, todos necessitavam trabalhar. As diferenças vinham apenas das formas de trabalho, da divisão de trabalho. Dentro das próprias famílias se estabeleciam diferenças de funções, em que o homem em geral se dedicava à busca de meios de sobrevivência, enquanto à mulher cabia o cuidado dos filhos à cozinha e o arranjo da habitação. Era ainda uma divisão técnica do trabalho, em que cada um buscava fazer aquilo para o que tinha melhores propensões, mas já implicava em privilégios, porque propiciava ao homem maior contato com o mundo, experiências novas e menos repetitivas que o trabalho doméstico. Além disso, desenvolvia nele a força física e uma diversidade maior de habilidades, tornando-o mais apto para enfrentar situações novas e para o aperfeiçoamento técnico. Dentro das próprias famílias se estabeleciam diferenças de funções, em que o homem em geral se dedicava à busca de meios de sobrevivência, enquanto à mulher cabia o cuidado dos filhos à cozinha e o arranjo da habitação. Era ainda uma divisão técnica do trabalho, em que cada um buscava fazer aquilo para o que tinha melhores propensões, mas já implicava em privilégios, por que propiciava ao homem maior contato com o mundo, experiências novas e menos repetitivas que o trabalho doméstico. Além disso, desenvolvia nele a força física e uma diversidade maior de habilidades, tornando-o mais apto para enfrentar situações novas e para o aperfeiçoamento técnico. Quando o progresso material tornou possível que nem todos precisassem trabalhar começaram a surgir algumas figuras novas na sociedade humana - a dos técnicos, a dos sacerdotes, a dos guerreiros, a dos governantes, a dos filósofos, a dos artistas -, isto é, gente que se destacava da produção direta, seja para planificá-la, seja para protegê-la militarmente ou para se dedicar à elaboração sobre o significado do que os homens faziam. Introduzia-se a divisão entre trabalho material e trabalho intelectual, divisão chamada divisão social do trabalho, porque introduz privilégios claros em que alguns ficam relegados à produção material, repetitiva, mecânica, enquanto outros se dedicam à direção da sociedade concentrando assim poder sobre os outros. Essas primeiras divisões em classes das sociedades humanas foram se consolidando e se tornando cada vez mais complexas, sempre tendo a exploração do trabalho como fundamento. Falar em divisão entre trabalho físico e trabalho intelectual é falar de trabalho que produz riquezas e de funções que organizam e usufruem da exploração do trabalho alheio. Os escravos na Grécia e na Roma antiga, como os servos da gleba na Idade Média, 7
foram expressões mais claras das formas de subjugação e de dominação do trabalho humano por uma elite privilegiada. As riquezas sempre foram produzidas pelo trabalho humano, mas este foi concentrado nas camadas pobres da sociedade, sendo apropriado pelas minorias privilegiadas. A história da humanidade até aqui tem sido a história da exploração do trabalho da grande maioria por uma minoria. De que forma se pode vincular exploração e capital, exploração e capitalismo? O trabalho humano foi transformado pelo capitalismo numa mercadoria. Na forma de produção das mercadorias está contido o mecanismo de exploração. Mercadoria é tudo o que é produzido para o mercado, isto é, não para o consumo individual, mas para a venda, para o consumo alheio. Se alguém produz algo para seu uso ou presentear alguém, esse algo é um produto, mas não uma mercadoria. Mas se ele trocar esse objeto por dinheiro por outro produto qualquer, esse objeto passa ser uma mercadoria. A mercadoria é, portanto, algo produzido para o uso de outra pessoa, que a obtém mediante a troca por dinheiro ou por outra mercadoria que, por sua vez, atende à sua necessidade. Toda mercadoria tem assim duas funções: uma de uso e outra de troca. Em outras palavras, tem valor em dois sentidos - valor de uso e o valor de troca. É valor de uso tido o que satisfaz alguma necessidade humana - necessidade material ou espiritual, do corpo ou da mente. O valor de uso sempre existiu nos produtos do trabalho humano, seja para satisfazer necessidades de alimentação, de vestimenta ou de habitação, ou para atender as necessidades simbólicas. Já o valor de troca, nem sempre existiu. Quando viviam em sociedades de baixo desenvolvimento econômico, os homens consumiam tudo o que produziam, sobrando pouco ou nada para trocar. Eram sociedades cujas economias viviam em função da sobrevivência, em que a produção não tinha como objetivo a troca ou a venda, e sim o consumo. O valor de troca é dado não diretamente pela utilidade de um objeto. Mas pelas horas de trabalho necessárias para a sua produção. Nesse sentido a força de trabalho é uma mercadoria no capitalismo. Como se determina então o seu valor? O valor da força de trabalho é igual ao valor dos meios de subsistência indispensáveis à reprodução dos trabalhadores. Embora seja uma mercadoria, a força de trabalho é uma mercadoria especial, porque ela é a única mercadoria que produz mais valor. Toda mercadoria contém valor, que é o tempo de trabalho consumido para produzi-la. Mas a força de trabalho, além, de conter valor, gera valor a mais, tanto para a sua própria remuneração, quanto a mais valia, que fica como capitalista.
A QUESTÃO AGRÁRIA Por Diego Adolfo Pitirini Estudante de Agronomia da UFSM integrante da FEAB “Como esperar transformações profundas em um país onde eram mantidos os fundamentos tradicionais da situação que se pretendia ultrapassar? Enquanto perdurassem intactos e, apesar de tudo, os poderosos, os padrões econômicos e sociais herdados da era 8
colônias e expressos principalmente na grande lavoura servida pelo braço escravo, às transformações mais ousadas teriam de ser superficiais e artificiosas” Sergio Buarque de Holanda
Compreender a questão agrária em uma perspectiva histórica faz-se necessário uma vez que o monopólio da terra pelo latifúndio e pelas grandes empresas agrícolas hoje, são reflexos de um processo de colonização e modernização conservadora no Brasil. Condicionantes da lógica do desenvolvimento capitalista que se faz de forma desigual e contraditória desde a invasão de nosso país, em que a não democratização da propriedade da terra impediu o acesso ao trabalho e as condições dignas de vida a uma parcela significativa da população brasileira, bem como inviabilizou uma plena soberania alimentar nacional. Assim, a história nos mostra que os conflitos e contradições da questão agrária já se presenciam na forma de ocupação do território brasileiro. Pois, a forma de ocupação colonial foi caracterizada pelo regime de sesmarias, da monocultura e do trabalho escravo, fatores que conjugados, deram origem ao latifúndio, propriedade rural sobre a qual se centrou a organização de nosso espaço agrário. O Brasil a partir do ano de 1500 deixou de pertencer aos povos que aqui viviam por séculos e tornou-se uma propriedade da coroa portuguesa. A ocupação do país se deu de maneira desumana e violenta, resultando na morte de milhares de seres humanos pertencentes a povos que aqui existiam há 50 mil anos. Esta civilização organizava-se estruturalmente no modo de produção denominado por comunismo primitivo, não havendo entre eles a conceituação de propriedade privada das riquezas naturais. Primeiramente estes europeus procuravam em nosso território a exploração de ouro e prata, que naquele momento não foram encontrados, e também do pau-brasil. Com o tempo percebeu-se o potencial agrícola dos cultivos tropicais, estabelecendo como prioridade da colônia o abastecimento do mercado europeu. Porém, a partir desse momento a propriedade da terra em nosso país, que até então é algo exclusivo da coroa portuguesa, é distribuída para um “gerenciamento” da nobreza e da burguesia vindas de Portugal, é o chamado regime de capitanias, onde a terra era demarcada por acidentes naturais, tendo a elite como responsável por garantir a produção e construir suas leis. Durante esse período explora-se comercialmente em grande escala culturas como a cana-de-açúcar, o café e gado bovino, organizado em monoculturas e utilizando quase majoritariamente a exploração do trabalho escravo. Posteriormente desenvolve-se um setor importante do capitalismo na Europa, ocorre o processo de industrialização impulsionado pela exploração de matéria prima nas colônias. A Inglaterra país da revolução industrial gera tensões internacionais, buscando mercado consumidor, para que se acabe a escravidão nos países coloniais. Assim, diante da pressão inglesa, das lutas dos negros e de outras parcelas da população chegou-se ao fim do tráfego negreiro, e a criação de leis que vão paulatinamente diminuindo o número de escravos no Brasil. A partir disso se começa a incentivar a vinda de trabalhadores pobres da Europa para servirem de mão de obra nas fazendas. Como consequência da vasta área improdutiva e a 9
necessidade de que esses imigrantes e que os negros libertos servissem como força de trabalho de baixo custo aos “grandes senhores de terra” levou a criação da lei 601, de 1850, pela qual se introduzia a propriedade privada de terras, onde somente poderia virar proprietário quem comprasse, pagando em dinheiro à coroa. Este aparato constituinte garantiu a existência dos grandes latifundiários e a exploração dos trabalhadores rurais, bem como, caracterizou a terra como uma mercadoria plena. Neste momento histórico a superfície de nosso território deixou de ser oficialmente considerada uma riqueza do povo, um bem da humanidade, e tornou-se uma propriedade privada, uma forma de acúmulo de Capital. Mesmo com a libertação dos escravos em 1888, a exploração do trabalho no campo não deixou de existir de maneira violenta. A configuração do poder político e econômico do Brasil ficou centralizada nos grandes proprietários de terra durante o século XX, dividindo o espaço com as elites urbanas. A partir de então o desenvolvimento do capitalismo começa a tomar dimensões mundiais. No Brasil os grandes comerciantes em conjunto com a aristocracia cafeeira começam a explorar a industrialização. Este setor profere de grandes dificuldades para desenvolver-se, pois diferentemente dos países europeus, onde existia uma grande população urbana disposta a servir de mão de obra barata e submeterem-se as condições mínimas de trabalho, a população brasileira era em grande maioria rural. A resistência a submissão aos grandes fazendeiros se mostra eminente neste momento, ou seja, existe povo no campo buscando produzir alimentos em uma perspectiva diferente da hegemônica. Ao longo do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a partir de populações mestiças originárias do processo de colonização e de camponeses pobres vindos da Europa, constitui-se o Campesinato. Essa construção anti-hegemônica começa a ganhar força, constituem-se grupos sociais organizados que reivindicam terra para a produção de alimentos, são os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária do formato atual. Durante esta etapa de desenvolvimento, a partir da década 1950, podemos citar a luta das Ligas Camponesas, a organização da União dos Lavradores e Trabalhadores Brasileiros (ULTAB), as lutas dos posseiros e os colonos. Nunca esquecendo movimentos anteriores como: Canudos, Contestado, Trombas e Formoso. As elites brasileiras se vêm neste momento com uma problemática de desenvolver-se sobre a forte pressão dos operários na cidade e dos camponeses no campo. Vivemos momentos de grandes questionamentos a organização da produção no modo de produção capitalista, os trabalhadores brasileiros começam a reivindicar uma vida digna. A essência do sistema é questionada, a luta por uma transformação estrutural da sociedade ganha força na representação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que propunha um programa altamente temido, buscando organizar os trabalhadores, naquele momento, luta por “reformas de base”. Existia apoio por parte dos comunistas ao presidente João Goulart, onde se iniciou um processo de reforma agrária. A elite capitalista manteve-se unificada durante esse período, onde em 1964 sufocou o anseio de liberdade dos trabalhadores sem terra, falamos do golpe militar. Oriunda das forças políticas da classe dominante, os latifundiários e a burguesia industrial, a ditadura militar, visava resolver “a problemática do campo e da cidade”. Torna-se importante ressaltar a existência de um processo iniciado em 1950, no mundo, a solução necessária ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil, falamos da revolução verde, a modernização conservadora do campo. Uma proposta simples onde se deslocou o aparato estatal para modernizar a agricultura brasileira (incentivos econômicos 10
públicos a compra de máquinas agrícolas, formação de profissionais para adaptação da tecnologia, a produção de pesquisas e incentivos fiscais para que os empresários urbanos comprassem terra), ou seja, deslocar para a cidade a força de trabalho necessária para o desenvolvimento da exploração industrial, bem como gerar demanda de maquinas agrícolas e insumos para a indústria. Essa medida criou as condições para que no período que vai de 1960 a 2000 para que a população urbana passa-se de 36% para 82%, enquanto a população rural cai-se de 64% para 18%. O estado ditatorial foi um dos maiores responsáveis pelo desenvolvimento da revolução verde. A palavra modernização que em muitos países significou a realização da reforma agrária, no Brasil se deu pela lógica inversa. Devido o receio de fazer a reforma agrária antes que os comunistas a façam, o regime ditatorial criou no país uma regulamentação para contemplar a carência de distribuição de terras, o chamado estatuto da terra. Contudo, durante o estado totalitário, o que se teve foi um programa colonização agrária, para “acalmar” os conflitos, onde se assentava famílias que reivindicavam o acesso a terra em regiões sem as mínimas condições de vida, além do assassinato de muitas lideranças da luta. O processo de “modernização conservadora” é responsável sobre as atuais condições da agricultura hoje, convivemos o modelo agrícola destruidor e desigual. A produção agrícola, hegemônica hoje, em largas extensões de terra, que também já foi chamada de “plantation”, provoca perda de diversidade e um forte desequilíbrio ambiental, sendo que seus efeitos maléficos dos grandes cultivos são pouco mensuráveis, e que estes demoram anos para serem percebidos. Além dos efeitos ecológicos diretos também vemos expressar as contaminações aquáticas onde cada vez mais nossos rios estão assoreados, sofrendo também com a Eutrofização, ou ainda contaminados com metais pesados e agrotóxicos. Enquanto isso a agricultura familiar camponesa é responsável por metade da riqueza, pela maioria dos alimentos produzidos no campo e ainda preserva o meio ambiente, em apenas 18 % da área total do país. Hoje assistimos o clamar não mais por algum incentivo público para desenvolver esse modelo, mas, dramaticamente, pelo perdão das dívidas dos latifundiários e pela necessidade de pararmos com a destruição da natureza. A partir da redemocratização do Brasil a questão agrária começou a ser tratada como uma necessidade histórica para o desenvolvimento da nação, compreendida pelo conjunto da sociedade sobre a perspectiva capitalista. Oriunda dos países europeus, a concepção de distribuição de terras para aquecer o mercado consumidor interno, e aumentar a produção de alimentos, foi apoiada em diversas nações pela burguesia industrial, diferentemente de nosso país, onde estes setores estavam aliados. Contudo as questões produtivas e a necessidade de distribuição de renda levam a um maior apoio dos setores progressistas aqui presentes. Em um período de menor repressão à luta social ganham força novamente os movimentos sociais organizados de luta pela terra. Em especial, surge o maior movimento social da América Latina hoje, originário de uma articulação entre camponeses, sindicatos combativos e setores libertários da igreja católica, o movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST), o grande responsável pela criação de assentamentos de reforma agrária no Brasil nesses últimos anos. O processo de apropriação das riquezas por poucos, ou seja, a exclusão e margilização da maioria são contradições que instigam a revolta e as condições de conflito, contudo a 11
ideologia dominante reproduz as “regras” das vias de exploração. Como já relatado, a luta por terra e consequentemente a repressão da classe dominante em nosso país começa a partir o descobrimento, porém esta toma o formato atual a partir da regulamentação da propriedade que força a submissão de grande parte da força de trabalho humano existente aqui, por valores mínimos aos grandes proprietários. Os conflitos por reforma agrária permeiam a história da América Latina desde momentos anteriores à implantação dos ditos regimes democráticos. Enganam-se redondamente os que imaginam que a violência no campo é produto da ação dos movimentos que lutam pela reforma agrária no Brasil. É a grave crise social provocada pela inserção subalterna da economia brasileira no processo de globalização capitalista que, ao intensificar perigosamente a violência no campo e na cidade, recolocou a questão agrária no centro do debate nacional. Em outras palavras, não é o MST que promove invasão de terra, são as ocupações produzidas pelas multidões que perambulam pelo país afora que impulsionam o MST (SAMPAIO, P. A., 1999). A grande problemática, a criminalidade presente hoje nas grandes cidades brasileiras, possui relação umbilical entre a elevada concentração da propriedade fundiária e a presença de um enorme exército industrial de reserva permanentemente marginalizado do mercado de trabalho. Hoje, muitos movimentos sociais, parlamentares e sindicatos reafirmam a necessidade de reestruturação fundiária no país, porém tal reforma não ocorre em sincronia com as demandas populares gerando um enorme descontentamento e lutas ofensivas por acesso a terra. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) aponta que 28 pessoas foram mortas, em um total de mais de 1176 situações de conflito no último ano. Tal problema está associado à pobreza e desigualdade social existentes não só no meio rural, mas no conjunto da sociedade. Os movimentos sociais, ou a luta social, é originário das deficiências e demandas de grupos excluídos da distribuição das riquezas e criminalizados no sistema de organização em nossa sociedade. A contraposição ideológica dos setores conservadores a esta pauta perpassa em um primeiro momento pelo direito a propriedade privada, o que a coloca no centro da luta de classes, e a repressão por parte dos grandes proprietários que não desejam abrir mão de seus “impérios”. Em um segundo momento, está à opinião da população comum que não seria, em nenhum momento, prejudicada pela democratização do acesso a terra, mas que se fundamenta no repúdio a manifestação popular, frutos da alienação e hegemonia ideológica capitalista, e que julga como únicos culpados pelos conflitos agrários os movimentos sociais. A mais contundente proposição destes setores compreende de que a etapa atual do desenvolvimento capitalista no campo, o Agronegócio, é a salvação do nosso país, a modernização e a geração de renda. Devemos possuir a clareza de este modelo é o que existe desde a colonização, que serve a burguesia internacional, a produção de commodities e que a agricultura familiar camponesa não se desenvolve sobre ele. A própria estruturação da palavra agronegócio nos dá à clareza de que este modelo não serve aos trabalhadores, é um modelo onde o direito ao “negócio” está acima dos direitos de o povo ter o que comer. Existe uma parcela da esquerda que possui objeção em relação à natureza da reforma agrária em nosso país. Como já explicitado aqui, a democratização do acesso à terra é historicamente parte de um conjunto de ações denominadas de reformas de base, caracterizada como uma reforma democrática nos países capitalistas ou a partir de uma perspectiva socialista nos 12
países onde houve revoluções. A reforma agrária como proposta contemporânea, contempla certa semelhança com os processos europeus de reestruturação capitalista. Segundo os críticos, esta reforma agrária não estaria contemplando a luta por uma nova sociedade, por que admite a entrega de terra desapropriada aos sem-terra na forma de propriedade privada familiar ou cooperativa; não se prevê a extinção total das médias e até grandes propriedades; e se reconhece o mercado capitalista. Condições que não contemplam a reforma agrária socialista clássica. Esta objeção não se sustenta. A luta pela superação do modo de produção capitalista “não exclui a concentração em objetivos que imediatamente e de forma direta não se relacionam com a revolução socialista”. O que importa, em termos de avanço na direção do socialismo, e que estes objetivos “representem soluções reais a serem dadas as contradições e promovam o progresso e o desenvolvimento histórico e não o seu estancamento por tentativas de conciliação e harmonização dos contrários, o que representa a saída conservadora senão reacionária para os problemas sociais” (Caio Prado Jr.). É importante termos clareza que vivemos na América latina, e que aqui o capitalismo desenvolveu-se de maneira diferente do resto mundo, aqui as reformas não foram pautadas pela burguesia, isso nos leva a um enfrentamento direto com as elites. A reforma agrária representa o acúmulo de forças histórico e imediato à classe trabalhadora, o acúmulo histórico é à tomada de consciência pelos que se envolvem na luta social diretamente, e o imediato faz relação com as melhorias das condições de vida, ou seja, diminuição do poder dos de cima e aumento do poder dos de baixo. Cabe também ressaltar, que em nossa concepção, no Brasil, algumas tarefas democráticas em relação ao desenvolvimento produtivo terão de se dar já em uma etapa socialista. Assim, analisamos a questão agrária em uma perspectiva histórica, porém sob uma visão crítica que tem por finalidade não uma leitura cômoda, mas sim a busca de uma ordem social justa e equilibra. Portanto, a chegada à cidadania de grande parte dos pobres passa resolução de um problema histórico do acesso à terra. Mas, passa também por uma proposta de Reforma Agrária que tem de ser assumida como proposta de transformação desta sociedade, em busca de justiça, dignidade e solidariedade
ALGUNS ELEMENTOS SOBRE O HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO RURAL NO BRASIL1 Por Felipe Costa Acadêmico de Agronomia da UFSM e membro da Coordenação Regional I da FEAB
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Este texto não trabalha os elementos anteriores à chegada dos portugueses no Brasil.
