Centro de Formação ensina os conceitos e a prática da Agricultura Natural
Polo Agrícola Caxito desenvolve o sistema agroflorestal
Agricultura Natural
Africa
no 2 – Março 2014
O alimento pode vir do próprio
quintal
empreendedorismo >>>
Associação para o desenvolvimento da Agricultura Natural, da Arte e da Cultura Africana Áreas de atuação
Polos agrícolas
Agroindústria artesanal
MISSÃO Concretizar a trilogia Verdade-Bem-Belo da Filosofia de Mokiti Okada, a fim de criar o mundo ideal. Para isso, alicerça-se na elaboração, no desenvolvimento e na execução de projetos sustentáveis nas áreas da agricultura, educação, saúde, meio ambiente, assistência social, arte e cultura. Projetos que promovam a verdadeira saúde, a prosperidade e a paz. VISÃO Por sua filosofia, pelo bem-estar que promove na sociedade africana, pela sua gestão empresarial espiritualizada e por seus projetos, é uma instituição de expressão mundial. Identifica-se com a comunidade das pessoas que se comprometem com a construção de um mundo ideal através do respeito à Lei da Natureza, cuja verdade se manifesta em autêntico bem e se materializa em autêntico belo. VALORES Respeito às Leis da Natureza.
Ikebana Sanguetsu
Saúde Hortas caseiras e escolares
Teatro, Dança e Grupos Corais
Pública e Educação Alimentar www.johreiafrica.com
www.africarte.org
SUMARIO
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Filosofia de Yoshi Okada
Quando tratamos o solo com amor, ele logo reage Mensagem
A expansão da Agricultura Natural no mundo A arte de plantar com sentimento
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Diretriz
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Mundo > França
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As plantas têm sentimento
Depoimento do Responsável pela Fazenda Koorin Mundo > Brasil
Pesquisa com técnicas de cultivo repetitivo de milho
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Mundo > Japão
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Formação > África do Sul
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Sabores da Terra
20 22
Página 7
Marques Bambi mostrou no Japão o desenvolvimento da Agricultura Natural em África. Página 14
2 Encontro Internacional da Agricultura Natural o
Ensino e sustentabilidade
O resgate às tradições ancestrais Empreendedorismo
O desenvolvimento sócioeconômico alcançado através das hortas caseiras Formação > Angola
Enfoque à visão da Natureza
Menor custo e maior produção: resultado alcançado no Brasil com o cultivo de milho Página 12
23
Polo de Caxito
Ênfase ao Agroflorestal
Na memória, no coração e... Agricultura Natural ...com muita gratidão!
editorial
Africa
O solo tem vida e o sentimento faz toda a diferença no desenvolvimento de uma planta. Mokiti Okada, precursor da Agricultura Natural, já tinha descoberto essa verdade e a divulgado abertamente. Nesta edição, os seus praticantes no mundo inteiro estão enfatizando-a e contando, em detalhes, a missão de pragmatizála. Os agronômos que estão empunhando a bandeira da Agricultura Natural para acabar com a fome no mundo, produzir alimentos realmente saudáveis para o corpo, a alma e ainda gerar rendimentos para os “pequenos produtores” de hortas caseiras foram encabeçados por Tetsuo Watanabe. Com o seu espírito de liderança, ele incentivou os agronômos a produzir sementes puras e a ensinar ao maior número de pessoas as técnicas para plantar adequadamente. Às pessoas das mais diversas origens, etnias, classes sócio-económica-culturais, ele disseminou o respeito e o amor à Natureza acima de tudo. Resultado: hoje estima-se que mais de 200 mil famílias no mundo produzam alimentos isentos de adubos químicos, fertilizantes e pesticidas. Isso significa que há indivíduos colhendo saúde, resgatando tradições ancestrais, alimentando o espírito e experimentando o sabor original de verduras, legumes e frutas. No dia 5 de Outubro de 2013, Tetsuo Watanabe faleceu, aos 72 anos, no Japão, no exercício de suas atividades. Mas quem deixa um legado com milhares de seguidores não morre jamais. Continua a viver na memória e no coração de quem ousa a praticar as suas ideias. Vive nas raízes, nos brotos e nos frutos. Permanece vivo nas sementes que ainda irão germinar. Esta revista é parte do seu sonho. Por isso, o nosso compromisso é continuar o seu trabalho, seja revolvendo a terra, regando os canteiros ou apresentando os resultados do que vem sendo feito, como será possível ver nesta edição, com páginas repletas de questões importantes. Essa foi a melhor forma que encontramos para homenageá-lo. Assim, dedicamos ao nosso querido mestre Tetsuo Watanabe os temas e casos abordados a seguir, expressando da forma mais natural e singela possível a nossa profunda gratidão. Ao quebrar as barreiras dos nossos pré-CONCEITOS, vamos inovar, continuar a sorrir e a fazer hoje melhor do que ontem sempre, para que o dia seguinte possa ser Divino.
Revista produzida pela Africarte – Associação para o desenvolvimento da Agricultura Natural, da Arte e da Cultura Africana – Rua da Escola 28 de Agosto – Futungo 2Bo Kawelele – Luanda – Angola Cx. Postal: 1310 Registo: MCS – 390/B/2004
Presidente IMMA: Claudio Cristiano Leal Pinheiro Presidente Africarte: Ernestina Olinda P. Coimbra Vice-Presidente: Marques Zambo Bambi Diretores: Afonso Quifuta Pereira, Jaime Fortuna, Roberto L. C. Cândido, João José da Cruz Assessoria de Comunicação: Gilmar Dall’Stella Edição e Editoração Electrónica: Ana Cristina Stabelito Conselho Editorial: Alberto Faria da Silva Suzano, Alexandre Bertoldo da Silva, Adriana T. Otutumi, Antonio Bento Carlos, Felipe Tuta Tuta, Juliana S. R. de Castro e Maria Mabjaia Colaboradores: Avelino da Costa, Domingos Sebastião Álvaro, João José Tavares, João Mavinga, José Armando Estrela, Maria do Céu, Silvério Txixi e Telma Trindade Distribuição: AFRICARTE Impressão: Damer Tiragem: 3 mil exemplares Periodicidade: Semestral
Foto da capa: Produção de morangos na casa de Chagas Levene, em Moçambique
Fale connosco Dê sugestões, faça críticas, pergunte, tire suas dúvidas, ajude a fazer a próxima edição
Ana Cristina Stabelito
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outubro 2013
faleconnosco@africarte.org
A difusão da Agricultura Natural está se desenvolvendo amplamente. Isto é sinal que a colaboração entre os produtores e as pessoas relacionadas a este método agrícola está tendo um bom resultado.
