Nº 21 · 2008 · ISSN 0870-7375 · ANUAL
ÍNDICE
Cabo Mondego
Pag. 11 Sismotectónica e Segurança Nuclear: O caso do Douro Internacional A. Ribeiro, F. Barriga, J Cabral
Monumento Natural
Pag. 17 A alteração hidrotermal como factor de diversificação de litótipos graníticos róseos com interesse ornamental - estudo de casos J. M. Fernandes, C. L. Gomes
Pag. 31 Colecções e exposições de geociências: velhas ferramentas para novos olhares J. Brandão
Pag. 41 Modelação conceptual em Hidrogeologia: um caso de estudo na região da Serra da Estrela J. Espinha Marques; J. M. Marques; J. M. Carvalho; J. Samper; P. M. Carreira; P. E. Fonseca, F. M. Santos, H. Chaminé; P. G. Almeida; R. M. Moura1; F. Sodré Borges1; A. Pinto de Jesus
Pag. 53 Os sedimentos da albufeira da Venda Nova (rio Rabagão) e a “erosão” das praias A. L. Costa, H. P. Granja
Pag. 67 Evolução recente do Ensino Secundário em Portugal e suas implicações nos currículos de Geologia: a perspectiva da Associação Portuguesa de Geólogos E. Bolacha, A. Mateus
Pag. 75 Novos currículos de Geologia no Ensino Secundário português: contributos da Associação Portuguesa de Geólogos E. Bolacha, A. Mateus
Sismotectónica e Segurança Nuclear Modelação conceptual em geologia Evolução recente do ensino secundário em Portugal
Pag. 87 Passeio Geologico de Lisboa a Leiria P. Choffat
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VAMOS METER OS GEÓLOGOS NA ORDEM? A Associação Portuguesa de Geólogos (APG) nasceu em 1976 numa época de profundas mudanças, em que todos os sonhos e todas as reivindicações pareciam possíveis. A sua criação espelhava então a urgência do reconhecimento social e político da profissão e, sobretudo, o anseio de a resgatar de décadas de subalternização na generalidade das carreiras do Estado e das empresas. Em causa estava uma velha aspiração dos geólogos portugueses: criar uma associação profissional capaz de exercer as funções de representação dos interesses dos seus membros, de auto-regulação e de participação na definição e na execução de políticas públicas de interesse geral. Os Estatutos da APG denotam claramente a intenção de criar uma associação profissional capaz de evoluir para a génese de uma futura Ordem. Nos anos que se seguiram, a comunidade profissional dos geólogos revelou-se porém demasiado frágil e incapaz de cumprir esse objectivo. Ao longo de três décadas de existência, a APG manteve uma actividade essencialmente virada para o ensino, à custa do interesse e da fidelidade de um grande número de professores licenciados em geologia. Sem o peso de outras actividades mais representativas da profissão, a APG revelou-se incapaz de mobilizar os geólogos como grupo profissional e sobretudo de atrair os geólogos mais jovens entretanto saídos das nossas escolas. Acreditamos que chegou o momento de alterar esta situação. Presentemente, somos alguns milhares e já não precisamos de fazer prova de vida. Estamos nas universidades, nos laboratórios do Estado e na administração pública e afirmámos há muito o valor da nossa presença nas empresas. Temos um perfil profissional distinto, caracterizado por uma formação superior universitária específica e pela singularidade das nossas competências profissionais. Simbolicamente, nos anos 60, com a teoria da Tectónica de Placas, antecipámos a globalização, mostrando a nossa vocação para lidar com a complexidade num mundo em rápida mutação, e sinal de que estamos bem preparados para enfrentar o futuro. Vamos portanto regressar ao futuro que idealizámos há trinta anos e lutar pela criação de uma Ordem dos Geólogos. Para tanto, é condição prévia que os geólogos assumam a sua identidade profissional, rompam com a longa tradição de fraco exercício de cidadania e venham participar activamente na construção da sua associação pública profissional. A mobilização dos geólogos portugueses como grupo profissional implica a realização de um inquérito nacional, visando saber quantos somos? quem somos? o que fazemos e onde? Este inquérito, que iremos lançar no início de 2009, será o ponto de partida de um Movimento Pró-Ordem dos Geólogos cuja legitimidade se baseará no apoio do maior número possível de geólogos, representativos de todo o país e da maioria das actividades profissionais da geologia. A empresa é difícil, mas há motivos de esperança. No passado dia 12 de Novembro, assisti na Assembleia da República à inauguração da exposição “As Ciências da Terra ao serviço dos cidadãos”, realizada no quadro da Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Após uma apresentação do Prof. António Marcos Galopim de Carvalho, e de uma curta intervenção do Embaixador Fernando Andresen Guimarães, Presidente da Comissão Nacional da UNESCO, encerrou a sessão o Dr. Jaime Gama, Presidente da Assembleia da República, que nos surpreendeu com um excelente improviso sobre o valor da Geologia revelando uma cultura científica e filosófica no domínio das Ciências da Terra, no mínimo inesperada, se tivermos em conta a proverbial distância da classe política relativamente a estas matérias. É claro que o Dr. Jaime Gama, além de um homem de elevada cultura, é um açoreano curioso, familiarizado desde a infância com as manifestações de uma Terra viva na vizinhança da dorsal do Atlântico. Não obstante, ouvir a segunda figura do Estado referir-se à Geologia de uma forma tão elevada e afectiva, não pode deixar de constituir para todos nós um momento de satisfação e um sinal de encorajamento.
António Gomes Coelho Presidente da APG
Cabo Mondego, Monumento Natural Data de 1994, e na sequência de Presidência Aberta sobre o Ambiente (Mário Soares), a entrega, no Instituto de Conservação da Natureza (ICN), de Relatório de Fundamentação Científica de apoio à classificação do Cabo Mondego como Monumento Natural, de acordo com a legislação em vigor (Dec. Lei nº 19/93 de 23 de Junho, que cria a Rede Nacional de Áreas Protegidas). Nele se defende o valor científico e pedagógico, de relevância internacional, da espessa série de sedimentos que afloram no sector ocidental da Serra da Boa Viagem e que representam, de forma singular, eventos determinantes para a história da Terra, no intervalo compreendido entre 180 e os 140 milhões de anos, isto é, o Jurássico Médio e Superior. O relatório apresentado incluía dezenas de pareceres de cientistas e instituições científicas nacionais e internacionais, atestando o valor científico do local, facto que vem a ser reforçado quando, em 1996, a IUGS (União Internacional de Ciências Geológicas) ali estabelece o estratotipo de limite (GSSP) do andar Bajociano (foto à esquerda). Mas o processo de classificação do Cabo Mondego não registou qualquer avanço durante os anos subsequentes, apesar de, em 2000 e por resolução do Conselho de Ministros, o Cabo Mondego ser inserido na Rede Natura 2000. Já em 2002, a Câmara Municipal da Figueira da Foz recebe o Projecto de Decreto Regulamentar relativo à classificação do Cabo Mondego, e o Executivo delibera a favor da sua aprovação. Em 2003, a sua Assembleia Municipal aprova por unanimidade, e como reforço da iniciativa anterior, a proposta de classificação do Cabo Mondego como Imóvel de Interesse Municipal. O ano de 2003 regista nova visita presidencial, desta feita protagonizada pelo Presidente Jorge Sampaio, trazendo novamente ao domínio público, a necessidade de preservar o património geológico ímpar do Cabo Mondego, caracterizado pela abundância e diversidade de fósseis de amonites no Jurássico Médio (flanco norte da Serra da Boa Viagem), fundamentais na calibragem das escalas do tempo geológico, e por um registo sedimentar que inclui uma grande variedade de estruturas sedimentares bem definidas, acompanhadas de associações diversificadas de fósseis típicos de diferentes paleoambientes (corais, equinodermes, bivalves, braquiópodes, gasterópodes, crinóides, restos vegetais) no Jurássico Superior (flanco norte da Serra da Boa Viagem). É justamente nesta posição estratigráfica (Oxfordiano) que, em 1884, foram reconhecidas várias pegadas de dinossaúrios terópodes, atribuídas a megalosaurídeos (foto à direita).
Fig. 1 – Localização do GSSP do andar Bajociano no Cabo Modego.
Fig. 2 – Registo de pegadas de dinossaúrios terópodes no Oxfordiano do Cabo Mondego.
Mais recentemente, em 2005, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português envia um requerimento ao Governo indagando sobre o processo de classificação do Cabo Mondego. Do Gabinete do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional a resposta é que o processo está em apreciação, e em 2006, a Comissão Parlamentar de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território realiza uma visita oficial ao Cabo Mondego. Por fim, o Governo aprova, em Conselho de Ministros de 6 de Junho de 2007, no âmbito das comemorações do Dia mundial do Ambiente, a Resolução que aprova o Decreto Regulamentar de criação do Monumento Natural do Cabo Mondego, cuja publicação em Diário da República, 1ª série – Nº191-, é publicada em 3 de Outubro de 2007 (Decreto Regulamentar nº 82/2007 do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional). Tal facto demonstra várias coisas. Demonstra que a Geologia e a aplicação dos fenómenos geológicos são ainda desconhecidos da maioria das pessoas. Demonstra que se o geólogo não se ergue para falar, outros grupos simplesmente avançarão para ocupar a nossa área de conhecimento, e conseguirão fazê-lo porque a sociedade não tem capacidade para distinguir os verdadeiros geólogos profissionais de pessoas com fracos conhecimentos de geologia. Demonstra que é nosso dever erguer a voz e informar a sociedade de modo a salvar vidas e dinheiro, e a promover um desenvolvimento sustentado da sociedade. Ninguém nos vai convidar, teremos de nos fazer convidados. O Geólogo tem o dever de se envolver muito mais no debate público, pois é da nossa responsabilidade partilhar com a sociedade o nosso conhecimento especializado em recursos naturais, registos climáticos, etc, e a não menos importante protecção civil e riscos naturais.
Maria Helena Henriques Departamento de Ciências da Terra
Faculdade de Ciências e Tecnologia Universidade de Coimbra hhenriq@ci.uc.pt
O Património Paleontológico da região de Barrancos Até há poucos anos, a vila de Barrancos era mais conhecida por desafiar as leis do estado com os “touros de morte”. Legalizada a “faena”, passou-se aos “prazeres da barriga”, com os enchidos e o presunto “pata negra”. Se, para o cidadão comum, estas são as referências que têm sobre Barrancos, para os científicos, particularmente os geólogos, esta região reune um património geológico, principalmente de carácter paleontológico, de elevado valor nacional e internacional. Este património começou a ser descoberto por Nery Delgado, que, na década de setenta do século XIX, iniciou mais de vinte anos de estudos, cujos resultados foram maioritariamente incorporados nas suas publicações “ Systéme Silurique du Portugal ” (1908) e “ Terrains Paléozoiques du Portugal, étude sur les fossiles des Schistes à Nereites de San Domingos et des Schistes à Nereites et à Graptolites de Barrancos ” (1910). Estes trabalhos constituem ainda hoje um marco de fundamental importância no conhecimento geológico do País, tendo, naquela altura, assumido grande relevo a nível internacional, em particular os seus estudos paleontológicos, incluindo os icnofósseis, de que foi um dos pioneiros a nível mundial. As investigações de Nery Delgado conduziram à elaboração da 1ª carta geológica (Figura 1) e da 1ª sequência estratigráfica para a região de Barrancos, que incluía terrenos desde o Câmbrico Médio-Superior? ao Devónico Inferior. Dos dados paleontológicos por ele determinados, destacam-se os icnofósseis da Formação dos Xistos com Phyllodocites do Ordovícico Inferior, que uma revisão recente estima em cerca de 22 formas diferentes, e os graptólitos do Ordovícico e do Silúrico, de que se conhecem actualmente, deste último período, quase uma centena de espécies.
Geologia da região de Barrancos, segundo Nery Delgado (1908)
Até à década de oitenta do século passado, a investigação geológica foi mais reduzida na região, mas ainda assim proporcionou avanços, entre outros, no conhecimento do período Devónico, com base principalmente em faunas de trilobites e braquiópodes. Um novo e determinante avanço na investigação geológica de Barrancos seguiu-se à publicação, em 1982, da Carta Geológica de Barrancos, à escala 1: 50 000, com o desenvolvimento de vários estudos de natureza estratigráfica e paleontológica, de que resultam resultados importantes nos domínios da bioestratigrafia dos graptólitos, crinóides, acritarcas e esporos e da estratigrafia regional. As unidades estratigráficas do Paleozóico inferior de Barrancos passam a ser utilizadas como referência a nível regional, inclusivamente em Espanha, para cujo território se prolongam, sendo de destacar as relativas ao Sistema Silúrico, que foram precisadas em termos do conhecimento litológico e paleontológico, neste caso, com base na identificação de 19 biozonas de graptólitos. O rico património geológico de Barrancos veio despertar o interesse de cientistas nacionais e estrangeiros, sendo várias as visitas programadas, muitas delas inseridas em reuniões de âmbito nacional, como o XXIV Curso de Actualização de Profs. de Geociências (2004) e o VII Congresso Nacional de Geologia, e internacional, como o “Field Meeting” da Subcomissão Internacional de Estratigrafia do Silúrico (1998) e o “CIMP Lisbon 2007”, das Subcomissões Internacionais de Esporos/Pólens e Acritarcas. Também a Câmara Municipal de Barrancos reconheceu o valor deste património, ao classificar a sequência do Silúrico, situada ao km 102.15 da EN 258 (Figura 2), como “sítio natural de valor cultural e científico, de interesse municipal” (edital 14/98 de 6 de Julho de 1998) e ao editar, em 2001, o livro “Breves apontamentos sobre a geologia da região de Barrancos”, como I volume da colecção Catálogo do Museu de Barrancos. Em 2007, o recém criado Parque de Natureza de Noudar, entidade público-privada ligada à EDIA/ Empresa de Desenvolvimento Integrado do Alqueva, passou a integrar os principais “sítios geológicos” da sua área, nas visitas guiadas aos roteiros pedestres do parque.
José Manuel Piçarra d´Almeida Departamento de Geologia Laboratório Nacional de Energia e Geologia (Beja)
Sequência do Silúrico, com protecção de âmbito municipal.
A INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO NATURTEJO NA EUROPEAN AND GLOBAL GEOPARKS NETWORK ASSISTIDA PELA UNESCO Em 2004, a Associação de Municípios Natureza e Tejo, composta pelos concelhos de Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Nisa, Oleiros, Proença-a-Nova e Vila Velha de Ródão, criou a Naturtejo. Esta empresa de capitais maioritariamente públicos foi pensada para promover turisticamente, quer em Portugal, quer além fronteiras, uma região que corresponde em área a cerca de 5% do território nacional. Um território dominado pelo sector agrícola em generalizada decadência, onde os serviços se concentram nas sedes concelhias e na única cidade de média dimensão, Castelo Branco; onde as aldeias estão em perda acelerada de população nestes que são alguns dos mais envelhecidos concelhos de Portugal. Um passado remoto de fronteira legou séculos de abandono das terras, contribuindo para uma paisagem dominada pela ausência de povoados. Mas este deserto de gentes teve como efeito positivo a preservação da Natureza num estado ainda primitivo, reminiscente do ordenamento territorial Romano. No final da década de 90, é criado o Parque Natural do Tejo Internacional, considerado um santuário de avifauna dos mais importantes da Europa. O concelho de Nisa apresenta mais de 50% da sua área classificada como Sítio Rede Natura, que também o é a Serra da Gardunha no concelho de Castelo Branco. Apesar das valências naturais e culturais conhecidas, o território da Naturtejo nunca teve uma política de desenvolvimento turístico consistente. Se o concelho de Idanha-a-Nova tinha alguma experiência e atraía visitantes pela existência do complexo termal de Monfortinho, pela certificação nacionalista de Monsanto como “a aldeia mais Portuguesa” no tempo de António Ferro e pelas reservas de caça “grossa” criadas por grandes grupos económicos, se a cidade de Castelo Branco consistia per si no pólo turístico isolado esperável da metrópole capital de distrito, ainda que sem grandes atributos, já a região do Pinhal Interior (Oleiros e Proença-a-Nova) só hoje procura acordar para a realidade dos mercados turísticos. Assim se explica o atraso do território da Naturtejo face ao desenvolvimento turístico: concelhos de fronteira, fronteira nacional, fronteiras distritais, fronteiras culturais, fronteiras de interesses políticos; concelhos dominados pelo latifúndio em regiões de solos pobres, ou por monoculturas florestais; óptimas acessibilidades numa região de passagem entre o litoral e as florescentes cidades da Covilhã e do Fundão ou Espanha; desertificação galopante, de gentes e dos solos tragados por uma ocupação agrícola caótica e pelos fogos dos últimos anos; um envelhecimento rápido das populações e perda da capacidade produtiva; ausência de dimensão económica, social e, consequentemente, política; e, sobretudo, a falta de estratégia e de cultura turísticas. A experiência turística de Idanha-a-Nova ditou que partisse deste município a grande aposta na concretização de um Geoparque como projecto-âncora no desenvolvimento turístico de todo o território. A Geologia seria o elemento uniformizador do território, enquanto detentora do conhecimento para explicar a dinâmica de evolução da paisagem e as interacções histórico-culturais do Homem com o meio. Em Julho de 2003, ainda antes da criação da Naturtejo, é realizado um seminário em Penha Garcia com o objectivo de compreender o Património Geológico local. O workshop “Fósseis de Penha Garcia: que classificação” juntou geólogos de diversas instituições portuguesas e espanholas e foi aqui que se deu primeiro passo para o desenvolvimento do primeiro Geoparque português, que viria a revolucionar as estratégias turísticas já existentes para a região, assentes na Arqueologia, no património construído e na Etnografia, como é habitual no interior do país. O Prof. José Brilha e a Prof. Graziela Sarmiento lançam no debate o conceito novo de Geoparque como forma de dinamizar a região de Penha Garcia. De facto, o conceito de Geoparque surgiu em 2000 com a criação da European Geoparks Network, contando então com quatro geoparques de França, Grécia, Alemanha e Espanha. Este conceito implicava a aplicação do Património Geológico numa óptica de desenvolvimento sustentável assente, regra geral, no Turismo. Em 2004, a marca EGN vê-se reforçada enormemente pelo apoio da UNESCO e é criada a Global Geoparks Network, com sede na China (Beijing). O movimento era então, como o é ainda hoje, novo, inovador e em crescimento entusiasmado. O conceito de Geoparque tinha fortes implicações políticas como estratégia de desenvolvimento e não podia ficar reduzido a Penha Garcia, até porque um Geoparque implica necessariamente um território com dimensão suficiente para criar sinergias económicas. O projecto de criar um Geoparque num território com 4617km2, mas com menos de 95000 habitantes, governado por 3 cores políticas, seria muito arriscado, mas era uma intenção inteiramente política, ainda que com o apoio da comunidade geológica. De facto, às heterogeneidades geopolíticas e um arreigado bairrismo entre aldeias medievais, assumido por séculos de autonomia municipal espartilhada no séc. XIX pelas reformas administrativas de Passos Manuel, somava-se a desordem urbanística e ambiental de alguns aglomerados e espaços que os PDM’s não conseguiram controlar. Mas a tendência governativa nacional em breve mudaria entrando em fase com os municípios que se impunham neste projecto. Castelo Branco tinha a dimensão da capital distrital e o peso político requerido, mas a dinâmica das pessoas e ideias advinha de Idanha-a-Nova. E era aí, no Centro Cultural Raiano, o último castelo da raia e ponte transfronteiriça de culturas, que o conceito de Geoparque germinava e se ia impondo à medida que o inventário do Património Geológico se realizava.
E foi pela inventariação que se iniciou o trabalho. Durante largos meses, o trabalho de campo permitiu compreender o território, os seus pontos fortes e as suas fraquezas, e indicou os principais 16 geossítios identificados nos seis municípios que seriam a base de trabalho. Os inventários continuam nos dias de hoje, agora uniformizados pelos critérios da ProGEO-Portugal, havendo levantamentos de pormenor do património geológico para os municípios de Proença-a-Nova, Oleiros e Nisa, assim como dos recursos turísticos, georreferenciados, para Nisa e Proença-a-Nova. Ainda em 2004 surgem as primeiras propostas de classificação de Património Geológico. O trabalho iniciado é apreciado pela ProGEO-Portugal, que entrega o 1º Prémio Geoconservação a Idanha-a-Nova. Das propostas concluídas, resultou a classificação do Conjunto de Penha Garcia (Idanha-a-Nova) e as morfologias graníticas da Serra da Gardunha (Castelo Branco) como de Interesse Municipal. Num processo patrocinado pelos municípios de Nisa e Vila Velha de Ródão, a Associação de Estudos do Alto Tejo coordenou exemplarmente a proposta de classificação das Portas do Ródão como Monumento Natural efectuada ao ICNB. Após tantos anos de lutas por parte da comunidade geológica, foi preciso a vontade política e a classificação internacional deste território para que as Portas do Ródão tivessem o parecer favorável da parte do Instituto de Conservação da Natureza. Mais um exemplo demonstrativo que, ao longo de todo o processo de construção de um Geoparque, as decisões são irrefutavelmente políticas, cabendo ao geólogo o necessário posicionamento estratégico junto dos decisores e o papel de conselheiro na tomada destas. Um Geoparque, regional, nacional ou da UNESCO é, fundamentalmente, uma vontade política e/ou social que pode ser apenas iniciada, fundamentada e fomentada pelo geólogo. A Geologia foi mantida por demasiados anos longe da sociedade. Os seus conceitos e terminologia são estranhos aos portugueses, pese embora as reformas no ensino das geociências desenvolvidas a partir da década de 90. A Geologia e os geólogos estão muito longe da importância e do interesse demonstrados pelos arqueólogos e antropólogos (etnógrafos) e seus trabalhos, sobretudo em regiões que herdaram uma cultura de folclorização nacionalista dos tempos do Estado Novo, ainda hoje preponderante e verificado pelo número de arqueólogos e etnógrafos amadores. Desde logo, todas as iniciativas desenvolvidas no âmbito do projecto Geoparque foram amplamente promovidas nos meios de comunicação locais a nacionais. A Geologia, os seus protagonistas e actividades desenvolvidas são ainda hoje figuras mediáticas e focos de curiosidade que aparecem quase semanalmente nos jornais regionais. Para tal, é de importância fulcral a utilização proveitosa da interdependência existente entre as autarquias e os periódicos locais, das quais estes subsistem em larga medida. O geólogo passou a fazer parte da sociedade local, participando em percursos pedestres, desenvolvendo palestras, atendendo aos mais diversos convites para cooperação com as instituições locais. Inicialmente visto com desconfiança, o cientista que passa o seu tempo fora de quatro paredes em regiões remotas e que regressa com um discurso hermético de gíria incompreensível, tem que iniciar um processo de aculturação e descodificação do discurso. O geólogo passa a fazer parte da sociedade local e interage directamente com as pessoas. É o cientista que divulga as suas descobertas no terreno e o guia turístico que ajuda a compreender a paisagem. O geólogo tem de se tornar o cidadão dialogante e participante dos eventos sociais. Este é talvez um dos passos mais importantes na concretização de um Geoparque. Mas a dinâmica científica não pode ser descurada e exige-se ao geólogo geoconservacionista que se interdiscipline. Ao longo dos últimos três anos publicaram-se diversos artigos nas áreas do Património Geológico e Mineiro, Paleontologia e Geomorfologia, seja em publicações da especialidade ou em congressos, nacionais e internacionais. Vários artigos foram escritos para as agendas culturais municipais, revistas culturais regionais e um livro “Geopark Naturtejo – 600 milhões de anos em imagens” (com a 1ª edição agora esgotada e a 2ª edição revista e melhorada em vista) procuraram trazer as dimensões das geociências ao grande público, através de um texto tendencialmente simples e de muita fotografia. Afinal, o objecto de estudo do geólogo pode despoletar sentimentos profundos a qualquer leigo. Em Julho de 2006, apenas oito meses após a entrega da candidatura, o Geopark Naturtejo era integrado na rede da UNESCO por unanimidade, sendo mesmo considerada esta como um marco de transição dos processos de integração de geoparques, pela sua qualidade e inovação apresentadas. A oficialização do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional – UNESCO European and Global Geopark deu-se a 21 de Setembro, em Belfast, no 2nd International Conference on Geoparks, com a comparência de representantes da Comissão Nacional da UNESCO e da ProGEO-Portugal. Mas o trabalho de conhecimento e reconhecimento do património geológico do Geopark Naturtejo apenas agora começou realmente. A integração do Geopark na European and Global Geoparks Network marcou apenas um ponto de viragem na internacionalização do destino e no estabelecimento de uma marca com o prestígio da UNESCO. Neste momento, preparam-se projectos de cooperação com os geoparques de Lesvos (Grécia) e de Espanha, entre os quais o desenvolvimento de uma exposição interactiva itinerante sobre o Geopark Naturtejo, que inaugurou em Lesvos no passado dia 2 de Junho e que contou com 35000 visitantes em apenas 4 meses. A Semana Europeia de Geoparques, que decorreu entre 26 de Maio e 9 de Junho, foi comemorada através de um diversificado conjunto de eventos que se desenvolveram simultaneamente no Geopark Naturtejo, nos geoparques de Sobrarbe e Maestrazgo (Espanha) e em Lesvos (Grécia), que dignificaram a Geologia e o empreendorismo portugueses. Um dos aspectos mais importantes desta Semana dedicada à Geologia foi a aproximação dos geoparques ibéricos em busca de estratégias consistentes de parceria, em jornadas de apresentação/discussão públicas que decorreram nos dois geoparques aragoneses e no Geopark Naturtejo.
Como exemplo das boas estratégias de desenvolvimento assentes no geoturismo, Penha Garcia recebeu 9000 visitantes no ano de 2006, mais 40,5% que no ano anterior, prevendo-se um forte incremento no número de visitantes estrangeiros, particularmente espanhóis. Neste momento, através de um projecto de mestrado promovido por uma aluna da Universidade do Minho, requalificase a Rota dos Fósseis ajustando-a aos conteúdos programáticos da disciplina de ciências e procuram-se modelos pedagógicos de interpretação geológica e paleontológica para o público em geral. Deste trabalho resultou um conjunto de Programas Educativos que foram enviados às escolas, com propostas adicionais e aliciantes para as escolas do Geopark, e que podem ser consultados em www.geoparknaturtejo.com. A Escola da Natureza no Parque Icnológico de Penha Garcia está a ser animada diariamente através da instalação de uma nova empresa de animação turística em Penha Garcia. O Centro Ciência Viva dedicado à Floresta é já uma realidade em Proença-a-Nova, constituindo-se num dos mais importantes projectos museológicos do Geopark Naturtejo na temática de interpretação da Natureza. Não restam dúvidas que o desenvolvimento do Geopark Naturtejo, integrado nas redes europeia e global de geoparques assistidas pela UNESCO, veio agitar culturalmente um território nem sempre devidamente lembrado pelo seu posicionamento fronteiriço e com uma dinâmica arrítmica assente no trabalho de apenas alguns. A marca da UNESCO trouxe o prestígio e a centralidade face a destinos turísticos envolventes na Península Ibérica, abrindo caminho para uma oportunidade de ouro de desenvolvimento turístico que se quer sustentado em práticas conciliadoras do Homem com o ambiente. Foi por esta razão que o Geopark Naturtejo assinou recentemente um protocolo de boas práticas com o ICNB. O momento é de oportunidade de negócios e de crescimento da aceitação da estratégia estabelecida por parte das populações locais. Mas existe a consciência que quase tudo está por fazer no que diz respeito à interpretação e usufruto dos geomonumentos identificados, por exemplo. Não obstante todos os projectos existentes para centros interpretativos, espaços museológicos, percursos temáticos, produtos pedagógicos e eventos, é talvez o projecto de sinalética aquele que merece aqui referência, dado que estará implementado no terreno até Março de 2008. A comunicação é imperativa para diferenciação de uma marca e a sinalética física e digital trarão finalmente o território Geopark à vista e à memória de todos aqueles que o atravessem e visitem. O Prémio Geoconservação 2007 entregue pela Pro-GEO Portugal e pela National Geographic-Portugal à Associação de Municípios Natureza e Tejo foi uma importante forma de incentivo para esta região, desta feita não somente para os políticos, mas para chamar a atenção dos cientistas portugueses e seus projectos. Pois que só através de um estudo exaustivo e continuado ao nível das várias ciências naturais e humanas se poderá sustentar a dinâmica do Geopark e criar novos produtos de divulgação do património que sirvam de modelo no mundo, sempre com a consistência e interesse esperados de um Geoparque Global sob os auspícios da UNESCO. C. Neto de Carvalho Geopark Naturtejo da Meseta Meridional – UNESCO European and Global Geopark. Gabinete de Geologia e de Paleontologia do Centro Cultural Raiano. Av. Joaquim Morão 6060-101 Idanha-a-Nova E-mail: carlos.praedichnia@gmail.com.
Figura 1. Kayak temático no monumento natural das Portas do Ródão, em fase de conclusão do seu processo de classificação.
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
GEONOVAS nº 21, pp. 11 a 14, 2008
Sismotectónica e Segurança Nuclear: O caso do Douro Internacional António Ribeiro (1,2,3) Fernando J.A.S. Barriga (1,2,4) João Cabral (1,3) 1
Geofcul; 2 MNHN UL ; 3 Lattex, IDL (FCUL); 4 Creminer (FCUL) e LA-ISR f.barriga@gmail.com
Nota da Comissão Editorial: Este texto foi enviado à comunicação social, expressando a opinião dos autores relativamente ao tema nele discutido, nem sempre pacífico, quer sobre o uso do território nacional como local de depósito de materiais radioactivos quer, mesmo, o recurso à radioactividade como fonte de energia. Embora o formato deste artigo não seja usual na Geonovas, entendemos importante publicá-lo, sob a forma original, por razões de conteúdo e de oportunidade. Palavras-chave: Sismotectónica, Douro Internacional, Energia radioactiva, Central Nuclear, Resíduos de Alta Radioactividade, Locais de Armazenamento de Resíduos, Segurança Nuclear, Gestão Ambiental . Short note by the editorial Board: the following text, distributed to Portuguese media, expresses its authors ideas on the controversial use of land for storing high radioactivity (residuals), as well the use of radioactive elements as energy source. Althout it does not correspond to the usual Geonovas paper, it is an important contribution to the need of an open-minded public debate about nuclear. Key words: Sismotectonic, International Douro river, Radioactive Energy, Nuclear Plant, High Radioactive Nuclear Waste, Nuclear Disposal Plants, Nuclear Safety, Environmental Management
Recebido e aceite: Julho 2007.
Introdução
Sismotectónica da Ibéria
A região do Douro Internacional e domínios limítrofes é considerada desde os anos 80 como zona potencial para localização de uma central nuclear, nomeadamente em Zayago (Zamora, Espanha); foi também alvo de projectos relativos a outras instalações nucleares, tais como uma instalação piloto para armazenamento terminal de resíduos radioactivos de alta actividade em Aldeadávila (Zamora, Espanha) e, eventualmente, de uma futura central nuclear em Portugal.
Os traços gerais da sismotectónica da Ibéria são hoje conhecidos na generalidade graças a dois factores: em primeiro lugar ao esforço de equipas de geocientistas de várias nacionalidades que sobre este tema se têm debruçado nos últimos vinte anos; em segundo lugar aos progressos dos métodos em sismologia, geodesia, paleo-sismologia e neotectónica, no mesmo período.
No presente artigo abordaremos alguns critérios do domínio das geociências altamente relevantes neste contexto, nomeadamente a sismotectónica desta região e as suas implicações do ponto de vista de segurança nuclear das instalações existentes ou projectadas.
A Ibéria situa-se imediatamente a norte da fronteira entre as placas Euroásiática e Africana (Núbia) que se estende dos Açores ao domínio do Estreito de Gibraltar, com direcção grosso modo E-W; a sismicidade instrumental é moderada, mas existem sismos históricos de magnitude elevada, superior a 8,5, como o de 1/11/1755, que gerou também um tsunami altamente destrutivo no SW da Ibéria e NW de Marrocos. Verifica-se que a microplaca Ibérica possui um núcleo com sismicidade muito baixa rodeado por margens com maior actividade sísmica: a sul, na fronteira Ibéria-África, mas também a W, na margem
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António Ribeiro e outros
Oeste-Ibérica, a norte, na margem Pirenaico-Cantábrica e a este, na margem Este-Ibérica. Estes factos são interpretados como indicando a individualização da Placa Ibérica, rodando em sentido horário entre a África e Eurásia; tal sucede por analogia com um rolamento de esferas que diminui o atrito entre duas superfícies, correspondentes a fronteiras de placa, movendo-se a velocidades relativas diferentes, maior para a Eurásia do que para a África, considerando a Placa América do Norte fixa. Assim no SW da Ibéria e na margem NW de Marrocos o Atlântico estará já em regime de subducção sob a Placa Ibérica e Africana, tendo iniciado o seu inevitável caminho para o fecho. É previsível que a sismicidade migrará das margens da Ibéria para o seu interior, à medida que essas margens são reactivadas tectonicamente por efeito da referida rotação da microplaca Ibérica. As implicações para a sismotectónica da região do Douro Internacional são inescapáveis. Esta região encontra-se no limite entre o núcleo estável da Ibéria interior e a sua margem deformada a W. Assim, existe evidência neotectónica e paleo-sismológica para que a Falha de Vilariça possa gerar sismos de magnitude 7 a 7,5 com períodos de retorno de 5.000 a 10.000 anos, segundo os estudos de J. Cabral (1995) e T. Rockwell (comunicação pessoal, 2006) por se situar na fronteira do referido bordo deformado; por contraste, mais para E não há evidência para paleosismicidade de magnitude comparável e a sismicidade instrumental é baixa e, frequentemente, do tipo enxame (regiões de Lugo e Zamora). Estes factos sugerem migração de actividade sismotectónica de Oeste para Este, isto é, do território português para o território espanhol, cruzando o Douro Internacional. As taxas de actividade das falhas activas sugerem que esta migração se processa lentamente à escala temporal humana (<100 anos) mas de modo apreciável à escala geológica (>10.000 a 100.000 anos). A perigosidade sísmica aumentará previsivelmente, de modo atenuado a considerável, consoante a escala de tempo envolvida; a incerteza que afectará essa estimação será cada vez mais ampla; de facto não dominamos os critérios que controlarão a reactivação de falhas “adormecidas” ou a geração de falhas “neoformadas”. Estamos agora em condições de analisar as implicações deste regime sismotectónico na segurança nuclear do Douro Internacional.
Sismicidade e Segurança Nuclear Nas centrais nucleares ocorreram acidentes técnicos, de gravidade muito variável, mas não se deram, até ao momento, acidentes induzidos por sismos ou, por outras palavras, os riscos naturais de origem sísmica não induziram riscos tecnológicos. Isto sucede porque há regras de segurança emanadas das agências internacionais, como a AIEA, que têm sido seguidas pelas diferentes autoridades nacionais responsáveis pela segurança nuclear. Assim, a selecção de sítio e o projecto anti-sísmico das centrais nucleares exige: em primeiro lugar que estas não possam ser instaladas onde seja expectável a rotura superficial em falha activa durante algum evento sísmico de magnitude moderada a forte; exige também que a aceleração devida a vibração sísmica seja inferior a determinado valor estimado no projecto do central; para uma central com duração prevista de cinquenta anos essa vibração não deve ocorrer no local da central com um período de retorno inferior a cerca de 500.000 anos (isto é, a possibilidade de excedência é inferior a 10-5). Assim, o projecto de localização de uma central nuclear em Ferrel foi abandonado nos anos noventa, pois o Gabinete de Protecção e Segurança Nuclear (GPSN) exigiu, e bem, a aplicação das regras de segurança anti-sísmica recomendadas pelas agências internacionais. Os estudos de paleo-sismologia efectuados por J. Cabral e A. Ribeiro para o GPSN evidenciaram a ocorrência provável de rotura em sedimentos com menos de 100.000 anos na falha activa de Ferrel, demonstrando a capacidade de ruptura superficial durante sismos de magnitude superior a 6,5, o que corresponde a uma situação excedendo os critérios de segurança atrás referidos. O progresso nas técnicas de sismologia e paleo-sismologia demonstraram também que as localizações de muitas centrais em países de sismicidade baixa a moderada conduziram à necessidade de rever os projectos anti-sísmicos dessas centrais; estes foram executados há duas ou três décadas mas não obedecem hoje ao critérios cada vez mais exigentes decorrentes de revisões em alta das perigosidades sísmicas nos domínios onde se situam algumas dessas centrais. É de salientar a preocupação generalizada das entidades reguladoras nucleares na observação estrita das regras de segurança anti-sísmica, o que explica a ausência de acidentes de origem sísmica que referimos antes.
Sismotectónica e Segurança Nuclear
No final dos anos oitenta foi lançado um projecto de instalação piloto para armazenamento terminal de resíduos radioactivos de alta actividade (ATRRAA) no sítio de Aldeadávila (Zamora, Espanha). A selecção deste sítio foi criticada por alguns especialistas, entre os quais nos encontrámos, principalmente por duas ordens de razões: umas ligadas à elevada permeabilidade dos granitos que albergariam a instalação piloto; outras relacionadas com a sismotectónica do Domínio do Douro Internacional onde Aldeadávila se situa, como expomos em seguida. No armazenamento de resíduos radioactivos de alto nível deve garantir-se o isolamento do repositório para períodos da ordem de 50.000 a 500.000 anos, em função da longa vida de alguns dos isótopos contidos nesses resíduos e do seu decaimento para níveis susceptíveis de não causar danos às populações e ao ambiente nos sítios seleccionados. Compreende-se que os critérios de estabilidade sismotectónica destas instalação sejam muito mais exigentes que os das próprias centrais nucleares, porque os 50 anos de vida destas corresponderão aos 50.000 a 500.000 do necessário isolamento no caso da instalação para ATRRAA. Para garantir o mesmo nível de risco há que diminuir 1.000 a 100.000 vezes a probabilidade de ocorrência do evento sísmico capaz de induzir um acidente tecnológico. Do que expusemos atrás sobre a sismotectónica do Douro Internacional no contexto da Ibéria conclui-se facilmente que estes níveis de segurança não poderiam ser garantidos no caso do ATRRAA em Aldeadávila.
futuros no campo da nossa especialidade e no âmbito do território português. Estratégias de Investigação para o futuro Como geocientistas portugueses devemos propor uma estratégia de desenvolvimento de conhecimento básico do território nacional que nos aproxime do nível conseguido pelos colegas espanhóis no seu território. É o único caminho para garantir a segurança dos nossos concidadãos, embora exija meios humanos e materiais à altura dos fins que pretendemos atingir, e que têm faltado até este momento. Devemos contribuir para a resolução dos problemas ambientais e energéticos do País através da nossa acção específica em múltiplas frentes, desde a pesquisa de recursos energéticos de todos os tipos (incluindo recursos de minerais de lítio para a tecnologia da fusão nuclear) à minimização dos impactos ambientais decorrentes do uso de combustíveis fósseis através da sequestração do CO2 em armadilhas geológicas, para citar apenas dois exemplos prioritários entre muitos possíveis. Devemos colaborar com os físicos e engenheiros na perspectivação a longo prazo do problema da localização das instalações de fusão nuclear, que, como se viu a propósito do protótipo ITER, também levantam problemas de estabilidade sismotectónica.
Teremos que continuar a procurar uma solução definitiva para o problema do ATRRAA, já que é unanimemente reconhecido que a solução, à escala das Sabemos hoje que a ENRESA, responsável pelo pro- centenas de milhares de anos, terá que ser uma forjecto de Aldeadávila, lançou estudos para selecção mação geológica adequada. Deveremos colaborar de sítios alternativos ao de Aldeadávila; alguns des- com os físicos e engenheiros nos problemas tecnoses estudos são de excelente qualidade em matéria lógicos que inevitavelmente surgirão. Não podemos de geociências e contribuíram para um progresso deixar este problema para as gerações futuras, equidecisivo do conhecimento do território espanhol librando as vantagens e inconvenientes da aplicação deste ponto de vista. Julgamos saber que a ENRESA da cisão nuclear entre as diferentes gerações e dimioptou por manter os resíduos radioactivos arma- nuindo incessantemente os riscos da aplicação desta zenados em instalações de superfície apropriadas tecnologia, isto porque os resíduos existentes já são e continuamente monitorizadas; esta solução será um problema crucial. Adivinha-se que o esgotamenseguida até que seja encontrada uma solução de ar- to dos hidrocarbonetos fósseis baratos e acessíveis mazenamento subterrâneo em formação geológica terá lugar antes da solução dos problemas teóricos e adequada para este fim; tal solução deverá resultar técnicos no aproveitamento da fusão nuclear. Como de um esforço de cooperação científica e tecnoló- vamos preencher este gap?. Resolvendo o problema gica internacional, à escala da Europa ou mesmo à principal no aproveitamento da cisão nuclear, justaescala mundial. Pensamos que devemos aproveitar mente o ATRRAA? Desenvolvendo as alternativas das a “moratória” sobre ATRRAA na Ibéria para deixar al- energias renováveis e ambientalmente adaptáveis? gumas sugestões para uma estratégia de trabalhos Ou actuando em todas estas frentes simultaneamen-
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António Ribeiro e outros
te? Caberá a cada um assumir as suas responsabilidades porque, como cidadãos, devemos intervir no debate cívico que qualquer opção que defendermos terá inevitavelmente no tipo de sociedade, mais justa e segura para todos, que queiramos construir no futuro. Agradecemos ao colega Andrés Pérez-Estaún (CSIC - Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Barcelona) o permanente diálogo, nos últimos anos, sobre a temática deste artigo. Lisboa, Novembro de 2006
ADENDA (Julho de 2007) Após a redacção do texto acima (Novembro de 2006) ocorreu, pela primeira vez, tanto quanto nos é dado conhecer, um acidente tecnológico induzido por um sismo numa central nuclear, a de Kashiwasaki-Karima, na região de Niigata (Japão). O sismo ocorreu a 16 de Julho de 2007 às 1:13:22 (UTC) com magnitude 6.6 a 65 km a SW de Niigata (Honshu) e hipocentro a 10 km de profundidade (fonte: USGS). Embora o problema continue ainda em fase de avaliação, sabe-se já que o sismo provocou um incêndio e libertação de água com material radioactivo na CN e danos em contentores com resíduos radioactivos. Demonstra-se assim a necessidade de elevar o grau de segurança anti-sísmica de centrais nucleares e instalações anexas.
GEONOVAS nº 21, pp. 17 a 29, 2008
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
Alterações hidrotermais como factores de diversificação de litótipos graníticos róseos com interesse ornamental – estudo petrográfico de alguns casos e aplicações. Fernandes, J. M.; Gomes, C. L. Centro de Investigação Geológica, Ordenamento e Valorização de Recursos, Universidade do Minho, Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal; jmartafernandes@gmail.com Resumo. Estudaram-se petrograficamente termos litológicos diversificados de granitos róseos com potencial aplicação ornamental. Procura-se compreender o papel dos fenónemos de evolução hidrotermal na diversificação e aquisição de singularidade materialográfica e apetência industrial para algumas destas fácies situadas em maciços produtivos do Norte de Portugal. Foram determinadas as composições modais dos vários litótipos e foram discriminados do ponto de vista petrográfico – mineralógico e textural - os processos indutores das tendências evolutivas que eles manifestam. Deduziu-se que alguns fenómenos de alteração deutérica têm expressão petrológica e são responsáveis pela diferenciação cromática dos tons róseos observados e também responsáveis pela variação de alguns parâmetros físico-mecânicos. A difractometria de Rx permitiu a atribuição de valores da triclinicidade e ordenamento à fase potássica do feldspato, verificando-se uma correlação dos altos valores do parâmetro triclinicidade com a mais alta intensidade dos fenómenos de enrubescimento – principais responsáveis pela variabilidade da cor. Assim identificam-se e distinguem-se dois processos essenciais de cromatização, controlados ou não por fracturas – expressos de forma distinta nos granitos de Calde e Covide – e um processo de episienitização – expresso no granito do Gerês. Palavras-chave: Alteração hidrotermal, granito, litótipo róseo, petrografia, rocha ornamental.
Abstract. Hydrothermal alteration as a diversification factor for rose granites lithotypes with ornamental interest – a petrographical study and application of some cases. Diversified rose granites with potential ornamental application were petrographically studied trying to understand the role of hydrothermal evolution on the diversification of materialographic singularity and industrial appetence of some facies from productive massifs in northern Portugal. Modal compositions of various lithotypes were determined and discriminated from a petrographic point of view - mineralogical and textural – revealing some genetic processes responsible for the observed evolutive trends. Deuterical alteration has a petrological expression and is responsible for the chromatic differentiation of observed rose shades and also for some variation of physical and mechanical parameters. The X-ray determination of triclinicity for potash feldspar shows a correlation of high values of triclinicity with the highest intensity of the so called “reddening” phenomenon - mainly responsible for the colour variability. It was possible to discriminate two essential processes of chromatization, controlled by fractures represented in different ways in Calde and Covide granites and one process of episyenitization expressed in the granite of Gerês. Key-words: Hydrothermal alteration, rose granites, petrography, ornamental rock. Recebido: Setembro, 2007; Aceite: Outubro, 2007.