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A análise de nossa história nos faz trafegar por caminhos importantes para a compreensão do cenário em que estamos inseridos no presente. Compreender as raízes das contradições da sociedade se constitui como um exercício pleno de análise em busca das transformações necessárias. Entender as desigualdades presentes em nossa sociedade atual passa pelo conhecimento de suas origens, definições e transformações e pela compreensão de que somos sujeitos históricos, pois esta mesma história foi e é feita por homens e mulheres, por nós. Acreditamos ser consenso que nos dias atuais, a agricultura, na forma do agronegócio, se constitui como um dos pontos centrais para o desenvolvimento do capitalismo mundial, servindo de alicerce para a sustentação da economia global e possibilitando, de diferentes formas, a reprodução deste modelo contraditório e desigual em que vivemos. Evidenciamse hoje, na nossa agricultura, questões importantes, como a má distribuição de terras e de renda, a pobreza extrema e a violência em parcelas consideráveis do campo, a crise ambiental e a produção de alimentos envenenados, entre outros. Para tentarmos entender um pouco dos condicionantes destes fenômenos, suas causas e consequências, vamos fazer uma breve incursão em nossa história.
Os quatro primeiros séculos: o colonialismo e o latifúndio agroexportador no Brasil O desenvolvimento rural no Brasil foi historicamente calcado no modelo do latifúndio primário agroexportador, modelo fortemente desenvolvido com a chegada dos portugueses aqui. Nossa realidade rural e agrária foi cunhada, em seus primórdios, para atender aos interesses do capitalismo mercantil europeu, disponibilizando a baixos custos para o “Velho Continente” as mercadorias necessárias para o atendimento das necessidades de sua população urbana em formação. Foi baseado nestes parâmetros que se construiu a matriz de desenvolvimento econômica do Brasil colônia, um modelo totalmente voltado aos interesses da metrópole portuguesa e da economia europeia em geral. Com este modelo, que ficou conhecido como plantation, nosso território se configurava como um simples “quintal” de produção barata de matérias primas para o abastecimento dos mercados europeus. Não se focou em nenhuma medida um plano de desenvolvimento real de nosso país ou continente, transformando-nos em exportadores de bens alimentícios e gêneros primários em geral, como a cana de açúcar, o café, o algodão, a carne bovina, o tabaco, a borracha, a madeira e o minério e importadores de produtos manufaturados do mercado europeu. Nossa economia estava configurada para atender a interesses externos. Todo este processo gerou uma elite política e econômica em nosso país. Tratavam-se de grandes senhores de terra que, alicerçados na concessão de favores por parte da coroa portuguesa e no compromisso de produzir mercadorias para serem exportadas, foram responsáveis por operar este amplo projeto de desenvolvimento submisso no Brasil. Para isto, estes sujeitos estruturaram-se em alguns pilares, como a concessão de uso de grandes extensões de terras, chamadas capitanias hereditárias e sesmarias, por parte da coroa portuguesa.
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Por outro lado, estes sujeitos foram capazes de impulsionar o processo produtivo em suas áreas, utilizando-se do uso da mão de obra escrava africana, fruto do sistema de escravismo colonial mercantil em que vivíamos. Esta força de trabalho foi capaz de subsidiar a demanda de mão de obra de maneira eficiente e a baixos custos, já que naquele período o desenvolvimento das tecnologias era ainda incipiente e a produção, mesmo de monocultivos, necessitava intensa participação do trabalho humano. Era baseada principalmente nestes dois pontos, que esta aristocracia rural brasileira foi capaz de impulsionar este modelo de desenvolvimento subordinado e incompleto e manter as classes subalternas absolutamente presas as suas amarras de dominação. Foi somente no final do século XIX que, a partir de pressões internacionais de países como a Inglaterra (disposta a criar um mercado consumidor na América Latina para seus bens industriais), das revoltas e resistências dos povos negros e do apoio de setores urbanos é que se deu fim ao regime escravocrata no Brasil. Esse processo impôs novos desafios e limitações aos senhores da terra e foi neste sentido que se principiou no Brasil a vinda dos trabalhadores europeus, também chamados colonos europeus. Fugindo de uma realidade dura, em meio às crises e imersos em uma condição de submissão econômica estes trabalhadores vieram para as Américas buscar novas oportunidades de conduzir suas vidas a partir do trabalho na terra. Logo foram introduzidos à lógica de exploração do trabalho braçal nas grandes propriedades rurais da época. Paralelo à estas duas etapas (regime escravocrata e colonato), assistimos à formação de um novo extrato de camada social no campo, responsável por operar o que foi chamado de economia de subsistência, uma rede de trabalhadores deserdados que se constituiu nas regiões periféricas ou à margem do grande latifúndio. Tratavam-se de trabalhadores rurais que foram responsáveis por fomentar uma economia de excedentes que produzia os alimentos para o mercado interno. Desta forma, produzia-se a baixos custos os substratos necessários para a sustentação do próprio latifúndio. Como comentado, as origens deste sujeito remontam ainda ao sistema escravista e este fenômeno pode ser classificado, como cunhou Tadeusz Lepkowski (1968), como uma “brecha camponesa no sistema escravista”, ainda segundo o autor existiam duas modalidades neste sistema: 1) a economia independente de subsistência que os negros fugidos organizavam nos quilombos; 2) os pequenos lotes de terra concedidos em usufruto, nas fazendas, aos escravos não domésticos, criando uma espécie de “mosaico camponêsescravo”(Lepkowski,1968,p.59-60). A formação deste público camponês remonta até hoje uma contradição muito grande em nosso campo. A existência dessa dicotomia ao longo dos séculos ajuda a explicar a característica fortemente dual da sociedade brasileira: de um lado, na grande lavoura, abastança prosperidade e grande atividade econômica; de outro lado, a falta de satisfação da mais elementar necessidade da grande maioria da população - a fome (PradoJúnior,1949, p.52). Todo este cenário manteve-se por praticamente quatro séculos e se reconfigurou ao passar do tempo. Mas, nem mesmo estes processos de abolição da escravatura, proclamação da república ou a ocorrência de algumas revoltas locais foram capazes de alterar o cerne deste 15
modelo contraditório e desigual, que se desenvolveu e gerou subsídios para a continuidade da exploração e da desigualdade no Brasil.
Século XX: A Modernização Conservadora da Agricultura Brasileira e a Revolução Verde Este modelo de latifúndio atrasado e baseado sobremaneira na utilização intensiva de mão de obra não permaneceu imutável ao longo da história. Foi por volta de meados do século XX que, integrado ao desenvolvimento das indústrias metal mecânica e bélica na Europa e nos EUA e influenciado pelo regime de ditadura civil-militar no Brasil, o país experimentou um novo modelo de desenvolvimento, baseado na utilização de tecnologias e na modernização da agricultura. Este modelo ficou conhecido como Modernização da Agricultura ou Revolução Verde. Estas transformações contemplaram uma nova visão acerca da produção nos latifúndios: manteve-se a lógica da monocultura em larga escala (agora com Trigo, Arroz, Soja, Milho, Cana-De-Açúcar e Algodão), mas intensificou-se a utilização das mercadorias desenvolvidas pela indústria em expansão nos países desenvolvidos, que estava calcada, sobretudo nas tecnologias desenvolvidas nas duas grandes guerras. Além disso, houve o afloramento de um dos instrumentos capitalistas de controle da produção agrícola, que hoje conhecemos como capital financeiro, já que a aquisição de bens e serviços estava interligada a concessão de subsídios e financiamentos oficiais ou por parte das próprias empresas que buscavam a hegemonia no controle destes mercados. Este processo atingiu seu auge principalmente a partir da década de 1950 e veio responder a algumas crises no sistema de produção agrícola vigente, propiciando o avanço de tecnologias, a renovação de técnicas de produção arcaicas e principalmente, possibilitando a substituição da intensa utilização de mão de obra por máquinas, equipamentos e produtos químicos. Era a parcela de contribuição da agricultura na receita do desenvolvimento capitalista dos países desenvolvidos. Porém, vale ressaltar, este modelo não transformou o Brasil, em nenhuma medida, em um país desenvolvido e independente, pelo contrário, somente intensificou ainda mais nossa relação de dependência e subordinação à economia europeia e norte americana e colocounos em uma condição de alinhamento ao projeto estratégico das nações ricas, fazendo com que nossa agricultura, agora sob outras facetas, seguisse subsidiando o desenvolvimento da indústria nos países desenvolvidos. Vale também analisar neste processo o grande peso de disputa ideológica presente, ou seja, a chamada Revolução Verde apareceu aos olhos do mundo como a grande possibilidade de melhorada qualidade devida da população mundial, pois seu pacote tecnológico trazia a promessa de aumento na produção mundial de alimentos a baixos custos, acabando com a fome no mundo, além proporcionar diversas outras vantagens que facilitariam a vida dos agricultores e da população em geral. O surgimento da indústria química e genética, o aperfeiçoamento de máquinas e equipamentos e a renovação de técnicas de cultivo prometiam melhorar sobremaneira a vida do produtor rural. 16
Porém, todos estes artifícios na verdade estavam simplesmente escondendo os objetivos centrais. Aumentar o poder econômico e político de elites (agora na forma de grandes corporações transnacionais), manter e até mesmo aperfeiçoar a dependência de nosso continente aos países desenvolvidos e aumentar a subordinação da agricultura ao desenvolvimento industrial do “Primeiro Mundo”, transferindo os ganhos da agricultura para empresas a montante e a jusante do setor agropecuário. Em suma, com este processo o Brasil seguiu sem pensar um modelo de desenvolvimento verdadeiramente nacionalista e as contradições e desigualdades sociais somente se intensificaram. Trabalhadores rurais, pequenos proprietários, camponeses e povos tradicionais, que viveram ou se formaram condicionados à lógica de exploração do grande latifúndio tradicional, com o processo de modernização agrícola, tiveram sua situação ainda mais dificultada e foram em grande medida expulsos em direção aos grandes centros urbanos em formação para integrar a força de trabalho do campo industrial brasileiro, o qual, segundo Jacob Gorender (1979), principiou seu desenvolvimento “já no fim do escravismo brasileiro, apoiado na acumulação originária de capital, processado no próprio modo de produção escravista colonial [...] surgiu ali um setor industrial fabril, tipicamente capitalista”. Contudo, este cenário, aliado ao processo de abertura democrática (1985) vivida no país, foi responsável também por fazer eclodir um sentimento muito forte de revolta e indignação, aliada a necessidade de organização coletiva para se construir a luta pela superação das mazelas enfrentadas. É neste período que se afloram muitas lutas sociais no Brasil e nascem movimentos sociais e organizações políticas de esquerda. Como cita Guilherme Delgado (2005), “com o ambiente de abertura política ocorre uma articulação ampla dos movimentos sociais e entidades de assessoria agrária: nasce o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), reorganiza-se a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Comissão Pastoral da Terra da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), criada em 1979, é fortalecida pela igreja e surgem várias organizações não governamentais (ONGs) em apoio ao 'Fórum nacional pela Reforma Agrária”. Aluta seria grande, pois no nosso país, reformas estruturais que adequassem nosso cenário aos desafios de um verdadeiro desenvolvimento nacional nunca foram operadas e o Brasil ficou a margem de nações europeias, dos EUA, de países da Ásia e até mesmo alguns da América Latina que, a partir de ações como a Reforma Agrária, puderam distribuir suas terras e impulsionar uma agricultura soberana e voltada aos interesses nacionais. O modelo de “Modernização Conservadora” no Brasil não alterou a estrutura desigual presente historicamente em nosso país, pelo contrário serviu somente para se aprofundar esta lógica e recriar alguns mecanismos para sua manutenção. Perdemos o bonde da história ao não acumular para a construção de um projeto de agricultura familiar camponesa, que fosse capaz de distribuir renda, diminuir as enormes desigualdades sociais presentes em nosso campo, produzir alimentos saudáveis e a baixos custos e estruturar um verdadeiro projeto de desenvolvimento nacional a partir do campo. A aliança entre a burguesia industrial e o campesinato, visando este desenvolvimento interno com distribuição de renda, nunca se realizou e questões como soberania alimentar e popular, 17
produção de alimentos saudáveis e baratos e a extinção das desigualdades sociais passaram longe da nossa plataforma política de desenvolvimento rural.