filosofia de Mokit Okada
Quando tratamos o solo com amor, ele logo reage
Lidar com a terra é um trabalho que não aparece, é árduo e requer força braçal. Porém, o solo é extremamente sincero e, se recebe algum tratamento, na mesma proporção, apresenta os resultados. Se for tratado com carinho, imediatamente, manifesta uma reação correspondente. Por isso, gostaria que se empenhassem com alegria. Yoshi Okada
Agricultura Natural Africa
5
mensagem
E
sta edição marca uma nova fase da expansão da Agricultura Natural para o mundo. Digo isso porque, embora Tetsuo Watanabe, que dirigia esse movimento de expansão mundial da Agricultura Natural, tenha falecido no dia 5 de Outubro do ano passado, mantemos firme em nossos corações a determinação de expandir essa prática agrícola para todos os países do mundo, de forma que ela continue a transformar o destino de famílias como tem acontecido até agora. Esse era um dos sonhos que ele tinha: ver toda a humanidade a produzir e consumir alimentos gerados de acordo com as Leis da Natureza. O nosso compromisso é tornar esse sonho realidade! A cada dia a questão da segurança alimentar se torna mais preocupante. Há locais com que nos preocupamos porque há escassez de alimentos. No entanto, a grande maioria não é devido à escassez, mas, sim, à contaminação dos alimentos que são oferecidos. A prática da Agricultura Natural está a se expandir por vários países do mundo e aqui em África tem sido gratificante ver a repercussão das hortas nas escolas. Acredito que é essencial ensinarmos as nossas crianças e jovens a respeitar a natureza, reconhecendo que nós somos parte dessa natureza e não algo separado. Assim, fica mais clara a necessidade de preservar o meio ambiente, de respeitar o nosso próximo, independentemente da sua nacionalidade ou raça, ideologia, etc. Somos todos parte de um todo que é a grande natureza e somente vivendo de acordo com as suas leis poderemos alcançar verdadeira paz e prosperidade. Gostaria de convidar todos os senhores a testarem isso, começando por cultivar uma horta no vosso lar, mesmo que seja em um pequeno vaso, para começar. Muito obrigado e felicidades para todos!
Claudio Cristiano Leal Pinheiro Presidente IMMA
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outubro 2013
Diretriz
Os praticantes de
agricultura natural
reconhecem que as plantas têm
sentimento
por Tetsuo Watanabe*
Hoje, no mundo inteiro, mais de duzentas mil famílias já estão fazendo a horta caseira com base na Agricultura Natural de Mokiti Okada, respeitando o mundo invisível e agradecendo ao Supremo Deus, que nos deu o Sol, a água, a terra e as sementes. Os praticantes da Agricultura Natural cuidam das plantas com bastante amor e até conversam com elas, dando amor e carinho, respeitando o espírito e o sentimento que existem em todos os seres vivos.
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A horta caseira não é só para produzir alimento, mas também para nos ensinar a reconhecer a grandeza de Deus, para aumentar cada vez mais a nossa gratidão a Ele e também para aprendermos a nos tornar verdadeiros espiritualistas.
Eu tenho recebido do mundo inteiro muitas experiências vividas com a prática da horta caseira. Outro dia, recebi um relato muito interessante de uma moça de 20 anos. Ela ganhou sementes de tomate, pepino, beringela e pimentão, e plantou cada tipo em um vaso. Jogava água, ministrava Johrei e cuidava dos vasos com muito carinho. Depois de certo tempo, Agricultura Natural Africa
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Diretriz
ela percebeu que os pés de tomate, beringela e pepino cresceram bastante; só o pé de pimentão não desenvolvera quase nada. Ela encontrou-se comigo e perguntou: “Por que será que só o pé de pimentão não cresceu? Eu cuidei igualmente dos quatro vasos, com o mesmo carinho, conversei com as plantinhas, dei água… fiz tudo direitinho…” Então, eu disse: “Acho que você não gosta de pimentão, não é?” Ela respondeu: “É verdade… desde criança, eu detesto pimentão.” Expliquei: “Você pensa que está cuidando das plantas; na verdade, as plantas também estão olhando você, observando os seus sentimentos. Por isso, tem que cuidar delas com o sonen1 correto. Assim, ela foi até a frente do pé de pimentão e disse: “Desculpe-me! Eu não gostava de você. Mas prometo que, daqui para frente, vou gostar…” e passou a dar mais atenção e amor ao pimentão. Após duas semanas, ela se espantou: o pé de pimentão cresceu ao ponto de ficar do mesmo tamanho dos outros pés, confirmando que as 1
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plantas também percebem o que se passa dentro do nosso sentimento. Depois disso, ela pensou: “Acho que isso também acontece com as pessoas.” E lembrou que, entre as colegas com quem faz trabalho em grupo na faculdade, havia uma garota antipática que não se dava bem nem com ela nem com ninguém. Pensou: “Ah… é o ‘pimentão’ do nosso grupo…” Então, mudou a sua postura e começou a puxar conversa com essa colega, pedindo perdão, dando mais amor e atenção a ela todos os dias. Com isso, pouco a pouco, o seu amor despertou o amor que existia na colega, que foi deixando de ser antipática. No fim, tornou-se uma grande amiga dela e de todos os outros colegas. Essa jovem concluiu: “Realmente, quando damos amor e carinho a alguém, despertamos o amor que existe dentro da pessoa. O pimentão não disse nada, mas me ensinou o maior tesouro da minha vida. Por isso, agora fico sempre agradecendo o pimentão.” * Tetsuo Watanabe presidia o desenvolvimento da Agricultura Natural em âmbito mundial até 05/10/13, quando veio a falecer.
Sonen: força que se origina da união do sentimento, do pensamento e da vontade.
outubro 2013
horta caseira pode, sim, transformar
depoimento
“A prática da
materialistas em espiritualistas.”
Depoimento do engenheiro agronômo Paulo Massaki Oyama que, actualmente, dirige a Fazenda Koorin, na França (foto acima)
O meu aprendizado com a
agricultura natural Agricultura Natural Africa
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mundo > França
O agricultor: um pouco de história
a missão que deveria cumprir.
Venho, há mais de três décadas, pesquisando e praticando a Agricultura Natural preconizada por Mokiti Okada. Quando iniciei essa prática no pólo agrícola de Atibaia, interior paulista, no Brasil, em 1979, utilizávamos uma grande quantidade de compostos. Dez anos depois, introduzimos os microrganismos eficazes. Para difundir esse método, fui transferido para a França em 1996.
