Caravana Agroecológica e Cultural do Rio de Janeiro
Caderno da/do Participante
19 a 21 novembro 2013
RIO DE JANEIRO NOVA IGUAÇU
Caravana Agroecológica e Cultural do Rio de Janeiro RUMO AO III ENA
Caderno da/do Participante
19 a 21 novembro 2013
RIO DE JANEIRO NOVA IGUAÇU
Índice Introdução . . . . . ............................................. ....................................................................................... 3 Programação ............................................. ....................................................................................... 5 Contextualização do Território e Apresentação das Experiências
• Baía de Sepetiba ................................................................................................................... 6
• Vila Autódromo ............................... ....................................................................................... 8
• Maciço da Pedra Branca .................. ....................................................................................... 9
• Comunidade Astrogilda ........................................................................................................... 11
• Assentamento Marapicu ................... ....................................................................................... 13
• Feira da Roça de Nova Iguaçu .................................................................................................. 14
Questões para debate e reflexão coletiva ... ....................................................................................... 15 Xote Agroecológico ................................... .......................................................................................
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Mapa da Caravana Agroecológica e Cultural do Rio de Janeiro ......................................................... 18
Introdução As atividades do processo de preparação do III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) deverão ser organizadas procurando trazer respostas à seguinte questão central: Porque interessa à sociedade apoiar uma estratégia de desenvolvimento rural com base na agroecologia e no fortalecimento da agricultura familiar e dos povos e comunidades tradicionais?
industriais, e ainda com megaeventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Frente a um modelo de cidade excludente, os atores em resistência se unem para construir uma cidade para todos e todas, com base nos princípios da agroecologia, da economia solidária, reivindicações de direito à moradia, de acesso a políticas para a segurança alimentar e nutricional, acesso à biodiversidade, educação pública de qualidade e saúde, e justiça ambiental.
Uma preparação geograficamente descentralizada e socialmente mobilizadora é condição essencial para que o III ENA alcance seus objetivos estratégicos. Essa preparação deverá ser capaz de explorar as questões orientadoras aos debates do III ENA nos variados contextos socioambientais e culturais em que o campo agroecológico vem se constituindo no Brasil. Isso implica o reconhecimento da imensa diversidade de processos sociais e políticos pelos quais a agroecologia faz seu caminho como enfoque alternativo ao modelo dominante de desenvolvimento imposto pelo setor do agronegócio, da mineração, siderurgia, das grandes empreiteiras, e outros setores voltados para o crescimento econômico. Implica igualmente a identificação de características e princípios comuns a esses processos multidiversos, condição essencial para o fortalecimento das convergências do campo agroecológico como espaço de construção sociopolítica e de proposição de estratégias para a superação de críticos desafios colocados para a sociedade brasileira em seu conjunto.
Princípio político-metodológico das caravanas Para estimular dinâmicas capilarizadas de mobilização social e visando à reflexão coletiva sobre as questões orientadoras, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) propõe o mergulho em distintas realidades nas quais a agroecologia disputa espaço físico, político e ideológico como expressão de projetos de desenvolvimento opostos. No caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, esses espaços são também disputados com megaempreendimentos, especulação imobiliária, grandes obras e outros fatores relacionados ao crescimento desordenado das cidades. Assim situada, a proposta agroecológica será analisada à luz dos seus efeitos positivos sobre a vida social e sobre o mundo natural, contrastando-os com os impactos negativos advindos da imposição do modelo ao qual a agroecologia se opõe. Explicitar e divulgar esses contrastes a partir das peculiaridades de territórios localizados nas diferentes macrorregiões brasileiras será o principal objetivo do processo que coloca em marcha o III Encontro Nacional de Agroecologia.
Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro a agroecologia, na sua dimensão rural e urbana, e a luta pelos direitos territoriais estão convergindo. Diante de um projeto de desenvolvimento econômico que tem causado remoções forçadas, degradação ambiental e enfraquecimento dos espaços de participação cidadã, atores não hegemônicos disputam espaço com os megaempreendimentos dos setores empresariais, como imobiliários e
O recurso ao conceito de “território” é central nessa proposta metodológica. Para prevenirmos o risco de ambiguidade frente à multiplicidade das definições -3-
normativas do termo, o território é aqui compreendido como um espaço físico, sociocultural e econômico, em disputa por projetos de desenvolvimento opostos.