Século XXI: A Consolidação do Capital Financeiro na Organização da Produção Agrícola Brasileira
Foi a partir do final do último século que passamos a perceber de maneira mais clara esta nova reconfiguração organizativa do campo brasileiro. Reconfiguração esta que passa não só pelo campo produtivo e tecnológico, mas adentra também às esferas da organização social e política do meio rural, ou seja, se Revolução Verde buscou transformar um latifúndio atrasado, arcaico e improdutivo em um cenário mais avançado, foi somente a partir do século XXI que, com a entrada definitiva do capital financeiro na organização da produção agrícola, transformou-se também a cara do sujeito presente neste projeto. A figura do latifundiário, grande senhor de terras e detentor de poderes políticos oligárquicos, foi substituída pela imagem das grandes corporações transnacionais que passaram a controlar o setor de maneira hegemônica. A agricultura brasileira foi verdadeiramente mundializada e seu destino passou a ser decidido não mais aqui e nem em favor se quer das antigas elites brasileiras, mas sim nas grandes bolsas de valores, seguindo os interesses do mercado especulativo internacional. É este mercado financeiro que controla hoje, não só a produção, mas também a distribuição das chamadas commodities agrícolas, produto principal extraído deste modelo conhecido como agribussines ou agronegócio. Talvez seja esse um dos motivos para que tenhamos hoje um sistema financeiro tão desenvolvido ao ponto de provocar um verdadeiro colapso na economia internacional, buscando resposta nos números, temos hoje, grosso modo, um PIB mundial na casa dos U$$ 50 trilhões (dólares) em mercadoria, porém, para estas mercadorias circularem, temos cerca de U$$150 trilhões (dólares) no mercado mundial. Sem dúvida, são problemáticas que, algum dia, terão de ser respondidas. Neste cenário nossa agricultura segue batendo recordes. Infelizmente, tristes recordes. Somos hoje, desde 2008, os maiores consumidores mundiais de agrotóxicos, os venenos agrícolas. O brasileiro consome em médio 5,2 litros destes produtos por ano, fato extremamente preocupante, já que são eles responsáveis por causar diversas mazelas ao ambiente e à saúde humana. Nossa agricultura hoje é vista por este mercado como o depósito mundial de agrotóxicos. Pesquisas realizadas por cientistas sérios e renomados demonstram dados ainda mais alarmantes: em Lucas do Rio Verde - MT foram detectados resíduos de agrotóxicos no leite materno de mulheres em lactação e na água da chuva. Estes produtos são ainda responsáveis por causar problemas como danos de memórias, dificuldades locomotoras, redução de imunidades no organismo, desregulação hormonal, funções reprodutivas comprometidas, além de ser agente cancerígeno. Muitos destes princípios ativos proibidos em diversos países, ainda são permitidos no Brasil. 18
Vale ressaltar ainda que no Brasil hoje, enquanto o agronegócio, que recebe a grande fatia dos investimentos públicos, se encarrega de produzir as commodities agrícolas que tem a função de enriquecer os países industrializados, a agricultura familiar, ocupando apenas um quarto da área agrícola e com bem menos investimentos é responsável por garantir a segurança alimentar do país, produzindo, por exemplo, cerca de 70% do feijão, 87% da mandioca e 58% do leite, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 59% do plantel suíno, 50% da aves, 30% dos bovinos e, ainda, 21% do trigo consumidos no país. O setor é ainda responsável por empregar 75% da mão de obra do campo e responde por 38% do total de valor produzido na agricultura. São números que nos apresentam uma realidade muitas vezes desconhecida aos nossos olhos, pois é construído atualmente um pensamento hegemônico que associa tudo de próspero e moderno na agricultura ao agronegócio e relega à agricultura familiar camponesa papel de secundária importância, ficando esta com uma imagem de símbolo da miséria e do atraso. Sabemos que este pensamento está equivocado e que a realidade demonstra uma pequena agricultura, que nasceu em meio às contradições do histórico latifúndio brasileiro, capaz de subsidiar grandes conquistas para o Brasil, distribuir renda, produzir alimentos saudáveis e a baixos custos. Se faz necessário construirmos esse novo modelo de agricultura, capaz de corrigir as injustiças históricas praticadas em nosso território e promover um desenvolvimento sadio da população brasileira e de nossos/as agricultores/as.
A DOENÇA DA “NORMALIDADE” NA UNIVERSIDADE Por Renato Santos de Souza, publicado no E-Book: NASCIMENTO, L.F.M. (Org.) Lia, mas não escrevia (livro eletrônico): contos, crônicas e poesias. Porto Alegre: LFM do Nascimento, 2014.
Somos todos normóticos em um sistema acadêmico de formação de pesquisadores e de produção de conhecimentos que está doente, e nossa Normose acadêmica tem feito naufragar o pensamento criativo e a iniciativa para o novo em nossas universidades. Doença sempre foi algo associado à anormalidade, à disfunção, a tudo aquilo que foge ao funcionamento regular. Na área médica, a doença é identificada por sintomas específicos que afetam o ser vivo, alterando o seu estado normal de saúde. A saúde, por sua vez, identificase como sendo o estado de normalidade de funcionamento do organismo. Numa analogia com os organismos biológicos, o sociólogo Émile Durkheim também sugeriu como identificar saúde e doença em termos dos fatos sociais: saúde se reconhece pela perfeita adaptação do organismo ao seu meio, ao passo que doença é tudo o que perturba essa 19
adaptação. Então, ser saudável é ser normal, é ser adaptado, certo? Não necessariamente: apesar de Durkheim, há quem considere que do ponto de vista social, ser normal demais pode também ser patológico, ou pode levar a patologias letais. Os pensadores alternativos Pierre Weil, Jean-Ives Leloup e Roberto Crema chamaram isto de Normose, a doença da normalidade, algo bem comum no meio acadêmico de hoje. Para Weil, a Normose pode ser definida como um conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir, que são aprovados por consenso ou por maioria em uma determinada sociedade e que provocam sofrimento, doença e morte. Crema afirma que uma pessoa normótica é aquela que se adapta a um contexto e a um sistema doente, e age como a maioria. E para Leloup, a Normose é um sofrimento, a busca da conformidade que impede o encaminhamento do desejo no interior de cada um, interrompendo o fluxo evolutivo e gerando estagnação. Estes conceitos, embora fundados sobre um propósito de análise pessoal e existencial, são muito pertinentes ao que se vive hoje na academia. Aqui, pela Normose não é apenas o indivíduo que adoece, que estagna, que deixa de realizar o seu potencial criador, mas o próprio conhecimento. E não apenas no Brasil, também em outras partes do mundo. Peter Higgs, Prêmio Nobel de Física de 2013 disse recentemente que não teria lugar no meio acadêmico de hoje, que não seria considerado suficientemente produtivo, e que, por isso, provavelmente não teria descoberto o Bosão de Higgs (a “partícula de Deus), descrito por ele em 1964 mas somente comprovado em 2012, quase 50 anos depois, com a entrada em funcionamento de uma das maiores máquinas já construídas pelo homem, o acelerador de partículas Large Hadron Collider. Higgs contou ao The Guardian que era considerado uma “vergonha” para o seu Departamento pela baixa produtividade de artigos que apresentava, e que só não foi demitido pela possibilidade sempre iminente de um dia ganhar um Nobel, caso sua teoria fosse comprovada. Ele reconheceu que, nos dias de hoje, de obsessão por publicações no ritmo do “publique ou pereça”, não teria tempo nem espaço para desenvolver a sua teoria. À sua época, porém, não só o ambiente acadêmico era outro como ele próprio era um desajustado, um anormal, uma espécie de dissidente que trabalhava sozinho em uma área fora de moda, a física teórica expeculativa. Então, sua teoria é também fruto desta saudável “anormalidade”. A mim, embora não surpreendam, as declarações de Higgs soam estarrecedoras: ou seja, com os sistemas meritocráticos de avaliação de hoje, que privilegiam a produção de artigos e não de conhecimentos ou de pensamentos inovadores, uma das maiores descobertas da humanidade nas últimas décadas, que rendeu a Higgs o Nobel em 2013, provavelmente não teria ocorrido, como certamente muitos outros avanços científicos e intelectuais estão deixando de ocorrer em função dos sistemas atuais de avaliação da “produtividade em pesquisa”. É a Normose acadêmica fazendo a sua maior vítima: o próprio conhecimento. Aliás, nunca se usou tanto a autoridade do Nobel para apontar os desvios doentios do nosso sistema acadêmico e científico como em 2013. Randy Schekman, um dos ganhadores do Nobel de Medicina deste ano, em recente artigo no El País, acusou as revistas Nature, Science 20
e Cell, três das maiores em sua área, de prestarem um verdadeiro desserviço à ciência, ao usarem práticas especulativas para garantirem seus mercados editoriais. Schekman menciona, por exemplo, a artificial redução na quantidade de artigos aceitos, a adoção de critérios sensacionalistas na seleção dos mesmos e um absoluto descompromisso com a qualificação do debate científico. E afirmou que a pressão para os cientistas publicarem em revistas “de luxo” como estas (de alto impacto) encoraja-os a perseguirem campos científicos da moda em vez de optarem por trabalhos mais relevantes. Isto explica a afirmação de Higgs sobre ser improvável a descoberta que lhe deu o Nobel no mundo acadêmico de hoje. O próprio Schekman publicou muito nestas revistas, inclusive as pesquisas que o levaram ao Nobel: diferentemente de Higgs, que era um dissidente, Schekman também já sofreu de Normose. Porém, agora laureado, decidiu pela própria cura e prometeu evitar estas revistas daqui para adiante, sugerindo não só que todos façam o mesmo, como também que evitem avaliar o mérito acadêmico dos outros pela produção de artigos. Foi preciso um Nobel para que se libertasse da doença. A atual Normose acadêmica se deve à meritocracia produtivista implantada nas universidades, cujos instrumentos, no Brasil, para garantir a disciplina e esta doentia normalidade são os sistemas de avaliação de pesquisadores e programas de pós-graduação, capitaneados principalmente pela CAPES e CNPq. Estes sistemas têm transformado, nas últimas décadas, docentes e alunos em burocráticos produtores de artigos, afastando-os dos reais problemas da ciência e da sociedade, bem como da busca por conhecimentos e pensamentos realmente novos. A exigência de produtividade é um estímulo ao status quo, obstruindo a criatividade, a iniciativa, o senso crítico e a inovação, pois inovar, criar, empreender, fugir ao normal pode ser perigoso, pode ser incerto, pode ser arriscado quando se tem metas produtivas a cumprir; portanto, não é desejável: o mais seguro é fazer “mais do mesmo”, que é ao que a Normose acadêmica condenou as universidades e seus integrantes ao redor do mundo. Eu escrevi em um artigo de 2013 que a meritocracia leva a uma ilusão de eficiência e progresso que não podem se realizar, porque as meritocracias modernas são burocracias. Como bem ensinou Max Weber, a burocracia é uma força modeladora inescapável quando se racionaliza e se regulamenta algum campo de atividade, como acontece no sistema científico atual. Para supostamente discriminar por mérito pessoas e organizações acadêmicas, montou-se um tal sistema de regras, critérios avaliativos, hierarquias de valor, indicadores, etc., que a burocratização das ações acadêmicas tornou-se inevitável. Agora é este sistema que orienta as ações dos acadêmicos, afastando-os de seus próprios valores, desejos e convicções, para agirem em função da conveniência em relação aos processos avaliativos, visando controlar os benefícios ou penalidades que eles impõem. Pessoas sob regimes de avaliação meritocráticos se tornam burocratas comportamentais; e burocratas, como se sabe, pela primazia da conformidade organizacional a que se submetem, tornam-se inexoravelmente impessoalistas, formalistas, ritualistas e avessos a riscos e a mudanças. Tornam-se normóticos, preferindo, no caso da academia, uma produção sem significado,
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sem relevância, sem substância inovadora, porém segura, a aventurarem-se incertamente em busca do novo. Agora, depois de já ter escrito isto naquele artigo, descubro que o Nobel de Medicina de 2002, o sul-africano Sydney Brenner, em entrevista de fevereiro deste ano à King’s Reviw, afirmou exatamente o mesmo. Dentre outras coisas, disse ele que as novas ideias na ciência são obstruídas por burocratas do financiamento de pesquisas e por professores que impedem seus alunos de pós-graduação de seguirem suas próprias propostas de investigação. É ao menos alentador perceber que esta realidade insólita não é apenas uma versão tupiniquim da busca tardia e equivocada por um lugar o sol no campo acadêmico atual, mas uma deformação que assola também os “grandes” da arena científica mundial. E também constatar que os laureados com a distinção do Nobel têm se percebido disto e denunciado ao mundo. De certa forma, todos na academia sabem que estes sistemas de avaliação acadêmicos têm levado a um produtivismo estéril, mas isto não tem sido suficiente para mudar nem as condutas pessoais, nem as diretrizes do sistema, porque a Normose é uma doença coletiva, não individual. Ela advém da necessidade de legitimação do indivíduo frente ao sistema de regras, normas, valores e significados que se impõe a ele. Por isto é que o pesquisador australiano Stewart Clegg afirmou, certa vez, que “pesquisadores que buscam legitimação profissional podem com muita facilidade ser pressionados a aprender mais e mais sobre problemas cada vez mais desinteressantes e irrelevantes, ou a investigar mais e mais soluções que não funcionam”. Mas agora me advém uma questão curiosa: por que tantos Nobéis tem denunciado este sistema? Creio que porquê do alto da distinção recebida, eles já não têm mais nenhum compromisso com a meritocracia acadêmica, e podem falar do dano que ela causa às ideias realmente inovadoras que, inclusive, podem levar à láurea. Mas também porque o Nobel foge à lógica da meritocracia, ele não é um mecanismo meritocrático, portanto, não é burocrático. Ele é até mesmo político, antes de ser meritocrático e burocrático! É um reconhecimento de “mérito” sem ser uma “cracia”. Ou seja, não há, através dele, um sistema de governo das atividades científicas, e por isso ele não leva a uma racionalidade formal, pois ninguém em consciência normal pautaria sua atividade acadêmica quotidiana pela improvável meta de, talvez já na velhice, ganhar o Nobel; e mesmo que tivesse este excêntrico propósito como pauta, teria que fugir da meritocracia que governa os sistemas científicos atuais para chegar a um lugar reconhecidamente distinto, pois ser normal não leva ao Nobel. Mas este não é o mundo da vida dos seres acadêmicos de hoje, aqui vivemos em uma meritocracia burocrática, e num contexto assim, pouco adiantam as advertências da editorachefe da revista Science, Marcia McNutt, publicados no Estadão, de que a ciência brasileira precisa ser mais corajosa e mais ousada se quiser crescer em relevância no cenário internacional. Segundo ela, para criar essa coragem é preciso aprender a correr riscos, e aceitar a possibilidade de fracasso como um elemento intrínseco do processo científico. Mas quando as pessoas são penalizadas pelo fracasso, ou são ensinadas que fracassar não é um resultado aceitável, elas deixam de arriscar; e quem não arrisca não produz grandes descobertas, produz 22
apenas ciência incremental, de baixo impacto, que é o perfil geral da ciência brasileira atualmente, segundo ela. É a Normose acadêmica “a brasileira” vista de fora. Somos todos normóticos em um sistema acadêmico de formação de pesquisadores e de produção de conhecimentos que está doente, e nossa Normose acadêmica tem feito naufragar o pensamento criativo e a iniciativa para o novo em nossas universidades. Sem eles, porém, não há futuro significativo para a vida intelectual dentro delas, nem na ciência nem nas artes.
MOVIMENTO ESTUDANTIL: PAPEL & CONCEPÇÃO Por Rafael Pops e Mauricio Piccin
Introdução O grande questionamento que existe hoje na maioria da militância estudantil é: como esse movimento, que já cumpriu tantas batalhas históricas, pode hoje ter um papel secundário? Para não cairmos nem no espontaneísmo, nem no vanguardismo, precisamos fazer um diagnóstico sobre o ME. A partir daí, elaboraremos uma estratégia e uma tática de atuação que não só supere a crise, mas que recoloque o ME à frente das grandes lutas da educação e ao lado da classe trabalhadora.
O Movimento Estudantil como Movimento Social O movimento estudantil consiste em uma parcela da sociedade que se organiza a partir de uns “lócus”, que é a escola ou universidade. Essa parcela da sociedade não é uma classe social. Os estudantes são uma categoria social que vivencia uma realidade e demandas específicas e gerais dentro de um mesmo local. A partir desta realidade social é que surge a sua organização e sua intervenção na sociedade. Desta maneira, o ME possui suas particularidades. A primeira delas é de ser policlassista, ou seja, existem estudantes e grupos de todas as classes sociais. A segunda, é a sua transitoriedade, ninguém é estudante para sempre. Essas características são fundamentais para debatermos e entendermos a ação do ME como movimento social. Dessa forma, o ME não possui uma origem (e uma formação) classista que o coloque no centro da luta de classes, o que traz e impõe limites à organização estudantil. É através da opção política de parcela dos estudantes, prioritariamente dos seus dirigentes, que o ME se insere, ou não, na disputa geral da sociedade. Compreender esse caráter não-classista é necessário para percebemos a amplitude de sua base social, fruto de um processo histórico de exclusão dos segmentos populares. Estes elementos são fundamentais para se pensar as táticas de organização. Desta maneira, não adianta reproduzirmos métodos de organização do movimento sindical ou campesino para o ME, achando que iremos solucionar os seus 23
problemas. O movimento estudantil deve produzir maneiras próprias de organização, o que não impede a realização de atividades em conjunto com os demais movimentos, visando troca de experiências. Durante a década de 60, o caráter do ME foi exaustivamente debatido. Existiam aqueles que defendiam a linha do ME-Partido, no qual somente os militantes de esquerda e socialista eram considerados militantes do ME. A linha majoritária considerava que o ME tinha que ser um movimento de massas, no qual todos os estudantes podiam fazer parte dele. O que não impossibilitava que aqueles (as) que eram de esquerda e socialista, disputassem as suas concepções e propostas e que o movimento pudesse ser dirigido pelos mesmos - o que de fato, o foi em quase toda a história das entidades nacionais. Acreditamos que o ME deva ser de massas, onde todos os estudantes podem propor e construir o movimento. Contudo, não abriremos mão das nossas posições e opções: acreditamos na luta de classes e, frente a ela, temos lado e partido: o dos trabalhadores (as). Disputaremos nossa política em todos os espaços que atuarmos, pois é desta forma que disputamos hegemonia. Não escondemos de ninguém a nossa filiação e opção partidária, construindo a corrente e o partido nos movimentos sociais. É por isso que, apesar de assumirmos ser o movimento poli classista, acreditamos que as entidades de vem ter lado, com nítido corte ideológico. Voltemos à segunda particularidade do ME, a transitoriedade. Ela faz com que o movimento seja marcado por uma extrema dificuldade na transmissão de sua história, seus métodos de organização, suas pautas e etc. Ao contrário do movimento sindical, campesino ou partidário, nos quais seus militantes têm 10, 20,30 (...) anos de militância, o estudante não fica mais do que quatro ou cinco anos no "lócus". Desta maneira, muitos saem da universidade sem conseguir transmitir o acúmulo adquirido em seus anos de atuação. Entender essa particularidade é muito importante na caracterização do ME e na posterior organização nas entidades e frente à sociedade. Essas duas características acima levam o ME para uma terceira particularidade, a conjuntural. O ME vem sendo determinado pela conjuntura e pouco consegue intervir e atuar nela para alcançar seus objetivos, como outros movimentos fazem. Ou seja, se a conjuntura é favorável às mobilizações, o ME pode mobilizar. Se não, ele tem pouca capacidade de sair do refluxo. Hoje, isso torna o ME refém da realidade, dificultando que ele seja um dos sujeitos dela. Contudo, ao contrário das condições e das consequências de ser poli classista e transitório, a questão conjuntural pode ser superada com uma eficaz pauta e uma (re)organização das entidades estudantis, principalmente no que diz respeito a combater a falta de transmissão de sua história e experiência entre as gerações e as direções do Movimento Estudantil.