Introdução A singularidade decorativa de algumas rochas orna- As características estéticas são factores subjectimentais é cada vez mais valorizada para usos peculia- vos mas essenciais para a valorização de produtos pétreos, a qual está sujeita a flutuações de procura res e suplanta em importância económica o conceito impostas pela moda ou pelas tendências arquitectóde homogeneidade materialográfica que continua a nicas (Moura, 2000; Martins, 2004). Neste contexto, ser determinante da preferência para aplicações in- a peculiaridade de alguns blocos ou lotes de blocos, dustriais e arquitectónicas mais correntes. relativamente a um padrão ornamental mais corren-
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Marta Fernandes e Leal Gomes
te, pode originar uma valorização acrescida em casos foram pouco modificadas pela evolução secundária, especiais de utilização determinados por imposições deutérica a supergénica. artísticas ou estéticas. Surgem assim nichos de mercado que, sendo altamente selectivos e operando com baixas quantidades, podem caracterizar-se por altos valores unitários dos produtos. A singularidade litotípica aqui em apreço é, por hipótese, induzida por processos de fraccionação peculiar ou alteração sobreposta que diversificam um padrão litológico corrente. Gomes (1995), num programa de caracterização de potencialidades em produtos pétreos graníticos, nota que a diversidade dos produtos potenciais que se obtêm a partir de uma mesma litofácies pode resultar da intervenção de diferentes fenómenos, isolados ou combinados, de “hidrotermalização” versus meteorização os quais modificam a base petrográfica comum (protólito primário ou inicial). No presente estudo é investigada a diversificação de produtos pétreos de coloração rósea como resultado de processos de alteração hidrotermal que intervêm em estados diferenciados da consolidação dos granitos. Dá-se especial atenção à episienitização e ao enrubescimento observados em granitos aflorantes no Minho (Parque Nacional da Peneda-Gerês) e em Viseu (na região de Calde), localizados geograficamente na figura 1, procurando discriminar do ponto de vista petrográfico o tipo e magnitude dos fenómenos de evolução deutérica responsáveis pelos padrões cromáticos e texturais. Estes entendem-se como resultantes das transformações pseudomórficas (essencialmente isovolúmicas) ou transformações com variação aparente de volume a partir de fácies primárias predominantes nos maciços. A respeito da área do Parque Nacional da Peneda-Gerês, já Martins e Saavedra (1976) tinham dedicado alguma atenção ao processo de enrubescimento dos feldspatos do granito. Moreira e Ramos (1982) referindo-se aos recursos de rocha granítica ornamental da mesma região, puseram em evidência a importância das fácies róseas, que são caracterizadas por baixos quantitativos de reservas mas com materiais de alta qualidade. Metodologicamente a pesquisa agora apresentada baseia-se na petrografia comparativa. São termos dessa análise amostras de diferentes tipos de granitos róseos e de algumas fácies não róseas entendidas como padrões de referência para os termos primários. Assume-se que nestas últimas as características
Figura 1 – Localização geográfica dos maciços graníticos estudados.
Produziram-se chapas polidas das amostras tendo sido determinada a cor predominante por comparação com as “Munsell Color Chips” (Rock Color Chart, 1991). Entende-se por cor predominante aquela que prevalece nas secções cristalinas individualizadas em 35% a 68% das áreas de corte experimental e que dizem respeito essencialmente a feldspatos ou protofeldspatos (feldspatos antes da substituição) na proporção variável de 1FK:1AB a 2FK:1AB (FK = feldspato potássico; AB = albite). Empiricamente percebe-se que a identidade cromática dos granitos industriais e ornamentais estudados é determinada nestes intervalos de composição mineralógica modal. Lâminas delgadas polidas das amostras foram observadas em microscópio óptico de luz transmitida (MOLT) e de luz reflectida (MOLR) procurando através da análise estrutural e paragenética discernir o tipo, magnitude e sequência dos fenómenos de evolução petrogenética que podem estar na origem das variações cromáticas e texturais. Como hipótese, as características petrográficas no seu conjunto e isoladamente podem ser assimiladas a indicadores (ou descritores) da correlação entre a intensidade dos fenómenos de cromatização (e diversificação de padrões texturais) e a variabilidade de valores paramétricos relativos às propriedades físico-mecânicas, os quais orientam as diferentes aplicações arquitectónicas e contribuem para determinar os preços unitários.
Alterações Hidrotermais em Litótipos Graníticos Róseos
Adicionalmente, alguns feldspatos puros à lupa, separados dos granitos róseos, foram sujeitos a difractometria de Rx e os respectivos difractogramas foram escrutinados no intervalo 2q =28-31º para apuramento das variações de triclinicidade (Δ) segundo Goldshmidt e Laves (1954). Gomes (1994) e Gomes et al. (1998) notam que valores altos deste parâmetro tendem a verificar-se em feldspatos potássicos com maior intensidade de enrubescimento – só nos feldspatos potássicos rubros os altos valores de Δ Δ coincidem com alto ordenamento. Por isso também as variações de Δ podem ser marcadoras da especificidade rósea dos litótipos com interesse ornamental singular.
ras mais definidas, contínuas e preenchidas por veios essencialmente quartzosos. Pequenos afloramentos de granitos vermelhos dispersam-se desde a região de Espigão da Lama de Pau para sul, até perto da localidade de Cabril. Na notícia explicativa da folha 6A da Carta Geológica de Portugal à escala 1:50 000 para esta região são descritas duas fácies principais de granito pós-tectónico (Noronha et al., 1983): Granito do Gerês, porfiróide ou de tendência, de grão grosseiro a médio e Granito dos Carris e Borrageiro, de grão fino, biotítico, por vezes porfiróide.
Enquadramento geológico das ocorrências e amostragem Na tabela 1, distinguem-se os granitos sujeitos a estudo petrográfico, identificados com as designações atribuídas convencionalmente aos respectivos maciços. A cor aí indicada é estabelecida na mesma acepção, já atrás sugerida, de cor predominante. Em termos gerais as amostras exibem diferentes graus de enrubescimento com tonalidades que variam desde ligeiramente rosadas a vermelho-carne (em descrição coloquial). Três das amostras são granitos não róseos que podem ser considerados de referência para os termos litológicos que antecedem os fenómenos de enrubescimento. Na figura 2, mostra-se o esboço geológico-estrutural da área de Chamiçais – Xertelo próxima das localidades de Carris e Cabril no interior do Parque Nacional da Peneda-Gerês, onde foram colhidas fácies graníticas rubras em afloramentos que se estendem ao longo de corredores de cizalhamento com azimutes N7-12ºE e N5-15ºW. O enrubescimento mais intenso do granito está condicionado pelas fractu-
Figura 2 – Localização das amostras recolhidas no maciço granítico do Gerês. Extracto modificado da Carta Geológica do Parque Nacional da Peneda - Gerês, à escala 1:50 000 (Moreira, 1991). 9A- localização da amostragem; a- aluvião; q- filões quartzosos; gGpf- granito dos Carris e do Borrageiro; gGpg - granito do Gerês; Δ - vértices geodésicos.
A geologia simplificada da segunda área que foi estudada está patente na figura 3. Diz respeito também ao Granito do Gerês, junto às localidades de Covide e Campo do Gerês, próximas da Barragem de Vilarinho das Furnas. Aqui Medeiros et al. (1975) distinguem li-
Tabela 1 – Fácies graníticas amostradas com indicação ao número e tipo de amostras recolhidas Região
Fácies granítica gGpg – granito de grão grosseiro a médio porfiróide – Granito do
Gerês
Covide
Calde
Nº amostras por tipo cromático “vermelhas” - 5
Gerês
“amarelada” - 1
gGpf – granito de grão fino, biotítico, por vezes porfiróide
“amareladas a rosadas” - 3
γ’πg – granito porfiróide ou com tendência porfiróide de grão
“vermelhas” - 4
grosseiro ou médio a grosseiro – Granito do Gerês
“rosadas” - 9
γ’πg – granito porfiróide de grão grosseiro ou médio a grosseiro
“cinzenta esbranquiçada” - 1
IXγ – granito porfiróide, dominantemente biotítico – Granito de Calde-Cota
“cinzenta” - 1 “cinzenta com fenocristais rosados” - 1
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Marta Fernandes e Leal Gomes
tofácies graníticas enrubescidas e não enrubescidas. As primeiras correspondem a um granito porfiróide ou com tendência a porfiróide, de grão grosseiro ou médio a grosseiro e de natureza alcalina. As segundas são consideradas como granitos porfiróides de grão grosseiro a médio, equivalentes a um granito monzonítico, calco-alcalino de duas micas, mas essencialmente biotítico. Neste estudo observaram-se granitos enrubescidos em ambas as fácies mas o primeiro tipo litológico evidencia mais afloramentos rubros.
A área de Calde situa-se no distrito de Viseu (figura 4). A fácies rósea do granito está incluída no maciço de granito porfiróide biotítico, de coloração predominante acinzentada, que cobre a maior área de afloramento do complexo granítico de Castro Daire (Schermerhorn, etal. , 1977). No caso da fácies rósea de Calde, o contraste cromático da matriz cinzenta com os fenocristais rosados confere ao litótipo uma textura pouco comum mas de grande beleza ornamental. Petrologia A variabilidade cromática de tons róseos a rubros evidenciada pelos granitos estudados está patente na estampa I. Corresponde-lhe uma diversidade petrográfica que tem expressão nas composições modais.
Figura 3 – Localização das amostras recolhidas no maciço granítico do Gerês. Extracto modificado da folha 5B da Carta Geológica de Portugal à escala 1:50.000 (Medeiros et al., 1983). VIL 1- localização de amostrgem; q- filões quartzosos; dz- filões básicos; gap - filões aplito-pegmatiticos; a- depósitos actuais; Qdepósitos quaternários; gpg- Mancha de Terras de Bouro - Ponte da Barca; g’g- Mancha da Serra da Amarela; g’pg- Mancha de Covide - Gerês
Figura 4 – Localização das amostras recolhidas no maciço granítico de Calde e Cota. Extracto modificado da folha 14C da Carta Geológica de Portugal à escala 1:50.000 (Schermerhorn, et al.,1977). 13A- localização de amostrgem; X - xistos argilosos e grauvaques; H3a, Ob, Ocd - xistos argilosos a filitos e quartzitos; gpg - granito de Calde e Cota; gΔm - granodiorito de Vila de Um Santo.
As amostras de Covide mostram os mesmos minerais nas diversas fácies. Diferem as percentagens dos minerais cardinais: quartzo (Qz), microclina, plagioclase (Pl)e biotite (Bi). Os minerais acessórios primários são: anfíbola (horneblenda verde), apatite, esfena, monazite, xenotima, e alanite. Os minerais de alteração são: clorite, moscovite, leucoxena, óxidos de ferro (hematite) e epídoto (pistacite). Da análise textural destacam-se as evidências de alteração deutérica, em que os aspectos mais característicos são: 1- a cloritização da biotite, mais intensa nas fácies fortemente enrubescidas; 2- os feldspatos alcalinos apresentam abundante disseminação de poalhas hematíticas (hematitização), ocupando grandes áreas das secções sobretudo nas fácies mais enrubescidas; 3- vénulas pertíticas (plagioclase) dos FK podem estar microclinizadas e/ou moscovitizadas; 4- o epídoto de substituição (pistacite) tende a estar intercrescido com FK secundário, enquanto que a alanite, com carácter automórfico, se associa preferencialmente à biotite e outros acessórios primários precoces; 5- a leucoxena e o rútilo são subprodutos frequentes da alteração dos acessórios ferromagnesianos. A estampa 2 mostra algumas texturas representativas da evolução petrográfica que acompanha o progresso do enrubescimento. As amostras do granito do Gerês mostram aspectos idênticos aos que se referem para as fácies de Covide, mas algumas tendências evolutivas metassomáticas são mais intensas, ou têm expressão mais vincada, no que respeita aos padrões cromáticos e texturais que induzem nos litótipos com apetência ornamen-
Alterações Hidrotermais em Litótipos Graníticos Róseos
tal. Assim, a dessilicificação pode levar à ocorrência de verdadeiros episienitos (conteúdo modal de quartzo claramente abaixo de 10%). Nestas rochas incluem-se os litótipos mais enrubescidos (hematitização mais intensa) e também, em alguns domínios brechóides o conteúdo de epídoto secundário tornase extraordinariamente alto (pistacite > 50% modal). A profusa hematitização é muitas vezes acompanhada de neoformação de leucoxena com ocasionais contornos euédricos das secções (recristalização em espaço vazio por redução de volume) e na observação em MOLT corresponde-lhe uma opacificação das secções de FK e por vezes plagioclase, que nos estádios mais incipientes da evolução secundária poderia relacionar-se com metamictização. A cloritização da biotite é um fenómeno generalizado. A fácies de Calde macroscopicamente evidencia megafeldspatos róseos (essencialmente microclina) que contrastam, do ponto de vista da cor, com uma matriz cinzenta de feldspato potássico, plagioclase, quartzo e abundante biotite. Como minerais acessórios primários surgem: zircão, alanite, monazite, apatite, e opacos. Os minerais de alteração são: clorite, rútilo, uraninite, torite e torianite. As secções de microclina dispersas na matriz são tendencialmente anédricas. As microclinas são pertíticas e micropertíticas, poiquilíticas e apresentam inclusões de todos os restantes minerais. A coloração dos fenocristais torna-se mais intensa junto de clivagens, fracturas e bordos das secções onde o carácter pulverulento e a opacificação se adensam devido ao incremento da proliferação de poalhas (pontuações) hematíticas (identificáveis em condições especiais em MOLR). Também nesta fácies a presença de acessórios como a alanite, uraninite, torite e torianite sugere um papel de relevo para a radioactividade no início dos pro-
cessos de enrubescimento, que poderiam situar-se após a cristalização da fracção fenocristalina potássica do feldspato, mas ainda a uma baixa taxa de cristalização da massa ígnea total. As composições modais das amostras que estão na tabela 2 permitiram as projecções no diagrama QAP de Streckeisen (1976) que constam na figura 5. As correspondentes classificações estão na tabela 3. Parecem existir várias tendências principais de evolução petrogenética expressas nos domínios de Streckeisen correspondentes aos granitos de feldspato alcalino, sienogranitos, monzogranitos e sienitos. Na generalidade, as tendências evolutivas enrubescentes são solicitadas pelo pólo A do diagrama. Corresponde-lhes portanto uma feldspatização potássica muito marcada que no início poderá ainda ser o resultado da fraccionação alcalina em estado magmático mas que no fim é o resultado de interacção hidrotermal, com soluções potássicas potencialmente capazes de lixiviarem a sílica. Outras neoformações mineralógicas acompanham estes processos de alteração hidrotermal. Destacam-se como mais relevantes: hematitização, dessilicificação, epidotização, cloritização, microclinização e albititização e mais raramente apatitização e fluoritização. Na tabela 4 procura-se figurar a expressão petrográfica da magnitude de transformações metassomáticas que acompanham o fenómeno de enrubescimento. Com base na petrografia e tendo em conta as conclusões de Gomes (1994) sobre a cromatização de leucogranitos e aplito-pegmatitos, deduzem-se as seguintes características principais do enrubescimento, que é eficaz no que respeita à diversificação ornamental de produtos pétreos graníticos:
Tabela 2 – Análise modal determinada por estimativa visual e recalculada para cada fácies granítica. Ref.
COV1
COV2
COV3.1F
COV3.1G
COV3.2
COV4
VIL1
VIL2
VIL3
VIL4
VIL5
VIL6
Qz
6.8
17.7
22.9
29.9
34.8
34.4
6.7
26.4
4.9
11.8
20.0
31.2
VIL7 25.0
Fk
71.6
70.9
59.6
49.3
30.4
42.6
83.3
25.3
81.3
53.8
44.4
43.7
42.6
Pl
15.7
7.6
9.2
16.9
31.5
18.0
4.4
40.7
7.9
21.5
26.7
17.7
24.1
Bi
5.9
3.8
8.3
3.9
3.3
5.0
5.6
7.6
5.9
12.9
8.9
7.4
8.3
Ref.
FR1
9A
9B
9C
9D
9E
9F
FR2
9H
9I
13A
FR3
Qz
12.5
13.1
2.9
1.1
20.8
3.3
42.9
37.4
40.8
39.2
31.4
26.4
Fk
14.4
40.4
70.6
67.9
38.5
46.2
33.3
42.1
43.7
44.1
23.8
42.1
Pl
65.4
36.4
9.8
11.6
35.4
21.5
14.3
9.3
4.9
4.9
33.3
21.0
Bi
7.7
10.1
16.7
19.4
5.3
29.0
9.5
11.2
10.6
11.8
11.5
10.5
21
22
Marta Fernandes e Leal Gomes
Alguns dos acessórios identificados são importantes portadores de elementos radioactivos. A monazite, alanite e mesmo a apatite, além de terras raras leves, podem comportar teores apreciáveis de U e Th. A xenotima também detectada é igualmente um portador daqueles elementos. Na maioria das amostras, estas fases minerais foram identificadas podendo ser-lhes atribuída a desorganização estrutural das fases feldspáticas que num estádio embrionário, ainda magmático (em subsolvus), terão controlado a cromatização rubra. Estudo da triclinicidade dos feldspatos
Figura 5 – Organização das composições dos granitóides estudados no diagrama QAP de Streckeisen (1976). Q: quartzo; A: feldspato alcalino; P: plagioclase; 1: granito feldspato alcalino; 2: sienogranito; 3: monzogranito; 4: quartzosienito da feldspato alcalino; 5: quartzosienitos; 6: quartzomonzonito; 7: quartzomonzodiorito / quartzo-monzogabro; 8: sienito
Tabela 3 – Classificação dos litótipos em diagrama QAP de Streckeisen (1976). Classificação Granito de feldspato alcalino
Ref . amostras 9H
Sienogranito
COV3.1f, COV3.1g, COV4, ViL6, FR3, 9F, 9I, ViL4, COV1, FR2
Monzogranito
COV3.2, ViL2, ViL5, ViL7, 13A, 9D, FR3, 9D
Quartzosienito de feldspato alcalino
COV2, ViL3
Quartzosienito
COV1, ViL4
Quartzomonzonito Quartzo-monzodiorito / Quartzo-monzogabro
9A FR1
Em paralelo com os estudos de MOLT e MOLR, foi feita uma apreciação do estado estrutural dos feldspatos. Compararam-se difractogramas de RX dos fenocristais e da matriz das diferentes fácies expressas em fracções de cores extremas, puras à lupa (fracturação fina, < 2mm e selecção manual em lupa binocular, estereoscópica). Da tabela 5 constam os resultados obtidos para valores de D de Goldsmith e Laves (1954), considerados discriminantes do enrubescimento (Gomes, 1994; Gomes et al., 1998). A comparação das triclinicidades dos feldspatos, permite constatar que os valores baixos de D (0.43 < D < 0.75) se observam em megacristais de feldspatos de coloração branca envoltos em matriz clara. Valores de D situados entre 0.78 e 0.91 correspondem a megacristais de feldspato de coloração vermelha em matriz rosada. Os mais altos valores de D (> 0.96) notam-se em megacristais rosados em matriz cinzenta-esbranquiçada.
Segundo Gomes (1994), as fácies intensamente enrubescidas apresentam os valores mais elevados de triclinicidade e ordenamento, o que poderá indicar • Nos FK o cromóforo rubro é principalmente o que o enrubescimento extremo é acompanhado de Fe3+ sob a forma de poalhas hematíticas sub- uma triclinização homogénea de feldspatos potásmicroscópicas que estão em impregnação fina e sicos que inicialmente poderiam ser monoclínicos. No mesmo trabalho, conclui-se que os altos valores difusa; de triclinicidade e ordenamento se enquadram numa • A evolução tendencialmente sienítica decorre de reorganização final em subsolidus. episienitização induzida por uma percolação fluidal tardia, mais expressa nos granitos do Gerês; Discussões e Conclusões • A microclinização da fase albítica, hóspede do A projecção das composições modais no diagrama FK, é posterior à exsolução venular e subsequen- QAP (na figura 5) permite identificar várias tendênte relativamente aos fenómenos de albitização. cias evolutivas com expressão paragenética, relacionáveis com a diversificação de litótipos róseos. No que diz respeito aos três maciços estudados, identiSienito
9B, 9C, 9E
Alterações Hidrotermais em Litótipos Graníticos Róseos
Tabela 4 – Representação figurada da intensidade dos vários processos de neoformação mineralógica que correspondem à alteração hidrotermal dos granitos tendentes para fácies róseas.
Ref.
Enr.
Epis.
Ser.
Clo.
Mic.
Alb.
Epid.
Gre.
Hem.
Opa.
Des.
Tri.
COV1 COV2 COV3.1f COV3.1g COV3.2 COV4 ViL1 ViL2 ViL3 ViL4 ViL5 ViL6 ViL7 FR 9A 9B 9C 9D 9E 9F FR2 9H 9I 13A FR3
Enr. – Enrubescimento; Epis. – Episienização; Ser. – “Sericitização” (moscovitização); Clo. – Cloritização; Mic. – Microclinização; Alb. - Albitização; Epid. – Epidotização; Gre. – Greisenização; Hem. – Hematitização; Opa. – Opacificação; Des. – Dessilicificação; Tri. – Triclinização – incremento da triclinicidade do FK (ver adiante). Nota: variação de intensidade dos fenómenos: muito intenso (coloração mais escura) a pouco intenso (coloração mais clara).
ficam-se contextos evolutivos comuns (generalizada triclinização e homogeneização estrutural cristalina dos FK), mas também se notam algumas diferenças petrográficas entre eles, sobretudo no que concerne à magnitude ou intensidade de alguns dos fenómenos de evolução deutérica (ver figura 6): I. Gerês – A episienitização é evidente e o enrubescimento é o mais intenso. Corresponde ao tipo de enrubescimento descrito por Martins e Saavedra (1976). Concominantemente observam-se processos de cloritização, epidotização, dessilicificação e albitização. II. Covide – O enrubescimento, embora menos intenso é mais pervasivo ou difuso, afectando in-
Tabela 5 – Triclinicidade da fase feldspática, obtida no intervalo 2q=28-31º, em algumas fácies rubras e sua comparação com a triclinicidade de feldspatos não enrubescidos. Nota: inclui-se fase potássica do feldspato do granito de Guimarães como padrão. Região
Gerês
Guimarães Calde
Amostra
Designação
Coloração
D
9A
Microclina
Rosa
0.91 0.82
9B
Microclina
Rosa
9C
Microclina
Rosa
0.90
9D
Microclina
Rosa carne
0.80
9E
Microclina
Rosa
0.78
11A
Ortoclase
Branco
0.43
13A
Microclina
Rosa
0.96
FR3
Microclina
Branco
0.75
23
24
Marta Fernandes e Leal Gomes
al., 1983/94). Ao nível das propriedades físico-mecânicas encontram-se os mesmos valores tanto em granitos róseos como em granitos não róseos (designação industrial). Esboça-se possivelmente uma pequena diminuição da resistência à compressão III. Calde – O enrubescimento é selectivo afectando simples linear quando o processo de episienitização preferencialmente os mega FK. Parecem existir é muito marcado pela lixiviação da sílica. dois surtos de cromatização, identificáveis na figura 7. Um primeiro estádio afecta a massa total O enrubescimento do granito é determinado esdos fenocristais de forma difusa. No segundo es- sencialmente pelo enrubescimento do feldspato. As tádio há um incremento da ruborização na vizi- tonalidades mais intensas dizem respeito a termos litológicos dessilicificados com microclina de alta trinhança imediata de algumas clivagens. clinicidade, não pertítica, impregnada com poalhas Petrograficamente pode dizer-se que o enrubescihematíticas por vezes com alguma plagioclase albímento é mais vezes o resultado de uma conjugação tica também impregnada com poalhas hematíticas. fenomenológica do que o produto de um fenómeno individualizado. As diferentes cromatizações rubras Frequentemente o aparecimento dos tons rubros dependem das combinações muito particulares des- passa por um episódio inicial ou intermédio de insses fenómenos mais do que das diferentes intensida- tabilização estrutural (desordem), relacionado com metamictização de minerais acessórios com Th e des alcançadas em alguns deles. U, em especial: alanite, gadolinite, zircão, uraninite, Os fenómenos isolados e conjugados que foi possível xenotima, monazite e ocasionalmente pirocloro ou discriminar são os seguintes: columbite-tantalite. O potencial químico metamic1) Hematitização; tizante é veiculado directamente pela proximidade 2) Enrubescimento do feldspato potássico = substi- de minerais com elementos radioactivos ou então, tuição [(K+, Fe3+)/(K+, Na+, Ca2+, Al3+)] + tricliniza- pode ser veiculado por fluidos acessíveis a partir de fracturas e clivagens. As reacções subsequentes em ção -> hematitização (no FK); contexto hidrotermal tendem a ordenar os feldspa3) Enrubescimento da plagioclase = metamictiza- tos potássicos, incrementando a sua triclinicidade, ção -> substituição [(K+, Fe3+)/(Na+, Al3+)] -> he- promovendo a lixiviação das vénulas pertíticas e matitização (na Pl); favorecendo a impregnação pervasiva de hematite 4) Microclinização isovolúmica = substituição [K/(K, microscópica a submicroscópica (de tipo oligisto). Na)] (no FK); Nas plagioclases o tom rubro está mais intimamente relacionado com a metamictização – nas proximi5) Triclinização = [K/K] (no FK); dades observam-se quase sempre um ou vários dos 6) Feldspatização potássica heterogénea = AB -> acessórios referidos com auréolas rubras na plagioFK (na pertite e na rocha); clase circundante. Uma explicação para este facto 7) Episienitização = dessilicificação + redução de pode estar no aumento de volume relacionado com volume + feldspatização potássica homogénea ± a metamictização que promove colapso estrutural cloritização delessítica ± epidotização pistacítica e aureolar e mesmo fracturação irradiante nos mi– como resultado surge uma brecha rubra com nerais vizinhos e hospedeiros, favorecendo o acesso epídoto ou um episienito tendencialmente homo- das soluções hidrotermais a partir das quais pode precipitar a hematite. géneo. tensivamente grandes massas graníticas. Poderá haver uma maior influência da presença de minerais com elementos radioactivos na génese do enrubescimento.
O descritor paramétrico, triclinicidade do feldspato potássico (Δ), reflecte a intensidade da cromatização sugerindo o tipo e intensidade dos fenómenos intervenientes mas não acompanha de forma coerente as variações observadas nos parâmetros físico-mecânicos – por comparação com valores citados no “Catálogo de Rochas Ornamentais Portuguesas” (Moura et
O estudo petrográfico sugere que a aquisição de tonalidade rósea ocorre em episódios distintos da evolução dos granitos e também em condições reológicas variáveis. No granito de Calde parecem existir dois episódios de incremento da cor rubra (a figura 7 é uma ilustração macroscópica desta sequência):
Alterações Hidrotermais em Litótipos Graníticos Róseos
1º Em condições de subsolvus, primeira aquisição de tom róseo dos fenocristais de microclina possivelmente ainda antes da total cristalização da massa granítica matricial – a pertite de exsolução acompanha texturalmente este fenómeno que é bastante pervasivo; não havendo evidências petrográficas de impregnação hematítica o tom róseo é atribuído à formulação de centros cromóforos decorrentes da substituição isomórfica de Al3+ por Fe3+.
Assim, no caso de Covide e Gerês, as massas rubras serão de pequenas dimensões, sempre fortemente controladas por corredores de deformação frágil. Os blocos poderão ter alguma heterogeneidade em termos de padrão decorativo. A manutenção de propriedades físico-mecânicas de bloco para bloco não é previsível. Fácies com características brechóides ou episieníticas muito ricas em epídoto, podem manifestar índices baixos de resistência em especial no que respeita à compressão simples linear, quando comparadas com os granitos de partida. A prospec2º Em condições de subsolidus, incremento do tom ção e detecção de faixas destas fácies vermelhas é rubro ao longo das clivagens por efeito de intefacilitada pelo seu condicionamento estrutural mas racção com fluidos de embebimento tardio após os volumes disponíveis para extracção deverão ser total cristalização – fenómeno estruturalmente baixos. condicionado; a impregnação hematítica e a opacificação das secções crescem do ponto de vista No caso do granito de Calde, a fácies com megacrismodal com a proximidade das clivagens “abertas”. tais de FK róseos permite a obtenção de blocos com alguma homogeneidade, tanto de padrão cromátiUm caso de enrubescimento essencialmente expresco, como de especificações físico-mecânicas, mas a so em pegmatitos é descrito por Gomes et al. (1998). prospecção e detecção de volumes de maciço com Nesse caso em subsolvus ter-se-ão formado centros estas características é dificultada pela ausência de cromóforos (Pb2+ + Al3+) após (K+ + Si4+) ou (O-Pb) 3+ após 2K+ que são responsáveis pela amazonitização guias estruturais mais fidedignos para a sua ocorprecoce do FK. Posteriormente em subsolidus, e ao rência. Compartimentos com a especificidade do lilongo das fracturas, verifica-se o enrubescimento tótipo de Calde podem estar ocultos imediatamente que poderia obedecer à lixiviação de Pb e transfe- abaixo da fácies de cúpula de stocks graníticos com rência de cargas, [(Pb-Pb) 3+], Pb3+ + Fe2+ -> Pb2+ + litótipos de ocasional tendência porfiróide, em espeFe3+ (ver estampa 3-A). Duma forma dispersa (não cial nos granitos com alguma anfíbola e enriquecidos extensiva) a mesma sucessão de cromatizações é em minerais com elementos radioactivos. Nos maciobservável no granito conhecido comercialmen- ços de Penedono e Vila Pouca de Aguiar encontramte como “Branco Imperial”, o qual foi explorado no se algumas fácies que poderiam corresponder a este Concelho de Valença (Cerdal) – próximo do local a padrão. que diz respeito o trabalho de Gomes etal. (1998). No caso de Calde e do ponto de vista petrogenético, a primeira ruborização dos fenocristais seria equivalente à amazonitização observada em Cerdal e assim corresponderia a um estádio subsolvus.
Como nota adicional é de referir que algumas fácies rubras de fraccionação ou alteração dos granitos de Covide e Gerês podem proporcionar produtos pétreos considerados como pedras de adorno e abrangidas no conceito mais alargado de gema. Os exemplos Nos granitos da região do Gerês e Covide, desde a mais significativos são os seguintes (estampa 3): aquisição mais incipiente de tons rubros até à epi- 1º Fácies de pegmatito bandado róseo de Covide – sienitização paroxismal, as massas de granito modiproduto de fraccionação e cristalização in situ, a ficadas estão controladas por rupturas e situam-se partir do granito catalogado como “Rosa de Copróximo de grandes acidentes tectónicos com cisavide”; é utilizável em estatuária e “carving”. lhamento recorrente. 2º Fácies de pegmatito miarolítico amazonítico com Atendendo à natureza e conjugação dos fenómenos de alteração envolvidos no enrubescimento, a previsão dos quantitativos de reservas de granitos róseos singulares, é muito variável para os diferentes maciços estudados (figura 6).
enrubescimento sobreposto – ocorre por fraccionação da generalidade dos granitos pós-tectónicos, em especial na região do Minho; é utilizável em “carving” e as amazonites enrubescidas podem ser usadas em joalharia após talhe “cabochon”.
25
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Marta Fernandes e Leal Gomes
3º Fácies de episienito brechóide rica em pistacite – produto de episienitização com enrubescimento culminante e epidotização dos granitos do Gerês e ocasionalmente de Covide; é utilizável em estatuária e “carving”.
Agradecimentos - Ao Dr. Armando Moreira (Instituto Geológico e Mineiro) a informação gentilmente cedida; - Aos revisores: Dr.Casal Moura, Dr. Armando Moreira, Prof. Machado Leite e Dr. Félix Bellido Mulas, a revisão do original. Este trabalho situa-se no âmbito do projecto “Petrologia dos processos de diversificação de litótipos graníticos aplicados na fileira dos produtos pétreos ornamentais – produção e mercado”, desenvolvido no Centro de Investigação Geológica. Ornamento e Valorização de Recursos da Universidade do Minho, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT);
Martins, J. A.; Saavedra, J. (1976). “Estudo do processo de enrubescimento do granito da Serra do Gerês (Norte de Portugal)”. Mem Not Publ Mus Lab Mineral Geol Univ Coimbra, n.º82, pp 79-93 Martins, O. R. (2004). “Breves notas sobre a utilização de rochas ornamentais”. Lisboa. GEONOVAS Medeiros, C., Teixeira, C. e Lopes, J.T. (1975). Carta Geológica de Portugal à escala 1:50 000, Folha 5-B. Serviços Geológicos de Portugal. Moura, A.C.; Outros. (1983/94). “Catálogo das Rochas Ornamentais Portuguesas”. Vols. I, II, III e IV, INETI. Moura, A. C. (2000). “Granitos e rochas similares de Portugal”. Instituto Geológico e Mineiro (Ed.). Moreira, A.; Ramos, F. (1982). “Granito vermelho de Lapela (Serra do Gerês)”. D.G.G.M. Relatório inédito. Moreira, A.; Ribeiro, M.L. (1991). Carta Geológica do Parque Nacional da Peneda - Gerês, à escala 1:50 000, e notícia expl. Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza e Serv. Geol. de Portugal. Rock Color Chart (1991). “Munsell Color Chips”. Geological Society of America.
Bibliografia Goldsmith, J. R.; Laves, F. (1954). The microcline-sanidine stability relations. Geochim Cosmochim Acta 5: 1-19. Gomes, C. L. (1994). “Estudo estrutural e paragenético de um sistema pegmatóide granítico – O campo aplito-pegmatítico de Arga, Minho – Portugal”; Dissertação para obtenção do grau de Doutor em Ciências no ramo da Geologia; pp 147-175. Gomes, C. L. (1995). “Hidrotermalização e meteorização como operadores de diversificação de produtos pétreos – Exemplos dos maciços da região de Basto – Norte de Portugal”. Primeiro Congresso Internacional da Pedra. Gomes, C. L.; Neves, L.; Nunes, J. L.; Godinho, M. M. (1998). ”Caracterização das amazonites pegmatíticas de granitos pós-tectónicos do norte de Portugal. I – Modo de ocorrência, estado estrutural e geoquímica”. Actas do V CNG, Tomo 84 (2): 91-96. Lisboa.
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Covide
Região
Grosseira
Cov 2
ViI 7
ViI 6
ViI 5
ViI 4
ViI 3
ViI 2
ViI 1
Cov 4
Cov 3.2
seira
Rosa
Rosa forte
(avermelhada)
Média a gros-
Grosseira
Rosa fraco
Grosseira
Rosa forte
(avermelhada)
seira
Rosa
Rosa fraco
(avermelhada)
Rosa forte
Rosa
Rosa
Rosa
Rosa
(avermelhada)
Rosa forte
Coloração
Média a gros-
seira
Média a gros-
seira
Média a gros-
Grosseira
seira
Média a gros-
Fina
grosseira
Fina a média
Grosseira
Cov 1
Cov 3.1 f, g
Granularidade
Amostra
moderate orange pink (10R 7/4)
Calde FR3
13A
9I
very pale orange (10Y R8/2)
moderate reddish orange (10R 6/6)
9H
FR2
9F
moderate reddish orange (10R 6/6)
grayish orange pink (10R 8/2)
grayish orange pink (5YR 7/2)
9E
9D
grayish orange pink (10R 8/2) a moderante orange pink (10R 7/4) moderate reddish brown (10R 4/6)
9C
9A
FR1
Amostra
grayish orange pink (5YR 7/2) a light brown (5YR 6/4)
Gerês
Covide
Região
9B
Chapa serrada
moderate orange pink (10R 7/4)
moderate orange pink (10R 7/4)
moderate reddish orange (10R 6/6) a grayish orange pink (10R 8/2)
Munsell Color Chips
(dimensão aproximado das chapas - 2x4cm)
média
Grosseira
Grosseira
Fina
Fina
média
Grosseira a
Fina
média
Grosseira a
média
Grosseira a
Branca
Rosa
lada
Rosa amare-
lada
Rosa amare-
Amarelada
lada
Rosa amare-
(avermelhada)
Rosa forte
(avermelhada)
Rosa forte
Rosa forte (avermelhada)
média
(avermelhada)
Grosseira a
média
Rosa forte
Rosa forte (avermelhada)
Grosseira a
Grosseira a
Branca
Coloração
Grosseira
Granularidade
Estampa I. Aspecto macroscópico das amostras de granito de Covide, Gerês e Calde
prevalência da cor fora de um intervalo pretrograficamente discernível
moderate orange pink (10R 7/4)
grayish orange pink (5YR 7/2) a very pale orange 10YR 8/2
grayish orange (10YR 7/4) a very pale orange 10YR 8/2
prevalência da cor fora de um intervalo pretrograficamente discernível
grayish orange pink (5YR 7/2) a moderate orange pink (10R 7/4)
moderate reddish orange (10R 6/6) a moderate orange pink (10R 7/4)
light red 5R 6/6 a moderate reddish orange (10R 6/6)
moderate orange pink (10R 7/4) a moderate reddish orange (10R 6/6)
light red 5R 6/6 a moderate reddish orange (10R 6/6)
moderate reddish orange (10R 6/6) a moderate orange pink (10R 7/4)
prevalência da cor fora de um intervalo pretrograficamente discernível
Munsell Color Chips
Chapa serrada
Alterações Hidrotermais em Litótipos Graníticos Róseos 27
28
Marta Fernandes e Leal Gomes
A
B
C
D
E
F
Estampa 2. Aspecto geométrico de alguns intercrescimentos entre minerais relacionados com o enrubescimento. A- Secção de epídoto, variedade pistacite (Pi) em quartzo (Qz); B- Biotite (Bi) cloritizada e horneblenda (Ho) relíquia, com cristal incluso de alanite (Al) e xenotima (Xe), junto a secção de quartzo; C- cristal de epídoto (Ep) com bandas de leucoxena (Leu) inclusa, em matriz de feldspato potássico (FK) alterado, plagioclase (Pl) e quartzo; D- Fragmento de biotite, cloritizada, com óxidos/hidróxidos de Fe e Ti; E- Fenocristal de microclina: macla Carlsbad - textura típica dos feldspatos albitizados (pertite de substituição) com posterior microclinização; F- Secções de apatite (Ap) e epídoto inclusas em quarzto venular (neoformações mineralógicas em veios relacionados com o enrubescimento). Nota: algumas identificações foram confirmadas em microscópio electrónico de varrimento em modo, dispersão de energia.
Alterações Hidrotermais em Litótipos Graníticos Róseos
Estampa 3 – A: chapa serrada de pegmatito miarolítico amazonítico com enrubescimento sobreposto, Vale Água de Pala, Gerês; B: chapa serrada de pegmatito gráfico amazonítico com enrubescimento sobreposto, próximo das minas do Borrageiro, Gerês; C: chapa serrada de pegmatito bandado róseo, Covide; D: esfera polida de episienito brechóide com pistacite, Gerês. A barra de escala equivale a 1 cm.
Figura 6 – Generalização dos diferentes tipos de controlos estruturais das fácies rubras singulares em volumes de maciço correspondentes aos vários granitos considerados.
Figura 7 – Enrubescimento condicionado por rupturas, sobreposto ao tom róseo homogéneo dos fenocristais – Granito de Calde, Viseu.
29
GEONOVAS nº 21, pp. 31 a 39, 2008
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
Colecções e exposições de Geociências: velhas ferramentas, novos olhares José M. Brandão INETI - I.P. / CEHFC - Universidade de Évora. jose.brandao@ineti.pt
Resumo. Conhecem-se colecções de objectos geológicos desde tempos remotos. Porém, a sua organização científica só tomou forma em meados do século XVIII com a generalização dos estudos de Philosofia Natural e de Geognosia e depois do aparecimento dos trabalhos de Lineu e C. Darwin. As grandes colecções entretanto constituídas permitiram o desenvolvimento de áreas-chave das Ciências Naturais como a Sistemática e a Taxonomia; todavia, a sua exposição, caracterizada por uma grande densidade de peças era pouco acessível à generalidade dos públicos. Mais recentemente, as exposições tradicionais têm vindo a ser substituídas por outras, mais apelativas e consentâneas com as novas problemáticas ambientais enquanto, paralelamente, se intensifica o movimento de preservação e apresentação in situ do património natural. Neste quadro, torna-se necessário clarificar o papel das colecções enquanto ferramenta de investigação e de formação para a sustentabilidade. Palavras-chave: Museus de História Natural; Geociências; colecções; geodiversidade; geoconservação; desenvolvimento sustentável Abstract. Since the beginning of mankind there are known collections of geological objects. However its scientific organization only took shape in the beginning of the XVII century, with the overview of the Natural Philosophy and Geognostic studies, and after the emergence of Linné and C. Darwin’s works. Meanwhile, the large collections assembled allowed the development of some Natural Sciences key areas, such as Sistematics and Taxonomy, but its exhibition, has been characterized by a big amount of items and hardly accepted by the general public. More recently, the museums have been replacing the traditional exhibitions for others appealing ones, more adjust with new environmental challenges while, at the same time it intensifies the movement for preservation and presentation in situ of natural heritage. In this context, it becomes necessary to clarify the role of the collections as a tool in investigation and education for sustainable development. Key words: Natural History Museums; Earth Sciences; collections, geodiversity; geoconservation; sustainable development …Hum muzeo bem distribuido será o verdadeiro Theatro da natureza, no qual hum mestre poderá ensinar a Historia Natural; e donde hum observador póde tomar o gosto e instruirse; por isso, todo deve ser distribuido na vista principal de instruir... Domenico Vandelli (1787) Recebido, Outubro, 2007. Aceite, Novembro, 2007
Introdução Conhecem-se, desde tempos ancestrais, colecções de objectos naturais cuja intencionalidade evoluiu ao longo dos tempos ao ritmo do conhecimento e, de certa forma, dos poderes instituídos. Delas faziam parte minerais e fósseis a que, por vezes, se atribuíam poderes mágicos. Com a institucionalização dos estudos universitários em Philosophia Natural em meados do século XVIII, as colecções até então organizadas adquiriram uma nova importância e dimensão científica e educativa, transitando muitas delas para a esfera pública onde vieram a constituir o embrião de vários dos grandes museus de História Natural actualmente conhecidos.
Desde cedo que estes museus se assumiram como âncoras de cultura, reconhecendo-se actualmente às suas colecções um elevado valor científico e pedagógico que decorre da sua contribuição para o conhecimento da Natureza e para a educação e recreação públicas. Porém, com os novos rumos da investigação e as necessidades emergentes das problemáticas ambientais, os museus e exposições de História Natural, designadamente os especializados no domínio das Geociências, têm vindo a transformar o seu discurso, abandonando os modelos baseados no paradigma da abundância – etapa essencial a fases específicas da evolução do conhecimento – para apostar na divulgação de contextos e fenómenos, alicerçados na reapresentação das suas colecções.
32
José Brandão
Dos Gabinetes de Curiosidades aos museus lecções se pautaram apenas pela busca e exibição do exótico outras, porém, organizaram-se segundo contemporâneos padrões estéticos e científicos que se foram apuranO coleccionismo centrado na Natureza, a par do co- do, nomeadamente as que se inspiraram na Historia leccionismo de obras de arte e de objectos curiosos Naturalis de Plínio, algumas das quais ascendentes ou raros, aumentou substancialmente entre os sécu- directas dos primeiros museus formados a partir dos los XV e XVIII com os descobrimentos, que trouxe- finais do século XVII. ram, de mundos até então desconhecidos, os mais diversos produtos exibidos nos Gabinetes de Curio- Durante a Renascença muitos eram já os intelectusidades que rapidamente se multiplicaram e flores- ais que se interessavam pelas curiosidades minerais da Natureza, trocando entre si amostras e estabeceram por toda a Europa. lecendo, através de prospectores e comerciantes, Estes Gabinetes eram, na sua essência, colecções verdadeiras redes de abastecimento que durante o enciclopédicas constituídas por personalidades da século XVIII alimentaram as colecções privadas e as aristocracia e do clero – as elites culturais da “Re- públicas que entretanto se iam formando. Os minepública das Letras” – e reuniam uma mistura hete- rais tornaram-se rapidamente objectos de prestígio róclita de obras de arte, moedas, pedras preciosas, comparáveis aos de belas artes e os fósseis, até corais, fósseis e objectos “extravagantes” trazidos então apenas olhados como curiosidades da Natude terras longínquas por navegadores e viajantes: reza (ludus naturae) e explicados pela intervenção aves do paraíso, peixes voadores, mandrágoras, ca- de uma “virtude” (vis plastica) que os formaria acimaleões, “ossos de gigante”, tatus, múmias, “chifres dentalmente na Terra, ganham novas interpretações de unicórnio”, etc.. Contudo, se algumas destas co- ao serem relacionados com seres desaparecidos de épocas remotas. O século XVIII ficou marcado pelo aparecimento de algumas das mais importantes contribuições para a divulgação da História Natural, designadamente o “Spectacle de la nature ou Entretiens sur les particularités de l’Histoire Naturelle, publicado em 1732 por Noel-Antoine Pluche (1688-1791), a magistral Histoire Naturelle”, de George-Louis Leclerc de Buffon (1707-1788) de que se destaca, em particular, o suplemento das Époques de la Nature (1774), em que Buffon propõe uma nova cronologia da história da Terra. Foi também neste período que, no domínio das Ciências da Terra, surgiram as grandes controvérsias sobre a origem e evolução das formações geológicas que opuseram, de forma acesa, plutonistas e neptunistas.
Fig. 1. O Homo diluvii testis de Johann Scheuchzer.
Apesar do seu estatuto de “moda” e dos progressos registados a História Natural continuou, durante o século XVIII, a ser muito permeável à influência da religião, sendo o estudo da Natureza encarado como forma de compreensão da Criação (divina) ou de interpretações bíblicas relacionadas com o Dilúvio, defendidas, entre outros, por Georges Cuvier (17691832).
