Nº 31 • 2018 • ISSN 0870-7375 • ANUAL
Pág. 1 Editorial José Manuel Correia Romão Pág. 3 As implicações da geologia na vinha e no vinho da região do Douro Superior (Portugal) Noel Moreira, José Romão Pág. 21 Charnockitos: síntese petrológica e geoquímica de umas rochas enigmáticas Telmo M. Bento dos Santos
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
ÍNDICE
GE NOVAS REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
Pág. 33 Caraterização petrográfica, magnética e físico-mecânica do Granito de Guimarães V. Laranjeira, J. Ribeiro, H. Sant’Ovaia Pág. 43 Caracterização sedimentológica e microfaciológica da transição Pliensbaquiano – Toarciano da região de Sagres (Bacia do Algarve, Portugal); interpretação paleoambiental e evolução sequencial David Vaz, Luís V. Duarte, Paulo Fernandes Pág. 55 Interpretação paleoambiental de sequências híbridas do Kimmeridgiano da Bacia Lusitânica – o corte da Consolação e o poço Lourinhã-1 Cláudia Escada, Mariana Martinho, Bruno Nunes, Diogo Borges, Nuno Pimentel Pág. 67 Âmbar português: o caso de estudo do Apciano da Praia da Bafureira (Cascais, Portugal) Gonçalo Silvério, José Madeira GE NOVAS
Pág. 73 Caracterização geoquímica de sedimentos de fundo de barragens Dominicanas J. F. Araújo, P. M. Nogueira, R. M. Fonseca, C. G. Pinto, A. A. Araújo Pág. 85 Prospeção geofísica por resistividade elétrica 3D, Polo-Polo, Par-Ímpar: o caso de estudo de moradia unifamiliar em Porto de Mós Diogo Rodrigues, Nuno Ricardo Barraca, Sara Oliveira, Fernando Almeida Pág. 95 Incorporação de escórias resultantes da incineração de resíduos sólidos urbanos em materiais cerâmicos J. Elias, C. Galhano, J. Simão Pág. 103 Miranda Júnior e o desenvolvimento da Arte de Minas e Metalurgia no Ensino Industrial: a “coleção de Freiberg” no Museu do ISEP Patrícia Costa, Pedro M. Callapez, Helder I. Chaminé
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GEOLOGIA APLICADA ESTRATIGRAFIA PETROLOGIA
Nº 29 • 2016 • ISSN 0870-7375 • ANUAL
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Editorial A nova etapa da Geonovas A revista Geonovas foi publicada pela primeira vez em 30 de junho de 1981. Criada como publicação com periodicidade semestral, tinha como propósito a abordagem de temas de carácter socioprofissional, de divulgação da profissão de geólogos e de publicação de artigos técnicos e científicos que se propusessem evidenciar as intervenções dos geólogos e a relevância da geologia na sociedade. Nos primeiros anos da sua existência conseguiu manter-se a periocidade semestral, porém, após este período de enorme entusiasmo, a sua publicação passou a ser anual, com algumas interrupções ocasionais. No entanto, numa destas interrupções foram impressos três números especiais com os seguintes conteúdos temáticos: “A Geologia e o Ambiente”, “Recursos Minerais Não-Metálicos em Portugal” e “A informática na Geologia”. Nos últimos 8 anos a Geonovas tem vindo assim a ser publicada com regularidade anual. Contudo, tem sido patente um interesse cada vez maior na revista, quer no que respeita ao aumento no número de artigos submetidos quer na sua procura, visível pelo número de leituras, impressões e partilhas contabilizadas on line; acresce ainda o significativo número de acessos fora do espaço do território português, destacando-se, em particular, os países lusófonos. Por outro lado, o nosso planeta e a sociedade atual enfrentam inúmeros desafios, cuja resolução ou minimização requerem, cada vez mais, o saber e a competência dos geólogos, em particular nos domínios da energia, das matérias-primas, da adaptação às alterações climáticas, do abastecimento de água, da prevenção de riscos naturais e da gestão do território. A visão holística dos geólogos, consequência da sua faceta naturalista, é um contributo indispensável para se viver de forma ambientalmente mais sustentável e equitativa. Atendendo ao cenário apresentado nos parágrafos antecedentes, é relevante para a comunidade das geociências e para a sociedade em geral que a Geonovas se fortaleça e revitalize; que seja um veículo marcante de disseminação da informação de cariz geológico para toda a sociedade e, essencialmente, onde os profissionais das ciências geológicas possam ampliar o seu saber e os educadores possam adquirir conhecimentos e aprendizagens para melhor ensinar. Esta nova etapa da Geonovas irá iniciar-se com a publicação de dois números por ano, já em 2019, cumprindo o objetivo com que foi criada. Este processo de renovação obrigará à reformulação e reorganização dos procedimentos para a publicação dos artigos, à constituição de uma nova Comissão Editorial com carácter multidisciplinar e à criação de um sítio eletrónico na internet próprio e autónomo para a revista, porém, conectado digitalmente com o website da Associação Portuguesa de Geólogos. A renovação da Geonovas implica um esforço suplementar de todos os profissionais que se dedicam a domínios diversificados das Ciências da Terra, das empresas que a financiam, às quais agradeço desde já, e da atual Comissão Editorial, bem como da própria Comissão Diretiva da Associação Portuguesa de Geólogos. Com estas inovações pretende-se que a Geonovas aumente o seu impacto nacional e internacional, indo ao encontro das condições que são impostas para indexação em novas bases de dados bibliográficos, nomeadamente nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Directory of Open Access Journals (DOAJ). A Geonovas conta convosco para o seu crescimento!
José Manuel Correia Romão Presidente da Associação Portuguesa de Geólogos
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GEONOvAS N.º
ASSOCIAçãO PORTUGUESA DE GEóLOGOS
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As implicações da geologia na vinha e no vinho da região do Douro Superior (Portugal) Noel Moreira1, José Romão2 1
Earth Sciences Institute (ICT), Pole of the University of Évora, Rua Romão Ramalho, nº 59, 7000-671 Évora, Portugal; LIRIO- ECTUE, Estremoz Pole of University of Évora, Convento das Maltezas, 7100-513, Estremoz, Portugal 2
LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P., Unidade de Geologia, Hidrogeologia e Geologia Costeira, UGCG, Estrada da Portela, Bairro do Zambujal, Apartado 7586, Alfragide, 2610-999 Amadora *autor correspondente: nmoreira@estremoz.cienciaviva.pt
Resumo As características geológicas da Região Demarcada do Douro, nos seus diversos aspetos (e.g. geomorfologia, litologia, solos, hidrogeologia), condiciona o desenvolvimento dos seus vinhedos e, consequentemente, a sua produção vitivinícola, em termos de quantidade e qualidade. De facto, a geologia, a geomorfologia e o clima, encontram-se intimamente associados com o complexo conceito de terroir, porém, no seu sentido mais restrito. Quando se integram plantas e ecossistemas, bem como os aspetos relacionados com a intervenção humana, o conceito de terroir tem um significado bastante mais amplo. Sempre que são representadas cartograficamente as características geológicas e climáticas de uma região, domínio ou local, através da delimitação de zonas homogéneas, uniformes e singulares, poder-se-ão elaborar Cartas de terroir a diversas escalas. Atendendo à escala e às singularidades dos espaços territoriais podem definir-se macroterroir, mesoterroirs e microterroirs consoante as dimensões, especificidades e áreas. Atendendo aos fatores de natureza geológica no seu todo e aos climáticos descriminados nos parágrafos antecedentes, tem sentido ponderar a ocorrência de um macroterroir para a região duriense, pelo facto de concederem uma identidade única e singular à região como um todo. Contudo, as diferentes tipologias de solos/subsolos, distintas unidades geomorfológicas e diferenças mesoclimáticas, permitem representar cartograficamente domínios específicos e homogéneos de elevada autenticidade, que podem ser considerados como mesoterroirs. Assim, é possível reconhecer três mesoterroirs distintos na Região Demarcada do Douro, todos claramente condicionados pelas questões geológicas e geomorfológicas. Esta hierarquização dos terroirs expressa através de cartografia é um instrumento eficaz para a reorganização territorial e ordenamento da Região Demarcada do Douro, sendo ainda essencial para melhorar o conhecimento sobre as conexões entre a geologia, a vinha e o vinho e, consequentemente, aumentar a qualidade da produção vitivinícola da região. Palavras-chave: Região Demarcada do Douro, geologia, terroir, vitivinicultura. Abstract The geology of the Douro Demarcated Region, in its several aspects (e.g. geomorphology, lithology, soils, hydrogeology), constrains the development of its vineyards and, consequently, the wine quality and yield. In fact, the geology, geomorphology and climatic conditions are closely associated with the complex concept of terroir, in its narrowest sense. When the plants, ecosystems and human intervention are integrated, the terroir concept has a much broader meaning. Whenever the geological and climatic features of a region, domain or place, the features could be mapped, delimiting homogeneous, uniform and singular zones and a terroir map can be elaborated at various scales. The scale and the territorial singularities, specific macroterroirs, mesoterroirs and microterroirs maps could be done, according to the specific areas with homogeneous features. Taking into account the geological features, it is possible to elaborate a macroterroir characterization of the Douro Demarcated Region, which presents a unique identity, being singular in the world. However, the
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soil, geomorphological and mesoclimatic features of Douro Demarcated Region allows the discrimination of three distinct mesoterroirs, clearly conditioned by its geological and geomorphological features. The terroir hierarchy expressed through thematic maps is an effective tool for the territorial reorganization and management of the Douro Demarcated Region and is also essential for improving knowledge about the connections between geology, vine and wine and, consequently, increasing the quality of wine production in the region.
Keywords: Douro Demarcated Region, terroir, geology, viticulture.
1. Introdução O conceito de Região Demarcada deve-se a Marquês de Pombal, que no século XvIII foi responsável pela delimitação da Região Demarcada do Douro (RDD; e.g. Sousa, 2003; Gonçalves, 2007). Em traços gerais, esta região encontra-se delimitada a Oeste pela Serra do Marão, estendendo-se para Este até à fronteira com Espanha. O Douro vinhateiro engloba parte da bacia hidrográfica do Douro, que é composta por três sub-regiões: Baixo Corgo, Alto Corgo e Douro Superior (Fig. 1). A RDD é a principal produtora vitivinícola nacional, tendo representado cerca de 22% da produção total em 2016/17 e 39% da produção de vinhos com Denominação de Origem Protegida (Fonte: Instituto Português da vinha e do vinho). Com efeito, a otimização da gestão, o ordenamento eficaz e a inovação são deveras essenciais para a manutenção dos padrões de qualidade até agora existentes na região. Neste sentido, o conhecimento e a compreensão detalhada das suas características, bem como a interdisciplinaridade entre áreas científicas apresentam um carácter fulcral para a continuidade do sucesso da RDD. A geologia da RDD condiciona em muito a produção vitivinícola e esta ciência encontra-se intimamente relacionada com o conceito de terroir, no seu sentido mais restrito. No presente trabalho pretende-se abordar, de forma transversal, os fatores de natureza geológica da RDD, efetuando-se pontes para o conceito de terroir e as suas implicações na produção vitivinícola.
2. Conceito de terroir ; breve nota O conceito de terroir, com origem no século XIII em França (e.g. valduga, 2010; Marie-vivien, 2012), é o resultado de uma modificação linguística de formas de escrita primordiais, a partir do latim popular “territorium”. Segundo Marie-vivien (2012), o conceito de terroir passou a ser definido, ainda no século XvIII, como “Terra considerada do ponto de
Figura 1 – A Região Demarcada do Douro no contexto das Regiões vitivinícolas Portuguesas (Fonte: viniportugal). Figure 1 – The Douro Demarcated Region in the context of Portuguese Wine Regions (Source: Viniportugal).
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vista das suas capacidades agrícolas, mais especificamente vitivinícolas”. Atualmente, a evolução deste conceito tornou-o bastante mais complexo e interdisciplinar, marcado por significativa abrangência. Uma tentativa de definição de terroir pode ser expressa como o conjunto de condições ambientais uniformes para uma determinada extensão de terreno com aptidões agrícolas (vitivinícolas), que justifiquem a sua diferenciação de um outro local vizinho, e que resultam num vinho com personalidade e roupagem própria. Alguns autores (Barhan, 2003; Leeuwen et al., 2004; Tonietto, 2007; Teles, 2008) referem que o terroir pode, também, materializar uma ligação
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entre as condições naturais previamente referidas e a intervenção do Homem, onde se incluiria, também, as condições socioeconómicas de uma certa região (Fig. 2). Neste sentido, o conceito de terroir englobaria a influência humana na produção vitivinícola, nomeadamente o conhecimento histórico, cultural e científico, incluindo por exemplo, as práticas ancestrais utilizadas e a seleção das próprias castas. Contudo, mesmo que a identidade e singularidade do vinho resultem, em parte, da interação de todos os aspetos relacionados com as atividades humanas, as mesmas vão muito para além do conceito inicial de terroir.
Figura 2 – Esquema geral simplificado do conceito de terroir e a sua ligação com a intervenção humana e a planta. Figure 2 – Simplified general scheme of terroir concept and its connection with human intervention and plant.
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A associação do conceito de terroir com aspetos culturais ancestrais não é de facto despropositada, pois a cultura e a identidade inerente à produção vitivinícola relaciona-se com este conceito e, como tal, a influência da componente humana no conceito de terroir não deve ser menosprezada. O vinho considerado com terroir incorpora a interação entre as condições naturais (geologia, geomorfologia e clima) abarcadas no conceito primordial de terroir, ao qual se acrescentam a qualidade das plantas, fruto e ecossistemas, bem como de todo o processo de transformação do fruto, da cultura, do conhecimento e do trabalho elaborado pelo Homem (Teles, 2008). Em síntese, a conjugação do terroir natural, conceito que engloba a composição litológica do substrato rochoso e dos solos, as condições climáticas e o relevo no seu sentido restrito, com as castas é o fator essencial para a definição da qualidade e das especificidades do vinho. Corrobora a ideia expressa, o enólogo António ventura quando afirma que as castas e o terroir representam 75% de um bom vinho, sendo os restantes 25% dependentes da competência e habilidade dos indivíduos que elaboram o vinho, incluindo os aspetos humanos como a tradição, a cultura, as técnicas, etc. (in Correio da Manhã, 4-01-2004). Devido à complexidade e abrangência do conceito de terroir, a sua tradução direta do francês para outras línguas não tem sido exequível, pois a sua tradução não exprime o conceito no seu todo, pelo facto de não haver vocábulos em outros idiomas que reflitam todos os elementos incluídos neste conceito (Barhan, 2003; Sousa, 2004; Hughes, 2006). Apesar de Portugal ser um país de acentuada tradição vinícola, desde os tempos romanos, o conceito de terroir nunca foi bem apreendido e traduzido. De facto, o termo terroir é utilizado em múltiplas situações, porém de forma imprecisa e imprópria; por vezes, é considerado como sinónimo do tipo solo, outras vezes é apenas uma questão comercial ou confundido com vinhos de assinatura. O conceito de terroir, no sentido mais restrito, engloba assim três vertentes essenciais (Fig. 2; e.g. Barhan, 2003; Sousa, 2004; Leeuwen & Seguin, 2006; Amarante, 2010): solo e subsolo, geomorfologia e clima (meso- e microclima). Cada um destes parâmetros será sumariamente exposto de seguida.