Em 2007, decidi montar um modelo de utilização dos microrganismos eficazes para difundir a Agricultura natural. Escolhi uma estufa, preparei o solo e plantei mudas de pepino. Algumas semanas depois, começou a infestação de pulgões. Antes, quando esse problema ocorria, ele era resolvido com a irrigação de uma solução de microrganismos eficazes. Desta vez, mesmo utilizando a solução com dosagens diferentes, não consegui obter resultados positivos. Ao contrário, a estufa e toda a cultura foram praticamente dizimadas pelos pulgões. Entendi que era preciso um aprimoramento da minha pessoa, e não das plantas de pepino. Fiz a prática do sonen de agradecimento a Deus por ter despertado para essa verdade e deixei de visitar a estufa, porque senti que estava muito apegado ao problema.
Em 1997, a SCEA Koorin1 adquiriu uma propriedade de cinco hectares a cerca de 40 km ao sul de Paris, com o objetivo de iniciar um projetopiloto. Enfrentamos muitas dificuldades e não conseguimos um bom resultado. Em 2005, Yoichi Okada, líder espiritual da Igreja Messiânica Mundial – IMM, nos orientou que possuímos a partícula divina, que somos a soma de todos os nossos antepassados e que estamos ligados a toda a humanidade por meio dos elos espirituais e do DNA. No ano seguinte, o então Presidente Mundial Tetsuo Watanabe falou sobre a prática do sonen. A partir daí, fui buscar as causas dos problemas dentro de mim, reconhecendo ser eu o causador do surgimento de pragas e doenças nas plantas. Passei a ver esses obstáculos como um aperfeiçoamento da minha pessoa, do meu espírito. A causa estava dentro de mim. Fui ajustando o meu sonen – pensamento, sentimento e vontade, admitindo também todas as agressões que eu havia cometido contra a Natureza para poder renascer com uma nova visão sobre a Agricultura Natural. Eu “praticava” a Agricultura Natural, mas, na verdade, não acreditava que seríamos capazes de expandir o método ou que nos tornaríamos autossustentáveis. Achava que aquele tipo de cultura demandava muita mão de obra e que não passava de um trabalho artesanal. Ao refletir baseado nas orientações que vinha recebendo, cheguei à conclusão de que estava completamente enganado. Pedi perdão a Deus, porque estava subestimando 10
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No final de uma semana, notei que os pulgões estavam sendo devorados por diversas espécies de insetos, e que as folhas novas não estavam sendo afetadas por eles. Percebi naquele instante a grandiosidade, a simplicidade e a força da Natureza. Por vários dias eu havia aplicado todos os métodos de controle que tinha aprendido durante muitos anos e a Natureza, simplesmente utilizando outros seres vivos, em menos de uma semana resolvera o problema. Diante desse fato, abaixei a cabeça com respeito e gratidão à minha grande mestra. A partir desse dia, peço para ser utilizado conforme a vontade Deus.
O missionário: um pouco de reflexão Venho de uma família de agricultores. Os meus pais trabalhavam na lavoura, cultivando diversos produtos pelo método tradicional. Quando me tornei messiânico, comecei a ouvir falar que a Agricultura Natural era uma das colunas para a salvação da humanidade preconizada por Mokiti Okada. Mesmo sem entender muito, decidi que queria servir na difusão e expansão desse método de cultivo.
Ao longo dos meus estudos teóricos e práticos, fui confirmando algumas coisas:
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Se não poluirmos o solo, ele se tornará cada vez mais puro e pleno de energia vital;
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Um solo assim produz alimentos saudáveis, que geram a verdadeira saúde;
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Cuidar do solo equivale a ajudar a proteger o meio ambiente, etc. Mas... e a salvação? Salvação de quê? Ou de quem? Eu não conseguia entender! Muitos anos se passaram. Na França, para onde fui transferido em 1997, alcançamos algum progresso. Até conseguimos colocar os nossos produtos numa feira de orgânicos que ocorre numa cidade perto da fazenda Koorin, com boa aceitação pelos consumidores. Animado, tomei a decisão de iniciar efetivamente a difusão da Agricultura Natural. Foi nessa época que aconteceu a história dos pulgões. Parece brincadeira, mas foram eles que me mostraram onde está a salvação por meio da Agricultura Natural e quem é realmente salvo por ela.
Horta caseira salva! Sei que, agora, no mundo todo, estamos sendo orientados a praticar a horta caseira. Talvez muitas pessoas pensem que o objetivo é permitir que elas, vizinhos, parentes e amigos possam ter à mesa, mesmo que em pequena escala, hortaliças e legumes livres de agrotóxicos. A minha experiência com os pulgões me ensinou que é muito mais que isso. Vejo essa prática como um caminho para que possamos devotar amor e gratidão ao solo e, consequentemente, a Deus. À medida que esse amor crescer, Deus certamente irá permitir que experimentemos a atuação do poder da Natureza.
mundo > França
Formei-me engenheiro agrônomo e, em 1979, fui deslocado para o pólo agrícola de Atibaia, para começar a desenvolver a Agricultura Natural. Confesso que eu não sabia muito sobre o assunto. Lembro que uma afirmação de Mokiti Okada não me saía da cabeça: “A Agricultura Natural é uma das colunas de salvação da humanidade.” Por mais que estudasse, praticasse no campo, eu não conseguia compreender isso.
Acredito que ao ver que a mesma coisa que aconteceu numa fazenda com cinco hectares está ocorrendo no próprio quintal, num espaço bem pequenininho, ninguém vai deixar de reconhecer a existência de Deus e do mundo espiritual. Ou seja, a horta caseira pode, sim, transformar materialistas em espiritualistas, pessoas vibrantes de amor pela humanidade. A prática da horta caseira pode nos fazer reconhecer a íntima relação que temos com os nossos antepassados, que verão abrir-se para eles a porta da salvação através de nós. É assim que me sinto hoje: não mais um agricultor, mas, um semeador de salvação. Gostaria de deixar uma mensagem: não importa se a minha “horta caseira” tem cinco hectares e a sua é apenas um vasinho: cuide dela com todo o carinho. Ame aquele pequeno pedaço de solo, deixe que a luz do Sol o ilumine, regue com água pura como é puro o seu coração. Terra, fogo e água são a fonte de todas as formas de vida. Da nossa vida, inclusive. E o combustível universal que as faz agir em conjunto, com harmonia, é o amor e a gratidão. Será que não é por isso que a Agricultura Natural é uma das colunas da salvação da humanidade preconizada por Mokiti Okada?