Um diagnóstico atual do Movimento Estudantil
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Que fatores perversos são esses, que fazem hoje as entidades nacionais, patrimônios da história, viverem uma crise que a muito deixou de ser uma crise de representatividade, chegando a ser uma crise de legitimidade? Os estudantes não só não vêem seus interesses representados, como a maioria não sabe o que é ou não reconhece UNE/UBES enquanto suas entidades, e instrumentos coletivos de organização. A sociedade não tem mais estas entidades como referências de rebeldia e contestação. Muitos acham que as entidades estudantis e o movimento como um todo, são propriedades de alguns, "os que mexem com política" ou "os estudantes profissionais" e que, portanto, não devem se aproximar nem se envolver, já que não é coisa sua. Ou passam a fazer partedasentidadesparatorná-lasemclubesdeamigosousimplesmenteentidadesfestivas. Mas, qual é o diagnóstico dessa crise? Ou melhor, que fatores determinam essa crise? Atribuímos, então, à crise, quatro fatores: -As especificidades próprias do ME; -A conjuntura desfavorável à organização coletiva; -A estrutura anacrônica, verticalizada, centralizada e burocrática e; -A sua atual direção imobilista e antidemocrática. Sobre as especificidades do ME, tratamos em suas características como movimento social. Salientamos que o costume da transmissão da experiência é uma das condições objetivas para evolução da organização estudantil. Além das dificuldades intrínsecas à sua lógica, o movimento enfrenta um problema comuma todos os movimentos sociais: a conjuntura desfavorável à organização coletiva. Todos os movimentos sociais sofrem, cotidianamente, a dificuldade de organizar as pessoas numa sociedade impregnada pela ideologia neoliberal, baseada na lógica do individualismo, do consumismo, do imediatismo e da competição. Nos anos 90, o único movimento que não sofreu do mal do refluxo foi o MST, que absorveu o desempregado das grandes cidades. O terceiro motivo é a estrutura da maioria das entidades, baseada no tripé assembleia-conselho-diretoria verticalizada. Essa estrutura remonta aos sindicatos pelegos da década de 50. Além de ser antiga, foi uma mera transposição do modelo sindical para o estudantil. Este tripé é importante e deve ser usado, mas enquanto único método de organização coletiva é insuficiente, pois a participação dos estudantes se restringe basicamente à decisão do voto e da maioria. Assim, não incorpora, neste processo, a lógica das construções permanentes, de responsabilidade com as decisões e com o acúmulo coletivo, o que acaba sobrecarregando algumas diretorias. Os GT s Grupos de Trabalhos - adotados por inúmeras entidades sindicais, são modelos de trabalho permanente e de acúmulo coletivo da entidade, representando formas positivas de organização. Dessa forma, UNE/UBES muito pouco evoluíram e muito pouco sua atual direção majoritária faz para mudá-las. Cabe ressaltar que a última mudança real na estrutura da UNE foi a proporcionalidade criada nas gestões Petistas. A estrutura verticalizada atual incute a lógica autoritária de poder e de responsabilidade individual com as pastas/diretorias. Nada 25
temos contra direção e hierarquia, contudo, ela deve ser democrática. As experiências de outras entidades do movimento estudantil e da própria FASUBRA - Federação Nacional dos Técnicos-administrativos nos mostra que o modelo organizativo por coordenadorias e GT s concretiza mais eficácia, elaboração e compromisso coletivo. Existem entidades presidencialistas que adotam estruturas que visam uma descentralização do poder. O certo é que, da forma que está a estrutura, ela impede um processo de organização coletiva e plural. O ME precisa fazer este debate sobre suas estruturas. Além do debate a respeito da estrutura em si, existe o problema dos fóruns do ME. Nos últimos sete anos, somente um Conselho Nacional de Entidades de Base (CA’s/DA’s) ocorreu. Enfim, a crise estrutural da UNE é profunda. A análise mais profunda da crise de estrutura nos leva ao último diagnóstico, da crise: a atual direção majoritária da UNE/UBES e hegemônica no movimento (UJS/PCdoB). Essa estrutura reflete uma política que é encaminhada na entidade durante os últimos quinze anos. A política é a seguinte: manter o aparelho é meta prioritária e de maior importância, antes mesmo da própria mobilização estudantil. Desta maneira, a direção majoritária permanece encastelada e pouco pode influenciarmos rumo se decisões do movimento.
O papel do movimento estudantil nas lutas sociais Como movimento social organizado, a partir de uma realidade social limitada e concreta, o ME tem como seu palco principal a intervenção na educação. A disputa entre os diferentes projetos e concepções de educação guarda estreita relação com a disputa de projetos de Estado e sociedade. Dentro das instituições de ensino é possível perceber, embora muitas vezes silenciosa e camuflada pela "neutralidade educacional", a disputa de projetos de sociedade. É importante o Movimento Estudantil elaborar e construir bandeiras e ações concretas para que possa impulsionar a unidade dos movimentos sociais, afirmando nossa pauta específica atrelada à pauta geral que aglutina os Movimentos Sociais. A luta contra a mercantilização da educação está vinculada ao combate à ALCA, o debate acerca da reforma dos currículos e do processo de formação profissional não ocorre deslocado da discussão sobre as condições de trabalho e, consequentemente, das discussões sobre a reforma trabalhista. É dentro das escolas e universidades, através de suas realidades objetivas, que se formam e se organizam os grupos estudantis para a intervenção coletiva nos espaços. Existem grupos de estudantes que atuam em diversas outras áreas, como ONG's, sindicatos, movimento campesino e outros. Ainda assim, a maioria não se organiza. Como a própria definição de movimentos sociais coloca, é através da sua luta específica que os grupos sociais se inserem na disputa de sociedade. É a partir da disputa na sociedade com interesses em comum, que estes movimentos se tornam aliados na defesa de um projeto de sociedade. Esses aliados dependem, na maioria das vezes, das opções políticas de cada movimento. Isso não impede que o ME seja sujeito nas grandes mobilizações sociais, nas quais todos os movimentos sociais podem cumprir um papel protagonista. Mas é inicialmente através da organização e agitação de sua pauta específica, que estes garantem sua capacidade de 26
mobilização e de disputa de sociedade, pois toda pauta específica passa pelo debate sobre o modelo de sociedade pretendido. Não podemos deixar que os debates das pautas específicas caiam na miopia política, onde as questões da educação não estão interligadas com as condições gerais da sociedade. É por isso que combatemos o "economicismo sindical". Segundo a definição gramsciniana, a educação consiste em um aparelho privado de hegemonia. Desta forma, a disputa desse aparelho está diretamente ligada à disputa de hegemonia da sociedade. Todos os movimentos sociais disputam parcela da sociedade. Essas disputas, em seus respectivos "lócus" de atuação, devem estar diretamente interligadas a suas concepções de sociedade. Cabe aos movimentos sociais que lutam pelo mesmo modelo de sociedade se aliarem para as disputas específicas e para as disputas gerais. Nenhum movimento social será vitorioso se carregar somente sua pauta corporativa. Dessa maneira, acreditamos que o ME deva se aliar aos trabalhadores e aos oprimidos pela superação do modo de produção capitalista. Deve ser aliado do MST pela reforma agrária, do movimento sindical na defesa dos direitos trabalhistas e sindicais, como os demais movimentos e entidades populares devem ser nossos aliados na luta pela educação pública e gratuita. O ME não pode se fechar dentro das universidades, mas não pode se esquecer das lutas específicas, pois é através da luta naquele espaço que este pode se inserir nas lutas gerais.
SOCIEDADE E EDUCAÇÃO UMA RELAÇÃO INDISSOCIÁVEL: A RUPTURA PASSA POR AQUI! Por Anderson Luiz Machado Romper com a lógica do capital na área educacional, equivale a substituir as formas onipresentes e profundamente enraizadas de internalização mistificadora por uma alternativa concreta abrangente. (MÉZÁROS, I. Educação Para Além do Capital)
O foco central da atuação do movimento estudantil é o debate acerca da educação. É por meio dela que se abre a possibilidade de compreensão das relações sociais gerais. Portanto, para avançarmos na luta, é fundamental compreender a essência do processo educacional para transformá-lo. Vivemos sob a égide do modo de produção capitalista, que tem como um dos seus elementos centrais, a contradição entre o trabalho assalariado e o capital. Esta contradição estrutura-se tanto no âmbito das relações de produção, quanto erige para outras dimensões da vida social. Assim, os antagonismos entre a classe dominante e a classe dominada se estabelecem não somente com a exploração intrínseca as relações de produção como também se estendem ao nível político, ideológico e cultural.
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A educação, compreendida como uma atividade mediadora no seio da prática social geral, forjada como um processo de internalização de práticas sociais encontra-se inserida neste contexto. Se retomarmos um pouco da história, veremos como a mesma assume esta dimensão política e cultural nas diferentes formações sociais. Na Grécia dos tempos homéricos preparava o guerreiro; na época clássica, Atenas formava o cidadão e Esparta era a cidade que privilegiava a formação militar. Na Idade Média, os valores terrenos eram submetidos aos divinos, considerados superiores e assim por diante. Estes processos formativos podem ser considerados finalidades da prática educacional. Esta análise nos leva a conceber que a educação não pode ser compreendida fora do contexto histórico-social concreto. Ela, por ser uma prática social está imersa na sociedade. Bem como, por ser social, também é essencialmente política e ideológica. Podemos inferir pelo menos quatro sentidos ao papel político da educação: a educação transmite os modelos sociais, a educação forma personalidade e consciência, a educação difunde idéias políticas, a educação é um encargo da escola, instituição social e política. Mais claro ainda, é seu sentido ideológico. Ao nos defrontarmos com uma sociedade composta por classes sociais possuidoras de interesses antagônicos, o papel ideológico da educação está inserido em relações pedagógicas que visam à ocultação da realidade. Relações onde os objetivos de uma parcela minoritária da sociedade passam a ser difundidas como sendo os objetivos de toda sociedade. Está, na prática bancária da educação que implica em uma espécie de anestesia, inibindo o poder criador dos sujeitos históricos. Está no afastamento da realidade social na qual estão imersos estes sujeitos. Cabe ressaltar que na sociedade capitalista a educação encontra-se igualmente dividida. Visto que diante da divisão social do trabalho, surge também o homem dividido, alienado, unilateral. Pois, o tempo de trabalho necessário para sua auto-reprodução e para a criação da mais-valia, faz com que o trabalhador não disponha de tempo livre para o desenvolvimento de suas potencialidades. Por fim a questão crucial imposta pela lógica capitalista no âmbito educacional está na busca para que os indivíduos adotem como suas, as metas de reprodução deste modelo de organização social. Sua finalidade última é produzir a conformidade, a alienação. Não somente pela via da repressão como outrora, mas, sobretudo pela dominação e direção, pela hegemonia, construída mediante a persuasão do seu discurso, perante o consenso conciliador. Sendo que a hegemonia é conquistada no processo de luta política entre as classes sociais. Por outro lado, coloca-se a questão: é possível desenvolver uma educação que seja capaz de apontar para a emancipação política dos homens e mulheres? Concebemos que este processo de dominação ideológica inerente a educação não se desenvolve de uma forma linear, mas é forjada no seio da luta política e social inerente a sociedade de classes. Compreendemos que a luta de classes também se reproduz no âmbito educacional. Portanto, cabe ao Movimento Estudantil em seus espaços de atuação, aliando-se aos demais movimentos sociais e a classe trabalhadora, aprofundar a luta por uma educação contra-hegemônica, que caminhe na contramão da lógica do capital. Que busca a emersão 28
das consciências como resultado da sua inserção crítica na realidade. Uma educação que visa a elevação da consciência política dos estudantes, dos educadores, da classe trabalhadora. Porém, nunca o Movimento Estudantil pode cair no equívoco de acreditar na capacidade redentora da educação. Ou seja, que somente por ela conseguiremos subverter a totalidade da ordem social. Mas, deve ter como horizonte a concepção de que a educação, ainda que não seja a força ideológica dirigente do modo de produção capitalista, é parte importante do sistema de internalizarão do capital. Por isso, a luta por uma educação contra-hegemônica, na guerra de posições da sociedade capitalista, torna-se um elemento fundamental no processo de ruptura políticoideológica, social e cultural que os sujeitos coletivos devem impulsionar contra este modo de organização da sociedade. Fazendo com que no seio das contradições da velha sociedade, surjam as condições para a nova sociedade, a sociedade socialista. Logo, lutar por uma educação contra-hegemônica significa construir umas das forças capazes de contribuir para o processo de luta social pela transformação de toda a sociedade. Assim, estamos entre aqueles que entendem que o acesso ao conhecimento é condição fundamental para a transformação social e a elevação do nível de consciência dos povos. A educação, assim, é um bem público, que não deve ser apropriado privadamente pelas classes dominantes e tampouco pode se constituir em privilégio de uma minoria. Portanto, a defesa de uma educação contra hegemônica, também pressupõe a educação como um direito universal, que deve ser garantido pelo Estado, com recursos públicos, condição sine qua non para a manutenção de seu caráter laico, democrático e não discriminatório.
Universidade e Relações de Poder Como entendemos a Universidade A Universidade que vivemos é conflitante e, quanto maior o conflito dentro dela, maiores serão as chances de que ela venha a cumprir sua função social, que ela atenda aos ideais que hoje mormente atraiçoa. (GADOTTI, M. A Concepção Dialética da Educação, 1992).
Se tomarmos como ponto de partida, o fato da educação em grande medida reproduzir as contradições gerais da sociedade. Necessitamos compreender como este processo também se desenvolve no interior do sistema educacional brasileiro e, sobretudo na Universidade, espaço no qual estamos inseridos enquanto estudantes. O ponto chave ao qual o Movimento Estudantil precisa se debruçar para entender a Universidade, é a questão da luta de classes engendrada e realizada no âmbito da produção, não se limitar somente a este espaço, mas também se manifestar no âmbito da superestrutura, sob a forma política e ideológica de uma luta pelo poder do Estado e pelo controle dos seus aparelhos. Assim, concebemos a Universidade como um aparelho de hegemonia, no qual a luta pelo seu controle é a expressão da correlação de forças que vigora em seu interior, pelos enfrentamentos empreendidos mediante a luta dos grupos que a compõem e a influenciam. Portanto, o aspecto da reprodução social no âmbito educacional e neste caso, na Universidade, está no fato da mesma ser atualmente composta pelas diferentes classes sociais 29
existentes. Já, suas funções, seus objetivos serão determinados pela luta desenvolvida para o seu controle, para sua direção. Cabe ressaltar que historicamente a Universidade é um espaço muito importante para as classes dominantes tornarem-se hegemônicas na sociedade, seja no sentido de difundir sua concepção de mundo para os demais segmentos sociais, seja no sentido de construir um modelo educacional alienador que impede a tomada de consciência a respeito da dominação de classe vigente e por conseqüência dificulta a organização política das classes sociais antagônicas. No Brasil, a universidade é uma instituição formada recentemente, pois ao contrário da colonização espanhola, os filhos das elites coloniais do Brasil tinham que ir a Coimbra ou outras universidades européias para atingir os estudos superiores. A formação da universidade no Brasil recebe diretamente a influência do modelo francês de universidade (modelo napoleônico), baseada na reunião de escolas isoladas, destinada quase que exclusivamente às profissões liberais, o que justifica sua fragmentação e intimamente ligada à formação das elites e dos quadros dirigentes do Estado. As instituições de ensino superior só ganham corpo nas primeiras décadas do século XX, a partir das escolas criadas no século anterior, mas é na fundação da Escola de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934) e na Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro (1935), que encontramos, de fato, as primeiras universidades do país. Contudo, outros aspectos importantes para a hegemonia das classes dominantes na sociedade, situam-se nas questões mais objetivas, como a reprodução de força de trabalho e o desenvolvimento científico e tecnológico para os detentores dos grandes meios de produção. Porém, ao concebermos a Universidade como um aparelho de hegemonia não podemos desconsiderar a resistência para que a Universidade tenha outra função social que não as anteriormente citadas que representam os interesses das classes dominantes. É neste pólo oposto que se encontra a luta do Movimento Estudantil por outra Universidade. Logo, se hoje temos Universidades produzindo ciência e tecnologia para os setores privados, mediante “projetos de cooperação técnica”, ou se temos Universidades produzindo ensino, pesquisa e extensão junto e para os movimentos sociais, por exemplo, sendo estas minoritárias, diga-se de passagem, aí revela-se a expressão do patamar da luta pelo controle deste aparelho, e qual a força social que tem preponderado sobre ele. Ou seja, a luta e força com que burguesia nacional e internacional tem conseguido incidir sobre as Instituições de Ensino Superior Brasileiras e no seu pólo antagônico, e luta e a força dos movimentos sociais, da classe trabalhadora e do movimento estudantil, sobre este aparelho.