2.1. Solo e subsolo As características físicas e químicas do solo e subsolo (substrato rochoso) encontram-se intima-
mente relacionadas, dado que o solo resulta da alteração do substrato rochoso, sendo decisivos para a produção de um vinho (Romão, 2016). Este fator contribui significativamente para o conceito de terroir, no seu sentido mais restrito; influencia fortemente as especificidades individuais de determinado vinho, para além das quantidades produzidas, uma vez que o solo e subsolo são o suporte físico, mas também químico, da videira. Diferentes tipologias de solo ou subsolo geram necessariamente vinhos diversificados, com atributos distintos. As características do solo, como sejam tipo, textura, cor, profundidade, constituição, acidez/alcalinidade, porosidade, permeabilidade e capacidade de retenção de água utilizável contribuem de forma crucial para as particularidades de qualquer vinho produzido. Como tal, o profundo conhecimento das características do solo e subsolo torna-se fulcral para potenciar a produção de um vinho de qualidade superior. A maioria dos solos, no território português, são esqueléticos, sendo caracterizados, no geral, por espessuras inferiores a 30 cm. Contudo, as raízes das videiras podem atingir profundidades de cerca de 5 m, sendo de esperar uma forte relação de dependência com os litótipos rochosos, pois é aí que vão buscar alguns dos nutrientes necessários à sua sobrevivência (Romão et al., 2017). O solo é constituído por três frações (sólida, líquida e gasosa), todas elas essenciais para o crescimento das videiras e produção vitivinícola. A fração sólida é constituída por fragmentos resultantes da meteorização física, química e biológica das rochas ao longo do tempo, bem como por matéria orgânica resultante da decomposição de seres vivos. Este facto leva a que um solo não seja uma entidade estática, mas sim dinâmica, estando permanentemente em desenvolvimento e evolução. Os fragmentos líticos do solo apresentam diferentes granularidades e a sua predominância relativa no solo condiciona a maior ou menor permeabilidade (capacidade de um material para transmitir fluidos) e, consequentemente, a percolação das outras duas frações do solo (líquida e gasosa). Com efeito, diferentes tipos de solos e subsolos irão proporcionar maior ou menor retenção de água e de nutrientes (e.g. cálcio, potássio, fósforo, enxofre, ferro, etc.), o que terá influência no crescimento e desenvolvimento da videira e, consequentemente, do próprio fruto (Luciano et al., 2013). Não se pode concluir, contudo, que solos ou subsolos com maior capacidade de retenção de água produzem vinhos de melhor
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qualidade; o excesso de água no solo ou subsolo, devido à baixa drenagem, prejudica acentuadamente a qualidade da uva (Luciano et al., 2013 e referências inclusas). Solos ou subsolos com alta permeabilidade permitem a circulação de fluidos, mas não a acumulação abundante de água no solo, o que beneficia a videira. Consequentemente, solos com textura franca (equilibrados, no que respeita às componentes granulométricas) são mais vantajosos à videira, permitindo o desenvolvimento e arejamento da raiz, bem como a percolação e retenção da quantidade ideal de água (Luciano et al., 2013). Quando o solo é pelicular ou está ausente, a fragmentação e fissuração do subsolo são fatores essenciais para que a videira se possa desenvolver, já que permite acesso das suas raízes ao ar e à água. Importa ainda referir a forte conexão que existe entre as diversas tipologias de rochas aflorantes e os tipos de solo que ocorrem numa determinada região. De facto, diferentes tipos de rochas apresentam perfis de alteração distintos e, como tal, os solos gerados são também eles diferentes, não só na sua constituição química e mineralógica, mas também nas suas características físicas (e.g. Leeuwen & Seguin, 2006). 2.2. Geomorfologia O relevo resulta, essencialmente, da interação entre os agentes da geodinâmica externa (e.g. água, vento e seres vivos) e interna (vulcanismo e tectonismo) sobre a superfície do planeta Terra. De facto, é inegável que o relevo, à macro- e meso-escala, é um fator decisivo para a determinação da quantidade e qualidade da produção vitivinícola de uma região. A altitude, a orientação e variação de declive, a drenagem superficial, a exposição solar, o vento, as chuvas e as geadas controlam o desenvolvimento das videiras e, consequentemente, a qualidade das uvas que, entretanto, irão originar o vinho. Normalmente, as videiras apresentam maior aptidão vitivinícola em áreas compostas por terrenos posicionados em vertentes com bons índices de exposição solar e de proteção aos agentes externos (Amarante, 2010). Na verdade, as parcelas vitícolas localizadas entre a meia encosta e o sopé apresentam maior disponibilidade de água, quando comparadas com as posicionadas em áreas mais próximas do cume de uma elevação. Contudo, e como referido, a quantidade de água não deve ser excessiva, daí a posição a meia encosta ser geralmente a mais produtiva. Ocorrem, contudo, exemplos de vinhas desenvol-
vidas em regiões aplanadas, desde que protegidas dos agentes climatéricos mais extremos, onde predominam condições de humidade, insolação e temperatura adequadas. A posição da vinha na encosta, bem como a sua orientação geral, irá influenciar o tempo de exposição da superfície foliar à luz solar, bem como a produção de fotoassimilados e a qualidade das uvas em termos de equilíbrio de açúcar e acidez. A presença ou ausência de barreiras naturais ao regime local de ventos tem, também, influência no desenvolvimento do fruto e, por isso, todas as características expressas irão definir a tipicidade de vinho produzido. Como tal, uma mesma uva com características uniformes, no que respeita ao solo, poderá apresentar diferentes graus de maturação, consoante a interligação geomorfologia-clima. 2.3. Clima As zonas vitivinícolas com maior expressão geográfica encontram-se em regiões de clima temperado, entre as latitudes de 30º e 50º, em ambos os hemisférios (Leeuwen & Seguin, 2006; Amarante, 2010). Na realidade, condições climatéricas extremas não são adequadas a esta prática agrícola, muito embora existam exceções (Leeuwen & Seguin, 2006). Contudo, as condições supramencionadas são dependentes do macroclima, que não se encontra incluído na definição geral de terroir, que inclui apenas as condicionantes climatéricas de carácter local (meso- e microclima). Estas condicionantes são essenciais ao desenvolvimento dos vinhedos e importantes na determinação da qualidade do vinho (Leeuwen & Seguin, 2006); a presença de maior ou menor pluviosidade, a nebulosidade, a amplitude térmica, a insolação e a ocorrência de eventos extremos pontuais à escala local podem comprometer a qualidade do produto ou, em casos extremos, de toda uma colheita ou da própria planta. A diferenciação entre mesoclima e microclima está ao nível da escala dos processos e na extensão da área em que eles ocorrem (Oliver & Fairbridge, 1987; Leeuwen & Seguin, 2006): o microclima está associado às condições climáticas a pequena escala junto à superfície/planta, sendo caracterizado por parâmetros como sejam a micro-rugosidade, a cor e a textura das superfícies, para além da humidade e temperatura junto ao solo; o mesoclima está diretamente relacionado com questões morfológicas do terreno em áreas até 100 km, como sejam a confi-
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guração morfológica do terreno, a taxa de insolação, a exposição ou o declive de uma vertente (Oliver & Fairbridge, 1987; Leeuwen & Seguin, 2006). A acidez e o teor de açúcar, e consequente teor alcoólico, são duas das características que se encontram intimamente ligadas com o clima à escala local; geralmente em anos mais chuvosos e frios, os vinhos apresentam menor teor alcoólico e uma maior acidez. Os solos escuros potenciam a acumulação de calor, junto ao fruto (microclima) e a consequente produção de açúcares durante o processo de fermentação e a menor disponibilidade de água no solo leva a que o consumo de hidratos de carbono (entre os quais açucares) pela parte aérea da planta seja menor, ficando os açúcares concentrados nos bagos (Luciano et al., 2013 e referências inclusas). As características supramencionadas revelam a importância do conhecimento sobre a variabilidade dos parâmetros climáticos locais, ao qual se juntam, os restantes fatores, como sejam os de natureza geológica (litologia e estrutura), permitindo assim determinar diferentes tipos de terroir numa dada área, no sentido restrito do termo. De facto, a representação cartográfica bidimensional de diversos terroirs com base nos parâmetros geológicos, geomorfológicos e climáticos para uma dada região é fulcral para o ordenamento e planeamento da vinha, o que poderá trazer benefícios do ponto de vista da quantidade e qualidade da produção vitivinícola, bem como da tipicidade do vinho. 3. A geologia da Região Demarcada do Douro A geologia da RDD é bastante diversificada. As unidades geológicas aflorantes integram-se, maioritariamente, no autóctone da Zona Centro Ibérica (ZCI), e, em menor número, nos Complexos Alóctones da Zona Galiza-Trás-os-Montes, ambas pertencentes ao Maciço Ibérico. Seguidamente apresentar-se-á uma descrição sumária das principais características geológicas da referida região demarcada. 3.1. Caracterização litológica Na RDD ocorrem unidades geológicas que podem ser agrupadas em quatro diferentes conjuntos litológicos (Fig. 3A): • Uma sucessão de unidades tectono-metamórficas alóctones e parautóctones de idade paleozoica a neoproterozóica, que afloram a Norte da região de Murça-vila Flor (e.g. Rodrigues et al., 2013);
• Uma sucessão litoestratigáfica característica do autóctone da ZCI, de idade compreendida entre o Ediacariano e o Devónico, afetada por diversos eventos tectonometamórficos de idade varisca (e.g. Dias et al., 2013); • Um conjunto de intrusões graníticas e granodioríticas de idade carbonífera a pérmica (e.g. Dias et al., 2002, 2010; Teixeira et al., 2006; Sant’Ovaia et al., 2013); • Um conjunto de rochas sedimentares detríticas, de idade cenozóica, aflorantes nos vales da vilariça e Longroiva (Cabral, 1989; Cunha & Pereira, 2000). 3.1.1. Sucessão de unidades do Parautóctone e Alóctone A sucessão litológica aflorante no eixo Murça-vila Flor é caracterizada pela presença de rochas siliciclásticas afetadas por episódios tectono-metamórficos relacionados com a orogenia varisca, que integram os complexos Alóctone Inferior e Parautóctone, para além de depósitos siliciclásticos sin-tectónicos associados à instalação dos mantos de carreamento (e.g. Rodrigues et al., 2013; Ribeiro et al., 2013, 2016). Na RDD, da base para o topo, ocorre a seguinte sucessão (Rodrigues, 2008; Rodrigues et al., 2013; Ribeiro et al., 2013): • Depósitos sin-tectónicos, caracterizados por um conjunto siliciclástico basal, essencialmente de carácter flyschóide, formado, no geral, por filitos, metapsamitos e metagrauvaques; • Complexo Parautóctone, composto por unidades siliciclásticas, constituídas por filitos e metassiltitos abundantes, com metagrauvaques imaturos e quartzitos, muitas vezes, com uma componente argilosa significativa; • Complexo Alóctone Inferior, aflorante apenas a Norte da povoação de vila Flor (Fig. 1), engloba duas unidades siliciclásticas: a unidade basal (Complexo Filito-Quartzoso), constituída, essencialmente, por filitos sericíticos, quartzofilitos, metagrauvaques e quartzitos de granularidade fina a média, no qual se encontram intruidas raras rochas ácidas porfíricas e diabases; a unidade de topo (Complexo vulcano-Sedimentar), caracterizada por filitos finos a xistos quartzo-feldspáticos de grão mais grosseiro, intercalados com abundantes materiais vulcânicos de natureza variada (ácidos, intermédios e básicos).
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Figura 3 – Caracterização geológica da RDD. A) Carta geológica simplificada da RDD (adaptado de LNEG, 2010); B) Carta de solos de acordo com a nomenclatura FAO, 1991 (adaptada de Atlas do Ambiente Digital); C) Modelo Digital de Terreno enfatizando as características geomorfológicas da RDD. Figure 3 – DDR geological characterization. A) Simplified DDR geological map (adapted from LNEG, 2010); B) Soil map according to FAO nomenclature, 1991 (adapted from Atlas of the Digital Environment); C) Digital Terrain Model emphasizing the geomorphological characteristics of the DDR.
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3.1.2. Sucessão litoestratigráfica da Zona Centro-Ibérica Esta sucessão inicia-se com o Super Grupo Dúrico-Beirão, que ocupa uma vasta área da RDD (Fig. 3A). Este Super Grupo (vulgarmente conhecido por Complexo Xisto-Grauváquico) está subdividido em dois conjuntos: o Grupo do Douro, a norte, e o Grupo das Beiras, a sul, separados entre si por uma linha limítrofe que passa por S. João da Madeira, viseu e Serra da Malcata (Oliveira et al., 1992). A sucessão do Grupo do Douro, de idade ediacariana a câmbrica (Dias da Silva et al., 2014; Jensen & Palacios, 2016), foi estabelecida por Sousa (1982) que considerou a existência de seis formações: Bateiras, Ervedosa do Douro, Rio Pinhão, Pinhão, Desejosa e S. Domingos. Posteriormente, Silva & Ribeiro (1985) evidenciaram a presença do carreamento da Senhora do viso, que foi responsável pela duplicação de parte da sucessão (Fig. 3A). Da base para o topo (Sousa, 1982; Dias et al., 2013 e referências inclusas): • Formação de Bateiras – caracterizada por alternâncias de filitos (por vezes grafitosos) e metagrauvaques cinzentos (por vezes maciços na base da sequência) e níveis de calcários, calcoxistos cinzentos-escuros e metaconglomerados no topo da sequência; • Formação de Ervedosa do Douro – corresponde a uma unidade metapelítica finamente estratificada, constituída por níveis de filitos cloríticos, quartzofilitos e metagrauvaques, intercalada localmente com horizontes ricos em magnetite e pirite; • Formação de Rio Pinhão – com semelhanças ao topo da Formação de Bateiras (Sousa & Sequeira, 1989), composta por metagrauvaques, alternando com filitos escuros listrados e níveis de microconglomerados de matriz carbonatada a topo; • Formação de Pinhão – com similaridades à Formação de Ervedosa do Douro, é uma sequência rítmica finamente estratificada de cor esverdeada, com alternâncias de metapsamitos, metagrauvaques, metaquartzovaques e metapelitos. Na sua parte superior destaca-se a ocorrência de frequentes níveis de filitos e metapsamitos ricos em magnetite; • Formação de Desejosa – apresenta aspeto listrado típico, com alternâncias finas (milimétricas a centimétricas) de filitos cloríticos, de cor cinzenta escura, e metapsamitos, mais claros. Ocasionalmente intercalam-se bancadas de metagrauvaques e metaconglomerados.
• Formação de S. Domingos – caracterizada pela presença de bancadas métricas de metaconglomerados e metarenitos e pela ausência de metapelitos. Os metaconglomerados contêm clastos, maioritariamente, de quartzo e, subordinadamente, de calcários, de filitos e de metagrauvaques. À sucessão metassedimentar prévia, sucede-se uma sequência de idade ordovícica, que assenta em desconformidade ou discordância angular sobre o Grupo do Douro (Coke, 2000; Romão et al., 2005; Amaral et al., 2014). Esta sequência inicia-se com um metaconglomerado basal, sobre a qual se sobrepõe uma unidade vulcano-sedimentar, de idade tremadociana superior a arenigiana inferior (Gomes et al., 2009), com abundantes conglomerados e tufitos, que diminuem de abundância para o topo (Coke, 2000; Sá et al., 2005). Sobre esta unidade assenta a Formação do Quartzito Armoricano, datada do Arenigiano médio (Coke & Gutierrez-Marco, 2001), constituída essencialmente por bancadas de quartzitos, finos a grosseiros, intercaladas, ocasionalmente e junto à base, por metaconglomerados quartzosos. Os metaconglomerados são polimíticos, contendo clastos de filitos, de quartzitos e de metagrauvaques. No topo desta formação ocorre uma diminuição nítida da granulometria dos estratos, predominando aqui materiais mais finos, nomeadamente metassiltitos e filitos, dispostos em leitos de espessura centimétrica a milimétrica. Sobre a Formação do Quartzito Armoricano ocorre uma sucessão de unidades, no geral, de carácter siliciclástico e granularidade fina, geralmente de tendência xistenta, composta por bancadas de xistos s.l. de cor escura, de quartzitos, de metarenitos e de metassiltitos, por vezes com níveis de ferro oolítico e carbonatos, do Ordovícico médio a superior (Sá et al., 2005; Dias et al., 2013). Os sedimentos do Silúrico são constituídos por uma sequência condensada de xistos negros carbonosos cinzentos, intercalados de liditos, filitos, quartzitos e ampelitos (Dias et al., 2013). 3.1.3. Magmatismo granítico No que se refere ao magmatismo, este é marcado por uma composição granítica, contudo, com diferenças significativas quanto às suas características composicionais. Duas tipologias de granitos são descritas na RDD (Fig. 3A): • Os granitos de duas micas (sin a tardi-D3; 320300 Ma) presentes no eixo Murça-Moncorvo, mas
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também nas regiões mais a Sul da RDD (Dias et al., 2002, 2010; Teixeira et al., 2006); • Os granitos biotíticos (post-D3; 300-290 Ma), do qual só existe um plutonito localizado a W de vila Nova de Foz Côa (Fig. 3A; Dias et al., 2002, 2010). Esta diferenciação é, também, enfatizada pelos dados de cariz petrofísico e isotópico (Dias et al., 2010; Sant’Ovaia et al., 2013), evidenciando áreas fonte distintas para os magmas que deram origem a estes corpos graníticos e consequentemente características geoquímicas díspares. 3.1.4. Vales da Vilariça e Longroiva Nos vales da vilariça e Longroiva afloram rochas sedimentares detríticas siliciclásticas, nomeadamente conglomerados, arenitos e argilitos (Cabral, 1989; Cunha & Pereira, 2000). Estes litótipos de idade cenozóica apresentam carácter continental e estão relacionados com a génese de bacias sin-tectónicas associadas à Falha da vilariça (Cabral, 1989), na qual se depositaram um conjunto de unidades sedimentares fluviais e aluviais resultantes do enchimento da bacia em causa (Cunha & Pereira, 2000). 3.2. Caracterização estrutural A estruturação da região resultou, essencialmente, de processos relacionados com os episódios de deformação varisca (Dias et al., 2013), embora algumas estruturas apresentem evidências de reativação cenozóica (Cunha & Pereira, 2000; Cabral, 2012). A RDD está dividida em dois sectores distintos do ponto de vista das suas características estruturais principais: o Eixo Marão-Régua-Foz Côa e os sectores a Norte do Eixo Murça-vila Flor.
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comprimento de onda das dobras que o compõem: geram-se dobras amplas associadas a uma clivagem de plano axial pouco penetrativa, alternando com outros sectores, onde as dobras são apertadas com uma clivagem penetrativa, também ela de plano axial. As dobras apertadas D1 são contemporâneas dos cisalhamentos esquerdos que se desenvolveram paralelamente aos planos axiais das dobras, mostrando uma componente de achatamento regional associado a uma componente não-coaxial esquerda (Búrcio, 2004; Moreira et al., 2010; Dias et al., 2013). Nos sectores mais a norte deste eixo, as dobras passam a apresentar planos axiais mergulhantes para sul, revelando ligeira vergência para NNE (Coke et al., 2003; Moreira et al., 2010; Dias et al., 2013). O padrão de deformação da D1 permite evidenciar a presença de uma megaestrutura, designada por Estrutura em Flor do Douro (Moreira et al., 2010; Dias et al., 2013): o predomínio de dobramentos amplos na zona axial com corredores de deformação pontuais, passa lateralmente às zonas externas, que se caracterizam por uma deformação mais intensa e vergências pronunciadas para SW no flanco SW e para NE no flanco NE. É na zona axial desta megaestrutura que se localizam as pedreiras do Poio em vila Nova de Foz Côa. Aqui, as duas anisotropias estruturais principais, leia-se estratificação e clivagem, apresentam-se (sub)perpendiculares, originando uma segmentação particular responsável pela forma prismática dos esteios característicos da RDD. De referir ainda que, pontualmente, se desenvolveu uma fase de deformação com geometria em tudo similar à D1, que é interpretada como resultante da terceira fase de deformação regional (Coke, 2000; Dias et al., 2013) e que alguns autores consideraram ser a fase mais importante à escala regional (e.g. Dias da Silva, 2014). 3.2.2. Sectores a norte do eixo Murça-Vila Flor
3.2.1. Eixo Marão-Régua-Foz Côa Integrado no Autóctone da ZCI, este eixo apresenta uma fase de deformação pervasiva, resultante da atuação da primeira fase de deformação varisca (D1; Moreira et al., 2010; Dias et al., 2013). Este eixo caracteriza-se por dobramentos de direção WNW-ESE com planos axiais verticais, a muito inclinados, e eixos sub-horizontais, a ligeiramente inclinados (Coke, 2000; Búrcio, 2004; Moreira et al., 2010). Este dobramento apresenta heterogeneidade, no que respeita à sua distribuição e ao
Este sector representa os domínios meridionais da Zona Galiza-Trás-os-Montes. A estrutura deste eixo apresenta maior complexidade, com a presença de três fases de deformação que são responsáveis pela sua estruturação, embora geralmente no domínio contido na RDD, a primeira e segunda fases de deformação apresentem geometria e cinemática que mostram uma deformação prógrada (D1+2; Rodrigues et al., 2013). Com efeito, a fase D1+2 é caracterizada pela presença de uma deformação intensa, associada a acidentes tangenciais que seguem a orientação
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geral do autóctone da ZCI (NW-SE a WNW-ESE), com transporte para SE, articulado com uma componente transcorrente, gerando uma clivagem S1+2 que resulta da instalação dos complexos alóctones sobre o autóctone da ZCI (Rodrigues et al., 2013; Ribeiro et al., 2016). Nas regiões proximais ao autóctone da ZCI, esta deformação tangencial afeta também as unidades do autóctone, cortando as estruturas D1, mostrando que a instalação dos mantos alóctones é posterior às etapas precoces da deformação do autóctone da ZCI e que a D1 nesta unidade estrutural não é síncrona com a D1 no eixo Marão-Régua-Foz Côa (Dias et al., 2013). A terceira fase de deformação é caracterizada por dobramentos NW-SE, a diversas escalas, que se associam a uma componente de cisalhamento transcorrente, paralela aos planos axiais das dobras, que reativaram as estruturas prévias. A continuidade lateral de toda a estrutura nos dois eixos estruturais descritos é afetada por uma intensa fracturação de direção NNE-SSW, interpretada como resultante dos episódios tardios da orogenia varisca (e.g. falhas de Manteigas-vilariça-Bragança e de Penacova-Régua-verin; Fig. 3A), algumas delas reativadas durante o ciclo Alpino (Moreira et al., 2010; Cabral, 2012; Dias et al., 2013, 2017). Embora não seja totalmente consensual (ver Dias et al., 2013, 2017 para discussão), estas estruturas são consideradas como cisalhamentos esquerdos durante as fases tardias da orogenia varisca, usualmente designadas como Tardi-variscas.