SCEA Koorin: Sociedade Civil de Exportação Agrícola Koorin, nome da empresa que atua na difusão da Agricultura Natural na França, e que tem como presidente o Min. Paulo Massaki Oyama.
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Agricultura Natural Africa
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mundo > Brasil
por Giuliana C. Magalhães, Luiz Carlos Demattê Filho, Sakae Kinjo e Sergio Kenji Homma
CPMO
desenvolve pesquisa com técnicas de cultivo repetitivo de milho O Centro de Pesquisa Mokiti Okada (CPMO) sediado no Pólo de Agricultura Natural de Ipeúna/ SP – Brasil, realiza pesquisas visando o desenvolvimento de modelos sustentáveis de produção agrícola e pecuária. Seguindo os princípios da Agricultura Natural de Mokiti Okada, executa os seus trabalhos em quatro linhas de pesquisa, que são: Pesquisa em Manejo de Solo e Plantas, Pesquisa & Desenvolvimento de Sementes, Pesquisa em Animais de Produção e Pesquisa em Aquicultura. Visando a busca de sinergias1, sobretudo para garantir a viabilidade da produção fora do ambiente de pesquisa, há dois anos o CPMO, através de uma visão integrada de projetos, reformulou a sua gestão, relançando alguns de seus projetos. Dentro deste formato, um dos principais estudos executados atualmente é o projeto de cultivo 12
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repetitivo de milho. Desde 2005, seguindo os princípios da Agricultura Natural, uma semente de milho tem sido replantada anualmente com o objetivo de avaliar a eficiência da cultura repetitiva numa mesma área. Em resumo, o principal objetivo é o de confirmar os ensinamentos de Mokiti Okada quanto a suas afirmações sobre a capacidade do solo de se adaptar à cultura que se repete sobre ele. Este é, sem dúvida, um grande paradigma da ciência agronômica. Desta forma, o objetivo é avaliar a capacidade de adaptação recíproca do solo e deste novo milho não híbrido cultivado repetitivamente na mesma área. Adicionalmente, estamos promovendo o melhoramento genético das plantas para que atinjam alta produtividade, sejam resilientes2 às condições de solos não adubados, tenham a sua resistência e tolerância a doenças e pragas ampliada e finalmente que a riqueza
Segundo os ensinamentos da Agricultura Natural de Mokiti Okada, o cultivo consecutivo da mesma espécie de planta no mesmo local permite que o solo, a vida no solo e a planta se adaptem às condições físicas, químicas e biológicas do ambiente, gerando uma interação harmoniosa do sistema, com melhor sanidade vegetal e qualidade de produtos. Os testes na área experimental com a utilização apenas de Bokashi no preparo do solo e o controle biológico de pragas no milho vêm diminuindo gradualmente a cada ano. Em 2012, alcançaramse resultados consideráveis de custo, produtividade e porcentagem de proteína nos grãos de milho com relação a dados obtidos em sistema agrícola convencional (dados na tabela 1).
Os resultados indicam que o manejo adotado é mais econômico e produtivo. A variedade está ano a ano se adaptando ao método de cultivo da Agricultura Natural, a qualidade proteica e o perfil de aminoácidos essenciais mostram-se altamente interessantes para inclusão na alimentação animal, oferecendo ganhos de produtividade, reduzindo assim o custo das formulações das rações empregadas para os animais.
mundo > Brasil
de elementos nutricionais de seus grãos favoreça a produção animal de baixo custo.
Estes resultados ainda preliminares confirmam a assertiva das afirmações de Mokiti Okada de que o solo é dotado de espírito e sentimento e, portanto é capaz de responder aos nossos anseios, lançando de seus próprios meios para nos auxiliar no intento de promover a produção de alimentos puros e cheios de energia vital, para que com isso construamos uma sociedade saudável, feliz e próspera.
Tabela 1. Dados comparativos de custo, produtividade e qualidade proteica entre sistema convencional e sistema da Agricultura Natural no cultivo repetido de milho, obtido na safra 2011-2012. Sistema Agrícola Convencional
Sistema Agrícola Natural
R$ 1.953,65*
R$ 1.400,00
Produtividade (Kg/ha)
6.000*
8.000
Proteína bruta (% MS)
7,5%
9%
Metionina
0,16**
0,23
Lisina
0,22**
0,22
Triptofano
0,06**
0,07
Treonina
0,25**
0,31
Descrição Custos (R$/ha)
Aminoácidos (g/100g):
* Média brasileira (Agrianual, 2012)
1
** Carlos et al. (2008)
Giuliana C. Magalhães é responsável da Secretaria de Apoio à Pesquisa do CPMO; Luiz Carlos Demattê Filho é coordenador geral do CPMO; Sakae Kinjo é coordenadora do Setor de Pesquisa & Desenvolvimento de Sementes do CPMO e Sergio Kenji Homma é coordenador do Setor de Pesquisa em Manejo de Solo e Planta do CPMO
Sinergia: ação conjunta de vários agentes visando a um resultado melhor que o de ações isoladas.
Resiliente: que tem elasticidade; capacidade de um ecossistema retornar à condição original de equilíbrio após suportar alterações ou perturbações ambientais. 2
Agricultura Natural Africa
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mundo > Japão
2o Encontro Internacional de
Agricultura Natural Representantes do Japão, Brasil, França, Coreia, Havaí, África e Tailândia (foto abaixo) participaram de diversas atividades visando principalmente ao intercâmbio de experiências no âmbito da Agricultura Natural, entre os meses de Maio e Junho de 2013, em território japonês.