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O QUE É GÊNERO E SUAS IMPLICAÇÕES Por Bruna Surdi1 e Camila Traesel Schreiner2 “Não se nasce mulher, torna-se” Simone de Beauvoir
Com a crescente visibilidade que tem tomado os movimentos ligados a luta das mulheres por direitos e contra a opressão de gênero, muitas são as confusões existentes quanto aos conceitos de sexo, gênero e sexualidade. Assim, torna-se necessário diferenciar, para uma maior compreensão e entendimento de como se relacionam. Também é importante buscarmos compreender através da história a opressão de gênero e suas implicações na vida das mulheres na atualidade.
Sexo, gênero e sexualidade O conceito de sexo está relacionado ao conjunto de características físicas, orgânicas, celulares, genéticas, que permitem distinguir macho e fêmea, sendo este uma característica biológica. Assim, sexo não está ligado ao papel social do indivíduo, mas sim, é próximo ao sentido que se dá no mundo animal. Já o gênero, está voltado para as características originalmente dadas aos sujeitos de determinado sexo, atribuindo-lhes lugares, status, comportamentos, papéis e poderes, na vida privada e pública (FALEIROS, 2007). Assim, a sociedade patriarcal divide os sujeitos de acordo com seu sexo, definindo-os como feminino ou masculino, de forma binária. Portanto, gênero é uma construção social, é o que condiciona a participação de homens e mulheres na vida pública e privada, tendo diferenças sociais, culturais e econômicas. É o que implica na posição inferior que as mulheres ocupam no espaço público, enquanto espaço de decisão. É o que condiciona as mulheres ao espaço privado do cuidado dos filhos e dos afazeres domésticos. É de certa forma como os indivíduos se percebem e devem se colocar dependendo do seu sexo. De forma ainda mais complexa, a sexualidade, se define como a forma dos sujeitos se relacionarem sexual ou afetivamente. Está intrinsecamente ligado ao cerne do sujeito, encarado como orientação, e não opção. Assim, os sujeitos, independente do seu sexo e gênero, podem se relacionar sexualmente com indivíduos do mesmo sexo e gênero ou não. Podemos citar os tipos mais recorrentes: homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade, transsexualidade, travestis, transgêneros. Estudante de Serviço Social da UFSM, integrante da Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social e do Diretório Central dos Estudantes. 2 Estudante de Engenharia Florestal da UFSM, integrante da Associação Brasileira de Estudantes de Engenharia Florestal e do Diretório Acadêmico da Engenharia Florestal. 1
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Ao conceituarmos estas três categorias, é importante perceber que todas elas se relacionam. Entretanto, existe na sociedade contemporânea, traços considerados “corretos”, o que podemos chamar de perfis societários, que adquirem privilégios dependendo da sua posição social, sexual, e de gênero. Estes perfis, que privilegiam o homem heterossexual, não é fruto deste século, mas sim, resultado de uma construção socio-histórica, que não ocorre de forma homogênea em todo o mundo.
Opressão de gênero ao longo da história Em tempos remotos, a forma de organização da sociedade e da divisão do trabalho, ainda na chamada pré-história, era baseada no coletivismo. Como os povos eram nômades, todos eram responsáveis pela coleta de raízes e frutos, assim como pelo cuidado das crianças e idosos. Há registros de povos que tinham como forma de organização a matrilinearidade, sendo que não havia o conhecimento do papel masculino na reprodução. A partir do momento em que estes povos foram se fixando em territórios, com a descoberta do fogo e criação das técnicas de cultivo de animais e plantas, foram se distinguindo em papéis diferenciados, atribuídos ao homem e a mulher. Ao homem cabia a caça, à mulher o cuidado com as crianças e idosos, assim como o plantio. Uma vez conhecida a participação do homem na reprodução e, mais tarde, estabelecida a propriedade privada, surgem os primórdios das relações monogâmicas a fim de garantir herança aos filhos legítimos. Os homens como detentores das propriedades precisavam garantir a perpetuação dessas em sua família, precisando garantir que os filhos fossem genuinamente seus herdeiros e defensores, assim, era necessário que as mulheres tivessem relação monogâmica e para isto fossem mantidas em espaços privados. Com isso, a vida e sexualidade das mulheres passa ser controlada, bem como suas funções dentro da sociedade, principalmente a partir do casamento, é aí que se dá o início do sistema de dominação que chamamos patriarcado.
A vida das mulheres nos dias de hoje Mesmo com o avanço da luta das mulheres, encontramos o patriarcado evidente em nossa sociedade, provocando ainda hoje dor e morte à milhares de mulheres no mundo todo. Antes do nascimento, já é predeterminado as meninas cor rosa, e ao nascer a primeira marcar física é a colocação de brinco nas meninas, diferenciando-as dos meninos. A partir disso, desencadeia-se uma série de ideologias sobre os papeis da mulher na sociedade advindas do patriarcado.
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A sociedade patriarcal exige que as mulheres sejam mãe e que se responsabilizem totalmente pelo cuidado dos filhos, que realizem os trabalhos domésticos mesmo que trabalhem o dia todo fora de casa, e ainda que sejam “boas esposas”, estando lindas ao final da noite. Na sociedade patriarcal, e também capitalista, as mulheres são transformadas em mercadorias, seja na indústria da prostituição ou como são expostas nos meios publicitários. Na publicidade as mulheres são expostas como produto de consumo aos homens, como fazem as propagandas de cerveja. É oferecido as mulheres diversos produtos de cosméticos para que elas fiquem atraentes aos olhares masculinos, sendo que hoje o Brasil é o quarto vendedor de cosméticos do mundo. Também a indústria farmacêutica lucra com remédios para emagrecer, para moderar o apetite, limpar a pele e tantas outras coisas mais. Há também uma banalização da sexualidade feminina, que é abordada de maneira repressora em diversos âmbitos a sociedade, sendo a todo instante vigiada e controlada. Junto com esta banalização soma-se uma padronização no exercício da sexualidade, onde impõe como cada uma e cada um deve vivenciá-la. Os casos de violência contra à mulher estão bastante presentes tanto em espaços privados como públicos, uma vez que esta é entendida não apenas por agressões físicas mais também psicológicas. Os dados são alarmantes em relação aos índices de violência contra as mulheres, tanto no campo quanto na cidade. No meio rural, a subordinação das mulheres se dá com diferentes contornos. Os laços de dependência são mais fortes, principalmente em relação ao econômico, pois na maioria dos casos, a propriedade é do marido, e a maioria das políticas de acesso a crédito beneficia estes proprietários. Assim, a mulher além de não ter posse da terra, dependendo exclusivamente do companheiro, em caso de ser agredida, também acaba tendo dificuldades em acessar as políticas de proteção a mulher, pois a maioria, senão todas, se encontram no meio urbano. Frente a isso percebemos a condição da mulher na sociedade atual e que, mesmo com avanços nas pautas feministas, temos a necessidade de nos organizarmos contra o machismo e a opressão de gênero, que não atinge apenas as mulheres, mas os homens também. Devemos lutar por "um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres", como já disse Rosa Luxemburgo. Saudações Feministas!
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JUVENTUDE E DIVERSIDADE SEXUAL Por João Paulo Furtado Estudante da UFMG
Muito mais que a beleza do arco-íris na bandeira LGBT, suas cores simbolizam a diversidade de uma juventude múltipla em sua sexualidade, identificação pessoal, comportamentos e amores. É justamente essa diversidade que se choca com os valores de um mundo padronizado em caixinhas que são moldadas para deixar às margens quem não se adapta. A cada 27 horas morre uma pessoa vítima de lesbo-homo-transfobia no Brasil, segundo dados de 2014. O Relatório sobre violência homofóbica no Brasil de 2012 – divulgado pelo Governo Federal – indica 9.982 violações para 4.851 vítimas LGBT, representando um aumento de 183,19% de em relação ao relatório do ano anterior que indicara 1.713 pessoas. Ainda sobre o relatório de 2012, entre as pessoas violentadas em razão de sua orientação sexual, 61,16% estavam na faixa etária de 15 a 29 anos. São jovens os mais expostos à vulnerabilidade e ao conservadorismo da sociedade brasileira. Se esses dados já são alarmantes, mas alarmante ainda é pensar que eles representam uma parcela muito restrita da população LGBT que entra nas estatísticas. É uma exceção à regra porque a grande maioria é invisibilizada pela sociedade, pelo Estado e pelos relatórios. E o que dizer da violência simbólica que é incontável? Quando se nega o direito à identidade pessoal, à sexualidade e ao amor, a negação é da própria vida. Não é de se espantar que tantos homossexuais recorram ao suicídio ainda hoje, provavelmente muitos entraram para as estatísticas com outros motivos justificados. É fato que a luta pela livre orientação sexual teve grandes conquistas nesse último período no Brasil, na arena institucional e também social. A inclusão e o fomento de políticas públicas para a população LGBT na agenda governamental, o reconhecimento pelo STF da união homoafetiva, o primeiro “beijo gay” da televisão brasileira… Tudo isso tem que ser comemorado, sem considerar o mérito das “boas intenções”. Mas o Brasil ainda lidera o ranking mundial de violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Isso é muito grave para qualquer democracia no século XXI. Isso é muito grave para um país que ostenta o respeito à diversidade em sua vitrine. Se é verdade que nos últimos anos tivemos os maiores avanços para os direitos LGBT, também o é que por diversos momentos esses viraram moeda de troca, ou colocados em segundo e terceiro plano por nosso governo. Foi assim com o veto ao programa “Escola sem homofobia”, apelidado de kit gay, com a postura recuada do governo em relação ao PLC 122 que prevê a criminalização da homofobia, com a tragédia que levou o homofóbico Marco Feliciano à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, entre outros episódios. Em tempos de guerra, a luta LGBT é pela sobrevivência. Sobreviver à violência doméstica, sobreviver à polícia que mais ameaça do que protege, sobreviver à escola que joga tudo para 34
debaixo do tapete, sobreviver ao conservadorismo que cresce em nossa sociedade com o sempre assíduo apelo midiático, sobreviver a Eduardo Cunha e sua turma da bancada evangélica que tentam cercear os poucos direitos conquistados até hoje. A opção de recuar não nos é oferecida enquanto milhares de pessoas continuam morrendo, física ou simbolicamente, pelo ódio e o não reconhecimento da diversidade sexual. Avançar na conquista de direitos é um imperativo contra o avanço do conservadorismo. Os movimentos sociais e os setores progressistas têm o papel histórico de barrar o avanço dessa onda conservadora que elegeu o Congresso mais reacionário desde 64 e perdeu a vergonha de ir pra rua levantar as bandeiras do fascismo. A juventude, sobretudo, tem que ser protagonista na luta pelos direitos humanos, contra o machismo, o racismo e a lesbohomo-transfobia. A esquerda brasileira e os setores progressistas têm o papel histórico de barrar o avanço dessa onda conservadora que elegeu o Congresso mais reacionário desde 64 e perdeu a vergonha de ir pra rua levantar as bandeiras do fascismo. Historicamente, tem sido atribuída à juventude uma condição revolucionária por natureza, aqueles jovens de 1968 que levaram o mundo à ebulição com os movimentos contraculturais. Essa atribuição sempre foi arbitrária, mas em alguns momentos da história, os fatos comprovam ainda mais essa arbitrariedade. Podemos dizer, certamente, que temos uma geração de jovens hoje no Brasil que é conservadora em muitos aspectos. Em parte, esse conservadorismo continua se reproduzindo na mesma classe média reacionária de sempre, mas por outro lado, tem atingido parcelas da juventude vinda da nova classe trabalhadora. Esse cenário é muito preocupante. Noutras palavras, a juventude nunca esteve isenta da luta de classes. A onda conservadora que temos presenciado hoje no Brasil coloca jovens na rua pedindo a volta da ditadura, se organizando para ocupar os plenários das Câmaras Municipais contra o que chamam de “ideologia de gênero” e pregando morte aos gays. Com o fascismo não tem conversa, temos que nos armar até os dentes para enfrentar a direita e travar a disputa ideológica com a juventude trabalhadora. A juventude deve ser protagonista na luta pelos direitos humanos, contra o machismo, o racismo e a lesbo-homo-transfobia. Mas, com perdão do clichê, a mudança tem que vir de dentro para fora. Não dá para admitirmos práticas machistas, racistas e LGBTfóbicas entre as/os próprias/os jovens, inclusive dos movimentos sociais e de esquerda, o que temos visto repetidas vezes. Os desafios são muitos, mas a certeza da tempestade é de depois que ela passa vem o arco-íris. Até que passe o dilúvio, temos muita luta pela frente.
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ESTRUTURAÇÃO DO RACISMO E OS DESAFIOS PARA COMBATER O GENOCÍDIO DA JUVENTUDE NEGRA Por Aleff Fernando Estudante de Ciências Sociais da UFSM O racismo está subdividido em três vertentes, as quais são utilizadas para perpetuar o modelo de sociedade opressora e racista observada no Brasil. O Racismo Estrutural é a naturalização dos ambientes que constituem nossa sociedade, sem a presença das/dos negras/os, sendo estas práticas, muitas vezes inconsciente as pessoas, inclusive negras. Vamos ao médico, às escolas e universidades, visitamos câmaras e congresso, prefeituras e judiciários, nos shoppings, nas praias, elegemos direções de partidos, coletivos de esquerda, inclusive nas entidades estudantis. As representações, cargos e ocupação desses equipamentos sociais e vários outros com maior prestígio são historicamente construídos para pessoas brancas. Uma segunda forma é o Racismo Institucional, este primordial na construção da cultura racista operante na sociedade, utiliza-se das instituições como educação, religião, a polícia para manter os privilégios da população branca. A educação quando deixa de aplicar a Lei 10.639/03, que dispõe sobre o “Ensino da Cultura Afro brasileira e Africana nas Instituições de Ensino”, as religiões cristãs quando oprimem e descaracterizam as de matrizes africanas, a polícia militar tem como critérios de atuação prender e matar principalmente jovens negros. Por último e fundamental para garantir a aplicabilidade das vertentes anteriores é o Racismo de Estado. Este pensado e constituído por brancos, mantém suas estruturas voltadas aos privilégios desses. As políticas públicas, jamais são produzidas para atender a população marginalizada e inibir a desigualdade social, mas sim permitir a exploração e o genocídio do povo negro. Entender como o racismo se integra no Brasil facilita a compreensão do descaso dos Poderes Públicos e de toda a sociedade no que diz respeito ao Extermínio da Juventude Negra na atualidade. O Brasil assassina 60 jovens negros todos os dias no país, naturalizamos a morte de 30 mil jovens anualmente sendo 77% destes pretos e pardos, em 30 anos matamos uma população do Uruguai, mais de 3 milhões do mesmo público. E, a resposta do setor conservador é o encarceramento da nossa juventude com a reabertura do processo que traz como pauta a redução da maioridade penal. Para este próximo período, precisamos de ações concretas para que possamos de fato resolver o problema que vive nossa Juventude Negra brasileira. A aprovação da PL 2438/15, que prevê o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídios de Jovens, é o objetivo dos movimentos sociais negros, pois este projeto visa mobilizar, municípios, estados e a união, para pensar métodos e políticas públicas que reduzirão esses homicídios à 1 (um) dígito abaixo de 0 (zero), hoje sendo 6,9 a cada 100 mil habitantes, num período de 10 anos de vigência.