As caravanas como exercício coletivo de análise Os exercícios descentralizados de análise coletiva visando contrastar esses padrões opostos de desenvolvimento serão realizados por meio das Caravanas Territoriais. A proposta é que as redes e organizações de determinados territórios se preparem para apresentar e debater a realidade da disputa territorial com diferentes delegações compostas por agricultores e agricultoras, representantes de povos e comunidades tradicionais e assessores/as, e vindas de outras regiões do mesmo estado ou de estados próximos. Além de proporcionar ambientes para o debate entre as organizações da ANA, as caravanas serão oportunidades para a produção de materiais de comunicação voltados para divulgação a amplos segmentos da sociedade das experiências territoriais visitadas e da síntese dos debates realizados.
São eles: • o agronegócio, projeto de desenvolvimento comandado por agentes externos ao território motivados pela extração das riquezas territoriais por meio de regras econômicas, marcos legais e modelos técnico-produtivos moldados para viabilizar os mercados globalizados. Vale destacar que em várias regiões esse projeto se expressa também por meio de práticas de parcelas da agricultura familiar induzidas ao roteiro da modernização por políticas do Estado e/ou por agentes dos mercados; • a agroecologia, projeto construído a partir da mobilização social de agentes do território que, em resposta aos processos de expropriação (desterritorialização) impostos pelo agronegócio e por outros agentes do capital globalizado (como a especulação imobiliária, a mineração e siderurgia, entre outros), protagonizam dinâmicas locais de inovação técnica, social e institucional (incluindo a construção de mercados) que valorizam as riquezas territoriais em benefício da justiça e sustentabilidade ambiental, da saúde coletiva, da economia solidária e da equidade entre gêneros e gerações.
As caravanas funcionarão como exercícios metodológicos para o desenvolvimento de um “novo olhar” sobre as experiências de agroecologia. Em vez de enfocá-las a partir dos eixos temáticos que normalmente têm organizado as análises na ANA (p. ex. segurança e soberania alimentar, acesso a mercados, relações de gênero, financiamento da produção, manejo de recursos naturais, etc) a nova perspectiva propõe uma visão integradora entre as diferentes dimensões referenciadas à realidade dos territórios enfocados.
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» Terça-feira: 19/11 - Baía de Sepetiba 10h 11h 13h - 14h
Chegada na praça da Amendoeira e cortejo pela rua
Apresentação da Caravana Agroecológica e Cultural Almoço Agroecológico
• Montagem do Mapa Afetivo da Baía de Sepetiba (Rede Carioca da Agricultura Urbana e É Comunitário); • Acolhida do grupo de Santa Cruz atingidos pela TKCSA, percursos e Roda de Conversa (PACS); OCUPA PIER Píer de Pedra de Guaratiba
• Mostra Solidária: “Quem é do mar não enjoa... artesanato e comida boa e com agricultura urbana nenhum quintal fica à toa” • Produção dos quintais, economia solidária, produção dos pescadores, produção dos Projetos Sociais, cultural. (Rede de Economia Socioeconomia Solidária da Zona Oeste); • Atividade com as crianças da Fundação Xuxa Meneghel e Casa Arte é Vida;
• Visita ao casario e à Igreja Nossa Senhora do Desterro (conversa com o Sr Chiquinho); • Exposição Fotográfica (Nilson Pinto) 18h
Jantar
Pernoite solidário
» Quarta-feira: 20/11 - Vila Autódromo / Maciço da Pedra Branca / Comunidade Astrogilda 6h30
Café da manhã
8h
Lanche na Vila Autódromo e visita à horta comunitária, experiência em agricultura urbana, trocas de experiências: Direito à terra no campo e na cidade – terra para viver: morar, plantar e pescar.
10h
Atividade Simultânea: Roda de Conversa no Largo de Vargem Grande – Exposição de fotos antigas pelo Instituto Histórico de Jacarepaguá, roda de capoeira, exposição dos estudantes do Colégio Teófilo, distribuição de sementes, mudas. Haverá também distribuição do número especial do Jornal Abaixo Assinado de Jacarepaguá.
11 h30 - 12h
Saída de Vila Autódromo
13h
Almoço na comunidade Astrogilda
14h
Visita aos sítios dos agricultores Francisco Caldeira e Pedro Mesquita; Quintais abertos: os caravaneiros poderão optar por visita às experiências locais de agricultura urbana.
17h
Cultural e jantar no Largo da Igreja N. S. da Conceição (Alto Mucuíba).