4. Condicionalismos da geologia para o terroir da Região Demarcada do Douro Como já foi referido anteriormente, contribuem para o conceito de terroir na vitivinicultura, no seu sentido mais restrito, os fatores geologia (solo e subsolo), a geomorfologia e as condições climáticas locais. A sua expressão cartográfica tem importância significativa, pois permite a sua diferenciação em macroterroir, mesoterroir e microterroir em função da superfície do território ocupado e das suas características naturais e climáticas, que devem ser uniformes e singulares à escala regional e local (Marre et al., 2012). A análise, ainda que não exaustiva, das características geológicas da RDD permite, desde logo, considerar que a região configura um macroterroir duriense. De facto, a tipicidade e singularidade geológica dada pela natureza do solo e subsolo, bem
como pela geomorfologia de características acidentadas, em grande parte condicionada pela incisão do rio Douro, favorecem a existência de um macroterroir específico. Por outro lado, as tipologias litológicas da região (maioritariamente terrenos “xistentos” de idade paleozóica) confere uma identidade particular e original. Associam-se ainda os atributos climáticos: um clima continental marcado, no geral, por verões quentes e secos e invernos frios e chuvosos, sem influência oceânica significativa. Do somatório de todos estes fatores resulta um macroterroir típico que é caracterizador e, no geral, representativo da RDD. Contudo, a observação detalhada dos parâmetros geológicos, nomeadamente a tipologia dos solos, as unidades geológicas e a geomorfologia, revelam que é possível diferenciar distintas áreas na RDD, com características próprias que podem definir mesoterroirs para a região duriense. 4.1. Solos e a relação com o substrato geológico A relação de dependência genética entre os diversos tipos de solos e as unidades geológicas que os originaram é marcante na RDD (Figs. 3A e 2B). Na Carta de Solos (Atlas Digital do Ambiente, 2017) estão representados quatro grupos de solos, onde a conexão entre eles e as unidades geológicas é evidente: 1. Os Cambissolos são solos jovens, moderadamente desenvolvidos e relativamente móveis, originados a partir de complexos litológicos antigos característicos das regiões onde ocorrem plutonitos graníticos; 2.Os Litossolos correspondem a solos pedregosos muito pouco espessos (inferiores a 30 cm) e pouco evoluídos, que ocorrem sobre a rocha-mãe e dependem geneticamente da sua alteração. São constituídos por materiais rochosos de origem siliciclástica e desenvolvem-se tipicamente sobre as formações metassedimentares do Grupo do Douro, mas também nas formações do Ordovícico Médio e nas formações do parautóctone e alóctone da Zona Galiza-Trás-os-Montes; 3.Os Luvissolos são solos argilosos com elevado grau de saturação em bases, que se encontram diretamente associados com os litótipos da Formação do Quartzito Armoricano, como os que ocorrem na estrutura em sinclinal de Moncorvo e Poiares; 4. Os Fluviossolos correspondem a solos formados sobre depósitos fluviais recentes e são relativamente espessos. São de ocorrência localizada e
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estão espacialmente associados com as unidades sedimentares que afloram nos vales da vilariça e Longroiva. Uma parte considerável das vinhas da RDD encontra-se espacialmente associada aos Litossolos típicos que se desenvolveram sobre as unidades do Grupo do Douro, embora algumas vinhas, ainda que subordinadamente, se instalem em Cambissolos que caracterizam as regiões graníticas (por exemplo, planalto de Alijó) e nos Fluviossolos típicos das unidades sedimentares dos vales da vilariça e Longroiva. O reconhecimento de solos distintos, com características próprias, demarcam a presença de diferentes condições para o crescimento da vinha e, consequentemente, para a qualidade do fruto produzido. Também, a disponibilidade de nutrientes e água, a porosidade, a permeabilidade e a acidez do solo dependem em muito da natureza das características do solo. Apesar da maioria dos solos da RDD serem Litossolos de reduzida espessura, estes apresentam constituições distintas pelo facto de refletirem as composições das unidades geológicas marcadas por diversidade litológica considerável. Esta situação torna-se, ainda mais clara, quando se comparam as características geoquímicas dos litótipos que compõem as diferentes unidades do Grupo do Douro que, em alguns casos, apresentam diferenças significativas na abundância de determinados elementos químicos (e.g. Aires et al., 2011; Pinto, 2016), o que se vai repercutir na disponibilidade de nutrientes no solo que será gerado, em consequência da alteração destes litótipos. De facto, a maior ou menor abundância em carbonatos relativamente às rochas siliciclásticas, a presença de matéria orgânica presente nos xistos grafitosos ou a abundância relativa entre a componente fina e grosseira do solo irão oferecer condições distintas para o desenvolvimento das videiras e, consequentemente, nas características do próprio vinho. As regiões graníticas apresentam solos jovens, móveis e pouco maduros, que inevitavelmente terão características distintas dos Litossolos típicos das unidades do Grupo do Douro. O mesmo sucede com os Luvissolos desenvolvidos na região ocupada pelo sinclinal de Poiares e Moncorvo (Figs. 3A e 3B), que irão apresentar diferenças significativas no que respeita à abundância de nutrientes. Aqui, a sucessão metassedimentar ordovícica, rica em quartzitos, gera habitualmente importantes relevos de resistência, não permitindo a génese de solos aptos para a prática vitivinícola. Contudo, o topo da re-
ferida sequência, a componente siliciclástica fina torna-se mais abundante, o que permite a génese de solos xistentos; apesar de pobres em nutrientes, estes últimos permitem a cultura da vinha. Os solos que ocorrem no vale da vilariça apresentam características muito particulares no conjunto dos solos desta região. Contrariamente aos restantes solos, que resultam dos processos de meteorização de rochas magmáticas e metamórficas de idade ante-mesozóica, o vale da vilariça é caracterizado por solos resultantes da alteração depósitos sedimentares que se acumularam durante o Cenozóico. A origem desta bacia é controlada por um conjunto de falhas de orientação NNE-SSW, resultantes da reativação cenozoica de estruturas herdadas do ciclo varisco (Cunha & Pereira, 2000; Cabral, 2012). Estes solos apresentam um grande potencial agrícola (daí o local ser genericamente conhecido como “Horta da vilariça”), com elevada disponibilidade em nutrientes, contudo com elevada heterogeneidade interna, no que respeita à constituição granulométrica do solo (Leonardo, 2013 e referências inclusas), sendo que o seu estudo profundo poderia detalhar um conjunto de subcategorias dentro dos Fluviossolos desta região. 4.2. Geomorfologia Do ponto de vista geomorfológico destaca-se, desde logo, a presença de uma rede de drenagem dendrítica que se instalou durante o Cenozóico sobre uma superfície aplanada, posteriormente deformada (Meseta Ibérica, Fig. 3C). Esta rede de drenagem encontra-se relativamente encaixada, tendo como troço principal o rio Douro. A análise dos lineamentos geomorfológicos sobre o Modelo Digital de Terreno permite a individualização e o agrupamento de três famílias distintas (Fig. 4): 1. A família NNE-SSW a NE-SW, muito frequente, é condicionada pelas estruturas Tardi-variscas, posteriormente reativadas durante o ciclo Alpino (Moreira et al., 2010; Cabral, 2012). Entre as diversas estruturas com esta orientação, destacam-se, a título de exemplo, as falhas de Manteigas-vilariça-Bragança e de Penacova-Régua-verin (Figs. 3A e 3C); o primeiro grupo apresenta grande expressão cartográfica e geomorfológica, enfatizada, por exemplo, pelos vales da vilariça e Longroiva; 2. A família de orientação geral WNW-ESE, variável entre E-W na região de Freixo de Espada à Cinta
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a NW-SE na região de Murça, segue o traçado geral das estruturas que resultaram das fases precoces de deformação varisca, nomeadamente a orientação geral das dobras, cisalhamentos, cavalgamentos e clivagem (Moreira et al., 2010; Dias et al., 2013; Rodrigues et al., 2013); 3. A terceira família, de orientação N-S a NNW-SSE, menos frequente, mas relativamente importante nos sectores localizados nos domínios ocidentais da RDD. Estruturas com estas direções já tinham sido enfatizadas em trabalhos anteriores (Marques et al., 2001, 2002; Lourenço et al., 2002; Espinha Marques et al., 2003), tendo sido interpretadas como resultantes dos episódios variscos tardios, incluindo a deformação Tardi-varisca, com características frágeis (Mateus & Noronha, 2010). A instalação do rio Douro, com uma direção geral E-W, está condicionada pelas orientações estruturais previamente referidas, com troços de orientação NNE-SSW a NE-SW e WNW-ESE (Fig. 4). Estas estruturas controlam também as orientações dos tributários do Douro: na sua margem direita (rios Tua, Sabor e vilariça – que desagua no Sabor),
os afluentes apresentam orientações gerais compreendidas entre N-S e NE-SW e na sua margem esquerda (rios Côa e Águeda) entre N-S e NW-SE. Estes dados mostram um condicionamento da incisão fluvial da rede de drenagem do rio Douro pelas anisotropias estruturais reconhecidas na RDD, como sejam, por exemplo, falhas e fracturação, o que irá influenciar um conjunto de fatores que se encontram relacionados com a produção vitivinícola. A resistência dos litótipos que integram a RDD é, também, outro dos elementos que influencia a instalação da rede de drenagem. A análise dos declives (Fig. 5A) mostra também um condicionamento da incisão da rede fluvial relacionada com geologia da RDD. As áreas graníticas, mais aplanadas, apresentam geralmente menores declives quando comparadas com as regiões onde aflora as unidades metassedimentares do Grupo do Douro. Este facto deve-se, em muito, ao carácter mais isotrópico dos corpos graníticos quando comparado com os litótipos que fazem parte do Grupo do Douro, onde o número de anisotropias é maior, o que condiciona a instalação da atual rede de drenagem. A instalação da rede de drenagem criou um conjunto de escarpas ingremes, onde o declive
Figura 4 – Análise de lineamentos morfo-estruturais sobre o Modelo Digital de Terreno. Figure 4 – Analysis of morphostructural lineaments on the Digital Terrain Model.
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Figura 5 – Carta de declives (A) e de exposição (B) da RDD geradas a partir do Modelo Digital de Terreno. Figure 5 – Slopes (A) and exposure (B) map of the DDR generated from the Digital Terrain Model.
ultrapassa, por vezes 25º, como por exemplo, as escarpas do Tua e do Tanha, ou no Douro, junto a S. João da Pesqueira e a Moncorvo. Por outro lado, a intensa fracturação Tardi-varisca (com reativação cenozóica) na região do vale da vilariça, facilitou a incisão da rede fluvial, o que permitiu a génese de uma bacia sedimentar aplanada na sua base durante o Cenozóico, onde os declives são geralmente inferiores a 5º (Fig. 5A). No que respeita à exposição e orientação das encostas, estas podem organizar-se em quatro grupos distintos (Fig. 5B): junto ao Douro, na sua margem esquerda, predominam as vertentes viradas a Norte, enquanto na margem direita prevalecem as viradas a Sul. Nos afluentes do Douro, predominam as encostas com exposição a E-SE e a W-NW. Estas orientações de exposição resultaram dos condicionalismos estruturais previamente referidos para a incisão da rede de drenagem. No caso dos afluentes do Douro, a orientação das vertentes encontra-se, geralmente, condicionada pela fracturação Tardivarisca de direção geral NNE-SSW a NNW-SSE, sendo a exposição das vertentes ortogonal à orientação genérica dos vales. No caso do rio Douro, como
previamente referido, a sua instalação está claramente controlada não só pela fracturação tardia, mas também pela orientação geral da estrutura varisca precoce, conferindo-lhe uma direção genérica E-W. Atendendo à disposição das vertentes, as vinhas localizadas na margem esquerda do rio Douro apresentam, geralmente, menor taxa de insolação diária, quer na Primavera (março; quando ocorre o abrolhamento) quer no verão (julho e agosto), quando comparadas com a margem direita (Fig. 6). Da mesma forma, as vinhas desenvolvidas nos afluentes do Douro mostram, também, condições díspares; nas encostas com exposição a E e SE, haverá maior taxa de insolação matinal, até à hora em que o sol atinge a sua altura máxima (cerca 46º em março e 72º em julho; OAL, 2016), momento em que as vertentes com exposição a W e NW passaram a ter uma maior taxa de insolação (Fig. 6). De referir que mais uma vez, o vale da vilariça apresenta condições distintivas relativamente à restante região demarcada, uma vez que a sua taxa de insolação diária exibe características muito específicas, caracterizadas por elevadas taxas de insolação diárias, que resultam da sua morfologia particular.
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Figura 6 – Cartas de exposição solar, obtidas através do Modelo Digital de Terreno, para o mês de Março e Julho. As cartas foram obtidas usando o azimute do nascer e pôr-do-sol, bem como para a momento de maior altura (180º) para as respectivas alturas do ano, mantendo a altura máxima fixa. Figure 6 – Solar exposure maps, obtained through the Digital Terrain Model, for the month of march and july. The maps were obtained using the azimuth of the sunrise and sunset, as well as for the moment of greatest height (180º) for the respective heights of the year, maintaining the fixed maximum height.
Com efeito, esta acentuada variação da taxa de insolação e a sua relação com geomorfologia terá influência no processo de crescimento das videiras e na maturação das uvas, conferindo-lhe características próprias e, consequentemente, um mesoterroir único na RDD. Por fim, as características litológicas das formações geológicas, que afloram na RDD, determinaram a representação das diversas unidades geomorfológicas e condicionaram a incisão da rede de drenagem. Na região onde se expressam cartograficamente os sinclinais de Moncorvo e Poiares, bem como na Serra do Marão, a Formação do Quartzito Armori-
cano gerou unidades de relevo que se exprimem na paisagem como relevos morfotetónicos resultantes da sobreposição das ações da tectónica e da erosão diferencial entre os litótipos quartzíticos e as restantes unidades de natureza mais branda, na generalidade de cariz xistento (Coke, 2000). Processo similar é o responsável pela génese de áreas planálticas (Alijó, Sabrosa, Freixo de Numão, entre outras) mais elevadas de natureza granítica que ocorrem a sul e a norte do rio Douro, contrapondo-se aos litótipos de natureza xisto-grauváquica, constituintes do Grupo do Douro.
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5. Considerações finais A análise, embora preliminar, aqui apresentada mostra que as características geológicas (solo/subsolo e geomorfologia) que contribuem significativamente para o terroir Duriense no seu sentido mais restrito. Para além dos fatores de natureza geológica, incorpora, ainda, o referido terroir, o clima que é continental, marcado por verões quentes e secos e invernos frios, porém sem influência marítima significativa. Atendendo aos fatores discriminados, à escala de toda a RDD, tem todo o sentido ponderar a existência de um macroterroir para esta região. De facto, os fatores geológicos, incluindo a geomorfologia, e os climáticos concedem uma identidade única e singular à região que permite considerar a existência de um macroterroir Duriense. Ainda que numa abordagem simplista, foram reconhecidas evidências para a existência de três “mesoterroirs” distintos, tendo em conta apenas as características geológicas e geomorfológicas da RDD: 1. Caracterizado por solos jovens, móveis e pouco desenvolvidos (Cambissolos), resultantes da alteração de rochas graníticas. Estas características desenvolvem-se tipicamente em regiões planálticas, como por exemplo a região de Alijó-Sabrosa, pontualmente com ondulações resultantes da incisão fluvial; 2. Representado por solos pedregosos muito pouco espessos (Litossolos), resultantes da alteração de unidades metassedimentares de origem siliciclástica do Grupo do Douro, mas também nas unidades de idade ordovícica média a devónica inferior e nas unidades do parautóctone e alóctone da Zona Galiza-Trás-os-Montes. As áreas ocupadas pelo Grupo do Douro caracterizam-se pelo entalhe da rede hidrográfica do Douro, com vertentes escarpadas, em particular no Douro Superior, sendo mais regularizadas, a jusante deste setor; 3. Os solos espessos resultantes de depósitos sedimentares fluviais e coluviais recentes (Fluviossolos) que afloram nos vales da vilariça e Longroiva representam a terceira tipologia de mesoterroir. Esta tipologia encontra-se restrita às depressões fechadas de natureza tectónica, com unidades de relevo marcadas por zonas aplanadas circunscritas, onde a taxa de insolação diária é superior aos restantes domínios.
Aos fatores geológicos mencionados, deve juntar-se as características mesoclimáticas típicas de cada uma das diferentes regiões. Considerando o conjunto de todos os fatores apresentados é de esperar que para cada domínio específico e homogéneo, ocorram distintos mesoterroirs. Quando se sobrepõem os fatores geologia, geomorfologia e microclima, estamos em condições de definir zonamentos territoriais numa certa área e podemos representar cartograficamente microterroirs em sentido restrito. Assim, numa propriedade poderemos ter representados diversos microterroirs que podem resultar da combinação única dos fatores já referenciados. Sugere-se assim a implementação de estudos de pormenor para uma análise exaustiva e sistemática das tipologias de solo, da geomorfologia e da geologia da RDD e, se possível, das suas relações com o micro- e meso-clima, com o objetivo de delimitar zonas uniformes, desde a escala regional à local, que apresentem características singulares do ponto de vista vitivinícola, que permitam um ordenamento sistemático da região duriense e dos seus vinhedos. Esta proposta de organização territorial é essencial para o controlo das características vitivinícolas e da produção de vinhos, sendo relevante para a hierarquização do terroir e delimitação de meso- e microterroirs na RDD. De facto, as propostas para a existência de uma hierarquização do terroir duriense levam à definição de um macroterroir com identidade única e singular à escala regional e de meso- e microterroirs, cada um deles marcado por características únicas de elevada autenticidade e harmonia absoluta entre o solo, subsolo, geomorfologia, meso- e micro-clima, onde as plantas e os ecossistemas possam exprimir e desenvolver todas as suas potencialidades. Agradecimentos Os autores agradecem à Associação Portuguesa de Geólogos o convite para a realização da palestra no âmbito do Seminário “A Geologia na Rota da vinha e do vinho na região do Douro Superior”, o que permitiu a elaboração de um trabalho, embora preliminar, que revela uma hierarquização para o terroir Duriense. Os autores agradecem ainda os comentários e sugestões dos revisores (Moutinho Pereira e Carlos Coke – UTAD). Noel Moreira agradece o financiamento do Instituto de Ciências da Terra (ICT), através do contrato com a FCT (Referência: UID/GEO/ /04683/2013) e ao COMPETE (POCI-01-0145FEDER-007690).
