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Produto Impresso PERFIL JORNALÍSTICO

A Voz do Coração

Destino que deu Certo 1


A Voz do Coração Cheiro de terra, criado entre o céu e o barro de sua roça, na cidadezinha de Água Fria, esperando sempre pelo trem que trazia seu pai para dar aquele abraço. Sem cerimônias, o jovem radialista Argenor Filho viaja sobre os trilhos de uma velha estação para falar de como foi sua adoção.

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Quem nunca pensou em fugir de casa? Apenas com uma pequena sacola de

A

rgenor de Jesus Filho

maturidade e aparência

nasceu em 1990, em

de um homem um pouco

Serrinha, a 159 quilômetros

mais velho.

de Salvador, passou

Casado

sua infância na vizinha

Argenor já pensa em ter

cidade de Água Fria, e

filhos, mas, quando para e

atualmente

em

reflete sobre uma possível

Riachão do Jacuípe, ao

adoção, o radialista diz que

sua mente como cenas de

lado da mulher Geila Karla.

ainda não está preparado.

filme, Argenor Filho re-

Profissional

“Quero

solveu voltar para casa de-

TV, cursa hoje o primeiro

biológicos, mas tenho que

pois de refletir sobre sua

semestre de jornalismo.

conversar com a minha

roupas nas mãos, Argenor saiu de casa em sua bicicleta ao descobrir que era adotado. Acompanhado

de

lem-

branças que passavam em

vida debaixo de uma árvore.

reside

de

rádio

e

mulher

ter

três

dois

anos,

filhos

primeiro;

em

Com ar simpático e bem

relação à adoção ainda não

receptivo, Argenor recebeu

penso no assunto”, diz.

o grupo de formandas em em

Com a voz tranquila, ele dá

Salvador, de forma madura

mais explicações do por que

e segura sobre o assunto

não adotar. “A sociedade

que iria falar. Sua história

é

de

alguns desses preconceitos

jornalismo

vida

Adoção

trouxe

fortes

preconceituosa,

senti

na pele quando criança e,

lembranças.

não iria querer ver um filho Os 23 anos, de Argenor se

contradizem

com

meu também sofrer”.

a

“Lembro que esperava meu pai chegar do trabalho de trem no fundo da nossa casa... eu saia correndo para abraçá-lo”.

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Na escola, alguns coleguinhas

sempre me perguntavam:

Mas, seu caso de adoção

de classe, “ajudaram” Argenor

é essa que é a sua avó? Eu

não foi tão simples como

a ver sua mãe pela primeira

respondia: Não! É a minha

imaginava. Argenor Filho

vez como mãe adotiva. A partir

mãe! – Ah, pensava que era

foi adotado duas vezes,

deste momento, ele percebeu

sua avó”...

sua primeira adoção não

características como: cor e a

chegou a ser concretizada.

idade a mais de sua querida

Uma Nova Esperança

mãe Luizinha. “Eu percebi que

A adoção de Argenor não

chegou a morar com uma

era um filho adotado, quando

chegou a ser burocrática

família que já tinha dois

ainda tinha entre cinco e seis

como na maioria dos casos.

filhos biológicos, mas não

anos. Mas por conta de minha

Seus pais adotivos, Luíza

passou muito tempo por lá,

mãe ser de cor negra e, eu

Ferreira Mota de Jesus e

pois uma conhecida de sua

sarará, sarará crioulo, como o

Argenor de Jesus foram

mãe, Luíza, intermediou

povo chama; e também por

até um cartório e deram

sua segunda e definitiva

muitos que me viam naquele

seu nome para colocar na

adoção.

tempo, diziam: esse que é o

certidão

filho de criação de Luizinha?

como se faz com um filho

“Uma amiga de minha mãe

E eu sempre respondia, sou

biológico que acabara de

viu que aquela família já

filho dela de fato!

nascer. “Na minha certidão,

tinha filhos, e os meus pais

constam os nomes de meus

adotivos, não. Como sabia

- Na escola, eu ficava muito

pais e de minhas avós. Na

que minha mãe queria um

chateado, por minha mãe

época, não precisava passar

filho, intermediou a adoção”.

ser de cor escura e idade um

por todo este processo de

pouco avançada, as crianças

adoção”.

de

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Enquanto

recém-nascido,

nascimento,


Adotado enquanto ainda era

faleceu quando eu ainda

de boas lembranças para

um bebê, Argenor recebeu

tinha cinco anos, acho que

ele. “Lembro que esperava

todos os cuidados de um filho

ele não teve tempo de me

meu pai chegar do trabalho

biológico. “Os meus pais me

contar, talvez se tivesse vivo

de trem no fundo da nossa

adotaram quando eu ainda

hoje, teria contado que sou

casa. Ainda era pequeno,

tinha seis meses. Quando a

adotado, já que minha mãe

mas me lembro de como

minha mãe Luíza me adotou

não teve a atitude de falar

ficava feliz, toda vez que

eu

com

a verdade; soube da minha

ele

problema de pele sério e uma

adoção através de uma

trem, eu saía correndo para

lesão nas costas. A minha mãe

conversa entre minha mãe e

abraçá-lo”.