20h
Saída para pernoitar em Nova Iguaçu
» Quinta-feira: 21/11 - Feira da Roça de Nova Iguaçu / Assentamento Marapicu 7h30 12h 12h30
Ato na Feira da Roça de Nova Iguaçu
Saída da Feira
Almoço no Assentamento Marapicu
13h
Visita nos sítios: • Israel • Domingos • Oficina com o grupo Fitocam
16h
Avaliação e fechamento da caravana no Assentamento de Marapicu -5-
Contextualização do Território
e Apresentação das Experiências A Caravana Agroecológica e Cultural da Região Metropolitana do Rio de Janeiro passará pela Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro e por Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, visitando experiências que nos fazem refletir sobre a agroecologia e o direito ao território. Nestas regiões são diversos os conflitos que se agravam nas últimas décadas e que têm sido contrapostos a organização das comunidades em busca por autonomia e melhores condições de vida. Na Zona Oeste, ou no Sertão Carioca, como reaprenderemos a chamar a região que já foi polo agrícola do município, visitaremos experiências de agricultores/as, pescadores/as e daqueles que lutam por seu direito à manutenção de seus espaços de vida. Na Baixada Fluminense, visitaremos o primeiro assentamento rural municipal do país e a experiência de venda direta da agricultura familiar no centro de Nova Iguaçu.
industrial até o de serviços, que têm usufruído desta região buscando expandir suas áreas para construção e especulação imobiliária, dentro de uma precária regulação ambiental. Estas atividades têm, ao longo dos tempos, interferido na dinâmica tão peculiar que a agricultura familiar desta região possui, em seus quintais, em sua diversidade, nos saberes e modos de viver de seus moradores, na segurança alimentar e nutricional das famílias, na pesca artesanal e no direito de seus moradores de permanecerem nos territórios com os quais têm laços afetivos e os quais foram por eles construídos. São saberes, culturas e ambientes se entrelaçando na formação deste território que aprenderemos a olhar e compartilhar nossas experiências na busca por maior visibilidade, respeito e força. Dentro desta perspectiva, repensar, resgatar e valorizar o uso deste espaço de convivência respeitosa e inclusiva que as experiências fomentam é um dos objetivos desta Caravana.
As experiências que visitaremos nessas regiões se contrapõem a grandes grupos empresariais, desde o setor
Baía de Sepetiba A Baía de Sepetiba com mais de 300 ilhas entre matas, mangues e restingas é moradia e sustento para inúmeras famílias. A natureza e sua diversidade permitem que agricultores familiares, pescadores artesanais, indígenas e quilombolas convivam entre a resistência e a invisibilidade do local como área ocupada pela agricultura familiar antes das grandes indústrias.
os conflitos existentes na região. Instalada nas margens da Baía de Sepetiba e imediações do bairro de Santa Cruz, a empresa vem causando sérios impactos à saúde e bem-estar da população local, além de ter contribuído com um aumento de 76% nas emissões de gás carbônico (CO2) na região metropolitana do Rio de Janeiro como um todo. Sua presença no local iniciou-se com abertura de um gigantesco canteiro de obras em cima de um vasto manguezal que já havia sido declarado Área de Proteção Ambiental permanente em 1988.
O exemplo da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) aparece como emblemático dentre -6-
Os impactos causados pela TKCSA não se restringem ao meio ambiente. A população local é quem mais tem sofrido com a poluição emanada pela empresa. Trata-se da já notória “Chuva de Prata”: grandes e constantes nuvens de materiais particulados contendo os metais expelidos pelo processo de produção do aço que invadem as casas e quintais dos ‘vizinhos’ da TKCSA. Os moradores da região são, desta forma, obrigados a inalar e absorver diariamente em suas peles e olhos essa poeira prateada, explicada pela chegada de uma siderúrgica construída a uma distância de poucos metros das suas casas.
do entorno. Manguezais são desmatados e eliminados da paisagem, assim como seus moradores, sem que haja aviso ou acordo a respeito da presença da siderúrgica. Pescadores artesanais tiveram seu direito ao trabalho impedido pelas obras de construção do megaporto privativo da TKCSA, que criou uma área de exclusão de pesca nos locais onde os pescadores artesanais historicamente conseguiam a maior quantidade de pescado. Por conta disso, muitos abandonaram a profissão e o modo de vida tradicional para buscarem trabalhos informais e intermitentes, distantes de suas realidades. Entender e problematizar este processo de degradação ambiental e humana é o que nos une a esta gente que busca apoio, voz e visibilidade.