Logo após a chegada ao Japão, no dia 30 de Maio de 2013, o Presidente da Igreja Messiânica Mundial de África, Claudio Cristiano Leal Pinheiro, e o Vice-Presidente da AFRICARTE, o engenheiro agrônomo Marques Zambo Bambi, que representou o continente africano no 2o Encontro Internacional
de Agricultura Natural, participaram de uma confraternização, cujo tema era “Uma aproximação à Alimentação Natural de Meishu-Sama”. Até a abertura oficial do Encontro, no dia 5 de Junho, eles percorreram algumas cidades japonesas, apresentando o relatório do que vem sendo desenvolvido em África e trocando experiências com os “responsáveis” pela Agricultura Natural (AN) nesses locais. Essa mesma apresentação foi feita durante o Encontro, onde houve um intercâmbio de experiências com “agrônomos de AN” do mundo inteiro, através de um amplo debate. Um dos destaques do evento, foi a palestra do então Presidente Mundial, Revmo. Tetsuo Watanabe (trechos na próxima página), que veio a falecer em 5 de Outubro. Marques Bambi conta que o enfoque da atividade foi a expansão das hortas caseiras pelo mundo. “Compreendi melhor a importância de unir a parte técnica e a pesquisa com o sentimento com que praticamos a Agricultura Natural, pois existe uma grande diferença entre desenvolver uma agricultura visando apenas ao lucro financeiro e uma
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outubro 2013
formação > Angola Palavras do Revmo. Tetsuo Watanabe
agricultura que parte da ação de agradecer ao solo, às plantas, à água, o sol e a todos os seres vivos reinantes na face da terra, reconhecendo que são elementos Divinos. Existe algo invisível na natureza que não percebemos. Trata-se da vontade do Criador. A Agricultura Natural não é somente uma atividade humana. Ela é a base da preservação da espécie humana. Nesse sentido, estamos desenvolvendo a Agricultura Natural como a Arca de Noé do século 21.” Em suas apresentações em várias regiões do Japão, Bambi falou sobre como a atividade da Agricultura Natural vem sendo desenvolvida em 23 países de África, através das hortas caseiras e dos pólos agrícolas em todas as províncias de Angola e em países como Moçambique, África do Sul, São Tomé e Príncipe e República Democrática do Congo. Bambi abordou também o desenvolvimento da Escola de Agricultura Natural em Luanda e o desafio em construir o Instituto Superior Politécnico Mokiti Okada, ressaltando o resultado do trabalho realizado nas famílias, nas escolas e na sociedade em geral. A comissão organizadora do evento objetiva realizar novos encontros internacionais para dar continuidade ao intercâmbio entre os representantes dos países.
“As nossas práticas da Agricultura Natural, até hoje, não estavam erradas, mas faltava algo: a essência – a importância do sonen, de agradecer a Deus, ao sol, à água, ao solo, aos microrganismos e às plantas. Além disso, é importante colocar amor naquilo que se faz. Ao estudar os Ensinamentos de Meishu-Sama e a sua visão sobre a Natureza, chegamos à conclusão de que viemos, ao longo de todos esses anos, explicando a respeito da Agricultura Natural, mas não estávamos tocando no ponto mais importante: a sua essência, a qual consiste em acreditar no mundo invisível, reconhecer a sua existência e confiar, de todo coração, em quão grande é a sua influência. Muitas pessoas lidam com o solo, pensando em como fazer para prepará-lo, para vivificá-lo. Contudo, o solo está nos observando. O solo “olha” para nós e “sente” o que estamos pensando. Creio que as hortaliças é que estão nos formando. Apesar de elas estarem tentando fazer isso, não evoluímos de jeito nenhum, e, desapontadas, elas acabam murchando. Deus está presente, a este ponto, no solo e nas plantas. Se não tivermos a consciência de que Ele está olhando para nós, não compreenderemos o verdadeiro significado e a importância de se ‘colocar a essência’. Por ser o mundo do sentimento, se contemplarmos o solo e as verduras com este pensamento, as plantas serão capazes de nos transmitir orientações magníficas. Mesmo o solo e os microrganismos, em seu silêncio, serão capazes de nos fazer perceber várias coisas. Precisamos colocar essência em tudo. É isto que KyoshuSama vem nos orientando há bastante tempo. ‘Retornar a Deus’ significa ter uma fé centralizada n’Ele, ter-Lhe gratidão e não ignorá-Lo. Precisamos nos comprometer em cultivar este sentimento dentro de nós.”
Agricultura Natural Africa
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formação > África do Sul
NOROKIE: a caminho da concretização de uma Escola de Agricultura Natural
A história da Agricultura Natural na África do Sul teve um grande marco em 2012. Foi em Setembro daquele ano, que uma área de nove hectares no distrito de Norokie, município de Moretele, província de North West, transformou-se no primeiro Polo de Agricultura Natural da África do Sul. Localizado a cerca de sessenta quilômetros do centro de Pretória, o polo iniciou a criação de um pequeno modelo. Desde o preparo dos primeiros canteiros, do solo, até o plantio e a rega foram realizados por um grupo de voluntários da comunidade local, com o apoio semanal dos membros da Igreja Messiânica Mundial da África do Sul. Nesta edição, a engenheira agrônoma Adriana Tamie Otutumi conta como foram os primeiros capítulos desta história e fala sobre a doação de uma área com um prédio escolar em frente ao polo. 16
outubro 2013
AN áfrica – “Como está sendo desenvolvida a atividade da Agricultura Natural na África do Sul? Adriana Otutumi – Em setembro de 2012, ganhamos a permissão de iniciar a criação de um pequeno modelo de Agricultura Natural em uma área que foi concedida pela Comunidade do distrito de Norokie, município de Moretele, província de North West. Inicialmente contamos com apoio de voluntários da comunidade local e também da Igreja Messiânica. Diariamente, eles participavam das atividades de preparo do solo, plantio, rega e até da colheita. Precisávamos fazer a perfuração de um poço de água, instalação de energia e demais infraestruturas que iriam permitir o desenvolvimento do projeto. Mesmo diante de tantos desafios, os voluntários criaram um forte desejo de concretizar aquele objetivo. Assim, esta área foi totalmente desenvolvida com o espírito do voluntariado, por pessoas que acreditaram no projeto e decidiram expressar o seu sentimento de amor e gratidão à terra, participando de todas as atividades produtivas. Todo esse movimento culminou numa nova doação por parte da comunidade: foi nos oferecida uma área onde já havia um prédio escolar.
formação > África do Sul
Servir à comunidade foi o objetivo que moveu voluntários a construir um modelo de Pólo Agrícola com Escola
AN áfrica – O que motivou a comunidade a fazer essa nova doação? Adriana Otutumi – Sinto que o espírito de servir ao próximo, de realmente transformar a vida daquelas pessoas foi aumentando entre os voluntários de forma que a própria comunidade decidiu oferecer uma área onde já havia uma Escola Secundária, que seria desativada no final de 2012. O objetivo era que pudéssemos utilizar o local para ampliar o desenvolvimento da Agricultura Natural. Essa nova área também já possuía energia e sistema de captação e distribuição de água. Em contrapartida, o nosso compromisso
foi garantir o abastecimento de água para a comunidade. Assim, fizemos uma obra na escola, onde foram instaladas novas torneiras para o abastecimento de água para a comunidade. Em abril deste ano, avançamos mais um pouco ao criar um modelo agrícola na Escola, com a introdução das seguintes culturas: alface, espinafre, rúcula, nabo, cenoura, beterraba, mandioca, repolho e algumas frutíferas – maça, laranja, tangerina, toranja, goiaba, manga, abacate e romã. Atualmente, o Polo de Norokie já possui poço de água, energia e estamos estruturando a instalação do sistema de captação e distribuição de água. Tudo isso para ampliar o nosso trabalho, com a criação de um modelo de Agricultura Natural, baseado no sistema agroflorestal, na preservação e na sustentabilidade do meio ambiente. AN áfrica – Quais são os planos para o futuro?
