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Capítulo 15 – CONSIDERAÇÕES FINAIS DA CPI

15 CONSIDERAÇÕES FINAIS DA CPI

A CPI foi instaurada visando a contribuir para o esclarecimento da tragédia criminosa que vitimou, de forma fatal, 272 vidas (270 mortos e dois nascituros) em Brumadinho, Minas Gerais, em 25 de janeiro de 2019, em decorrência do rompimento de uma barragem de rejeitos localizada na Mina Córrego do Feijão, de propriedade da empresa Vale S.A.

A comissão analisou tecnicamente as causas do rompimento cumprindo seu papel constitucional, ao longo dos trabalhos iniciados em 14 de março de 2019 e encerrados com a aprovação do relatório final1 .

O tema também foi abordado por outras comissões permanentes da ALMG, seja como pauta principal de seus eventos, seja em pautas correlatas ligadas à atividade minerária no estado e, principalmente, à situação que se espalhou por Minas Gerais nas semanas seguintes ao rompimento em Brumadinho devido à emissão de alertas para o risco de colapso de outras barragens2 .

A CPI aprovou seu relatório final em 12 de setembro de 2019, oferecendo à sociedade suas conclusões e tornando público o que surgiu ao longo de seus trabalhos. Ressalvou, no entanto, que ainda havia muito por mensurar, avaliar e concluir, dada a magnitude dessa tragédia e dos danos por ela causados. Além da contextualização acerca do objeto apurado e da abordagem dos fatos que concorreram para o rompimento da Barragem 1, o relatório da comissão fez apontamentos essenciais relativos às responsabilizações objetiva e subjetiva pelas causas dessa ruptura, bem como considerações acerca dos danos daí resultantes e da sua reparação. Ao final, apresentou recomendações a diversos órgãos e instâncias das esferas criminal e civil e sugestões – no âmbito do Poder Legislativo – de possíveis aperfeiçoamentos das normas vigentes, além de enviar pedidos de providência e informações.

O relatório ressalta a repetição de uma tragédia de tamanha gravidade em tão curto espaço de tempo – o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, em 5 de novembro de 2015 e, 38 meses depois, o da Barragem 1, em Brumadinho. Isso impõe uma reflexão, pois, mesmo guardadas as devidas diferenças entre um e outro em termos de dimensões humanas e ambientais dos danos causados, eles têm muito em comum.

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Desastres tecnológicos ampliados como esses não possuem uma causa única, imediata, eles resultam de uma combinação de fatores acumulados ao longo do tempo, que pode ser explicada, no decorrer da história, a partir de decisões organizacionais de um sistema que privilegia o lucro em detrimento do direito à vida e dos direitos socioambientais previstos na legislação nacional e em tratados e acordos internacionais.

Muitos estudiosos do tema, como Faria e Botelho3, analisaram o rompimento da barragem em Mariana argumentando, inclusive com base em outros autores, que as decisões gerenciais tomadas quanto à operação e ao suporte do sistema de disposição de rejeitos tiveram um “período de incubação” antes da ruptura. Esse período, segundo eles, é caracterizado por sintomas e sinais precursores de um possível acidente, inicialmente fracos, mas repetidos, tornando-se mais frequentes e complexos com o passar do tempo, até resultarem no rompimento da estrutura.

A CPI entendeu que tal análise deve ser aplicada ao caso de Brumadinho, pois tudo indica ser possível – e necessário – traçar um paralelo entre as duas rupturas. Afinal, a repetição de processos (e erros) conduziu aos mesmos resultados: os dados levantados pela CPI demonstraram que havia informações anteriores ao rompimento da barragem indicando problemas de ordem variada, relacionados não só à operação, mas também à manutenção e ao monitoramento das condições de estabilidade do maciço, que foram se adensando com o tempo. E não restam dúvidas de que essas informações eram de conhecimento da empresa, que, no entanto, não as valorizou e, com isso, assumiu o risco da possibilidade, real e palpável, de ruptura da barragem e de suas consequências.