Uma grande quantidade de metais pesados contaminam solo, água e ar, envolvendo toda população da região e
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Vila Autódromo A Vila Autódromo é um dos grandes símbolos da resistência das comunidades do Rio de Janeiro pelo direito à moradia. Começou como uma vila de pescadores, à beira da Lagoa de Jacarepaguá, há mais de 40 anos, quando a região era ainda desprovida de infraestrutura urbana. Nos anos seguintes, houve ampliação do número de lotes e moradores. Ao longo dos anos, toda a região sofre diversas mudanças: aterros e grandes condomínios fechados reconfiguraram a ocupação da região. A mais recente intervenção foi o aterro de uma área extensa avançando sobre o leito da Lagoa, inclusive com impermeabilização do solo, para a instalação da Cidade do Rock e realização do megaevento Rock in Rio.
A remoção da Vila Autódromo, cuja maioria dos lotes é regular e tem título de Concessão de Direito Real de Uso (considerado instrumento de regularização fundiária pelo Estatuto da Cidade), é apresentada como necessária para a construção do Parque Olímpico, acionando argumentos de preservação ambiental. Tal justificativa não se sustenta, uma vez que há condições de permanência dos moradores com qualidade ambiental através de urbanização. Já teve início proposta para a realização de Termo de Ajustamento de Conduta, junto ao Ministério Público, estabelecendo condições para a redução da faixa de APP de 30m para 15m, conforme prevê a Resolução Conama n.º 369/2006.
Demarcada em parte como Área de Especial Interesse Social pela Câmara Municipal em 2005, a Vila chegou a receber moradores da Comunidade Cardoso Fontes, autorizados a se instalar ali pela prefeitura, após remoção de seu local de origem. Em anos recentes, porém, a prefeitura vem empreendendo sucessivas tentativas de remoção da Vila Autódromo como parte de projeto de valorização imobiliária da Barra da Tijuca. A comunidade tem resistido através da mobilização social.
A prefeitura chegou a justificar a remoção como exigência do Comitê Olímpico Internacional – COI. Como resposta, a comunidade, apoiada pela Defensoria Pública, elaborou uma Notificação ao COI com extensa argumentação pela permanência da Vila. O próprio projeto para o Parque Olímpico, vencedor de concurso internacional promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB, mantém a Vila Autódromo, e inclui diversas intervenções na faixa de APPs – Áreas de Preser-
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vação Permanentes – possivelmente justificadas pelo “interesse público”.
Autódromo elaborou o Plano Popular da Vila Autódromo, com a assessoria técnica de especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). O Plano é técnica e socialmente viável, e garante condições adequadas de moradia e urbanização. “Parece que a gente está sempre incomodando, tendo que dar espaço”, disse Altair Guimarães, presidente da Associação de Moradores, que está sofrendo seu terceiro processo de remoção em quatro décadas. “O Plano Popular da Vila Autódromo é resultado da luta da comunidade pela permanência e vai mostrar as vantagens dessa opção para a cidade”, finalizou .
A prefeitura segue com as tentativas de remoção da Vila Autódromo. Já tentou justificar com argumentos ambientais, com a necessidade de assegurar segurança para a Vila Olímpica do Pan, com a instalação do Parque Olímpico e, mais recentemente, dizendo que haverá ali uma alça ligando a Transolímpica à Transcarioca – muito embora os projetos de ambas as vias não mencionem a referida alça. Como alternativa à injusta, injustificável e ilegal tentativa de remoção, a Associação de Moradores da Vila
Maciço da Pedra Branca O maciço da Pedra Branca, localizado na hoje chamada Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, é palco de experiências importantes no que toca à reapropriação de espaços da cidade em aproximação à agroecologia. O conjunto de montanhas, assim denominado em razão do nome do cume de sua montanha mais alta, abriga o Parque Estadual da Pedra Branca, maior floresta urbana no mundo, equivalente a quatro vezes o tamanho do Parque da Tijuca. É no entorno e em áreas do Parque, instituído em 1974, que agricultores e agricultoras têm se
mobilizado na busca por reconhecimento da prática agrícola realizada em espaços da cidade e sua inserção no âmbito das políticas públicas voltadas para a agricultura familiar. A região foi por muito tempo polo de abastecimento agrícola da capital e, hoje, apesar das feições urbanas e industriais, a atividade agrícola persiste e detém relevância econômica e social para a manutenção de famílias de agricultores que lutam para manter suas territorialidades e modos de vida específicos. As famílias dependem da
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renda das atividades agrícolas, estão nesta região há mais de um século, e vêm sofrendo com a expansão urbana, com as transformações nas relações de produção e de mercado e, sobretudo, com as restrições de órgãos ambientais, orientados por uma perspectiva de incompatibilidade entre a presença humana e a conservação da natureza. Muitas dessas famílias já venderam suas propriedades que hoje se transformaram em grandes condomínios residenciais, aumentando fortemente o impacto ambiental na região.