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GeONOvAS N.º
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Charnockitos: síntese petrológica e geoquímica de umas rochas enigmáticas Telmo M. Bento dos Santos1,2,* 1
IDL – Instituto Dom Luiz, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, 1749-016 Lisboa, Portugal
2
DG-FCUL – Departamento de Geologia, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, 1749-016 Lisboa, Portugal *Autor correspondente: tmsantos@fc.ul.pt
Resumo Os charnockitos são rochas crustais, típicas de ambientes orogénicos profundos, quentes e anidros que se distinguem das rochas granitoides pela presença de ortopiroxena. São comummente considerados como resultado de processos ígneos, quer por desidratação durante a fusão quer por fusão de rochas originalmente anidras, constituindo assim um subgrupo específico de rochas magmáticas plutónicas que se denomina de série charnockítica. No entanto, são muitas as evidências de processos mais complexos que levantam a hipótese de, pelo menos parte dos charnockitos, se terem formado através: a) de prolongados processos metamórficos de desidratação por fusão incongruente da paragénese hidratada; ou b) do influxo de fluidos ricos em CO2 ou hipersalinos que provocam a desidratação da rocha e consequente cristalização de uma paragénese anidra. A ocorrência de algum destes processos como estando na origem dos charnockitos faz com que estes sejam rochas metamórficas, mais concretamente, um tipo específico de granulitos, ou metassomáticas, respetivamente. A geoquímica dos charnockitos e dos processos orogénicos nos quais estão inseridos é crucial na compreensão dos mecanismos, de pequena e larga escala, que transformam rochas pré-existentes em charnockitos, revelando-se uma ferramenta fundamental através da qual se pode tentar compreender a formação e evolução destas rochas que ainda hoje, cerca de 120 anos após a sua descoberta, são tema de acérrimo debate. Palavras-chave: Crosta inferior, orogenia, granulito, fusão por desidratação, metassomatismo. Abstract Charnockites are crustal rocks, typical of deep, hot and dehydrated orogenic settings, distinguishable from granitoids by the presence of orthopyroxene. They are commonly considered as the result of anhydrous igneous processes, whether by dehydration during melting or by melting of previously dehydrated sources, thus constituting a sub-group of magmatic plutonic rocks that are collectively named as the charnockitic series. However, there are many evidence of far more complex processes that suggest that, at least part of the charnockites, may have been formed by: a) prolonged metamorphic processes of dehydration by incongruent melting of the H2O-bearing mineral paragenesis; or b) the influx of CO2 or hyper-saline fluids that caused the dehydration of the rock and consequently the crystallization of an anhydrous paragenesis. The presence of any of these processes as the cause for charnockite formation imply that they are metamorphic rocks, namely a specific type of granulites, or metasomatic rocks, respectively. The geochemistry of charnockites and of the associated orogenic processes is crucial in understanding the small- and large-scale mechanisms that transform pre-existing rocks into charnockites, revealing themselves as a fundamental tool to understand the formation and evolution of these rocks that even today, about 120 years after their discovery, still remain the subject of a heated debate.
Keywords: Lower crust, orogeny, granulite, dehydration-melting, metasomatism.
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1. Introdução Os charnockitos foram considerados como uma série de rochas ígneas que se “caracteriza pela presença de hiperstena (ou olivina + quartzo) e feldspato pertítico” (Streckeisen, 1974). Atualmente, são considerados como rochas granulares de composição essencialmente granitoide pertencentes a um subgrupo próprio das rochas ígneas plutónicas que apresentam ortopiroxena (Le Bas & Streckeisen, 1991; Frost & Frost, 2008). este subgrupo das rochas ígneas plutónicas (Fig. 1) inclui termos composicionalmente mais ácidos, equivalentes do ponto de vista geoquímico a um granito com ortopiroxena (charnockito s.s.), ou mais básicos como o tonalito ou o gabro com ortopiroxena (enderbito). Juntos, com um conjunto de termos que inclui ainda os relativamente exóticos, e em progressivo abandono em termos de nomenclatura, opdalito (granodiorito com ortopiroxena), mangerito (monzonito com ortopiroxena), jotunito (monzodiorito com ortopiroxena) (Streckeisen, 1974), constituem a série charnockítica. esta refere-se,
Figura 1 – Diagrama classificativo QAP (Quartzo – feldspato Alcalino – Plagioclase) dos charnockitos (s.l.) proposto pela International Union of Geological Sciences, atendendo aos tipos principais de rochas da série charnockítica e sua correspondência com as rochas ígneas plutónicas. Modificado a partir de Frost & Frost (2008). Figure 1 – QAP (Quartz – Alkali feldspar – Plagioclase) classification diagram for charnockites (s.l.) as proposed by the International Union of Geological Sciences, according to the most common rocks of the charnockite series and their correspondence to the plutonic igneous rocks. Modified from Frost & Frost (2008).
de uma forma simplificada, a qualquer rocha aparentemente ígnea granitoide, texturalmente fanerítica e granular, com ortopiroxena e restante mineralogia essencialmente anidra. Por uma questão de simplificação e porque as definições de cada um dos termos da série charnockítica não são lineares nem consensuais, mesmo após as determinações da International Union of Geological Sciences (IUGS) (Le Maitre, 2002), neste trabalho serão usados apenas os termos charnockito e enderbito como extremos ácido e básico, respetivamente, e o termo composicionalmente intermédio, charno-enderbito. A série charnockítica é, no entanto, foco de uma muito interessante controvérsia, pois a sua classificação como pertencente às rochas ígneas é profundamente disputada, não sendo, neste momento, óbvia ou consensual se a sua origem é, de facto, ígnea, metamórfica, metassomática ou, até mesmo, derivada do envolvimento de mais que um destes processos (Grantham et al., 2012). 2. Da descoberta à controvérsia As espetaculares ocorrências de charnockitos na Índia e Sri Lanka levam a que a maioria dos trabalhos realizados sobre estas rochas estejam centrados nas faixas orogénicas indianas, como por exemplo no eastern Ghats Belt e no terreno Granulítico do Sul da Índia e Sri Lanka. No entanto, existem ocorrências de charnockitos em várias faixas orogénicas distribuídas por todos os continentes como a Província da Mantiqueira (Brasil), enderby Land (Antártida), Sector Bamble (Noruega), Adirondacks (estados Unidos), Faixa Natal (África do Sul), Madagáscar, entre outras. Holland (1900) denominou os charnockitos em honra do fundador de Calcutá, Job Charnock, cuja pedra tumular é composta por estas rochas, tendo caracterizado os charnockitos como rochas ígneas plutónicas devido ao seu aspecto massivo, homogéneo e não deformado (Fig. 2a, b), sendo que, por vezes, apresentam contactos aparentemente intrusivos e até xenólitos. No entanto, Pichamuthu (1960) descreveu a transformação de gnaisses migmatíticos em charnockitos numa pedreira de Kabbaldurga (Sul da Índia), tendo observado que os veios e manchas difusas de charnockitos cristalinos e grosseiros eram de natureza metamórfica prógrada. este fenómeno metamórfico foi posteriormente suportado por vários autores (e.g.: Janardhan et al., 1979; Hansen et al., 1987). este tipo de charnockitos ficou conhecido como charnockito incipiente ou arrested (endo et al.,
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Figura 2 – Aspectos litológicos dos charnockitos. a) charnockitos massivos na Faixa ribeira, Província da Mantiqueira (pedreira de Itereré, perto de Campos, estado do rio de Janeiro, Se do Brasil); b) detalhe do aspecto de um charnockito maciço com a sua típica coloração esverdeada; c) relações de corte em campo (São Fidelis, estado do rio de Janeiro, Se do Brasil) de um charnockito e de um migmatito. Neste afloramento é possível observar a transformação localizada do migmatito em charnockito por sobreposição tectónica e libertação de fluidos carbónicos do charnockito para o migmatito. A coloração esverdeada típica dessa transformação encontra-se apenas até cerca de 2 m após a zona de contacto entre as duas rochas; d) detalhe de c) onde é possível observar a coloração típica da banda de reacção que dá origem a um charnockito incipiente (ou arrested). Fotos modificadas a partir de Bento dos Santos et al. (2011b,c). Figure 2 – Lithological features of charnockites. a) massive charnockites in the Ribeira Fold Belt, Mantiqueira Province (Itereré Quarry, near Campos, State of Rio de Janeiro, SE Brazil); b) detail of the aspect of a massive charnockite with its typical greenish colour; c) field relationships (São Fidelis, State of Rio de Janeiro, SE Brazil) of a charnockite and a migmatite. In this outcrop it is possible to observe the localized transformation of the migmatite into a charnockite by tectonic thrusting and release of the carbonic fluids from the charnockite to the migmatite. The typical greenish colour of this transformation can only be found up to 2 m from the contact zone between the 2 rocks; d) detail of c) where it is possible to observe the typical greenish colour of the reaction band associated to the formation of incipient or arrested charnockites. Photos modified from Bento dos Santos et al. (2011b,c).
2012; Newton & tsunogae, 2014) por ter ficado incompleta a sua transformação (Fig. 2d). Os charnockitos apresentam normalmente cor acinzentada ou esverdeada e a mineralogia é tipicamente granulítica: plagioclase + ortopiroxena + feldspato potássico (em pertites) + quartzo + biotite + ilmenite ± granada ± anfíbola ± clinopiroxena (Fig. 3a, b), apresentando equilíbrio plagioclase –
ortopiroxena – feldspato potássico e coroas ou simplectites de biotite e/ou anfíbola a substituir a piroxena (e.g.: ravindra Kumar, 2004; Bento dos Santos et al., 2011b) (Fig. 3c, d). Os estudos de geotermobarometria indicam temperaturas de formação entre os 700 – 1000º C e pressões entre 5 – 10 kbar (e.g.: Bento dos Santos et al., 2011b; endo et al., 2012). São normalmente empobrecidos
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Figura 3 – Aspectos petrográficos típicos em charnockitos. a) associação plagioclase + quartzo + ortopiroxena + biotite + anfíbola + clinopiroxena num charno-enderbito. É ainda possível observar um pequeno cristal de anfíbola incluso na ortopiroxena formada no pico metamórfico M1, demonstrando que esta cresceu pelo consumo de anfíbola durante o metamorfismo prógrado; b) relações microtexturais típicas em enderbitos. verifica-se a presença de ortopiroxena de grandes dimensões, acompanhada de uma abundante presença de clinopiroxena e alguma plagioclase, rodeadas por anfíbola retrógrada. A presença de quartzo é diminuta; c) aspectos típicos num charnockito (s.s.) com a presença de ortopiroxena + feldspato K + plagioclase, substituídas por uma coroa retrógrada de biotite + quartzo; d) outra evidência micropetrográfica de retrogradação em charnockitos (s.s.) com o desenvolvimento de simplectites de biotite + quartzo, substituindo a paragénese de pico metamórfico composta por ortopiroxena e plagioclase. Fotos modificadas a partir de Bento dos Santos et al. (2011b). Figure 3 – Typical petrographic features of charnockites. a) mineral association plagioclase + quartz + orthopyroxene + biotite + amphibole + clinopyroxene in a charno-enderbite. It is still possible to observe a small amphibole crystal included in the orthopyroxene formed during the M1 metamorphic peak, showing that its growth occurred by the partial consumption of amphibole during the prograde metamorphism; b) microtextural relationships typical of enderbites. It is possible to observe large orthopyroxene and abundant clinopyroxene and some plagioclase, surrounded by retrograde amphibole. There is few quartz; c) typical features of a charnockite (s.s.) with the presence of orthopyroxene + K-feldspar + plagioclase being replaced by a retrograde corona of biotite + quartz; d) another micropetrographic evidence of retrogression in charnockites (s.s.) with the development of symplectites of biotite + quartz replacing the metamorphic peak paragenesis composed by orthopyroxene and plagioclase. Photos modified from Bento dos Santos et al. (2011b).
em elementos litófilos de alto raio iónico (LILe) e apresentam frequentes inclusões fluidas de CO2. Outra característica importante é a sua presença exclusiva em terrenos orogénicos de alto grau metamórfico, geralmente de idade pré-câmbrica
(Streckeisen, 1974). No entanto, a presença de charnockitos é também visível em faixas orogénicas de idade paleozoica (e.g.: Mayer et al., 2000; Galli et al., 2011) e mesozoica (e.g.: Maluski et al., 2005; Ma et al., 2013).
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Desde a observação de Pichamuthu (1960), muitos autores têm vindo a teorizar sobre o modo de ocorrência, petrografia, geoquímica e, mais importante ainda, a origem ou modo de formação dos charnockitos. tem havido grande controvérsia acerca da origem dos charnockitos, sendo que os autores têm concluído uma origem: a) ígnea (e.g.: Kilpatrick & ellis, 1992; Zhao et al., 1997; van der Kerkhof & Grantham, 1999; Frost et al., 2000; rajesh & Yoshida, 2001; Santosh & Yoshikura, 2001; rajesh, 2004; Frost & Frost, 2008; rajesh, 2012; Yang et al., 2015); b) metamórfica (e.g.: Cooray, 1969; Fyfe, 1973; Nesbit, 1980; valley & O’Neil, 1984; Hansen et al., 1987; Le Breton & thompson, 1988; Bento dos Santos et al., 2011a; endo et al., 2012; touret & Huizenga, 2012; Klaver et al., 2015); ou c) metassomática (e.g.: Newton et al., 1980; Janardhan et al., 1982; Hansen et al., 1987; Newton, 1992; Perchuck & Gerya, 1993; Harlov et al., 1998; Perchuk et al., 2000; ravindra Kumar, 2004; Harlov, 2012; Newton & tsunogae, 2014). A observação de campo realizada por vários autores, da transição de gnaisses migmatíticos, com biotite ou anfíbola, para charnockitos massivos, de dimensão regional, levou Cooray (1969) a concluir que todos os charnockitos seriam rochas metamórficas na fácies granulítica, sendo que poderiam ter como precursores rochas plutónicas ou metassedimentares. Fyfe (1973) e Nesbit (1980) consideraram mesmo os charnockitos (granulitos) como sendo os resíduos desidratados resultantes da anatexia da crosta inferior. A geração de ortopiroxena dar-se-ia pela fusão incongruente de biotite ou anfíbola (Fig. 4) aquando da passagem das rochas da fácies anfibolítica para a fácies granulítica: 1) biotite + quartzo => ortopiroxena + feldspato potássico + líquido; no caso dos charnockitos e charno-enderbitos (Fig. 4a) 2) horneblenda + quartzo => ortopiroxena ± clinopiroxena + plagioclase + líquido; no caso dos enderbitos e charno-enderbitos (Fig. 4b) A semelhança dos charnockitos com granulitos é evidente: paragénese mineral anidra megablástica (baixa atividade da H2O), temperatura e pressão de pico metamórfico idênticas em fácies granulítica, empobrecimento em LILe e elementos das terras raras pesados (Hree), inclusões fluidas ricas em CO2, para além de óbvias semelhanças petrográficas, de entre as quais, a presença exclusiva de biotite e anfíbola como produtos de retrogradação da ortoe/ou clinopiroxena.
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este modelo pressupõe que os charnockitos têm uma origem metamórfica, envolvendo um processo em duas etapas: geração de um precursor hidratado, seguido de metamorfismo de alto grau sob condições anidras (e.g.: Bento dos Santos et al., 2011a; endo et al., 2012). este modelo tem vindo a ser suportado por estudos complementares de petrologia experi men tal (Le Breton & thompson, 1988; vilzeuf & Holloway, 1988; Stevens & Clemens, 1993; Patino Douce & Beard, 1995; Wang et al., 2015) que comprovam que a partir de pelitos com igual composição química à que frequentemente compõe os migmatitos associados a charnockitos é possível, através da fusão incongruente de biotite, a temperaturas e pressões normais para granulitos, gerar resíduos com ortopiroxena (charnockitos) e magmas sub-saturados em água com composição comummente encontrada nas faixas orogénicas. esta conclusão é também válida para protólitos intermédios a básicos onde ocorre fusão incongruente de anfíbola (Skjerlie & Johnston, 1993; Patino Douce & Beard, 1995), dando origem a enderbitos e charno-enderbitos.
3. A importância dos fluidos Um aspeto muito desenvolvido no estudo dos charnockitos tem sido o papel dos fluidos na génese destes. Desde que touret (1971, 1977, 1985) observou que as inclusões fluidas das rochas da fácies granulítica do Sector Bamble (Noruega) apresentavam menor quantidade de água e mais CO2 que as da fácies anfibolítica, vários autores têm perspetivado um papel fundamental do CO2 na geração dos charnockitos (Harlov, 2012; e referências inclusas). tem sido advogado o influxo pervasivo vindo de fontes profundas, promovendo a fusão incongruente dos minerais hidratados, consequente libertação de água do sistema e remoção dos LILe (tarney & Windley, 1977; Janardhan et al., 1979, 1982; Newton et al., 1980; Stahle et al., 1987; Newton, 1992; Harlov, 2012). embora a maioria dos autores, que advogam uma fonte externa para o decréscimo da atividade da água nos charnockitos, idealizem a existência de um fluido rico em CO2, outros autores consideram provável a existência de fluidos aquosos hipersalinos ricos em potássio, com ou sem CO2, provenientes de fontes profundas como o manto e outras (Perchuck & Gerya, 1993; Harlov et al., 1998; Perchuck et al., 2000; Harlov, 2012).
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Figura 4 – evidências petrográficas para o metamorfismo prógrado envolver fusão incongruente das fases minerais hidratadas. a) Ortopiroxena com uma inclusão de biotite, evidenciando o consumo parcial desta no crescimento de ortopiroxena de acordo com a reacção 1; b) Clinopiroxena com uma inclusão de anfíbola, evidenciando o consumo parcial desta no crescimento de clinopiroxena de acordo com a reacção 2. em ambos os casos, é possível observar que as reacções associadas ao metamorfismo prógrado foram as mesmas do caminho retrometamórfico, mas no sentido contrário, ou seja, durante o arrefecimento houve a recristalização tardia dos minerais (biotite ou anfíbola) que tinham antes sido consumidos para gerar a paragénese de pico metamórfico. Fotos modificadas a partir de Bento dos Santos et al. (2011b). Figure 4 – Petrographic evidence of prograde metamorphism involving dehydration-melting of the hydrous phases. a) Orthopyroxene with an inclusion of biotite, showing the partial breakdown of this mineral during the growth of orthopyroxene according to reaction 1; b) Clinopyroxene with an inclusion of amphibole, showing the partial breakdown of this mineral during the growth of clinopyroxene according to reaction 2. In both cases, it is possible to observe that the reactions associated to the prograde metamorphism were the same during the retrograde path, but in reverse, i.e.: during cooling there was late recrystallization of the minerals (biotite and amphibole) that had previously been consumed to generate the metamorphic peak assemblage. Photos modified from Bento dos Santos et al. (2011b).