Os mesmos autores argumentam ser necessário perguntar por que os sinais que surgiram ao longo da história da barragem não foram reconhecidos ou valorizados e tratados com a urgência necessária. E indagam:

[...] quais as causas das decisões organizacionais que levaram à não valorização dos sinais precursores do acidente e à consequente tomada de decisões que se revelaram equivocadas? Haveria espaço de autonomia dos gestores técnicos em decisões que poderiam afetar a rentabilidade da empresa?4

Responder a essas perguntas contribui para uma compreensão mais aprofundada das causas do rompimento e de seus determinantes. Possibilita ir além do apontamento dos responsáveis, identificando processos de trabalho, dinâmicas organizacionais e modelos de exploração econômica que concorrem para a produção de crimes como esse. Permite entender o modo de operar de empresas como a Vale S.A. e obter informações para a adoção de medidas preventivas à saúde e à segurança dos trabalhadores e das comunidades do entorno de seus empreendimentos, contribuindo para evitar novos acidentes, em uma perspectiva sócio-histórica desses rompimentos.

Tais reflexões nos levam a crer que as causas imediatas da ruptura da barragem – suas causas físicas –, amplamente abordadas pela CPI, e a desconsideração, por parte de dirigentes, funcionários e colaboradores da Vale S.A., das informações disponíveis que indicavam problemas na estrutura da barragem, são parte de uma complexa trama causal, envolvendo fatores relacionados à política minerária da empresa, ao marco normativo que regula a sua operação, ao sistema de fiscalização em curso e à dinâmica de controle social existente.

A elucidação de uma trama dessa complexidade exige um trabalho que vai além do realizado pela CPI, por mais qualificado que tenha sido. Afinal, tudo indica haver, por trás do que foi apurado, uma questão sistêmica subjacente, que é responsável por mais esse rompimento de barragem e que está intimamente relacionada ao modelo de exploração atual. Isso revela que a culpabilização dos responsáveis pela ruptura da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, é, sem dúvida, de extrema relevância, inclusive para atender aos anseios da sociedade e à manutenção da segurança jurídica; contudo, não é menos necessário aprofundar a reflexão sobre o complexo enredo que a causou. Catástrofes como as de Brumadinho e Mariana oferecem uma dolorosa, mas importante oportunidade para isso.

Notas

1 – O Relatório Final da CPI da Barragem de Brumadinho apresenta, no Anexo I, o detalhamento de suas atividades e disponibiliza o link de acesso a suas reuniões no portal eletrônico da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, onde se pode verificar, além da íntegra do vídeo dessas reuniões e uma versão compacta, sua finalidade, o resultado, as presenças e os desdobramentos, bem como notícias produzidas pela Casa sobre o evento. Já o Anexo II apresenta todos os encaminhamentos da CPI, na forma dos requerimentos por ela aprovados. 2 – O relatório contém, no Anexo IV, a relação das atividades das comissões permanentes da ALMG que abordaram o rompimento da barragem em Brumadinho, e os respectivos links de acesso a elas, onde estão disponíveis, além da íntegra do vídeo dessas reuniões e uma versão compacta, sua finalidade, o resultado, as presenças, os desdobramentos e as notícias produzidas pela Casa sobre cada um desses eventos. 3 – FARIA, Mário P. de; BOTELHO, Marcos R. Análise da causalidade do “acidente” de trabalho. In: PINHEIRO, Tarcísio Márcio Magalhães; POLIGNANO, Marcus Vinícius; GOULART, Eugênio Marcos Andrade; PROCÓPIO, José de Castro (orgs.). Mar de Lama da Samarco na Bacia do Rio Doce: em busca de respostas. Belo Horizonte: Instituto Guaicuy; 2019. p. 61. 4 – FARIA, Mário P. de; BOTELHO, Marcos R. Análise da causalidade do “acidente” de trabalho. In: PINHEIRO, Tarcísio Márcio Magalhães; POLIGNANO, Marcus Vinícius; GOULART, Eugênio Marcos Andrade; PROCÓPIO, José de Castro (orgs.). Mar de Lama da Samarco na Bacia do Rio Doce: em busca de respostas. Belo Horizonte: Instituto Guaicuy; 2019. p. 61.

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