Em 1735, o naturalista suíço Johann Scheuchzer (1672-1733) descreveu um esqueleto fóssil descoberto nas formações miocénicas vizinhas do lago Constança como sendo o de uma vítima do Dilúvio, o Homo diluvii testis. Ao observá-lo, Cuvier, concluiu que o fóssil correspondia afinal aos restos de uma salamandra gigante que designou por Andrias Scheuzeri (Guntau, op. cit. p. 219; Antunes, 2000 p. 63). Este fóssil pertence actualmente à colecção do Teylers Museum, Haarlem, Holanda. Foto: descarregada de http://141.84.51.10/palaeo_de/edu/lebfoss/andrias/index.html, em 6/09/2007. 1
Colecções e Exposições de Geociências: velhas ferramentas para novos olhares
A aproximação às modernas interpretações da história geológica chegou durante o século XIX com Charles Lyell (1797-1875) e o uniformitarismo e com a publicação em 1859 de “A origem das espécies” de Charles Darwin (1809-1882). Só então o catastrofismo associado ao Dilúvio foi definitivamente posto em causa e destronada a ideia da ordem sistemática da criação. Todavia, não ficariam ainda resolvidas as complexas questões do estabelecimento de relações entre a História da Terra e a da Vida tal como vinha a ser documentada pelos naturalistas, nem tão-pouco a do aparecimento do Homem, tal como o referiam os documentos antigos, designadamente o Génesis. Entretanto assistira-se à institucionalização de algumas colecções e à sua pública exibição. Em 1626 é criado em Paris o Jardin des Plantes no qual ficaria integrada a “drogaria” de Luís XIII que continha, juntamente com as drogas, sais e plantas medicinais, diversos minerais a que se atribuíam propriedades terapêuticas; em 1683 é estabelecido em Oxford o primeiro museu universitário de História Natural, o
Ashmolean Museum2; em 1745 abre-se ao público em Paris o Cabinet d’Histoire Naturelle du Roi, designado por Muséum National depois da Revolução, de que se salientam as colecções de minerais reunidas e classificadas por Bernard de Jussieu (1699-1777) 3. No Reino Unido o governo adquire as colecções de História Natural de Hans Sloane (1660-1792) com as quais vem a constituir, em 1753, o British Museum, mais tarde desdobrado, separando as colecções de belas artes da História Natural, transferida para o edifício de South Kensington onde ainda hoje se encontra. O século XIX inicia-se ainda sob a influência do espírito de democratização herdado da Revolução Francesa, assistindo-se a uma verdadeira “explosão” de museus, nomeadamente na área das Ciências Naturais, movimento também seguido no “Novo Mundo” conhecido desde as viagens de Colombo mas, desde então, apenas fonte de abastecimento de produtos naturais desconhecidos na Europa. Na América do Sul um dos primeiros museus de História Natural a ser formado foi o Museu Nacional no Rio de Janeiro, constituído pela coroa portuguesa em 1818, seguindo-se o Museo Nacional de Colombia em 1823, o Museu Nacional de Historia Natural de Chile em 1830, o Museu de La Plata (Argentina) em 1872 e o museu de S. Paulo (Brasil) em 1885. Nos Estados Unidos, o primeiro museu de Ciências Naturais é o da Academy of Natural Sciences of Philadelphia (1812) que veio a exibir, em 1868, a primeira montagem de um esqueleto completo de dinossauro (fig. 2). Segue-se-lhe o Smithsonian Institution em Washington D.C., fundado em 1846, constituído com a fortuna de James Smithson (1765-1829) legada ao governo para ser aplicada na constituição de uma organização que recolhesse as suas colecções, entre outras, a de minerais.
Fig. 2. O Hadrosaurus foulkii exibido desde 1868 no Museu de Filadélfia. Foto A.N.Sc. in http://www.levins.com.hstml.
Os restantes grandes museus americanos surgem na segunda metade do século XIX. Refiram-se, entre outros exemplos possíveis, o California Academy of Sciences em S. Francisco em 1853, o American
2 O Ashmolean Museum of Art and Archaeology da Universidade de Oxford é apontado simultaneamente como um dos mais antigos à escala internacional. Foi constituído entre 1678 e 1683 para alojar as colecções oferecidas por Elias Ashmole entre as quais se encontrava um considerável número de espécies geológicas e zoológicas. 3 A colecção Jussieu tem sido referida como, provavelmente, a mais antiga e significativa colecção de minerais do mundo. Os seus primeiros exemplares terão integrado a drogaria de Luís XIII.
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Museum of Natural History, em New York em 1869 e o Field Museum de Chicago em 1893.
constituição de colecções cada vez maiores, onde os objectos valiam pelo interesse em si próprios4.
Colecções: finalidades e exposição
A apresentação e a investigação eram as principais finalidades dos museus de então, sendo a observação e a comparação as principais actividades proporcionadas. Assim, as exposições dessa época caracterizavam-se por uma grande densidade de peças que, agrupadas segundo critérios funcionais e formais, tornavam afinal possível ao especialista efectuar múltiplas e meticulosas observações a fim de encontrar e registar semelhanças entre diferentes e diferenças entre semelhantes, bases essenciais
Graças aos trabalhos de Lineu (1707-1778) sobre a classificação das espécies, os museus adquiriram uma lógica científica de organização das colecções, alicerçada no arranjo sistemático dos exemplares, cenário só modificado após a “revolução” filogenética decorrente dos trabalhos posteriores de C. Darwin. A principal preocupação dos naturalistas dos séculos XVIII – XIX era pois a de encontrar explicações para a “ordem natural” – a Scala Naturae –, o que levou à
Fig. 3. A Galeria osteológica do Museu de História Natural, Londres, em 1893. Rep. de Nature’s Treasurehouse, NHM, 2001. 4 As colecções de História Natural continuam a ser, sem qualquer dúvida, os maiores acervos reunidos pela humanidade, contando-se por muitos milhões os itens reunidos e conservados em instituições museológicas de todo o mundo, 90% dos quais em reserva permanente.
Colecções e Exposições de Geociências: velhas ferramentas para novos olhares
dos estudos em Sistemática e Taxonomia, as áreas disciplinares mais directamente relacionadas com a investigação em museus. Argumenta K. Thomson (2002) em defesa das exposições tradicionais, que as “longas séries de peças e esqueletos completos” também terão sido fundamentais para atrair o público, que não seria capaz de compreender globalmente um animal… apenas pela observação dos fragmentos que podiam bastar ao especialista”. Esta posição de certo modo complementa a de C. Rudwik (1987), que considera ser difícil imaginar a construção do conhecimento, por exemplo, em Paleontologia, uma área de trabalho que se foi configurando sobretudo ao longo do século XIX, sem a existência de uma “tradição de preservação” nos museus onde se constituíram e disponibilizaram aquelas grandes colecções. “A importância dos museus, refere o autor, não é um sinal de imaturidade da ciências, uma indicação de uma fase descritiva ainda não completamente desenvolvida; pelo contrário, os museus são uma característica central da actividade de estudo dos fósseis, originada pela sua natureza material”. A modificação deste tipo de discurso museológico esboça-se a partir do último quartel do século XIX com G. Goode5 (1851-1896) nos Estados Unidos e, particularmente, com Henry Flower (1831-1899) 6 em Inglaterra. Este defendia a criação de exposições paralelas, uma destinada ao público em geral com o menor número possível de objectos necessários à compreensão do tema abordado, apoiada em legendas detalhadas, e uma galeria de estudo apenas acessível a especialistas onde, pelo contrário, estaria à disposição um grande número de exemplares7. É pois no período de transição para o século XX que começam a enraizar-se as preocupações com as questões da educação pública e se assiste, em muitos destes museus de História Natural da primeira ge-
ração, à necessidade de propor outros documentos “ilustrativos da Natureza” que pudessem interessar os visitantes. Surgem então os dioramas, recriações de peças e ambientes naturais em que os elementos tridimensionais são apresentados em conexão. Em Ciências da Terra, generalizam-se os modelos de paisagens naturais, estruturas tectónicas e de fósseis8. A evolução das Ciências Naturais e a plena assunção do carácter educativo dos museus levaram gradualmente, no decurso do século XX, à perda de importância das exposições baseadas na sistemática e na teoria da evolução, dando lugar a exposições temáticas de carácter didáctico, visando favorecer o diálogo e a comunicação entre o museu e o público (Carvalho, 1993) 9. As exposições contemporâneas tornaram-se processos criativos e colectivos, em que o discurso museológico, i.e. a selecção de elementos e a forma como os media são interligados, elaborado pelos programadores e concretizado pelas equipas de design, exprime uma ou mais mensagens cognitivas, afectivas ou ambas (Edsdon e Dean, 1994) sem as quais, a compreensão das exposições pode tornar-se problemática como acontecia nas galerias tradicionais, que tendiam a reduzir-se à exibição de peças. As colecções de fósseis constituem, incontestavelmente, um dos segmentos de maior peso no conjunto das colecções geológicas, que se estima, reunirem actualmente cerca de 275 milhões de exemplares em todo o mundo, em colecções públicas e privadas de índole e finalidades diversas (Allmon, 1997), situação que decorre sobretudo da sua relativa abundância e variedade ao longo do registo geológico. Os fósseis representam o único registo tangível que possuímos da sucessão das formas vivas no nosso planeta em contexto, constituindo, por isso, “a mais simples das ferramentas de investigação à disposição dos paleontólogos” essencial à investigação nos vários do-
5 Naturalista, historiador e Secretário do Smithsonian. Foi consultor de diversos museus, defendendo a sua função pública e educacional, a par das suas responsabilidades na investigação. Preocupavam-no, entre outras, as questões da educação em museus. 6 Henry Flower sucedeu a Richard Owen (1802-1892) na direcção do Museu de História Natural de Londres. 7 Este tipo de disposição decorria das ideias difundidas por K. Moebius em 1891, que ao reorganizar as colecções do museu de História Natural de Berlim, entendia que os museus deveriam dividir as colecções em dois segmentos diferentes; a colecção principal, constituída pelos materiais científicos organizada para fins de estudo, tão rica quanto possível em exemplares e a colecção pública, com fins de divulgação das Ciências Naturais, formada apenas por um número restrito de exemplares criteriosamente escolhidos, expostos e explicados com clareza, de forma a tornar-se um instrumento de cultura geral. 8 Sublinhe-se que estes recursos continuam a ser ainda muito usados, sobretudo com animais naturalizados, e a ter um grande impacto nos visitantes, não obstante a actual oferta de outros recursos de comunicação. 9 Esta mudança de quadro conceptual obrigou também a estudar e compreender o público, tradicionalmente entendido como homogéneo e anónimo, procurando ir ao encontro das suas aspirações e expectativas.
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mínios desta ciência e à formação e treino de novos investigadores (Allmon, 1997).
tos e processos que decorrem nas zonas mais superficiais do planeta e sobre a evolução da vida na Terra.
Em termos de abundância relativa os minerais ocupam também, no conjunto das colecções, um lugar cimeiro seguido, por ordem decrescente de importância, pelas rochas, sedimentos e solos. Todavia, não deixa de ser curioso referir que das cerca de 4000 espécies de minerais actualmente conhecidas, cerca de metade foram identificadas e descritas depois de 1970, número que continua a crescer cerca de 50 a 60 espécies ao ano (Parodi, 2000), o que significa que a minerodiversidade é muito maior do que aquela que se supunha e a sua investigação e representação em colecções, enquanto documento fundamental, continua a ter toda a pertinência, quer do ponto de vista científico quer do ponto de vista pedagógico.
O levantamento expedito realizado por Michel Rabinovitch (2004) no conjunto dos países europeus permite concluir que a maioria das colecções e exposições de temática geológica se encontra associada aos museus de História Natural ou na dependência das instituições governamentais responsáveis pela investigação no domínio das Geociências – leia-se de forma abreviada “Serviços Geológicos”; encontramse também, em menor quantidade, em museus de âmbito local ou regional, de carácter pluridisciplinar10 ou monográfico (museus mineralógicos, paleontológicos ou mineiros), por vezes instalados em antigas explorações mineiras ou junto de ocorrências naturais de particular significado, como por exemplo jazidas paleontológicas.
Estas colecções têm sido, ao longo do tempo, a nos- Embora o rumo de muita da actual investigação funsa principal fonte de conhecimentos sobre os produ- damental e aplicada em Geociências continue centrada, directa ou indirectamente, no conhecimento
Fig. 4. O museu da Comissão Geológica, Lisboa, meados de 1880. Rep. de “O Occidente”.
Colecções e Exposições de Geociências: velhas ferramentas para novos olhares
da história da Terra e da Vida e no (re)conhecimento das ocorrências minerais com interesse económico, a emergência da problemática ambiental e o debate sobre o papel do Homem na Natureza trouxeram para primeiro plano as questões da gestão dos recursos e do desenvolvimento sustentável. As Ciências da Terra encaminharam-se desde então para novas áreas de trabalho pluridisciplinares e de grande interesse social, designadamente no que respeita às vulgarmente chamadas “mudanças globais” (o efeito de estufa, as alterações climáticas, a desertificação, etc.), à gestão da água, aos riscos naturais e ao ordenamento do território 11. Se por um lado estes rumos da investigação contemporânea convergem para a construção de um novo paradigma de interpretação global do planeta, tendo por base a leitura e interpretação da complexa teia de interacções entre hidrosfera, atmosfera, biosfera e geosfera (Cavazza e Sassi, 2004), por outro, a emergência desses novos domínios de actividade veio contribuir para gerar novas colecções especializadas e reformular os conceitos de património geológico e das formas da sua conservação e apresentação. Colecções e museus à luz do paradigma da geoconservação
oitenta tem vindo a ser designado por desenvolvimento sustentável. Entre as medidas adoptadas destacam-se, pela sua importância, o estudo sistemático do património natural nas suas diferentes expressões, bem como a atribuição de estatutos especiais de protecção 12 às áreas consideradas mais vulneráveis e às ocorrências naturais de particular interesse para mostrar e interpretar a arquitectura dos processos geológicos e a história geológica regional, reconhecendo-se assim o valor científico, pedagógico e/ou cultural desse património. No que respeita aos valores geológicos, a sua expressão assume a forma de uma série de fenómenos e processos activos, responsáveis pela construção das paisagens, e pelas rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte da vida na Terra (Stanley, 2001 in Brilha, 2005). No seu conjunto, estes elementos representam a geodiversidade (ou geovariedade) local, regional ou supraregional e aquilo que tem sido consensual designar, de uma forma abrangente, por património geológico. O entendimento de que as ocorrências e os recursos geológicos constituem um património não renovável que importa preservar e transmitir às gerações futuras conduziu à ideia de geoconservação, sequência de princípios e acções que visam a preservação – sustentada – da geodiversidade, mantendo a evolução natural dos processos geológicos e permitindo, simultaneamente, a sua pública fruição (Brilha, 2005).
Desde sensivelmente os anos sessenta, quando começaram a ser dados os primeiros alertas sobre a degradação de certos ambientes e sobre a forma como a sociedade industrial estava a gerir os recursos naturais, que se tem vindo a reconhecer a dimensão e valor do património natural, bem como a necessidade de o preservar e conseguir equilíbrios na É, porém, necessário ter em consideração que, por exemplo, em paleontologia e na mineralogia, o pasua gestão. trimónio material está muito mais dependente dos Inicialmente esboçada sob a forma de “Protecção da objectos recolhidos e conservados nas colecções do Natureza”, esta tomada colectiva de consciência so- que dos seus jazigos completos in situ, aos quais bre os valores do ambiente tem vindo a consolidar-se poucas vezes se tem fácil acesso. Além disso, sublisob forma do estabelecimento e implementação de nhe-se, muitas colecções nasceram da necessidade medidas de mitigação dos impactes negativos das de proteger achados minerais e/ou paleontológicos actividades humanas e, simultaneamente, pela defi- provenientes de jazidas clássicas ou importantes e nição de políticas de compatibilização do desenvol- que, portanto, essas colecções constituem o único vimento social e económico com a gestão “racional” meio de lhes aceder e preservar. Pelo contrário, as do ambiente, consubstanciando o que desde os anos estruturas tectónicas, os afloramentos e a morfoloÉ relativamente vulgar a associação com a Arqueologia. V. Geo-scientific Manifesto on Civil Protection against Natural Hazards. In: www.eurogeologists.de/Manifestocivilprotnaturalhazards.pdf. Consultado em 20/6/2006. 12 Parques, reservas, sítio classificados, áreas de paisagem protegida, monumentos naturais. 10 11
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gia, constituem um domínio patrimonial a uma esca- para as quais concorrem os museus e as exposições la muito diferente, porventura difícil de recriar entre temáticas. paredes. Nesta perspectiva registe-se ainda que os museus de Assim, neste novo quadro de referências e face ao História Natural, no quadro dos Museus e Centros actual paradigma da conservação, apresentação e de Ciência, têm vindo a assumir progressivamente fruição in situ do “património geológico”, parece-nos uma parte importante do esforço de divulgação da ser tão legítimo como necessário questionar – e es- cultura científica protagonizando um papel nuclear clarecer – o que representam e qual o papel das co- enquanto estruturas de educação não formal e de lecções de objectos geológicos depositadas em mu- complementaridade do ensino formal e experimenseus e noutras instituições de investigação e ensino. tal. Embora uma parte substancial dos frequentadores destes dois tipos de media seja proveniente do meio escolar, a verdade é que actualmente os públicos são bastante mais amplos e o número de interessados em temas de Geociências tem vindo a aumentar. Acresce ainda que as exposições temáticas de Geologia e os museus geológicos (s.l.) são, muitas vezes, a primeira ou mesmo a única forma de contacto entre diversos segmentos de público e esta área do conhecimento, proporcionando por isso uma excelente oportunidade para inserir a História da Terra e da Vida na cultura geral e para mostrar que as Geociências são um domínio do conhecimento activo e útil, não só nas suas inúmeras relações com o dia-a-dia da moderna sociedade, como também pelo seu contributo para a Importa por isso partilhar este conhecimento entre compreensão dos fenómenos naturais e gestão dos a comunidade científica responsável pela investigarecursos minerais. ção em todos estes domínios e os cidadãos, muito particularmente com aqueles que estão de algum Nesta perspectiva, o esforço a fazer pelas estrutumodo envolvidos na problemática da gestão e da ras museológicas deverá orientar-se quer no sentido tomada de decisão sobre o uso do solo, do subso- da construção dum conhecimento geológico básico lo e da água. A ideia-chave é a de que “um público tendo em vista a produção de uma visão holística do informado em matéria de geologia e recursos geoló- planeta, quer no sentido da valorização do patrimógicos está melhor preparado para tomar decisões no nio natural e da geoconservação. âmbito da gestão desses recursos e dos impactos da Estes temas, além de necessariamente ancorados sua exploração sobre o ambiente”13. Coloca-se assim, nas colecções, deverão ser tratados de modo acescom grande pertinência, a questão da “educação” em sível ao mais amplo leque de públicos, a fim de que Ciências da Terra, enquanto competência necessária estes “possam ser cativados para um melhor entendipara a compreensão dos valores da Natureza e para mento da importância do solo que ocupam e utilizam, a implementação de uma estratégia de gestão sus- ou da paisagem que observam”. tentada do ambiente e dos recursos geológicos. A Geologia desempenha na sociedade contemporânea um papel de grande responsabilidade social. Este papel é-lhe conferido pelo conhecimento que permite compreender as condições de ocorrência de um vasto leque de (geo)recursos essenciais à manutenção da qualidade de vida das populações e ao seu desenvolvimento económico, pelo estudo e prevenção dos riscos naturais, pela caracterização geotécnica dos terrenos onde são implantados os edifícios e outras infra-estruturas e até mesmo em certos domínios da saúde pública. Pode assim dizer-se, sem sombra de dúvida, que o conhecimento geológico é estruturante da sociedade e parte incontornável das políticas de ordenamento do território.
A resposta a esta questão implica a definição de estratégias que passem não apenas pela adequação dos currículos escolares a todos os níveis de ensino, como também pela promoção e reforço de acções de divulgação e aprendizagem informal ou de outras formas de mediação da comunicação científica,
Nota final Ao apontar estas novas janelas de oportunidades aos museus e exposições tradicionais de materiais geológicos, estes objectivos gerais vêm reforçar a nossa convicção de que as colecções de produtos geológicos são críticas, para o tratamento de todas aque-
13 Adap. de Position statements Concerning Public Outreach and Governmental Policies, adopted by SEG Council (Society for Economic Geologists) on 3 Novembre 2003. In: www.segweb.org/Position Statements.pdf. Consultado em 20/6/2006.
Colecções e Exposições de Geociências: velhas ferramentas para novos olhares
las temáticas, mediante a utilização de linguagens e formas de comunicação que aproximem o discurso museológico dos públicos, sob pena de que se não o fizerem, se distanciarão cada vez mais dos potenciais utentes sem outro rumo que não o da sobrevivência a si próprios. Afigura-se-nos assim, a existência de uma complementaridade inalienável entre museus e colecções no sentido tradicional dos conceitos e o património de certas ocorrências naturais relevantes – geossítios – que, pela sua escala espacial e/ou temporal, não podem ser deslocados da Natureza e sobre os quais se configura, como única via possível para a sua conservação, a apresentação e fruição in situ. Nesta óptica, as colecções, na sua especificidade, continuam a ser uma ferramenta imprescindível de investigação e educação em Geociências, ilustrando e documentando a geodiversidade e suportando o diálogo sobre as novas problemáticas do desenvolvimento social e económico. Bibliografia Antunes, M.T. (2000) – Paleontologia em Portugal. Colóquio-Ciências 25, p.54-75. Fund. Calouste Gulbenkian. Lisboa. Allmon, W.D. (1997) – Collections in Paleontology. Paleontology in the 21st Century Workshop. International Senckenberg Conference, Edit. by H.R.Lane, J. Lipps, F. Steininger and W. Ziegler, p. 155-159. Frankfurt. Barbosa, B., Ferreira, N. e Barra, A. (1999) – Importância da Geologia na defesa do património geológico, no geoturismo e no ordenamento do território. Geonovas, 13, p. 22-33. Associação Portuguesa de Geólogos. Lisboa. Boulliard, J.C. (1999) – Notion de patrimoine géologique. In: www.geopolis-fr.com/download/Patrimoine%20geologique.pdf Boulliard, J.C. (2004) – Les collections de minéraux? De l’utile à l’agréable, des tiroirs aux cimaises. Géologues 140, p. 65-68. Paris. Brigola, J.C. (2003) – Colecções, Gabinetes e Museus em Portugal no século XVIII. Col. Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas. Fund. Calouste Gulbenkian. Lisboa. Brilha, J.B. (2005) – Património Geológico e geoconservação. Palimage Edit. Braga.
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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
GEONOVAS nº 21, pp. 41 a 51, 2008
Modelação conceptual em Hidrogeologia: um caso de estudo no Parque Natural da Serra da Estrela Jorge Espinha Marques1; José Manuel Marques2; José Martins Carvalho3; Javier Samper4; Paula M. Carreira5; Paulo Emanuel Fonseca6, Fernando Monteiro Santos7, Hélder Chaminé3; Pedro Gabriel Almeida8; Rui Marques Moura1; Frederico Sodré Borges1; Ary Pinto de Jesus1 1 Departamento e Centro de Geologia da Univ. do Porto, R. do Campo Alegre, 4169 - 007 Porto, jespinha@fc.up.pt 2 Instituto Superior Técnico, Univ. Técn. de Lisboa, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa 3 Instituto Superior de Engenharia do Porto, R. do Dr. António Bernardino de Almeida, 431, 4200-072 Porto 4 Escola de Camiños, Universidade da Coruña, Campus Elviña, 15192 A Coruña 5 Instituto Tecnológico e Nuclear, Estrada Nacional nº 10, 2685-953 Sacavém 6 Departamento de Geologia da Universidade de Lisboa, Edifício C6, 2º Piso, Campo Grande,1749-016 Lisboa 7 Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa, Edifício C8, 6º Piso,1749-016, Campo Grande,1749-016 Lisboa 8 Departamento de Engenharia Civil, Universidade da Beira Interior (CECUBI), Covilhã
Resumo: A modelação de um sistema hidrogeológico deve ter como ponto de partida a construção de um modelo conceptual, o qual consta de uma construção mental — expressa através de ideias, palavras e valores numéricos — resultante da interpretação da informação disponível num determinado momento. A definição de um modelo hidrogeológico conceptual preliminar é uma das primeiras, e mais importantes, fases do processo da modelação, servindo de fundamento aos modelos matemáticos subsequentes. Ilustra-se o processo de modelação conceptual do sistema hidrogeológico da Bacia do Zêzere a Montante de Manteigas (BZMM), localizado na região do Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE). Trata-se de um sistema complexo, numa região com características geológicas, geomorfológicas e climáticas particulares. Os recursos hidrogeológicos aí existentes, de elevada qualidade e valor económico, incluem águas subterrâneas (normais e termominerais) e águas superficiais. Palavras-chave: modelo conceptual, sistema hidrogeológico, multidisciplinaridade, Bacia do Zêzere a Montante de Manteigas. Abstract: The modelling of a hydrogeological system should start with the elaboration of a conceptual model, which consists of a mental construction — expressed by ideas, words and figures — resulting from the available information at a certain moment. The definition of a conceptual model is one of the first, and most important, steps of the modelling process, and is the foundation of the subsequent mathematical models. The process of the conceptual modelling of the River Zêzere Drainage Basin Upstream of Manteigas hydrogeological system is explained. This is a complex system, in a region with particular geologic, geomorphologic and climatic features. The corresponding groundwater resources, of high economic value, include both groundwaters (normal and thermomineral) and surface waters. Keywords: conceptual model, hydrogeological system, multidisciplinarity, River Zêzere Drainage Basin Upstream of Manteigas. Recebido, Outubro, 2007. Aceite, Dezembro, 2007.
Introdução O funcionamento de um sistema hidrogeológico pode A elaboração de um modelo conceptual de um sisser representado através de um modelo conceptual, tema hidrogeológico deve ser o ponto de partida e ou seja, por intermédio de uma construção mental, o passo mais importante da modelação. A qualidade resultante da interpretação da informação disponível dos resultados a obter através da aplicação dos resnum determinado momento. A modelação concep- tantes tipos de modelo depende, em grande medida, tual implica a assumpção de simplificações, funda- da qualidade do modelo conceptual. A conceptualimentais para facilitar a aplicabilidade do modelo, as zação de um sistema hidrogeológico implica a comquais devem ser, tanto quanto possível, restringidas, preensão da natureza dos aquíferos abrangidos, das suas características genéricas e dos processos físicos de forma a garantir o rigor da representação. envolvidos.
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O presente trabalho ilustra o processo de modelação conceptual do sistema hidrogeológico localizado na região do Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), no sector de Manteigas-Nave de Santo António-Torre, o qual corresponde, aproximadamente, à área designada por Bacia do Zêzere a Montante de Manteigas (BZMM; fig. 1; Espinha Marques, 2007).) — Espinha Marques 2007. Esta região apresenta características geológicas, geomorfológicas e climáticas específicas, que condicionam directamente o ciclo hidrológico regional e, consequentemente, a disponibilidade de recursos hídricos. Tais recursos, de elevada qualidade e valor económico, incluem águas subterrâneas (normais e termominerais) e águas superficiais.
de depósitos de resíduos radioactivos), o estudo de intrusões salinas em aquíferos costeiros, ou a infiltração da água nos solos. Como os sistemas de medição dos processos hidrológicos apresentam limitações devidas ao tipo de técnicas usadas e à distribuição espacio-temporal dos registos, a modelação surge como um modo de simular o comportamento hidrológico, extrapolando os dados disponíveis (Beven 2001). Neste contexto, a modelação tem sido habitualmente usada para auxiliar a compreensão do funcionamento dos sistemas e, mesmo, para a previsão o seu comportamento futuro, de acordo com alterações de uma ou mais das suas características.
O modelo dum sistema natural é, por definição, uma representação formal e simplificada de uma dada reA modelação tem sido considerada um instrumento alidade. Existem numerosas classificações de modefundamental para o estudo de sistemas hidrológicos los (Beven 2001). No caso dos modelos aplicados em (e.g., Dingman 1994, Custodio & Llamas 1996, FetHidrogeologia, Fetter (2001) menciona os modelos ter 2001, Fitts 2002). Os modelos são aplicados em conceptuais, que descrevem um sistema num dado numerosas situações, abrangendo as mais diversas instante, sendo de carácter estático, por oposição escalas. São exemplos disso a avaliação dos fluxos aos modelos dinâmicos, os quais incluem os seguinem sistemas hidrológicos regionais, as oscilações tes tipos: (i) modelos físicos à escala, (ii) modelos da superfície piezométrica em função da recarga analógicos e (iii) modelos matemáticos. Se, numa ou descarga do sistema aquífero, a interacção entre fase inicial do emprego destes métodos, os modelos águas subterrâneas e águas superficiais, o transporte dos tipos (i) e (ii) eram os mais frequentes, com a de poluentes (a partir de aterros sanitários, de explogeneralização do uso de computadores e de prograrações agrícolas, de unidades industriais ou de oumas informáticos eficientes, os modelos matemátitras fontes), o transporte de radionuclídeos (a partir cos passaram a predominar (Singhal & Gupta 1999). Modelação conceptual em Hidrogeologia
A definição de um modelo hidrogeológico conceptual preliminar é uma das primeiras, e mais importantes, fases do processo da modelação. Este género de modelo — expresso através de ideias, palavras e valores numéricos — constitui o fundamento dos modelos matemáticos subsequentes, influenciando a escolha do tipo de programa de computador a utilizar, assim como o planeamento das actividades destinadas à caracterização do sistema (NAP 1997). De facto, a qualidade dos resultados da modelação matemática é claramente influenciada pela qualidade do modelo conceptual preliminar.
Figura 1. Localização geográfica do PNSE e da BZMM (adaptado de Espinha Marques 2007).
Este modelo preliminar, naturalmente muito limitado, dada a escassez de informação na fase em que é elaborado, vai sofrendo sucessivos aperfeiçoamentos, à medida que nova informação vai sendo obtida, contribuindo para ampliar o conhecimento sobre o sistema hidrogeológico.
Modelação conceptual em Hidrogeologia O Parque Natural da Serra da Estrela
O processo de conceptualização implica a compreensão da natureza do sistema hidrológico, das suas características genéricas (tais como a litologia, o tipo de solo, o relevo, a variabilidade espacial dos parâmetros hidráulicos, a hidrogeoquímica, as características geológicas e geométricas dos limites do sistema, etc.) e dos processos físicos e químicos envolvidos. O modelo matemático procura, por seu turno, simular o modelo conceptual. O modelo conceptual resulta da percepção do investigador em relação ao funcionamento do sistema, a qual depende, em muito, da sua experiência, com destaque para a de campo.
desenvolvimento de um modelo exige um processo iterativo: os resultados da modelação matemática contribuem para o aperfeiçoamento do modelo conceptual e vice-versa, de modo encadeado. Quadro hidrogeológico da BZMM
A região da Serra da Estrela (fig. 1) situa-se na Zona Centro-Ibérica do Maciço Ibérico (Ribeiro et al. 1990). As condições geológicas constituem uma parte fundamental do sistema hidrogeológico regional, uma vez que controlam algumas das suas principais características, nomeadamente os processos de infiltração e de recarga dos aquíferos, o tipo de meio O grau de pormenor do modelo depende da sua esde circulação (poroso vs. fissurado), os trajectos do cala e do fim a que se destina. Na fase inicial dos fluxo subterrâneo ou a hidrogeoquímica. estudos, a disponibilidade de dados pode não ser suficiente para permitir a elaboração de um mode- A tectónica da área estudada é dominada pela melo conceptual satisfatório. Neste caso, a colheita de gaestrutura regional designada por zona de falha de dados adicionais no terreno pode ajudar a colmatar Bragança-Vilariça-Manteigas (ZFBVM), a qual corlacunas. Posteriormente, a confrontação com os re- responde a um desligamento esquerdo que constisultados da aplicação de outros tipos de modelação, tui uma das mais importantes estruturas do sistema especialmente a matemática, pode contribuir para tardi-Varisco de fracturas do Noroeste da Ibéria (fig. o aperfeiçoamento do modelo conceptual. Assim, o 2). A sua reactivação durante o Cenozóico pela tectónica compressiva Alpina, juntamente com a reactivação de falhas regionais predominantemente inversas (tais como a falha de Seia-Lousã), deu origem ao soerguimento do maciço montanhoso da Serra da Estrela sob forma de um horst numa estrutura do tipo pop-up (Ribeiro 1988, Ribeiro et al. 1990). Os principais litótipos presentes na região são (fig. 3): (i) Rochas graníticas de idade Varisca; (ii) Rochas metassedimentares de idade Precâmbrica-Câmbrica; (iii) depósitos aluvionares e glaciários do Quaternário. Na BZMM, foram estabelecidas as seguintes unidades hidrogeológicas (quadro 1): (i) Depósitos de Cobertura que incluem, localmente, depósitos aluvionares, glaciários e fluvioglaciários; (ii) Rochas Metassedimentares, localmente compostas por xistos, grauvaques e metaconglomerados; (iii) Rochas Graníticas, correspondentes a diversos tipos de granitóides.
Figura 2. Principais traços morfotectónicos do Norte e Centro de Portugal (adaptado de Carvalho 2006). FPCT- Faixa de Cisalhamento Porto - coimbra - Tomar; FVVNCRFalha de Vigo - VN Cerveira - Régua; FVRP- Falha de Verín - Régua - Penacova; FBVM- Falha de Bragança - Vilariça - Manteigas; FSLFalha de Seia - Lousã; FP- Falha do Pônsul.
A Serra da Estrela, cuja altitude máxima é de 1993 m (a mais elevada de Portugal Continental), integra a Cordilheira Central Ibérica, uma cadeia montanhosa de orientação ENE-WSW, correspondendo a uma morfoestrutura de tipo “montanha de blocos” (cf. O. Ribeiro 1954). Esta montanha constitui o sector mais oriental e elevado do alinhamento montanhoso de direcção NE-SW existente entre a Guarda e a Serra da Lousã, ao longo de cerca de 115 km, com uma
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largura média de 25 km (Lautensach 1932, Daveau 1969). A Serra da Estrela exibe características climáticas e geomorfológicas particulares, que desempenham um papel importante no ciclo hidrológico local, especialmente no sub-ciclo hidrogeológico. A BZMM tem uma área de cerca de 28 km2 e altitude compreendida entre 875 m (na estação hidrométrica de Manteigas) e 1993 m (no alto da Torre). O relevo deste sector é dominado por dois planaltos principais (fig. 4), separados pelo vale do rio Zêzere, de orientação NNE-SSW: o planalto da Torre-Penhas Douradas (1450-1993 m), situado a ocidente, e o planalto do Alto da Pedrice-Curral do Vento (1450-1761 m), situado a oriente. Estes planaltos são compósitos, exibem superfícies aplanadas a diferentes altitudes e incluem alguns vales amplos. A geomorfologia glaciária do Plistocénico Superior e os depósitos associados distinguem esta região, glaciada durante o Último Máximo da Glaciação (e.g., Daveau et al. 1997, Vieira 2004). O clima da Serra da Estrela é marcado por um cariz mediterrâneo, com verões quentes e secos (Daveau et al. 1997, Vieira 2004 e Mora 2006). A estação húmida estende-se entre Outubro e Maio, com precipitação média anual superior a 2000 mm na maior parte da área dos planaltos, chegando a ultrapassar 2500 mm nas imediações da Torre. A precipitação aparenta ser sobretudo controlada pela altitude e orientação da serra em relação aos fluxos dominantes das massas de ar. A zona ocidental do maciço Figura 3. Geologia da região da Serra da Estrela (simplificado de Oliveira et al. 1992). A- aluviões; gm- Granito de ?? Penamacor e Covilhã. Quadro 1 — Caracterização das unidades hidrogeológicas da BZMM. Nota: n.a.: não aplicável. Características hidrogeológicas Ligação hidráulica com a rede de drenagem
Tipo de captação mais produtivo
Elevada (> 5m)
Argiloso
Arenoso
Poços ou Nascentes
n.a.
n.a.
n.a.
•
Depósitos aluvionares
•
•
n.a.
n.a.
n.a.
•
Rochas metassedimentares
Xistos, grauvaques e metacomglomerados
•
•
•
Rochas graníticas
Granitos
•
•
•
• •
Furos
Reduzida (< 5m)
•
Fissurado
•
poroso
Depósitos glaciares e fluvioglaciares
n.a.
sedimentar
Horizonte de Meteorização
n.a.
Cobertura
Tipo de meio de circulação
Unidades hidrogeológicas locais
Possível
regionais
Ausente
Unidades hidrogeológicas
Presente
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• •
•
•
Modelação conceptual em Hidrogeologia O Parque Natural da Serra da Estrela
Figura 4. Morfologia da região da BZMM (coordenadas da quadrícula Gauss, datum de Lisboa); extraído de Espinha Marques 2007.
apresenta maior número de dias com precipitação do que a zona oriental (mas um valor médio anual ligeiramente inferior). Por outro lado, observa-se, à escala regional, um aumento da precipitação com a altitude; no entanto, à escala local, a distribuição espacial da precipitação é de difícil interpretação devido à sua relação com o fluxo das massas de ar, nomeadamente com mecanismos complexos de convergência e divergência controlados pela morfologia da montanha. A irregularidade espacial e temporal dos fenómenos relacionados com a neve tem sido referida em diversos estudos (Andrade et al. 1992, Mora & Vieira 2004). No entanto, a importância hidrológica da neve, nomeadamente no que respeita ao papel desempenhado pela mesma na infiltração e recarga dos aquíferos, justifica o aprofundamento do conhecimento do seu padrão de precipitação e da evolução sazonal da cobertura nivosa. A temperatura média mensal medida nas estações meteorológicas das Penhas Douradas, Lagoa Comprida e Penhas da Saúde revelam que a Serra da Estrela é caracterizada por um regime térmico simples (Vieira & Mora 1998). O mês mais quente é Julho e o mais frio é Janeiro. A temperatura média anual é inferior a 7ºC na maior parte da área dos planaltos, sendo, no Alto da Torre, inferior a 4ºC. O processo de modelação conceptual da BZMM A modelação conceptual da BZMM foi uma das componentes mais importantes do estudo hidrogeológico, de índole claramente multidisciplinar, aí realizado.
O respectivo modelo hidrogeológico conceptual consistiu, desde o início do estudo, numa hipótese evolutiva directamente relacionada com o reconhecimento de determinadas feições, processos e ocorrências respeitantes ao sistema aquífero. A conceptualização passou pela identificação dos tipos de aquíferos abrangidos, das suas características gerais e dos processos físicos e químicos envolvidos. As principais características consideradas foram a litologia, o meio de circulação (poroso ou fissurado), a hidrogeoquímica, a morfoestrutura, a interacção entre água subterrânea e água superficial e a localização de potenciais áreas de recarga e de áreas de descarga (Espinha Marques 2007). Na fase inicial do estudo, foram elaborados os quadros geológico, geomorfológico e climatológico, quer à escala regional, quer à escala local (fig. 5). A estrutura da área da Nave de Santo António foi estudada através de métodos geofísicos de resistividade eléctrica (e.g., Marques et al. 2006, Espinha Marques 2007). Com base nas primeiras observações, foi produzido um modelo hidrogeológico conceptual preliminar, naturalmente bastante limitado, dada a escassez da informação então disponível. De seguida, foi desenvolvido o estudo hidrogeológico propriamente dito, o qual incluiu diversas componentes (fig. 5). Concretamente, foram definidas as unidades hidrogeológicas (e.g., Afonso et al. 2005); foi realizado o inventário hidrogeológico (Espinha Marques 2007); foi levado a cabo o estudo hidrogeoquímico (e.g., Marques et al. 2006, Espinha Marques et al. 2006a), o qual incluiu uma componente convencional e uma componente de Hidrologia Isotópica); foi efectuado o estudo da zona não saturada (e.g., Espinha Marques et al. 2007, Espinha Marques 2007), conduzido sob uma perspectiva hidropedológica; foram definidas unidades hidrogeomorfológicas (e.g., Espinha Marques et al. 2005) — fig. 6. A modelação matemática do balanço hidrológico e da recarga dos aquíferos foi efectuada através do modelo Visual Balan 2.0 (e.g., Samper et al. 1999, 2005, Espinha Marques et al. 2006b). Ao longo da realização do estudo hidrogeológico, o modelo conceptual preliminar foi sucessivamente aperfeiçoado, à medida que novos resultados iam ficando disponíveis. A versão final do modelo conceptual foi elaborada, integrando toda a informação disponível, num esforço claramente multidisciplinar (fig. 5).
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Figura 5. Esquema dos trabalhos de investigação da hidrogeologia da BZMM (extraído de Espinha Marques 2007).
Um modelo hidrogeológico conceptual da BZMM A modelação conceptual da BZMM procurou abarcar a diversidade hidrogeológica da região, manifestada pela ocorrência de diversos tipos de aquíferos e de águas subterrâneas, onde claramente predominam os meios de circulação fissurados sobre os porosos (fig. 7). Concretamente, nesta região, estão presentes três tipos de aquíferos interrelacionados e dotados das seguintes características genéricas (Espinha Marques 2007):
Figura 6. Unidades hidrogeomorfológicas da BZMM. (1) Planalto Oriental; (2) Encostas Orientais; (3) Fundo de Vale (inferior); (4) Colo da Nave de Santo António; (5) Fundo de Vale (superior); (6) Encostas Ocidentais; (7) Encostas dos Cântaros; (8) Planalto Ocidental (inferior); (9) Planalto Ocidental (superior) (extraído de Espinha Marques 2007).
(i) Aquíferos superficiais: livres, em contacto hidráulico com a zona não saturada e com a atmosfera; com circulação de águas subterrâneas normais; com meio de circulação poroso (no caso dos depósitos de cobertura, assim como das rochas cristalinas mais intensamente meteorizadas e/ou tectonizadas), ou fissurado (em rochas cristalinas menos meteorizadas e/ou tectonizadas).
Modelação conceptual em Hidrogeologia O Parque Natural da Serra da Estrela
(ii) Aquíferos intermédios: semi-confinados a confinados; situados directamente sob os aquíferos livres; com circulação de águas subterrâneas normais; com meio de circulação fissurado em rochas cristalinas.
e, predominantemente, com fácies hidrogeoquímica bicarbonatada-sódica ou cloretada-sódica. As águas minerais são hipertermais (com temperatura máxima registada superior a 46ºC), têm resíduo seco inferior a 170 mg/L, pH próximo de 9, teor em sílica superior a 45 mg/L e concentração em fluoreto superior a 6 mg/L; são sulfúreas e de fácies hidrogeoquímica bicarbonatada-sódica.
(iii) Aquíferos profundos: confinados; situados sob os aquíferos intermédios; com circulação de águas termominerais; com meio de circulação fissurado e correspondendo, tal como no caso A recarga dos aquíferos livres tem origem na infiltração resultante da precipitação (fundamentalmenanterior, a rochas cristalinas. te, sob forma de chuva ou neve). As áreas mais faO sistema hidrogeológico da BZMM pode, assim, voráveis para a infiltração e para a recarga (e, por ser dividido em dois subsistemas interligados: o das consequência, menos favoráveis ao escorrimento águas subterrâneas normais e o das águas termomi- superficial), são as caracterizadas por declives redunerais. As primeiras são águas cuja temperatura de zidos, solos espessos e cobertura vegetal abundante. emergência se encontra directamente condicionada Tais áreas constituem parte das unidades hidrogeopela temperatura do ar, com resíduo seco inferior a morfológicas dos Planaltos (Ocidental e Oriental), do 60 mg/L (podendo ultrapassar este valor se conta- Fundo de Vale (inferior e superior) e do Colo da Nave minadas por sal das estradas), com pH entre 5 e 7 de Santo António (fig. 6). Os resultados da modelação hidrológica com o programa Visual Balan revelam que cerca de um terço da precipitação dá origem à evapotranspiração e à intercepção. Por outro lado, o escorrimento superficial ultrapassa 10% da precipitação. A fracção mais importante (cerca de 40%) corresponde, no entanto, ao fluxo lateral, através da zona não saturada (escoamento hipodérmico).
Tal valor encontra justificação nas características da zona não saturada, a qual apresenta, com elevada frequência, uma estrutura em que uma camada de permeabilidade reduzida, constituída por rocha granítica pouco fissurada e/ou alterada, subjaz uma camada com elevada permeabilidade, constituída por rocha sedimentar não consolidada ou por rocha granítica muito alterada e/ou tectonizada. Assim, apenas uma fracção de cerca de 15% da precipitação média anual fica disponível para a recarga dos aquíferos. O restante é devolvido à atmosfera sob forma de intercepção e evapotranspiração ou, no caso do escorrimento superficial e do escoamento hipodérmico, é escoado pela rede hidrográfica, sem passar pelos aquíferos (fig. 8). Figura 7. Meios de circulação de águas subterrâneas na BZMM: (a) fissurado (granito não alterado); (b1) porosos (granito meteorizado); (b2) porosos (depósito glaciário); (extraído de Espinha Marques 2007).
Para além da ligação hidráulica à rede hidrográfica, os aquíferos livres apresentam também ligação aos aquíferos confinados com circulação de águas normais. Desconhece-se, na actual fase do conhecimento da hidrogeologia da BZMM, o exacto funcionamento dessa ligação, bem como os volumes de água
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Figura 9. Vale glaciário do Zêzere, com direcção NNE-SSW (extraído de Espinha Marques 2007). Figura 8. Representação esquemática do modelo hidrogeológico conceptual da BZMM (extraído de Espinha Marques 2007).
envolvidos. No conjunto das águas das nascentes, é de esperar que algumas drenem, essencialmente, os aquíferos livres e, eventualmente, a zona não saturada. Outras nascentes poderão ter contribuição de circulação mais profunda, abrangendo, porventura, os aquíferos confinados. Os teores em 3H determinados nas águas subterrâneas normais — semelhantes aos teores atmosféricos — indicam que o tempo de residência no sistema aquífero é, em todos os casos, relativamente curto. Por outro lado, a recarga do aquífero hidromineral tem origem na circulação descendente da água proveniente dos aquíferos superficiais e intermédios. Esta circulação profunda tem lugar, fundamentalmente, em zonas do maciço granítico com permeabilidade acrescida pela presença de estruturas geológicas com importância regional: a falha de BragançaVilariça-Manteigas, de direcção NNE-SSW (fig. 9), e as respectivas conjugadas, com direcção WNW-ESE.