O principal argumento para se considerar que a charnockitização é um processo metassomático induzido por um fluido carbónico é o controlo estrutural que a maior parte das ocorrências apresenta, sugerindo a existência de zonas de canalização de fluidos que induzem o decréscimo da atividade da água e consequente charnockitização (Newton, 1992; Harlov, 2012). Newton (1992) resumiu as possíveis fontes de CO2 capazes de promover o processo de charnockitização: a) reações de desvolatilização (descarbonatação) na crosta inferior de mármores ou sedimentos subductados (Helmstaedt & Gurney, 1984); b) libertação de CO2 de inclusões fluidas de granulitos profundos (Stahle et al., 1987); c) CO2 libertado de magmas em cristalização (Frost & Frost, 1987); d) underplating de magmas básicos na base da crosta (touret, 1971; 1985); e) fontes mantélicas em desvolatilização (Newton et al., 1980; Menzies et al., 1985); f) fusão incongruente e concentração de CO2 residual por saída de água (Crawford & Hollister, 1986); g) oxidação de grafite em reacção com silicatos hidratados (Srinkantappa et al., 1985;
Hansen et al., 1987). De notar que os dois últimos processos implicam fontes de CO2 internas, não pressupondo metassomatismo carbónico como essencial no processo de formação dos charnockitos. embora a teoria da frente pervasiva de CO2 vinda do manto ou de magmas na base da crosta, de Newton et al. (1980) e Janardhan et al. (1982), tenha tido grande aceitação, esta tem tido difícil confrontação com dados experimentais e teóricos de vários estudos em rochas metamórficas de alto grau (valley et al., 1983; Lamb & valley, 1984, 1985; Lamb et al., 1991; Stevens & Clemens, 1993). estes autores apresentam como argumentos contra esta ideia: a) o CO2 estabelecer ângulos de contacto com o quartzo maiores que os fluidos aquosos (Brennan & Watson, 1988), diminuindo assim a sua capacidade de circular pelas rochas e de remover a água do sistema nas rochas silicatadas; b) a impossibilidade de transportar CO2 suficiente (10 – 25% da massa afetada – Newton et al., 1980; Lamb & valley, 1984) para gerar granulitização massiva através da crosta; c) a maioria dos granulitos terem fugacidade do oxigénio abaixo do
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tampão QFM (quartzo-fayalite-magnetite), mas não apresentarem suficiente grafite (0,01%); e d) a manutenção de valores isotópicos pré-metamórficos/metassomáticos. estes autores consideram que o principal processo gerador de granulitos (e charnockitos) é o metamorfismo de alto grau sob condições de fluido ausente, ou seja, por fusão incongruente de minerais hidratados (Lamb & valley, 1985; Stevens & Clemens, 1993; Bento dos Santos et al., 2011a, 2011b). Bento dos Santos et al. (2011c) interpretou um fenómeno localizado de charnockitos arrested como resultando de um processo particular de interação entre fluidos durante a exumação, onde o cavalgamento de charnockitos sobre rochas migmatíticas levou à transferência de fluidos carbónicos e à subsequente charnockitização localizada dos migmatitos com deposição de grafite tardia na zona de contacto entre as duas litologias (Fig. 2c, d). este processo de charnockitização secundária é similar aos descritos para a formação de charnockitos incipientes por metamorfismo de contacto e transferência de fluidos de intrusões de charnockitos ou enderbitos para a rocha encaixante (e.g.: van der Kerkhof & Grantham, 1999; Yang et al., 2014).
4. A geoquímica do processo de charnockitização Há muito que se sabe que os LILe são fortemente remobilizados durante o metamorfismo granulítico (Fyfe, 1973). A passagem da fácies anfibolítica à fácies granulítica é concomitante com a fusão de minerais hidratados como a biotite e a anfíbola, que libertam para os magmas gerados água e elementos de alto raio iónico como o Na, K, rb, Ba, Sr, th e U, empobrecendo as rochas granulíticas em LILe. Não há, no entanto, acordo entre os estudos que se debruçaram sobre a geoquímica dos charnockitos no que diz respeito ao comportamento dos LILe no processo de charnockitização. Segundo Subba rao & Divakara rao (1988) os charnockitos são enriquecidos em K e rb quando comparados com os migmatitos que lhes deram origem. Newton (1992) sugere ganho de Na e perda de rb durante a charnockitização. ravindra Kumar et al. (1985) afirmam que a transformação é isoquímica. ravindra Kumar (2004) concluiu posteriormente que podia haver incremento de Na e empobrecimento de K, rb e Ba, sendo o Sr constante. Dobmeier & raith (2000) sugerem enriquecimento em todos os LILe.
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Do ponto de vista geoquímico há concordância na possibilidade da charnockitização poder provocar um decréscimo de Hree e Y (Collerson & Fryer, 1978; Hansen et al., 1987; Stahle et al., 1987; Bento dos Santos et al., 2011a), pelo consumo de granada na geração de ortopiroxena a muito alta temperatura (Santosh et al., 1990; Bento dos Santos et al., 2011a) (Fig. 5). Foi igualmente sugerido por Collerson & Fryer (1978) que a frente de CO2 advogada por touret (1977) fosse responsável pela remoção de Hree e Y.
5. Ligação à evolução geodinâmica Os charnockitos ocorrem predominantemente em ambiente orogénico de alta temperatura (anidros), podendo ser considerados como: a) resultando da cristalização direta em ambiente anidro de magmas essencialmente desidratados – modelo da origem ígnea dos charnockitos; b) resultando de desidratação metamórfica de rochas infra-crustais previamente hidratadas ou de metamorfismo de precursores já desidratados – modelo da origem metamórfica dos charnockitos; ou c) resultando de desidratação por remoção ou diluição de fluidos hidratados pela adição pervasiva de fluidos anidros, essencialmente ricos em CO2 – modelo da origem metassomática dos charnockitos (touret & Huizenga, 2012). todos estes modelos petrológicos pressupõem, de uma forma ou outra, uma ligação a um ambiente orogénico profundo, quente e anidro. No entanto, a evolução das condições intensivas do sistema, fundamentais na formação ou transformação dos charnockitos, raramente foi relacionada com um ambiente geodinâmico específico ou condições particulares que possam estar na origem dos charnockitos. Um reforço importante para as propostas da origem metamórfica para os charnockitos adveio de trabalhos recentes de geocronologia e termocronologia. Bento dos Santos et al. (2010) obteve, para as rochas da Faixa ribeira na zona central da Província da Mantiqueira (Brasil), dados geocronológicos e petrológicos que demonstram que os charnockitos arrefeceram a velocidades significativamente inferiores às demais rochas geradas durante a mesma orogenia. estes autores, adicionalmente suportados por evidências independentes (Bento dos Santos et al., 2014), obtiveram para os charnockitos taxas de arrefecimento na ordem de 1º C/Ma durante 80 a 100 Ma após os eventos de pico metamórfico regional (Fig. 6). estes dados ligaram, pela primeira vez, a
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Figura 5 – Caracterização geoquímica dos charnockitos. a) Padrões de terras raras onde se verifica que o charnockito é empobrecido em Hree comparativamente às demais rochas associadas; b) Diagrama multi-elementar onde se observa que todos os charnockitos são empobrecidos em Hree e Y (círculo verde) comparativamente com a crosta inferior; c) Harker SiO2 vs total de Hree onde se verifica uma tendência linear entre os charnockitos e as demais rochas associadas (diatexitos e ortognaisses) com a excepção de 5 amostras que se encontram destacadas no círculo vermelho. estas 5 amostras (3 charnockitos e 2 diatexitos) são as litologias que não apresentam granada; d) Harker SiO2 vs Mn. É possível fazer o mesmo raciocínio que em c), pois a granada é o único mineral que ocorre nestas rochas que consegue incorporar quantidades significativas de Mn. A decomposição de granada a altas temperaturas leva à libertação (para fora da rocha) de elementos como os Hree, Y e Mn que são extremamente compatíveis com a granada, mas que dificilmente são incorporados noutras fases minerais. Modificado a partir de Bento dos Santos et al. (2011a). Figure 5 – Geochemical characterization of charnockites. a) REE patterns where it is visible that the charnockite is depleted in HREE in comparison with the other associated rocks; b) Spidergram showing that the charnockites are depleted in HREE and Y (green circle) in comparison with the lower crust; c) Harker diagram SiO2 vs. total HREE where a linear correlation between charnockites and associated rocks (diatexites and orthogneisses) is present with the exception of 5 samples highlighted within the red circle. These 5 samples (3 charnockites and 2 diatexites) are the rock samples that do not have garnet; d) Harker diagram SiO2 vs. Mn. The same rationale as c) is possible, because garnet is the only mineral in these rocks that can incorporate large amounts of Mn. The consumption of garnet at high temperatures causes the release (to outside the rock) of elements such as HREE, Y and Mn that are extremely compatible with garnet, but hardly incorporated in other mineral phases. Modified from Bento dos Santos et al. (2011a).
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Figura 6 – termocronologia das rochas metamórficas de alta temperatura do sector São Fidelis (estado do rio de Janeiro, Se do Brasil). É possível constatar que os charnockitos se mantiveram a t > 650º C (temperatura de fecho da granada no sistema Sm-Nd) durante um período muito superior às demais rochas. enquanto os migmatitos arrefeceram a t < 650º C entre 10 a 40 Ma após o pico metamórfico, os charnockitos mantiveram-se a alta temperatura durante 50 a 100 Ma após o pico metamórfico, criando assim as condições ideais para as reacções metamórficas de desidratação que caracterizam a formação dos charnockitos. Modificado a partir de Bento dos Santos et al. (2010). Figure 6 – Thermochronology of the high-temperature metamorphic rocks of the São Fidelis sector (State of Rio de Janeiro, SE Brazil). It is possible to conclude that the charnockites remained at T > 650º C (closure temperature of garnet for the Sm-Nd system) during a more prolonged period than the other rock types. Whereas migmatites cooled to T < 650º C between 10 to 40 Ma after their metamorphic peak, charnockites remained at high temperatures during 50 to 100 Ma after their metamorphic peak, thus creating the ideal conditions for the dehydration reactions that characterize the formation of charnockites. Modified from Bento dos Santos et al. (2010).
geração destas rochas a uma evolução orogénica específica que pode ser a causa fundamental para os eventos de desidratação comummente observados nos charnockitos. De facto, os mesmos autores, com recurso a dados de litogeoquímica e isótopos de Sr e Nd, tinham já avançado um modelo de evolução geoquímica para a formação dos charnockitos (Bento dos Santos et al., 2011a) em duas etapas: a) geração dos protólitos ígneos hidratados por anatexia de rochas metassedimentares; b) metamorfismo granulítico contínuo e prolongado no tempo que transformou as rochas ígneas (de tipo-S) em ortognaisses e, à medida que o metamorfismo e desidratação progredia, em charnockitos. Conclusões verifica-se, pela contínua apresentação de trabalhos e ideias associados à génese dos charnockitos,
que este é um assunto complexo, com muito por perceber e que certamente terá continuidade nos próximos anos. Para a comunidade geocientífica, a necessidade de compreender e quantificar os processos que levam à formação dos charnockitos relaciona-se com a necessidade de compreender o funcionamento da crosta, os múltiplos eventos orogénicos que a afetam e a sua estruturação secular. Referências Bento dos Santos, t., Munhá, J.M.U., tassinari, C.C.G., Fonseca, P.e., Dias Neto, C.M., 2010. thermochronology of central ribeira Fold Belt, Se Brazil: petrological and geochronological evidence for high-temperature maintenance during Western Gondwana amalgamation. Precambrian Research, 180, 3-4, 285-298. Bento dos Santos, t., Munhá, J.M.U., tassinari, C.C.G., Fonseca, P.e., 2011a. the link between
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GEOnOvAS n.º
ASSOCIAçãO PORTUGUESA DE GEóLOGOS
31: 33 a 42, 2018 33
Caraterização petrográfica, magnética e físico-mecânica do Granito de Guimarães V. Laranjeira1,2*, J. Ribeiro2,3, H. Sant’Ovaia1,2 1
Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre, 4169-007 Porto 2
Instituto de Ciências da Terra – ICT – Pólo da Universidade do Porto, Rua do Campo Alegre, 4169-007 Porto
3
Departamento de Ciências da Terra, Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra, Rua Sílvio Lima, Universidade de Coimbra – Pólo II, 3030-790 Coimbra *Autor correspondente; vanessalaranjeira01@gmail.com
Resumo Este trabalho tem como principal objetivo a caraterização do Granito de Guimarães através de estudos petrográficos e magnéticos, e da determinação de algumas propriedades físico-mecânicas em amostras de carotes obtidas a partir da execução de sondagens mecânicas. Pretende-se, ainda, que este trabalho represente um contributo para o conhecimento geológico da área em estudo, assim como para a caraterização geológica e geotécnica do Granito de Guimarães. Foram analisadas 12 amostras de rocha, selecionadas a partir de 6 sondagens, que apresentavam estado de alteração variável. As metodologias incluem microscopia ótica, determinação laboratorial da suscetibilidade magnética, peso volúmico sólido, velocidade de propagação de ondas P, índice de carga pontual e resistência à compressão uniaxial. Em comparação com as amostras de granito mais são, os resultados indicam que as amostras mais alteradas apresentam maior abundância de filossilicatos, valores de suscetibilidade magnética relativamente baixos e valores mais baixos de resistência, indicando menor qualidade geomecânica. Palavras-chave: Granitos tardi-variscos, suscetibilidade magnética, propriedades geomecânicas, resistência à compressão simples, deformabilidade. Abstract The main objective of this work is the characterization of the Guimarães Granite through petrographic studies and magnetic characterization, and the determination of some physical-mechanical properties in core samples obtained from mechanical drilling. It is also intended that this work represents a contribution to the geological knowledge of the study area, as well as to the geological and geotechnical characterization of Guimarães Granite. Twelve rock samples were studied, previous selected from 6 boreholes, presenting a variable degree of alteration. The methodologies include optical microscopy, magnetic susceptibility characterization and determination of solid unit weight, P wave propagation velocity, point load index and uniaxial compressive strength. Comparing with the least altered granite samples, the results indicate that the most altered granite samples present a higher amount of phyllosilicate minerals, relatively lower values of magnetic susceptibility and lower strength values, indicating lower geomechanical quality.
Keywords: Late-varisc granites, magnetic susceptibility, physico-mechanical properties, uniaxial compressive strength, deformability.
1. Introdução O principal objetivo deste trabalho é contribuir para o estudo geológico e geotécnico das rochas
graníticas do nW de Portugal, mais precisamente do Granito de Guimarães, e, dessa forma, aprofundar o conhecimento sobre as propriedades petrográficas, magnéticas e físico-mecânicas que podem ser
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34 Caraterização petrográfica, magnética e físico-mecânica do Granito de Guimarães
avaliadas em maciços graníticos. Do ponto de vista geológico, ocorrem em Guimarães, essencialmente, rochas graníticas, sobretudo a fácies designada por Granito de Guimarães (Montenegro de Andrade et al., 1986) (Fig. 1). O Granito de Guimarães é um granito biotítico de grão grosseiro, com textura porfiróide, apresenta encraves microgranulares máficos e félsicos e encraves metassedimentares (Pereira, 1989). Encontra-se associado a um granito moscovítico-biotítico, de grão médio, com encraves micáceos (Didier, 1991; veloso, 1994). Quanto à sua instalação, o Granito de Guimarães é relativamente tardio, com idade U-Pb compreendida
entre 306-311 Ma (Dias et al., 1998). A intrusão deste granito ocorreu no final da terceira fase de deformação hercínica, D3, sendo considerado um granito tardi-tectónico, ocupando zonas laterais ao cisalhamento vigo - Régua (Ferreira et al., 1987). Este granito ter-se-ia formado a elevada profundidade, sendo resultante da diferenciação magmática a partir do manto, com fusão da crusta inferior e mistura de materiais básicos (Ribeiro et al., 1983). A área em estudo situa-se no lugar de Campelos, freguesia de Ponte, concelho de Guimarães, inserindo-se no noroeste do Maciço Ibérico, na Zona Centro-Ibérica (ZCI).
Figura 1 – Extrato da Folha 9-B Guimarães da Carta Geológica de Portugal (escala original 1/50 000) (adaptado de Montenegro de Andrade et al., 1986). Figure 1 – Extract from the Guimarães sheet 9-B Guimarães of the Portuguese Geological Map (original scale 1/50 000) (adapted from Montenegro de Andrade et al., 1986).
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no âmbito tectónico, o concelho de Guimarães é atravessado por vários alinhamentos de fratura, dispersos por todo o território, associadas às principais linhas de água e vales. As fraturas mais importantes recortam o concelho com direções nE-SW e nW-SE, destacando-se o vale de fratura de Atães – Mesão Frio – Fareja. nas orlas de metamorfismo de contacto são visíveis alinhamentos de fraturas com direção nnW-SSE. Estas falhas determinam zonas de esmagamento que favoreceram a erosão e, consequentemente, condicionam o traçado geral de alguns cursos de água. A caraterização do Granito de Guimarães incluiu: a determinação de caraterísticas petrográficas, em lâmina delgada, recorrendo ao microscópio petrográfico, nomeadamente a mineralogia, textura e microestruturas; a determinação das suscetibilidade magnética (SM) em laboratório; e a determinação e estimação, com base em alguns parâmetros das propriedades físicas, mais concretamente, o peso volúmico e as propriedades mecânicas de resistência e os parâmetros de deformabilidade, através do ensaio de resistência à compressão uniaxial, ensaio de carga pontual e ensaio de velocidade de propagação de ultrassons. As propriedades físicas, magnéticas e mecânicas do material rochoso estão diretamente relacionadas com a composição mineralógica, o fabric, a textura e e da sua história geológico-estrutural. Dependendo destas propriedades, o material rochoso apresentará uma determinada resistência e comportamento que o irá caraterizar do ponto de vista mecânico.