Unidos na mesma alegria, voluntários participam de um projeto de grande envergadura social
Adriana Otutumi – Estamos elaborando uma proposta pedagógica para oferecer cursos nas áreas de agricultura, educação e saúde pública. Buscamos também efetuar parcerias com diferentes órgãos, de forma a garantir a sustentabilidade do projeto e, assim, criar um modelo que integre o processo de produção de alimentos, o ensino e as práticas sustentáveis a partir da comunidade local. Agricultura Natural Africa
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sabores da terra
Malanga
Flor da vinagreira
(Hibiscus saboaria)
"Não seria absurdo se Deus criasse o homem e não providenciasse os alimentos que lhe possibilitam a vida? Logo, se determinado país não consegue produzir os alimentos necessários à sua população é porque, em algum ponto, ele não está de acordo com as Leis da Natureza criadas por Deus." Mokiti Okada
A
produção de alimentos locais pela Agricultura Natural possibilita o resgate de tradições ancestrais por Alexandre Bertoldo da Silva
Sabe aquele "matinho quase sem importância" que muitas vezes nasce espontaneamente em nossos quintais ou nas nossas hortas caseiras? E cujo desenvolvimento é tão acelerado que acaba competindo com a maioria das plantas "cultivadas" na horta, chegando mesmo a ser considerada uma erva invasora? Ou quem sabe aquelas plantas bonitas, usadas como ornamentação de jardins e que várias pessoas mais antigas insistem em dizer que quando eram crianças as comiam, entre muitas outras plantas de jardim? Pois saiba que muitas dessas plantas esquecidas pela mídia e pela grande maioria das pessoas são fontes riquíssimas de nutrientes, sem esquecer de mencionar que são saborosíssimas e podem compor pratos até muito sofisticados. Exemplos não faltam. Em Moçambique e em muitos países africanos, existe uma diversidade gigantesca de 18
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plantas que, ao longo das décadas e dos séculos foram sendo esquecidas, ao menos nos grandes centros urbanos. O tsec (Amaranthus sp.) é um bom exemplo de planta cujo valor nutricional vem sendo negligenciado por muitas sociedades. Originário da família dos amarantos, tem muitas variedades que estão bem adaptadas às condições climáticas e geológicas de grande parte do território africano. São tão eficientes em conseguir nutrientes do solo e se desenvolver em condições de seca e de outras adversidades que muitos até a consideram uma erva invasora dos campos agrícolas. Mas, na verdade, o tsec é uma fonte riquíssima de ferro, potássio, cálcio e vitaminas, como as do complexo B, vitaminas A e C, chegando a ser mais rica nesses nutrientes que muitas hortículas tradicionais – caso do agrião, por exemplo.
O desenvolvimento de estratégias de combate à fome e a promoção de métodos naturais de cultivo, como os pregados pela Agricultura Natural, podem ser muito favorecidos se prestarmos mais atenção aos alimentos nativos de uma determinada região. Isso porque eles estarão muito melhor adaptados ao clima, ao regime de chuvas, ao tipo de solo, etc. e, com isso, necessitando de menor intervenção humana em comparação com o cultivo de espécies estrangeiras oriundas de condições bastante diferentes daquelas onde estamos a trabalhar. Por mais que tentemos promover um cultivo sem o uso de adubos químicos e agrotóxicos, podemos levar um sistema ecológico a um nível muito alto de estresse, justamente por tentar implantar culturas agrícolas que dependam excessivamente de determinados recursos naturais. Por exemplo, querer cultivar espécies que requeiram de grandes quantidades de água para o seu pleno desenvolvimento ao longo do ciclo produtivo pode ser complicado em regiões onde a água não seja abundante, ou o acesso a ela não tão fácil. O mesmo acontece com as altas temperaturas. Inúmeras culturas agrícolas quando submetidas a altas temperaturas, muitas vezes diferentes das encontradas na sua região de origem, apresentam um desenvolvimento aquém do desejado. Para tentar corrigir isso, o que acaba ocorrendo é o uso ainda mais intenso de fertilizantes químicos que, por sua vez, induzirá, mais cedo ou mais tarde, à utilização de defensivos químicos cada vez mais fortes. Além disso, também se apela para o melhoramento genético de determinadas
variedades e não é raro encontrar exemplos onde este procedimento pode até implicar numa maior suscetibilidade da planta ao ataque de determinadas pragas para as quais não se havia atentado inicialmente. Por outro lado, favorecer o cultivo de espécies locais pode ser muito mais interessante não só do ponto de vista ecológico, mas também em termos de economia de recursos, inclusive financeiros. A economia acontece tanto na aplicabilidade do método de cultivo sem adubos, comprovadamente muito mais econômico, quanto também na possibilidade dos agricultores em reproduzir as suas próprias sementes naturais. Sim, isso porque a capacidade de multiplicação das espécies nativas na sua região de origem normalmente é muito maior que aquelas apresentadas por espécies de regiões diferentes. Sendo assim, as sementes plantadas num determinado ano irão produzir a próxima geração de sementes que poderão, dessa forma, perpetuar as culturas agrícolas e oferecer ao agricultor e aos consumidores que ele abastece um cenário bem melhor em termos de segurança alimentar.
sabores da terra
Outra planta que poderia muito bem estar mais presente na mesa de milhões de pessoas é a vinagreira (Hibiscus saboaria), uma planta também muito usada em ornamentação. A vinagreira tem vários nomes regionais: quiabo-de-angola, quiabo-roxo, caruru-azedo, usse e outros. Também muito rica em diversas vitaminas, é uma planta típica do continente africano e está muito bem adaptada para se desenvolver sob forte calor e em áreas com solos arenosos e quantidades relativamente menores de água. Pode ser usada crua em saladas, em cozidos e com seus botões propiciam deliciosas conservas.