Assim, considerando a globalidade da informação disponível, foram identificadas três áreas de recarga (fig. 11) situadas entre 1400 e 1600 m de altitude: (i) A Nave de Santo António, situada sobre um segmento NNE-SSW da falha de Bragança-VilariçaManteigas. (ii) O Vale do Covão da Ametade, situado sobre uma falha conjugada com direcção WNW-ESE. (iii) O Vale da Candieira, situado sobre uma falha conjugada com direcção WNW-ESE a E-W. A maior parte da água subterrânea que aflui a estas zonas escoa-se por via superficial. Outra parte, circula para zonas mais profundas do maciço granítico através das zonas tectonizadas, acabando por atingir o reservatório hidromineral, situado a cerca de 3,1 km de profundidade (estimativa obtida por geotermometria; Marques et al. 2006).
Dada a distância entre as potenciais áreas de recarga e a área de descarga (fig. 11) e a profundidade Com base nos resultados da Hidrologia Isotópi- do reservatório hidromineral, o tempo de residência ca (valores de d18O vs. altitude), juntamente com a dos fluidos deverá ser bastante longo. Com efeito, informação relativa à distribuição espacial das lito- a determinação da idade aparente 14das águas sublogias, das estruturas tectónicas e das geoformas, terrâneas através de datação por C aponta para estimou-se que a altitude de recarga do subsistema uma desfasamento de cerca de 10 500 anos entre a hidromineral ocorre a cerca de 1500 m de altitude. infiltração nas áreas de recarga e a emergência nas As áreas mais favoráveis para a referida recarga são Caldas de Manteigas. vales tectónicos, em cujas vertentes e fundo a ro- A localização da área de descarga (fig. 11) é controcha granítica está, geralmente, coberta por depósitos lada pela presença de um nó tectónico, resultante da glaciários, fluvioglaciários ou aluvionares (fig. 10). intersecção entre a FBVM, com direcção NNE-SSW, e
Modelação conceptual em Hidrogeologia O Parque Natural da Serra da Estrela
Figura 10. Esquema de uma zona de recarga do subsistema hidromineral (extraído de Espinha Marques 2007, acima). Figura 11. Localização das áreas de recarga e tipos de circulação no subsistema hidromineral (extraído de Espinha Marques 2007, à direita).
uma falha conjugada, com direcção WNW-ESE (IGM 1999, Carvalho 2006). A referida intersecção terá originado uma zona de permeabilidade acrescida, a qual facilita a movimentação dos fluidos entre o reservatório hidromineral e a superfície. É de formular, também, a hipótese de a referida estrutura WNWESE impor um efeito de barreira ao fluxo hidromineral, reforçando as condições para a sua ascensão. Na área de descarga, o aquífero hidromineral deverá ter comportamento semi-confinado, ocorrendo alguma mistura entre águas termominerais e águas subterrâneas normais.
dos processos físicos envolvidos. Caso parta de um bom modelo conceptual, o estudo terá, certamente, melhores resultados, podendo ser realizado com menor consumo de recursos.
O presente trabalho procurou ilustrar a importância da modelação conceptual em Hidrogeologia, recorrendo ao caso de estudo de um sistema hidrogeológico localizado na região do Parque Natural da Serra da Estrela (sector de Manteigas-Nave de Santo António-Torre).
A modelação conceptual do sistema hidrogeológico da Bacia do Zêzere a Montante de Manteigas beneficiou de uma abordagem multidisciplinar, a qual permitiu ter em consideração a elevada complexidade do mesmo. Assim, o modelo conceptual procurou ter em conta a diversidade hidrogeológica da região, manifestada pela ocorrência de diversos tipos de aquíferos e de águas subterrâneas.
A modelação conceptual de um sistema hidrogeológico é uma parte fundamental do estudo de um sistema hidrogeológico, devendo o investigador colocar todo o cuidado na construção do respectivo modelo. A elaboração de um modelo conceptual realista implica uma boa compreensão da natureza dos aquíferos abrangidos, das suas características genéricas e
O modelo conceptual assim elaborado revelou-se fundamental para apoiar a realização das restantes tarefas envolvidas na investigação (como, por exemplo, para melhorar a escolha e a aplicação dos restantes tipos de modelação), esperando-se, também, que venha a ser útil para a tomada de decisões sobre a gestão dos recursos hídricos de uma região.
Considerações finais
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Agradecimentos
Portugal). In: L. Chery & Gh. de Marsily (Eds.), AquiEste trabalho recebeu apoio da Fundação para a Ci- fer Systems Management: Darcy´s Legacy in a World ência e a Tecnologia (FCT) e de fundos do FEDER, of Impending Water Shortage, SP-10 Selecetd papers através do projecto de I&D HIMOCATCH (contrato on Hydrogeology, IAH, Taylor & Francis Group, Volume 10, 207-221. POCTI/CTA/44235/02). Espinha Marques, J.; Marques, J.M., Chaminé, H.I., Carreira, P.M., Fonseca, P.E., Samper, J., Vieira, G.T.; Afonso, M. J.; Espinha Marques, J.; Marques, J. M.; Mora, C.; Teixeira, J.; Martins Carvalho, J.; Sodré Carreira, P.; Carvalho, J. M.; Marques da Silva, M.; Borges, F. & Rocha, F.T. (2006a). Hydrogeochemical Samper, J.; Veiga, B.P.; Borges, F. S.; Rocha, F. T.; model of a low temperature geothermal system in a Fonseca, P. E.; Gomes, A.; Araújo, M. A.; Vieira, G. T.; mountainous terrain, Serra da Estrela, Central PorMora, C.; Teixeira, J.; Almeida, P. G.; Gonçalves, J. A. & tugal. Geothermal Resources Council Transactions, Chaminé, H. I. (2005). Hydrogeology of hard-rocks in 30:913-918. the Portuguese Iberian Massif: Porto urban area and Espinha Marques, J.; Marques, J.M.; Chaminé, H.I.; Serra da Estrela mountain region. In: J.P. Lopo Fer- Afonso, M. J.; Carreira, P.M.; Fonseca, P.E.; Cabral, reira & J. Vieira, Eds, Proceedings The Fourth Inter- J.; Monteiro Santos, F.A.; Vieira, G.T.; Mora, C.; GoCeltic Colloquium on Hydrology and Management of mes, A.; Teixeira, J.; Samper, J.; Pisani, B. J.; Aguiar, Water Resources - Water in Celtic Countries: Quan- C.; Gonçalves, J.A.; Almeida, P.G.; Cavaleiro, V.; Martity, Quality and Climate Variability, Universidade do tins Carvalho, J.; Sodré Borges, F.; Aires-Barros, L. & Minho, Guimarães, LNEC-IAHS (CD-Rom edition). Rocha, F.T. (2005). Hydrogeological study of a high Andrade, E.; Mora, C.; Neves, M. & Vieira, G. (1992). mountain area (Serra da Estrela, Central Portugal): a Desportos de Inverno na Serra da Estrela. Contribui- multidisciplinary approach. Cad. Labor. xeol. Laxe, A ção para o estudo da sua viabilidade. Finisterra, Lis- Coruña, 30:145-166. Referências
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GEONOVAS nº 21, pp. 53 a 66, 2008
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
Os sedimentos da albufeira da Venda Nova (rio Rabagão) e a “erosão” das praias Ana Luísa Costa, Helena Granja Departamento de Ciências da Terra, Escola de Ciências, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga alcosta@netc.pt; hgranja@dct.uminho.pt
Resumo: A migração das praias para o interior, correntemente designada por erosão das praias, tem sido atribuída a várias causas (Bird, 1996) entre as quais: o pisoteio das dunas; a extracção de areia dos rios, praias e dunas; a retenção de sedimentos nas albufeiras das barragens; as estruturas portuárias e de defesa costeira; e a subida do nível do mar provocada pelo glacio-eustatismo, ligado ao aquecimento global da atmosfera, e pelo tectono-eustatismo. Sintetizam-se as opiniões, de alguns autores portugueses, sobre as causas da migração das praias para o interior (erosão das praias). Comparam-se, como achega para a compreensão dessa migração, os sedimentos dos enchimentos das albufeiras da Venda Nova, de Salamonde e da Caniçada com os do rio Cávado e das praias que envolvem o seu estuário; utiliza-se a descrição dos sedimentos, baseada em dados dimensionais das suas populações detríticas e nas suas associações de minerais pesados. Os dados sedimentológicos não permitem inferir (por insuficiente número de amostras -130) uma ligação das acumulações de sedimentos nas albufeiras das barragens (predomínio de indivíduos finos) com as areias das praias. Mantém-se em aberto o problema que atribui às barragens a principal causa da migração das praias para o interior (erosão das praias). Referem-se os factos mais significativos na discussão do problema, como o eustatismo e o esgotamento das fontes de alimentação das areias não ligadas às redes fluviais (acumulações clásticas na plataforma continental e formações que afloram na faixa costeira). Palavras-chave: sedimentos; barragens; migração das praias para o interior (erosão das praias). Abstract: The inland beach migration, also known as beach erosion, is attributed to several causes (Bird, 1996) and among them to: dune trampling; river, beach, and dune sand mining; retention of sediments in dam reservoirs; harbour and coastal defense structures; and sea-level rise due to glacio-eustasy, linked to the global warming of the atmosphere, and to tectonic-eustasy. The opinions of some Portuguese authors about the inland beach migration (beach erosion) are synthesised. As an approach to the understanding of inland beach migration, the sediments of the infill of the dam reservoirs of Venda Nova, Salamonde and Caniçada were compared with the sediments of the Cávado River and of the beaches in the neighbourhood of the estuary. The description of the sediments is based on grain size analysis data of the detritical populations, and on the heavy mineral associations. There were not sufficient number of sedimentological data (despite the analysis of ca. 130 samples), so the relationship between the (mainly fine) sediment accumulations in the dam reservoirs and the beach sands is not possible to make. The question remains still open whether the river dams are the main responsible factor for the inland beach migration. The most significant facts about the problem in discussion, such as eustasy and the starvation of the nourishment sand sources not connected to the fluvial hydrographic net (clastic accumulations on the continental shelf and outcrops of the coastal zone) are mentioned. Key-words: sediments, dam reservoirs, inland beach migration (beach erosion). Recebido: 2006. Aceite: 2007
1. Introdução ram causas antrópicas de influência global (efeito de estufa), o que tem gerado alguma controvérsia (Carvalho 2003, Bluemle et al., 2001). Tendo sido posto em causa o efeito de estufa (de origem antrópica), será o glacio-eustatismo, provocado pelo aquecimento natural da atmosfera, o principal responsável O fenómeno da migração das praias para o interior pela subida actual do nível do mar e, portanto da (erosão das praias) é atribuído a causas naturais, que actual migração das praias (erosão das praias). podem ser globais e locais, e a causas antrópicas, geralmente com efeitos locais. Alguns autores consideA migração das praias para o interior (erosão das praias) é um fenómeno, quase global à escala planetária, que preocupa as populações, principalmente as que vivem na zona costeira, os gestores de recursos naturais e os próprios governos.
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Ana Luísa Costa e Helena Granja
niente da plataforma continental) nem sempre ela é aceite. No entanto, apresentam-se as praias de cascalhos dos segmentos costeiros situados entre a Pedra Alta (Viana do Castelo) e Cepães (Esposende) Desde há muito tempo que são apresentadas expli- como exemplo dessa fonte de alimentação. Quanto cações para o fenómeno, umas naturais, ligadas às à fonte de alimentação das arribas em recuo, ela é mudanças do Globo (Global Change como é desig- frequentemente esquecida ou subestimada. nada pelos autores de língua inglesa), e outras de- Admite-se que a actual migração das praias para o pendentes de actividades antrópicas. interior (erosão das praias), em particular a da zona Nas causas naturais podem ser incluídos a subida do costeira do Minho, é uma consequência de causas nível do mar, quaisquer que sejam os seus motivos, e globais (subida do nível do mar) e de causas locais, nas quais se inclui o défice na alimentação em areia o défice de areias na alimentação das praias. por esgotamento das fontes. Muitos defendem que o Homem tem uma participação dominante e quase exclusiva no fenómeno: o 2. Metodologia seu contributo, pela produção de gases com efeito de estufa, os quais, elevando a temperatura da at- A amostragem foi efectuada em 2001 e 2002: 1) no mosfera, acelerariam os efeitos do glacio-eustatismo enchimento da barragem da Venda Nova, na vertente e a expansão das águas dos oceanos, e pela constru- direita da albufeira de Salamonde; 2) na escombreira ção de barragens nas redes fluviais, as quais reteriam das minas da Borralha; 3) em três locais ao longo do a montante os sedimentos que iriam alimentar as rio Cávado (Barcelos, Prado e Marachão); 4) e nas praias. praias envolventes do estuário do rio Cávado (ResHá muita controvérsia sobre o problema (Carvalho, tinga de Ofir, Bonança, Praia do hotel de Ofir, Cavalos 2003; Bluemle et al., 2001), admitindo-se que as de Fão, Farol de Esposende e Cepães). Além desta causas são diversas, umas globais (de natureza cli- amostragem superficial, foi efectuada outra, com o mática, como o aquecimento natural da atmosfera) amostrador de copos concebido por Renato Henrie outras regionais e locais, umas e outras podendo ques, nos fundos das albufeiras da Venda Nova e da ser naturais (deformação tectónica da interface con- Caniçada. tinente-oceano) ou antrópicas (construção de obras As amostras foram depois tratadas segundo as técde defesa costeira e portuárias e extracção de areias nicas do Laboratório de Sedimentologia do Deparnas praias e nos rios). tamento de Ciências da Terra, da Universidade do Nessa controvérsia há que considerar o significado Minho. de processos que actuaram no Passado como, por Com os dados obtidos procedeu-se ao cálculo dos exemplo, os que causaram transgressões e regresparâmetros estatísticos obtidos pelo método dos sões do mar durante o Quaternário (associados a períodos glaciários e interglaciários). Os seus efeitos momentos, a partir do software SEDMAC, concebido (ou consequências) devem ser separados dos ac- por Henriques (1998, 2003). tuais, sendo dependentes das mudanças climáticas Procedeu-se, também, à identificação e à quantificaglobais e das variações do nível do mar. ção dos minerais pesados presentes (Duplaix, 1948; Na análise e discussão do problema da erosão costei- Mange e Maurer, 1992 e Parfenoff et al., 1970), rera é fundamental saber de onde vêm os sedimentos correndo ao microscópio petrográfico. das praias (fontes de alimentação): 1) os que provêm das bacias hidrográficas e são transportados pelos 3. Enquadramento geológico das albufeiras da rios; 2) os que vêm das arribas costeiras em recuo; 3) Venda Nova, Salamonde e Caniçada e os que vêm das acumulações fósseis conservadas As vertentes da albufeira da Venda Nova estão na plataforma continental. modeladas sobre duas formações - os granitos de As causas do referido fenómeno são motivo de investigações científicas cujos resultados e respectivas discussões são apresentadas em reuniões e revistas de cariz nacional e internacional.
Enquanto para a primeira fonte (fluvial) a aceitação Montalegre e os metassedimentos (xistos, sobretudo é quase geral, para a terceira (alimentação prove- paleozóicos, provavelmente acumulados durante o
Sedimentos da Albufeira da Venda nova e erosão de praias
Silúrico) (Noronha e Ribeiro, 1983). Filões de aplito- de combustíveis fósseis, sobretudo o petróleo, não estava ainda desenvolvida. pegmatitos atravessam os xistos. As albufeiras de Salamonde e da Caniçada têm as suas vertentes modeladas sobre formações graníticas. Os granitos do Gerês, de Ruivães e do Barroso (Noronha e Ribeiro, 1983) em Salamonde e os granitos calco-alcalinos de duas micas (Medeiros e Teixeira, 1975) na Caniçada. 4. A migração das praias para o interior (erosão das praias)
Também o mesmo facto se opõe à ideia de intervenção das barragens na migração das praias para o interior (erosão das praias) porque ainda não tinham sido construídas quaisquer barragens no rio Douro nem nos outros rios situados a norte. Este facto desculpabiliza-as do fenómeno. Nos rios do Norte de Portugal, as barragens só começaram a ser construídas em meados do século XX. A primeira barragem a ser construída foi no rio Lima - a barragem do Lindoso - que entrou em serviço em 1931 (quadro I).
As invasões do mar são referidas na faixa costeira de Espinho nos anos de 1834, 1869, 1871, 1874 e 1889 (Teixeira, 1980; Brandão, 1991) e na do Furadouro Mais tarde, foram, também, construídas barragens (Ovar, a sul de Espinho) em 1857, 1863, 1889 e 1912 nos rios Lima, Cávado, Homem e Douro, como se (Laranjeira, 1984). pode observar no quadro I. Os factos revelados por estas notícias provam que Para alguns investigadores portugueses, como Caso efeito de estufa nada teve a ver com a subida do tanho et al. (1981), Oliveira et al. (1982), Oliveira nível do mar, sendo disso um indicador as invasões (1983, 1997), Mota-Oliveira (1990), Valle (1988), Vedo mar. Naqueles anos (meados do século XIX) a in- loso-Gomes e Pinto (1994, 1997), Veloso-Gomes et dustrialização estava numa fase inicial e a utilização al. (2002) Costa et al. (1996), Dias (1990, 1993), Dias e Boski (1997), Ferreira e Dias (1991, 1992), Ferreira et al. (1990), Alves (1996), que estudaram este probleQuadro I - Barragens nos rios Lima, Cávado, Rabagão, Homem e ma e que repetiram as ideias expressas por Campos e Douro Schreck (1949), a migração das praias para o interior (erosão das praias) é explicada pela intervenção de Rio Designação da Barragem Construção Entrada em serviço um certo número de factores, os quais podem ser Rio Lima agrupados da seguinte forma: Lindoso (antiga) ---- a 1931 1931 Alto Lindoso
1985 a
1992
1992
Touvedo
1987 a 1993
1993
Alto Cávado
---- a 1964
1964
Paradela
1953 a 1958
1958
Salamonde
1950 a 1953
1953
Caniçada
1952 a 1955
1955
---- a 1951
1951
Alto Rabagão
1960 a 1964
1964
Venda Nova
1946 a 1951
1951
---- a 1971
1972
Miranda
1957 a 1960
1960
Picote
1955 a 1957
1958
Bemposta
1961 a 1963
1964
Rio Cávado
Penide Rio Rabagão
Rio Homem Vilarinho das Furnas Rio Douro
Pocinho
1976 a 1983
1983
Valeira
1971 a 1975
1976 1973
Régua
1967 a 1972
Carrapatelo
1965 a 1970
1971
Crestuma
1976 a 1985
1985
- Retenção de sedimentos nas albufeiras das barragens (admitem a situação para todas as barragens de Portugal) e a barlamar das obras de defesa costeira (esporões) e quebra-mares portuários; - Exploração de areias e dragagens nos canais fluviais, nos estuários e nos canais de acesso a portos. As areias, em geral, são vendidas aos construtores de obras de engenharia e habitações; - Situações, consideradas de menor significado, como o pisoteio das dunas. As causas da migração das praias para o interior podem, então, reunir-se da seguinte maneira (Carvalho et al., 2002; Carvalho, 2003): - O pisoteio da vegetação que se desenvolve sobre as dunas; - A exploração de areias, para aproveitamento na construção civil, que se processa nas praias e du-
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Ana Luísa Costa e Helena Granja
nas, nos estuários e nos fundos e margens dos rios; - O aquecimento da atmosfera do Globo que conduziria ao efeito de estufa e consequente subida do nível do mar, por glacio-eustatismo e termoeustatismo;
Um dos problemas que se discute a propósito do emagrecimento das praias que acompanha a sua migração para o interior (erosão) é o da localização das fontes de alimentação das suas areias. Apontam-se, em geral, os rios como as principais fontes alimentadoras.
- As barragens construídas nas bacias hidrográficas Desde há muitos anos que as praias do concelho que retêm a areia derivada das rochas das verten- de Viana do Castelo e de Caminha são, sobretudo, tes e obstruem a natural alimentação das praias; constituídas por cascalho e por fraca quantidade de areia; associam-se aos seixos de quartzito, rochas - A intersecção do transporte sólido costeiro pelas que afloram localmente, como xistos metamórficos estruturas de defesa costeira (quebra-mares dos com abundantes cristais de quiastolite (andalusite). portos e esporões). No concelho de Esposende, as praias, que eram de Relativamente à retenção de areia pelas barragens, areia, nos últimos 6-8 anos passaram a ser constinão existe informação quantitativa sobre os volutuídas por grandes acumulações de seixos de quartmes de sedimentos acumulados a montante das zitos, conglomerados e xistos com quiastolite que barragens (nas albufeiras) após elas terem entrado afloram nas zonas de maré baixa das praias ou estão em funcionamento, o que enfraquece a validade do submersos na prépraia. argumento que procura responsabilizar as barragens As praias de areia passaram, assim, a ser substituídas pela migração das praias para o interior. por praias de cascalho (fig. 1) que, nalguns locais, Os seguintes factos enfraquecem esse argumento acompanham o recuo acelerado das arribas e os gal(Carvalho e Granja, 1997; Carvalho, 2003): gamentos do mar que vão destruindo os sistemas - Antes da construção das barragens no rio Douro, dunares. construídas entre1955 e 1985, e que entraram em As acumulações de seixos crescem, em volume, de serviço entre 1960 e 1985 (quadro I), já se verifiano para ano. cava migração das praias para o interior a sul do estuário do rio Douro e nos segmentos costeiros O tipo de rocha, a forma e dimensão dos seixos dos de Espinho e Furadouro nos meados do século cascalhos das praias actuais não podem ser atribuídos ao transporte no caudal sólido dos rios do Norte XIX; de Portugal. Estes factos, que apontam para uma - A existência de praias com seixos nos concelhos fonte de alimentação de areias das praias na zona de Esposende, Viana do Castelo e Caminha (Louimersa (prépraia), ou na própria praia (zona da maré reiro, 1999; Loureiro e Granja, 2001). Os seixos baixa), provam que a actual alimentação das praias são fornecidos por depósitos conservados na pelo caudal sólido dos rios será diminuta (temporaplataforma continental e na plataforma baixa riamente terá significado, quando das grandes cheias, (Granja, 1999) e são constituídos por quartzitos como a de 2000-2001), razão porque constitui um de afloramentos do Ordovícico, (Cavalos de Fão argumento desfavorável à ideia da intervenção das e praia da Apúlia, por exemplo). Aquele tipo de barragens na migração das praias (erosão das praias) rocha não faz parte do caudal sólido dos rios; para o interior (os seixos de quartzito não provêm - Há outras fontes de alimentação das areias das dos rios). praias como os afloramentos da prépraia e praia A síntese de ideias e factos apresentados, sobretudo e rochas e sedimentos das arribas em recuo; as invasões do mar no século XIX, quando ainda não - Não foi até hoje provado que os sedimentos dos tinham sido construídas barragens, e a existência de enchimentos das albufeiras tenham característi- praias de cascalhos que não provêm dos rios, leva a cas comuns às areias das praias. crer que provêm das acumulações detríticas existentes na plataforma continental e sob as praias actu5. As praias de cascalho dos concelhos de Espo- ais, pelo que deverão ser revistas as posições geradas sende, Viana do Castelo e Caminha por ideias que os factos contrariam.
Sedimentos da Albufeira da Venda nova e erosão de praias
Entre as causas do fenómeno, as causas naturais como o eustatismo (glacio-eustatismo + tectonoeustatismo) e o esgotamento das fontes de alimentação dos sedimentos das praias não fluviais, devem ser fundamentalmente consideradas, reduzindo a situações locais o significado da intervenção antrópica. 6. O enchimento sedimentar das albufeiras da Venda Nova, Salamonde e Caniçada, e os sedimentos do rio Cávado e das praias Fig. 1 – Praia do Belinho, em Esposende, constituída por cascalhos. Data: 14.04.2003
6.1. O enchimento sedimentar da albufeira da Venda Nova O enchimento sedimentar observado a montante da barragem da Venda Nova apresenta um conjunto de sedimentos detríticos (areias e limos) que podem ser agrupados em dois tipos: 1) sobre as vertentes da albufeira, faixas ou bandas de sedimentos grosseiros que alternam com sedimentos finos, limosos (fig. 2); e 2) o enchimento da ribeira do Amiar com sedimentos estratificados, incluindo restos de vegetais, os quais, em 2001 (quando a albufeira esteve vazia), mostravam uma disposição em terraços (fig. 3). A dimensão dos sedimentos das faixas varia desde areias a limos argilosos, segundo a classificação de Shepard (1954) (fig. 4).
Fig. 2 – Faixas alternadas de sedimentos grosseiros e finos na margem da albufeira da Venda Nova. Notar os degraus correspondentes aos sedimentos grosseiros. Data: 15.08.2000
Fig. 3 – Morfologia em terraços do enchimento sedimentar da ribeira do Amiar. Data: 15.08.2001
Sintetizando os parâmetros estatísticos dimensionais, pode dizer-se que: - Na albufeira da Venda Nova as amostras das vertentes apresentam uma média entre 0.0 e 5.5 ø (areia grosseira a limo médio); um desvio padrão entre 1.9 e 3.2 (mal calibradas a muito mal calibradas); uma assimetria entre -0.7 e 0.3 (grande assimetria negativa a assimetria positiva); e uma acuidade entre 2.2 e 3.2 (muito leptocúrtica e extremamente leptocúrtica). As amostras do fundo apresentam uma média entre -0.1 e 6.2 ø (areia muito grosseira a limo fino); um desvio padrão entre 1.8 e 2.2 (mal calibradas a muito mal calibradas); uma assimetria entre 0.3 e 1.9 (grande assimetria positiva) e uma acuidade entre 1.7 e 9.0 (muito leptocúrtica e extremamente leptocúrtica) - Na ribeira do Amiar as amostras apresentam uma média entre -0.3 e 6.5 ø (areia grosseira a limo fino); um desvio padrão entre 1.0 e 2.9 (mal calibradas a muito mal calibradas); uma assimetria
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Galo, sob a forma de um delta. O gradual esvaziamento da albufeira em 2001 levou a que as águas da ribeira escavassem parcialmente os depósitos do delta e modelassem terraços nas margens da ribeira (fig. 3). O inverno de 2002 foi menos pluvioso do que o de 2001, o que fez com que o caudal sólido (cujos sedimentos eram provenientes da escombreira da mina) fosse menos significativo, tendo-se apenas observado o escavamento das acumulações anteriores nas vertentes que estiveram submersas e o quase total desaparecimento dos terraços que denunciavam a extensão do referido delta. Um dos aspectos mais notórios do enchimento sedimentar da albufeira é a disposição dos sedimentos detríticos (areia e limos) em faixas ou bandas sobre as vertentes, umas de areias grosseiras, mais ou menos claras, e outras de limos e areias limosas, escuras Fig. 4 – Classificação das amostras segundo Shepard (1954). quando húmidas que, por exposição ao sol, quando dos esvaziamentos da barragem, se cobriram de fendas de dissecação (mud-cracks ou fendas de lodo), entre -0.6 e 1.5 (grande assimetria negativa a de contornos poligonais mais ou menos rectilíneos grande assimetria positiva); e uma acuidade en- (fig. 5) ou curvos. tre 1.9 e 13.2 (muito leptocúrtica e extremamente As fendas de dissecação conservam-se sob a água leptocúrtica) e, por isso, quando as águas da barragem subiram, - Os valores dos parâmetros estatísticos das amos- um novo enchimento de finos preencheu as fendas tras colhidas na margem esquerda da albufeira geradas quando dos esvaziamentos anteriores, originão revelam qualquer tendência de variação, o nando uma nova geração de fendas que se podem que poderá ser explicado pelo facto dos indiví- sobrepor às geradas anteriormente (fig. 5). duos dos sedimentos serem de origem local (sem transporte) ou transportados por suspensão (os Não se dispõe ainda de uma boa explicação para o finos). Na ribeira do Amiar, os mais grosseiros desenvolvimento das faixas ou bandas, mas supõeencontram-se a montante e os mais finos a ju- se que os sedimentos grosseiros provêm do manto de sante, já próximo da barragem, e o desvio padrão alteração (ou complexo de meteorização) das rochas mantém-se mais ou menos constante, o que po- das vertentes que existiu sob a cobertura vegetal e derá ser explicado pelo fraco transporte dos indi- dos solos que existiam na área que foi submersa. víduos detríticos (desde a escombreira das minas Com o tempo, o complexo de meteorização e os solos da Borralha). perderam os elementos finos, que passaram a ficar O enchimento da ribeira do Amiar tem a sua fonte em suspensão nas águas da albufeira e que, pouco de alimentação nas escombreiras das minas da Bor- a pouco, se acumularam sobre os sedimentos grosralha, que estão a ser, actualmente, exploradas para seiros quando dos esvaziamentos; a lenta e contínua evaporação das águas da albufeira também deve ter inertes da construção civil. favorecido a génese das bandas de sedimentos finos. A exploração da escombreira destruiu parcialmente a cobertura vegetal que a cobria, o que permitiu que as Os sedimentos grosseiros praticamente não sofreram chuvas da estação pluviosa de 2000-2001 (grande transporte, permanecendo quase no local em que pluviosidade) a ravinassem intensamente; os sedi- foram gerados, o que é sugerido pela elevada dispermentos resultantes foram acumular-se ao longa da são dimensional (areias moderadamente calibradas a ribeira do Amiar, para jusante da central da Mesa do muitíssimo fracamente calibradas).
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Não se observaram indicadores de erosão acentuada nas vertentes que circundam a albufeira pois estas apresentam uma cobertura vegetal contínua e bem conservada. Tal facto leva a supor que apenas as partículas finas irão para as águas da albufeira. Para montante da barragem, na zona onde o rio se aproxima dos granitos de S. Fins, foram colhidas no leito do rio (com o amostrador de copos) amostras de areia muito fracamente calibrada, o que aponta para a existência de uma faixa de areias no leito do rio que não foi reconhecida junto e imediatamente a montante da barragem. Fig. 5 – Ribeira do Amiar. Fendas de lodo poligonais. Data: 03.08.2002
A escorrência difusa que ocorre sobre as vertentes com pouca vegetação (margens do rio Rabagão em S. Fins) pode deslocar materiais grosseiros do complexo de meteorização e depositá-los sobre as faixas (ou camadas) de sedimentos limosos (fig. 6). As situações referidas mostram quanto é variável a composição do enchimento sedimentar da albufeira, pelo que a explicação da sua génese terá de fazer intervir vários factores, aos quais sumariamente nos referiremos. Reconhece-se o carácter local das fontes de alimentação dos sedimentos da albufeira pelo facto de revelarem fraco transporte.
Fig. 6 – Sedimentos finos na margem direita do rio Rabagão, a jusante da ponte de S. Fins. Notar uma capa de areias claras que a escorrência espalhou sobre os sedimentos finos, proveniente da meteorização dos granitos da vertente. Data: 14.08.2002
Até certo ponto, constituem excepção as areias da ribeira do Amiar que sofreram transporte a partir das escombreiras das minas da Borralha. Como situação particular do enchimento da barragem da Venda Nova deve notar-se a existência de areias esbranquiçadas e mal calibradas em torno de afloramentos de aplito-pegmatito (a leste de Padrões, por exemplo, na margem esquerda da albufeira) (fig. 7). A origem destas areias, a partir da meteorização de aplito-pegmatitos, é evidente no terreno, porque contrasta com os sedimentos do enchimento, de cor mais escura, nas vertentes de metassedimentos.
Fig. 7 – Acumulação de areias esbranquiçadas provenientes da desagregação do afloramento de aplito-pegmatito na margem esquerda da albufeira da Venda Nova, a 1000 metros NO de Sanguinhedo (no último plano, a barragem). Data: 18.11.2002
A figura 8 esquematiza a distribuição dimensional dos sedimentos na albufeira da Venda Nova e na ribeira do Amiar. É possível distinguir areia grosseira a montante da barragem, perto da ponte de S. Fins, possivelmente proveniente da meteorização dos granitos das vertentes. Ao longo da albufeira observamse areias e limos, estes mais abundantes no terreno e apresentando fendas de lodo. Ao longo da ribeira do
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Amiar observam-se areias provenientes da escom- segundo a classificação de Shepard, variam de areia, areia limosa a areia limo-argilosa (fig. 4). breira das minas da Borralha. 6.2. O enchimento sedimentar das albufeiras de Salamonde e da Caniçada
Os parâmetros estatísticos dimensionais destas amostras mostram que:
O enchimento sedimentar da albufeira de Salamonde, observado apenas na parte superior da vertente direita junto à barragem, apresenta-se semelhante ao da Albufeira da Venda Nova, isto é, em faixas ou bandas de sedimentos grosseiros que alternam com sedimentos finos. Segundo a classificação de Shepard (1954) (fig. 4), estes sedimentos são areias.
- Na albufeira de Salamonde as amostras estudadas apresentam uma média entre -1.1 e 1.6 ø (areia muito grosseira a areia média); um desvio padrão entre 1.4 e 3.1 (mal calibradas a muito mal calibradas); uma assimetria entre 0.3 e 1.0 (grande assimetria positiva); e uma acuidade entre 2.1 e 4.4 (muito leptocúrtica e extremamente leptocúrtica)
Na albufeira da Caniçada apenas se estudou o enchimento através de amostras colhidas com o amostrador de copos. No entanto, os sedimentos de fundo,
- Na albufeira da Caniçada as amostras apresentam uma média entre -0.6 e 6.4 ø (areia muito grosseira a limo fino); um desvio padrão entre
Fig. 8 – Carta esquemática de distribuição dimensional dos sedimentos da albufeira da Venda Nova
Sedimentos da Albufeira da Venda nova e erosão de praias
1.3 e 3.9 (mal calibradas a muito mal calibradas); uma assimetria entre -0.4 e 0.5 (grande assimetria negativa a grande assimetria positiva); e uma acuidade entre 2.1 e 3.1 (muito leptocúrtica e extremamente leptocúrtica). Considerando o problema sob o ponto de vista dimensional, se se repetirem os mesmos factos noutras albufeiras, tal pode servir para argumentar que as barragens não são responsáveis pela erosão das praias (o enchimento das albufeiras com sedimentos finos e muito finos, de origem local, nada tem a ver com as areias das praias). 6.3. Os sedimentos do rio Cávado e das praias adjacentes 6.3.1. Os sedimentos do rio Cávado Os parâmetros estatísticos dimensionais dos sedimentos colhidos ao longo do rio Cávado relativamente à média apresentam uma pequena variação e o seu desvio padrão é mais ou menos constante. A média varia entre -1.4 e -0.5 ø (areão a areia muito grosseira); o desvio padrão varia entre 1.1 e 1.2 (mal calibradas); a assimetria varia entre 0.3 e 1.0 (grande assimetria positiva); e a acuidade varia entre 3.7 e 5.6 (extremamente leptocúrticas). O pequeno número de amostras colhidas no rio Cávado não permite verificar qualquer tendência de variação, de montante para jusante, da sua média, mas permite verificar a constância do seu desvio padrão. 6.3.2. Os sedimentos das praias adjacentes à foz do Cávado As amostras das praias revelam uma média que varia entre 0.0 e 1.4 ø (areia muito grosseira e areia média); um desvio padrão que varia entre 0.4 e 1.1 (bem calibradas a moderadamente calibradas); uma assimetria que varia entre -0.9 e 0.2 (grande assimetria negativa a grande assimetria positiva); e uma acuidade que varia entre 2.5 e 4.5 (muito leptocúrticas a extremamente leptocúrticas).
decresce para sul, certamente por efeitos de transporte e selecção. A comparação das areias das praias e do rio com as areias das albufeiras não permite obter qualquer informação para o problema da influência das barragens na migração das praias para o interior (erosão das praias). Necessitar-se-ia de amostragens de sedimentos mais completas (amostragens múltiplas) ao longo do canal do rio, do estuário e das praias, visto que as fontes de abastecimento de sedimentos se localizam em vários pontos das margens e nas vertentes de onde partem linhas de água que desaguam no rio, o que implicaria dispôr de muito mais tempo para as investigações. 6.4. As associações de minerais pesados A técnica dos minerais pesados pode servir para identificar as fontes de alimentação dos sedimentos de determinada unidade sedimentar. Pressupõe-se que as associações de minerais pesados são semelhantes, quer na fonte, quer no local de acumulação. No caso das areias das praias, as fontes de alimentação são diversas o que dificulta a interpretação dos resultados, a não ser que cada fonte de alimentação ofereça minerais-índice próprios. Tal não acontece no caso estudado. Os resultados da aplicação da técnica dos minerais pesados são os que se apresentam a seguir (figs. 9 a 13). Interpretação A figura 9 mostra que a associação de minerais pesados da Venda Nova tem como mineral dominante a turmalina, o que não se verifica nas areias colhidas nas praias. Supõem-se que tenha origem nos afloramentos de aplito-pegmatito que se observam nas vertentes da albufeira.
Pela análise da figura 10, verifica-se que nas amosOs valores dos parâmetros estatísticos das praias tras colhidas na albufeira da Venda Nova predomiapresentam variações de norte para sul. A média na a andalusite enquanto que na ribeira do Amiar é baixa na restinga do estuário (sedimentos mais a turmalina é o mineral dominante. O número de grosseiros), aumentando para sul (sedimentos mais amostras é muito limitado porque a maior parte das finos). Talvez seja de admitir a intervenção de areias amostras eram areias finas e limos, as quais, com a transportadas pelo rio na alimentação, o que pode- técnica utilizada, não forneceram minerais pesados. ria, também, explicar o aumento do desvio padrão A fonte da andalusite deverá estar nos xistos das (por introdução de areia grosseira). O desvio padrão vertentes (xistos com andalusite, na carta geológica,
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folha 6-A) e a da turmalina nos filões de aplito-peg- Quanto aos minerais opacos, estes são dominantes, matito (e nas escombreiras das minas da Borralha). tanto nas areias do rio como nas das praias. Na albufeira de Salamonde e da Caniçada o mineral mais abundante é o zircão (figs. 9 e 11) que se supõe provir dos afloramentos de aplito-pegmatito e de granitos que se observam em redor. Pode-se ainda referir que, à medida que se caminha para a base da vertente da albufeira de Salamonde, a percentagem em zircão diminui enquanto aumenta a da turmalina.
As diferenças, quanto às frequências de turmalina e andalusite nas areias da Venda Nova e nas praias, poderiam servir como indicador de que as areias das praias não têm alimentação nas areias do enchimento da barragem, mas, sim, nos afloramentos de rochas metamórficas (nos quais a andalusite é abundante) e que afloram na praia e na prépraia do Relativamente ao rio Cávado, entre Marachão e a foz, segmento costeiro referido. Cascalho (2000) refere que a andalusite é o mineral Para fundamentar melhor esta ideia é necessário comais abundante, seguindo-se o zircão e a turmalina. nhecer as associações de minerais pesados das areias O autor considera também a biotite (mineral mais das outras barragens do rio Cávado (o que ainda não frequente entre todos) e a apatite, mas, no presente foi possível) e dispor de informações de um maior trabalho, estes minerais não foram tidos em conta número de amostras colhidas no canal do rio. porque são destruídos com o tratamento por ácidos. Nas areias colhidas ao longo do rio Cávado o mineral Discussão/Conclusão dominante é a andalusite (fig. 12), seguindo-se a turmalina e o zircão, o que comprova os dados referidos por Cascalho (2000). Relativamente às areias das praias em torno do estuário do Cávado, sabia-se que a associação de minerais pesados era dominada pela presença de andalusite, além de granada, turmalina e estaurolite (Pureza e Araújo, 1956a,b). Para as praias a norte do rio Neiva, Alves (1996, 1997) refere que o mineral mais frequente é a andalusite e que, dos restantes minerais, a estaurolite é aquele que maior frequência apresenta. Refere, ainda, que a turmalina, a granada e a silimanite têm comportamento idêntico entre si e que são o grupo mais constante em toda a área estudada, enquanto o zircão é o mineral menos frequente. No entanto, não tem a preocupação de os relacionar com a eventual alimentação, introduzida pelos rios, nas praias. Refere que “actualmente os rios têm uma contribuição fraca no fornecimento de materiais grosseiros, admitindo-se que parte da carga sólida da deriva litoral provenha de depósitos existentes na plataforma continental, por alimentação sazonal transversalmente à costa” (Alves, 1997, p. 295). Estas informações foram confirmadas pelos dados obtidos a partir das nossas amostras (figs. 9 e 13), as quais mostram que a andalusite é o mineral dominante nas praias, seguido da turmalina. A andalusite, certamente, tem origem nas rochas metamórficas que afloram na praia e na prépraia.
As conclusões são limitadas na sua aplicabilidade a outras barragens porque apenas se estudou, com algum pormenor, o enchimento de uma albufeira - a albufeira da Venda Nova. - A comparação das características dos sedimentos acumulados nas albufeiras da Venda Nova, Salamonde e Caniçada com as do canal do rio Cávado e das praias em torno do seu estuário não permitiram inferir qualquer informação (por quantidade insuficiente de amostras - cerca de 130 - e por não se encontrar nada de comum nas amostras estudadas) sobre a ligação das barragens com o problema da migração acelerada das praias para o interior (erosão das praias), sobretudo no que se refere às fontes de alimentação dos sedimentos das praias - Os sedimentos acumulados a montante das barragens são de carácter local, provenientes das vertentes ou das linhas de água que desaguam na albufeira - As associações de minerais pesados são caracterizadas pela predominância de andalusite na albufeira da Venda Nova; de turmalina na ribeira do Amiar; e de andalusite no rio Cávado e nas praias. A andalusite, que provém das rochas metamórficas que afloram nas vertentes dos vales (rio principal e afluentes), apenas permite dizer que os rios também contribuem para a alimentação das praias (a andalusite é um mineral dominante tanto nas areias das praias como dos rios); não é
Sedimentos da Albufeira da Venda nova e erosão de praias
aceite a exclusividade da alimentação das praias ser feita apenas a partir dos rios - Mantêm-se válidos os argumentos de que as barragens não interferem praticamente na dinâmica da erosão das praias porque - a migração das praias para o interior já era observada antes da construção de barragens e de estruturas portuárias - muitos dos sedimentos das praias actuais provêm dos depósitos fósseis acumulados na plataforma continental, os quais alcançam as praias por mecanismos ainda mal conhecidos.
Fig. 9 – Representação dos minerais pesados mais abundantes, nos diferentes locais de colheita (CAN = Caniçada).
Fig. 10 – Diagrama de variação dos minerais pesados das amostras colhidas na albufeira da Venda Nova e na ribeira do Amiar.
Fig. 11 – Diagrama de variação dos minerais pesados das amostras colhidas na vertente esquerda da albufeira de Salamonde. Sequência mineral da fig. 10.
- Contudo, mantém-se que, localmente, os esporões e os quebra-mares de portos podem provocar aceleração da migração para o interior das
Fig. 12 – Diagrama de variação dos minerais pesados das amostras colhidas no rio Cávado. Sequência mineral da fig. 10.
Fig. 13 - Diagrama de variação dos minerais pesados nas praias envolventes do estuário do rio Cávado. Sequência mineral da fig. 10.