#PoderiaSerEu o jovem negro da favela, Que sai de casa de boa e leva um tiro na viela. (Rodger Richer)
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AGROECOLOGIA NÃO É UM TIPO DE AGRICULTURA ALTERNATIVA Por Francisco Roberto Caporal1 Ao longo deste artigo vamos tentar argumentar sobre a importância do uso correto dos nomes das coisas para que se tenha maior precisão nas estratégias de desenvolvimento rural sustentável e de construção de tipos de agriculturas sustentáveis2, que possam impulsionar uma profunda mudança no meio rural e na agricultura, além de reorientar ações de Assistência Técnica e Extensão Rural, numa perspectiva que assegure maior sustentabilidade sócio-ambiental e econômica dos territórios rurais. Como temos procurado alertar em outros textos, é comum a confusão quando se fala de tipos de agricultura alternativa e de Agroecologia, como se fossem a mesma coisa. Já faz muitos anos que, ao lado da implementação da agricultura convencional, agroquímica ou industrial, vêm sendo praticadas diferentes formas de agricultura que são sócioambientalmente mais adequadas. Nos anos 80, se convencionou chamar a estas agriculturas ambientalmente mais corretas de agricultura alternativa. De fato, existem muitos tipos de agriculturas alternativas, com diferentes denominações. Elas se orientam por determinadas linhas filosóficas, diferentes enfoques metodológicos, assim como diferentes práticas, tecnologias, uso de preparados ou, simplesmente, proibições e restrições de uso de certos insumos, etc. Dependendo do arranjo que seja adotado no processo produtivo, elas assumem diferentes denominações: Natural, Ecológica, Biodinâmica, Permacultura, Biológica ou Orgânica, entre outras. Contudo, estas escolas ou correntes da agricultura alternativa não necessariamente precisam estar seguindo as premissas básicas e os ensinamentos fundamentais da Agroecologia. Na realidade, uma agricultura que trata, por exemplo, apenas de substituir insumos químicos convencionais por insumos “alternativos”, “ecológicos” ou “orgânicos” não necessariamente será uma agricultura ecológica em sentido mais amplo. Por outro lado, ainda nos anos 80, nascia a Agroecologia: um enfoque científico que iniciou com a tentativa de mostrar novas maneiras de integrar a Agronomia com a Ecologia, mas que, logo em seguida, viria a incorporar a importância do saber popular, sobre o ambiente e sobre o manejo dos recursos naturais nos processos produtivos agrícolas ou extrativistas, que foi acumulado pelas comunidades tradicionais ou camponesas ao longo dos anos, passando a articular, desta forma, o conhecimento científico com estes saberes. Nesse processo de construção da Agroecologia como uma nova ciência, foram sendo incorporados aportes de outros campos do conhecimento: Sociologia, Antropologia, Física, Economia Ecológica, História e tantas outras que nos ajudam a entender e explicar a crise sócio-ambiental gerada pelos modelos de desenvolvimento e de agricultura convencionais e, ao mesmo tempo, contribuem para a gente pensar e construir novos desenhos de Engenheiro Agrônomo, Mestre em Extensão Rural (CPGER/UFSM), Doutor pelo Programa de “Agroecología, Campesinado e Historia” (Universidad de Córdoba – España) e Extensionista Rural da EMATER/RS-ASCAR. Atualmente atuando como Coordenador Geral de Ater (MDA-SAF-DATE) – Brasília, 21/11/2005. E-mail: francisco.caporal@mda.gov.br 2 A expressão Agriculturas Sustentáveis (usada aqui no plural) pretende marcar a importância que o enfoque agroecológico dá às especificidades socioculturais dos atores sociais que trabalham na agricultura, assim como a necessidade de adaptação da agricultura aos diferentes agroecossistemas. 1
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agroecossistemas (sistemas manejados pelo homem) e de agricultura que caminhem na direção da sustentabilidade. Na verdade, então, a Agroecologia, no seu sentido mais comum, é a ciência que nos ajuda a articular diferentes conhecimentos científicos e saberes populares para a busca de mais sustentabilidade na agricultura. Assim, ao contrário da agricultura convencional baseada na Agronomia tradicional ensinada pela Revolução Verde, que sempre tende para a simplificação dos sistemas agrícolas, levando para o extremo, como são as monoculturas, a Agroecologia é uma ciência que se situa no campo da complexidade, razão pela qual exige um enfoque holístico (ver o todo) e uma abordagem sistêmica (relações entre as partes) para o desenho de agroecossistemas mais sustentáveis e, por isso mesmo, necessariamente mais complexos. Ademais, desde a Agroecologia se entende, também, que a prática da agricultura é um processo social, integrado a sistemas econômicos, e que, portanto, qualquer enfoque baseado simplesmente na tecnologia ou na mudança da base técnica da agricultura pode implicar no surgimento de novas relações sociais, de novo tipo de relação dos homens com o meio ambiente e, entre outras coisas, em maior ou menor grau de autonomia e capacidade de exercer a cidadania. O antes mencionado serve como reforço à idéia segundo a qual os contextos de agricultura e desenvolvimento rural mais sustentáveis exigem um tratamento mais eqüitativo a todos os atores envolvidos – especialmente em termos das oportunidades a eles estendidas –, buscando-se uma melhoria crescente e equilibrada daqueles elementos ou aspectos que expressam os avanços positivos em cada uma das seis dimensões da sustentabilidade. Por isto mesmo, quando se fala de Agroecologia, está se tratando de uma orientação científica cujas contribuições vão muito além de aspectos meramente tecnológicos ou agronômicos da produção agrícola ou pecuária, pois esta ciência nos leva a incorporar dimensões mais amplas e complexas, que incluem tanto variáveis econômicas, sociais e ambientais, como variáveis culturais, políticas e éticas da sustentabilidade. Por esta razão o complexo processo de transição agroecológica não dispensa o progresso técnico e o avanço do conhecimento científico, assim como não pode dispensar o saber popular. A Agroecologia é, pois, um enfoque científico destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de agriculturas mais sustentáveis. Portanto, quando se está trabalhando a partir dos princípios da Agroecologia, aparece como central o conceito de transição agroecológica, entendida como um processo gradual e multilinear de mudança, que ocorre através do tempo, nas formas de manejo dos agroecossistemas, aproximando esses dos sistemas naturais onde estão inseridos. Esta idéia de mudança gradual se refere a um processo de evolução contínua e crescente no tempo, porém sem ter um momento final determinado. Porém, por se tratar de um processo social, isto é, por depender da intervenção humana, a transição agroecológica implica não somente na busca de uma maior racionalização econômico-produtiva, com base nas especificidades, por exemplo, do clima, solo e água de cada agroecossistema, mas também numa mudança nas atitudes e valores dos atores sociais em relação ao manejo e conservação dos recursos naturais. Isto determina, também, que quando se trabalha a partir dos princípios da Agroecologia não há a possibilidade de transferência unilateral de pacotes tecnológicos, pois devem ser respeitadas as condições locais tanto dos agroecossistemas como dos sistemas culturais dos grupos 38
sociais que os estão manejando. Adicionalmente, é preciso enfatizar que o processo de transição agroecológica adquire enorme complexidade, tanto tecnológica como metodológica e organizacional, dependendo dos objetivos e das metas que se estabeleçam, assim como do “nível” de sustentabilidade que se deseja alcançar. O que se está tentando dizer é que, como resultado da aplicação dos princípios da Agroecologia, pode-se alcançar estilos de agriculturas de base ecológica e, assim, obter produtos de qualidade biológica superior. Mas, para respeitar aqueles princípios, esta agricultura deve atender requisitos sociais, considerar aspectos culturais, preservar recursos ambientais, apoiar a participação política e o empoderamento dos seus atores, além de permitir a obtenção de resultados econômicos favoráveis ao conjunto da sociedade, com uma perspectiva temporal de longo prazo, ou seja, uma agricultura sustentável. Logo, é fundamental que tenhamos um entendimento correto destes conceitos, para evitar que, dando nomes errados às coisas, possamos estar colaborando para reafirmar um equívoco, já que a Agroecologia como tentamos mostrar não é mais uma das agriculturas alternativas.
POR QUE O SOCIALISMO?1 Por Albert Einstein
Será aconselhável para quem não é especialista em assuntos econômicos e sociais exprimir opiniões sobre a questão do socialismo? Eu penso que sim, por uma série de razões. Consideremos antes de mais a questão sob o ponto de vista do conhecimento científico. Poderá parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entre a astronomia e a economia: os cientistas em ambos os campos tentam descobrir leis de aceitação geral para um grupo circunscrito de fenómenos de forma a tornar a interligação destes fenómenos tão claramente compreensível quanto possível. Mas, na realidade, estas diferenças metodológicas existem. A descoberta de leis gerais no campo da economia torna-se difícil pela circunstância de que os fenómenos econômicos observados são frequentemente afetados por muitos fatores que são muito difíceis de avaliar separadamente. Além disso, a experiência acumulada desde o início do chamado período civilizado da história humana tem sido – como é bem conhecido – largamente influenciada e limitada por causas que não são, de forma alguma, exclusivamente económicas por natureza. Por exemplo, a maior parte dos principais estados da história ficou a dever a sua existência à conquista. Os povos conquistadores estabeleceram-se, legal e economicamente, como a classe privilegiada do país conquistado. Monopolizaram as terras e nomearam um clero de entre as suas próprias fileiras. Os sacerdotes, que controlavam a educação, tornaram a divisão de classes da sociedade numa instituição permanente e criaram um sistema de valores segundo o qual as pessoas se têm guiado desde então, até grande medida de forma inconsciente, no seu comportamento social.
Einstein escreveu este trabalho especialmente para o lançamento da Monthly Review, cujo primeiro número foi publicado em maio de 1949. Tradução de Anabela Magalhães. 1
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Mas a tradição histórica é, por assim dizer, coisa do passado; em lado nenhum ultrapassámos de fato o que Thorstein Veblen chamou de “fase predatória” do desenvolvimento humano. Os fatos econômicos observáveis pertencem a essa fase e mesmo as leis que podemos deduzir a partir deles não são aplicáveis a outras fases. Uma vez que o verdadeiro objetivo do socialismo é precisamente ultrapassar e ir além da fase predatória do desenvolvimento humano, a ciência económica no seu atual estado não consegue dar grandes esclarecimentos sobre a sociedade socialista do futuro. Segundo, o socialismo é dirigido para um fim sócio-ético. A ciência, contudo, não pode criar fins e, muito menos, incuti-los nos seres humanos; quando muito, a ciência pode fornecer os meios para atingir determinados fins. Mas os próprios fins são concebidos por personalidades com ideais éticos elevados e – se estes ideais não nascerem já votados ao insucesso, mas forem vitais e vigorosos – adoptados e transportados por aqueles muitos seres humanos que, semi-inconscientemente, determinam a evolução lenta da sociedade. Por estas razões, devemos precaver-nos para não sobrestimarmos a ciência e os métodos científicos quando se trata de problemas humanos; e não devemos assumir que os peritos são os únicos que têm o direito a expressarem-se sobre questões que afetam a organização da sociedade. Inúmeras vozes afirmam desde há algum tempo que a sociedade humana está a passar por uma crise, que a sua estabilidade foi gravemente abalada. É característico desta situação que os indivíduos se sintam indiferentes ou mesmo hostis em relação ao grupo, pequeno ou grande, a que pertencem. Para ilustrar o meu pensamento, permitam-me que exponha aqui uma experiência pessoal. Falei recentemente com um homem inteligente e cordial sobre a ameaça de outra guerra, que, na minha opinião, colocaria em sério risco a existência da humanidade, e comentei que só uma organização supranacional ofereceria proteção contra esse perigo. Imediatamente o meu visitante, muito calma e friamente, disse-me: “Porque se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana? ” Tenho a certeza de que há tão pouco tempo como um século atrás ninguém teria feito uma afirmação deste tipo de forma tão leve. É a afirmação de um homem que tentou em vão atingir um equilíbrio interior e que perdeu mais ou menos a esperança de ser bem-sucedido. É a expressão de uma solidão e isolamento dolorosos de que sofre tanta gente hoje em dia. Qual é a causa? Haverá uma saída? É fácil levantar estas questões, mas é difícil responder-lhes com um certo grau de segurança. No entanto, devo tentar o melhor que posso, embora esteja consciente do fato de que os nossos sentimentos e esforços são muitas vezes contraditórios e obscuros e que não podem ser expressos em fórmulas fáceis e simples. O homem é, simultaneamente, um ser solitário e um ser social. Enquanto ser solitário, tenta proteger a sua própria existência e a daqueles que lhe são próximos, satisfazer os seus desejos pessoais, e desenvolver as suas capacidades inatas. Enquanto ser social, procura ganhar o reconhecimento e afeição dos seus semelhantes, partilhar os seus prazeres, confortá-los nas suas tristezas e melhorar as suas condições de vida. Apenas a existência destes esforços diversos e frequentemente conflituosos respondem pelo carácter especial de um ser humano, 40
e a sua combinação específica determina até que ponto um indivíduo pode atingir um equilíbrio interior e pode contribuir para o bem-estar da sociedade. É perfeitamente possível que a força relativa destes dois impulsos seja, no essencial, fixada por herança. Mas a personalidade que finalmente emerge é largamente formada pelo ambiente em que um indivíduo acaba por se descobrir a si próprio durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que cresce, pela tradição dessa sociedade, e pelo apreço por determinados tipos de comportamento. O conceito abstrato de “sociedade” significa para o ser humano individual o conjunto das suas relações diretas e indiretas com os seus contemporâneos e com todas as pessoas de gerações anteriores. O indivíduo é capaz de pensar, sentir, lutar e trabalhar sozinho, mas depende tanto da sociedade – na sua existência física, intelectual e emocional – que é impossível pensar nele, ou compreendê-lo, fora da estrutura da sociedade. É a “sociedade” que lhe fornece comida, roupa, casa, instrumentos de trabalho, língua, formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo do pensamento; a sua vida foi tornada possível através do trabalho e da concretização dos muitos milhões passados e presentes que estão todos escondidos atrás da pequena palavra “sociedade”. É evidente, portanto, que a dependência do indivíduo em relação à sociedade é um fato da natureza que não pode ser abolido – tal como no caso das formigas e das abelhas. No entanto, enquanto todo o processo de vida das formigas e abelhas é reduzido ao mais pequeno pormenor por instintos hereditários rígidos, o padrão social e as inter-relações dos seres humanos são muito variáveis e susceptíveis de mudança. A memória, a capacidade de fazer novas combinações e o dom da comunicação oral tornaram possíveis os desenvolvimentos entre os seres humanos que não são ditados por necessidades biológicas. Estes desenvolvimentos manifestam-se nas tradições, instituições e organizações; na literatura; nas obras científicas e de engenharia; nas obras de arte. Isto explica a forma como, num determinado sentido, o homem pode influenciar a sua vida através da sua própria conduta, e como neste processo o pensamento e a vontade conscientes podem desempenhar um papel. O homem adquire à nascença, através da hereditariedade, uma constituição biológica que devemos considerar fixa ou inalterável, incluindo os desejos naturais que são característicos da espécie humana. Além disso, durante a sua vida, adquire uma constituição cultural que adopta da sociedade através da comunicação e através de muitos outros tipos de influências. É esta constituição cultural que, com a passagem do tempo, está sujeita à mudança e que determina, em larga medida, a relação entre o indivíduo e a sociedade. A antropologia moderna ensina-nos, através da investigação comparativa das chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode divergir grandemente, dependendo dos padrões culturais dominantes e dos tipos de organização que predominam na sociedade. É nisto que aqueles que lutam por melhorar a sorte do homem podem fundamentar as suas esperanças: os seres humanos não estão condenados, devido à sua constituição biológica, a exterminarem-se uns aos outros ou a ficarem à mercê de um destino cruel e auto-infligido. Se nos interrogarmos sobre como deveria mudar a estrutura da sociedade e a atitude cultural do homem para tornar a vida humana a mais satisfatória possível, devemos estar permanentemente conscientes do fato de que há determinadas condições que não podemos alterar. Como mencionado anteriormente, a natureza biológica do homem, para todos os 41
objetivos práticos, não está sujeita à mudança. Além disso, os desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos criaram condições que vieram para ficar. Em populações com fixação relativamente densa e com bens indispensáveis à sua existência continuada, é absolutamente necessário haver uma extrema divisão do trabalho e um aparelho produtivo altamente centralizado. Já lá vai o tempo – que, olhando para trás, parece ser idílico – em que os indivíduos ou grupos relativamente pequenos podiam ser completamente autossuficientes. É apenas um pequeno exagero dizer-se que a humanidade constitui, mesmo atualmente, uma comunidade planetária de produção e consumo. Cheguei agora ao ponto em que vou indicar sucintamente o que para mim constitui a essência da crise do nosso tempo. Diz respeito à relação do indivíduo com a sociedade. O indivíduo tornou-se mais consciente do que nunca da sua dependência relativamente à sociedade. Mas ele não sente esta dependência como um bem positivo, como um laço orgânico, como uma força protetora, mas mesmo como uma ameaça aos seus direitos naturais, ou ainda à sua existência econômica. Além disso, a sua posição na sociedade é tal que os impulsos egotistas da sua composição estão constantemente a ser acentuados, enquanto os seus impulsos sociais, que são por natureza mais fracos, se deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, seja qual for a sua posição na sociedade, sofrem este processo de deterioração. Inconscientemente prisioneiros do seu próprio egotismo, sentem-se inseguros, sós, e privados do gozo ingênuo, simples e não sofisticado da vida. O homem pode encontrar sentido na vida, curta e perigosa como é, apenas dedicando-se à sociedade. A anarquia econômica da sociedade capitalista como existe atualmente é, na minha opinião, a verdadeira origem do mal. Vemos perante nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros lutam incessantemente para despojar os outros dos frutos do seu trabalho coletivo – não pela força, mas, em geral, em conformidade com as regras legalmente estabelecidas. A este respeito, é importante compreender que os meios de produção – ou seja, toda a capacidade produtiva que é necessária para produzir bens de consumo bem como bens de equipamento adicionais – podem ser legalmente, e na sua maior parte são, propriedade privada de indivíduos. Para simplificar, no debate que se segue, chamo “trabalhadores” a todos aqueles que não partilham a posse dos meios de produção – embora isto não corresponda exatamente à utilização habitual do termo. O detentor dos meios de produção está em posição de comprar a mão-de-obra. Ao utilizar os meios de produção, o trabalhador produz novos bens que se tornam propriedade do capitalista. A questão essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que recebe, ambos medidos em termos de valor real. Na medida em que o contrato de trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe é determinado não pelo valor real dos bens que produz, mas pelas suas necessidades mínimas e pelas exigências dos capitalistas para a mão-de-obra em relação ao número de trabalhadores que concorrem aos empregos. É importante compreender que, mesmo em teoria, o pagamento do trabalhador não é determinado pelo valor do seu produto. O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte por causa da concorrência entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho encorajam a formação de unidades de produção maiores à custa de outras mais pequenas. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo 42
enorme poder não pode ser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Isto é verdade, uma vez que os membros dos órgãos legislativos são escolhidos pelos partidos políticos, largamente financiados ou influenciados pelos capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses das secções sub-privilegidas da população. Além disso, nas condições existentes, os capitalistas privados controlam inevitavelmente, direta ou indiretamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). É assim extremamente difícil e mesmo, na maior parte dos casos, completamente impossível, para o cidadão individual, chegar a conclusões objetivas e utilizar inteligentemente os seus direitos políticos. Assim, a situação predominante numa economia baseada na propriedade privada do capital caracteriza-se por dois principais princípios: primeiro, os meios de produção (capital) são privados e os detentores utilizam-nos como acham adequado; segundo, o contrato de trabalho é livre. Claro que não há tal coisa como uma sociedade capitalista pura neste sentido. É de notar, em particular, que os trabalhadores, através de longas e duras lutas políticas, conseguiram garantir uma forma algo melhorada do “contrato de trabalho livre” para determinadas categorias de trabalhadores. Mas tomada no seu conjunto, a economia atual não difere muito do capitalismo “puro”. A produção é feita para o lucro e não para o uso. Não há nenhuma disposição em que todos os que possam e queiram trabalhar estejam sempre em posição de encontrar emprego; existe quase sempre um “exército de desempregados. O trabalhador está constantemente com medo de perder o seu emprego. Uma vez que os desempregados e os trabalhadores mal pagos não fornecem um mercado rentável, a produção de bens de consumo é restrita e tem como consequência a miséria. O progresso tecnológico resulta frequentemente em mais desemprego e não no alívio do fardo da carga de trabalho para todos. O motivo lucro, em conjunto com a concorrência entre capitalistas, é responsável por uma instabilidade na acumulação e utilização do capital que conduz a depressões cada vez mais graves. A concorrência sem limites conduz a um enorme desperdício do trabalho e a esse enfraquecimento consciência social dos indivíduos que mencionei anteriormente. Considero este enfraquecimento dos indivíduos como o pior mal do capitalismo. Todo o nosso sistema educativo sofre deste mal. É incutida uma atitude exageradamente competitiva no aluno, que é formado para venerar o sucesso de aquisição como preparação para a sua futura carreira. Estou convencido que só há uma forma de eliminar estes sérios males, nomeadamente através da constituição de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educativo orientado para objetivos sociais. Nesta economia, os meios de produção são detidos pela própria sociedade e são utilizados de forma planeada. Uma economia planeada, que adeque a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser feito entre aqueles que podem trabalhar e garantiria o sustento a todos os homens, mulheres e crianças. A educação do indivíduo, além de promover as suas próprias capacidades inatas, tentaria desenvolver nele um sentido de responsabilidade pelo seu semelhante em vez da glorificação do poder e do sucesso na nossa atual sociedade. 43
No entanto, é necessário lembrar que uma economia planeada não é ainda o socialismo. Uma tal economia planeada pode ser acompanhada pela completa opressão do indivíduo. A concretização do socialismo exige a solução de problemas socio-políticos extremamente difíceis; como é possível, perante a centralização de longo alcance do poder econômico e político, evitar a burocracia de se tornar todo-poderosa e vangloriosa? Como podem ser protegidos os direitos do indivíduo e com isso assegurar-se um contrapeso democrático ao poder da burocracia? A clareza sobre os objetivos e problemas do socialismo é da maior importância na nossa época de transição. Visto que, nas atuais circunstâncias, a discussão livre e sem entraves destes problemas surge sob um tabu poderoso, considero a fundação desta revista como um serviço público importante
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MÚSICAS Nas escolas, nas ruas Campos, construções Caminhando e cantando E seguindo a canção
Admirável Gado Novo – Zé Ramalho Vocês que fazem parte dessa massa Que passa nos projetos do futuro É duro tanto ter que caminhar E dar muito mais do que receber E ter que demonstrar sua coragem À margem do que possa parecer E ver que toda essa engrenagem Já sente a ferrugem lhe comer Êh, oô, vida de gado Povo marcado Êh, povo feliz!