2. Materiais As amostras do Granito de Guimarães estudadas foram obtidas a partir da execução de 6 sondagens mecânicas com amostragem contínua (S1, S2, S4, S5, S6 e S7). Estas sondagens foram executadas no âmbito de uma campanha de prospeção geotécnica realizada com vista à caracterização geológica e geotécnica do maciço, no âmbito de um projeto de engenharia. As sondagens foram executadas numa área de 2 500 m2 de terreno e intercetaram níveis de solo de espessura variável sob o qual foi intercetado maciço rochoso granítico, com estado de alteração variável. Em cada uma das sondagens foram selecionados carotes para preparação de 2 provetes com dimensões normalizadas (150 mm e 80 mm), que podem ser observados na figura 2. Estas dimensões estão de acordo com as normas ASTM – American Society
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Figura 2 – Provetes estudados após a retificação (com comprimentos de cerca de 150mm e 80mm). Figure 2 – Rock samples after rectification (with lengths of about 150mm and 80mm).
for Testing and Materials (ASTM D2938 – 95, 2002). Os provetes de maiores dimensões destinam-se à realização do ensaio de resistência à compressão uniaxial, enquanto que os provetes de menores dimensões foram preparados para o ensaio de carga pontual. Os valores de peso volúmico sólido, da SM e da velocidade de propagação das ondas P foram obtidos em ensaios laboratoriais realizados em todos os provetes, uma vez que são ensaios não destrutivos. 3. Metodologias As metodologias utilizadas neste trabalho incluem a microscopia ótica, a determinação laboratorial do peso volúmico sólido (gs), da suscetibilidade magnética (K), da velocidade de propagação de ondas P (vP) através da propagação de ultrassons, do índice de carga pontual (Is) a partir de ensaio de carga pontual e da resistência à compressão uniaxial (σc) a partir do ensaio de resistência a compressão simples. Os ensaios de laboratório foram desenvolvidos de acordo com as normas ASTM D2845 – 00 (2000) para a velocidade de propagação das ondas P, ASTM D2938 – 95 (2002) para a resistência à compressão uniaxial e com os métodos sugeridos pela ISRM (1985) para o ensaio de carga pontual. A partir dos resultados de velocidade de propagação de ondas P foi possível estimar a velocidade das ondas S (vS) e do módulo de deformabilidade dinâmico (Ed) (Gonzalez de vallejo et al., 2002). Para a caraterização petrográfica do Granito de Guimarães foram preparadas duas lâminas delgadas, tendo sido selecionadas uma amostra de granito mais são (provete da sondagem S2, W2-3) e uma amostra de granito mais alterado (provete da sonda-
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gem S5, W4). Os estudos petrográficos permitiram a observação e identificação dos minerais constituintes do Granito de Guimarães, assim como a caraterização textural e microestrutural, para além da identificação de diferentes aspetos de alteração. Para complementar a caraterização do Granito de Guimarães foi ainda determinada a SM nos provetes, com o objetivo de determinar a presença de minerais magnéticos, o respetivo comportamento magnético e o tipo de granito presente, nomeadamente o seu enquadramento nos grupos dos magnetite-type ou ilmenite-type, pois a SM pode ser relacionada com a abundância relativa em biotite e moscovite em granitos ilmenite-type. Para os granitos pertencentes ao ilmenite-type (granitos paramagnéticos), o valor de SM de 70×10-6 SI é considerado como um limite entre granitos com moscovite igual ou superior à biotite (granitos de duas micas) e granitos com biotite superior à moscovite (granitos biotíticos) (Sant’Ovaia & noronha, 2005). Para a determinação da SM foi utilizado um suscetibilímetro portátil KT-10 v2 Terra Plus para a medição pontual da SM in situ na superfície dos provetes graníticos. Em cada um dos provetes foram feitas várias medições pontuais, incluindo o topo, a base e em todo o comprimento longitudinal dos provetes. O ensaio de resistência à compressão uniaxial ou simples permite determinar, de forma direta, a resistência à compressão uniaxial das rochas, σc, em MPa, através da força aplicada num provete, P, em kn, até que ocorra a rotura do mesmo. Este ensaio foi realizado de acordo com a norma ASTM D 2938 - 95 (2002) e foi utilizada a prensa Controls do modelo 50 - C56L. O ensaio de carga pontual, também designado Point Load Test, ou ainda ensaio de Franklin, é uma forma indireta de obter a resistência à compressão simples. Com este ensaio é obtido o índice de carga pontual que é correlacionável com a resistência à compressão uniaxial. Este ensaio foi realizado com base no procedimento sugerido pela ISRM (1985). O ensaio de velocidade de propagação de ultrassons permite determinar a velocidade de propagação das ondas elásticas longitudinais, vP, em provetes de rocha, através da medição do tempo em microssegundos, μs, que as ondas demoram a atravessar um provete de determinadas dimensões (González de vallejo et al., 2002). O equipamento utilizado foi o modelo 58 - E0048 Controls a partir do qual se pode calcular a velocidade das ondas P e estimar a velocidade das ondas S. A norma utilizada para a realização deste ensaio foi ASTM D2845 – 00 (2000).
4. Resultados À vista desarmada verifica-se que os provetes mais alterados são os S5 e S7 e os menos alterados são o S1 e S2, sendo que os restantes apresentam estado de alteração intermédio. Ao microscópio, na lâmina delgada da amostra S2 (menos alterada) foi possível identificar quartzo, biotite, feldspato potássico, plagioclase, moscovite (Fig. 3A), sericite, zircão, minerais opacos e apatite. na lâmina da amostra S5 (mais alterada) observou-se quartzo, biotite, feldspato potássico, plagioclase, moscovite, sericite, zircão, minerais opacos, apatite, clorite, monazite, rútilo e turmalina. As observações petrográficas no granito mais alterado (S5) permitiram verificar a presença significativa de biotite, sendo o mineral mais abundante nas duas lâminas, a ocorrência de fenómenos de alteração/deformação, tais como sericitização e moscovitização (Fig. 3C, D), a presença de minerais de neoformação, como a sericite e a clorite (Fig. 3E, F), e microestruturas de deformação dúctil, como lamelas de deformação e extinção ondulante em grãos de quartzo e dobramentos dos planos de clivagem na moscovite (Fig. 3B). na tabela 1 apresentam-se os resultados dos ensaios de laboratório que permitiram a determinação das propriedades físico-mecânicas. Os provetes S5 e S7, de granito mais alterado (W4), apresentam valores relativamente mais baixos de peso volúmico sólido (gs), de SM (K), de resistência à compressão uniaxial (σc), de índice de carga pontual (IS), de velocidade de propagação das ondas P (vP), e, consequentemente, de velocidade de ondas S (vS) e do módulo de deformabilidade dinâmico (Ed). O comportamento oposto verifica-se nas amostras menos alteradas (W2 a W3). Este estado de alteração do granito poderá estar relacionado com a profundidade da recolha das amostras na campanha de prospeção, já que os provetes mais alterados (W4), S5 e S7, foram coletados a maiores profundidades quando comparados com os restantes. Já os provetes menos alterados (W2), S1 e S6, foram recolhidos a uma menor profundidade. Os valores obtidos para as propriedades físico-mecânicas do Granito de Guimarães estão de acordo com a gama de valores expectável para este tipo de litologias (González de vallejo et al., 2002). O peso volúmico das amostras estudadas varia entre 22,3 e 27,5 kn/m3. verifica-se que os provetes S5 e S7 apresentam valores mais baixos e que podem estar associados ao estado de alteração e à presença de fissuras mais evidentes nestas amostras. A análise dos resultados
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A
B
C
D
E
F
Figura 3 – A) Formação de moscovite nos bordos da biotite (Y) na lâmina do provete S2 em nicóis cruzados; B) Deformação dúctil da moscovite (Ms), observada pela presença de dobramentos dos planos de clivagem e extinção ondulante no quartzo (Qtz) na lâmina do provete S5 em nicóis cruzados; C e D) Sericitização (Ser) nas bordaduras da biotite (Bt) e moscovitização (X) na lâmina do provete S5 em nicóis paralelos e nicóis cruzados, respetivamente; E e F) Agulhas de rútilo (Rt) no seio da biotite (Bt) e cloritização da biotite na lâmina do provete S5 em nicóis paralelos e nicóis cruzados, respetivamente. Figure 3 – A) Formation of muscovite on the edges of the biotite (Y) on the thin section of the S2 specimen in crossed nicols; B) Ductile deformation of the muscovite (Ms) observed by the presence of folds of cleavage plane folds and undulating extinction in the quartz (Qtz) on the thin section of the S5 specimen in crossed nicols; C and D) Sericitization (Ser) in the borders of biotite (Bt) and moscovitization (X) on the specimen S5 in parallel nicols and cross nicols, respectively; E and F) Rutile needles (Rt) in biotite (Bt) and chloritization of biotite on the specimen S5 in parallel nicols and cross nicols, respectively.
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38 Caraterização petrográfica, magnética e físico-mecânica do Granito de Guimarães
Tabela 1 – Propriedades fisícas, magnéticas e mecânicas determinadas e estimadas nos provetes do Granito de Guimarães. Table 1 – Physical, magnetic and mechanical properties determined in the Guimarães granite specimens.
Profundidade Provetes ≈ L (mm) (m)
Propriedades físicas e magnéticas
Propriedades mecânicas
gs (kn/m3)
K (×10-6 SI)
σc (MPa)
IS (MPa)
σc * (MPa)
vP (m/s)
vs (m/s)
Ed (GPa)
1 (W2)
4,5 4,5
150 80
26,9 26,9
79 64
48,4 –
– 4,0
– 91,4
4 539,9 4 247,3
3 026,6 2 831,5
5,6 4,9
2 (W2-3)
9,0 9,0
150 80
26,8 26,5
69 54
31,4 –
– 1,3
– 29,0
3 398,7 2 148,5
2 265,8 1 432,4
3,1 1,2
4 (W3)
4,8 4,8
150 80
26,1 26,6
51 61
30,3 –
– 2,5
– 57,9
2 891,8 2 681,4
1 927,9 1 787,6
2,2 1,9
5 (W4)
7,5 7,5
150 80
25,0 23,9
55 46
4,9 –
– 0,6
– 14,0
1 407,1 1 673,7
938,1 1 115,8
0,5 0,7
6 (W2)
5,5 5,5
150 80
27,2 27,5
55 45
29,4 –
– 3,1
– 71,0
3 879,1 3 319,7
2 586,1 2 213,1
4,1 3,1
7 (W4)
8,0 8,0
150 80
23,6 22,3
79 68
5,1 –
– 0,3
– 5,9
1 173,6 845,6
782,4 563,7
0,3 0,2
W – Estado de alteração (ISRM, 1981); L – comprimento dos provetes; gs – peso volúmico sólido; K – suscetibilidade magnética; σc – resistência à compressão simples; Is – índice de carga pontual; σc* – resistência à compressão uniaxial estimada a partir de Is (σc = f x Is, sendo f = 23 para granitos (González de vallejo et al. 2002)); vP – velocidade de propagação das ondas P; vS – velocidade de propagação das ondas S; Ed – módulo de deformabilidade dinâmico.
permite verificar que os valores obtidos estão de acordo com o expectável para rochas graníticas, aproximandose dos valores encontrados na bibliografia, isto é, entre 26,0 e 27,0 kn/m3 (González de vallejo et al., 2011). nos provetes do Granito de Guimarães os valores médios de SM variam entre 45 e 79 ×10-6 SI, evidenciando um caráter paramagnético, uma vez que o valor de SM é inferior a 10-4 SI e pertencendo ao grupo ilmenite type granite (Sant’Ovaia & noronha, 2005). valores de SM superiores a 70 1× 0-6 SI indicam a presença mais abundante de biotite em relação à moscovite em granitos (Sant’Ovaia & noronha, 2005). Os valores de SM obtidos neste estudo e as observações petrográficas das duas lâminas do Granito de Guimarães permitiram observar que a biotite é o mineral mais abundante nas amostras, reforça que o granito em estudo é um granito biotítico. Os valores mais baixos de SM poderão estar relacionados com a presença mais significativa de megacristais de feldspato potássico e grãos de quartzo (minerais diamagnéticos) que se caraterizam por apresentar SM mais baixa. Pelo contrário, os valores de SM mais elevados devem-se à presença mais notável de minerais máficos, isto é, minerais mais ricos em ferro e magnésio tais como a biotite (mineral paramagnético). Contudo, este padrão não se verifica no provete mais alterado
S7 (Fig. 4), pois além de apresentar minerais ferromagnesianos, também se encontra mais alterado (W4), eventualmente com a moscovitização de plagioclase (passagem de mineral diamagnético a paramagnético) aumentando o valor da SM. Os valores de resistência à compressão uniaxial nos provetes do Granito de Guimarães variam entre 4,9 e 48,4 MPa (Tab. 1). O provete S1 apresenta o valor mais elevado da resistência à compressão uniaxial e o provete S5 admite o valor de resistência à compressão uniaxial mais baixo de 4,9 MPa. Os resultados indicam que a resistência dos provetes diminui com o aumento do estado de alteração. De acordo com os valores de resistência à compressão uniaxial (Tab. 1) e atendendo com a classificação da Sociedade Internacional de Mecânica das Rochas (ISRM, 1981), a resistência do Granito de Guimarães classifica-se como muito baixa nas amostras mais alteradas, W4, (S5 e S7) e mediana a elevada nas amostras menos alteradas, W2 e W2-3, (S1, S2 e S6). Estes dados evidenciam a heterogeneidade dos provetes estudados relativamente à resistência que, por sua vez, está relacionada com o estado de alteração variável. Os valores do índice de carga pontual, Is, obtido diretamente através do ensaio de carga pontual variam entre 0,3 e 4,0 MPa, sendo que o valor mais
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Figura 4 – Perfis de SM ao longo dos provetes 7a e 7b do Granito de Guimarães. Figure 4 – Profiles of SM along samples 7a and 7b of Guimarães Granite.
baixo corresponde ao provete S7 e o valor mais elevado ao provete S1. A resistência à compressão uniaxial foi estimada a partir da multiplicação do Is por um fator de correlação, f, que admite constante 23 pois corresponde ao valor de correlação utilizado para os granitos (González de vallejo et al., 2002). Com base nesta correlação foram obtidos valores de resistência à compressão uniaxial a variar entre 5,9 e 91,4 MPa, sendo que o valor mais baixo corresponde ao provete S7, e o valor mais elevado ao provete S1. Os valores de resistência à compressão uniaxial obtidos através da correlação com o índice de carga pontual estão de acordo com os anteriores obtidos no ensaio de resistência à compressão uniaxial. Em ambos os casos verifica-se que os provetes S1 são os que apresentam os valores de resistência mais elevados enquanto que os provetes S5 e S7 exibem os valores mais baixos. no entanto, no geral, os valores da resistência à compressão uniaxial são relativamente baixos quando comparados com valores de referência para granitos (González de vallejo, et al., 2011), o que poderá estar relacionado com a dimensão dos megacristais presentes nas amostras em estudo. A velocidade de propagação das ondas elásticas depende do tipo de material rochoso, do seu estado de alteração e fraturação e das condições hidrogeológicas (González de vallejo et al., 2002). Para um granito, a velocidade das ondas P varia entre 4 500 e 6 000 m/s, podendo este valor ser superior a 6 000 m/s em granitos sãos. Para granitos alterados, a velocidade de propagação das ondas P pode apresentar valores menores que 700 a 800 m/s (González de vallejo et al., 2002). Quanto aos valores obtidos para a velocidade de propagação das ondas P para os
provetes do Granito de Guimarães, o valor mais elevado é de 4 539,9 m/s, enquanto que o valor mais baixo é 845,6 m/s. O valor mais elevado corresponde ao provete S1 que é considerado granito são (W2), enquanto que o valor mais baixo é referente ao provete S7, que apresenta valor de vP típicos de granitos alterados (W4) de acordo com González de vallejo et al. (2002). Os resultados obtidos indicam que a velocidade de propagação das ondas P é inversamente proporcional ao grau de alteração. Também este ensaio evidencia que os provetes S5 e S7 encontram-se mais alterados. A deformabilidade do material rocha pode ser estimada a partir da velocidade das ondas elásticas de compressão ou longitudinais, vP, e as ondas de cisalhamento ou transversais, vS. A velocidade de propagação das ondas S para os provetes do Granito de Guimarães variam entre 3 026,6 e 563,7 m/s, sendo que o valor mais alto corresponde ao provete S1 enquanto o valor mais baixo é referente ao provete S7. Quanto ao módulo de deformabilidade dinâmico (Ed), os valores obtidos encontram-se entre 5,6 e 0,2 GPa, correspondendo o valor mais alto ao provete S1 e o valor mais baixo ao provete S7. Os resultados do módulo de deformabilidade dinâmico obtidos estão de acordo com os valores de referência para este tipo de rocha (1,0 a 8,4 GPa) propostos por González de vallejo et al. (2002), exceto os provetes S5 e S7. As figuras 5 e 6 mostram a correlação entre a resistência à compressão uniaxial e o índice de carga pontual com a velocidade de propagação das ondas P nos provetes do Granito de Guimarães, respetivamente. Observa-se uma correlação linear entre a velocidade das ondas P e a resistência à compressão uniaxial (Fig. 5), o índice de carga pontual (Fig. 6),
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40 Caraterização petrográfica, magnética e físico-mecânica do Granito de Guimarães
Figura 5 – Relação entre a resistência à compressão uniaxial (σc) e a velocidade de propagação das ondas P dos provetes do Granito de Guimarães. Figure 5 – Correlation between the uniaxial compression strength (σc) and the propagation velocity of the P waves of the Guimarães Granite specimen.
Figura 6 – Relação entre o índice de carga pontual (IS) e a velocidade de propagação das ondas P dos provetes do Granito de Guimarães. Figure 6 – Correlation between the point load index (IS) and the propagation velocity of the P waves of the Guimarães Granite specimens.
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onde os provetes S7 apresentam valores baixos, enquanto que os provetes S1 adquirem valores elevados quando comparados com os restantes. Conclusões Através dos ensaios realizados nos provetes do Granito de Guimarães, foi possível identificar e correlacionar as diferentes propriedades geológicas e geomecânicas estudadas e obter uma caraterização do Granito de Guimarães. nos provetes estudados, as amostras mais alteradas (W4) apresentam menor peso volúmico sólido. As observações petrográficas permitiram observar aspetos de alteração/deformação, isto é, a sericitização e a moscovitização, no granito mais alterado, a presença de minerais de neoformação, como a sericite e a clorite e caraterísticas típicas de episódios de deformação dúctil, como a fraturação e a extinção ondulante nos grãos de quartzo e dobramentos dos planos de clivagem nos minerais de moscovite. A medição da SM permite obter informações da presença de minerais magnéticos. Os valores obtidos foram semelhantes para todas as amostras, o que demonstrou um comportamento paramagnético (K≈10-6 SI), sendo possível incluir o Granito de Guimarães no grupo de granitos ilmenite type, indicativo que as propriedades magnéticas são devido à presença de biotite e ilmenite. A resistência à compressão uniaxial e os parâmetros de deformabilidade das rochas são propriedades mecânicas importantes para a caraterização e classificação das rochas. Os resultados obtidos estão de acordo com o expectável para granitos. valores mais altos de velocidade de propagação das ondas P correspondem a valores mais altos de resistência. Estes resultados permitem identificar os provetes como sendo os mais resistentes e de melhor qualidade geotécnica. Em geral, as amostras mais alteradas apresentam uma maior abundância de filossilicatos, como a moscovite; valores relativamente mais baixos de SM; menores valores de resistência à compressão uniaxial, de índice de carga pontual, de velocidade das ondas P e do módulo de deformabilidade dinâmico.
Agradecimentos Os autores agradecem o financiamento concedido pelo Instituto de Ciências da Terra através dos contratos UID/GEO/04683/2013 com a FCT e COMPETE POCI-01-0145-FEDER-007690.
