Agriculturas V8, N4 - Agroecologia em rede

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Agroecologia em Rede

Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil:

ferramenta dos movimentos sociais nas lutas territoriais Diogo Ferreira da Rocha

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Mapa de Conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil1 é resultado da vasta experiência acumulada pelo movimento brasileiro de luta por justiça ambiental – em grande parte capitaneado pela Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA). Nascido do debate a respeito do modelo de desenvolvimento existente no país e suas articulações com a economia global, abrange contextos de degradação, racismo, injustiça e desigualdades sociais dele resultantes ou por ele intensificadas.

O conceito de território que embasa as análises presentes no mapa vai além da concepção hegemônica que vê o território como um mero conjunto de unidades administrativas formalmente constituídas sob o controle dos diversos níveis da administração estatal. Ele avança na tentativa de abranger as áreas que, apesar de carecerem de registro cartorial ou de caracterização dentro do arcabouço jurídico vigente, são fundamentais para o exercício da territorialidade das diversas formas de organização cultural e social existentes em nosso país.

O mapa foi lançado oficialmente na internet em janeiro de 2010, com 297 casos pesquisados. Assim como muitos projetos derivados da articulação entre diferentes setores sociais para a construção do conhecimento e para a luta social, desde a sua origem o mapa foi movido por duas forças propulsoras de grande fecundidade: a necessidade e o desejo. Necessidade de enfrentar as diversas situações de discriminação e injustiça que levam ao empobrecimento de uma parcela já destituída de direitos econômicos e sociais da sociedade brasileira, mas também de construir novos referenciais teóricos e conceituais para o entendimento dos processos que estão no cerne dos conflitos ambientais. E desejo de transformação da realidade social.

Após décadas de luta por reconhecimento, os povos e comunidades tradicionais2 são hoje cada vez mais legitimados legal e socialmente. São também os principais atores sociais que enfrentam (muitas vezes pagando com a própria vida e saúde) o avanço da economia capitalista sobre biomas e ecossistemas preservados pelo manejo tradicional ou pela não incorporação desses territórios à economia global no passado.

Herdeiro de iniciativas locais de mapeamento de conflitos ambientais, de situações de racismo ambiental ou de impactos à saúde de populações vulneráveis produzidos pelo padrão de desenvolvimento hegemônico, o projeto foi realizado por uma parcela da academia brasileira incomodada com o papel assumido majoritariamente por seu próprio campo de atuação. Um papel de suporte teórico e tecnológico a processos que geram injustiças ambientais e de legitimação de discursos que tendem a obscurecer as causas ou a apoiar soluções paliativas para problemas urgentes e estruturais. Um papel, ainda, que contribui para inviabilizar a explicitação das consequências negativas de projetos ou processos desenvolvimentistas sobre a integridade dos ecossistemas, a saúde e o bem-estar das comunidades, cuja reprodução social depende da biodiversidade e de outros recursos naturais presentes nos territórios em disputa. O mapa é resultado de uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), com o apoio do Departamento de Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde.

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Agriculturas • v. 8 - n. 4 • dezembro de 2011 46

Ao delinear os conflitos em que essas comunidades estão envolvidas, bem como os impactos ambientais e suas consequências sobre a saúde coletiva, o mapa tem como principal objetivo romper com a invisibilidade dessas situações e suas causas. Também busca apontar a influência do Estado e das dinâmicas econômicas contemporâneas sobre a desestruturação dos laços sociais, de formas não capitalistas de organização social e de economias que funcionam para além do mercado, com base em mecanismos de solidariedade e de cooperação.  A iniciativa visibiliza, portanto, as cargas de dor e sofrimento infligidas a comunidades cujo principal capital é a capacidade de reprodução a partir do manejo dos recursos naturais. Esse esforço requer o resgate das trajetórias de luta, dos dilemas envolvidos, das histórias de vida das comunidades e da busca de alternativas de desenvolvimento. Como resultado, a denúncia de que é sobre essas populações e territórios que recaem prioritariamente os custos sociais e ambientais do avanço das monoculturas, da pecuária, da mineração, das indústrias eletrointensivas, dos grandes projetos de infraestrutura e energéticos. No processo inicial de elaboração do mapa, foi realizado um extenso levantamento em bases de dados dos movimenCategoria que abrange povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, extrativistas, geraizeiros, vazanteiros, caatingueiros, caiçaras, comunidades rurais, faxinalenses, catadores de frutos diversos, entre outros, incluindo os agricultores familiares.

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