Refrão: Vem, vamos embora Que esperar não é saber Quem sabe faz a hora Não espera acontecer (x2) Pelos campos há fome Em grandes plantações Pelas ruas marchando Indecisos cordões Ainda fazem da flor Seu mais forte refrão E acreditam nas flores Vencendo o canhão
Lá fora faz um tempo confortável A vigilância cuida do normal Os automóveis ouvem a notícia Os homens a publicam no jornal E correm através da madrugada A única velhice que chegou Demoram-se na beira da estrada E passam a contar o que sobrou! Êh, oô, vida de gado Povo marcado Êh, povo feliz!
Refrão Há soldados armados Amados ou não Quase todos perdidos De armas na mão Nos quartéis lhes ensinam Uma antiga lição De morrer pela pátria E viver sem razão
O povo foge da ignorância Apesar de viver tão perto dela E sonham com melhores tempos idos Contemplam esta vida numa cela Esperam nova possibilidade De verem esse mundo se acabar A arca de Noé, o dirigível, Não voam, nem se pode flutuar Êh, oô, vida de gado Povo marcado Êh, povo feliz!
Refrão Nas escolas, nas ruas Campos, construções Somos todos soldados Armados ou não Caminhando e cantando E seguindo a canção Somos todos iguais Braços dados ou não
Pra não dizer que não falei das flores – Geraldo Vandré Caminhando e cantando E seguindo a canção Somos todos iguais Braços dados ou não
Os amores na mente As flores no chão A certeza na frente 45
A história na mão Caminhando e cantando E seguindo a canção Aprendendo e ensinando Uma nova lição
Floriô – Zé Pinto Refrão: Arroz deu cacho e o feijão floriô, milho na palha, coração cheio de amor. (x2) Povo sem terra fez a guerra por justiça visto que não tem preguiça este povo de pegar Cabo de foice, também cabo de enxada pra poder fazer roçado e o Brasil se alimentar.
Refrão
Canção da Terra – Pedro Munhoz Tudo aconteceu num certo dia Hora de Ave Maria O Universo viu gerar No princípio, o verbo se fez fogo Nem Atlas tinha o Globo Mas tinha nome o lugar
Com sacrifício debaixo da lona preta inimigo fez careta mas o povo atravessou Rompendo cercas que cercam a filosofia de ter paz e harmonia para quem planta o amor. Refrão
Era Terra, Terra, Terra, Terra
Erguendo a fala gritando Reforma Agrária, porque a luta não para quando se conquista o chão Fazendo estudo, juntando a companheirada criando cooperativa pra avançar a produção.
E fez o criador a Natureza Fez os campos e florestas Fez os bichos, fez o mar Fez por fim, então, a rebeldia Que nos dá a garantia Que nos leva a lutar
Refrão
Pela Terra, Terra, Terra, Terra
Só sai reforma agrária
Madre Terra, nossa esperança Onde a vida dá seus frutos O teu filho vem cantar Ser e ter o sonho por inteiro Sou Sem Terra, sou guerreiro Co'a missão de semear
Refrão: Só, só, sai, só, sai reforma agrária Com aliança camponesa e operária. (x2) Nossa primeira tarefa é ocupar toda terra produtiva. Nós queremos trabalhar.
A Terra, Terra, Terra, Terra
Refrão
Mas, apesar de tudo isso O latifúndio é feito um inço Que precisa acabar Romper as cercas da ignorância Que produz a intolerância Terra é de quem plantar
Nossa segunda tarefa é resistir. Entra bem organizado. Enfrentar para não sair. Refrão Nossa terceira tarefa é produzir No trabalho coletivo, colher muito e repartir
A Terra, Terra, Terra, Terra...
Refrão
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O negro é gente e quer escola, quer dançar samba e ser doutor
Cio da Terra – Chico Buarque
Dança aí negro nagô (x4)
Debulhar o trigo Recolher cada bago do trigo Forjar no trigo o milagre do pão E se fartar de pão
O negro mora em palafita, não é culpa dele não senhor A culpa é da abolição que veio e não o libertou
Decepar a cana Recolher a garapa da cana Roubar da cana a doçura do mel Se lambuzar de mel
Dança aí negro nagô (x4) Vou botar fogo no engenho aonde o negro apanhou O negro é gente como o outro, quer ter carinho e ter amor
Afagar a terra Conhecer os desejos da terra Cio da terra, a propícia estação E fecundar o chão
Xote ecológico – Luiz Gonzaga Não posso respirar, não posso mais nadar A terra está morrendo, não dá mais pra plantar E se plantar não nasce, se nascer não dá Até pinga da boa é difícil de encontrar (x2)
O Cubo – Dazaranha O meu compromisso Com a minha natureza É de não ser igual (x2)
Cadê a flor que estava aqui? Poluição comeu E o peixe que é do mar? Poluição comeu E o verde onde é que está? Poluição comeu Nem o Chico Mendes sobreviveu
Nasci no meio de milhares de pinheiros mas, eu saquei Que sou uma goiabeira (x2) Na geometria desse mundo Me disseram que eu sou quadrado Mas, eu sou triangular E quem sabe circular (x2)
Canción del poder popular - Julio Rojas - Luis Advis
O alecrim e a hortelã me confundem O alecrim e a hortelã me confundem O alecrim, o alecrim, o alecrim, O alecrim, o alecrim (x2)
Si nuestra tierra nos pide tenemos que ser nosotros los que levantemos Chile, así es que a poner el hombro.
Negro Nagô
Vamos a llevar las riendas de todos nuestros asuntos y que de una vez entiendan hombre y mujer todos juntos.
Eu vou tocar minha viola, eu sou um negro cantador O negro canta deita e rola, lá na senzala do Senhor
Refrão: Porque esta vez no se trata de cambiar un presidente, será el pueblo quien construya un Chile bien diferente.
Dança aí negro nagô (x4) Tem que acabar com esta história de negro ser inferior
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Todos vénganse a juntar, tenemos la puerta abierta, y la Unidad Popular es para todo el que quiera.
Boa Esperança - Emicida Por mais que você corra irmão Pra sua guerra vão nem se lixar Esse é o xis da questão Já viu eles chorar pela cor do orixá? E os camburão o que são? Negreiros a retraficar Favela ainda é senzala jão Bomba relógio prestes a estourar
Echaremos fuera al yanqui y su lenguaje siniestro. Con la Unidad Popular ahora somos gobierno. Refrão
Aí O tempero do mar foi lágrima de preto Papo reto, como esqueletos, de outro dialeto Só desafeto, vida de inseto, imundo Indenização? Fama de vagabundo Nação sem teto, Angola, keto, congo, soweto A cor de etú, maioria nos gueto Monstro sequestro, capta três, rapta Violência se adapta, um dia ela volta pu cêis Tipo campos de concentração, prantos em vão Quis vida digna, estigma, indignação O trabalho liberta, ou não Com essa frase quase que os nazi, varre os judeu? extinção Depressão no convés Há quanto tempo nóiz se fode e tem que rir depois Pique jack-ass, mistério tipo lago ness, sério és Tema da faculdade em que não pode por os pés Vocês sabem, eu sei Que até bin laden é made in usa Tempo doido onde a K K K, veste obey (é quente memo) Pode olhar num falei? Aí Nessa equação, chata, policia mata? Plow! Médico salva? Não! Por que? Cor de ladrão Desacato invenção, maldosa intenção Cabulosa inversão, jornal distorção Meu sangue na mão dos radical cristão Transcendental questão, não choca opinião Silêncio e cara no chão, conhece? Perseguição se esquece? Tanta agressão enlouquece Vence o Datena, com luto e audiência Cura baixa escolaridade com auto de resistência Pois na era cyber, ceis vai ler
La patria se verá grande con su tierra liberada, por que tenemos la llave ahora la cosa marcha. Ya nadie puede quitarnos el derecho de ser libres y como seres humanos podremos vivir en Chile.
Terra e raiz – 1ª Oficina Nacional dos Músicos do MST Refrão: A terra guarda a raiz da planta que gera o pão a madeira que dá o cabo da enxada e do violão (x2) A chuva cai sobre a natureza e a planta cresce gerando a riqueza e o trabalhador luta com certeza pra não faltar o pão sobre nossa mesa Refrão Liberdade é pão, é vida Terra-mãe, trabalho e amor é o grito da natureza viola de um cantador Refrão É o povo em movimento contra as cercas da concentração com um sorriso de felicidade e a história na palma da mão
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Os livro que roubou nosso passado igual alzheimer, e vai ver Que eu faço igual burkina faso Nóiz quer ser dono do circo Cansamos da vida de palhaço É tipo moisés e os hebreus, pés no breu Onde o inimigo é quem decide quando ofendeu (cê é loco meu) No veneno igual água e sódio Vai vendo sem custódio Aguarde cenas do próximo episódio Cês diz que nosso pau é grande Espera até ver nosso ódio
Dos nossos índios num leilão. Que país é esse? (x4)
Ai que saudade d’ocê – Vital Farias Não se admire se um dia Um beija-flor invadir A porta da tua casa Te der um beijo e partir Fui eu que mandei o beijo Que é pra matar meu desejo Faz tempo que eu não te vejo Ai que saudade d'ocê
Por mais que você corra irmão Pra sua guerra vão nem se lixar Esse é o xis da questão Já viu eles chorar pela cor do orixá? E os camburão o que são? Negreiros a retraficar Favela ainda é senzala jão Bomba relógio prestes a estourar
Se um dia você se lembrar Escreva uma carta pra mim Bote logo no correio Com frases dizendo assim Faz tempo que eu não te vejo Quero matar meu desejo Te mando um monte de beijo Ai que saudade sem fim
Que país é esse – Legião Urbana
E se quiser recordar Aquele nosso namoro Quando eu ia viajar Você caía no choro Eu chorando pela estrada Mas o que eu posso fazer Trabalhar é minha sina Eu gosto mesmo é d'ocê
Nas favelas, no senado Sujeira pra todo lado Ninguém respeita a constituição Mas todos acreditam no futuro da nação Que país é esse? (x4) No Amazonas, no Araguaia, na Baixada fluminense No Mato grosso, Minas Gerais e no Nordeste tudo em paz Na morte eu descanso mas o sangue anda solto Manchando os papéis, documentos fiéis Ao descanso do patrão
Desgarrados – Mário Barbará Eles se encontram no cais do porto pelas calçadas Fazem biscates pelos mercados, pelas esquinas, Carregam lixo, vendem revistas, juntam baganas E são pingentes das avenidas da capital Eles se escondem pelos botecos entre cortiços E pra esquecerem contam bravatas, velhas histórias E então são tragos, muitos estragos, por toda a noite
Que país é esse? (x4) Terceiro Mundo se for Piada no exterior Mas o Brasil vai ficar rico Vamos faturar um milhão Quando vendermos todas as almas 49
Olhos abertos, o longe é perto, o que vale é o sonho
Dentro do porta-luva tem a luva, tem a luva Que alguém de unhas tão negras e tão afiadas esqueceu de pôr
Refrão: Sopram ventos desgarrados, carregados de saudade Viram copos viram mundos, mas o que foi nunca mais será
Refrão No fundo do para-raio tem o raio, tem o raio, Que caiu da nuvem negra do temporal Todo quadro negro é todo negro é todo negro Que eu escrevo seu nome nele só pra demonstrar o meu apego
Cevavam mate,sorriso franco, palheiro aceso Viraram brasas, contavam causos, polindo esporas, Geada fria, café bem quente, muito alvoroço, Arreios firmes e nos pescoços lenços vermelhos
Refrão O bico do beija-flor, beija a flor, beija a flor, Toda fauna flora grita de amor Quem segura o porta-estandarte Tem a arte, tem a arte E aqui passa com raça eletrônico maracatu atômico
Jogo do osso, cana de espera e o pão de forno O milho assado, a carne gorda, a cancha reta Faziam planos e nem sabiam que eram felizes Olhos abertos, o longe é perto, o que vale é o sonho
Refrão Refrão
Maracatu atômico – Chico Science e Nação Zumbi
América Latina – Dante Ramon Ledesma Talvez um dia, não mais existam aramados E nem cancelas, nos limites da fronteira Talvez um dia milhões de vozes se erguerão Numa só voz, desde o mar as cordilheiras A mão do índio, explorado, aniquilado Do Camponês, mãos calejadas, e sem terra Do peão rude que humilde anda changueando É dos jovens, que sem saber morrem nas guerras
O bico do beija-flor, beija a flor, beija a flor Toda fauna-flora grita de amor Quem segura o porta-estandarte Tem a arte, tem a arte E aqui passa com raça eletrônico maracatu atômico Refrão: Anamauê, auêia, aê Anamauê, auêia, aê Anamauê, auêia, aê Anamauê
América Latina, Latina América Amada América, de sangue e suor
Atrás do arranha-céu tem o céu tem o céu E depois tem outro céu sem estrelas Em cima do guarda-chuva, tem a chuva tem a chuva, Que tem gotas tão lindas que até dá vontade de comê-las
Talvez um dia o gemido das masmorras E o suor dos operários e mineiros Vão se unir à voz dos fracos e oprimidos E as cicatrizes de tantos guerrilheiros Talvez um dia o silêncio dos covardes Nos desperte da inconsciência deste sono E o grito do sepé na voz do povo Vai nos lembrar, que esta terra ainda tem dono
Refrão No meio da couve-flor tem a flor, tem a flor, Que além de ser uma flor tem sabor 50
E as sesmarias, de campos e riquezas Que se concentram nas mão de pouca gente Serão lavradas pelo arado da justiça De norte a sul, no Latino Continente
Refrão: Venceremos, venceremos Mil cadenas habrá que romper Venceremos, venceremos La miseria (al fascismo) sabremos vencer
Hino do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra Letra: Ademar Bogo Musíca: Willy C. de Oliveira
Campesinos, soldados, mineros La mujer de la patria también Estudiantes, empleados y obreros Cumpliremos con nuestro deber
Vem teçamos a nossa liberdade braços fortes que rasgam o chão sob a sombra de nossa valentia desfraldemos a nossa rebeldia e plantemos nesta terra como irmãos!