A conquista de Pedro Mesquita não é particular, mas fruto do trabalho coletivo da Agrovargem e de seus parceiros. Dentre os alimentos que serão comercializados estão banana, caqui, abóbora, abobrinha e chuchu, que farão parte da merenda escolar dos estudantes da região. O significado do contrato de venda com o PNAE vai além da geração de renda para os agricultores de Vargem Grande. O acesso a esta política pública, bem como à Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), documento necessário para acesso aos mercados institucionais, são importantes conquistas na busca por reconhecimento pela agricultura de base ecológica na cidade.
Por outro lado, o fortalecimento de associações como a Associação de Agricultores Orgânicos da Pedra Branca (AgroPrata) em Rio da Prata, a Associação de Agricultores de Vargem Grande (AgroVargem) e a Associação dos Lavradores e Criadores de Jacarepaguá (Alcri), e sua inserção em parcerias e redes com universidades, entidades de assessoria, grupos de consumidores e a Rede Carioca de Agricultura Urbana, entre outros, vêm recriando um desenho do mapa da agricultura de base ecológica na cidade do Rio de Janeiro e aumentando o repertório das atividades e estratégias a que esses agricultores e agricultoras familiares recorrem na manutenção de seus modos de vida.
Também é importante mencionar as experiências de feiras locais, em que os/as agricultores/as vendem diretamente aos consumidores, que vêm sendo fortalecidas pelos grupos organizados da Pedra Branca. A Feira Orgânica de Campo Grande, com mais de 10 anos, conta com agricultores da Agroprata e a Feira Agroecológica da Freguesia, inaugurada em 2013 como parte do Circuito Carioca de Feiras Orgânicas, com agricultores da Agrovargem, Alcri, do coletivo de agricultores do Mendanha, entre outros. É neste conjunto de experiências, em busca de visibilidade e reconhecimento para a agricultura familiar na cidade, que a agroecologia tem buscado garantir seu espaço nas pautas da sociedade e mostrar que o Sertão Carioca tem seu valor e propostas para a construção de um território agroecológico.
Especificamente entre as famílias agricultoras de Vargem Grande, cuja experiência será visitada nesta Caravana, cabe notar a experiência de acesso ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Recentemente, Pedro Mesquita conseguiu renovar o contrato de venda de seus produtos para o Colégio Estadual Prof. Teófilo Moreira, em Vargem Grande, por meio do PNAE. E mais, também conseguiu desenvolver iniciativa semelhante junto ao CIEP Brigadeiro Sérgio de Carvalho, em Campo Grande.
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Comunidade Astrogilda A Comunidade Astrogilda é daqueles lugares que não estão abertos ao olhar apressado. Primeiro, há que valorizar o acesso ao local. Ele é feito por uma estrada de terra batida em meio à vegetação típica de Mata Altântica, no interior do Parque Estadual da Pedra Branca. Usufruir esse caminhar faz parte do ato de conhecer a comunidade. Ao lado da guarita construída que deveria abrigar guardas ambientais, situa-se a chamada “casa do piloto”, uma ampla moradia, construída bem depois da constituição do Parque Estadual da Pedra Branca. Pode-se dizer que é um ícone das contradições da antiga gestão da unidade de conservação.
momento em que o sentimento do bem viver aflora e dá sentido a essa relação homem-natureza. Só então chegamos ao assentamento de seis a sete casas. Destaca-se na arquitetura o uso do adobe, no local conhecido como “pau-a-pique”, uma técnica de construção passada de geração para geração. Nesse sentido, cabe uma homenagem a um “arquiteto do adobe”, o Mestre Tilinho, já falecido. O casario simples é cercado de flores e jardins. Em certas épocas do ano as flores e pássaros quase superam a arquitetura tradicional. Essa é uma das ações das mulheres na paisagem cultural historicamente constituída no PEPB. Elas também se destacam por serem herdeiras de uma tradição de cuidado. A presença de
Caminhando um pouco mais, atravessamos uma ponte sobre o Rio Paineiras. A beleza do local constitui um
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plantas medicinais em meio aos jardins e no entorno das residências é mais um elemento de sua tradicionalidade. Seu conhecimento de plantas medicinais se deve a uma relação estável e duradoura com seus antepassados.
sobretudo, às crianças. Naturalmente a comunidade foi à luta. Passa por um momento de incremento de sua forma de organização e luta na defesa da terra herdada de seus antepassados. Num momento de muita emoção, a comunidade assumiu sua descendência quilombola, assumindo ser herdeira de um conjunto de pessoas outrora postas em situação de escravidão.