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GEoNovAS N.º
ASSoCIAção PoRTUGUESA DE GEóLoGoS
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Caracterização sedimentológica e microfaciológica da transição Pliensbaquiano - Toarciano da região de Sagres (Bacia do Algarve, Portugal); interpretação paleoambiental e evolução sequencial David Vaz1*, Luís V. Duarte1, Paulo Fernandes2 1
MARE – Marine and Environmental Sciences Centre, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra, Departamento de Ciências da Terra, Coimbra, Portugal
2
CIMA – Centro de Investigação Marinha e Ambiental, Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, Faro, Portugal *Autor correspondente; davidzav13@gmail.com
Resumo Com base no estudo dos perfis da Baía de Armação Nova e de Ponta dos Altos (Algarve) foram realizados estudos mineralógicos e petrográficos na transição Pliensbaquiano – Toarciano (Jurássico Inferior) da Bacia do Algarve, que incidiram nas unidades “Calcário cristalino compacto de Belixe” (CCCB) e “Calcários margosos e margas de Armação Nova” (CMMAN). A análise microfaciológica realizada nestas unidades informais permitiu reconhecer três tipos principais de microfácies: i) dolomito cristalino, identificado na unidade CCCB; ii) packstones e grainstones com cimento microsparítico, identificados nas unidades CCCB e CMMAN; e iii) grainstones com cimento esparítico, identificados na unidade CMMAN. Estas microfácies estão associadas a diferentes posições paleoambientais numa plataforma carbonatada interna a intermédia. Através deste estudo, e para o referido intervalo registado no setor ocidental da Bacia do Algarve, foi possível identificar duas sequências limitadas por descontinuidade, sendo esta datada da extrema base do Toarciano inferior, correspondendo ao limite entre as referidas duas unidades. Este exercício sequencial permitiu estabelecer correlações com os principais eventos tectono-eustáticos reconhecidos noutras bacias de domínio tetisiano (Cadeia das Bética, Alto Atlas, Rif ) e domínio Atlântico (Bacia Lusitânica). Palavras-chave: Microfácies, análise sequencial, Jurássico Inferior, Bacia do Algarve. Abstract Based on the Baía de Armação Nova and Ponta dos Altos (Algarve) stratigraphic sections, mineralogical and petrographic studies were performed in the Pliensbachian-Toarcian (Lower Jurassic) transition, concerning the “Calcário cristalino compacto de Belixe” (CCCB) and “Calcários margosos e margas de Armação Nova” (CMMAN) units. Microfacies analysis performed upon these informal lithostratigraphic units allowed the recognition of three main microfacies types: i) dolostone, identified on CCCB unit; ii) packstones and grainstones with microspar cement, identified on CCCB and CMMAN units; and iii) grainstones with spar cement, identified on CMMAN unit. These microfacies are associated to innermid carbonate ramp paleoenvironments. Within the referred time interval in the western sector of the Algarve Basin, this study allowed the identification of two sequences bounded by a major discontinuity dated from the extreme base of lower Toarcian Stage, which is the boundary between the two referred lithostratigraphic units. This sequential exercise allowed to establish correlations with major tectono-eustatic events recognized on other basins of Tethys domain (Betic Cordillera, High Atlas, Rif) and Atlantic domain (Lusitanian Basin).
Keywords: Microfacies, sequential analysis, Lower Jurassic, Algarve Basin.
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44 Caracterização sedimentológica e microfaciológica da transição Pliensbaquiano - Toarciano da região de Sagres (Bacia do Algarve, Portugal); interpretação paleoambiental e evolução sequencial
1. Introdução À semelhança de outras bacias tetisianas, o Jurássico da Bacia do Algarve (BA) é dominado por uma sucessão essencialmente de natureza carbonatada (e.g. Rocha, 1976; Terrinha et al., 2013). Apesar desta forte expressão bacinal são poucos os trabalhos de detalhe no que concerne à análise sedimentar de determinadas porções estratigráficas. Sendo assim, o presente trabalho tem como principal objetivo uma caracterização microfaciológica da porção estratigráfica correspondente à transição Pliensbaquiano – Toarciano, numa sucessão que não excede os 10 m de espessura. A partir deste estudo, pretende-se esclarecer um pouco mais sobre as características sedimentológicas desta transição estratigráfica, bem como fazer uma análise sobre a evolução vertical dos ambientes deposicionais identificados e, com isso, tentar estabelecer uma caracterização sequencial para o referido intervalo no setor ocidental da BA. Para esse efeito foram estudados os perfis da Baía de Armação Nova e de Ponta dos Altos (região de Sagres; Fig. 1), únicas
secções de referência deste intervalo na BA, em termos de análise petrográfica, complementado através de estudo mineralógico por difração de raios X. 2. Enquadramento geológico e estratigráfico A BA é uma bacia sedimentar localizada no bordo sudoeste da Península Ibérica, apresentando um enchimento do Triásico ao Cretácico Inferior, sendo no seu bordo sudoeste que se observam os principais afloramentos de idade jurássica (e.g., Rocha, 1976; Terrinha et al., 2013). A sedimentação uniforme que se verificou até final do Sinemuriano, dá lugar, a partir do Pliensbaquiano, a uma variação lateral de fácies em toda a BA, com ambientes tectono-sedimentares distintos, no qual se enquadram as unidades estudadas (Fig. 2; ver, também, Rocha, 1976): Calcário cristalino compacto de Belixe (CCCB) – Unidade composta por calcários, regularmente estratificados (0,2 a 0,3 m de espessura), que alternam com margas amareladas com abundante fauna de bivalves, braquiópodes e belemnites.
Figura 1 – Mapa geológico simplificado da região de Sagres (sub-bacia ocidental do Algarve) com a localização dos perfis estudados. 1) Baía de Armação Nova; 2) Ponta dos Altos. Adaptado de Borges (2012) e baseado na Folha 5-B vila do Bispo da Carta Geológica de Portugal, na escala de 1/50 000 (Manuppella & Perdigão, 1972). Figure 1 – Simplified geological map of Sagres region (western Algarve sub-basin) with the location of the studied sections. 1) Baía de Armação Nova; 2) Ponta dos Altos Adapted from Borges (2012) and based on Geological Map of Portugal, scale 1/50 000, 51-B Vila do Bispo (Manuppella & Perdigão, 1972).
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A ocorrência esporádica de amonoides permite datar a unidade do Pliensbaquiano Superior à extremidade Inferior do Toarciano Inferior; Calcários margosos e margas de Armação Nova (CMMAN) – Unidade composta por alternâncias margo-calcárias de cor amarelada, com abundante macrofauna de belemnites, amonoides, bivalves e braquiópodes. Esta é datada do Toarciano inferior, e apresenta uma maior expressão margosa em relação à unidade subjacente.
3. Métodos e técnicas
Figura 2 – Quadro litostratigráfico simplificado do Pliensbaquiano-Toarciano inferior da sub-bacia ocidental do Algarve (Rocha, 1976). Figure 2 – Simplified lithostratigraphic chart of the Pliensbachian – lower Toarcian of the western Algarve sub-basin (Rocha, 1976).
A caracterização microfaciológica realizada teve como base o estudo detalhado do perfil de Baía de Armação Nova, anteriormente descrito por Rocha (1976), bem como observações mais dispersas no afloramento de Ponta dos Altos (Fig. 3). Foram recolhidas amostras de todos os níveis mais carbonatados da sucessão estudada, tendo sido selecionadas 13 delas para análise microfaciológica, através da execução de lâminas delgadas. Este estudo foi efe-
Figura 3 – a) Perfil da Baía de Armação Nova; b) Sucessão superior da unidade CCCB (Pliensbaquiano superior – extrema base do Toarciano), composta de alternâncias marga/calcário, aflorante na Baía de Armação Nova; c) Perfil de Ponta dos Altos. Figure 3 – a) Baía de Armação Nova section; b) Uppermost CCCB unit section (upper Pliensbachian – lowermost Toarcian), composed of marl/limestones alternations, cropping out at Baía de Armação Nova; c) Ponta dos Altos section.
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tuado num microscópio petrográfico Nikon Eclipse ∈ 400 Pol, utilizando os modos de luz polarizada plana (PPL) e luz polarizada cruzada (XPL). Para o efeito, e para além de todo o processo de descrição, foram utilizadas as classificações de Folk (1959, 1962) e Dunham (1962). Tendo em conta que todas as amostras correspondem a rochas carbonatadas, o estudo mineralógico teve como objetivo principal fazer o despiste relativamente à ocorrência de dolomite. No processo de semiquantificação mineralógica foi aplicado o procedimento contido em Gomes (1986).
4. Resultados o resultado do estudo mineralógico realizado encontra-se sumariado na tabela 1, assim como as classificações petrográficas de cada lâmina delgada observada. Unidade CCCB – Esta unidade compreende na base dolomito cristalino médio com uma componente ortoquímica constituída por cristais subédricos
a anédricos de dolomite (Fig. 4a). Superiormente, observam-se packstones a grainstones com uma grande expressão de cimento microesparrítico (exibindo, muito localmente, cristais de dolomite com fábrica planar-e), em que a componente aloquímica é dominada por peloides, apresentando também intraclastos, raros ooides (Fig. 4b) e ainda uma fração bioclástica composta por equinodermes, foraminíferos bentónicos, bivalves, braquiópodes e raros ostracodos (Fig. 4c). Mostram ainda óxidos de ferro, quartzo (<3%) e glauconite (<1%). A comparação dos dois perfis analisados indica que esta unidade apresenta uma grande variabilidade mineralógica no seu topo pois, estes packstones a grainstones mostraram na Baía de Armação Nova ausência de dolomite, contrariamente ao afloramento de Ponta dos Altos, onde se observam grainstones com cristais de dolomite (que pode atingir cerca de 23%) com fábrica planar-e (Fig. 4d). Estes dados foram confirmados através da difração de raio X.
Tabela 1 – Sumário dos resultados obtidos a partir da difração de RX realizada sobre as amostras estudadas, assim como a classificação destas segundo Folk (1959, 1962) e Dunham (1962). C – Calcite; D – Dolomite; Q – Quartzo. Table 1 – Summary of the results obtained through XR diffraction realized on the studied samples, and its classification according to Folk (1959, 1962) and Dunham (1962). C – Calcite; D – Dolomite; Q – Quartz. Unidade
Amostra
%C
%D
%Q
Folk
Dunham
CMMAN
AN10
100
0
0
Pelintrabiomicrosparito
Grainstone
CMMAN
AN9
95
0
5
Pelmicrosparito
Packstone
CMMAN
AN8
100
0
0
Pelmicrosparito
Packstone
CMMAN
AN7
-
-
-
oointrabiosparito
Grainstone
CMMAN
AN6
100
0
0
Intraoobiosparito
Grainstone
CMMAN
AN5
-
-
-
Intraoobiosparito
Grainstone
CMMAN
PA3
93
7
0
Intraoosparito
Grainstone
CCCB
PA2
76
23
1
Peldolosparito
Grainstone
CCCB
PA1
76
23
1
Peldolosparito
Grainstone
CCCB
AN4
-
-
-
Intrapelmicrosparito
Grainstone
CCCB
AN3
98
0
2
Pelintrabiomicrosparito
Packstone
CCCB
AN2
99
0
1
Pelbiomicrosparito
Packstone
CCCB
AN1
0
100
0
Dolomito cristalino médio
Dolomito cristalino
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David vaz, Luís v. Duarte, Paulo Fernandes 47
ASSoCIAção PoRTUGUESA DE GEóLoGoS
A
B
C
D
E
F
Figura 4 – Aspetos microfaciológicos do Pliensbaquiano superior – Toarciano inferior da BA. a) – Dolomito cristalino com cristais de dolomite subédricos a anédricos (PPL, CCCB); b) – Intrapelmicrosparito / grainstone com pormenor de ooide (1) (PPL, CCCB); c) – Pelbiomicrosparito / packstone com pormenor de ostracodo (1) e equinídeo (2) (XPL, CCCB); d) – Peldolosparito / grainstone com abundância de romboedros de dolomite euédricos a subédricos, com ocorrência de glauconite (1) (PPL, CCCB); e) – Intraoosparito / grainstone com cimento granular (cg) e pormenor de foraminífero (miliolídeo) (1) e gastrópode (2) (PPL, CMMAN); f) – Pormenor de romboedro de dolomite no cimento esparítico em intraoosparito / grainstone (XPL, CMMAN). Figure 4 – Microfaciologic features of the upper Pliensbachian – lower Toarcian of the Algarve Basin. a) – Dolostone with subedric to anedric dolomite crystals (PPL, CCCB); b) – Intrapelmicrospar / grainstone with ooid detail (1) (PPL, CCCB); c) – Pelbiomicrospar / packstone with ostracod (1) and echinoid (2) detail (XPL, CCCB); d) – Peldolospar / grainstone with abundance of euedric to subedric dolomite rhombs, with the occurrence of glauconite (1) (PPL, CCCB); e) – Intraoospar / grainstone with granular cement (cg) and foraminifera (miliolid) (1) and gastropod (2) detail (PPL, CMMAN); f) – Detail of dolomite rhomb in the spar cement in an intraoospar / grainstone (XPL, CMMAN).
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48 Caracterização sedimentológica e microfaciológica da transição Pliensbaquiano - Toarciano da região de Sagres (Bacia do Algarve, Portugal); interpretação paleoambiental e evolução sequencial
Unidade CMMAN – Esta unidade apresenta na base grainstones com cimento esparítico granular (localmente com cristais de dolomite disseminados no cimento). A componente aloquímica é dominada por intraclastos e ooides radiais e micritizados, ocorrendo em menor quantidade uma fração bioclástica, na qual os equinodermes e foraminíferos são dominantes, com braquiópodes, gastrópodes e bivalves mais raros (Fig. 4e). Mostra ainda óxidos de ferro, quartzo (<6%) e glauconite (<1%). À semelhança da unidade anterior, embora com muito menor expressão, os grainstones do perfil de Ponta dos Altos exibem dolomite (máximo de 7%) disseminada no cimento (Fig. 4f). Para o topo desta unidade ocorrem packstones a grainstones semelhantes aos descritos anteriormente.
5. Evolução vertical da sucessão estratigráfica Tal como foi dito, não são muitos os trabalhos consagrados à análise vertical da sucessão sedimentar registada no Jurássico da BA (ver, por exemplo, Rocha, 1976; Rocha et al., 1979; Rocha & Marques, 1979; Manuppella et al., 1988; Manuppella, 1988, 1992; Marques & olóriz, 1989a, 1989b; olóriz et al., 1991; Marques et al., 1992, 1993, 1998; Terrinha, 1998; Terrinha et al., 2002; Azerêdo et al., 2003; Terrinha et al., 2013), e muito menos os relacionados com o intervalo em causa. A análise prévia dos dois perfis circunscreve-se ao trabalho de Rocha (1976) e a análises muito parcelares em termos palinológicos (Borges, 2012) e de ostracodos (Soulimane et al., 2017). Muito longe de ser uma análise exaustiva, os resultados obtidos no presente trabalho contribuem para uma discussão sobre a evolução sedimentar ocorrida na transição Pliensbaquiano – Toarciano do setor ocidental da BA. Tal como é evidenciado na figura 3, o limite entre as duas unidades estudadas marca uma descontinuidade importante no processo sedimentar, apoiado por critérios macro e microfaciológicos, entre duas sequências transgressivo-regressivas: Sequência P (SP) – Pliensbaquiano superior – extrema base do Toarciano inferior e Sequência T (ST) – Toarciano inferior. 5.1. Pliensbaquiano superior – extrema base do Toarciano inferior (SP) Acima da descontinuidade entre o Pliensbaquiano inferior e superior (ver Terrinha et al., 2002;
Ribeiro & Terrinha, 2007), define-se a unidade CCCB do Pliensbaquiano superior, aflorante na Baía de Armação Nova e Ponta dos Altos (Fig. 3). Esta é composta por um corpo dolomítico compacto na base (Rocha, 1976), que corresponde microscopicamente a dolomito cristalino, possivelmente disposto numa zona mais proximal da plataforma, e assim mais suscetível à ação diagenética. Esta unidade evolui para calcários compactos, levemente bioclásticos, que correspondem, na realidade, a packstones a grainstones. Apesar de conterem alguma macrofauna nectónica (frequentes belemnites e amonoides mais raros), só poderão ser interpretados como pertencentes a uma zona intermédia de plataforma, dada a ocorrência de intraclastos e de ooides. A maior contribuição argilosa desta unidade evidencia o culminar de uma tendência transgressiva, que antecede um incremento de fácies carbonatada na sua porção superior, resultante de clara fase regressiva, dada a sua disposição estratocrescente (Fig. 3). A ocorrência significativa de glauconite em toda a sucessão traduz uma sedimentação que parece indiciar baixas taxas de acumulação. Apesar da curta distância entre os dois perfis (Fig. 1), a secção de Ponta dos Altos apresenta uma maior expressão carbonatada (Fig. 3), comparativamente à de Baía de Armação Nova, o que parece testemunhar um ambiente mais proximal. Esta particularidade poderá ter potenciado uma maior preponderância de processos diagenéticos, tal como é sugerido pela ocorrência de dolomite. o limite sequencial é marcado por uma rutura sedimentar muito marcante, datada da extrema base da Zona Semicelatum (topo da Subzona Pseudo-commune; ver Rocha, 1976) (Fig. 5a), que antecede a sucessão mais margosa da unidade CMMAN. 5.2. Toarciano inferior (ST) A sucessão margo-calcária da unidade CMMAN, de domínio margoso (margas de espessura decimétrica a métrica), embora com uma macrofauna algo semelhante à unidade anterior, é uma evidência significativa de um processo deposicional em clara fase transgressiva. Uma outra boa evidência é a ocorrência de Zoophycos, um icnogénero até então ausente das unidades subjacentes, e que é característico essencialmente de ambientes marinhos de plataforma externa (olivero, 2003; Zhang et al., 2015). Este facto é igualmente observável na base do Toarciano inferior da Bacia Lusitânica (ver Duarte,
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1997; Duarte et al., 2004), facto que corrobora este efeito transgressivo mais generalizado. Contudo, estes factos macrofaciológicos parecem não coincidir com as microfácies das litologias mais calcárias, maioritariamente compostas por grainstones com cimento esparítico granular e materializado por intraclastos e ooides (Fig. 4e, f), características típicas de plataforma interna a intermédia. Neste contexto, uma possível interpretação para a ocorrência de fácies tão calciclásticas num regime claramente transgressivo, dominado alternadamente por processos de decantação, será através de uma sedimentação resultante de mecanismos turbidíticos ou tempestíticos
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distais. Deverá esta interpretação ser investigada, o que se vislumbra complexa devido à falta de outros afloramentos de estudo alternativos na BA, que permitam uma análise faciológica lateral desta unidade. Estas dificuldades de observação e de registo sedimentar na BA estendem-se ao Toarciano médio e superior, o que não permite uma definição clara em termos sequenciais. Na verdade, e já anteriormente admitido por Rocha (1976), não se reconhecem na BA depósitos datados do Toarciano médio a superior, e quase todo o Aaleniano, sendo a Zona Serpentinum a porção mais recente do Jurássico Inferior registado na bacia.