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GEONOVAS nº 21, pp. 67 a 74, 2008
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
Evolução recente do Ensino Secundário em Portugal e suas implicações nos currículos de Geologia; a perspectiva da Associação Portuguesa de Geólogos Edite Bolacha*, António Mateus** * Escola Secundária D. Dinis, Rua Manuel Teixeira Gomes, 1950-186 Lisboa, Portugal ** Dep. Geologia e CEGUL, Fac. Ciências, Universidade de Lisboa, C6, Piso 4, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, Portugal
Resumo Ciente da importância da Educação e Ensino das Ciências, a APG acompanhou com preocupação as sucessivas revisões/reformas curriculares do Ensino Secundário que, nos últimos anos, foram promovidas em Portugal. A organização geral dos planos de estudo em vigor não é desfavorável à Geologia, reconhecendo-lhe valor formativo e cultural. Identificam-se, contudo, diversos problemas que importa solucionar, não sem antes proceder a uma avaliação condigna. Em termos gerais, porém, a resolução de parte substancial destes problemas passa pela reorientação, melhoria e actualização dos programas oficiais de Geologia, potenciando as aprendizagens e o correspondente desenvolvimento de competências. Palavras-chave: Ensino Secundário português; reestruturações curriculares; programas/currículos de Geologia Abstract Being aware of the Science Education/Training significance, the APG followed with concern the successive curricular reorganizations experienced by the Portuguese Secondary School level in the last few years. The general structure of the current learning programmes is not completely unfavourable to Geology, recognising its educational and cultural value. There are, however, various problems that must be solved after a proper assessment. In a broad perspective it seems that most of these problems can be properly answered through a re-orientation, upgrading and updating of the Geology learning programmes, thus improving the learning outcomes and the correspondent development of competences. Key-words: Portuguese Secondary School; curricular reorganizations; Geology learning programmes Recebido: Outubro, 2007. Aceite: Novembro, 2007
1. Introdução Desde a sua fundação em Novembro de 1976 que a Associação Portuguesa de Geólogos (APG), por si só, ou em colaboração com o Ministério da Educação (ME), tem procurado fomentar o Ensino pré-universitário da Geologia, bem como o incremento da sua qualidade. Esta demanda assídua, desenvolvida através da promoção de iniciativas variadas e da análise cuidada de diversos documentos / indicadores, tem ajudado a consubstanciar um percurso que, longe do seu termo, exige atenção crescente e maior concertação com as acções de divulgação da Geologia junto da Sociedade em geral. Neste âmbito, acresce referir que houve sempre a preocupação de referenciar todas as iniciativas e análises ao quadro mais amplo da Educação e Ensino das Ciências, ciente do contributo da Geologia na edificação de um corpo de saberes requerido por uma cidadania participativa, esclarecida e responsável em sociedades baseadas no Co-
nhecimento que pautam o seu desenvolvimento por critérios de Sustentabilidade. Não foi, portanto, difícil para a APG integrar no seu conjunto de preocupações os princípios enunciados pela UNESCO em 1999 sobre a Educação para o Século XXI, ou em 2005 a propósito da Década das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, bem como as recomendações expressas em vários documentos emanados do Parlamento e Conselho Europeu, muitas das quais vertidas subsequentemente para a legislação nacional. Também não foi difícil à APG identificar-se com a essência do contributo da Cimeira de Lisboa, em 2000, que reconheceu a necessidade de promover aprendizagens contínuas significativas e identificou o Conhecimento como o activo intangível com maior impacte na competitividade internacional. O mérito da actividade da APG nestes domínios complexos de intervenção é difícil de quantificar. Não obstante, em
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termos públicos, ele encontra-se parcialmente documentado em vários artigos patentes nas suas publicações periódicas (Boletim Informativo, de 1976 a 2002 e Geonovas, de 1981 ao presente), sendo também reconhecido, ainda que indirectamente, por via da aceitação e procura do Curso de Actualização de Professores de Geociências (promovido anualmente e que já conta com XXVII edições), assim como de outras acções de formação contínua especializada. Acresce referir que a APG tem igualmente promovido um número crescente de actividades de divulgação para a Sociedade em geral, participando ainda em várias iniciativas da Agência Ciência Viva com vista à promoção da cultura científica. Como resposta aos novos desafios, a estrutura dos Cursos de Actualização tem vindo a ser modificada através da inclusão de um maior número de horas dedicadas a actividades práticas (incluindo as de natureza experimental) e sua acreditação (desde 2005) junto do Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua. Simultaneamente, a APG tem participado na organização de eventos formativos específicos que complementem a formação de profissionais em exercício, sob a forma de Seminários ou de Cursos Intensivos. Nos últimos anos, várias foram as revisões/reformas curriculares promovidas pelo ME na tentativa de melhorar diversos indicadores sobre a qualidade do ensino em Portugal, designadamente os que influenciam, directa ou indirectamente, o insucesso e abandono escolar. Estas revisões/reformas, consagradas em sucessivos enquadramentos legais, foram acompanhadas por várias determinações de natureza organizacional (visando a reorganização/ optimização da rede escolar e respectiva gestão) que, gradualmente, se estenderam a outros domínios relevantes para a vida escolar (exames nacionais e de aferição, certificação de manuais, carreira docente e regime jurídico das habilitações para o exercício da profissão, etc.). Salientam-se, neste contexto, as vagas de mudança operadas no Ensino Secundário que alteraram de forma pronunciada a organização/matriz curricular vigente e respectivos programas; estas sucederam-se, fundamentalmente, entre 1998/2001 e 2004, muito embora se aguardem para breve reajustamentos adicionais aos que foram instituídos durante o ano lectivo 2006/07.
reformas curriculares do Ensino Secundário desde 2001, sumariando a intervenção da APG durante todo o percurso e dando conta da sua perspectiva sobre as implicações que daqui decorreram (e decorrem) para a Educação e Ensino da Geologia. 2. As Revisões / Reformas do Ensino Secundário em Portugal A estrutura curricular actual do Ensino Secundário em Portugal surge como corolário de uma série atribulada de transformações ocorridas entre 1989 e 2004 que concorreram para um clima de grande instabilidade e desorientação, corporizando reformas centralistas e “iluminadas”, assentes quase sempre em mudanças curriculares… introduzidas sequencialmente, sem cuidadas avaliações, conforme se afirma no Relatório Final do Conselho Nacional de Educação, datado de Fevereiro de 2007, intitulado Como vamos melhorar a Educação em Portugal: novos compromissos sociais pela Educação. Com efeito, após um período denominado revisão participada dos currículos (entre Abril de 1997 e Julho de 1998) que pretendeu identificar as principais insuficiências dos planos de estudo criados em 1989 (Decreto-Lei nº286 de 29 de Agosto), foram tomadas diversas medidas de fundo que conduziram a cursos com matrizes curriculares diferentes, bem como a disciplinas estruturadas e modificadas nos seus conteúdos relativamente às que vigoravam até então. O Decreto-Lei que consagrou esta “Revisão” Curricular do Ensino Secundário em Portugal foi publicado a 18 de Janeiro de 2001, estabelecendo a entrada em vigor dos novos planos de estudo no ano lectivo de 2002/03, no 10º ano e a sua extensão ao 11º e 12º anos de escolaridade nos anos lectivos subsequentes.
Em Março de 2002, porém, na sequência das eleições legislativas que acarretaram mudança de equipa governativa, a “Revisão” Curricular em curso foi de imediato suspensa (Decreto-Lei nº156/2002, de 20 de Junho), iniciando-se a produção de uma (nova?!) proposta de Reforma do Ensino Secundário. Esta última, formalmente instituída pelo Decreto-Lei nº74/2004 de 26 de Março e respectiva regulamentação, penalizou de forma significativa o Ensino das Ciências, obrigando a diversos ajustamentos dos tempos lectivos e permitindo aos alunos a selecção O presente artigo procura sintetizar os traços fun- de perfis de formação nem sempre coerentes. Na sedamentais das alterações induzidas pelas revisões/ quência do novo quadro legislativo criado após as
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eleições extraordinárias de 2005, as últimas alterações curriculares promovidas no Ensino Secundário voltam a estar em causa: (1) anunciam-se e introduzem-se gradualmente medidas que, no entender do ME, permitirão resolver os problemas de maior gravidade (e.g. redefinição de tempos lectivos afectos ao Ensino das Ciências e reintrodução do carácter obrigatório de algumas disciplinas); (2) promovem-se o Estudo de Avaliação e Acompanhamento da Implementação da Reforma do Ensino Secundário (Outubro de 2006) e a Análise do Processo de Elaboração, Avaliação e Implementação dos Programas do Ensino Secundário (Abril de 2007), ambos da responsabilidade do Grupo de Avaliação e Acompanhamento da Reforma do Ensino Secundário. 2.1 A intervenção da APG Ao longo de todo o percurso que conduziu ao estado actual do Ensino Secundário, a APG produziu pareceres variados, mesmo quando não solicitada formalmente. Acompanhou a avaliação preliminar dos programas de Geologia que foram elaborados para os, inicialmente denominados, Curso Geral de Ciências-Naturais e Curso Tecnológico de Ambiente e Conservação da Natureza, bem como os seus (nem sempre consequentes) sucessivos reajustamentos. Criticou construtivamente muitas das medidas adoptadas pelo ME e antecipou, tal como outras Associações Profissionais e Sociedades Científicas, diversos problemas relacionados com a organização curricular. Seguiu atentamente a evolução do quadro de Exames Nacionais em Biologia e Geologia (10º e 11º anos) e em Geologia (12º ano), e seus resultados, relatando por escrito a quem de direito as suas inquietações e perplexidades. Continuou a acompanhar as questões concatenadas em torno dos Manuais Escolares, bem como as que se debruçam sobre a qualidade técnica e científica dos materiais didácticos recomendados ou disponibilizados às Escolas. Manteve, em suma, uma atitude proactiva e edificante junto do ME, das Escolas e dos Professores, embora reconheça o curto alcance de muitas das soluções preconizadas, bem como das limitações decorrentes de numerosas condicionantes circunstanciais. Estas últimas, frequentemente ditadas por modas ou experimentalismos de índole diversa que se reflectem na organização curricular e nas práticas lectivas, têm perturbado a tranquilidade necessária à promoção de uma Educação de qualidade, conforme se infere dos testemunhos obtidos no Debate
Nacional sobre Educação que antecedeu o Relatório do Conselho Nacional de Educação em 2007. A APG reconhece, contudo, que muito subsiste por fazer em prol da Educação e Ensino das Ciências, em geral, e da Geologia, em particular, não obstante os esforços dispendidos e as diligências efectuadas. Em 1998, a APG esteve representada na Comissão de Acompanhamento do Ensino das Ciências (CAEC), emitindo opiniões sobre as matrizes curriculares e respectivos programas disciplinares. Como resultado das mudanças operadas na conjuntura política governativa em 2002, a CAEC foi extinta, limitando a actuação da APG no processo de acompanhamento da reforma curricular. Aos currículos já elaborados, foram propostas alterações pelo ME, sujeitas a discussão pública no final de 2002, tendo por base fundamentos essencialmente economicistas. Como resposta, a APG emitiu um parecer relativo a algumas alterações, nomeadamente, as que passavam a considerar as disciplinas de Ciências da formação específica do 10º e 11º anos como opcionais e o funcionamento da Geologia no 12º ano dependente da oferta da escola. Após esta discussão pública, o Curso Tecnológico de Ambiente e Conservação da Natureza foi definitivamente extinto e os dois Cursos Gerais de Ciências (Ciências-Naturais e Ciências e Tecnologias) foram fundidos num só. Os alunos que desde então se inscrevem no Curso de Ciências são obrigados a frequentar apenas uma das disciplinas bienais estruturantes (Física e Química ou Biologia e Geologia), esquecendo-se ou ignorando, o responsável por estas alterações, que grande parte da aprendizagem de conteúdos geológicos depende da aprendizagem prévia de conteúdos leccionados na disciplina de Física e Química. Esta abertura, criada em nome da flexibilidade curricular mas fortemente lesiva a qualquer percurso de Educação e Ensino das Ciências a nível do Secundário, foi recentemente eliminada; adicionalmente, o ME tomou medidas no sentido de revalorizar os tempos lectivos consagrados ao ensino experimental. A APG regozija-se com estas medidas (que vão ao encontro das posições por si defendidas em vários areópagos) e espera que a Educação e Ensino das Ciências experimente novo fôlego a partir de 2007/08. Complementarmente e tendo detectado várias incorrecções científicas em alguns dos manuais escolares de apoio aos programas aprovados em 2001 (Amador et al., 2001) e implementados em 2004, a APG
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procedeu à sua análise (Bolacha, 2005), procurando contribuir para a melhoria da sua qualidade. Julgase, deste modo, ter exercido alguma pressão para que a legislação sobre adopção e avaliação de manuais escolares tivesse sido modificada (Decreto-lei nº 369/90; lei nº 47/2006) com vista à regulação efectiva dos mesmos pelo ME, dada a importância que estes instrumentos ainda mantêm como referentes, para os professores, na planificação das actividades didácticas. 2.2. As últimas alterações ao currículo Da revisão participada dos currículos realizada em 1997-1998, cujos resultados foram divulgados numa colectânea de publicações editada pelo Departamento de Ensino Secundário do ME e subordinada ao título geral O Ensino Secundário em Debate (para além de um outro caderno intitulado Ensino Secundário: Ajustar para Consolidar), resultaram novos programas de formação. Estes integravam cursos com matrizes curriculares renovadas, conforme se dá conta na brochura editada pela Tutela em Abril de 2000, denominada Revisão Curricular no Ensino Secundário – Cursos Gerais e Tecnológicos, que também apresenta os princípios e as modalidades de avaliação das aprendizagens. Neste contexto, os conteúdos de Geologia permaneceram como parte integrante de uma das disciplinas de formação específica do Curso de Ciências-Naturais no 10º e 11º anos, consubstanciando ainda uma disciplina de opção, Geologia, no 12º ano. A designação da disciplina do 10º e 11º anos, anteriormente Ciências da Terra e da Vida (CTV), foi substituída por Biologia e Geologia (BG) e a sua carga horária aumentada, passando de 4 tempos de 50 minutos para 3 tempos de 90 minutos, mas contemplando um programa muito mais extenso; desta reestruturação sobressai uma componente de Geologia com o mesmo peso da sua congénere de Biologia, o que não acontecia antes, com clara vantagem para esta última no cômputo dos dois anos. 2.2.1. As alterações ao currículo da disciplina de Biologia e Geologia Como resultado da revisão participada do currículo, o ME promoveu diversas alterações ao funcionamento da disciplina agora denominada BG, cujos traços fundamentais se passam a descrever e a comentar muito sucintamente em termos gerais.
1)Individualização das componentes Biologia e Geologia: esta distinção clara, sustentada epistemologicamente (e.g. Frodeman, 1995, 2001; Mateus, 2001; Rabb & Frodeman, 2002), reconhece a especificidade metodológica da Geologia e assegura que a aprendizagem de determinados conteúdos e conceitos, designados como estruturantes, se revela essencial (Novak, 1997). Perfilha, por conseguinte, a noção de que os saberes e as metodologias disciplinares são fundamentais à resolução consciente e crítica de questões ou situações-problema de carácter inter- e transdisciplinar a abordar em fases subsequentes do ensino e aprendizagem. 2)Total independência dos conteúdos em Biologia e Geologia: esta compartimentação rígida não acontecia no programa anterior, principalmente ao nível do 10º ano, em que a continuidade programática era assegurada através de um tema de ligação. Têm sido muitas as críticas a esta alteração, mas convém sublinhar que a mesma decorre sobretudo das opções tomadas pelos autores dos programas a propósito da selecção dos temas e conteúdos a abordar em função dos objectivos traçados para a disciplina. 3)Aumento dos tempos lectivos: este incremento da carga horária acontece por via da supressão (controversa) das disciplinas de Técnicas Laboratoriais de Geologia e de Biologia de cariz essencialmente prático, introduzidas pela Reforma de 1989. A decisão de extinguir estas disciplinas foi justificada pela preocupação de que o trabalho experimental deve ser teoricamente integrado e, para que esse desiderato fosse atingido, as aulas passaram a ter uma duração de 90 minutos (Amador, 2000). A prática, porém, tem demonstrado que outros argumentos ou motivações são necessários para que o trabalho experimental possa, na realidade, desempenhar um papel decisivo na Educação e Ensino da Geologia e da Biologia. Neste contexto, entende-se por trabalho experimental toda a actividade prática que envolva manipulação e controlo de variáveis passíveis de quantificação (em função dos objectivos específicos de aprendizagem) e que permitem aquilatar sobre as relações causa-efeito, assim como sobre as incertezas que se lhes associam. Deste modo, todo o trabalho experimental deve ser devidamente contextualizado do ponto de vista
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científico e didáctico, pois só assim será possível avaliar não só as incertezas que decorrem das assumpções e simplificações requeridas pelo desenho da actividade (comum a qualquer ramo do conhecimento científico), mas também, e sobretudo, as incertezas que são inerentes a qualquer análise de causalidade em Geociências (a qual deve considerar a auto-organização crítica dos sistemas geológicos e o redimensionamento das escalas de espaço e tempo – Schumm, 1991; Bak, 1996; Turcotte e Schubert, 2005). 4)Conteúdos programáticos: muito embora os autores dos programas reconheçam a existência de uma preocupação generalizada a nível mundial com a redução dos assuntos a leccionar, devido à ênfase que se considera importante dar aos conteúdos estruturantes (Amador, 2000), certo é que se verificou um aumento da extensão dos programas do 10º e 11º anos relativamente aos até aí vigentes. Esta é uma das principais críticas que continua a ser subscrita por diferentes intervenientes do processo educativo, em conjunto com a desconexão existente entre alguns tópicos do programa e o excesso de zelo na enumeração dos conceitos a introduzir. Com efeito, na presença de planos de estudo com estas características, torna-se difícil impulsionar o desenvolvimento coerente das competências requeridas pela verdadeira compreensão da essência dos assuntos versados que, não raras vezes, exigem actividades a realizar no campo ou laboratório. 5)Transferência de conteúdos para a componente de Geologia: uma das razões que contribuiu para a extensão programática radica na incorporação de parte significativa dos conteúdos ministrados em Geologia do Ambiente e de Recursos Geológicos do antigo programa do 12º ano, disciplina opcional, para os programas de 10º e 11º anos. Este reforço, vindo ao encontro dos pressupostos iniciais da revisão curricular no sentido de fortalecer a ênfase no Ambiente e no Desenvolvimento Sustentável, acabou, na prática, por criar várias dificuldades, porquanto implicou uma adição de conteúdos sem alterar a estrutura do programa a leccionar, afastando-o definitivamente das orientações deterministas tradicionais. 6)Desenvolvimento de conteúdos centrado na resolução de problemas: com as alterações promovidas, a introdução de cada tema ou unidade pro-
gramática passou a contemplar uma situaçãoproblema, cuja selecção deveria ser determinada pelo significado que a mesma pudesse ter para os alunos, devido à sua localização ou mercê da divulgação que o assunto mereceu no momento (Amador et al., 2001). A grande extensão do programa e a sua enorme rigidez (determinada por um número excessivo de orientações pormenorizadas), assim como a ausência de objectivos explícitos para cada unidade temática, conjugada com a preocupação de preparar os alunos para os exames nacionais, tem dificultado, na prática, a concretização dos propósitos enunciados. Tal condiciona, ainda e severamente, os graus de liberdade das Escolas e dos Professores na gestão de percursos de ensino e aprendizagem próprios, recorrendo a abordagens inovadoras e/ou à busca de situações-problema apropriadas a cada Escola ou turma. 2.2.2. Pressupostos de alterações ao currículo em Geologia A selecção e organização dos conteúdos foram realizadas com base em critérios de carácter científico, epistemológico e pedagógico, que constituem novos paradigmas face aos que sustentavam os currículos anteriores, entendendo-se como paradigma todo o conjunto de pressupostos que enquadram novas teorias, diferentes das anteriormente aceites pela comunidade científica (Kuhn, 2003). No texto introdutório ao programa do 10º ano (Amador et al., 2001), é possível identificar os paradigmas seguintes: a Ciência para todos, o Construtivismo, o Ambiente e a Perspectiva CTSA, as abordagens integradoras e globalizantes; todos estes paradigmas são preconizados por Orion (2001), cujo modelo de directrizes de um currículo foi seguido pelos autores. Como que integrando e transversalisando estes quatro paradigmas, o programa é construído com a intenção de legitimar a individualidade da Geologia com base nos conceitos/conteúdos estruturantes e na metodologia subjacente ao pensamento e à prática nesta Ciência. Procura-se, assim, validar as abordagens geocientíficas ao Mundo Natural, tornando inteligíveis os resultados obtidos através delas. O paradigma da Ciência para todos considera que o principal objectivo da Educação em Ciências é o de preparar futuros cidadãos com as capacidades e competências necessárias à participação crítica e empenhada na resolução de problemas, fazendo uso
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da informação pertinente e das metodologias mais adequadas à sua aquisição e processamento (Amador et al., 2001). Este modelo é recorrentemente referido em oposição a uma educação que se preocupa apenas com a formação de futuros cientistas (Orion, 2001), frequentemente apreciada de forma depreciativa porque conduz à “deriva académica” do Ensino Secundário (sem objectivos próprios e subserviente ao Ensino Superior), sobrevalorizando os conteúdos em detrimento da diversificação pedagógico/didáctica potenciadora do desenvolvimento de competências. O Construtivismo, como paradigma pedagógico, coloca o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem, perspectivando um Ensino das Ciências que, como refere Gil-Pérez et al. (2002), preconiza a participação activa dos estudantes na construção do conhecimento e não a simples reconstrução do conhecimento previamente adquirido através do professor ou do manual. A conciliação deste paradigma com o anterior, permite privilegiar o ensino por pesquisa que valoriza o trabalho experimental e de campo teoricamente contextualizado, partindo de situações-problema edificantes. Estas últimas, se convenientemente articuladas, possibilitarão ainda projecções de carácter inter- e transdisciplinar (com aplicação ou não de trabalho prático) quer do que se sabe, quer do que se procura saber (e.g. Mateus, 2000a, b, 2001; Praia et al., 2002; Cachapuz et al., 2002; Pedrosa & Mateus, 2001). Destas abordagens emergem com naturalidade as articulações com os restantes paradigmas anteriormente enunciados. Com efeito, o chamado paradigma verde (Ambiente) enfatiza a importância das Ciências da Terra no desenvolvimento da consciencialização ambiental, porquanto, de acordo com o autor que maior relevo lhe atribui (Orion, 1995, citado em Orion, 2001), esta área do conhecimento permite ao aluno, futuro cidadão, adquirir capacidades e conhecimentos para poder emitir opiniões de forma consciente e esclarecida sobre diversos assuntos como, por exemplo, a energia, a água ou a utilização adequada dos recursos. Como já foi referido anteriormente, conteúdos de natureza ambiental e de gestão adequada dos recursos geológicos já integravam o anterior currículo, se bem que contidos na disciplina de Geologia do 12º ano (opcional), pelo que a adopção deste paradigma não se revela uma novidade no caso português.
Também a focalização do Ensino das Ciências num contexto quotidiano relevante é defendido por Orion (2001), consubstanciando-se essa preocupação no currículo através das referidas situações-problema. Este é um assunto tratado com especial cuidado em Cachapuz et al. (2002) que, em muitos aspectos, retoma trabalhos anteriores dos mesmos autores, demonstrando a pertinência das relações CTSA na promoção de aprendizagens significantes em Ciência. A este propósito, contudo, importa sublinhar uma vez mais que a selecção dos temas a abordar, bem como a sua articulação, se revela crucial ao desfecho bem sucedido do processo de ensino e aprendizagem. Vejam-se, por exemplo, as orientações reportadas ao último paradigma que, no programa, são referidas como abordagens integradoras e globalizantes; estas deveriam, efectivamente, criar os necessários elos entre os diversos conteúdos no sentido de fomentar e facilitar a compreensão das complementaridades existentes entre os principais processos biogeoquímicos e biogeofísicos condicionantes da evolução da Terra e da sua organização, bem como de facultar o entendimento das razões que permitem caracterizar este Planeta como um megassistema dinâmico e aberto. 2.2.3. Avaliação A reforma curricular do Ensino Secundário (programas e matrizes) atingiu o 12º ano de escolaridade em 2006/07, após o qual deveria ser devidamente avaliada nas suas múltiplas vertentes. No presente apenas se conhecem as versões preliminares dos relatórios produzidos pelo Grupo de Avaliação e Acompanhamento da Reforma do Ensino Secundário (GAAIRES) subordinados ao Estudo de Avaliação e Acompanhamento da Implementação da Reforma do Ensino Secundário (Outubro de 2006) e à Análise do Processo de Elaboração, Avaliação e Implementação dos Programas do Ensino Secundário (Abril de 2007). O exame atento destes relatórios, enquadrado pelo estudo mais alargado promovido pelo Conselho Nacional de Educação (Como vamos melhorar a Educação em Portugal: novos compromissos sociais pela Educação, disponibilizado em Fevereiro de 2007), revela, contudo, que os primeiros carecem de aprofundamento em muitos dos assuntos versados. A necessidade de uma avaliação cuidada e periódica do currículo é também referida pela principal responsável pelos programas de Geologia em vigor (Amador, 2000). Noutros países, como é o caso de
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Israel (Orion, 2001), a produção de novos programas insere-se num processo cíclico em que, a seguir a uma fase de implementação restrita a algumas turmas, é desencadeada a avaliação à qual se seguem eventuais reajustamentos. Após esta primeira fase é realizada nova avaliação que conduz, por fim, à generalização do currículo. Apesar de, em Portugal, não se ter optado por uma via de experimentação inicial, a avaliação cuidada e criteriosa dos resultados obtidos afigura-se imprescindível para aquilatar (de forma objectiva e fidedigna) qual o estado de evolução e quais os desvios ao percurso previamente idealizado no sentido de atingir os desideratos enunciados nos diplomas legais que instituíram a Reforma. Esta avaliação, permitindo apreciar a adequação das medidas introduzidas e/ou corrigir em devido tempo os afastamentos ao processo de mudança resultantes de turbulências circunstanciais ou de vários efeitos de escala, deveria contemplar duas vertentes: uma de carácter interno, realizada em cada Escola, de acordo com as características da mesma, regionais e humanas (corpos docentes e discentes, para além dos factores distintivos da comunidade envolvente); outra de índole externa, coordenada por especialistas das respectivas áreas científicas e didácticas. Considerando ainda que, na fase inicial de construção do currículo, o ME solicitou parecer às Associações e Sociedades Científicas, seria também desejável que as voltasse a auscultar, complementando assim o processo de avaliação. Não enveredando por este caminho, os actuais responsáveis no ME voltam a cometer erros congéneres dos empreendidos no passado recente, precipitando decisões e acarinhando a promoção de medidas que dificilmente solucionarão os problemas estruturais de forma consolidada.
pareceres e indicação de especialistas nas áreas do Desenvolvimento Curricular e da Avaliação Externa (exames nacionais). No passado recente, ocorreram em Portugal sucessivas revisões/reformas curriculares que procuraram inverter as tendências menos positivas dos principais indicadores sobre a qualidade de ensino ministrada. A APG acompanhou, dentro do possível, estas revisões/reformas, cuidando de analisar objectivamente as várias propostas e respondendo, em devido tempo, às solicitações formuladas pelo ME. De entre as remodelações produzidas, salientam-se as que, nos últimos anos, têm visado o Ensino Secundário. A matriz curricular em vigor no Ensino Secundário não é desfavorável à Geologia, reconhecendo-lhe valor formativo e cultural. Existem, contudo, diversos problemas que podem e devem ser resolvidos após um processo de avaliação criteriosa que urge implementar, através da reorientação, melhoria e actualização dos programas oficiais. Na perspectiva da APG, uma vez resolvidos estes problemas, parte das dificuldades diagnosticadas ao nível das ofertas de Escola desaparecerão ou, pelo menos, tenderão a ser reduzidas, consolidando a necessária literacia geocientífica e potenciando vocações para as Geociências, em geral, e para a Geologia, em particular. Agradecimentos
Os autores agradecem, em nome da APG, o convite endereçado pela Comissão Organizadora do Simpósio Ibérico do Ensino da Geologia para participar na Mesa Redonda. As ideias expressas neste trabalho beneficiaram de diversas trocas de impressões com numerosos intervenientes, designadamente sócios da APG, a quem se agradece reconhecidamente; 3. Conclusões eventuais méritos de algumas das propostas aqui Desde a sua fundação, em 1976, que a APG se preo- apresentadas devem ser partilhados, mas as incorcupou com a Educação e Ensino da Geologia, fomen- recções e omissões são da exclusiva responsabilidatando Cursos de Actualização de Professores e dili- de dos autores.São ainda devidos agradecimentos genciando junto dos Órgãos competentes do ME no aos Profs. Doutores Fernando Noronha, João Praia e sentido de demonstrar a relevância do Conhecimento José Brilha pela leitura crítica do manuscrito. geológico na promoção de aprendizagens científicas de qualidade. Não obstante várias contrariedades, que sempre acontecem quando caminhos complexos são trilhados, regista-se com agrado o reconhecimento granjeado pela APG junto do ME como instituição nacional representante da Geologia, do seu Ensino e da profissão de Geólogo; nesta base têm surgido solicitações formais à APG para emissão de
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O conteúdo deste artigo é da responsabilidade dos autores e não expressa a posição da actual direcção da APG
GEONOVAS nº 21, pp. 75 a 86, 2008
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
Novos currículos de Geologia no Ensino Secundário português: contributos da Associação Portuguesa de Geólogos Edite Bolacha*, António Mateus** * Escola Secundária D. Dinis, Rua Manuel Teixeira Gomes, 1950-186, Lisboa, Portugal ** Dep. Geologia e CEGUL, Fac. Ciências, Universidade de Lisboa, C6, Piso 4, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, Portugal
RESUMO A Educação e Ensino da Geologia afiguram-se imprescindíveis ao desenvolvimento de competências diversas que concorrem para uma cultura científica eclética, útil ao desempenho de uma cidadania esclarecida na Sociedade actual e futura. Ao nível do Ensino Secundário, os programas de Geologia devem ser estruturados de forma a: (1) incluir conteúdos e conceitos nucleares subjacentes à caracterização geral dos processos geológicos, possibilitando a análise sistémica do Planeta Terra; (2) compreender a importância destes processos e seus produtos na sustentação da Vida e na manutenção da Civilização Humana; e (3) fomentar actividades de aprendizagem que envolvam trabalhos de campo e experimentais com base em situações-problema teoricamente contextualizadas. Sugere-se a existência de um núcleo curricular mínimo obrigatório a nível nacional, complementado por orientações que permitam desenvolver em cada Escola percursos de ensino-aprendizagem próprios em função das suas características. Palavras-chave: Ensino Secundário português; programas/currículos de Geologia ABSTRACT The Education and Training in Geology are critical to the development of varied competences, concurring to an eclectic scientific literacy that is useful to a lucid citizenship in the Society of the present and future. For the Secondary School level, the Geology learning programmes should be organized in order to: (1) include the core issues/ concepts needed for a general characterization of the geological processes, promoting a systemic inspection of the Planet Earth; (2) understand the significance of these processes and their products on Life support and on Human Civilization maintenance; and (3) promote learning activities that involve field and experimental works based on case-problems theoretically contextualized. A national, compulsory, minimum core-curriculum is suggested, complemented by recommendations that facilitate the improvement of particular training courses in each Scholl designed in function of their own features. Key-words: Portuguese Secondary School; Geology learning programmes. Recebido: Outubro, 2007. Aceite: Novembro, 2007
1. Introdução temente denominado reforma pela razão de os anteriores currículos terem sido substituídos por outros claramente diferenciados dos primeiros nas opções didácticas assumidas (Idem). Conforme discutido no artigo Evolução recente do Ensino Secundário em Portugal e suas implicações nos currículos de Geologia; a perspectiva da Associação Portuguesa de Geólogos neste volume, não se afigura claro que o percurso liderado pelo ME tenha sido acompanhaTendo em conta a necessidade de ultrapassar pro- do por uma reflexão amadurecida sobre a organizablemas e desajustamentos detectados na organi- ção e selecção dos conteúdos, contextualizadas por zação curricular e no funcionamento do Ensino Se- abordagens didácticas abrangentes. Este sentimento cundário (Amador, 2000), o ME iniciou em Abril de sustenta-se, desde logo, no facto dos diversos pro1997 um processo de revisão curricular, subsequen- gramas afectos às ciências experimentais revelarem Em Portugal, o Ensino Secundário (10º, 11º e 12º anos de escolaridade) é frequentado por alunos com idades compreendidas entre os 15 e os 18 anos. No contexto curricular actual do Ensino Secundário, o Curso Científico-Humanístico de Ciências e Tecnologias é o único que contempla matérias de Geologia, sendo frequentado pelos alunos que pretendem prosseguir estudos superiores nas áreas de Ciências e Engenharias.
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orientações didácticas diversas (Ibidem), para além de outras razões adiante identificadas e discutidas. Assumindo uma postura crítica, mas construtiva, procurar-se-á expor nas secções seguintes uma análise sucinta dos actuais programas de Geologia para o Ensino Secundário, bem como propostas de melhoramento ao nível da organização e selecção de conteúdos, tal como se explicitou na comunicação apresentada na Mesa Redonda do Simpósio Ibérico sobre o Ensino da Geologia (Aveiro, Julho de 2006). 2. Desafios e Paradigmas Actuais Pretende-se que as sugestões apresentadas se sustentem nos principais “desafios do século XXI” que configuram também alterações aos paradigmas em que os autores se basearam para seleccionar e organizar os conteúdos dos novos programas (fig. 1). Por sua vez, estas querem-se inerentes à construção do conhecimento geológico, não negligenciando incursões de amplitude variável por valências ambientais, económicas e sociais, i.e. erigindo gradualmente uma teia de conexões que concretizem a interdependência entre os Saberes e os pilares fundamentais do Desenvolvimento Sustentável. Estas sugestões têm igualmente em conta a situação portuguesa, onde importa consolidar o Ensino das Geociências na escolaridade pré-universitária, ao contrário do que se passa em outras sociedades ocidentais onde a preocupação maior consiste na sua introdução. Recentemente tem-se assistido, em Portugal, a duras críticas ao tipo de ensino e aprendizagem das Ciências que tem vigorado nos últimos anos no Ensino Básico, centrado no aluno e nos processos. Este modelo é apontado como parcialmente responsável pelos maus resultados em literacia científica dos jovens portugueses nos estudos da OCDE (ME, 2001) porque releva para segundo plano a aprendizagem efectiva de conteúdos científicos (e.g. Crato, 2006). Com efeito, não havendo a devida contextualização teórica das actividades a desenvolver pelo aluno, assim como a necessária preocupação em ponderar as diversas modalidades de ensino e aprendizagem em função de objectivos específicos (como adiante se apresenta), toda a estratégia centrada no aluno acaba por não ter o efeito desejado, sendo até contra producente em algumas situações (conduzindo à desorientação e desmotivação).
A reformulação dos paradigmas esquematicamente ilustrada na figura 1 relaciona-se directamente com as preocupações referidas. Daqui emergem também os principais conjuntos de conteúdos e conceitos científicos cuja compreensão se afigura crucial a um processo de ensino e aprendizagem que deverá procurar o desenvolvimento das competências necessárias à resolução de problemas correntes, sem os quais os futuros cidadãos não alcançarão a tão almejada literacia científica (Mayer, 2001). É também neste contexto que Mayer (2001) critica a visão CTSA (Ciência – Tecnologia – Sociedade – Ambiente), paradigma que tem dominado o Ensino das Ciências desde os anos 70 do século XX, por transmitir a ideia de que a ligação da Ciência à Sociedade se faz sempre através da Tecnologia. Cachapuz et al. (2002) contornam com mestria esta questão, embora não precisem com clareza as interdependências entre Ciência e Tecnologia e, nesta base, a necessidade de promover abordagens distintas aos conteúdos e conceitos estruturantes afectos a diferentes disciplinas em função das suas especificidades metodológicas. A visão CTSA é intrinsecamente inter/ transdisciplinar, enriquecendo-se com as perspectivas complementares do modo como se perscruta o Mundo e de como o Homem o usufrui e explora. Deste modo, mesmo ao nível do Ensino Secundário, a “construção de visões CTSA” assentes em situações-problema que propiciem o ensino e aprendizagem através da pesquisa, apenas se torna edificante quando os Saberes disciplinares essenciais se encontram devidamente consolidados. No caso concreto das Geociências e, por consequência, da Geologia, esta construção enferma de um problema suplementar porquanto o que na realidade se estuda são os sistemas terrestres e respectivos complementares (Ambiente); assim, apenas indirectamente, tal estudo fornece bases para o desenvolvimento tecnológico (Mayer, 2001). A visão CTSA, se incorrectamente introduzida, corre adicionalmente o perigo de fomentar ideias preconceituosas sobre o Ambiente e a actividade humana, desligadas das restantes vertentes do desenvolvimento da Sociedade, considerando, desde logo, factores como o crescimento e distribuição demográfica, os padrões de qualidade de vida e as questões relacionadas com a equidade intra/intergeracional. Tal justifica a substituição da visão CTSA por um pa-
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A Ciência para todos (formação para a cidadania)
Alfabetização global em Ciências (com vista à literacia científica)
O Construtivismo
O Construtivismo não radical
O Ambiente (e a perspectiva CTSA)
Interdependência entre Sustentabilidade e os Saberes
As abordagens integradoras e globalizantes
A visão sistémica da Terra e do Universo
Organização do conhecimento pouco compartimentada
Figura 1. Reformulação dos paradigmas de acordo com os desafios de século XXI inerentes à construção do conhecimento geológico e integrando as valências subjacentes ao desenvolvimento sustentável da Sociedade.
radigma que contemple a “interdependência entre seja substituído pela visão sistémica da Terra e do Universo, apenas aflorada no programa, mercê do Sustentabilidade e os Saberes”. seu carácter abrangente e por corresponder à persA substituição do termo construtivismo pela exprespectiva que actualmente orienta a construção do cosão construtivismo não radical permite destacar a nhecimento geocientífico. importância da utilização de estratégias de pesquisa orientada semelhantes às utilizadas na construção A recontextualização paradigmática dos programas do Conhecimento, que apresentem uma planificação (10º, 11º e 12º anos) que se sugere tem a vantagem prévia de acordo com o problema que se pretende de requerer menor compartimentação dos conteinvestigar. Este tipo de estratégias tem sido defen- údos do que a que se verifica no presente (fig. 2). dido por vários autores (e.g. Mateus, 2000a; Praia Possibilita ainda o desenvolvimento de raciocínios e et al, 2001; Gil-Pérez et al., 2002; Cachapuz et al., de práticas conducente: (1) à percepção das caracte2002; Santos, 2002; Crato, 2006) em oposição a ou- rísticas fundamentais dos constituintes básicos das tras de forte carácter empirista (onde se destaca a entidades geológicas e entendimento da interrelação observação sem fundamentação teórica prévia) ou existente entre as diferentes escalas de espaço e de de resolução de problemas com grau de abertura tempo envolvidas nos fenómenos geológicos, abardemasiadamente elevado para os níveis etários a cando diversos processos biogeoquímicos e biogeoque se destinam (não se verificando a priori os pré- físicos; (2) à compreensão das articulações fundarequisitos necessários – conhecimentos básicos); as mentais entre os vários subsistemas (e reservatórios), abordagens promovidas segundo as duas últimas es- equacionados sob a forma de fluxos que sustentam o conceito de ciclo (petrogenético, hidrológico, biotratégias conduzem inevitavelmente à desorientação geoquímico, tectónico, etc.); (3) ao desenvolvimento dos alunos e, consequentemente, à não compreensão de competências cognitivas mais complexas mercê do que se está a fazer e das suas finalidades, impeda exigência colocada na interdependência entre dindo o desejável desenvolvimento de competências. conteúdos (Spiro et al. 1991); e (4) à resolução de Sugere-se, por fim, que o paradigma relacionado problemas com graus diferenciados de estruturação com as abordagens integradoras e globalizantes (Jonassen, 1999) que conduzem a uma maior racioFigura 2. Organização dos programas de Geologia dos 10º e 11º anos; adaptado de Amador et al., (2001,2002). Tema I (Módulo Inicial)
Tema II
Tema III
Tema IV
A Geologia, os geólogos e os seus métodos
A Terra, um planeta muito especial
Compreender a estrutura e a dinâmica da Geosfera
Geologia, problemas e materiais do quotidiano
Conceitos e pensamentos geológicos estruturantes
A Terra no Universo Particularidades da Terra Protecção do ambiente e desenvolvimento sustentável
Estrutura da Terra e respectivos métodos de estudo
Problemas de ordenamento, processos e materiais geológicos, esploração sustentada de recursos geológicos
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nalização da teia de conexões que sustenta o Mundo Natural (Mateus, 2000a,b, 2001, 2006). Acresce referir que, não obstante se privilegiar a utilização de estratégias de pesquisa orientada na Educação e Ensino da Geologia (e.g. Praia et al, 2001; Gil-Pérez et al., 2002; Cachapuz et al., 2002), estas não devem ser encaradas como exclusivas. Na verdade, por razões de inteligibilidade ou necessidades de contextualização teórica da situação-problema, ou ainda por força de pré-requisitos formais diversos, poderá haver conveniência e justificar-se plenamente a transmissão articulada de vários conceitos. Esta transmissão (implicando maior intervenção do professor, sem descurar a participação activa dos alunos) não deve, pois, ser encarada como algo a evitar “a todo o custo”, mas sim como uma metodologia complementar e interactiva, cuja pertinência deve ser apreciada em função (1) do que se pretende abordar, (2) dos meios existentes na Escola, (3) do tempo disponível, (4) da dimensão das turmas e (5) das competências evidenciadas pelos alunos. Do mesmo modo que, no âmbito das actividades práticas (realizadas no laboratório, em sala de aula comum ou no campo), também se não deve abandonar totalmente a realização de demonstrações por parte do professor. Antes pelo contrário, tal pode ser particularmente elucidativo (e motivador) para os alunos, especialmente no que diz respeito a muitos dos trabalhos experimentais, permitindo-lhes encarar com maior naturalidade quer as dificuldades inerentes às actividades que subsequentemente lhes são propostas, quer a análise dos resultados por si obtidos.
desconexa e descontextualizada. Verifica-se também uma compartimentação excessiva dos conteúdos em todos os programas sem que haja um fio condutor lógico que proporcione a análise do Sistema Terra a diversas escalas de tempo e espaço. Reconhecemse ainda dificuldades acrescidas em concretizar interligações fortes nas transições entre unidades temáticas. Tudo isto contraria a crítica enunciada à tradição enciclopedista e compartimentalizante do Sistema Educativo português (Amador, 2000). Tratar-se-á por ventura de uma das várias contrariedades que os autores terão experimentado, impostas pelas directrizes que receberam do ME; será o caso do Tema I, denominado Módulo Inicial, obrigatório nos programas de todas as disciplinas (?), que pretende ser uma breve introdução para preparar os alunos para o estudo mais detalhado da Geologia, pois revê, torna explícitos e actualiza conceitos essenciais desta área do conhecimento (Amador et al., 2001). Deste modo, a metodologia/dialéctica própria da Geologia que se pretende que os alunos adquiram, nomeadamente através do desenvolvimento de raciocínios historicamente orientados e intemporais, e da aplicação de métodos de trabalho de campo e laboratorial, acaba por se diluir e esquecer num programa demasiadamente extenso e muito prescritivo. A coluna dorsal dos três programas deveria, por isso, ser revista, permitindo identificar e reorganizar os conteúdos estruturantes (que, por si, sustentam a individualização da disciplina de Geologia) em função de uma série de objectivos específicos (que carecem de enunciação), assim como desenvolver os raciocínios e métodos particulares deste ramo do Conhecimento.
3. Estrutura e Conteúdos dos Programas de GeA conjugação da excessiva compartimentação e exologia em Vigor tensão dos programas com a organização em espiral As figuras 2 e 3 retratam de forma muito sucinta aplicada ao mesmo ciclo de estudos (o Ensino Sea estrutura dos programas de Geologia para os três cundário) não tem também conduzido a resultados anos do Ensino Secundário, relativamente à qual se animadores. Efectivamente, a exploração convenientecerão algumas considerações. Esta análise poderá te de uma organização em espiral exige o cumpriser complementada e/ou seguida através da consulmento de vários requisitos, designadamente: (1) defita dos programas em: http://www.dgidc.min-edu.pt/ nição de objectivos específicos para cada (sub)etapa programs/programas.asp (página da Direcção Geral do ciclo de estudos e verificação cuidada e regular de Inovação e Desenvolvimento Curricular, Ministério da sua concretização; (2) articulação fluida entre da Educação). temas e identificação inequívoca dos conteúdos e Em termos gerais, os programas são vastos, exis- conceitos estruturantes, trabalhando-os a diferentes tindo preocupação exagerada em cuidar o detalhe profundidades e relacionando-os com outros présobre algumas das matérias versadas (porquê estas adquiridos em disciplinas afins ou complementares; e não outras?) e em enumerar exaustivamente con- (3) existência de tempo útil para o desenvolvimento ceitos e conteúdos que, por vezes, surgem de forma de actividades diversas que permitam revisitar re-
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Tema I
Tema II
Tema III
Da Teoria da Deriva dos Continentes à Teoria da Tectónica de Placas
A História da Terra e da Vida
A Terra: ontem, hoje e amanhã
Dinâmica da litosfera Controvérsias científicas Formação de riftes e de cadeias de montanhas
História da Terra Tabelas cronostratigráficas Métodos de datação História geológica de uma região
Mudanças climáticas Mudanças ambientais O Homem como agente de mudanças ambientais
Figura 3. Organização dos programas de Geologia do 12º ano; adaptado de Amador e Silva (2004).
correntemente conteúdos e conceitos estruturantes, rasgando os horizontes do conhecimento através da construção gradual de interconexões significantes; e (4) domínio pleno dos assuntos a versar, bem como de estratégias diversas adequadas ao seu aprofundamento gradual. Não é, pois, difícil de perceber onde radicam as debilidades circunstanciais e estruturais que conduzem, na prática, à repetição exaustiva (e, por vezes, meramente superficial) de muitos conteúdos e conceitos, distorcendo e desincentivando a aprendizagem. A prescrição excessiva de conteúdos nos programas poderá contribuir também para a frustração dos alunos. Tal afigura-se particularmente importante na ausência de articulações cognitivas suficientemente fluidas que proporcionem imagens claras ou permitam descortinar relações causa/efeito transferíveis ou comparáveis com as apreendidas pela observação e caracterização (mesmo simplificada) de situaçõestipo em contexto real. Daqui poderá resultar ainda para os alunos a impressão de redundância do que estão a aprender ou a convicção da sua inacessibilidade, restando-lhes a memorização gratuita, desor-
denada e descontextualizada de termos ou de representações gráficas de todo o tipo. Neste aspecto, os autores dos programas em vigor terão ficado muito aquém das suas efectivas ambições, cedendo pouca margem para a promoção de uma gestão flexível do currículo de acordo com as características da Escola, dos alunos que a frequentam, e da região em que a mesma se insere. De acordo com Zabalza (1998), a relação existente entre unicidade curricular e territorialização do ensino é relevante na inovação educativa assim como na contextualização e protagonismo de cada Escola na configuração de um modo particular de fazer ensino. Neste sentido, é possível separar a forma tradicional e convergente, em que todas as Escolas ensinam os mesmos conteúdos, traduzido pelo esquema X da fig. 4, daquela (Y) em que são prescritas condições, objectivos mínimos e conteúdos nucleares que devem ser ministrados a todos os alunos de acordo com as orientações decorrentes da política educativa do país (Idem). Considerando o exposto até ao momento e tendo em conta que, em Portugal, os alunos são sujeitos a uma avaliação de carácter externo na disciplina bienal es-
Fig. 4 – De acordo com Zabalza (1998), o esquema X pretende documentar um tipo de currículo igual para todas as escolas, enquanto que no esquema Y, o currículo programado pelas escolas é constituído por uma parte comum à proposta geral e outra que é específica.