Luizinha cuidou de mim”,

minha tia Marta (Martinha),

“Lá no sítio em Água Fria, o

conta. Mesmo morando em

por isso eu fugi de casa”,

quintal da nossa casa dava

Riachão do Jacuípe, a 197

lembra Argenor Filho.

com a linha do trem, meu

estava

quilômetros

doente,

de

Salvador,

chegava e descia do

pai na época trabalhava Recordar é viver

para linha férrea da empresa

passar os fins de semana

No primeiro encontro entre

chamada Leste. Me lembro

com sua mãe em Serrinha.

Argenor e seus novos pais, a

da festa que fazia quando ele

E, lembrando o passado, ele

relação foi de muito cuidado

chegava, sempre trazia um

ressalta a falta de atitude de

e amor. Com medo de sua

presente para mim”, conta,

sua mãe Luizinha por evitar

primeira mãe adotiva tomá-

com a voz embargada pela

contar sobre sua adoção.

lo de volta, Luíza (mãe de

emoção.

Argenor

faz

questão

de

coração) saiu de Serrinha e - “Meu pai Argenor de Jesus

foi morar em Água Fria, lugar 5


Falar do passado e trazer

fizeram com que Argenor

pais verdadeiros por uma

à tona o assunto adoção é

não tivesse nenhuma mágoa

questão de curiosidade e,

motivo de sofrimento para

por um dia ter sido adotado.

mesmo com as dificuldades,

sua mãe. Para não magoá-la,

tenho fé que os encontrarei,

Argenor evita perguntar sobre

“Não sou revoltado por

continuo na luta”, revela

o tema.

conta da adoção. Minha

Argenor.

mãe é uma pessoa afetuosa “Tocamos no assunto adoção

e, sempre quis dar o melhor

Depois de muito diálogo,

quando é em relação a outras

para mim, até hoje é assim!

Argenor

pessoas, mas quando é um

Quando vou para casa dela

como se sente. “Me sinto

motivo particular se torna

em Serrinha e saio para

filho natural. As pessoas

difícil para minha mãe. Ela

praça ou com os amigos, ela

acham que filho biológico

pensa que eu vou abandoná-

me liga o tempo todo. - Meu

é diferente de um adotado,

la, voltar para as minhas

filho, você está aonde? Vai

são preconceituosas, elas

origens. Luizinha sempre me

voltar que horas?”, afirma,

querem separar como o

pergunta, para que você quer

sorrindo.

joio do trigo, filho biológico

saber? Talvez ela não entenda as

minhas

necessidades”,

explica.

Filho

revela

presta e filho adotivo não”. Com boa relação com a natureza, sua cor preferida, o verde, traz a esperança

Natureza, amor e fé!

de um dia conhecer os seus

O amor e o carinho que seus

pais biológicos. “Não sei de

pais adotivos lhe devotaram

onde vim, busco pelos meus

“Não sei de onde vim, busco pelos meus pais verdadeiros por uma questão de curiosidade...”

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Destino que deu Certo A vida tem várias formas de se apresentar, entre um palco e outro, duas almas incomuns a dançar. Ao som da música, a dançarina Priscila Rosa perfuma sua vida com um destino que deu certo.

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“Às vezes eu fugia de casa porque acho que puxei esse dom da dança da família biológica”.

A

liberdade

pode

ser

recém-

pela dança, Priscila Rosa

nascida, a jovem Priscila

traz marcas do sangue de

diferentes por cada pessoa.

sempre

sua

sua mãe biológica que não

Na vida de Priscila Rosa, ela é

adoção. “Sempre foi tranquilo

faz questão de conhecer;

desfrutada na dança. “A dança

saber disso”. Sua origem

“Às vezes eu fugia de casa

para mim é tudo, me sinto

biológica por parte de mãe

porque acho que puxei esse

em outra dimensão. Esqueço

é desconhecida por ela, à

dom da dança da família

do mundo e das pessoas ao

única coisa que Priscila sabe

biológica e a adotiva não

redor”, conta Priscila.