Sembraremos las tierras de gloria Socialista será el porvenir Todos juntos haremos la historia A cumplir, a cumplir, a cumplir Refrão
Refrão: Vem, lutemos punho erguido Nossa Força nos leva a edificar Nossa Pátria livre e forte Construída pelo poder popular
Só a Luta Faz Valer - José Pinto de Lima Quem tá cansado dê licença do caminho Quem acredita dê as mãos e vamos embora pois quem tropeça no primeiro desatino E pouca força na construção dessa história.
Braços Erguidos ditemos nossa história sufocando com força os opressores hasteemos a bandeira colorida despertemos esta pátria adormecida o amanhã pertence a nós trabalhadores!
Refrão: Não adianta inventar outros caminhos Porque jamais vão conseguir nos convencer Capitalismo nunca foi de quem trabalha Nossos direitos só a luta faz valer
Refrão Nossa Força regatada pela chama da esperança no triunfo que virá forjaremos desta luta com certeza pátria livre operária camponesa nossa estrela enfim triunfará!
Esse evento traz presente um passado De uma semente que deu vida ao movimento No broto novo de Macalli e Brilhante A Encruzilhada Natalino pôs fermento
Refrão
Refrão
Venceremos – Inti llimani
E os companheiros que tombaram no caminho Serão lembrados sempre pela estrada afora Nossa Vingança é ocupar os latifundios já preparando o dia da grande vitória.
Desde el hondo crisol de la patria Se levanta el clamor popular Ya se anuncia la nueva alborada Todo Chile comienza a cantar
Refrão
Recordando al soldado valiente Cuyo ejemplo lo hiciera inmortal Enfrentemos primero a la muerte Traicionar a la patria jamás
Reforma agrária é uma luta de todos Aqui de novo viemos reafirmar
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Numa aliança entre o campo e a cidade Pois a verdade amanha triunfará.
Vão gritando, mas sem voz Norte a sul não tem lugar
Procissão dos retirantes – Pedro Munhoz
Eu não consigo entender que nessa imensa nação ainda é matar ou morrer por um pedaço de chão
Terra Brasilis, continente, Pátria mãe da minha gente Hoje eu quero perguntar Se tão grandes são teus braços, por que negas um espaço aos que querem ter um lar?
Pátria amada, ó Brasil De quem és, ó mãe gentil eu insisto em perguntar Dos famintos, das favelas ou dos que desviam verbas pra champagne e caviar
Eu não consigo entender Que nesta imensa nação Ainda é matar ou morrer Por um pedaço de chão
Eu não consigo entender Achar a clara razão de quem só vive pra ter E ainda se diz bom cristão
Lavradores nas estradas Vendo a terra abandonada sem ninguém para plantar Entre cercas e alambrados, vão milhões de condenados a morrer ou mendigar
Que vivan los estudiantes – Mercedes Sosa
Eu não consigo entender Achar a clara razão de quem só vive pra ter E ainda se diz bom cristão
Que vivan los estudiantes Jardín de nuestra alegría Son aves que no se asustan De animal ni policía Y no le asustan las balas Ni el ladrar de la jauría Caramba y zamba la cosa ¡Qué viva la astronomía!
No eldorado do Pará Nome índio carajás, o massacre aconteceu Nesta terra de chacinas essas balas assassinas todos sabem de onde vêm É preciso que a justiça e a igualdade sejam mais que palavras de ocasião É preciso um novo tempo em que não seja só promessa repartir até o pão A hora é essa de fazer a divisão
Me gustan los estudiantes Que rugen como los vientos Cuando les meten al oído Sotanas y regimientos Pajarillos libertarios Igual que los elementos Caramba y zamba la cosa Qué viva lo experimento
Eu não consigo entender Que em vez de herdar um quinhão teu povo mereça ter só sete palmos de chão
Me gustan los estudiantes Porque levantan el pecho Cuando les dicen harina Sabiéndose que es afrecho Y no hacen el sordomudo Cuando se presente el hecho Caramba y zamba la cosa ¡El código del derecho!
Nova leva de imigrantes Procissão dos retirantes Só a terra em cada olhar Brasileiros, vão com nós 52
Me gustan los estudiantes Porque son la levadura Del pan que saldrá del horno Con toda su sabrosura Para la boca del pobre Que come con amargura Caramba y zamba la cosa ¡Viva la literatura!
Na aliança Camponesa e Operária Participando sem medo de ser mulher Pois a vitória vai ser nossa com certeza
O dia em que o morro descer e não for carnaval – Wilson das Neves O dia em que o morro descer e não for carnaval ninguém vai ficar pra assistir o desfile final na entrada rajada de fogos pra quem nunca viu vai ser de escopeta, metralha, granada e fuzil (é a guerra civil)
Me gustan los estudiantes Que marchan sobre las ruinas Con las banderas en alto Pa? toda la estudiantina Son químicos y doctores Cirujanos y dentistas Caramba y zamba la cosa ¡Vivan los especialistas!
No dia em que o morro descer e não for carnaval não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral e cada uma ala da escola será uma quadrilha a evolução já vai ser de guerrilha e a alegoria um tremendo arsenal o tema do enredo vai ser a cidade partida no dia em que o couro comer na avenida se o morro descer e não for carnaval
Me gustan los estudiantes Que con muy clara elocuencia A la bolsa negra sacra Le bajó las indulgencias Porque, hasta cuándo nos dura Señores, la penitencia Caramba y zamba la cosa Qué viva toda la ciencia! Caramba y zamba la cosa ¡Qué viva toda la ciencia!
O povo virá de cortiço, alagado e favela mostrando a miséria sobre a passarela sem a fantasia que sai no jornal vai ser uma única escola, uma só bateria quem vai ser jurado? Ninguém gostaria que desfile assim não vai ter nada igual
Sem medo de ser mulher Refrão: Pra mudar a sociedade do jeito que a gente quer Participando sem medo de ser mulher
Não tem órgão oficial, nem governo, nem Liga nem autoridade que compre essa briga ninguém sabe a força desse pessoal melhor é o Poder devolver à esse povo a alegria senão todo mundo vai sambar no dia em que o morro descer e não for carnaval.
Por que a luta não e só dos companheiros Participando sem medo de ser mulher Pisando firme sem pedir nenhum segredo Participando sem medo de ser mulher Refrão Pois sem mulher a luta vai pela metade Participando sem medo de ser mulher Fortalecendo os movimentos populares Participando sem medo de ser mulher Refrão 53
POESIAS Que não falam idiomas, falam dialetos. Que não praticam religiões, praticam superstições. Que não fazem arte, fazem artesanato. Que não são seres humanos, são recursos humanos. Que não tem cultura, têm folclore. Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome, têm número. Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local. Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.
En la lucha de classes – Paulo Leminski En la lucha de classes Todas las armas son buenas Piedras Noches Poemas
Nossos inimigos dizem - Bertold Brecht Nossos inimigos dizem: a luta terminou. Mas nós dizemos: ela começou. Nossos inimigos dizem: a verdade está liquidada. Mas nós sabemos: nós a sabemos ainda.
Quando matam um Sem Terra Quem contar traz à memória, sabendo que a dor existe, quando a morte ainda insiste, em calar quem faz a História. Pois quem morre não tem glória, nem tampouco desespera, é um valente na guerra, tomba, em nome da vida. Da intenção ninguém duvida, quando matam um Sem Terra.
Nossos inimigos dizem: mesmo que ainda se conheça a verdade ela não pode mais ser divulgada. Mas nós a divulgaremos. É a véspera da batalha. É a preparação de nossos quadros. É o estudo do plano de luta. É o dia antes da queda de nossos inimigos.
Foi assim nesta jornada, quando mataram mais um, o companheiro ELTON BRUM, não teve tempo pra nada. Numa arma disparada, o Estado é quem enterra e uma vida se encerra, em nome da covardia. Toda a nossa rebeldia quando matam um Sem Terra.
Os ninguéns – Eduardo Galeano As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
É o desatino fardado, armado até os dentes, até esquecem que são gente, quando estão do outro lado. E vestidos de soldado, todo o sonho dilacera, violência prolifera tiro certeiro, fatal. Beiram o irracional, quando matam um Sem Terra.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos: Que não são embora sejam.
Quem és tu, torturador, que tanta dor 54
desatas, desanima e maltrata o humilde plantador? Negas a classe, traidor, do povo tudo se gera, te esqueces deveras, debaixo de um capacete. Dá a ordem o Gabinete, quando matam um Sem Terra.
de deixar de ser apenas a solitária vanguarda de nós mesmos. Se trata de ir ao encontro. (Dura no peito, arde a límpida verdade dos nossos erros.) Se trata de abrir o rumo.
Em algum lugar da pampa, ELTON deve de estar, tranquilo no caminhar, jeito humilde na estampa. E algum céu se descampa, coragem se retempera, outras batalhas se espera, dois projetos em disputa. Não se desiste da luta, quando matam um Sem Terra.
Os que virão, serão povo, e saber serão, lutando.
O Analfabeto Político – Berthold Brecht O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.
Para os que Virão – Thiago de Mello Como sei pouco, e sou pouco, faço o pouco que me cabe me dando inteiro. Sabendo que não vou ver o homem que quero ser. Já sofri o suficiente para não enganar a ninguém: principalmente aos que sofrem na própria vida, a garra da opressão, e nem sabem.
Elogio da Dialética – Berthold Brecht
Não tenho o sol escondido no meu bolso de palavras. Sou simplesmente um homem para quem já a primeira e desolada pessoa do singular - foi deixando, devagar, sofridamente de ser, para transformar-se - muito mais sofridamente na primeira e profunda pessoa do plural.
A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros. Os dominadores se estabelecem por dez mil anos. Só a força os garante. Tudo ficará como está. Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores. No mercado da exploração se diz em voz alta: Agora acaba de começar: E entre os oprimidos muitos dizem: Não se realizará jamais o que queremos! O que ainda vive não diga: jamais! O seguro não é seguro. Como está não ficará. Quando os dominadores falarem falarão também os dominados. Quem se atreve a dizer: jamais? De quem depende a continuação desse domínio?
Não importa que doa: é tempo de avançar de mão dada com quem vai no mesmo rumo, mesmo que longe ainda esteja de aprender a conjugar o verbo amar. É tempo sobretudo 55
De quem depende a sua destruição? Igualmente de nós. Os caídos que se levantem! Os que estão perdidos que lutem! Quem reconhece a situação como pode calarse? Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã. E o "hoje" nascerá do "jamais".
E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence.
Um olhar sobre a utopia – Eduardo Galeano Ela sempre está onde está o horizonte Se me aproximo dois passos, Ela avança dois passos. Se caminho dez passos, Ela se apressa em deslocar-se dez passos mais adiante. Mesmo que eu continue caminhando Não consigo alcançá-la jamais. Então, para que serve a utopia? Só para isto, nada mais. Para caminhar.
Nada é impossível de mudar Berthold Brecht Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
Vale a pena viver quando se é comunista - Mauro Iasi (dedicado a Antonio Gramsci) Quando a noite parece eterna e o frio nos quebra a alma. Quando a vida se perde por nada e o futuro não passa de uma promessa. Nos perguntamos: vale a pena?
Despertar é preciso - Eduardo Alves da Costa Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim e não dizemos nada.
Quando a classe parece morta e a luta é só uma lembrança. Quando os amigos e as amigas se vão e os abraços se fazem distância. Nos perguntamos: Vale a pena?
Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada.
Quando a história se torna farsa e outubro não é mais que um mês. Quando a memória já nos falta e maio se transforma em festa. Nos perguntamos: vale a pena?
Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.
Mas, quando entre camaradas nos encontramos e ousamos sonhar futuros. Quando a teoria nos aclara a vista e com o povo, ombro a ombro, marchamos. Respondemos: vale a pena viver, quando se é comunista.
Privatizaram - Berthold Brecht Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. 56
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada naufragou. Ninguém mais chorou? Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos. Quem venceu além dele? Cada página uma vitória. Quem cozinhava o banquete? A cada dez anos um grande Homem. Quem pagava a conta? Tantas histórias. Tantas questões.
Confissões do latifúndio - Pedro Casáldaliga Por onde passei, plantei a cerca farpada, plantei a queimada. Por onde passei, plantei a morte matada. Por onde passei, matei a tribo calada, a roça suada, a terra esperada...
Quando os trabalhadores perderem a paciência - Mauro Iasi As pessoas comerão três vezes ao dia E passearão de mãos dadas ao entardecer A vida será livre e não a concorrência Quando os trabalhadores perderem a paciência
Por onde passei, tendo tudo em lei, eu plantei o nada.
Certas pessoas perderão seus cargos e empregos O trabalho deixará de ser um meio de vida As pessoas poderão fazer coisas de maior pertinência Quando os trabalhadores perderem a paciência
Perguntas de um trabalhador que lê Berthold Brecht Quem construiu a Tebas de sete portas? Nos livros estão nomes de reis: Arrastaram eles os blocos de pedra? E a Babilônia várias vezes destruída Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas da Lima dourada moravam os construtores? Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta? A grande Roma está cheia de arcos do triunfo: Quem os ergueu? Sobre quem triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio Tinha somente palácios para os seus habitantes? Mesmo na lendária Atlântida Os que se afogavam gritaram por seus escravos Na noite em que o mar a tragou? O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho? César bateu os gauleses. Não levava sequer um cozinheiro?
O mundo não terá fronteiras Nem estados, nem militares para proteger estados Nem estados para proteger militares prepotências Quando os trabalhadores perderem a paciência A pele será carícia e o corpo delícia E os namorados farão amor não mercantil Enquanto é a fome que vai virar indecência Quando os trabalhadores perderem a paciência Quando os trabalhadores perderem a paciência Não terá governo nem direito sem justiça Nem juizes, nem doutores em sapiência Nem padres, nem excelências Uma fruta será fruta, sem valor e sem troca Sem que o humano se oculte na aparência 57
A necessidade e o desejo serão o termo de equivalência Quando os trabalhadores perderem a paciência
Mão de Camponês – Pablo Neruda Mãos rústicas e honradas. Mãos bondosas que adormecem na tarde, milagrosas sob o incentivo bom da lua cheia a abençoar os seios de uma esposa.
Quando os trabalhadores perderem a paciência Depois de dez anos sem uso, por pura obscelescência A filósofa-faxineira passando pelo palácio dirá: “declaro vaga a presidência”!
E adormecem cansadas da tarefa cumprida rudemente - em silêncio - como que sob o encanto de possuir nos músculos rosas encalecidas de ter lavrado muito e ter semeado tanto! Santificadas sejam em toda litania, nos dão o trigo de ouro e o pão de cada dia e seguem os preceitos que lhes deu o Senhor.
“Sempre que penso nas mulheres, me vem a imagem de um rio enorme e caudaloso que temos que atravessar. Umas apenas molham os pés e desistem, outras nadam até a metade e voltam, temendo que lhe faltem as forças. Mas há aquelas que resolvem alcançar a outra margem custe o que custar. Da travessia, vão largando pedaços de carne, pedaços delas mesmas. E pode parecer aos outros que do lado de lá vai chegar um trapo humano, uma mulher estraçalhada. Mas o que ficou pelo caminho é tão somente a pele velha. Na outra margem chega uma nova mulher...”
Haveria que enchê-las de flores e de gemas as mãos de camponês que são todo um poema nos quais os versos cheiram a terra e a suor!
Intertexto – Bertolt Brecht Primeiro levaram os negros Mas não me importei com isso Eu não era negro
Zuleica Alambert
Em seguida levaram alguns operários Mas não me importei com isso Eu também não era operário
Liberdade – Carlos Marighella Não ficarei tão só no campo da arte, e, ânimo firme, sobranceiro e forte, tudo farei por ti para exaltar-te, serenamente, alheio à própria sorte.
Depois prenderam os miseráveis Mas não me importei com isso Porque eu não sou miserável
Para que eu possa um dia contemplar-te dominadora, em férvido transporte, direi que és bela e pura em toda parte, por maior risco em que essa audácia importe.
Depois agarraram uns desempregados Mas como tenho meu emprego Também não me importei Agora estão me levando Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém Ninguém se importa comigo.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma, que não exista força humana alguma que esta paixão embriagadora dome. E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome
“Que seria deste mundo sem militantes? Como seria a condição humana se não houvesse militantes? Não porque os militantes sejam perfeitos, 58
porque tenham sempre a razão, porque sejam super-homens e não se equivoquem. Não é isso. É que os militantes não vêm para buscar o seu, vem entregar a alma por um punhado de sonhos. Ao fim e ao cabo, o progresso da condição humana depende fundamentalmente de que exista gente que se sinta feliz em gastar sua vida a serviço do progresso humano. Ser militante não é carregar uma cruz de sacrifício. É viver a glória interior de lutar pela liberdade em seu sentido transcendente”.
Pepe Mujica "Qué la universidad se pinte de negro, que se pinte de mulato, no sólo entre los alumnos, sino también entre los profesores, que se pinte de obrero y de campesino, que se pinte de pueblo, porque la Universidad no es el patrimonio de nadie y pertenece al pueblo...”
Che Guevara
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FEAB ABEEF
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