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truturante (BG, 10º-11º anos) ou, se o pretenderem, à disciplina opcional de Geologia (12º ano), o currículo deveria seguir o esquema Y, ajustando-se às idiossincrasias de cada Escola, dos seus alunos e do ambiente envolvente, mas não perdendo de vista a necessidade de se estabelecer um núcleo curricular obrigatório de conhecimentos (Thompson, 2001). 4. Trabalho de Campo e Trabalho Experimental A análise atenta dos programas em vigor permite facilmente concluir que os mesmos não dão suficiente relevância ao trabalho de campo como base do conhecimento geológico e ao trabalho experimental (desenvolvido em laboratórios, em salas equiparadas a laboratórios, ou no campo), aplicado principalmente à simulação de processos geológicos que decorrem em grandes unidades de espaço e tempo. Este facto, mais uma vez, contradiz as intenções dos autores dos programas que, no plano conceptual, destacam a importância do trabalho experimental teoricamente enquadrado (Amador, 2000). O produto final revela, contudo, que o trabalho experimental não é encarado como uma prioridade mas tão só como uma sugestão metodológica e, mesmo assim, são escassas as actividades verdadeiramente experimentais, dado não contemplarem o controlo e a manipulação de variáveis. Para além deste aspecto, as actividades sugeridas são pouco abrangentes e, nesse sentido, serão facilmente ignoradas pelos professores que utilizam o argumento da extensão dos programas para não as realizarem. Em geral, verifica-se ainda que as actividades sugeridas não são adequadas ao nível etário a que se destinam porque não permitem, dada a sua simplicidade, o desenvolvimento de competências cognitivas complexas e a aprendizagem de um largo espectro de conteúdos, de acordo com uma abordagem globalizante ou sistémica. Este é, pois, um aspecto crítico que importa considerar na próxima reforma curricular. A promoção de uma Educação e Ensino de qualidade em Ciências exige, de facto, a criação de condições propícias (curriculares e logísticas) ao desenvolvimento regular de percursos investigativos que se afigurem significantes na aprendizagem/formação global dos alunos; tal implica, necessariamente, a realização de trabalho experimental. Em Geologia, o trabalho experimental deve ser complementado e enriquecido com o trabalho de campo; da interacção sistemática entre estas duas modalidades de trabalho
prático, devidamente contextualizadas, emergirão abordagens educativas adequadas quer à verificação de previsões suportadas por considerações de índole teórica, quer à resolução de pequenos problemas em torno de questões maiores previamente debatidas pelos educandos (situações-problema). São, assim, significantes: (1) os trabalhos de campo que possibilitam a descrição e análise de entidades geológicas de referência ou que possam ser usadas como tal por força do seu valor educativo; (2) os trabalhos experimentais de natureza verificativa ou demonstrativa que proporcionem a compreensão de princípios científicos fundamentais e contribuam para a aquisição de metodologias próprias na pesquisa, obtenção e registo de dados, e sua análise subsequente; e (3) os trabalhos experimentais e de campo subjacentes a uma pesquisa orientada que permitam desenvolver capacidades de pensamento crítico e criativo, aplicando o que se aprendeu e equacionando o que se pretende ainda aprender. Todas estas tipologias de trabalho implicam, necessariamente, uma planificação cuidada por parte dos professores no sentido de potenciar as suas interacções com os alunos e entre estes, num crescendo de complexidade e, consequentemente, de autonomia. A selecção do tipo de trabalhos experimentais e de campo a empreender não deve seguir nenhum modelo rígido, mas sim reflectir um conjunto de opções definido em função dos objectivos equacionados para o ensino e aprendizagem de cada unidade temática e das competências demonstradas pelos alunos, tendo ainda em conta os meios existentes na Escola, o número de alunos por turma e a repartição dos tempos prevista para as diferentes componentes do programa. Procurando ponderar de forma equilibrada diferentes tipos de trabalho ao longo do ano lectivo, será possível conhecer a evolução do conhecimento geológico e os diversos métodos que conduzem à sua construção, possibilitando ainda a promoção de estudos integrados sobre sistemas reais (geralmente complexos). Da promoção bem sucedida destes últimos estudos dependerá a consolidação do conhecimento ministrado (instruído) e construído, alargando os horizontes cognitivos e as destrezas técnicas de todos os intervenientes. Assim, se correctamente realizadas e contextualizadas no plano teórico, as abordagens envolvendo diferentes trabalhos experimentais e de campo deverão permitir: (1) contornar a maioria das dificuldades
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evidenciadas por um número significativo de alunos em aplicar os conceitos ministrados a outros contextos que não os invocados por problemas estereotipados; (2) combater a ideia preconcebida de que o conhecimento científico está somente ao alcance de “mentes geniais”; (3) desmistificar a noção de pensamento científico como verdade absoluta, valorizando a concepção de viabilidade, i.e. de adequação do conhecimento aos contextos em que foi desenvolvido; e (4) encarar a educação e ensino como processos dinâmicos que conferem ao aluno a capacidade de actuar sobre e a partir de situações concretas. 5. Sugestões para melhoria do currículo O valor educativo das Geociências / Geologia tem sido discutido por vários autores (e.g. Schumm, 1991; Seddon, 1996; Frodeman, 1995; Mateus, 2001), sendo consensual a ideia de que estes domínios do conhecimento científico se afiguram inestimáveis ao desenvolvimento da curiosidade sobre o Mundo em que vivemos e à construção de raciocínios coerentes acerca da fenomenologia natural. Todavia, a busca de um enquadramento curricular que possibilite o desenvolvimento de capacidades de abstracção e de raciocínio lógico e crítico fundamentais à interpretação dos complexos sistemas naturais, está longe de ter terminado. E o principal desafio reside aqui mesmo, porquanto a qualidade (e eficácia) do ensino ministrado não corresponde necessariamente à quantidade de informação difundida (geralmente medida em termos da extensão curricular e/ou em termos da sua grande especificidade), particularmente se as abordagens seleccionadas dificultarem o amadurecimento gradual das noções base e a estruturação do pensamento, impedindo que a informação se transforme em conhecimento permanente (e.g. Tedesco, 1999). Acresce salientar que o não atendimento destes requisitos tem consequências enormes a médiolongo prazo, retardando e/ou constrangendo de forma irremediável a tão desejada formação para uma opinião pública esclarecida, culturalmente preparada para intervir num Mundo em constante transformação e, assim, contribuir para a mudança de atitudes exigida pelo desenvolvimento sustentável da Sociedade (e.g. Tedesco, 1999; Canavarro, 1999; Mateus, 2000a, 2001, 2006). 5.1. Finalidades do ensino da Geologia No seu todo, os conteúdos e conceitos de Geologia a leccionar/trabalhar durante o Ensino Secundário
(10º, 11º e 12º anos de escolaridade) deverão organizar-se segundo uma estrutura coerente para atingir diversas finalidades. Estas, acessíveis através de várias estratégias com esforço ao alcance dos alunos, devem ainda respeitar os princípios subjacentes à construção do conhecimento geológico. E, muito embora possam assumir redacções diferenciadas, na sua essência dificilmente se desviarão dos aspectos seguintes: (1)Compreensão de que a singularidade do Planeta Terra no contexto do Sistema Solar é fruto das interacções constantes que se estabeleceram desde há muito entre o Sol, a Terra e a Vida, abrindo caminho à racionalização da enorme teia de conexões que sustenta o Mundo Natural que nos rodeia; (2)Percepção de que o Planeta Terra corresponde a um megassistema aberto em actividade contínua, gerando variadíssimos produtos e proporcionando numerosos eco-serviços que se organizam em níveis crescentes de complexidade dotados de propriedades peculiares; (3)Entendimento de que o estudo do Planeta Terra pode ser realizado com vantagem acrescida através de numerosos (sub)sistemas que apresentam constituição (composição), organização (arquitectura) e dinâmica (interacção) próprias, mas que interactuam a diferentes escalas de tempo e espaço, consubstanciando uma interdependência que se afigura crítica à manutenção de balanços auto-organizados (e auto-regulados) entre a astenosfera, litosfera, hidrosfera, atmosfera e biosfera; (4)Reconhecimento de que a caracterização dos sistemas naturais se fundamenta na complementaridade entre os conhecimentos geológicos intemporais e os historicamente orientados, possibilitando solucionar de forma coerente as questões levantadas no âmbito da dinâmica dos processos geológicos e da geohistória; e (5)Desenvolvimento de competências e de sensibilidades cruciais ao entendimento da geodiversidade (componente fundamental do Património Natural ainda não devidamente valorizada pela Sociedade), compreendendo o seu papel na (i) manutenção dos ecossistemas e respectivas capacidades em suportar diferentes formas de Vida e (ii) sustentação da Civilização Humana, provi-
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denciando água e diversas matérias-primas (metálicas, não-metálicas e energéticas), bem como a prevenção do risco face a diferentes perigosidades naturais; estas competências e sensibilidades ajudarão ainda a perceber a necessidade e urgência em preservar o património geológico, conforme preconizado pela Declaração Internacional dos Direitos à Memória da Terra (também conhecida por Carta de Digne). As finalidades acima expostas permitirão reorientar os programas e colocar os níveis de pertinência do que se estuda em Geologia a par dos que se equacionam para as disciplinas de Biologia, Física e Química, concorrendo plenamente para os objectivos gerais enunciados para o Ensino Secundário em Portugal pelo ME. Ou seja, por outras palavras, tais desígnios contribuirão de forma inestimável para a promoção da cultura científica alargada que todo o cidadão deve ter no sentido de (1) olhar o Mundo como um todo, permitindo-lhe intervir criticamente na sua transformação, e (2) integrar a geodiversidade no quadro de valores em torno do respeito pela biodiversidade e pela diversidade cultural dos povos.
estruturais críticos a qualquer racionalização sobre a geometria, arquitectura e extensão no espaço e no tempo de vários objectos geológicos; (4) das variáveis/factores que determinam a essência dos processos petrogenéticos (magmáticos, sedimentares e metamórficos) e respectiva articulação; (5) da complementaridade existente entre processos exógenos e endógenos, orgânicos e inorgânicos; e (6) da importância da água no desenrolar destes processos, por vezes complementada pela actividade biológica.
Para o programa de Geologia do 11º ano de escolaridade sugere-se uma organização que privilegie o desenvolvimento da visão sistémica do Planeta Terra através da conciliação das vertentes previamente trabalhadas (História/Evolução e Relações Causa-Efeito) com as Respostas do Sistema. O programa deverá, assim, apontar para: (1) o exame das vantagens em dissociar o megassistema Terra em (sub)sistemas interdependentes; (2) a análise global e integradora da relação existente entre processos petrogenéticos e mecanismos de construção (orogénese) e destruição/modelagem do relevo (erosão); (3) o reconhecimento da importância basilar dos sistemas hidrológico e tectónico; (4) a apreciação de 5.2 Objectivos específicos por ano de escolarivárias perigosidades naturais e dos riscos que se lhes dade podem associar em função da vulnerabilidade e cusAtendendo ao exposto na secção anterior, resta en- tos; e (5) avaliação de alguns impactes decorrentes contrar os propósitos específicos para cada um dos da actividade/ocupação humana. anos de escolaridade do Ensino Secundário e respecPara o programa de Geologia do 12º ano de escolativa articulação, tendo em conta que os programas ridade sugere-se uma estrutura que permita o recode Geologia se deverão estender ao longo de um nhecimento formal das tipologias cruciais à docusemestre nos 10º e 11º anos e desenrolar durante a mentação da vasta geodiversidade. Neste sentido, o totalidade do ano lectivo no 12º ano. programa deverá ter como objectivos: (1) a análise Para o programa de Geologia do 10º ano de esco- da evolução de alguns sistemas em função dos flularidade sugere-se uma estrutura preferencialmente xos de massa e de energia que, em cada momento, direccionada para as vertentes subjacentes à cons- transcrevem os balanços estabelecidos com o amtrução do conhecimento geológico historicamente biente, dando particular ênfase aos aspectos que orientado (História/Evolução), complementadas por permitam entender a evolução global experimentada abordagens que permitam introduzir elementos es- pelos oceanos e continentes; (2) o estudo das intesenciais à percepção da dinâmica de processos (Re- racções entre vários sistemas sob a forma de ciclos, lações Causa-Efeito). Deste modo, o programa de- abordando, designadamente, o ciclo tectónico, das verá visar a compreensão: (1) das escalas de tempo e rochas, da água e do carbono; (3) o entendimento da de espaço vulgarmente utilizadas na caracterização utilidade deste conhecimento quer na identificação e dos processos geológicos, bem como dos cuidados exploração dos vários recursos geológicos, quer na a ter na construção de analogias e fundamentação resolução de problemas relacionados com o ambiende extrapolações; (2) das noções de cristal/mineral te e as alterações globais; (4) a racionalização da e de rocha, assim como dos critérios/propriedades Terra como um todo através das suas características que guiam sua caracterização, sistematização geral e fundamentais e respectiva comparação com as que utilidade como recursos naturais; (3) dos elementos tipificam os restantes planetas do Sistema Solar.
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5.3. Sugestões para a selecção/articulação de conteúdos e conceitos estruturantes O programa de Geologia para o 10º de escolaridade, debruçando-se preferencialmente sobre as vertentes História/Evolução, deverá começar por privilegiar a consolidação das dimensões tempo, espaço e localização, demonstrando a sua importância através da concretização de actividades diversas (trabalhos de pesquisa bibliográfica, de campo e de laboratório, permitindo contextualizar teoricamente as tarefas a realizar e obter registos do que se observa e mede). A concepção destas actividades é especialmente crítica, porquanto deve antecipar dificuldades diversas na manipulação de várias escalas de tempo e de espaço, as quais só podem ser ultrapassadas com sucesso recorrendo a exemplos paradigmáticos e a metodologias próprias; o mesmo acontece com a extrapolação (fundamentada em características diversas) e o estabelecimento de analogias entre objectos geológicos. Com base nestas actividades, os principais constituintes do registo geológico emergirão com naturalidade; justifica-se, então, a sua caracterização adicional com o propósito de: (1) analisar a geometria apresentada pelas diferentes geoestruturas e/ou relações cartográficas estabelecidas entre diversos corpos geológicos; (2) determinar a cronologia relativa entre várias entidades geológicas; e (3) identificar os critérios/propriedades que, objectivamente, possibilitem a sistematização dos constituintes básicos e, mais tarde, a compreensão da essência dos processos responsáveis pela sua génese. Das actividades práticas teoricamente contextualizadas em torno destes últimos tópicos, resultarão novos elementos de raciocínio que se revelam cruciais ao entendimento da progressão, interacção e variabilidade dos processos naturais, bem como à percepção dos efeitos de escala (espacial e temporal) que se lhes associam. Daqui surgirão também dados que, expectavelmente, permitirão colocar em evidência a importância da água no desenrolar destes processos, por vezes complementada pela actividade biológica. Recorrendo a exemplos diversos (tipo “estudos de caso”), preferencialmente retirados do ambiente envolvente à Escola, será ainda possível mostrar a importância destas caracterizações na solução de problemas correntes, como sejam os que se relacionam com a utilização do solo, das rochas e dos minerais, permitindo ainda enfatizar a complementaridade existente entre processos exógenos e endógenos, orgânicos e inorgânicos.
O programa de Geologia do 11º ano, consagrado ao desenvolvimento da visão sistémica do Planeta Terra, deverá começar por permitir a concretização de novas actividades práticas sobre objectos e processos geológicos diferentes dos abordados no ano anterior, visando a consolidação do que se aprendeu e fomentando novas problematizações. Estas actividades, agrupadas em conjuntos com níveis crescentes de dificuldade e abarcando conteúdos e conceitos interrelacionáveis, servirão de base a diferentes tipos de discussão que, devidamente conduzidos, permitirão perceber que: (1) qualquer abordagem, por mais completa que seja, está longe de contemplar todas as variáveis; (2) a precisão das extrapolações e previsões dependem das incertezas inerentes quer à heterogeneidade natural, quer às limitações dos métodos de medição ou de análise utilizados; e (3) que as relações entre variáveis causais são frequentemente de natureza estatística. Reúnem-se, assim, as condições adequadas à introdução gradual das noções implícitas na discretização do Planeta Terra em um sem número de sistemas naturais complexos e, necessariamente, interdependentes. Mais, promove-se a aplicação do uniformitarismo segundo a mesma lógica que nas restantes ciências, baseando correctamente a extrapolação em analogias por motivos de semelhança composicional ou de dependência causal, criando ainda bases de raciocínio coerentes que fundamentem a previsão (e.g. Schumm, 1991). Para além disso, a simples verificação da existência de uma multiplicidade de factores que, de forma convergente ou divergente, com maior ou menor eficiência, concorrem para os mesmos efeitos, justifica plenamente a utilização de uma metodologia alicerçada em testes de hipóteses múltiplas (Chamberlin, 1890): manter várias hipóteses de trabalho em aberto e procurar explicações compósitas, é, neste contexto, fundamental para se entender a resposta do sistema, algo que se afigura determinante à compreensão da sua natureza complexa e singular, concorrendo para a percepção da sua vulnerabilidade. Neste contexto, sugere-se, como ponto de partida para as actividades práticas, a análise cuidada de processos cuja dinâmica se pode desenrolar em escalas de tempo e de espaço facilmente apreendidas pelos alunos (e.g. eólicos, fluviais, estuarinos e costeiros) e cujos efeitos podem ser apreciados em vários análogos modernos; algumas das perigosidades naturais relacionadas com estes processos (dispersão de aerossóis, inundações, erosão costeira, etc.)
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podem também ser abordados, incluindo a análise de impactes relacionados com a actividade/ocupação humana. Seguidamente, as actividades a empreender devem abarcar a dinâmica de processos cujo estudo requer maior preparação e capacidade de integração (e.g. petrogenéticos, geomorfológicos, tectónicos), os quais proporcionam também a possibilidade de examinar o significado de outras perigosidades naturais (e.g. sísmicas, vulcânicas e deslizamentos de massa). Como síntese final, sugere-se o apuramento dos elementos que concorrem para a identificação das principais características da hidrosfera e litosfera (oceânica e continental), reconhecendo algumas das interfaces estabelecidas com a atmosfera, biosfera e astenosfera mas, sobretudo, certificando-se da importância basilar dos sistemas hidrológico e tectónico. O programa de Geologia do 12º ano, procurando reconhecer formalmente as tipologias cruciais à documentação da vasta geodiversidade, retoma a visão sistémica do Planeta Terra no sentido de a consolidar através do exame de alguns sistemas, equacionando a sua evolução em função dos fluxos de massa e de energia que, em cada momento, transcrevem os delicados balanços estabelecidos com o ambiente. Nesta base será possível abordar subsequentemente as interacções entre vários sistemas sob a forma de ciclos (ciclo tectónico, das rochas, da água, do carbono, etc.), contemplando a análise integrada dos processos biogeofísicos e biogeoquímicos que concorrem para a sua manutenção e evolução no tempo e no espaço. Recuperam-se, então, as noções anteriormente trabalhadas sobre estes processos e do modo como eles concorrem para o desenvolvimento de percursos endógenos e exógenos que se complementam e influenciam mutuamente de forma complexa. Tal permitirá demonstrar a natureza proporcionada e eficiente da geodinâmica no modo como, desde longa data e em diferentes escalas de tempo, recicla a matéria e utiliza a energia disponibilizada pelo interior da Terra e pelo Sol. Para a esmagadora maioria dos processos activos à escala global, a transformação / reciclagem de matéria e a transferência de calor pode ser ainda equacionada como balanços auto-organizados no seio e entre os principais reservatórios naturais (astenosfera, litosfera, hidrosfera, atmosfera e biosfera), dando conta, uma vez mais, das características singulares da Terra no âmbito do Sistema Solar e do seu comportamento
como megassistema dinâmico e aberto. Neste contexto, a Tectónica de Placas, definitivamente consolidada a partir dos anos setenta do passado século, emerge como uma teoria global que, não só unifica o conhecimento geológico adquirido, como também proporciona a edificação de um notável modelo lógico sobre a actividade inerente ao Planeta Terra. Mais, neste contexto será possível compreender a importância do conhecimento geocientífico na resolução de problemas relacionados com a génese dos recursos geológicos, assim como dos que se ligam quer aos impactes ambientais (locais e regionais) associados à intervenção/ocupação humana, quer às alterações globais. Uma vez mais, os conteúdos e conceitos subjacentes ao encadeamento exposto no parágrafo anterior deverão ser preferencialmente abordados com base em actividades práticas equivalentes às desenvolvidas nos anos anteriores, mas desenhadas em torno de problemas mais complexos. Estas devem emergir como corolário de uma formação disciplinar previamente adquirida que, de forma gradual, faz uso de abordagens pluridisciplinares, tentando construir/ consolidar a inter- e a transdisciplinaridade. Garantese, assim, uma Educação e Ensino em Geologia que, motivando, potencia também o desenvolvimento de capacidades de observação/medição e de interpretação crítica do registo geológico, motor igualmente essencial à estruturação do pensamento porquanto promove a aquisição e organização de dados frequentemente dispersos e sem relação intuitiva. Os problemas a tratar, acatando as orientações enunciadas pelo ME no que respeita a conteúdos e conceitos nucleares, devem ser identificados em função de reflexões empreendidas em torno de questões de largo espectro com repercussões claras no entendimento: 1) do avanço científico-tecnológico da Humanidade e dos impactes sócio-económico-políticos associados a esse conhecimento; 2) da Terra como fonte de recursos e proporcionando eco-serviços vitais à manutenção da Vida; 3) da necessidade de um ordenamento territorial e desenvolvimento sustentável da Sociedade. Deste modo, o recurso aos sistemas terrestres representados na região envolvente da Escola deverá ser, tanto quanto possível, valorizado, o que implica garantir a existência de condições propícias à gestão flexível do programa pelas Escolas e, consequentemente, pelos professores. Estas abordagens, diferindo substancialmente da prática educativa corrente, obrigam ainda à promoção de acções de
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formação para muitos dos professores em exercício, criando os níveis de conforto e de preparação necessários à mudança. 6. Conclusões As Geociências, em geral, e a Geologia, em particular, consubstanciam vias preciosas de ensino-aprendizagem que estimulam e alargam a curiosidade sobre o Mundo. Contribuem, igualmente, para a construção de raciocínios coerentes acerca dos constituintes básicos, organização e dinâmica dos sistemas naturais, e para a aquisição de competências específicas e transversais. Existe, portanto, toda a conveniência em organizar os planos de estudo em Geologia ao nível do Ensino Secundário no sentido de: (1) contemplar o estudo dos conceitos fundamentais (nucleares) envolvidos na caracterização geral dos processos geológicos (biogeoquímicos e biogeofísicos, endógenos e exógenos), concorrendo para o desenvolvimento uma visão sistémica do Planeta Terra; (2) percepcionar a importância destes processos e seus produtos na sustentação da Vida e na manutenção da Civilização Humana; e (3) desenvolver intensivamente as componentes práticas e experimentais da aprendizagem, a realizar no campo ou em espaços laboratoriais. Daqui resultará, expectavelmente, uma estruturação do raciocínio que, adequada a cada ano de escolaridade, permitirá a análise integrada dos elementos adquiridos em diferentes etapas da formação, contribuindo para a compreensão das implicações e aplicações do conhecimento geocientífico. As actividades práticas a realizar, visando a aquisição de elementos cruciais à construção de conhecimento, devem ser desenhadas em torno de séries encadeadas de problemas cuja formulação assentará em discussões/reflexões prévias sobre temas enraizados nas preocupações da(s) comunidade(s) que desenvolvem as suas actividades na região envolvente da Escola. Actividades de maior complexidade e abrangência deverão sempre privilegiar abordagens pluridisciplinares. O recurso aos sistemas terrestres representados na região envolvente da Escola deverá ser, tanto quanto possível, valorizado, permitindo mostrar a relevância dos conceitos-chave em Geologia na caracterização global de uma região conhecida por todos os intervenientes. E se, após a devida compreensão dos sistemas objecto de estudo, forem introduzidas questões de âmbito sócio-económico(político, de carácter histórico, em particular), criam-
se as condições mínimas para a promoção da cultura científica que assegurará uma cidadania esclarecida na Sociedade do Conhecimento que se pretende desenvolver. Agradecimentos Os autores agradecem, em nome da APG, o convite endereçado pela Comissão Organizadora do Simpósio Ibérico do Ensino da Geologia para participar na Mesa Redonda. As ideias expressas neste trabalho beneficiaram de diversas trocas de impressões com numerosos intervenientes, designadamente sócios da APG, a quem se agradece reconhecidamente; eventuais méritos de algumas das propostas aqui apresentadas devem ser partilhados, mas as incorrecções e omissões são da exclusiva responsabilidade dos autores. São ainda devidos agradecimentos aos Profs. Doutores Fernando Noronha, João Praia e José Brilha pela leitura crítica do manuscrito. Bibliografia Amador, F. (2000). A revisão curricular e os programas de Geologia do ensino secundário – uma gestão de equilíbrios. Geonovas. Associação Portuguesa de Geólogos. 14. 5-10. Amador, F.; Silva, C. P.; Baptista, J. P.; Valente, R. A. (2001). Programa de Biologia e Geologia. Componente de Geologia. 10 º ano. Curso Cientíco-Humanístico de Ciências e Tecnologias. ME. DES. Lisboa. Amador, F.; Silva, C. P.; Baptista, J. P.; Valente, R. A. (2002). Programa de Biologia e Geologia. Componente de Geologia. 11 º ano. Curso Cientíco-Humanístico de Ciências e Tecnologias. ME. DES. Lisboa. Amador, F. & Silva, M. (2004). Programa de Geologia. 12º ano. Curso Cientíco-Humanístico de Ciências e Tecnologias. ME. DGIDC. Lisboa. Cachapuz, A.; Praia, J.; Jorge, M. (2002). Ciência, Educação em Ciência e Ensino das Ciências. Temas de Investigação, 26. Instituto de Inovação Educacional, Ministério da Educação. Lisboa. Canavarro J. M. (1999). Ciência e Sociedade. Quarteto Editora, Colecção Nova Era, Coimbra. Chamberlin T. C. (1890). The method of multiple hypotheses. Science. 15. 92-96 (Reprinted 1965, Science. 148. 754-759).
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O conteúdo deste artigo é da responsabilidade dos autores e não expressa a posição da actual direcção da APG
GEONOVAS nº 21, pp. 87 a 112, 2008
ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
Passeio Geologico de Lisboa a Leiria Paul Choffat in Revista de Educação e Ensino, Tomo VI nº 7, pp. 289-340, 1891
Nota da Comissão Editorial: o presente texto, extraído da revista citada acima, após o nome do Geólogo Paul Choffat, foi transcrito na sua quasi totalidade, tendo os editores tentado respeitar ao máximo a ortografia original; já a formatação, por imperativos à formatação própria desta revista, não pode ser transcrito. Constata a Comissão Editorial que passado um século sobre a sua publicação, recomeçamos na sociedade portuguesa a falar da importância da Geologia no Ordenamento do Território e na fruição do Património Geológico. Palavras-chave: Geologia Histórica, Roteiro Geológico, Ordenamento do Território, Património Geológico. Proposto: Junho 2007; aceite: Outubro 2007.
PASSEIO GEOLOGICO DE LISBOA A LEIRIA PLANO DO TRABALHO
1.ª PARTE
Duas palavras antes da partida Offereceu-se-me ensejo não ha muito de mencionar uma parte das applicações utilitarias da geologia (Veja-se introdução á obra intitulada: Etude géologique du Tunnel du Rocio. 4.to 106 p. 7 pl. Lisbonne 1889.), e é meu proposito agora chamar a attenção dos leitores da Revista para uma outra tendência d’esta sciencia, á qual se poderia também dar o qualificativo de utilitária, posto que não tenha relação com vantagens materiaes. Refiro-me ao papel que desempenha a geologia como recreação intellectual. Os leitores não acharão por certo que haja incompatibilidade entre as noções de utilidade e de recreio, se bem que não seja grande o numero de distrações, que aproveitem ao mesmo passo á saude do corpo e á do espirito. Talvez que estas condições só se encontrem na observação da natureza.
nos popular, ou mais ou menos philosophico, para n’elle encontrarem leitura a um tempo aprazível e instructiva, ao contrario, quero fallar d’aquelles que nos momentos do ocio dirigem as suas attenções para o grande livro da natureza. O prazer da observação induzi-los-ha a fazerem excursões tão amiudadas quanto lh’o permittirem as suas occupações, e a falta de companhia não será um obstaculo á sua realisação, porque aquelle que se compraz em observar jámais está só no meio da natureza, tudo falla em redor d’elle.
Como é de suppor, não tenho por fim referir-me aquelles que abrem um livro de sciencia mais ou me-
Uma região arida permitte-lhe o suppor qual seja a sua estructura interna, uma região cultivada offere-
Para o observador, uma paizagem não representa somente depressões e elevações, aridas umas e outras cobertas de vegetação. A contemplação d’essa paizagem provoca-lhe o desejo de explicar porque se deram estes accidentes do terreno, e a presença ou ausencia ali da vegetação.
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ce maiores dificuldades n’este ponto de vista, mas mostra-lhe as relações que existem entre a natureza do solo e a vegetação que o reveste. D’ahi um encadeamento de reflexões e de comparações, que o conduz a visitar outros pontos analogos; as fadigas passam quasi despercebidas, mas nem por isso aproveitam menos ao desenvolvimento do corpo, os cuidados da vida passam despercebidos também, e o espirito repousado póde retomar com vigor novo o curso dos seus trabalhos quotidianos.
Ha 18 annos fundou-se em França uma sociedade scientifica com uma tendencia ainda mais popular, o Club Alpino Francez, cujo fim é robustecer o corpo e o espirito dos seus associados por meio de excursões feitas em commum. Esta sociedade contava no 1.° de junho de 1890 um total do 5.356 socios, formando 44 secções espalhadas por todo o territorio da França.
O seu titulo de Club Alpino não deve porém conduzir a supposições erroneas, pois só excepcionalmente Como se consegue chegar a ler no livro da natureza? alguns membros d’uma ou d’outra das suas secções Serão precisos mestres? Em principio, pode respon- se abalançam a ascensões perigosas de eminencias der-se negativamente; basta a vontade e o espirito alpestres; esta associação tem por principio o estar d’observação. Dizia J. J. Rousseau que se podia ser ao alcance de todos, evitando quer as grandes dium bom botanico sem conhecer o nome d’uma unica fficuldades corporaes quer a sciencia em demazia planta. Posso citar um homem do campo, nem abas- especial. tado, nem instruido, mas simplesmente um camCada secção realisa numerosas excursões na sua ponez empunhando elle mesmo a rabiça do arado, propria região, vendo-se o pai e os filhos, o marido e que tinha conhecimento profundo da geologia dos a mulher e cada um segundo a sua idade e conforme arredores da sua aldêa, não somente da successão as suas aptidões, beneficiando a saude e inspirandoe aspecto dos estratos que constituiam o solo, mas se no amor da natureza e da terra natal. também dos fosseis que estes encerravam. Os nomes que elle dava aos fosseis colhidos não eram segura- Citemos um caso muito mais especial e que se dá mente conformes com a nomenclatura paleontolo- no mesmo paiz. O official francez é muitas vezes gica, mas sabia distingui-los perfeitamente uns dos obrigado por dever d’officio, a ir de guarnição para outros, e conhecia exactamente o estrato em que pontos bastante afastados das localidades onde ha quaesquer recursos de convivencia, não somente cada especie se encontrava. nas colonias mas nos pontos fortificados das regiões É evidente, que um bom observador que a si proprio montanhas da propria França, e onde se encontra se forma é uma excepção raríssima, e ha o risco de absolutamente só com a gente que commanda. Muitudo perder senão encontrar em torno de si auxilio tos d’entre estes teem empregado a folga que lhe e incitamento. pertence, depois de cumprido o seu serviço, estuExistem na Europa central muitas sociedades scienti- dando a natureza que os rodeia. ficas e pseudo-scientificas, que teem por fim o ligar Para alguns este estudo parou ali, outros pelo conentre si os amadores de sciencias naturaes, pô-los trario deram publicidade a subsidios por vezes de periodicamente em relação uns com os outros e muita valia para o conhecimento quer da sua patria, proporcionar-lhes tambem occasião de mutuamente quer das colonias; uns e outros encontraram remedio communicarem as suas observações e de trocarem contra o tedio ou desanimo e um meio de obterem as suas ideias acerca do que lhes interessa. Estas soconhecimento mais profundo das regiões em que ciedades, algumas das quaes teem mais d’um secupoderiam n’um dia ou outro ser chamados a dirigir lo de existencia, encontram-se não só nos grandes operações militares. centros de população, mas nas pequenas localidades que não contam mais de 3 a 4000 habitantes. Estas Se lançarmos um olhar para os conhecimentos agremiações não somente attingiram o fim que ti- scientificos que ha acerca da Argelia e da Tunisia, finham em vista — a formação d’um publico capaz de caremos admirados com o numero de militares que comprehender e explicar o que a natureza em volta para esse saber contribuiram, quer durante o tempo d’elle patenteia — mas na sua maior parte teem vis- de serviço activo, quer quando chegados á idade de to um ou outro dos seus membros elevar-se muito reforma, utilisando então o talento d’observação que acima d’esse fito e prestar assignalados serviços á haviam adquirido emquanto permaneceram na fileira. sciencia.
Passeio Geologico de Lisboa a Leiria
Depois de escriptas estas poucas palavras applicaveis a todos os ramos d’observação da natureza, volverei ao meu fim principal, qual é o fazer uma pequena excursão com o leitor, e procurar mostrar-lhe o interesse que offerece a paisagem para aquelle, que ao habito d’observaçâo juntar algumas noções de geologia.
Ahi veremos sal, carvão de pedra, phosphatos, pedra de construcção, marmores, saibro para a ballastragem das estradas, pedra britada para os mesmos fins, areia para as vidrarias, cal, cimento, tubos de grés, telha, vidraça, ferro, etc.
nho pela primeira vez, não conseguirá observar tudo quanto n’esta noticia indico, terá de deixar de banda o que não poude logo perceber, sem se demorar diligenciando comprehender, porque o comboio caminha rapidamente, e n’outra viagem terá ensejo de preencher as lacunas.
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A vista de todas estas materias dá margem a reflexões de interesse sobre a origem dos productos miPara uma excursão d’estas não seria necessario per- neraes úteis, tanto em Portugal como fora d’elle, mas correr grandes distancias, a serra de Monsanto por o espaço de que disponho não me permitte dar-lhes si só bastaria para objectivo de numerosos passeios, desenvolvimento. interessando o espirito em pontos variados da geologia. No entanto, como este escripto não se dirige só- As madeiras podem tambem suggerir reflexões relamente aos lisbonenses, preferiria propôr áquelles que cionadas com a geologia, porque as essencias floresdesejarem acompanhar-me, fazermos uma excursão taes e a sua qualidade dependem em grande parte que nos obrigue a atravessar maior numero de terre- do terreno em que se desenvolveram, isto é, d’onde nos; vou convida-los portanto a acompanharem-me tiraram os elementos que as constituem. de Lisboa até Leiria. Não se assustem porém, d’esta Ser esta ou aquella a carruagem é indifferente, no vez não vamos a pé, mas commodamente sentados emtanto convem mais estar assentado no sentido n’uma carruagem da Companhia real dos caminhos do movimento do comboio e não ao envez, teremos de ferro. assim a direita á direita do comboio, e será d’este Porém, perguntará o leitor benevolo, póde fazer-se modo que deverão comprehender-se as explicações geologia em caminho de ferro ? Por certo que sim, que seguem, (d) e (e) indicando direita e esquerda. quando haja o habito d’observar, quando se tem alguns conhecimentos d’esta sciencia, e quando se É claro que será mais conveniente ficar sósinho no compartimento, afim de poder passar rapidamente vai munido de uma carta geologica. de um lado para o outro. Não podendo estar só, será O geologo que atravessa em caminho de ferro um melhor tomar a direita, visto que muitos factos de paiz para elle desconhecido, mas que vai provido de interesse unicamente d’este lado são observaveis. Á uma carta geologica, póde explicar em parte a ori- esquerda apresentam-se no emtanto todos os factos gem dos accidentes do terreno que lhe passam pela principaes. vista. Permitta-me o leitor que eu preencha o que lhe falta nas tres condições citadas acima; irei mesmo Mencionarei finalmente quando os factos indicados mais longe, e tomarei por vezes a liberdade de me podem examinar-se na trincheira ou a uma certa afastar um pouco da linha ferrea quando assumpto distancia da linha ferrea, e não esquecerei no mode maior interesse o exija. mento opportuno de indicar os pontos de referencia É evidente que o viajante que percorrer este cami- mais facilmente visiveis, a forma e côr das casas, etc. Os terrenos que compõem a crusta terrestre proveem de duas origens muito distinctas: uns saíram em estado de fusão do interior do globo, dá-se-lhes o nome de terrenos eruptivos, os outros são de origem externa, tendo sido depositados pelas aguas em Quer ao partir quer ao chegar a companhia dos ca- camadas ou estratos sobrepostos e teem a denomiminhos de ferro não poupa aos passageiros o prazer nação de terrenos sedimentares ou tambem de terde estacionar nas suas gares. Esta demora não será renos estratificados. perdida, aproveita-la-hemos para examinar os materiaes que serviram para a construcçâo das estações, Estes depositos fazem-se mechanicamente pelo e as mercadorias de natureza mineral depositadas transporte de materiaes arrancados ás rochas prenos molhes ou que ainda permanecem nos vagons. existentes, ou tambem chimicamente, quer de um
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modo directo, quer pela intervenção d’organismos teem uma proporção elevada de materias mineraes vivos. em dissolução, principalmente calcareo. Dividem os geologos em quatro grupos os terrenos estraficados. Os estratos mais antigos, que não encerram restos de animaes, foram denominados azoicos; os que se lhes succcedem e que conteem restos organicos teem sido divididos de baixo para cima em: primarios, secundarios e terciarios; estes últimos são os estratos mais recentes que teem participado das grandes deslocações do solo, emquanto que os depositos quaternarios e recentes se depositaram quando o solo tinha já os lineamentos principaes do seu relevo actual.
A erosão aerea e a erosão aquosa arrebatam dia a dia pequenas porções da abobada de Lisboa, e como este trabalho se realisa já ha um grande numero de seculos, estas porções infimas na apparencia, representam na sua totalidade quantidades consideraveis.
Os geologos dão o nome de abobadas ás dobras convexas, que se denominam também dobras anticlinicas, e o do dobras synclinicas aos dobramentos concavos, quer dizer as dobras cujos lados ou vertentes inclinam para um mesmo eixo.
Esta erosão permitte que examinemos a serie de folhas que compõem a abobada, e que penetremos até ao centro d’ella.
A erosão manifesta-se de uma maneira desigual sobre differentes pontos da abobada. As partes que emergiram primeiro soffrem-na ha mais tempo que as outras; as que estão mais quebradas pelas deslocações são mais facilmente atacaveis pela agua, que dissolve maiores parcellas de substancia que Os estratos foram depositados uns sobre os outros, n’aquellas onde a superfície de contacto é menos succedendo se portanto por assim dizer como fo- extensa. D’ahi resulta que as folhas superiores da lhas de papel sobrepostas. Quando se fez o deposito parte central da abobada foram destruídas pouco a ficaram horizontaes ou quasi horizontaes, mas os pouco, e tambem que as aguas cortaram essa abomovimentos do solo deslocaram-nos e fizeram-nos bada transversalmente, quer em todo o seu compritomar a forma de dobras umas vezes parallelas entre mento, como no rio d’Alcantara, quer n’uma vertente somente. si, outras vezes não.
Offerecem-se-nos três linhas para sahir de Lisboa. A mais oriental é a que parte da estação de St.ª Apolonia; por essa cortamos a extremidade da abobada, * não atravessando senão as folhas superiores; pelo A’parte alguns filões de basalto, os terrenos sobre que tunnel do Rocio, atravessamos a totalidade da seestá assente a cidade de Lisboa pertencem aos deno- rie, primeiramente das mais recentes ás mais antigas, minados terrenos sedimentares; houve movimentos depois em sentido contrario; pelo valle d’Alcantara, que os deslocaram e os fizeram tomar a forma d’uma atravessamos tambem os dois lados da abobada, abobada alongada, quasi parallela á margem direita mas n’este ponto o lado meridional acha-se despodo Tejo. jado de todas as folhas pertencentes á era terciaria. Se as camadas d’estes terrenos se tivessem conser- Cada um d’estes tres trajectos revela-nos factos esvado sem alteração desde o momento em que foram peciaes. Vou descreve-los separadamente, aconsecurvadas, seria a camada mais recente a que se en- lhando o viajante a que leia tambem a explicação contraria n’um ponto qualquer da superfície da abo- dos trajectos que não tenciona percorrer. Esta leitubada, o caso porem é muito diverso. ra, afinal, não será muito longa, porque todos estes Se nos acharmos em campo aberto n’um dia de gran- caminhos estão reunidos a partir do apeadeiro de S. de ventania, enchem-se-nos os olhos com o pó que o Domingos. vento arranca á terra; se depois de uma chuva copiosa observarmos as linhas torrenciaes que se lançam 2.ªPARTE no Tejo, veremos que arrastam materias terrosas, e A viagem se examinarmos chimicamente as suas aguas depois A 1. — Primeiro trajecto—Do Rocio a Campolide. de uma longa serie de dias serenos, conheceremos que a pureza d’ellas é só apparente, e que em vez de A 2.— Segundo trajecto - D’Alcantara a Campolide. apresentarem a composição da agua da chuva, con- A 3.— De Campolide a S. Domingos.
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B .— Terceiro trajecto— De Santa Apolonia a S. Domingos. C. D. E. F.— De S. Domingos a Leiria.
A1. Primeiro trajecto — Do Rocio á estação de Campolide Atravez da abobada de Lisboa ; série dos estratos primeiro em ordem descendente, depois em ordem ascendente. Terciario marino, lacustre inferior. Manto basaltico. Cretacico superior e medio.
Não permittindo a passagem atravez do tunnel que se veja cousa alguma, direi em poucas palavras a explicação do que se encontrou por occasião de ser perfurado.(Para mais individuação veja-se a obra já citada: Etude géologique du Tunnel du Rocio.) A partir da entrada até se passar por baixo da calçada do Salitre, effectuou-se a perfuração no Terciario marino, o qual inclina levemente para leste, sendo as rochas que ahi o compõem argillas e areias de fácil deformação e alguns leitos calcareos. A agua appareceu abundantemente em varios sítios, principalmente a uns 200 metros da bocca do tunnel, arrastando areias movediças, tornando necessario o emprego do minuciosas precauções para poderem progredir os trabalhos. Todos os edifícios que se achavam por cima do tunnel, e que não chegavam a ter 25 metros de terreno a separal-os do fecho da sua abobada manifestaram fendas, tendo de se proceder á demolição de bastantes. Foi só na calçada do Salitre que a acção do movimento das terras parece não ter tido influencia na estabilidade das construcções.
representada em Portugal, correspondendo a parte superior do Cretacico portuguez ao Cretacico medio do centro da França. Esta parte superior é quasi inteiramente composta de calcareos compactos da espessura media de 20 a 25 metros, que forma uma abobada completamente solida começando no tunnel, um pouco antes da rua de Valle de Pereiro, aflorando á superfície na estrada de Campolide, no ponto mais elevado do solo de Lisboa, tomando a descer com o lado Norte da abobada para do novo ser cortada pelo tunnel na bocca septentrional. A mudança do pendor dos estratos dá-se no tunnel 260 metros antes de attingir esta bocca, não sendo portanto a abobada de que tratamos regular, mas inclinando muito mais rapidamente para o norte do que para o sul. Por baixo dos calcareos compactos e duros do Cretacico superior encontram-se camadas mais brandas, mais favoraveis para a perfuração, por serem facilmente atacaveis ao mesmo passo que não occasionam desmoronamentos. Os 1.700 metros de tunnel abertos no Cretacico não revelaram a existencia de agua senão nas falhas (I), fracturas que permittem ás aguas o atravessar as camadas impermeaveis.
— Ao desembocar do tunnel deitemos rapidamente a cabeça pela portinhola da direita e veremos uma pequena gruta a meia altura da trincheira. É o que resta de duas cavernas de grandes dimensões que existiam sobrepostas e que se estendiam de um e outro lado Depois de passada a calçada do Salitre, atravessou- do que hoje é a via férrea. se o manto basaltico com a espessura de 6 a 7 me- O achado de instrumentos prehistoricos, empastados tros apenas. A sua metade inferior é formada por um nas estalagmites que cobriam o solo das cavernas, pouco de basalto compacto e por tufo basaltico, em- revelou que estas tinham sido excavadas artificialquanto que a parte superior é composta de marnes e mente, e as camadas em que estavam estabelecidas mostram nos que o fim não podia ser outro senão a de calcareos misturados com o referido tufo. exploração dos rins de silex contidos nas bancadas Por baixo do manto basáltico encontra-se o Cretacicalcareas. O leitor não ignora que o silex era o aço co. A totalidade dos estratos d’este período não está dos tempos prehistoricos, e que para se obterem as formas delicadas que os nossos maiores lhe sabiam dar é necessario talha-lo logo que é arrancado, antes ADVERTENCIA — As lettras d, e, entre parenthesis indi- de ter perdido a agua da pedreira.
cam os lados direito e esquerdo do viajante olhando no sentido do andamento do comboio.
A’ esquerda, e para a rectaguarda vemos o aqueducto, cujos fundamentos descançam sobre os calcareos Os numeros entre parenthesis depois dos nomes das es- do Cretacico superior, por isso esta obra grandiosa tações indicam a altitude acima do nivel medio do Tejo, resistiu perfeitamente ao tremor de terra de 1755, em Lisboa, nivel tomado por base das cartas chorogra- caso que se deu com todas as construcções assentes sobre o mesmo calcareo. phicas de Portugal.