Todas as residências são ocupadas por pessoas com laços de família, são tios, irmãos, sobrinhos e sobrinhas. É nessa comunidade que reside Pedro Mesquita. Ele foi o primeiro agricultor da cidade a obter a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). Também foi o primeiro a participar localmente do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Atualmente fornece alimento agroecológico com certificação orgânica para duas escolas do entorno do PEPB.
Sandro Santos, um jovem descendente da matriarca Astrogilda, organizou recentemente uma petição à Fundação Palmares solicitando o reconhecimento oficial de assentamento quilombola. É muito curioso que Sandro tenha feito o seguinte apelo no site da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro:
Sua experiência de cultivo está situada no entorno de sua comunidade e em meio à floresta. Pedro cultiva bananas, aipim, inhame, agrião, chuchu. Também possui várias espécies medicinais aptas a serem comercializadas. Foi Pedro que assumiu seu “poder de nomear”, batizando a comunidade em uma homenagem à sua avó, Astrogilda Mesquita.
“Estamos tentando se organizar para lutar, pois uma tempestade vem abalar a calmaria de nossa vida pacata, e bem regional nas Vargens. Sou morador do parque e venho acompanhando o que está acontecendo, não tão ativo e representativo como gostaria, pois o trabalho muita das vezes não possibilita minha participação. Moro depois da guarita em Vargem Grande lá no alto da cachoeira e minha família já vive lá há mais de 200 anos pois meu ancestrais foram escravos e trabalharam nessa localidade, e seus descendentes que não são muitos, vivem até hoje no local onde costumamos chamar de Comunidade Astrogilda, em homenagem a minha avó que foi uma grande matriarca.
Um dos desafios que a comunidade enfrenta é a gestão de resíduos. O local recebe muitos banhistas e turistas que deixam um saldo de resíduo difícil de lidar. O casal Maria Lúcia e Paulo Martins Filho, ligados à comunidade, tem desenvolvido um trabalho em três frentes. Maria Lúcia se dedica ao trabalho com crianças fazendo artesanato com recicláveis, gerando conscientização do valor dos resíduos, sua necessidade de ser corretamente alocado ou reutilizado. Paulinho organiza com os vizinhos mutirões de limpeza, locais específicos para colocação dos resíduos. Ao mesmo tempo cobram cotidianamente a presença dos órgãos municipais de limpeza urbana.
Já fizemos algumas reuniões para informar aos moradores o que vem acontecendo na surdina, e gostaria de sua ajuda e informações sobre todo esse evento que pode prejudicar muita gente” . Acreditamos que a inserção da Comunidade Astrogilda na Caravana Agroecológica e Cultural da Região Metropolitana do Rio de Janeiro é uma resposta ao pedido de Sandro e uma construção de vínculos duradouros dos moradores com as organizações de agroecologia.
O maior desafio, no entanto, diz respeito ao direito ao uso da terra. Há anos a comunidade foi sofrendo ameaças e repressão por parte de órgãos ambientais. Havia uma ação policialesca do então Instituto Estadual de Florestas, atualmente Instituto Estadual do Ambiente (INEA). A repressão culminou com ação de equipes munidas de metralhadoras em meio ao povo pacato e, - 12 -
Assentamento Marapicu A história do Assentamento Marapicu remonta às lutas pela terra no município de Nova Iguaçu na década de 1980. Tendo passado por diversas mudanças, o Plano Diretor do município deixou de reconhecer áreas rurais em Nova Iguaçu para, após alguns anos e muitas reivindicações, ter retornado na delimitação das áreas rurais. Essas reivindicações foram, em parte, construídas pelos agricultores familiares de Marapicu.
