Índice Remissivo UM BATE- PAPO COM O DIRETOR ARTÍSTICO THIAGO PONDÉ
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UM BATE- PAPO COM O DIRETOR ARTÍSTICO THIAGO PONDÉ
Thiago Pondé é Bacharel em Filosofia, cantor e produtor Cultural. Idealizador dos Projetos “Atuar Música”, “Cena Tropifágica” e “O Jardim de Humberto Porto”. Confira o bate- papo! Quem é Thiago Pondé? Como disse Oscar Wilde, definir é limitar. Gosto de surpreender-me e reinventar o que parece óbvio. Posso ser menino, no sentido figurado, quando a vida pede por candura e sonho, ou homem, quando a necessidade é força e determinação. A ideia é se metamorfosear, como o ciclo da borboleta e da lagarta. Essas questões existenciais, que tanto nos assolam, é feita de imaginação, mas também de muito pragmatismo. É no cotidiano que a gente se faz, e Thiago Pondé são 5
muitos, dependendo de com quem se relaciona. Como foi integrar a Fanfarra das Artes? Foi literalmente a experiência mais lisérgica e maluca que vivenciei, ao mesmo tempo que foi o acontecimento que me fundou mais significativamente enquanto artista. Era estudante de filosofia da Universidade Federal da Bahia (hoje sou bacharel), e tinha o hábito de convívio com os estudantes de arte (teatro, dança, música e belas artes) da mesma universidade. Passamos a ocupar os espaços universitários com intervenções e performances, culminando com a participação em três ENEARTES (Encontros Nacionais dos Estudantes de Arte), de 2007, 2008 e 2009, apresentando trabalhos autorais (no meu caso, o Atuar Música). A nossa viagem para Belém do Pará, em 2008, com a finalidade de participar do encontro, foi algo indescritível. Passamos dois dias no ônibus, com direito a pernoite na beira da estrada, em Rajada (PE), e durante a estadia, fizemos uma travessia do rio que beira a Universidade Federal do Pará, parando em um lugar que denominamos de Ilha da Fantasia, onde pernoitamos. Fora isso, tivemos alguns trabalhos aprovados em mostras, e a minha memória marcou a performance "Jam", no Ver-o-peso, a maior feira a céu aberto da América Latina. Como foi ministrar junto com João Weber, Estevam Dantas e João Meireles, a oficina de arte psicodélica, além de apresentar o show Atuar Música, em Belém do Pará, na UFPA? Arte psicodélica era o modo como denominávamos a arte que é feita com alma, que transcende o seu significado aparente, e mergulha em profundidade no artista e em toda sua vastidão existencial. Estávamos aflorando para a vida e totalmente entregues as experiências. A oficina era totalmente intuitiva, dentro de nossos conhecimentos e técnicas artísticas. Aliávamos conteúdos e práticas de música com métodos teatrais, além de vivências de meditação, tendo por fim o objetivo de experimentar e improvisar pequenas células expressivas. Ou seja, após meditar, realizar abordagens técnicas e pequenos exercícios, partíamos para o improviso e a fluidez, e deixávamos a coisa acontecer. Sempre dava certo. Sobre o Atuar Música, a apresentação foi excitante. A inspiração foi o tom. Percebia-se que todos estavam extremamente disponíveis e realizados. 6
Conte- nos como foi o projeto Atuar Música! Como surgiu a ideia? Canto desde os 15 anos, e aos 20 passei a desenhar o meu primeiro projeto profissional, o "Atuar Música". Ele parte do princípio da dimensão cênica de um show, e a noção que difere o intérprete do cantor. No primeiro caso, a música é caracterizada como arte cênica, e no "Atuar" são inseridos elementos cênicos como figurino, cenário, intervenções audiovisuais. Em relação ao intérprete, canto de modo performático, quando por exemplo dialogo com uma flor na canção "Olhos nos Olhos" de Chico Buarque. ou quando insiro o nariz de palhaço e interpreto nesse estado "clownesco", um trecho de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O Atuar Música foi apresentado no Teatro SESI, Teatro Gamboa Nova, e no Teatro Vila Velha, todos de Salvador, Bahia, além de nas cidades de Belém, no Pará, e no Rio de Janeiro. Me fale do seu lado, cantor, ator e dançarino, no mundo das artes. Sobre o lado dançarino, não há nenhum de fato. A dança é algo que permeia trabalhos já realizados como cantor. O ator surgiu em processos de formação artística, por conta da profissionalização na Sitorne, uma escola técnica, mas também não foi além disso. Atuei em alguns curtas e peças no início, mas decidi focar na música. O meu trabalho realmente substancial é o canto, e destes outros eu utilizo métodos que complementam este. Como foi para você participar da peça teatral 50 Anos Esta Noite? Foi a minha chegada no Rio de Janeiro. Fui coordenar a parte de Artes Cênicas da Bienal de Cultura da UNE, e participar desse musical. O mais empolgante era a composição do elenco e equipe, formada por pessoas das mais diversas partes do país. Convivi com paraense, cearense, carioca, mineiro, catarinense, e outros. Você de fato incorpora e compreende elementos culturais singulares de cada região. Sobre o espetáculo, chamamos de teatro-musical documentário, no qual fazíamos uma incursão por 50 anos da história do país, entre as décadas de 30 e 80, influenciados pelo teatro de revista. Falamos sobre a Era do Rádio, a figura política de Getúlio Vargas, o Tropicalismo, o CPC da UNE, o golpe militar, e outros assuntos. Durante o processo criativo tivemos alguns encontros com artistas que foram referência desses tempos, e 7