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formados de destritos que desabaram apresentando o maximo declive; as rochas firmes são mesmo atravessadas por uma quantidade de fracturas, como se pode verificar nas pedreiras situadas a um e outro lado do valle, principalmente na grande lavra da empreza Hersent, que encontraremos um pouco mais acima. Basta portanto muito pouco para destruir o equilibrio d’esta massa de entulho; foi o que aconteceu com a trincheira que lhe minou a base, e foi — A’ direita vemos Campolide, assente sobre o basalo mesmo que succedeu por duas vezes proximo ao to, e ao fundo do valle as ferteis alluviões provenienextremo inferior da calçada dos Terremotos. tes de detritos das rochas basalticas. Um primeiro desabamento, promovido pela abertuA2. Segundo trajecto — D’Alcantara a Campolide ra de pedreiras subterraneas, envolveu na derrocada uma parte dos operarios que lá trabalhavam, havenAtravez da abobada de Lisboa, primeiro na ordem des- do um segundo motivado pela abertura de uma rua cendente, depois na ascendente. Cretacico. Manto basala meia encosta. tico. Alluviões. Desabamentos. Abobada de Monsanto. Um pouco mais acima do aqueducto, á beira da via ferrea que vem d’Alcantara, encontram-se os estratos mais superiores do Cretacico coroados de basalto, que se acha a descoberto, devido ás grandes lavras de pedreiras d’onde se extrae esta rocha para os enrocamentos dos trabalhos do porto. Um pouco mais longe lavra-se o basalto para o empedramento das ruas de Lisboa.
A partir da estação d’Alcantara vemos o calcareo do Cretacico superior servindo de fundamento ás casas, no nivel da estação, depois vêmo-lo subir rapidamente formando uma abobada que é a aresta da collina, aresta que vae passar por baixo do cemiterio dos Prazeres.
— Ao sahir do tunnel, olhemos para o solo do valle, cuja horizontalidade contrasta com os taludes que se elevam abruptamente de cada lado.
Sondagens effectuadas n’este solo, penetrando a uma profundidade superior a 40 metros, revelaram factos muito curiosos. Por baixo das alluviões carreVêmo-lo ainda ao nivel da via á entrada do tunnel, adas pelo rio actual d’Alcantara, encontram-se demuito abaixo do ponto onde passa a abobada, e se, positos que conteem uma fauna marina não varianemquanto se espera pelo comboio, formos até á do senão mui pouco com relação á fauna actual do bocca do tunnel para o examinarmos de mais per- Tejo. Estas alluviões — cuja idade mais remota será a to, veremos que as bancadas d’este calcareo bran- quaternaria — attingem a profundidade de 18 metros co veem topar com as bancadas marno-calcareas com referencia ás aguas mais baixas observadas acamarelladas e verdoengas do Cretacico medio, que tualmente no Tejo. apresenta uma direcção differente. Isto é devido a Como se hade explicar este antigo leito de um valle, estas camadas do Cretacico superior não estarem no mais profundo do que o nivel actual do mar? seu logar, pois que uma porção da abobada resvalou Não foi um abatimento dos estratos, porque n’esse sobre a vertente da collina. caso as alluviões assentariam sobre estratos supeHouve um desabamento muito mais importante no riores aos que emolduram o valle, e a sonda, pelo lado opposto do valle, na quinta da Cabrinha, onde contrario, traz a superficie amostras pertencentes a ha muitos annos se lavram grandes massas do Cre- depositos inferiores. tacico superior, o qual, ao desabar se inverteu, de forma que os estratos mais recentes ficaram por Torna-se pois necessario recorrer á erosão, mas a erosão effectuada pelas aguas do rio d’Alcantara baixo dos mais antigos. não pode ter logar senão acima do nível do mar, é O tunnel está aberto só no Cretacico medio. Quan- mister pois que este nivel se tenha elevado desde do a linha foi construída pertenderam contornar a então, ou o que dá o mesmo resultado, que o solo base da collina, e tiveram a imprudencia de a at- tenha baixado. tacar por meio de uma trincheira, o que provocou um deslisamento geral que se estendeu até o alto Outra explicação, que parece menos provarel, seria o mesmo da estrada e ao muro da circumvallação os recorrer-se a uma erosão submarina devida aos gequaes ficaram em parte destruidos. Este accidente los da epocha quaternaria, como acontece com os era facil de prever, porque as vertentes do valle são fiords das regiões polares.
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— A’ esquerda e perto d’uma fabrica de guano, vemos o lado septentrional da abobada de Lisboa formando uma aresta, em virtude de inclinação brusca para o norte, onde se acha coberto pelo basalto que apresenta ahi grande espessura.
Por cima das marnes vermelhas ha uma outra corrente do basalto compacto, que não está separada das mesmas marnes vermelhas senão por uma camada de tufo basaltico de espessura irregular, mas em geral exigua.
Estas marnes vermelhas, entrecaladas nos tufos basalticos, (Tournouër 1879: Description de quelques nouvelles espèces de coquilles fossiles des terrains terciaires de l’Espagne et du Portugal. – Journal de — Depois de passarmos o valle dos Terremotos, atra- Conchyliologie, p. 168.) deram alguns fosseis em vavessamos este lado septentrional da abobada, por rios pontos das cercanias de Lisboa. um pequeno tunnel que começa no Cretacico medio Estes fosseis, pertencentes exclusivamente a espee desemboca nos estratos superiores do Cretacico, cies terrestres, mostram-nos que a estratificação dos fortemente levantados e cobertos immediatamente tufos basalticos deve ser attribuida á aguas fluviaes pelo manto basaltico que se atravessa em trincheira. ou lacustres, e não á acção do mar. Reconhece-se facilmente o basalto pela sua côr negra e pelos penedos isolados, surgindo em grande numero pelo meio das terras cultivadas.
— Volvemos depois ao Cretacico, mas que já não O manto basáltico tem uma espessura consideravel pertence á abobada de Lisboa; é a extremidade da nas immediações da estação de Campolide. E’ difficil abobada de Monsanto. medi-lo com exactidão, porque esta alternação de e) Uma grande pedreira mostra-nos as numerosas rochas eruptivas e de rochas sedimentares apresenta fracturas que resultaram do dobramento dos estra- uma falsa estratificação (I). tos ao contacto das duas abobadas. Mais alem, antes Ha a luctar com duas difficuldades: a avaliação da de chegar ao aqueducto, vemos um valle lateral que direcção e a da inclinação. As medições a que precerompe profundamente a vertente da serra de Mon- di deram-me um minimum de 200 metros e um masanto, mostrando no fundo o alto da serra formado ximum de 350, o que basta para mostrar a enorme pelo Cretacico medio, emquanto que na frente o Cre- differença d’espessura que existe entre este ponto e pontos visinhos, como o quartel de artilheria em tacico superior constitue as escarpas de cada lado. Campolide, onde o manto basaltico não tem senão Á esquerda, os calcareos brancos do Cretacico supe- 0m,80 de espessura. rior estão cobertos pelo basalto. — Ao sair da trincheira, veem-se á direita collinas es—Passamos em seguida por baixo do aqueducto das branquiçadas e avermelhadas; é o Terciario lacustre Aguas-Livres, conservando-nos na dobra concava inferior assentando sobre o manto basaltico, emque separa as abobadas de Monsanto e de Lisboa. As quanto que á esquerda continúa esta ultima rocha. dobras ou pregas que formam estas abobadas não A linha mantem-se quasi até á estação de Bemfica são parallelas, mas perpendiculares uma á outra. na depressão que separa as collinas basalticas das collinas terciarias, zona em geral muito fertil em conA 3.— De Campolide a S. Domingos sequência da abundancia d’agua. Manto basaltico. Lacustre inferior
Passamos primeiramente as cocheiras dos vagons Deixando a estação de Campolide, segue-se uma e depois vemos bellas quintas com a sua vegetação trincheira no basalto compacto, o qual está porém opulenta e chegamos á estação de S. Domingos. divido em porções irregulares. Quando firmes, recoB. Terceiro trajecto.— De Santa Apolonia a S. nhecem-se por vezes n’esta rocha as faces de granDomingos des prismas pentagonaes, de que fallaremos mais adeante. A linha não sae do basalto e nós entramos Terciario marino. Lacustre inferior. Manto basaltico n’outra trincheira. As camadas inferiores são forma- O comboio a final põe-se em andamento. Á direita das por tufo basaltico cinzento, contendo correntes vemos o Tejo e além a Serra d’Arrabida e os seus conde basalto compacto e na parte superior uma inter- trafortes, as serras de S. Luiz e de Palmella, que são a repetição dos estratos que se encontram ao norte calação de marne vermelha (d).
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do rio, quer dizer que todo o conjuncto das folhas sobrepostas se encurva para o sul para se levantar e formar a Serra d’Arrabida. Os estratos mais recentes deveriam pois procurar-se ao meio da dobra, e com effeito as escarpas do Alfeite são formadas por uma areia vermelha que constitue a parte superior do terciario d’esta região. Deve porém entender-se que estas areias não são mais recentes do que os depositos formados posteriormente ás deslocações que deram ao solo a sua configuração fundamental, como são as dunas, como são tambem os lodos depositados actualmente pelo Tejo e bem assim os lodos antigos que formam em parte as planícies do Tejo, por exemplo em Alhandra.
camadas; resulta ella quer de correntes irregulares, quer de depositos chimicos ou organicos. Dá-se este caso com os depositos irregulares de areias no meio das argillas, e dá-se tambem com as accumulações de conchas fosseis que se observam nas trincheiras, principalmente á direita. Estas accumulações de restos de molluscos são na sua maior parte formadas por conchas de ostras de grandes dimensões e de fórma alongada e que se distinguem muito bem, mesmo do vagon.
Quando estas accumulações de natureza differente da rocha continente se perdem ou se adelgaçam em todo o perimetro, dá-se-lhes o nome de depósitos lenticulares. É com esta fórma que se apresentam — Á nossa esquerda vemos, que as casas mais ele- geralmente o sal gemma e muitas outras substancias vadas do que a rua onde está a estação, assentam mineraes uteis, contidas nos terrenos sedimentares. sobre bancadas de rochas que já notáramos antes de Á direita depara-se-nos uma grande trincheira, a entrar na estação, e que descobrimos tambem por juncção da linha do Norte com a de Leiria, depois baixo do cemiterio do Alto de S. João; depois atra- á esquerda um valle lateral que vae dar ao princivessamos uma ponte que nos encobre a perspectiva. pal. N’este pequeno valle ha uma nascente. O facto Ao sair d’esta ponte cheguemos á portinhola e ve- é commum n’esta massa de areias cortada por banremos as mesmas rochas a descoberto pela parte de cadas de argilla; e dá-se, por que a agua da chucima de um pequeno tunnel, no qual penetramos. va penetrando na areia é ahi retida pelas bancadas Para aquelles que uma vez ou outra prestam atten- d’argilla que ella segue subterraneamente, até que ção ao aspecto das rochas, este rapido relancear de um córte natural ou artificial lhe permitte brotar á olhos é o bastante para lhes mostrar que aquelles superfície do solo.
estratos são resistentes e que formam uma saliencia Este massiço argilo-arenoso póde considerar-se bastante notavel, que vamos atravessando no tun- como uma enorme esponja; d’elle provêem as aguas nel. que appareceram na bocca sul do tunnel do Rocio, Podemos vêr tambem que os referidos estratos não e á sua presença é que a parte oriental de Lisboa e são horizontaes, mas que inclinam para o Tejo, por arredores deve o ser tão rica de aguas. conseguinte, que estamos na vertente meridional da abobada de Lisboa. Saindo do tunnel achamo-nos no bonito valle de Chellas.
Continuando a olhar sempre para a nossa esquerda, vemos um segundo valle lateral, depois uma telheira que extrae das bancadas d’argilla cortadas pela linha férrea as matérias primas de que carece.
Observamos que os calcareos compactos, por baixo dos quaes passámos, descançam sobre camadas muito mais brandas, camadas de marnes calcareas alternando com bancadas de areia.
Algumas d’estas bancadas conteem impressões fosseis de vegetaes terrestres, e no emtanto alternam com as que conteem a fauna marina.
as accumulações que não são parallelas ao plano das
No primeiro caso os animaes marinos viviam e propagavam-se, no segundo caso ficavam enterrados
Devemos concluir que houve levantamentos e abaiSegundo a direcção das curvas da linha ferrea, estes xamentos do solo que levaram esta região a estar estratos parecem inclinar ora para o Tejo, ora esta- alternativamente debaixo ou acima d’agua. rem horizontaes, o que é devido á direcção do córte Não por certo; foram as correntes marinas que variafeito no terreno e também á falsa estratificação. ram de força, e que ora traziam poucos sedimentos, Chama-se falsa estratificação ás faces que limitam ora os traziam abundantes.
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n’uma massa de lodo cuja acçumulação se fazia com Achamo-nos no centro d’uma planície fertilissima, a rapidez precisa para envolver as folhas arrastadas onde as culturas hortenses se juntam á vegetação precedente, graças á presença de um lençol d’agua antes de terem tempo de se decompor. aproveitado em numerosos poços de pequena proA presença de vegetaes fosseis não permitte, á priori, fundidade. concluirmos que havia na visinhança immediata uma terra exondada, ou que o mar que os depositava era — Sobre o alto á direita, junto de uma quinta rodeada pouco profundo, porque as dragagens submarinas de muros acastellados, veem-se ainda os calcareos teem por vezes revelado a presença de accumula- amarellos do Terciário marino, mas a linha ferrea está ções de vegetaes e de conchas terrestres a 10 e 15 d’elle separada por uma argilla vermelha — são as milhas da praia e a uma profundidade excedente a camadas lacustres, inferiores ao Terciario marino. 3:000 metros. Aqui são ellas formadas por pequenos calhaus rola-
dos de quartzite, cujas dimensões variam entre as de uma laranja até ás de um grão de areia, mais ou menos ligados por uma pasta argillosa avermelhada. A pouca distancia, em Palma de Cima, logar que vemos sobre uma altura (d), estes saibros são explorados para formar o piso nas ruas dos jardins publicos de Os vegetaes reconhecidos no Miocenico portuguez Lisboa. (Oswald Heer - Contribuition á la Flore fossile du Uma trincheira permitte-nos vêr aquellas quartzites Portugal - Lisbonne, 1881.) mostram que o clima era brancas, trigueiras, cinzentas ou anegradas formanmuito mais quente n’essa epoca do que actualmente; do massas irregulares no meio da argilla vermelha. era uma flora contendo bastantes especies subtropiUma outra trincheira apresenta-nos á esquerda escaes cujos actuaes representantes se encontram em tas mesmas quartzites misturadas com a argilla verparte na China e no Japão. Notaremos em especial melha, ao passo que á direita, o terreno é branco ou a presença do Eucalypto, genero que n’esta epoca branco-rosado. São bancadas argillosas esbranquicrescia espontaneamente n’uma grande parte da Euçadas, contendo em certos pontos grãos de quartropa, e que hoje pode dizer-se estar circumscripto ás zo e de feldspatho mais ou menos quebrados pelo ilhas da Oceania. transporte a que as aguas os sujeitaram, arrastando— Na passagem de nivel que atravessa a estrada de os do seu jazigo primitivo, o granito, até este jazigo Sacavém deixa-se o valle de Chellas, e a linha eleva- secundario. se pouco a pouco sobre o plan’alto que separa este Pela decomposição o feldspatho produz o kaolino, valle dos affluentes do valle d’Alcantara. mas aqui não apparece este senão em pequena proEste plan’alto terciario apresenta formas pouco ac- porção, em quanto que o encontraremos no Cretacentuadas, depressões de declives suaves que não cico inferior mais puro e em quantidades que convioccasionaram grande accumulação de humus no seu dam a exploração. fundo, de sorte que a cultura estende-se uniformeEstas camadas brancas veem-se só d’um lado da mente sobre toda a sua superfície. trincheira, por ser a sua inclinação muito forte, e As vinhas, os cereaes, as arvores fructiferas dão-se porque a trincheira as corta quasi parallelamente á optimamente n’este torrão solto, argilo-calcareo. direcção dos estratos. Uma trincheira profunda permitte-nos vêr a com- Á esquerda existe uma depressão entre o Lacustre posição do solo, e leva nos a passar por baixo da inferior e as alturas de Campolide, na qual a terra estrada da Charneca, em seguida atravessamos, em anegrada nos indica o basalto, reconhecível mesmo passagem de nivel, a estrada do Lumiar, proximo do a distancia. Campo-Pequeno, e temos á nossa direita um excellente ponto de referencia, o vasto quadrado formado Um pequeno viaducto dá-nos passagem por cima da pelas edificações do mercado do gado, ao centro do estrada de Bemfica. Nesse momento offerece-se nos qual se eleva uma grande cupula coberta de lousa. Na epoca terciaria o mar que cobria a area de Lisboa devia de ter as suas praias ao norte e ao nascente, por que os estratos miocenicos já nao apresentam fosseis marinos ao norte de uma linha que passa pela Azambuja, Carregado, Granja do Marquez e Azenhas do Mar, proximo do Oceano.
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uma vista de certo interesse, mas para a disfructar Accrescentemos ainda, que foi n’este terreno lacusé mister debruçarmo-nos um pouco á portinhola da tre que o celebre geologo Carlos Ribeiro descobriu as direita. quartzites de arestas angulosas, que elle considerou Sobre a esquerda lavram-se pedreiras no basalto como sendo talhadas intencionalmente, opinião quiem mantos, emquanto que a direita esta rocha está nhoada por anthropologistas eminentes, o que faria coberta pelo Terciario lacustre, havendo um resalto remontar a origem do homem até esta epoca.
formado por uma bancada d’este ultimo mais accen- Estação de Bemfica (89m,10). tuado por um pequeno muro, em cujo ponto culmiÁ direita temos collinas em tres planos: o primeiro nante existe um pavilhão pintado de vermelho. coroado por moinhos e por casas pintadas de encar— Depois de deixar á esquerda a bifurcação da linha nado proximo á igreja de Bemfica, é tambem consque conduz ao tunnel, penetramos n’uma trincheira tituído pelos conglomerados lacustres; o segundo de basalto, ou antes de tufo basaltico cinzento ou é formado pelo manto basaltico dobrado em prega avermelhado, ao sair da qual se observa ainda o La- concava por baixo do terciario lacustre, emquanto custre inferior formando as collinas á nossa direita. que o terceiro plano, muito mais afastado, forma a extremidade do massiço jurassico e cretacico de CaA linha mantem-se, até muito proximo da estação de neças. Bemfica, na depressão que separa das collinas basalDistinguem-se perfeitamente as casas de Monteticas as collinas terciarias. mór, que estão sobre o Cretacico, e ao centro d’este C.— De S. Domingos ao Cacem ergue-se um massiço eruptivo de basalto, trachyte, Prega concava no Terciario; entrada no prolongamento etc., que constitue a parte mais alta da montanha onde assenta o signal trigonometrico. da Serra de Cintra Apeadeiro de S. Domingos (72m,470). A esquerda da estação, a collina basaltica ostenta uma arborisação abundante, póde dizer-se um bosque em que dominam pinheiros e oliveiras. Depois de o passarmos, vemos os contornos arredondados da collina basaltica, cortada a meia altura da vertente por uma linha de rochas cinzentas claras, com arestas angulosas. São os calcareos do Cretacico superior que uma falha faz que afflorem no meio do basalto.
Quando a atmosphera está clara, percebe se até que esta eminencia é formada por penedos ou blocos salientes dispostos irregularmente. O aspecto d’estes penedos deve se á decomposição da rocha eruptiva pela agua que penetrou nas suas fendas e arrastou de lá os productos da decomposição, facto que teremos de registar repetidas vezes.
O saibro avermelhado com calhaus siliciosos é ahi coberto por bancadas de calhaus calcareos e por camadas de calcareo um pouco esbranquiçado, que fazem tambem parte do Terciario lacustre.
A terra vegetal, formada ali mesmo sobre esta trachyte, vende-se nos estabelecimentos de horticultura de Lisboa com o nome de terra de Montemór. Entre as suas propriedades mencionaremos a ausencia quasi completa de calcareo, ausencia necessaria ao desenvolvimento de certas especies vegetaes, em particular das camellias e outras plantas do Japão. Forma-se uma terra semelhante, sobre outras rochas eruptivas das visinhanças de Bellas. É composta de detritos destas rochas misturados com humus e materias organicas.
Quem vem de Santa Apolónia terá notado quanta variação apresentam os materiaes do Terciario lacustre. Ora são quartzites provenientes dos schistos azoicos, ora é o quartzo ou o feldspatho proveniente do granito. Ali os calcareos rolados derivados dos terrenos secundarios, acolá em fim as argillas. e os calcareos lacustres, que constituem os sedimentos d’esta epoca.
Isto explica-nos tambem porque as camellias prosperam na serra de Cintra e no Porto melhor do que em Lisboa; sendo graniticas as duas primeiras regiões não conteem senão vestígios de calcareo, emquanto que esta substancia abunda na terra vegetal d’esta ultima cidade. Nas regiões calcareas não é somente a terra aravel que contem este elemento, encontra se tambem em dissolução nas aguas.
Eis-nos de novo no Terciario lacustre, cortado por uma trincheira antes da estação de Bemfica, e por uma outra a uns 300 metros para além da referida estação.
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A vista de que ha pouco fallei é interrompida um instante por uma trincheira no Terciario lacustre, depois passamos ao manto basaltico bem visível nas trincheiras do caminho de ferro e nas duas linhas de circumvallação civil e militar de Lisboa. A via ferrea já não abandonará o basalto senão pouco antes de chegar a Cacem; corta-o em numerosas trincheiras, o que nos permittirá observar esta rocha em diversissimos aspectos. Veremos tufos basalticos misturados com argilla vermelha, basalto schistoso, basalto em prismas grosseiros de grandes dimensões, parecendo-nos que elle forma ora bancadas regulares, ora massas sem estratificação, e outras vezes massas lenticulares inclusas em uma rocha d’aspecto differente.
zeolithes, os quaes conteem uma certa proporção de potassa e do phosphato de cal. Os zeolithes dos tufos basalticos portuguezes são tambem facilmente decomponiveis pelas aguas atmosphericas, mas não é facil apresentar aqui generalidades agronomicas sobre as rochas basalticas, variando muito a sua composição conforme a quantidade maior ou menor de marnes e de calcareos sedimentares que conteem de mistura. Seria necessario examinar cada um caso de per si.
A algumas centenas de metros antes da estação de Queluz, uma trincheira dá-nos muito distinctamente a inclinação dos tufos e marnes basalticos, que n’este ponto attingem uma grande espessura, o que se póde melhor perceber examinando o corte natural em sentido transversal feito pela estrada que liga a Estação da Porcalhota (128m,050). d) Observaremos collinas de basalto coroadas de povoação de Bellas com a estação. numerosos moinhos; uma d’ellas apresenta no alto Estação de Queluz (123m,00). penedos de grandes dimensões, emquanto que as Depois de uma trincheira no basalto vemos (e) uma suas vertentes são em rampa suave, o que é devido a ribeira passando pelo sitio de Queluz e mais adeante serem formadas pelo tufo basaltico. por Linda a Pastora, e que desemboca no Tejo perto Um pouco mais longe a vista engolfa-se entre duas da Cruz Quebrada. Este valle começa no Jurassico, collinas basalticas, e distingue se uma outra collina a 4 kilometros ao norte de Bellas, atravessa a totacalcarea facil de reconhecer pelas numerosas pe- lidade do Cretacico e depois não se aparta mais do dreiras abertas n’uma rocha branca. É o Cretacico basalto. superior com pendor para sul e passando conse- Um pouco mais adeante depára-se-nos outro valle, guintemente por baixo das collinas de basalto que que segue quasi parallelamente ao anterior. Depois acabamos de ver. do atravessar o Cretacico segue pelo basalto no Pa-
pel, proximo do Cacem (e), mas em Barcarena o leito corta novamente a parte superior do Cretacico, de novo coberto proximo do Tejo pelo basalto, que por sua vez é coberto pelo Terciario marino. E’ um novo exemplo de estratos dobrados cm prega concava, e A esquerda estende se uma grande superfície de rocobertos na concavidade por um terreno mais recenchas basalticas, geralmente de tufos mais ou menos te, que a erosão não desnudou ainda senão nas duas desagregados pela atmosphera e dando occasião á bordas levantadas. cultura, variavel d’um ponto para outro. Antes de se chegar defronte do Papel, fabrica situExistem certas regiões onde as rochas basalticas ada á esquerda da via ferrea e do lado opposto do apresentam menos variações do que em Portugal, valle, atravessamos uma longa trincheira no basalto, dando sómente uma ou duas qualidades de terra o qual apresenta em grande escala a divisão prismavegetal. No Kaiserstuhl (Knop. 1885. Ueber die Betica. E a proposito notarei, que em Portugal a divisão ziehungen der Geologie des Kaiserstuh’s zur Lanprismatica é pouco frequente no basalto em mantos, dwirthschaft.), Allemanha do Sul, os camponezes sendo-o mais no basalto em massas que atravessa pagam as vinhas estabelecidas nos tufos zeolithicos os terrenos sedimentares. Estes prismas permittem (I) pelo dobro das que estão estabelecidas sobre os reconhecer-lhes a fórma pentagonal, mas esta é gedetritos das correntes basalticas ou sobre os sediralmente muito irregular; existem faces muito largas mentos. O seu maior valor é porque as aguas care outras muito estreitas, e difficilmente viria á ideia regadas d’acido carbonico dissolvem facilmente os A linha ferrea corre quasi parallela a esta faixa de Cretacico superior, que se distingue logo que o contraforte basaltico apparece cortado pela erosão, como por exemplo no valle de Carenque.
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o compara-los com prismas pentagonaes, se não se uma montanha de fórmas esguias, mostrando pinconhecessem os bellos exemplares de prismas quasi caros de differentes alturas — é a serra de Cintra, massiço granitico rodeado pelo Jurassico superior e regulares que apresenta o basalto d’outras regiões. pelo Cretacico, formando em volta do massiço graniO comprimento dos prismas é bastante limitado em tico faixas concentricas, cujos estratos inclinam para Portugal, não o tendo eu visto exceder 1m,0, ao passo o exterior. que attinge alguns metros em outros paizes. A contar da bifurcação achamo-nos no Cretacico inEntrámos no Cretacico; atravessamos primeiramenferior. Os estratos superiores d’este terreno inclinam te os calcareos brancos e compactos que compõem para SSE., quer dizer que vão mergulhar por baixo do os seus estratos superiores, depois as marnes e os Cretacico medio que já atravessaramos, caminhanestratos marno-calcareos alternando com algumas do-se pois por camadas cada vez mais antigas. bancadas de calcareo. Os calcareos assentam sobre os grés, e com estes reEsta differença de composição é perfeitamente visíapparecem os pinheiros, excepto sobre as bancadas vel nas collinas que nos cercam. Até aqui não tinhaargillosas que teem sido aproveitadas para a cultura. mos encontrado collinas marno-calcareas estratificadas; notaremos os degraus postos em relevo por Passamos pelo logar de Meleças, d’onde se pode disumas bancadas mais resistentes do que as outras tinguir ainda mais uma vez (d, e á retaguarda) o alto que as conteem. Quando estas são espessas formam do Suimo, de que fallámos ha pouco. mesmo uma cornija, por baixo da qual os agentes (d) Um pouco mais adeante passamos ao pé de um atmosphericos teem destruído as camadas mais fria- moinho que serve do signal geodesico, o que é inveis. dicado por uma cinta de cor vermelha pintada na A trincheira que precede a estação de Cacem mostra-nos estas marnes deslocadas por uma falha (e), e atravessadas por muitos filões eruptivos, (I) um dos quaes, notavel pela sua espessura, está situado proximo do extremo da dita trincheira, (d). D.— De Cacem a Torres Vedras Atravez do prolongamento da serra de Cintra. Prega concava terciaria de Fontanellas. Contrafortes cretacicos e jurassicos da serrania de Montejunto. Valle de abatimento circular de Runa. Area tiphonica de Matacães. Prega convexa de Torres Vedras.
sua parte superior; chama-se o moinho da Matta. No valle que lhe está próximo, veem-se os montes de entulho proveniente das galerias d’exploração d’aguas para abastecimento de Lisboa, verdadeiras drainagens emprehendidas por Carlos Ribeiro em 1874. Depois de atravessarmos uma trincheira profunda, disfructamos á esquerda uma vista magnifica da serra de Cintra.
— Examinando as trinheiras, reconheceremos que os estratos não inclinam já para o sul mas para o norte, parecendo que vão mergulhar por baixo da grande planicie de terrenos terciarios que temos á nossa esquerda. D’este lado da planície a serie d’estratos não está completa em consequência d’uma falha, mas o contrario dá-se do outro lado da planicie, onde apparecem as collinas formadas pelo manto basaltico e pelo Cretacico superior; estas collinas fazem um contraste notavel com o aspecto da planicie.
Estação de Cacem (114m,600). (d) Logo depois de se passar a estação, vê-se ao longe um monte do forma conica muito deprimida, tendo no topo um signal trigonometrico. E’ o Suimo, no alto do qual existe um filão de basalto que na edade media teve certa celebridade como mina de pedras preciosas. Atravessamos a extremidade do logar da Agualva, assente em parte sobre uma bancada do calcareo muito compacto, á qual a erosão deu for- Estende-se esta de oeste a leste, da Granja do Marmas variadas, principalmente a de cornija, o que do quez ao Sabugo, depois faz um angulo no rumo norte, onde estreita. Vamos atravessal-a obliquamente. comboio apenas se póde distinguir (d).
A’ esquerda, um pouco mais longe, podemos obser- São as collinas situadas ao norte da planicie terciaria, que fornecem os marmores conchiferos conhecidos var outras cornijas, ou antes escarpas ruiniformes. pelo nome de marmores de Pero Pinheiro. Antes de chegarmos á bifurcação da linha de Torres e da linha de Cintra, vemos ao longe (e) a silhueta de
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Proveem elles dos calcareos do Cretacico superior, e apresentam segundo as bancadas uma grande variedade de cores, passando do branco ao amarello e cor de rosa, e uma variedade não menor de desenhos, segundo as especies de fosseis que encerram e seu agrupamento na rocha. Estes marmores foram habilmente aproveitadas para a ornamentação do convento de Mafra, onde lhes juntaram alguns marmores conchiferos cinzentos azulados do Cretacico medio e marmores negros do Jurassico de Cintra.
to preservando as cumeadas emquanto as aguas desintegravam os terrenos mais friaveis das encostas.
— Proximo á linha ferrea veem-se ainda grandes penedos de basalto, depois entramos no Cretacio superior. Aqui o calcareo é quasi horizontal, e a acção das aguas atmosphericas tem-se manifestado por isso de um modo muito curioso, por que ao excava-lo tem deixado subsistir uns arremedos de colunnas e de porticos, que excedem em muito a altura de um homem, separados por canaes irregulares. E comtuEstes marmores conchiferos encontram-se no paiz do estes labyrinthos não são excavados pela força em quasi todos os affloramentos do Cretacico supe- mechanica das aguas correntes, mas simplesmente rior, salvo ao norte de Coimbra, mas não se encontra pela acção chimica das aguas pluviaes escorrendo em cada localidade a grande variação que apresen- na superficie da rocha e introduzindo-se nas suas tam nos arredores de Pero Pinheiro. fendas. Depois da abertura da linha organisou-se uma com- Estas formas são bastante frequentes quando os calpanhia para explorar as mesmas bancadas na Pedra careos em bancadas muito espessas e homogeneas Furada, por onde em breve vamos passar. se apresentam quasi horizontaes. Os geologos deram lhe o nome de lapiaz, colhido na linguagem rustica Estação do Sabugo (170m,06). da gente dos Alpes. O campo de lapiaz denominado Á direita, em frente, veem-se rochas calcareas muito Pedra-Furada, era talvez no seu genero o mais bello escarpadas pertencentes ao Jurassico, em contacto de Portugal antes da abertura da linha ferrea, mas com o Cretacico e com o Terciario, devido isto a uma pouco accessivel e para assim dizer desconhecido. falha importante. N’estes calcareos existem caver- Merecia bem ser conservado como propriedade nanas, onde teem sido encontrados instrumentos ne- cional. olithicos. Proximo da sua base está o pequeno logar de Ollela, que deu o nome ao signal geodesico ergui- Desde porem que a linha se estabeleceu, a cubiça pôz ali o alvião demolidor; derribaram-se os monudo sobre a penedia. mentos que attestavam a pujança da gota d’agua, — Na planície terciaria ha pequenos monticulos d’um para serem utilisados reduzidos a ballastro na via calcareo muito branco; é o calcareo lacustre, ou an- ferrea de circumvallação de Lisboa. Resta delles hoje tes o calcareo d’estuario, porque contem conchas somente uma pequena porção muito curiosa ainda, d’aguas salobras de mistura com conchas lacustres mas que não pode dar idea da grandeza do seu cone terrestres. Já se não está em presença de fosseis juncto. arrastadas para o mar, como succede entre St.a Apolonia e S. Domingos, ao contrario estamos perto do Para consolação do leitor, apresso-me a dizer-lhe limite até onde chegou a agua salgada na epoca que ainda existem alguns d’estes bellos massiços a poucos kilometros d’aquelle ponto, em Maceira e miocenica. proximo de St.a Olaia. Este calcareo lacustre assenta sobre o manto basaltico, que a erosão poz a descoberto um pouco mais Perto da Bocca do Inferno em Cascaes havia em adeante, e cuja presença se revela pela côr anegrada tempo um campo de lapiaz, menos magestoso muida terra vegetal e pela composição dos muros de pe- to embora, mas pittoresco e instructivo; pois tambem foi em grande parte arrazado para construcção dra secca que dividem as propriedades. do muro d’uma propriedade contigua! (d) Do outro lado da planicie observamos de novo a successão que vimos ao norte do Sabugo; collinas — D’ali por deante até a estação da Malveira deparabasalticas, depois collinas calcareas e ao longe colli- se-nos uma região extremamente pittoresca, mas o nas de grés cobertas do pinhal. Algumas d’estas ele- muito que ha digno de ver-se não pode ser descripto vações formam picos mais ou menos salientes; é isto em poucas linhas. Ha barrancos e quebradas de grandevido a ter-lhe um retalho de calcareo ou do basal- de altura, excavados nas rochas marno-calcareas do
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Cretacico medio. Ha filões de origem eruptiva, ora cortados por fundos valleiros ora formando penhascos cujo aspecto contrasta com as rochas circumjaccentes e faz que sejam conhecidos com facilidade, por todos aquelles que prestam attenção ao que a vista se lhes offerece. Apeadeiro de Mafra (145m,850). Temos a paisagem dos marno-calcareos cretacicos. Á esquerda grandes filões de basalto, distinguindose entre outros um grande massiço, á superficie do qual se mostram os penedos dispersos que chegam até a linha ferrea que corta a rocha n’uma trincheira bastante comprida; depois vemos outro penhasco do mesmo massiço dividido em prismas, faceis de reconhecer.
— No kilometro 40m,86 atravessamos em trincheira o ponto mais elevado da linha, 254m,85. A collina atravessada faz parte da linha de cumeadas que serve de divisória entre as aguas que correm para norte e para oeste e que se lançam no Oceano, e as aguas do rio de Loures, que seguem em direcção ao sul, lançando-se no Tejo em Sacavem. Afinal entramos pela primeira vez no Jurassico, do qual divisaramos uma parte em Ollela ao passar a estação do Sabugo. Aqui porem não são calcareos rigidos como os d’esta primeira localidade, ao contrario temos grés marnosos muito friáveis prestando-se a uma bella cultura, superior á do solo marno-calcareo do Cretacico medio. Depois de se atravessar um pequeno tunnel o valle expande-se, podendo ver-se ao longe, á direita, uma montanha de côr pardacenta — é a serra de Montejunto ou serra da Neve, de que trataremos mais adeante.
Até Runa não tornamos a encontrar o basalto em mantos, vemo-lo só em filões; a estructura prismatica é pois mais frequente, chegando mesmo a verse alguns prismas de certa regularidade, dando-se especialmente este caso n’um pequeno logarejo á Estação de Pero Negro (147m,25). esquerda da via ferrea. Á esquerda, avista-se por entre duas collinas uma Passamos aos grés do Cretacico inferior. Alli as colli- montanha basaltica muito negra, no cimo da qual nas tem em geral uma forma arredondada, e são alveja a ermida de Nossa Senhora do Soccorro. O aridas, excepto nos pontos onde os grés se acham contraste faz com que possa distinguir-se a granmisturados com as marnes, e nas depressões onde a de distancia. É um dos bons pontos de referencia n’aquellas visinhanças. terra vegetal se accumulou. Por outro lado, os numerosos ribeiros depositando os — O valle, amplo antes de se chegar a Pero Negro, nateiros proximo dos seus leitos formam pequenas contrae-se, e a linha passa em trincheira nos calcareos pertencentes ao Jurassico superior. veigas de muita fertilidade. Estação da Malveira (226m,35). Depois de uma passagem de nivel, acha-se á direita uma pedreira aberta nos grés, com filões eruptivos formando relevo acima da rocha mais desagregavel. Á direita, a vista alonga-se por um extenso valle; e encostando-nos um pouco para traz vemos a Cabeça de Mont’achique, que se avista também das visinhanças de Lisboa, graças á sua altitude muito superior á das outras eminencias que a rodêam, e á sua fórma particular de cone com grande base, troncado proximo do seu vertice. Esta forma é devida a um chapeu de basalto compacto; não é porém um filão, porque um resto de Cretacico superior indica-nos ser elle um retalho do manto basaltico, deslocado e inclinado, que ainda assim bastou para preservar da erosão os estratos marno-calcareos que o supportam.
As collinas são coroadas de calcareos com aspecto de muralhas, emquanto que as rampas são formadas por camadas argillosas, mais ou menos mascaradas pelos entulhos provenientes da ribanceira. A planicie dilata-se de novo e parece ser constituida por alluviões possantes. Á direita, n’um alto, está uma egreja, é Dois Portos, localidade afamada pelos seus vinhos; e com effeito, a região parece mais fertil do que tudo quanto viramos até aqui. A planície está coberta de vinhas, emquanto que os cereaes revestem os outeiros. Estação de Dois Portos (76m,80). Á esquerda está a povoação de Caixaria recostada no declive de uma elevação que tem no alto tres moinhos. Na base vêem se os grés vermelhos pertencentes, ao Jurassico, sendo o cimo formado pelos grés brancos
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e pelos calcareos cretacicos. Estes grés brancos que pertencem ao Cretacico medio forneceram alguns restos de vegetaes terrestres que appareceram tambem nos arredores do Cercal. N’esta ultima localidade encontraram se recentemente vegetaes dicotyledoneos, que são os mais antigos conhecidos até hoje na Europa. — Os grés vermelhos, que constituem a parte mais superior do Jurassico, apresentam uma superfície bastante extensa e que se distingue no segundo plano, para a esquerda. Uma das localidades que ahi se encontram, Almagre, deve evidentemente o seu nome á côr do solo. Uma legua ao poente de Almagre acham-se os casaes d’Almagreira que assentam sobre um outro retalho dos mesmos grés.
Achamo-nos depois n’um outro valle, á beira do qual está o logar de Matacães. O seu aspecto é completamente differente do anterior, as trincheiras mostram-nos um calcareo de côr pardacenta ou anegrada geralmente dolomitico, e vê-se esta mesma rocha formar recifes irregulares a meio da planície, cujo solo é constituído pelas marnes vermelhas. Os estratos d’este calcareo estão geralmente na vertical ou d’ella se aproximam; acham-se irregularmente fracturados, o que lhe dá mais ou menos o aspecto denteado de uma serra.
Acreditar-se-ha ao vê-los que estes calcareos foram impellidos violentamente do interior da terra, d’ahi a expressão muito typica de calcareos eruptivos que Não ha muitos annos, esta região era bastante rica lhes applicava Carlos Ribeiro. e fornecia um dos vinhos de melhor fama, mas o phylloxera destruiu as videiras e como o solo fosse Nada teem porém de eruptivos, e os fosseis que enmuito arido e secco para outra cultura, os habitantes cerram mostram que pertencem ás bancadas que formam a transição entre o Jurassico e o Triasico e semearam-no de pinhal e de tojo. que tem a designação de Infraliasico. Sendo as orlas — Atravessamos em trincheira um filão de basalto, do valle formadas por estratos do Jurassico superior depois os calcareos do Cretacico superior, em segui- ou do Cretacico, ha portanto lacuna entre as orlas e da o manto de basalto em estratos muito levantados, o Infraliasico, o que é devido a falhas. e achamo-nos no valle de Runa, valle elliptico muito curioso, pela sua forma em amphitheatro, tendo Estas falhas rodeiam a área que contem os mencio3 kilometros de comprimento por 1 1/2 de largura e nados calcareos. Por agora limitamo-nos a dizer que completamente cercado de rochas que inclinam para estas áreas teem o nome de áreas tiphonicas. elle, o que deve attribuir-se a um abatimento da sua Tornaremos ao assumpto ao entrar n’uma área anaparte central. loga de maiores dimensões — a das Caldas da Rainha. As suas orlas são formadas pelo Cretacico superior, — Seguem-se depois trincheiras nas argillas do Juao passo que o centro é coberto pelo manto basal- rassico superior, depois tunneis e mais trincheiras tico, pelo Terciario e por alluviões. O Terciario com- abertas nos calcareos possantes da base do Jurasposto aqui de grés grosseiros e de calcareos brancos sico superior. não tem dado fosseis e parece de formação lacustre. Ao sairmos do segundo tunnel, vemos á direita, do Á primeira vista os calcareos do Cretacico superior outro lado da ribeira, pedras negras amontoadas. são cinzentos, mas uma fractura fresca revela-nos São calcareos betuminosos que deram logar a um logo a sua alvura. ensaio d’exploração d’asphalto. Estação de Runa (52m,25). Encontram-se estas rochas betuminosas em varios Entrámos no circo natural de Runa, servindo-nos da niveis d’este massiço calcareo, e reapparecem na cortadoura que dá passagem ao Sizandro e saimos serra de Montejunto, a mais de 10 kilometros d’este pela que está do lado opposto, atravessando a serie primeiro afloramento. dos terrenos em sentido inverso: o basalto, os calca- A existência d’asphalto n’estes pontos nada tem abreos do Cretacico superior, os marno-calcareos do solutamente com phenomenos eruptivos, a referida Cretacico medio e a final a parte superior dos grés substancia depositando-se ao mesmo tempo que as do Cretacico inferior. camadas que a continham, foi formada á custa dos animaes que viviam n’aquella epoca.
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Um pouco mais adeante, antes de penetrarmos no terceiro tunnel, distinguimos um massiço de verdura, a meio do qual rebenta a nascente thermal dos Cucos; e se depois de passado aquelle tunnel deitassemos a cabeça fóra da portinhola da direita e olhassemos para traz, veríamos uma outra nascente da mesma natureza. Ambas brotam das falhas; póde mesmo dizer-se que o pequeno tracto que separa Runa de Torres Vedras, é um dos pontos mais complicados de Portugal, por causa das numerosas deslocações que o atravessam.
por uma pequena ermida de cupola abatida, fazendo lembrar as construcções mouriscas. Estes mesmos grés, que pertencem ao Cretacico inferior, veem-se á direita, onde formam uma escarpa que orla a planicie, sendo a sua extremidade cortada pela linha ferrea.
Passamos em seguida a uma superfície de muitas leguas quadradas formada por estes grés, o que se deve não somente á grande espessura d’estes depositos, mas tambem a estarem elles curvados em dobras concavas de lados pouco inclinados. Proximo de Torres, os referidos grés inclinam para o norte, E. — De Torres Vedras ás Caldas da Rainha Grande extensão de grés de Cretacico inferior e contra- mais adeante vemo-los horizontaes, levantando-se fortes jurassicos da Serra da Cesareda- -Área tiphoni- depois para seguirem com fraco pendor para o sul. ca das Caldas da Rainha. Não apresentam sempre a côr branca ou amarellada, m ha mesmo extensões grandes em que são avermeEstação de Torres Vedras (31 ,75). Ao desembocar do pequeno tunnel acima referido, lhados, a côr branca porem é a que predomina. entramos na planície de Torres e achamo-nos a pe- O observador attento terá notado a grande differenquena distancia da respectiva estação. ça que apresenta o Cretacico inferior nos arredores Esta planicie, rodeada de collinas jurassicas e creta- do Cacem e nos de Torres. Ali, era elle constituído por cicas, é o ponto de reunião de varias ribeiras muito calcareos possantes e por grés azulados, geralmenescassas d’agua, reduzidas mesmo no estio a uns te de côr carregada, contendo numerosos fosseis barrancos completamente seccos, emquanto que marinos, aqui, não ha senão grés de côr clara, cuja de inverno levam volumes d’agua consideraveis, que edade só poude conhecer-se pela sua posição acima trasbordam dos leitos e se elevam por vezes até um do jurassico, e pela descoberta de algumas massas metro acima da planicie, invadindo as lojas nas ruas lenticulares d’argilla contendo impressões vegetaes e raros moldes de molluscos de estuario. baixas da povoação. Entramos de novo com os grés na região do pinhal. O valle é fertil, graças ao humos arrastado pela agua das chuvas, mas as alturas não apresentam senão excepcionalmente porções de chão cultivado, correspondendo ás bancadas d’argilla contidas nos referidos grés. Podemos observar estas argillas nas Pelo que precede pode se á priori affirmar que a pla- trincheiras, onde geralmente tem a côr avermelhada nície de Torres se acha coberta de alluviões muito ou cinzenta escura, fazendo contraste com os grés espessos, caso que effectivamente se dá. brancos ou amarellos. — Na nossa frente erguem-se as ruinas do castello de As partes coradas pelos oxidos de ferro podem dar Torres, coroando uma collina jurassica, a qual forma ocre amarello, ao qual uma ligeira calcinação imprino meio da planicie d’alluvião uma ilhota respeitada me um tom avermelhado. Explora-se actualmente pela erosão que se manifesta em torno da sua base. uma bancada de ocre ao norte de Leiria. Á esquerda, as collinas são constituídas pelo Jurassi- As porções brancas ao contrario conteem kaolino (I), co superior; notaremos a do Varatojo formando um que em vários pontos é tão puro como o que vem de grande lombo que se abaixa rapidamente para o Si- fora do paiz, e que se vende em Lisboa por um preço zandro. Em seguida, sobre a margem direita d’este que chega a 10:000 réis a tonelada. rio, vemos uma collina cuja base de declives suaves é ainda formada pelo Jurassico, sobre o qual assen- Não se tentou ainda seriamente substituil-o pelo katam grés grosseiros brancos e rosados, encimados olino nacional, salvo talvez em Alemearce proximo Poderiam evitar-se as cheias povoando de arvoredo as eminencias, o que daria á agua de chuva o tempo necessario para se infiltrar no solo das encostas em vez de correr á sua superfície enchendo-as de barrancos e lambendo-lhe a terra vegetal.