é da profissão de dançarina

aceitava isso, pois não

da sua “verdadeira” mãe.

gostava do assédio dos

aproveitada

Nascida

de

quando soube

de

1990,

filha

Em relação ao seu pai, ela

homens. Daí, eu fugia para

Marlene

Rosa

sabe de onde veio e quem é.

dançar, mas sempre voltava

da Silva e Osvaldo da Silva,

“Vim de Arapiraca, Alagoas.

no mesmo dia. Dei muito

Priscila

na

Conheço minha família por

trabalho”, revela.

companhia de seus cinco

parte de pai, já os conhecia

irmãos (filhos naturais de

por fotos, mas isso não fez

Marlene). Auxiliar de cirurgião

diferença”, desdenha.

adotiva

em

formas

Adotada

de Rosa

cresceu

dentista e dançarina, Priscila Rosa da Silva se considera

Priscila

uma vitoriosa. Casada e com

características

dois filhos, Priscila respira um

taurina, que tem a teimosia

perfume diferente da vida ao

marcada como ponto forte

lado do seu marido Renato dos

na personalidade, com amor

não

Santos na cidade de Canindé de São Francisco, no sertão de Sergipe, cenário do forró pé de serra de Luiz Gonzaga, o inesquecível Gonzagão, Rei do Baião.

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nega

as

de

ser


- “Não sei aonde minha mãe biológica mora, sei que está vivendo fora do país, mas isso não importa muito, não tenho interesse em conhecer, assim como também não sei o seu nome e nunca a conheci. Jamais a chamaria de mãe”, revela Priscila.

são adotados em Salvador.

marido. E, quando se fala

Mas com ajuda de sua

em filhos, ela conta que só

personalidade forte, soube

partiria para uma adoção se

como

passo

não tivesse filhos biológicos.

Para Priscila, sua mãe sempre

diferente para essa situação.

E revela que, caso queira

foi Marlene Rosa da Silva (mãe

“Sofri preconceito por parte

ter mais filhos, pensa em

adotiva em memória), e os

dos amigos da família, mas

adotar: “Se no futuro eu

momentos únicos vividos com

encarei bem isso, também

quiser mais, poderia adotar

ela são lembranças boas que

porque

sim”.

Priscila faz questão de recordar

adotada. Eu e minhas irmãs

e, demonstrar o carinho, afeto

adotivas

e amor que recebeu de uma

muito fisicamente.”

dar

uma

não

pareço

nos

ser

parecemos

Para uma mulher com rosto meigo,

sua

maturidade

a

importância

descreve

mãe verdadeira. “Minha mãe é a que me amamentou,

Priscila Rosa é uma mãe que

da adoção na sociedade.

registrou e me deu de tudo até

faz questão de mostrar pra o

“Adotar é dar oportunidade para a pessoa ter uma vida

o dia de sua morte”.

melhor, um lar. A sociedade O passado

tem preconceito em adotar

- Falar da minha adoção com

uma criança pra si, pois as

os meus pais, era minha

pessoas preferem uma que

família relembrar de como

tenha seu sangue”, explica

me encontraram e como eles

de forma objetiva.

eram felizes com um bebê Trazendo

novo, sorridente, afirma Rosa.

lembranças

à

tona vividas

as com

sua mãe biológica, Priscila

Preconceito Apesar das boas lembranças,

mundo através de sua rede

Rosa faz questão de dizer

Priscila

alguns

social que ser mãe, para

que mãe é a que cria e,

preconceitos quando criança,

ela, é um presente. Sempre

conta como foi feliz por ter

não muito diferente da maioria

sorridente, posa para tirar

sido adotada por Marlene

dos meninos e meninas que

fotos com seus filhos e

Silva: “Minha mãe foi meu

sofreu

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orgulho, me fez ser uma

tenho de minha mãe, foi

mulher de bem. Talvez hoje

saber o quanto ela chorou ao

eu fosse uma perdida com 15

contar ao meu pai biológico

filhos. Sou muito feliz em ser

o quanto me amou e sofreu

adotada, pois não viveria bem

para conseguir ficar comigo.

com meus pais biológicos”, revela. - A melhor lembrança que

Priscila Rosa concedeu toda a entrevista por bate-papo do

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facebook disponibilizando suas fotos e seus momentos abrindo apenas uma janela de sua vida por meio virtual, para contar pra Salvador que adotar é bem mais que um gesto de carinho, é um destino que deu certo.


>>>>> PPP

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Agradecimentos<<<<<<<<

PPPPPPPPPPPPP>>>>>>>>>>

Agradecemos as nossas famílias, que nos apoiaram durante todo o período de construção do nosso TCC. Aos personagens que integram esse produto impresso, disponibilizando tempo de sua vida para contar belas histórias. E aos orientadores que ajudaram na construção do nosso trabalho de forma positiva para um aperfeiçoamento acadêmico e profissional.

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Grupo:

Clara Spinola Isabela Rosas Juliana Caldas Laura Carvalho Liviane Carvalho

Professor Orientador: Paulo Leandro

Logo da Unijorge do seu curso

Jornalismo 2013.2

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