produtos e os efeitos dos agrotóxicos em toda cadeia produtiva, que afeta o produtor e o consumidor. A Escolinha possibilitou desenvolver junto aos agricultores um conjunto de responsabilidades entre produtores e seus mercados e produtos, em um ideário de uma alimentação saudável que não promove degradação ambiental. No assentamento existem três grupos que trabalham a resistência de um modo de produção:
As famílias de Marapicu começaram a se organizar em torno de um caráter produtivo agroecológico, participando da Escolinha Agroecológica, no início dos anos 2000. O funcionamento da Escolinha se deu por cerca de três anos no Bairro Aliança no CIEP, que foi um espaço cedido pela diretoria da escola junto à Associação de Marapicu, tendo aulas regulares uma vez ao mês e trocas de experiências e vivências com outros produtores do estado por meio da Articulação de Agroecologia. A sua principal contribuição à Marapicu foi o desenvolvimento de uma consciência agroecológica para boa parte das famílias do Assentamento, construindo referências sobre relações do ser humano e a natureza, a preocupação com a qualidade dos
- Grupo de Floresta - que atua no processo de formação dos assentados para a construção e desenvolvimento de produtos agroecológicos e agroflorestais; - Grupo Fitocam (Fitoterápicos de Marapicu) que tem forte ação no resgate e valorização das plantas medicinais e da produção de fitoterápicos para fins domésticos e comerciais; - Grupo de Apicultores. Os assentados de Marapicu tiveram papel central na organização da Feira da Roça de Nova Iguaçu e protagoniza articulações políticas com outras organizações, outros movimentos e entidades na luta pela justiça social.
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Feira da Roça de Nova Iguaçu
A feira surgiu em 1999 quando funcionava mensalmente dentro de um galpão cedido pela prefeitura de Nova Iguaçu. A principal motivação para a experiência de Feira da Roça que começava a emergir era a necessidade dos agricultores se reunirem para comercializarem seus produtos.
de Cooperativismo Popular. Hoje a feira acontece semanalmente às quartas-feiras. As experiências em torno da Feira da Roça buscam fortalecer um mercado que aproxima consumidores e agricultores para a comercialização direta de alimentos saudáveis, produzidos localmente.
Alguns fatos ocorridos no município fizeram com que a feira saísse fortalecida, garantindo inclusive um espaço central e de grande visibilidade passando a ser instalada na praça Rui Barbosa, no centro de Nova Iguaçu. Esses fatos correspondem à reavaliação do Plano Diretor do município que determinou a existência de um distrito rural antes não considerado e, decorrente disso, a criação de uma Secretaria Municipal de Agricultura.
A Feira da Roça e outros mercados de proximidade na Região Metropolitana, como a Feira da Agricultura Familiar de Magé, a Feira Agroecológica da Freguesia, entre outros, buscam dar visibilidade a um setor que estava fadado a ser engolido pela expansão urbana. Uma visita a essas feiras surpreende pela quantidade, diversidade e a qualidade da produção alimentar local. Ao mesmo tempo em que abre perspectivas de viabilização econômica, esses mercados afirmam a identidade e aumentam a autoestima das famílias agricultoras.
A mudança do local da feira, tirando-a de dentro de um galpão e instalando-a em praça pública, central e com grande fluxo de transeuntes, ocorreu a partir de 2006 numa articulação entre os grupos da agricultura familiar como a Associação de Marapicu, a Cooperativa da União das Associações de Campo Alegre (COANCA) e grupos da economia solidária como o Fórum Municipal - 14 -
Questões para debate e reflexão coletiva Os debates nas caravanas deverão ser realizados a partir de um conjunto de questões que instigam novos olhares sobre a realidade dos territórios. A seguir, são sugeridas algumas dessas questões, organizadas em eixos de observação e análise das experiências. Outras questões poderão ser agregadas em função do contexto observado.
Posse da terra/direitos territoriais
Mercados
» Quais as contribuições das experiências para a garantia do
» Como as famílias agricultoras acessam os mercados?
comuns no território?
nos mercados?
Quais as estratégias de autonomia e de agregação de valor
direito de acesso à terra, aos direitos territoriais e aos bens
» Qual a contribuição das experiências para a dinamização dos mercados locais e para a aproximação entre produtores e consumidores no território?