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de Soure, onde se vendia para as fabricas de papel, remos numerosos barrancos e quebradas descendo mas a sua exploração era só accessoria d’uma outra quasi parallelamente das alturas, e poderemos observar a differença de formas que produz a erosão industria e decahio ao mesmo tempo que esta. nos calcareos, nas marnes e nos grés. Não devemos porem deixar de mencionar a fabrica dos grés ceramicos da Abrigada, cuja materia prima é ex- O massiço principal do Montejunto é composto pelos traida em grande parte d’um jazigo de kaolino cretacico. calcareos da base do Jurassico superior que vimos antes de chegar a Torres, e pelos calcareos do JurasO saibro kaolinico impuro de Bellas constitue um sico medio. A sua cumeada, que attinge a altura de excellente material utilisado para o macadame das 666 metros, é formada por estas ultimas rochas. calçadas de Lisboa. Corta-a de leste a oeste uma falha que põe as suas — A paisagem torna-se de uma monotonia que decamadas mais profundas em contacto com o Jurassespera, pinhal e sempre pinhal; de tempos a tempos sico superior, e que faz com que haja um plan’alto atravessa-se alguma baixa cultivada ou uma charcuja altitude é de cerca de 520 metros. neca, mas em geral tanto ao perto como ao longe o O referido plan’alto forma uma bacia fechada, quer que se vê é pinhal. dizer, que as aguas que recebe não teem escoante á Estação do Ramalhal (56m,50). superfície do solo; infiltram-se no interior da monA estação acha-se assente na orla d’uma grande tanha por cavidades, cujo orifício superior, em forma planicie que a ribeira d’Alcabrichel excavou no meio de funil, é conhecido pelo nome de algar, e brotam dos grés; alguns depositos d’alluvião derivados da em nascentes na raiz da montanha, ou vão alimentar mesma ribeira e das aguas torrenciaes alimentam á outras nascentes situadas a maior distancia. cultura da vinha. O Montejunto não esteve sempre desnudado como Á direita a vista dilata-se até ás collinas jurassicas que está hoje; a gente velha d’ali recorda-se de o ter visto formam o prolongamento do massiço de Montejun- coberto de uma espessa matta, que servia de abrigo to, o que já cortámos antes de chegar a Torres. Uma a numerosos animaes, alguns dos quaes teem desad’ellas prende mais a attençao pela sua altura e pela pparecido completamente da região — taes como o sua forma trapezoidal — é a collina de S. Matheus. veado e o lobo. Ao sair da estação vemos á direita a trincheira aberta Nas partes mais elevadas da serra encontram-se canos grés, os quaes conteem depositos lenticulares de vernas, e os depositos que lhes constituem o chão estratificação confusa, mas deixando perceber que revelaram a existencia de habitadores muito anterioos estratos são quasi horizontaes. N’uma trincheira res á tradição. O seu deposito mais inferior pertence proxima, veremos estes grés inclinando pronuncia- ao quaternario; contém restos d’animaes, em parte damente para o sul, ao passo que proximo de Torres completamente extinctos na superfície da terra — a inclinam para o norte, como já observámos. hyena das cavernas e o urso das cavernas, um caNotam-se aqui e ali algumas vinhas nos retalhos vallo selvagem, cervideos, etc, etc. marnosos, mas no seu conjuncto o valle d’Alcabrichel As camadas superiores dão prova de que foram hae a vista das colllinas jurassicas não foram senão in- bitadas estas cavernas pelo homem da edade neoterrupções passageiras na monotona paisagem dos lithica. A par dos productos da sua industria e com grés cretacicos. as suas ossadas, encontram-se os despojos dos aniSubitamente vemos á direita a serra de Montejunto, cujo maes que lhes serviram á alimentação e de novo se tronco central é conhecido pelo nome de Serra da Neve. nos deparam os ossos d’ursos e de cervideos, mas de especies differentes. É composta d’um massiço calcareo, que se prolonga na direcção de Torres, ligado com rochas marnosas É muito provavel que os veados vistos pelos velhos que se estendem tambem ao longo das suas vertentes. da região, sejam os descendentes dos cervideos da epoca neolithica. Esta montanha cobre-se frequentemente de nevoeiros, mesmo quando o tempo está claro na planicie. Actualmente a serra não podia fornecer alimento a Se tivermos a fortuna de a ver descoberta, devisa- tantos consumidores. O homem do campo, descui-
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doso do futuro, deitou o machado á madeira da floresta, servindo-se do fogo para activar a destruição. A terra vegetal, não estando protegida já pela vegetação, tem sido arrastada pelas chuvas, e as cumeadas e as rampas de grande declive não apresentam hoje em dia senão rochas escalvadas, nas fendas das quaes vegeta algum matto rasteiro.
O aspecto do solo que nos rodea mudou; as culturas apparecem e começam a predominar, grupos de carvalhos e de vinhas guarnecem as alturas e os pinhaes vão rareando.
Presente-se uma mudança na natureza do solo e com effeito os grés tornam-se mais finos, tem mais côr, são mais marnosos; tornamos a entrar no JurasA caverna de paredes verticaes, onde cahiam os cervos sico superior. e os cavallos, acha-se actualmente rodeada do lapiaz Antes da estação do Bombarral avistamos pela ultide tal forma retalhada, que seria com certeza imposma vez o Montejunto, mas só em parte. sível actualmente a um cavallo approximar-se do logar. m Entre o plan’alto e o cume do Montejunto encon- Estação do Bombarral (28 ,70). tram-se as ruínas de dois conventos. Os monges ahi Estamos n’uma planicie d’alluvião muito fertil, orlada recolhidos aproveitavam a altitude elevada a que se de outeiros pouco elevados, constituidos pelas marachavam para fazer reservas de gelo, d’ahi provem nes com intercalações de grés cinzentos. naturalmente o nome de Serra da Neve que ella ain- As alluviões da planicie empregam-se na fabricação da conserva. de tijolo cru ou adobes. Escolhe-se para isso uma Com este fim estabeleceram tanques pouco pro- terra areenta, ou a propria areia que se mistura com fundos, separados uns dos outros por passagens alguma argilla, amassa se tudo com agua, enche-se estreitas. Durante as noites serenas e frias do inver- uma fôrma de madeira sem fundo e alisa-se a masno enchiam-nos d’agua, e retiravam de lá o gelo á sa com a mão, sendo a forma em seguida utilisaproporção que este se ia formando, empilhando-o da para outro tijolo; as suas arestas conservam-se depois em poços guarnecidos de palha onde se con- vivas, e depois de se deixar seccar ao sol durante servava no tempo do estio. Este gelo era portanto alguns dias obtem-se um tijolo cuja solidez varia mais artificial do que natural, porque é só excepcio- segundo a natureza da argilla; os que se fabricam nalmente que as poças d’agua conservam o gelo por com as areias kaolinicas do Cretacico são d’uma retodo o dia, e ainda mais que succeda o cair ali neve. sistencia notavel. Esta industria que continuára depois dos frades aca- — Sobre areias brancas com calhaus quartzosos vêbou por 1685. se um pinhal. Estas areias pertencem ao Pliocenico, — Mais adeante o Montejunto fica-nos encoberto ultimo termo da serie terciaria; descançam em dispelas collinas de grés; não estando estas ultimas cordancia sobre os outros terrenos, mas participarevestidas de pinheiros mas sómento de matto ras- ram das deslocações do solo e em alguns pontos teiro é-nos licito formar juízo sobre as formas pro- mostram uma inclinação pronunciada. duzidas pela erosão em uma região de grés, muito Os grés jurassicos reapparecem-nos; a principio melhor do que o tinhamos podido fazer até aqui. pouco consistentes, tornam-se depois compactos. A Vemos monticulos arredondados, separados por sua inclinação que era fraca augmenta rapidamente, numerosas depressões convergindo para uma de- em breve tomam a vertical e annunciam-nos a propressão principal, que serve de collector. Esta im- ximidade d’uma grande deslocação. mensa superficie estará destinada só para charneca? Por certo que não; os valles conteem tambem Com effeito, dentro em pouco vemos á direita os calretalhos de bom chão, de que o pequeno agricultor careos brancos muito levantados, na base dos quaes se acham as marnes vermelhas. poderia tirar muito partido. Volvendo rapidamente á esquerda, ahi veremos Estação do Outeiro (79m,20). um monte coroado por tres eminencias arredonA algumas centenas de metros depois de passada a dadas. E um cabeço de ophite, rocha eruptiva que estação torna a ver-se o Montejunto, mas por um se encontra ordinariamente nas áreas tiphonicas; e instante somente. com effeito, é facil reconhecer que nos achamos de
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novo em face d’um caso analogo ao de Matacães, oeste e pelo norte a base da collina onde assenta a podendo contar-se tambem como ali numerosos povoação. Não podemos ver a lagoa por estar occulta pelas collinas que a rodeiam, mas podemos discabeços dolomiticos. tinguir as dunas elevadas que estão proximas da sua As dimensões d’esta área são muito mais consideextremidade. raveis do que as da área de Matacães, pois começa a oeste do plan’alto de Cesareda e estende-se pela Estação d’Obidos (11m,45). Serra d’El-Rei, Obidos, Caldas, e S. Martinho até para (d) N’uma trincheira aberta nas marnes vermelhas além de Vallado, formando differentes superfícies vêem-se cristaes que brilham a luz do sol; é o gesso, mais ou menos amplas, ligadas umas ás outras por quer incolore e translucido, quer corado de branco, passagens muito estreitas, o que permitte compara- cinzento ou encarnado. O gesso é frequente n’estas la a uma fiada de contas muito irregulares. marnes, posto não seja em parte nenhuma abunA linha ferrea mantem-se, naturalmente, na área ti- dante. Falla-se de blocos de 370 e 380 kilogrammas phonica, deixando a cada lado as collinas formadas de peso extrahidos em Pernelhas próximo de Leiria. por materiaes mais resistentes do que as marnes in- Actualmente esta substancia não é explorada senão em Soure. fraliasicas que constituem o solo do valle. Estação de S. Mamede (19m, 15). Estas marnes mostram-se á esquerda, rodeando um cabeço dolomitico. As trincheiras são abertas ora nas marnes vermelhas e nos calcareos dolomiticos inferiores ao Lias, ora nas areias pliocenicas que os cobrem por toda a parte onde quer que a erosão as não arrebatou. Não me occuparei portanto d’estas ultimas senão quando haja alguma cousa especial a mencionar. A direita vemos marnes vermelhas e collinas calcareas. Á esquerda, para a rectaguarda, fica-nos a borda do plan’alto da Cesareda e um pouco mais longe, as collinas calcareas que circumdam a área tiphonica das Caldas. São estas cortadas pelo rio Real, proximo da povoação do Sobral da Lagoa, o que permitte verse o contacto entre as marnes vermelhas infraliasicas e o calcareo do Jurassico superior.
— Volvendo á trincheira da estação de Óbidos, vemos as marnes infraliasicas com fraca inclinação para o norte que vão topar com os calcareos dolomiticos verticaes. Á esquerda vêem se cabeços dolomiticos parecendo dispostos irregularmente, mas que na realidade formam duas arestas, ao meio das quaes se encontra um valle aberto pela erosão das marnes. Um dos lados em que assenta a capella de Santo Antão é a continuação da collina de Obidos. A via ferrea atravessa um ribeiro que vem de leste. No ponto onde este corta as collinas formando a banda oriental da área tiphonica, existem duas nascentes sulfurosas thermaes, cujas aguas abundantes se perdem no dito ribeiro.
Succedem-se ainda algumas trincheiras nas marnes infra-liasicas, passando-se depois ás areias pliocenicas, e chegamos a uma localidade celebrada ha seA quebrada póde avistar-se da linha ferrea, e para culos pelas suas aguas sulfurosas. alem distinguem-se collinas formadas pelo grés do Caldas da Rainha (48m,30). Jurassico superior. Á semelhança do que succede em Obidos e na QuinNotaremos que os cereaes e a vinha encontram em ta das Janellas, situada entre Obidos e as Caldas, as geral um bom torrão nas marnes infraliasicas que se nascentes das Caldas da Rainha brotam na falha que estendem até ao sopé dos calcareos, que ao contra- limita o valle tiphonico a leste. rio não criam senão mattagal. A composição chimica e a temperatura d’estes tres (d) Em breve devisamos a villa de Obidos com as suas grupos de nascentes teem grande analogia. fortificações pittorescas coroando um cabeço dolo- Não temos que procurar a sua origem n’uns restos mitico. d’acção volcanica, mas simplesmente no facto de — Á esquerda dilata-se a vista por uma grande cam- uma parte das aguas caidas na região situada a lespina até á lagôa d’Obidos; por ella se avalia a anti- te se infiltrarem no solo até encontrarem a citada ga extensão d’esta lagôa que outr’ora banhava pelo falha, pela qual tornam a vir á superficie com o ca-
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lor que adquiriram na profundidade a que lhes foi dado chegar. Sabendo-se que a temperatura da terra augmenta em cerca de um grau por cada 30 metros de profundidade, ver-se-ha que estas aguas devem ter chegado a 500 metros abaixo da superfície do solo. As substancias mineraes nellas contidas foram extrahidas por dissolução dos terrenos atravessados por estas no seu trajecto ascensional, dissolução de ordinario tanto mais forte, quanto mais elevada fôr a temperatura a que estiverem sujeitas.
(d) Ao longe e em frente, vemos uma collina baixa, arredondada, a meio da qual se ergue um pico mais agudo do que todos os outros vistos até aqui. É o cabeço d’ophite de S. Bartholomcu e á sua direita está um outro do menor altura e mais arredondado.
E. — Das Caldas a Leiria
(d, em frente) Serra da Pescaria, continuação da do Bouro. A povoação de S. Martinho desdobra-se-lhe ao sopé; em frente veem-se as dunas rodeando a pequena bahia. Pode ver-se tambem a grande largura do valle tiphonico que em breve estreita quasi subitamente.
Área tiphonica das Caldas da Rainha a Vallado. Região das dunas. Serra rasa de Leiria
Como acabamos de ver, a villa das Caldas está situada no meio das areias pliocenicas, as quaes mostram em partes uma finura de grão e uma alvura que as confundiria facilmente com as da beira-mar actual. A via ferrea mantem se quasi constantemente n’estas areias, salvo em duas trincheiras que atacam as marnes infraliasicas. Estas areias são muito férteis nos pontos onde ha húmus sufficiente e a necessaria humidade; veem-se ahi cereaes e vinha — os pinheiros nos sítios mais enxutos e finalmente o arroz nos logares mais pantanosos.
— Mais pinhaes, e depois temos o Apeadeiro do Bouro (12m,80). A serra do Bouro que até aqui apresentava um dorso uniforme, recorta-se agora em collinas pittorescas.
(e) Observa-se um povoado na base da eminencia, é Selir do Porto, dominado pelos calcareos dolomiticos aos quaes está applicado o pliocenico fossilifero, sendo um dos raros pontos que permittiu ajuizar qual será a idade d’estas areias.
Corremos em seguida ao longo d’uma grande serie de dunas que nos escondem a formosa concha de S. Martinho, mas podemos avaliar o seu comprimento A direita estão as collinas jurassicas formando o lado pela extensão das dunas que a limitam. oriental da área tiphonica, e como ha numerosas Esta bahia é oval, tem 900 metros de largura e o seu pedreiras em exploração, podemos distinguir os cal- comprimento, parallelamente á beira do oceano, é de careos brancos do Jurassico superior e por baixo as 1:400 metros. marnes vermelhas infraliasicas. Está completamente rodeada de areias, excepto da A’ esquerda, depois de termos passado alguns pinha- banda do mar, do qual está separada pelos calcareos es, apparece a banda occidental da área tiphonica e grés jurassicos fortemente levantados. formada pela serra do Bouro, que de espaço a espaAo meio d’estes calcareos existe uma bocca que não ço avistamos por entre o arvoredo. chega a ter 200 metros de largura, mas assaz proPara os lados do seu extremo meridional, veremos, funda para permitttir a entrada d’embarcações peolhando á retaguarda, grandes pedreiras abertas nos quenas que vêem receber carga a S. Martinho. Na calcareos do Jurassico medio; a edade d’estas rochas maré baixa a altura d’agua n’esta entrada é de 5 meé a mesma que a da pedra chamada da Batalha, em- tros e de 3 a 4 a meio da bahia. pregada para a construcção da estação do Rocio. Ao porto de S.Martinho prepara-se sorte igual á que A sua brancura é quasi igual á d’esta ultima, mas o terá a lagôa d’Obidos, e que será a de todos os esgrão é mais unido e portanto offerece mais resisten- tuarios; a pequena ribeira que vem de Selir do Porto cia á acção dos agentes atmosphericos. vai-a pouco a pouco entupindo e diminuindo dia a A serra de Bouro é em parte coberta pelas areias dia a sua importancia como porto de mar e como pliocenicas, principalmente na cumeada, ao passo local de pesca. que os seus vertentes estão em geral descarnadas, Estação de S. Martinho (3m,00) quer do lado que olha para o oceano quer da banda Ao deixar a estação avistamos n’um relance a estreido valle. ta passagem de que acabámos de fallar, mas só por
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um instante, porque os velhos barracões de madeira do tempo em que se construiu a linha, escondemnos aquella bella perspectiva. A povoação de S. Martinho assenta sobre um cabeço dolomitico, menos desafrontado do que o de Obidos; a casaria augmenta para as bandas do poente, como succede em quasi todas as povoações. As casas que estão mais para o oeste levantam-se sobre as marnes infraliasicas, em que abunda o gesso que outr’ora motivou uns começos de exploração. Superiormente veem-se os calcareos e os grés jurássicos formando a serra da Pescaria. O panorama encobre-se por detraz dos pinhaes, depois vemos o valle tiphonico estreitando, e logo apoz cortamos pelo extremo d’uma aldeia com a sua igreja — chama-se Famalicão, e é o ponto mais estreito da área tiphonica das Caldas. Pode considerar-se como o começo d’uma área nova.
— Entre os dois cabeços d’ophite já apontados distinguimos lá ao longe um médão d’areia branca — é a duna d’Aguieira, a mais alta de Portugal e provavelmente da Europa. A sua altitude é de 157 metros, emquanto que a duna mais alta da Gasconha não passa de 89 metros; a Africa apresenta pelo contrario elevações d’estas muit maiores, citam-se da Tunísia com 200 metros. (e) A via ferrea corre ao longo da collina oriental da área tiphonica, e a espaços vemos o contacto entre o Infralias e os calcareos do Jurassico superior. (d) Avistamos agora de lado os cabeços tiphonicos de S. Bartholomeu, que em vez de serem uns picos como pareciam observados do sul, teem a forma de arestas estreitas. É provavel que pertençam ambos ao mesmo filão que a erosão cortou, e que fossem rodeados depois pelas areias que os separam.
(e) Na nossa frente está uma collina de calcareo do— Lancemos um rapido olhar á direita; vamos passar lomitico, estendendo-se transversalmente ao valle e pela base de dois cabeços d’ophite com declives de sobre a qual assenta Vallado. mediocre inclinação. O segundo é coroado pelas ruiEstação de Vallado (12m). nas d’uma pequena ermida. — A vista para a frente fica completamente desa- A collina jurassica que limita o valle tiphonico curva frontada, vendo-se de novo as dunas dominadas pe- se bruscamente para leste, e está orientada de nascente a poente, mas a sua constituição é a mesma los cabeços tiphonicos de S. Bartholomeu. que se observa na área das Caldas. O solo do valle Apeadeiro de Cella (12m,00). é formado pelo Infralias coberto pelo Miocenico ou (d) Uma estrada em construcção mostra-nos dis- pelas alluviões. tinctamente o contacto das marnes infraliasicas com Da banda do sul o valle tiphonico é orlado por collio Jurassico superior. nas do Jurassico superior, em cujo limite brotam al(e) A estação de Cella está na orla d’uma grande gumas nascentes thermaes. São os banhos da Piedaplanície cortada por muitas vallas cheias de juncal e de, pequenas casas brancas com telhados vermelhos mais vegetação palustre. O solo é formado pela areia que vemos na base da collina á direita; um pouco pliocenica revolvida n’uma epoca recente, como se mais longe, é esta cortada pela passagem da ribeira prova pelos pequenos fragmentos de telha encon- d’Alcobaça. Esta cortadura natural é a única comtrados até á profundidade de lm,50. municação d’Alcobaça para o norte. Não se pode ver Estas numerosas vallas enxugam sufficientemente o bem da estação mas advinha-se pelo abaixamento terreno, ao ponto de se poderem fazer ali varias cul- brusco da collina á qual se segue a leste uma collina mais alta. turas, em especial a dos cereaes. A cortadura por onde as aguas d’esta planície correm para o mar, separa a serra da Pescaria da serra da Pederneira. Ao norte d’esta ultima fica o sitio da Nazareth, assente sobre o Cretacico superior, o qual não forma a continuação das collinas Jurassicas que constituem o lado occidental da área tiphonica, mas pelo contrario está disposto em sentido transversal.
No ultimo plano vê-se uma serra excedendo em muito as collinas do primeiro plano. É o massiço de Porto de Moz, que se estende de Rio Maior até proximo de Leiria a norte e de Thomar a oeste. Na sua maior parte é formado pelos calcareos do Jurassico medio. Tel-o-hemos sempre á direita até chegar a Leiria. Este massiço apresenta-nos numerosos exemplos de bacias fechadas. As aguas que caem sobre estes
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calcareos infiltram-se no solo, mas o seu curso subterrâneo é dividido por falhas que as fazem surdir na planicie em forma de nascentes muito copiosas. Uma d’ellas é a do rio Alviella, que abastece Lisboa.
portanto na serie dos estratos á medida que se ganha em elevação vertical.
A’ direita algumas raras clareiras permittem-nos enxergar de tempos a tempos o massiço de Porto do Moz.
Um pouco mais adeante está uma aldeia com a sua egreja, é Pataias, freguezia importante situada no meio das dunas que ha pouco vimos.
A linha passa pelo meio da pequena povoação de Fanhões.
(e) D’ali passamos pela base d’um logarejo, e notamos que as areias das trincheiras já não são horizontaes e incoherentes, tendo uma inclinação que em alguns pontos excede 45º e formando camadas de grão mais ou menos fino que varia do vermelho intenso ao amarello e ao branco. São os saibros cretacicos dependentes da serra que a erosão desnudou. Á direita vemos uma grande pedreira aberta n’estes saibros quando se construiu a via ferrea.
(e) Temos por este lado alguns fornos do cal. A pedra ahi empregada é o documento mais occidental Logo em seguida depois de deixar a estação, em- da serra raza de que fallámos; pertence ao Jurassico brenhamo-nos nos densos pinhaes que revestem as medio, que de espaço a espaço afflora atravez das areias. areias pliocenicas.
(e) Ao longe vemos dunas elevadas, uma d’ellas, a de Alva de Pataias, é de consideráveis dimensões e está completamente desguarnecida de vegetação. Não é formada á custa das areias marinhas mas deve-se á deslocação das areias plionicas. O distinctissimo engenheiro florestal sr. Carlos Augusto de Sousa Pimentel calculou-lhes a velocidade do andamento para o interior em 24 metros por anno. O solo que vamos atravessando consta tambem na sua maior parte de areias pliocenicas revolvidas pelo vento ou arrastadas pelas aguas, mas forma apenas ondulações pouco sensíveis e em grande parte achase fixado pelos pinhaes. (d e em frente) Observa-se um conjuncto de collinas estendendo se até Leiria. Não obstante a sua pouca elevação, estas collinas mostram-nos as camadas mais profundas do Jurassico. É o que se chama uma serra raza (chaîne rasée), quer dizer uma serra que foi outr’ora de altura consideravel, mas que a erosão reduziu até ao ponto de se achar ao nivel ou quasi ao nivel da planície. Os terrenos que estavam no amago da serrania acham-se hoje a descoberto, e assim se explica a presença d’esta faixa de terrenos tão antigos no meio de outros muito mais modernos. — Ao fundo á direita temos o massiço de Porto de Moz. Á semelhança do que succede com as serras de Monsanto e de Montejunto, as camadas mais antigas estão ao centro da montanha, que é ao mesmo tempo a sua parte mais elevada, ao passo que as encostas são formadas por estratos que vão sendo cada vez mais recentes á proporção que nos ajustamos do centro. Ao subir a uma d’estas montanhas desce-se
Do lado opposto e a curta distancia da linha encontramos pequenas pedreiras onde se lavram os calcareos cretacicos. Estação de Martingança (151m,40). Atravessamos os saibros cretacicos cortados pelas trincheiras e formando á direita serros de relevo pouco accentuado. Ao longe, e do mesmo lado, vemos o massiço de Porto de Moz, depois á esquerda a povoação da Moita rodeada de planicies de areias, ora nuas de vegetação ora cobertas com algum pinhal. A’ direita descobre-se entre o pinhal o logar da Cumieira; ahi as areias pliocenicas são lavradas para fornecer a materia prima á nova fabrica de vidros estabelecida próximo da estação. (e) As dunas ou médões elevados que se veem pertencem á segunda linha das dunas, que é a mais elevada; é a esta mesma serie que pertencem as cumeadas da Aguieira e d’Alva de Pataias já mencionadas. Estação da Marinha Grande (104m,30). (d) Ao longe avistam-se montanhas envoltas em nevoeiro. Vamos atravessando as trincheiras abertas nas areias pliocenicas e passa-se a nova fabrica de vidros a que já nos referimos. A’ esquerda divisamos o campanario da Marinha Grande, localidade que se tem tornado celebre em Portugal por varios ensaios industriaes ali tentados, devidos a abundância de conbustivel que existe nas visinhanças. A Marinha
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Grande está com effeito situada á beira dos immen- Assim considerada a serra de Cintra e o massiço de sos pinhaes que se prolongam com o oceano, e sem Caneças, que se prolonga até Loures, pertencem a os quaes uma das melhores regiões agrícolas do rei- uma mesma serie de protuberancias, ou a uma serno estaria de ha muito convertida n’um deserto em rania que se estende do Cabo da Roca até Loures e a consequência da invasão das areias. que caberia o nome de Serrania de Cintra. A locomotiva devora o espaço, como se lhe tardasse sair d’uma região onde alguns valleiros abertos pelas aguas torrenciaes nas areias pliocenicas formam a bem dizer, os unicos accidentes da paisagem. De subito porém divisamos pela frente á direita as ruinas do castello de Leiria.
A linha ferrea aproveitou-se da depressão transversal de que fallámos ha pouco para a atravessar, mas não obstante a presença d’esta depressão, teve ella de elevar-se consideravelmente: na prega concava terciaria de S. Domingos a Queluz subimos de 72 a 123 metros, emquanto que no Sabugo, limite septenD’este lado da linha o corte na parede da trinchei- trional do massiço de Caneças, attingimos a altitude ra mostra-nos as marnes do Infralias com o gesso, de 170 metros. como observámos em Óbidos. Atravessâmos um novo valle terciario, o de FontaUma outra trincheira corta o saibro cretaceo, e de- nellas, em seguida passâmos aos contrafortes da pois entramos na planície de Leiria a meio da qual serrania de Montejunto. Depois de ultrapassada a se erguem altivas, coroando um cabeço d’ophite, as estação da Malveira, achamo nos no ponto culmirelíquias do seu vetusto castello. A direita um outro nante da linha, cerca de 255 metros; é o ponto de cabeço ophitico, de formas arredondadas, serve de separação de quatro bacias hydrographicas — a do base a ermida de St.º Antão, emquanto que o massi- rio de Sacavem, que despeja no Tejo, emquanto que ço de Porto de Moz faz o fundo d’este quadro a um o rio de Cheleiros, a ribeira de Safarujo e o rio Sizandro vão desaguar no oceano. tempo surprehendente e pittoresco. Recapitulação N’este resumo as altitudes das estações são indicadas em metros, sendo as fracções addicionadas ou desprezadas conforme são superiores ou inferiores a 1/2 metro.
A linha ferrea segue o curso d’este ultimo rio até Torres Vedras.
Descemos rapidamente — de 255 metros de altitude baixamos a 147 em Pero Negro, a 77 em Dois Portos, a 52 em Runa e a 32 em Torres.
Chegados ao termo da nossa jornada, lancemos rapidamente uma vista retrospectiva para se formar Esta rampa regular é devida unicamente á erosão idea das principaes feições orographicas da região que o rio foi operando nos differentes accidentes geognosticos que atravessa: o valle d’abatimento de que percorremos. Runa, a área tiphonica de Matacães e os afloramenTendo partido das margens do Tejo, ou por outra do tos de rochas calcareas que a limitam. nivel do oceano, atravessámos a abobada cretacica de Lisboa, depois mantivemo-nos na prega concava Ao norte de Torres deixámos o valle do Sizandro para terciaria que do massiço jurassico-cretacico de Ca- transpôr uma prega concava cretacica, comprehenneças separa a abobada cretacica de Monsanto. Este dida entre a abobada de Montejunto e a de Cesamassiço termina ao oeste por uma falha transversal, reda. produzindo uma depressão que o separa da extremi- Esta superfície de grés cretacicos dá origem a três dade da Serra de Cintra. bacias hydrographicas que descarregam no oceano Para o geologo a serra de Cintra não é composta proximo do Vimeiro, da Lourinhã e de Obidos. unicamente pelo massiço de rochas cristallinas que tem este nome; comprehende tambem os contrafortes da serra, por outras palavras, as faixas de rochas sedimentares que a rodeiam, formando relevos variaveis consoante a maior ou menor resistencia da rocha.
A parte central da prega concava que deveria de ser a mais baixa, acha-se pelo contrario a mais elevada, em consequencia da erosão que se opera em redor d’ella. Alguns pontos isolados que resistiram á erosão, e que se apresentam como as mestras nos trabalhos de desaterro, encontram-se por toda a superfície, mas a linha ferrea indica-nos proximamente
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Paul Choffat
a altitude média da parte desnudada: de 32 metros em Torres Vedras elevamo-nos a 79 na estação do Outeiro, que está quasi ao centro da superfície, para baixarmos a 20 metros no Bombarral, onde estamos já nos contrafortes jurassicos da abobada da Cesareda.
Vallado a Leiria, é, na sua maior parte, coberta pelas areias plioecnicas. Estas areias, revolvidas pelo vento, não podem muitas vezes distinguir-se das areias movediças que o vento transportou desde as linhas das dunas que limitam o oceano, as quaes se teriam adeantado tanto quanto as referidas areias, se o andamento lhes não tivesse sido embargado pela vegetação florestal.
Em breve os deixamos atraz para entrarmos na área tiphonica das Caldas, superfície esta cuja altitude, em geral de pouca monta, apresenta algumas on- A contar de meia distancia entre Vallado e Martindulações devidas em parte a levantamentos do sub- gança, elevamo-nos consideravelmente, achandosolo geologico. se esta ultima estação á altitude de 151 metros; e Da altura de 19 metros em S. Mamede, decemos em succede assim, por que deixamos a área tiphonica Obidos a 11, ao passo que uma aresta subterranea do Vallado para passar aos contrafortes cretacicos atravessando a área tiphonica á altura da serra do d’uma serra raza que se estende de S-O. a N-E. de Bouro, faz que subamos a 48 metros nas Caldas. Pataias até para lá de Leiria. Volvemos a descer rapidamente para nos acharmos quasi ao nivel do mar em S. Martinho. As estações de Cella e do Vallado são um pouco mais elevadas — 12 metros.
A influencia d’esta serra torna-se ainda sensivel na estação da Marinha Grande (104 metros), emquanto que a pequena altitude de Leiria (33 metros) deve de ser attribuida á possança da erosão.
A’ semelhança do que succede na área tiphonica das Caldas, a porção da linha ferrea que se estende do
Era Terciaria e Moderna
TABELA DE TERRENOS VISITADOS Moderno
alluviões actuaes, dunas, depositos neolithicos das cavernas, terra vegetal.
Quaternario
alluviões antigos, depositos paleolithicos das cavernas.
Terciario superior ou pliocenico
areias finas, geralmente com calhaus, saibro, grés, lignites, etc.
Terciario marino
argillas, calcareos marnosos e grés.
Terciario lacustre inferior
saibro e assentadas de calcareo marnoso e silicioso.
Manto basaltico
tufo basaltico, basalto compacto e marnes vermelhas
Interrupção na sedimentação, erupções do granito de Cintra, e de rochas ophiticas, trachyticas e basalticas
Era Secundaria
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Cretacico superior
calcareos brancos
Cretacico medio
argillas, calcareos marnosos, saibro e grés
Cretacico inferior
calcareos, grés, saibro, argillas
Jurassico superior
Calcareos e grés, lignites
Jurassico medio
calcareos compactos e calcareos marnosos
Jurassico inferior
idem
Infraliasico e Rhetico
grés, marnes avermelhadas, gesso, calcareos dolomiticos
Triasico
representado talvez por uma parte dos grés acima mencionados
Passeio Geologico de Lisboa a Leiria
INDICE Os nomes geographicos vão em italico; quando seguidos d’um algarismo em normando, este algarismo indica a pagina em que está mencionada a estação do caminho de ferro. ABATIMENTO do terreno, (Fr.effondrement), 300, 317, 334. Vid. Falha. ABOBADA, formada pelo dobramento dos estratos, p. 294. Vid. Lisboa, Monsanto. ADOBES, (tijolo cru), 323 AGUA da pedreira, (Fr. eau de carrière), 298. AGUAS calcareas e não calcareas, 308. Aguas subterraneas, 297, 303, 305, 312, 321, 330. Aguas thermaes, 318, 325, 326, 330. Alcantara, valle de -, 295, 298 a 301. ALLUVIÃO, 298, 299, 302, 316, 317, 319, 320, 323, 328, 329, 330. Alviella, nascnete do -, 330. AQUEDUCTO das Aguas Livres, 298, 300. ARGILLA, 303,304,305, 318, 320, 323. Arrabida, 302. ASPHALTO, 318. AZOICO, terreno -, 294; schisto -, 307. BACIA fechada, (Fr. bassin fermé), 321, 330. BASALTO, em mantos, (Fr. nappes ou manteaux), 297, 298,300, 301, 306, 307, 308, 312, 313, 315, 316. Differenças de espessura do -, 301. Basalto prismatico: - Os prismas basalticos são geralmente classificados como hexagonais, mas é bem sabido que muito frequentemente são pentagonaes ou quadrangulares. Designámo-los como pentagonaes por ser esta a forma que as mais das vezes temos reconhecido nos nossos basaltos, 301, 308, 310, 314. Correntes basalticas, (Fr. coulées basaltiques), 301. Filões e massiços basalticos, 307, 314. Calcareo basaltico, 297. Marnes basalticas, e seus fosseis, 301. Tufo basaltico, 297, 301, 309. tufo zeolithico, 309: - Tufo basaltico com zeolithes, são pequenas cavidades arredondadas, na massa eruptiva, cheias posteriormente de substancias crystallinas. Bellas, 309. Bemfica, 302, 307. Bombarral, 323, 334. Bouro, apeadeiro e serra do -, 327, 335. Cacem, 308, 310, 311. CALCAREO DOLOMITICO, 317, 324, 325, 327, 328. Caldas da Rainha, 326, 334. Campolide, 298, 301. Caneças, massiço de -, 307, 333. CAVERNAS, 297, 312, 322. Cella, 329, 335. Cesareda, serra da -, 325, 334. Chellas, valle de -, 303, 305. Cintra, serra de -, 308, 311, 353. CONTRAFORTES, 302, 309, 333, 335. CRETACICO, 297, 298, 300, 307, 308, 309, 311, 312, 316, 319, 329, 332. CULTURA, 290, 293, 302, 305, 309, 316, 320, 323, 325, 326, 329, 332. CURVATURA dos estratos, explicada, 294. DEPOSITOS lenticulares (Fr. lentilles ou dépôts lenticulaires) 303, 308, 320, 321.
DOBRA, dobramento dos estratos, (Fr. pli, ployement) – explicado, 294, 302. Dobra concava, 301,302, 307, 310, 319, 333, 334. DUNAS, médões d’areia, 302, 325, 326, 328, 329, 330, 331. ESTRATIFICAÇÃO, 294; falsa -, explicada, 303. ESTRATO, (Fr. strate, couche) – explicado, 294. FALHA, (Fr. faille). Ruptura dos estratos acompanhada geralmente de um desnivelamento, e em que um dos lados da fenda soffreu abatimento ou levantamento, que se não manifestou do lado opposto. Ha falhas verticaes, obliquas e horizontaes. Consoante a sua origem as falhas pertencem a tres cathegorias – falhas de fendimento (crevassement) devidas a uma fenda existente antes da descolação; falhas de flexão (flexures) formadas em resultado do abatimento d’uma certa extensão de terreno, abatimento tão brusco que não permittiu que os estratos se curvassem ou se distendessem, e finalmente as falhas de dobramento, devidas a um movimento horizontal (tangencial) dos estratos. Consideradas com referencia a uma serrania, distinguem-se tres especies de falhas: longitudinaes, transversaes, e obliquas. Os abatimentos circulares, como por exemplo, o de Runa, apresentam falhas periphericas e falhas radiantes. – 297, 307, 310, 312, 317, 318, 321, 326, 330, 333. FELDSPATHO, 306, 307. FILÃO, veio. Enchimento de fendas por uma substancia mineral diversa da rocha continente. Este enchimento deve-se ou a uma materia eruptiva, ou a um simples deposito feito pelas aguas superficiaes. Usa-se com frequencia no paiz applicar erradamente o termo filão ás substancias mineraes formando camadas ou depositos lenticulares. – Filões eruptivos, 310, 314, 315, 316, 329. GESSO, (Fr. gypse), 325, 328, 332. GRANITO, 306, 308, 311. GRÉS, 311, 313, 314, 317, 318, 319. INCLINAÇÃO, pendor, (Fr. inclinaison, plongement). Um plano inclinado apresenta differentes aspectos, conforme é cortado parallelamente, obliquamente ou perpendicularmente à sua inclinação. O primeiro caso apresenta a maxima inclinação; o segundo apresenta uma inclinação menor e parece que ella se dirige para um outro ponto do horizonte; o terceiro caso leva a crêr a exist~encia d’um plano horizontal. Para evitar confusão reservam os geologos a designação de inclinação d’uma camada, para o maximo pedor, e a direcção para a linha horizontal traçada sobre o plano da camada. Esta ultima linha é por tanto perpendicular á inclinação, 296, 300, 306, 317, 324, 331. INFRALIAS, 317, 324, 325, 328, 329, 332, e Tabella. JURASSICO, 307, 309, 312, 315, 323, 325, 331. KAOLINO, 306, 320, 323. LAPIAZ, (não tem tradução, emprega-se o vocabulo francez) explicado 313, 314, 322. Leiria, 325, 326, 331, 332, 335. Lisboa, abobada de – 294. Descripção do tunnel que a travessa, 296. LODOS antigos e modernos, 302. Mafra, 314. Malveira, 315, 333. MANTO basaltico, Vid. Basalto. Marinha Grande, 332.
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MARNE ou marga (argilla calcarifera); marnes basalticas, Vid. Basalto. Martingança, 332, 335. Matacães, 317, 324, 334. MIOCENICO, Vid. Terciario e Tabella. Monsanto, 292, 300, 331, 333. Montejunto, 318, 320, 321, 323, 331, 334. Montemór, 307. NIVEL do mar, mudanças no -, 300. Obidos, 325, 326, 328, 332, 334. OCRE, (almagre, ocre vermelho), 316, 320. Ollela, 313. OPHITE, 324, 327, 329, 333 e Tabella. Outeiro do Cabeço, 323, 334. Pedra Furada, 312, 313. Pero Negro, 315. PLIOCENICO, 302, 322, 326, 327, 330, 332, 335 e Tabella. Porcalhota, 308. Porto de Moz, massiço de – 330, 331, 333. PREGA, Vid. dobra. PREHISTORICO, galerias para a lavra do silex, 298. Instrumentos neolithicos 312, 322. Quartzites terciarias talhadas pelo homem, 307. QUARTZITES tercearias, 305. QUATERNARIO, 294, 299, 322. Queluz-Bellas, 309, 333. Ramalhal, 320. RECIFES calcareos no meio do basalto, 307; recifes infraliasicos, 317, 324, 325, 327, 328. RHETICO, Tabella. Rocio, 296, 327; tunnel do -, 295, 296. Runa, 317, 318, 334. Sabugo, 312.
Rua da Academia das Ciências, 19 2º Apartado 2109 – 1103-301 Lisboa Tel.21 347 76 95 – Fax 21 342 46 09 apgeologos@mail.telepac.pt COMISSÃO DIRECTIVA António Gomes Coelho (Presidente) Luísa Borges (Vice-Presidente) José Romão (Secretário) Victor Manuel Ramos Correia (Tesoureiro) Maria Filomena Amador (Vogal) Suplentes. Jorge Neves e Pedro Proença Cunha COMISSÃO EDITORIAL Paulo Castro (INETI) Zélia Pereira (INETI) Carlos Meireles (INETI) José Feliciano Rodrigues (INETI)
SAIBRO, 293, 305, 320, 331, 332 e Tabella. Sta Apolonia, 295, 302. S. Domingos, 306, 333. S. Mamede, 324. S. Martinho, 328, 334. SECUNDARIOS, terrenos, - 294, 307. Serra da Neve, Vid. Montejunto. SERRA ou serrania raza (Fr. chaîne rasée), 331, 335. Sizandro, 317, 333. Suimo, 311. TERCIARIO, 294 e tabella. Suas prais, 304, 313. Formação d’estuario, 313. Estratos superiores do – Vid. Pliocenico. Terciario marino, 296. Lacustre inferior 302, 305, 307, 308, 317. TERRA VEGETAL, 293, 305, 315, 322, 323; produzida pela destruição do basalto, 298, 309, 313; produzida sobre o granito e sobre a trachyte, 308. TERRENOS ERUPTIVOS, 294; sua decomposição em grandes blocos ou penedos, 300, 307, 308, 313. TIPHONICOS, areas ou valles. Termo da mythologia empregado por antigos geologos francezes. – Tiphon, filho de Saturno e da Terra, rompeu violentamente do seio materno para vir à luz. Tem servido o termo, tanto para designar rochas eruptivas, (tiphões d’ophite), como para designar rochas sedimentares levantadas atravez dos sedimentos que as cobriam, 317, 325, 327, 328, 335. Torre Vedras, 318, 319, 334. TRACHYTE, 307, 308, e Tabella. TREMORES de terra, 298. TUFO basaltico; tufo zeolithico, Vid. Basalto. TUNNEL do Rocio, Vid. Rocio. VEGETAES fosseis, 304, 316. Vallado, 330, 335. ZEOLITHES, Vid. Basalto.
FOTO DA CAPA Cabo Mondego
IMPRESSÃO Tecniforma Print
COMISSÃO CIENTÍFICA A Comissão Editorial agradece a colaboração dos seguintes avaliadores externos Ana Paula Pereira (INETI) Carlos Leal Gomes (UMinho) José Hermenegildo Carvalho (GGConsultores) José Manuel Castro (IPBragança) Maria Clara Vasconcelos (UPorto) Narciso Ferreira (INETI) P.Proença e Cunha (UCoimbra) Renata Santos (INETI) Ruben Dias (INETI).
DEPÓSITO LEGAL 183140/02 ISSN 0870-7375
FCT Apoio da FCT ao abrigo do Regulamento do Programa Fundo de Apoio à Comunidade Científica - FACC
TIRAGEM 1000 exemplares PERIODICIDADE Anual
Nº 21 · 2008 · ISSN 0870-7375 · ANUAL
ÍNDICE
Cabo Mondego
Pag. 11 Sismotectónica e Segurança Nuclear: O caso do Douro Internacional A. Ribeiro, F. Barriga, J Cabral
Monumento Natural
Pag. 17 A alteração hidrotermal como factor de diversificação de litótipos graníticos róseos com interesse ornamental - estudo de casos J. M. Fernandes, C. L. Gomes
Pag. 31 Colecções e exposições de geociências: velhas ferramentas para novos olhares J. Brandão
Pag. 41 Modelação conceptual em Hidrogeologia: um caso de estudo na região da Serra da Estrela J. Espinha Marques; J. M. Marques; J. M. Carvalho; J. Samper; P. M. Carreira; P. E. Fonseca, F. M. Santos, H. Chaminé; P. G. Almeida; R. M. Moura1; F. Sodré Borges1; A. Pinto de Jesus
Pag. 53 Os sedimentos da albufeira da Venda Nova (rio Rabagão) e a “erosão” das praias A. L. Costa, H. P. Granja
Pag. 67 Evolução recente do Ensino Secundário em Portugal e suas implicações nos currículos de Geologia: a perspectiva da Associação Portuguesa de Geólogos E. Bolacha, A. Mateus
Pag. 75 Novos currículos de Geologia no Ensino Secundário português: contributos da Associação Portuguesa de Geólogos E. Bolacha, A. Mateus
Sismotectónica e Segurança Nuclear Modelação conceptual em geologia Evolução recente do ensino secundário em Portugal
Pag. 87 Passeio Geologico de Lisboa a Leiria P. Choffat
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