batemos um longo papo com Gilberto Gil e Carlos Lira, que nos contaram sua história, sua trajetória artística, e suas impressões sobre esse período do Brasil. Conte mais sobre o projeto Cena Tropifágica! No ano de 2011, após o espetáculo 50 Anos Esta Noite, e ainda tocado pela conversa com Gil, sentei com duas parceiras, Aline Carvalho e Cássia Olival, e concebemos a Cena Tropifágica. Ela nasce do conceito "tropifagia". Um termo inventado por nós, um jogo semântico no qual tropi quer dizer tropical, trópicos, e fagia quer dizer comer, ou seja, comer o país tropical, comer os trópicos. Nos inebriamos com essa viagem pela memória cultural do Brasil, e pensamos em algo que pudesse atualizá-la, colocá-la para as novas gerações. A nova era não tem fronteiras, a internet é a grande invenção desses tempos. Fomos inspirados também por John Lennon, em Imagine, que nos passa essa mensagem de não-fronteira, de uma ligação umbilical entre as nações, que não necessita desses cerceamentos hermenêuticos, que são singulares, porém universais. As singularidades de capa cultura está aí para ser absorvida e re-significada. A antropofagia foi isso, a Tropicália também. Essa globalização cultural e poética também foi profetizada por Hélio Oiticica em seus textos. Estamos alicerçados por três vertentes: a estética, que nos induz ao compartilhamento de sensibilidades, e a percepção do ser como sensação, intuição, criação, ou seja, fundamentado em princípios sensíveis, eu diria até cósmicos e místicos. A dimensão poética, que versa sobre uma espécie de hibridismo de linguagem, assim sendo, o não limite entre as formas de expressão, e as intersecções dos "sotaques" artísticos de cada criador e de cada cultura , e por fim a política, que formula e executa espaços de convivências, para fins de aproximação de distintos grupos sociais e sujeitos. É o amálgama, como diria Jorge Mautner, artista que foi fundamental para o nascimento desse conceito. Estivemos com ele duas vezes, e seu conhecimento transborda sabedoria. Ele também gravou violino em uma canção chamada "Revolta dos Malês", de Rafael Pondé, que está disponível no Soundcloud. A partir disso, passamos a conceber arte. Temos pílulas audiovisuais, canções, textos e imagens que investigam o conceito. Agora, estamos concentrados na remixagem e remasterização das canções, para 8
melhorar a qualidade delas. A Cena Tropifágica também me rendeu um momento de emoção. No ano de 2012 descobri um problema de saúde, uma doença incurável que chama "Arterite de Takayasu". Fui internado após três infartos, e estive próximo de partir dessa. Recebi um vídeo com um recado de Tom Zé, através de uma parceira da Cena Tropifágica, com um recado, que me deixou extremamente agradecido. Nos conte mais sobre o Projeto O Jardim de Humberto Porto. A relação que Humberto Porto tinha com o compositor Assis Valente. O projeto surgiu em 2011, e vem de um anseio familiar e da conexão que sinto com a figura de Humberto. Ele é meu tio-avô, e também sou artista, sei da pendenga que é pra viver de arte. Ele foi um compositor de bastante significado para a música brasileira, e é o precursor sistemático do lamento na rítmica brasileira, além de ter sido gravado pelos maiores intérpretes da época (Dalva de Oliveira, Carmen Miranda, Francisco Alves, Orlando Silva, Mário Reis e outros), e também artistas mais recentes como Simone, Martinho da Vila, Roberto Mendes e Paulinho Boca de Cantor. Seu maior sucesso é a canção "A Jardineira", parceria com Benedito Lacerda, uma marchinha de carnaval que toca até hoje, e levanta o povo. Tem composições com Herivelto Martins, Assis Valente, Osvaldo Santiago, e outros nomes da música na época. Vamos lançar um CD com as canções originais remasterizadas, e doá-los para acervos públicos de memória e música do estado da Bahia, e por fim, realizar um show em família com seus descendentes músicos, no Teatro Vila Velha, em Salvador. Este projeto visa acalentar um pouco sua memória, e tirá-lo do relativo ostracismo, visto que todos conhecem "A Jardineira" por exemplo, mas não sabem quem a compôs. A relação de Humberto com Assis Valente é peculiar. Humberto chegou ao Rio de Janeiro com 27 anos, em 1935, e imediatamente procurou Assis, de quem já era amigo na Bahia. Logo compuseram "Este samba foi feito pra você", tendo Mário Reis gravado com relativo sucesso pela gravadora Victor, ainda no mesmo ano. Foram almas sofridas e ambos morreram de modo trágico e afundado em dívidas. Merecem todo o respeito e reconhecimento do povo.
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Por Flรกvia Almas Jornalista
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