Soberania, Segurança alimentar e Nutricional
» Quais os impactos dos programas como Programa
» Como a experiência contribui, quantitativa e qualitativamen-
de
te, e em diversidade, para a soberania e segurança alimentar e
Aquisição
de
Alimentos
(PAA),
Programa
da
Alimentação Escolar (PNAE) e Programa dos Produtos da
nutricional das famílias diretamente envolvidas e para o abaste-
Sociobiodiversidade ( PGPMBio) na vida das famílias e na
cimento alimentar local da população?
economia local? Quais as possibilidades e limites para a
» Qual a contribuição das experiências para o resgate e pro-
participação das mulheres nas dinâmicas de construção dos
moção de hábitos alimentares da cultura local e regional?
mercados institucionais e em outras iniciativas locais como
Como se manifestam os bloqueios para o reconhecimento e
as feiras agroecológicas? E para os jovens?
valorização do alimento tradicional e sua transformação artesanal?
» Como se diferenciam os alimentos produzidos nas experiên-
Identidades e cidadania
cias daqueles do mercado convencional?
» Como as experiências resgatam e reforçam identidades socioculturais das populações?
» Quais estratégias para afirmação de identidades junto ao o público urbano?
Saúde » Qual a relação das experiências e a melhoria das condições
» Como as experiências valorizam e promovem a autonomia
de saúde das famílias e da população?
econômica e sociopolítica das mulheres?
» Como as experiências contribuem para enfrentar os riscos
» Como as experiências valorizam e promovem a autonomia econômica e sociopolítica dos jovens?
à saúde?
» Qual a relação das experiências e o enfrentamento da contaminação ambiental?
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Proteção, manejo e conservação dos recursos naturais » Como as estratégias técnicas adotadas contribuem para a
proteção, uso regenerativo e conservação dos recursos natu-
rais? Quais são as ameaças à conservação dos recursos naturais no território e como bloqueiam o avanço das experiências?
» Como a experiência usa e conserva a biodiversidade? Como se expressam os conflitos e possibilidades nos contratos com as empresas?
» Como as experiências estão lidando com as propostas de
pagamento pelos serviços ambientais? Quais as dificuldades e possibilidades?
» Qual o papel das experiências na conservação das águas? » Qual o papel das experiências na conservação dos solos?
Economia e trabalho » Qual a contribuição das experiências para a autonomia
dos/as agricultores/as e a redução dos custos de produção e do uso de insumos externos?
» Quais são as fontes de renda das famílias diretamente
envolvidas nas experiências? Qual a relação entre a renda
gerada pelas famílias envolvidas nas experiências agroecológicas e outras famílias agricultoras?
» Qual a relação das experiências com a busca de estabilidade econômica pelas famílias e comunidades?
» Como as experiências contribuem para a ocupação produtiva da família? Qual o papel das experiências para a busca
da auto-organização e da autonomia econômica das mulheres
» Qual o papel das experiências na conservação e uso susten-
e dos jovens?
» Como a experiência contribui para adaptação e resiliência
riqueza gerada no próprio território?
blemas decorrentes das mudanças climáticas globais?
aplicados nas experiências?
tável das florestas e matas?
» Como a experiência contribui para a geração e circulação da
a instabilidades climáticas? E para o enfrentamento dos pro-
» Como são construídos e socializados os conhecimentos
Conflitos
Políticas públicas
» Como o agronegócio bloqueia ou restringe o desenvolvimento
» Em que medida as políticas públicas dificultam ou contribuem
» Como a mineração, a siderurgia, as grandes obras e a
território?
das experiências e da agroecologia no território?
as agricultores/as e dos povos e comunidades tradicionais
das experiências e da agroecologia no território?
o desenvolvimento da experiência e da agroecologia no
expansão urbana bloqueiam ou restringem o desenvolvimento
» Quais as principais propostas das organizações dos/
» Como os modelos de preservação ambiental, em
de políticas públicas para apoiar o desenvolvimento da
contraposição a modelos de conservação da natureza,
experiência e da agroecologia no território?
se relacionam com as experiências e a agroecologia no território?
» Em que a organização dominante dos mercados dificulta o desenvolvimento da experiência e da agroecologia no território?
» Quais outros atores são relevantes para compreensão dos conflitos no nosso território?
Questões sócio-organizativas » Qual a contribuição da experiência para a organização e expressão pública dos diferentes segmentos da população?
» Como as experiências promovem a participação política das mulheres e dos jovens?
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Xote Agroecológico (Igor Conde)
Já posso respirar e voltar a plantar A terra renascendo, brotando sem parar É Agroecologia e agricultura familiar Com organização e resistência popular Cadê o arroz e o feijão? (Plantou e colheu) E o milho de São João? (Plantou e colheu) E a Agrofloresta como tá? (Plantou e colheu) Transgênico e veneno desapareceu
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Realização
Apoio