No entanto, no caso dos consumidores, é preciso conscientizá-los da importância estratégica e nutricional do cultivo de alimentos locais. Afinal, o sucesso desse cultivo também dependerá da aceitação de cada um em experimentar alimentos "novos", com sabores e texturas até muito mais interessantes que boa parte daquilo que normalmente compramos nos supermercados. Assim, todos poderão fazer parte de um movimento que busque a verdadeira natureza dos alimentos, fazendo com que possam cumprir integralmente o seu papel Amaranto sagrado.
O Eng. Químico Alexandre Bertoldo da Silva é o coordenador da Africarte em Moçambique Agricultura Natural Africa
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Hortas case Hortas caseiras fomentam o desenvolvimento sócio-econômico de famílias moçambicanas
por Alexandre Bertoldo da Silva
As hortas caseiras da Agricultura Natural já são uma realidade nos lares de milhares de famílias em toda a África. Nos últimos anos um grande esforço veio sendo empregado na conscientização das pessoas para o consumo de alimentos saudáveis e da possibilidade de que parte do que se come pode vir do próprio quintal.
Em Moçambique, promove-se o cultivo em machambas – locais para a prática de agricultura familiar. Por experiência e percepção, acreditamos que sejam quintais vivos, onde muito da sabedoria e cultura ancestral do povo moçambicano pode ser praticada e perpetuada para as gerações futuras. Foi assim que o trabalho das hortas caseiras com a Agricultura Natural veio sendo difundido no dia a dia de muitas famílias e agricultores que se dispõe a adotar um método mais saudável de alimentação. Os resultados começam a se cristalizar, pois muitas dessas famílias já estão a comercializar parte de sua produção agrícola. Sem dúvida, um desenvolvimento bastante interessante por demonstrar a viabilidade do método natural de cultivo em escalas menores do que as normalmente consideradas mais eficientes – as grandes áreas ou latifúndios agrícolas. As hortas caseiras em Moçambique têm algumas características particulares, pois a maioria das pessoas, mesmo vivendo nos grandes centros urbanos, possuem quase sempre a concessão1 de algum terreno onde possam praticar a agricultura – as populares machambas. Assim, a comercialização dos produtos excedentes das hortas, daquilo que não se consegue consumir em casa, ocorreu naturalmente. Ao começar a empreender isso, muitas famílias perceberam que as hortas caseiras de Agricultura Natural poderiam se converter em interessantes fontes de renda complementar da família, com possibilidades reais de crescimento.
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Poeta, escritor e voluntário no programa de expansão das hortas caseiras em Moçambique, Chagas Levene começou a sua horta no final de 2011,
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com algumas poucas mudas de morangueiro. Pela adaptação da variedade da planta cultivada atualmente pelo programa de Agricultura Natural da Africarte em Moçambique, rapidamente ele conseguiu reproduzi-las e, além do próprio fruto, hoje já é considerado um pequeno fornecedor de mudas, podendo ser essa uma fonte de renda alternativa para a família. Contando com a ajuda de familiares, rapidamente estabeleceu um sistema de produção de mudas de morangueiros num espaço de aproximadamente 50 metros quadrados, que o tem ajudado a difundir o trabalho com as hortas caseiras na periferia da capital Maputo. É importante ressaltar que, como o número de fornecedores locais de morangueiros na região ainda é muito pequeno, já há uma considerável procura por suas mudas. Angélica Chissano, diretora de uma associação de agricultores, está a praticar a sua horta caseira desde o início de 2012. No seu quintal, produz couve, nhangana (folhas de um feijoeiro típico da região), cebolas, etc. Preocupada em compartilhar a orientação recebida no trabalho com a Agricultura Natural, já se tornou uma fornecedora local dos produtos da sua horta e a sua casa é frequentada por inúmeras pessoas interessadas também em aprender mais sobre o método. Inicialmente praticante da agricultura convencional e comerciante, Mendes Fernando começou a sua horta caseira de Agricultura Natural há algum tempo. Percebendo as inúmeras vantagens do método, principalmente o valor nutritivo e o sabor dos produtos, ele não hesitou em expandir a técnica para a sua machamba. Assim, em pouco tempo, todos os produtos que comercializava eram
Produção de morango na horta caseira de Chagas Levene
da Agricultura Natural. Como a sua machamba fica numa área onde há muitos agricultores, vários deles já estão interessados em conhecer os seus segredos para obter produtos muito mais saborosos que os dos vizinhos. Por isso, ele está planejando ampliar ainda mais a sua produção. A professora de química Caldina Felisberto Mabjaia não acreditava que uma prática tão simples como a implantação de uma horta caseira baseada na Agricultura Natural pudesse dar algum resultado concreto. Mas resolveu desafiar. Começou por plantar em vasos, apesar de possuir quintal em casa. Os resultados logo apareceram e ela começou a comprovar a eficácia do método e a diferença na qualidade dos produtos da Agricultura Natural. A partir daí não parou mais. Conseguiu terrenos onde implantou machambas e estendeu a prática da Agricultura Natural. Hoje já possui três áreas em que vem privilegiando o cultivo de espécies localmente adaptadas, como a mandioca, a batatadoce, o milho, etc. Inicialmente a ideia era atender apenas as necessidades alimentares da família, mas como a produção vem aumentando consideravelmente, ela já pensa em iniciar um negócio de fornecimento de produtos da Agricultura Natural. Maria Magaia Uamba, psicóloga e assessora de formação, também começou o cultivo de sua horta caseira num dos terrenos sob a sua concessão. Em pouco tempo, conseguiu compor uma porção significativa dos alimentos consumidos semanalmente em casa com os produtos da horta. O sucesso foi tão interessante que ela já está pensando em transformá-lo num modo de rendimento extra para alguns familiares, apoiando-os em suas atividades até conseguirem caminhar por conta própria. Essa parece ser também a linha de raciocínio de Ana Paula Machava, advogada e assessora jurídica. Consumidora regular dos produtos da Ag-
ri-cultura Natural oferecidos pela Africarte em Maputo, ela percebeu que também poderia implantar a sua horta caseira com o propósito de suprir inicialmente parte das necessidades de sua família. Mas o seu objetivo é obter da própria horta caseira quase tudo o que a sua família precise consumir diariamente. Para tanto, iniciou o cultivo num terreno de cerca de 800 metros quadrados.
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caseiras
São muitos os exemplos de pessoas que estão pouco a pouco percebendo que a prática das hortas caseiras através da Agricultura Natural, seja em quintais ou machambas, pode suprir parte significativa das necessidades alimentares de seus lares. Mais do que isso, estão compreendendo que, com um pouco mais de esforço, o resultado do trabalho pode se converter numa ótima oportunidade de autoemprego. No programa de treinamento e capacitação em Agricultura Natural que a Africarte desenvolve desde 2010 no país, boa parte da carga horária é destinada à formação dos agricultores, domésticos e profissionais, abordando a correta higienização dos produtos, o manuseio, técnicas de embalagem, a promoção e a exposição dos produtos, entre outros. Este esforço começa a gerar frutos, pois diariamente um número cada vez maior de pessoas iniciam a comercialização da sua produção natural. Até está sendo elaborado um projeto para a criação de feiras de produtores em Maputo e já há um bom número de ONG's, entusiastas do movimento orgânico e voluntários da Agricultura Natural apoiando a iniciativa. Em breve, será possível criar espaços onde produtores, inclusive das hortas caseiras, possam comercializar diretamente os seus produtos, oferecendo alimentos saudáveis e nutritivos a um número cada vez maior de pessoas.
A legislação moçambicana prevê que a terra é um patrimônio do Estado, sendo que as pessoas podem obter a concessão de uso através de mecanismos legais próprios.
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Escola de Agricultura Natural
Escola de Agricultura Natural mostra a visão da Natureza O Centro de Formação Profissional Mokiti Okada tem tido uma afluência muito grande. Além do preenchimento total do número de vagas, estão sendo realizadas diferentes modalidades de cursos. Há aulas teóricas e práticas, onde são abordadas questões relacionadas aos sistemas agrícolas e industriais, os processos de utilização dos recursos naturais, o estilo de vida e o consumo dos seres humanos – questão muito importante que vem ocasionando a poluição do ar, dos rios, do solo, a contaminação da água e dos alimentos. Simultaneamente, o conteúdo programático procura mostrar que a verdadeira agricultura respeita a força original do solo que, após bilhões de anos, adquiriu a força da naEm 2013, a Escola de tureza e possui vida Agricultura Natural recebeu e sentimento. Dessa uma comissão ecuménica forma, os alunos pascomposta por 19 pessoas das sam a entender melhor Igrejas: Adventista, Católica, o ciclo evolutivo. Eles Evangélica, Messiânica, também observam a Pentecostal e Universal atuação dos seres vivos – caso dos microrganismos e pequenos animais no processo de decomposição da matéria orgânica, que formam o solo. Concluem, assim, que a estrutura porosa de um solo proporciona o armazenamento de nutrientes, preserva o ar, a água e serve como um bom habitat de microrganismos. Aos poucos, os alunos também vão absorvendo o conceito da Agricultura Natural, baseados na visão sobre a natureza, na forma de considerar e respeitar o solo e as plantas e, principalmente, a existência do pensamento e da vontade nas existências não visíveis.
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Na parte prática, aprendem como acompanhar uma planta desde a sementeira, a germinação da primeira, segunda e terceira folhas, a floração, a frutificação até a maturação, um acompanhamento que deve ser feito por toda família em casa, já que isso é um aprendizado rápido. Alguns bons exemplos já começaram a surgir. Como o do agricultor Mateus Luís Domingos, que possui 150 ha de terra arável na comuna de Cassualala. Quando iniciou o curso estava céptico em relação à prática da Agricultura Natural, mas ao ouvir numa das aulas que, ao realizar as queimadas, está a retirar os nutrientes do solo, no dia seguinte trouxe fotos de sua fazenda, onde mostrou que tinha cometido esses erros e por isso reconhecia a razão de não estar a ter resultados. Antes também realizava o derrube de árvores com frequência. Mudou de ideia e decidiu aprofundar no método de Mokiti Okada, adoptando o sistema agroflorestal para a sua fazenda. Assim, no dia 10 de Novembro de 2013, ele e mais 45 pessoas receberam o certificado de conclusão do primeiro curso básico de Agricultura Natural realizado no Centro de Formação Mokiti Okada – CFMO. A entrega foi feita pela recémempossada Presidente da Africarte – Associação para o desenvolvimento da Agricultura Natural, da Arte e da Cultura Africana, Ministra Ernestina Olinda dos Prazeres Coimbra.
Presidente da Africarte entrega os certificados para os participantes do primeiro curso básico de Agricultura Natural no CFMO
Polo de Agricultura Natural de Caxito Localizado na Província do Bengo, Município do Dande, zona dos Libongos, o polo de Agricultura Natural de Caxito possui uma área de 500 hectares, sendo que desses, oito produzem legumes, verduras, cereais e árvores frutíferas. O restante é destinado à recuperação da floresta. Afinal, Caxito é um polo que adopta o sistema Agroflorestal, pois reúne harmoniosamente culturas agrícolas e florestais. No terreno obtido em Fevereiro de 2008, mas que teve as suas atividades de produção iniciadas em Janeiro de 2011 há repolho, couve, feijão, beringela, tomate, amendoim, milho, arroz, mamoeiro, mandioca, maracujá e bananeira. A distribuição dos produtos é feita na Sede da Africarte, em Luanda. Em Caxito, está sendo implementado o projecto de construção de galpões para a criação de aves poedeiras e também alojamentos para funcionários e estagiários. Caxito é a capital da província do Bengo. Lá se encontra a Reserva Florestal de Kibinda, cuja riqueza biológica constitui uma das prioridades de preservação com vista à sustentação ambiental. A agricultura é uma importante atividade na região, que produz algodão, ananás, mandioca, banana, rícino, feijão, goiaba, mamão, canade-açúcar, sisal, goiaba, café, massambala, palmeira de dendém, hortícolas e citrinos.
Curso de
AGRICULTURA NATURAL oçambique em M
Objetivo Compartilhar o aprendizado alcançado com a prática da Agricultura Natural em Moçambique nos últimos anos. Programa apostilado
• Aulas teóricas • Vivências práticas, como
o cultivo na horta escolar
• Incentivo à instalação de hortas urbanas e caseiras
• Otimização de machambas
• Experiências nos Polos Agrícolas da Africarte
www.africarte.org MÓDULO 2
Manejo agroecológico do solo
MÓDULO 3
Colheita e agroprocessamento
MÓDULO 4
Agricultura urbana e hortas caseiras
MÓDULO 5
Nutrição e alimentação natural
MÓDULO 6
Produção de sementes da Agricultura Natural
MÓDULO 7
Estratégias de produção agrícola natural
MÓDULO 8
Avaliação
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