6. Comparação à escala regional
A
B
Figura 5 – Feições da descontinuidade intra Zona Tenuicostatum (=Polymorphum). a) – Baía de Armação Nova, BA (DA2); b) - Fonte Coberta, Bacia Lusitânica (“DT1” em Duarte et al., 2004; Duarte, 2007; “D5a” em Kullberg et al., 2013). Figure 5 – Features of the intra Tenuicostatum Zone (=Polymorphum) discontinuity. a) – Baía de Armação Nova, Algarve Basin (DA2); b) – Fonte Coberta, Lusitanian Basin (“DT1” in Duarte et al., 2004; Duarte, 2007; “D5a” in Kullberg et al., 2013).
A influência das forças tectónicas na génese de cada bacia sedimentar é algo irrefutável, condicionando a evolução e o desenvolvimento dos prismas sedimentares localmente. A BA não é exceção, especialmente a partir do Pliensbaquiano quando, de acordo com Manuppella et al. (1988), se deu uma compartimentação em sub-bacias, originando ambientes deposicionais distintos nos vários setores da BA. A complexidade tectónica desta bacia, com fortes evidências no Pliensbaquiano inferior (e.g., Terrinha et al., 2002; Ribeiro & Terrinha, 2007; Ramos et al., 2015), dificulta o exercício de observação estratigráfica e condiciona qualquer tentativa de interpretação sequencial. No entanto, sem dúvida que as forças tectónicas terão desempenhado um papel importante na delimitação das sequências aqui reconhecidas. No exercício de correlação entre o enchimento sedimentar reconhecido na sub-bacia ocidental da BA e os das bacias mais próximas, como são os casos da Bacia Lusitânica (Duarte, 1997, 2007; Duarte et al., 2004, 2010; Azerêdo et al., 2014), Cadeia das Béticas (Ruiz-ortiz et al., 1989; o’Dogherty et al., 2000; Aurell et al., 2003; Ruiz-ortiz et al., 2004), bacias marroquinas (Addi et al., 1998; Sadki, 1992; Mehdi et al., 1994; Ettaki et al., 2000, 2005, 2008; Igmoullan et al., 2001; Merino-Tomé et al., 2012), bem como com o esquema sequencial proposto por Hardenbol et al. (1998) para o domínio tetisiano, é possível estabelecer algumas semelhanças nos processos evolutivos das referidas bacias (Fig. 6). Tendo em conta a sua dimensão temporal, esta proposta de hierarquização sequencial pode ser considerada equivalente aos ciclos transgressivosregressivos de 2ª ordem de Jacquin & De Graciansky
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(1998) (ver também, Hardenbol et al., 1998), que constitui a referência em termos de interpretação sequencial para o Jurássico das bacias norte-europeias.
6.1. Fase regressiva do Pliensbaquiano superior – extrema base do Toarciano inferior Da análise da figura 6, é evidente o enchimento de 2ª ordem numa altura em que se fazia sentir uma descida global do nível médio do mar (Hardenbol et al., 1998). o topo desta fase regressiva, materiali-
zado na BA pela descontinuidade intra Zona Tenuicostatum (=Polymorphum), (Figs. 5a e 6; DA2), é particularmente evidenciada noutras bacias vizinhas, nomeadamente na Bacia Lusitânica (Fig. 5b; “D5a” em Kullberg et al., 2013 = “DT1” em Duarte, 2007; Duarte et al., 2004, 2010), na Cadeia das Béticas (“Discontinuidad Lías medio” em Ruiz-ortiz et al., 1989) e em Marrocos, tanto no Alto Atlas (“Discontinuité post-pliensbachienne” em Sadki,1992; “D4” em Ettaki et al., 2008; “angular erosive unconformity” em Merino-Tomé et al., 2012) como no setor oriental do Rif (Mehdi et al., 1994).
Figura 6 – Comparação da análise sequencial proposta neste trabalho para o Pliensbaquiano superior – Toarciano do setor ocidental da BA com os esquemas sequenciais admitidos para a Bacia Lusitânica, bacias da Cadeia das Béticas e do Alto Atlas e com os ciclos de 1ª e 2ª ordem identificados para o domínio tetisiano (Hardenbol et al., 1998). Figure 6 – Comparison of the sequential analysis proposed in this work for the upper Pliensbachian – lower Toarcian of the western sub-basin of the Algarve Basin, with the sequential schemes admitted for the Lusitanian Basin, Betic Chain and High Atlas basins, and the 1ª and 2ª order cycles identified for the Tethys domain (Hardenbol et al., 1998).
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6.2. Fase transgressiva do Toarciano inferior A sedimentação margosa, da base do Toarciano inferior, marca claramente uma sequência transgressiva de 2ª ordem, num momento evolutivo em que se fazia sentir uma subida global do nível médio do mar (Fig. 6; Hardenbol et al., 1988). A mesma sequência transgressiva foi identificada na Bacia Lusitânica (Duarte, 2007; Duarte et al., 2010; Azerêdo et al., 2014) e também noutros setores de domínio tetisiano, nomeadamente na Cadeia das Béticas (Aurell et al., 2003) e no Alto Atlas (Ettaki et al., 2008) (Fig. 6). Tal como foi referido anteriormente, não são reconhecidos na BA sedimentos do Toarciano médio e superior, nem de quase todo o Aaleniano (Rocha, 1976). Uma particularidade que tem sido justificada por Terrinha et al. (2002) através de tectonismo, devido especialmente a uma fase compressiva. Num contexto regional, esta ausência completa de sedimentos durante grande parte do Toarciano e do Aaleniano é uma situação que parece ser exclusiva da BA, já que os outros locais de domínio tetisiano anteriormente referidos (Cadeia das Béticas e Marrocos), embora mostrem descontinuidades ao longo deste intervalo, contêm ainda assim um registo sedimentar contínuo (Ruiz-ortiz et al., 1989; o’Dogherty et al., 2000; Aurell et al., 2003; Addi et al., 1988; Sadki, 1992; Mehdi et al., 1994; Ettaki et al., 2008; Igmoullan et al., 2001). o mesmo acontece na Bacia Lusitânica, onde o intervalo Toarciano – Aaleniano inferior se encontra particularmente bem estudado do ponto de vista sequencial (e.g., Duarte, 1997; 2007; Duarte et al., 2004). Apesar deste registo contínuo verificado na Bacia Lusitânica, uma importante descontinuidade de origem tectónica (“DT2”) tem sido apontada por Duarte (1997, 2007) e por Duarte et al. (2004) para o limite entre as zonas Polymorphum – Levisoni (Fig.6). Este evento terá sido responsável pela sedimentação turbidítica e tempestítica observada em vários setores da Bacia Lusitânica (ver, por exemplo, Wright & Wilson, 1984; Duarte, 1997), bem como testemunhada por paleossismitos observados na região da Arrábida, na extremidade sul da referida bacia (ver Kullberg et al., 2001). Neste contexto, parece existir alguma similitude quanto aos tipos de eventos tectónicos reconhecidos nas duas bacias portuguesas. 7. Conclusão A análise microfaciológica realizada na passagem Plienbaquiano – Toarciano registada na BA mostra uma sucessão carbonatada, localmente dolomítica,
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dominada por sedimentos calciclásticos, que materializam litologias do tipo packstone e grainstone. Apesar destas microfácies indiciarem um ambiente marinho sujeito a condições de elevada energia, particularmente pouco profundo, o conteúdo paleontológico, nomeadamente a ocorrência de fósseis de organismos nectónicos (belemnites e amonoides), permitem configurar um ambiente de plataforma intermédia. Neste contexto, e apesar de não se detetar uma grande variação microfaciológica, evidencia-se na BA uma descontinuidade importante, datada da extremidade basal do Toarciano inferior, que delimita no processo evolutivo da bacia duas sequências transgressivo-regressivas de 2ª ordem (SP e ST). o incremento de sedimentação margosa observada na base da Biozona Tenuicostatum (base do Toarciano inferior), com particular abundância de amonoides e ocorrência de Zoophycos, está claramente associado a um aprofundamento das condições deposicionais. Com o presente trabalho, e apesar do elevado controlo tectónico da BA, evidenciase a similitude do registo sedimentar observado em torno do limite Pliensbaquiano – Toarciano, com os esquemas sequencias admitidos para as bacias tetisianas e peri-atlântica mais próximas. Agradecimentos Este trabalho foi realizado no âmbito do Projeto Estratégico UID/MAR/04292/2013, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. os autores agradecem as sugestões de Ana Cristina Azerêdo que contribuíram para a versão final do manuscrito. Referências Addi, A.A., Chellaï, E.H., Ben Ismail, M.H., 1998. Les paleoenvironments des facies du Lias supérieurDogger du Haut-Atlas d’Errachidia (Marroc). Africa Geoscience Review, 5, 39-48. Aurell, M., Robles, S., Bádenas, B., Rosales, I., Quesada, S., Meléndez, G., Garcia-Ramos, J.C., 2003. Transgressive–regressive cycles and Jurassic palaeogeography of northeast Iberia. Sedimentary Geology, 162, 3, 239-271. Azerêdo, A.C., Duarte, L.v., Henriques, M.H., Manuppella, G., 2003. Da dinâmica continental no Triásico aos mares no Jurássico Inferior e Médio. Cadernos Geológicos de Portugal. Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa, 43. Azerêdo, A.C., Duarte, L.v., Silva, R.L., 2014. Configuração sequencial em Ciclos (2ª ordem) de Fácies Transgressivas-Regressivas do Jurássico Inferior e Médio da Bacia Lusitânica (Portugal). IX Congresso
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GEOnOvAS n.º
ASSOCiAçãO POrtUGUESA DE GEóLOGOS
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Interpretação paleoambiental de sequências híbridas do Kimmeridgiano da Bacia Lusitânica – o corte da Consolação e o poço Lourinhã-1 Cláudia Escada1*, Mariana Martinho1, Bruno Nunes1, Diogo Borges1, Nuno Pimentel1 1
GeoFCUL – Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa – Campo Grande 016 – 1749-016, Lisboa *
Autor correspondente; claudia.escada@gmail.com
Resumo O estudo de sequências estratigráficas de idade Kimmeridgiana, aflorantes na área da Consolação (a Sul de Peniche, costa oeste portuguesa) e da sequência cronoequivalente atravessada no poço de pesquisa Lourinhã-1 (localizado a 10 km a SE da região em estudo) permitiu a reconstituição paleoambiental e paleogeográfica bem como a definição dos ciclos de variações relativas do nível do mar que afetaram a região. Com base no trabalho de campo e nas diagrafias do poço, foi possível associar a sucessão vertical de fácies a um ambiente de plataforma costeira híbrida (afloramento) e plataforma carbonatada (poço). As variações relativas do nível do mar foram inferidas a partir do gráfico de variação de salinidade da Consolação e da curva de gamma ray do poço Lo-1, definindo-se em ambos os casos quatro ciclos eustáticos de 3ª ordem. Palavras-chave: Consolação, nível do mar, plataforma carbonatada, gamma ray. Abstract The study of the Kimmeridgian stratigraphic sequences outcropping at Consolação (South of Peniche, Portuguese west coast) and the equivalent sequences intersected by the Lourinhã-1 exploration well (located 10 km SE of the study region) allowed a paleoenvironmental and paleogeographic reconstitution and to define the relative sea-level variation cycles that affected the region. Based on the field work and the well logs, it was possible to associate a vertical succession of facies with a hybrid coastal platform environment (outcropping sequence) and a carbonate platform (well sequence). The sea level variations were inferred from the salinity variations graphic of the Consolação outcrop and the Lo-1 gamma ray log. In both cases, were defined four relative sea level variation cycles of 3rd order.
Keywords: Consolação, sea level, carbonate platforms, gamma ray.
1. Introdução A qualidade dos afloramentos na costa ocidental portuguesa, particularmente entre Ericeira e nazaré, permite uma excelente visualização das sequências estratigráficas siliciclásticas do Jurássico Superior a diferentes escalas. A área de trabalho corresponde às arribas localizadas a Sul da praia da Consolação (Peniche), tendo sido estudado um troço de costa com cerca de 500 m no qual afloram margas arení-
ticas e calcários detríticos, depositados em ambiente marinho costeiro, considerados equivalentes laterais do topo da Formação de Alcobaça de idade Kimmeridgiana (taylor et al., 2014). Esta unidade litostratigráfica foi atravessada em diversos poços de pesquisa de hidrocarbonetos na Bacia Lusitânica, tendo sido obtidas as respetivas diagrafias e testemunhos à escala centimétrica a métrica. neste trabalho estudou-se o poço Lourinhã-1 (Lo-1), localizado a cerca de 10 km a SE da área em estudo.
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Para o desenvolvimento deste trabalho foi utilizado como referência o log estratigráfico desenvolvido por Werner (1986) na região da Consolação, visto que o principal objetivo do mesmo foi a caraterização das associações faunísticas presentes nas litologias aflorantes na área em estudo. Uma outra referência bibliográfica importante foi Alves et al. (2003), utilizada com o objetivo de comparar os dados obtidos em afloramento com os dados do poço Lo-1. O presente trabalho consiste na comparação de sequências estratigráficas de idade Kimmeridgiana, aflorantes na costa ocidental portuguesa, mais concretamente na área da Consolação, e das sequências equivalentes atravessadas no poço de pesquisa Lo-1 efetuado pela Companhia dos Petróleos de Portugal, com base na sucessão vertical de fácies e respetivas diagrafias, nomeadamente a curva de gamma ray. A correlação entre estas duas abordagens permitiu documentar tecnicamente as fácies da Consolação e da Lourinhã para interpretar a paleogeografia e o paleoambiente da região, analisar a ciclicidade associada a ambas as sequências e, consequentemente, evidenciar os ciclos eustáticos que afetaram a região em estudo. 2. Enquadramento geológico A Bacia Lusitânica, localizada ao longo da Margem Ocidental ibérica, apresenta uma área de 20 000 km2 na zona centro-oeste do território português (rasmussen et al., 1998). Esta constitui umas das bacias marginais, do tipo rift Atlântico, que se formou em resposta à extensão Mesozóica e, subsequente, abertura do Oceano Atlântico norte. Esta bacia apresenta uma dimensão total de 300 km e largura de 150 km, incluindo a sua extensão offshore (Azerêdo, et al. 2002). A espessura máxima do preenchimento sedimentar da Bacia Lusitânica cifra-se em cerca de 5 km (Azerêdo et al. 2002). nesta bacia, encontram-se representados dois estádios principais de rifting relacionados com intenso estiramento crustal (Pimentel & Pena dos reis, 2016). O Jurássico Superior corresponde à fase principal de extensão, com subsidência ativa e intensa sedimentação, em especial no depocentro das diversas sub-bacias (turcifal, Arrufa e Bombarral). Embora a maior parte dos sedimentos apresente idade Jurássica, estando diretamente relacionados com a fase principal de rifting e subsidência da bacia, existem também unidades com idades compreendidas entre o triásico Superior e o Cretácico Superior (Azerêdo et al., 2002), caraterizados por sedimentos
maioritariamente siliciclásticos e carbonatados, com uma cobertura terciária. A Formação da Abadia e a Formação de Alcobaça, consideradas equivalentes laterais (taylor et al., 2014), correspondem ao climax do rifting no Jurássico superior e caraterizam-se por uma mistura de sedimentos clásticos e carbonatados, depositados em ambiente de bacia e de plataforma costeira, respetivamente. Para o topo, com a atenuação da subsidência, a bacia tendeu para a colmatação, dando lugar à deposição de sedimentos fluvio-deltaicos progradantes, correspondentes à Formação da Lourinhã (Hill, 1988). O corte da Consolação corresponde a esta fase evolutiva, na qual os sedimentos marinhos costeiros dão lugar a sedimentos fluvio-deltaicos observáveis em São Bernardino, a poucos quilómetros a Sul da área em estudo. Esta sucessão estratigráfica, observada em contexto de afloramento, encontra-se também registada nos poços realizados na região, nomeadamente no poço Lo-1, detetada entre os 700-900 m de profundidade (Alves et al., 2003). 3. Metodologia Face aos objetivos propostos, as tarefas deste trabalho incluíram a: i) caracterização e documentação em afloramento (Consolação) das camadas referentes ao Kimmeridgiano inferior a Médio, que correspondem à Formação de Alcobaça (Fevereiro et al., 2014); ii) caracterização e documentação das diagrafias dessas unidades em poço (Lo-1); e iii) correlação dos aspetos observados diretamente em afloramento com os dados obtidos indiretamente em poço. Para a concretização destas tarefas, o trabalho foi dividido em várias etapas, tendo sido adotados, para cada uma delas, diferentes métodos de estudo. numa primeira fase, procedeu-se ao levantamento bibliográfico de modo a caraterizar a região do ponto de vista geológico e estratigráfico. Para tal, foram consultados diversos trabalhos que serviram de base para a realização deste estudo, nomeadamente Werner (1986) e Alves et al. (2003). A segunda etapa foi o trabalho de campo, com o intuito de não só de confirmar a informação previamente obtida através da recolha bibliográfica, como também como também descrever pormenorizadamente os aspetos sedimentológicos, designadamente, a litologia, o conteúdo fossilífero, as estruturas sedimentares, entre outros atributos geológicos passíveis de contribuir para a caracterização paleoambiental, tendo como referência o log estratigráfico de Werner (1986).
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A terceira etapa, realizada em gabinete, consistiu na definição de diferentes litofácies consoante as suas caraterísticas mais distintivas (nomeadamente o conteúdo fossilífero e as componentes margosa, carbonatada e argilosa). Posteriormente, foi também analisada, com base no gráfico da salinidade desenvolvido por Werner (1986) e Leinfelder et al. (2004), a sequencialidade dos ciclos eustáticos que terão afetado a área da Consolação. na quarta fase, procedeu-se ao levantamento dos dados de poço da Lourinhã (Lo-1), nomeadamente o log litostratigráfico e de gamma ray, das camadas de idade Kimmeridgiana atravessadas pelo poço (Alves et al., 2003). Através destes dados foram definidos os ciclos eustáticos que afetaram a área da Lourinhã. Por fim, a última fase deste projeto visou a reconstituição paleoambiental e paleogeográfica, à escala regional e ainda a caraterização e comparação da sequencialidade dos ciclos eustáticos que afetaram a região, entre Consolação e Lourinhã.
estudado). As estruturas internas estão essencialmente associadas às camadas com componente arenítica significativa, apresentando uma grande variedade, nomeadamente, laminações planar e em concha. Por outro lado, nas camadas lutíticas, constituídas por siltes e argilas, ocorre frequentemente laminação horizontal. Algumas das camadas são bastante ricas em conteúdo fossilífero (corais, bivalves, gastrópodes, entre outros). nas camadas lutíticas observa-se igualmente a presença de icnofósseis, expressa por indícios de bioturbação, por vezes muito abundante. toda esta variedade revelou-se bastante útil para a interpretação paleoambiental e paleogeográfica da sequência sedimentar em estudo.
4. Dados de campo O trabalho de campo constituiu a base essencial para realização deste trabalho, tendo sido desenvolvido no litoral a Sul de Peniche, mais concretamente nas arribas para Sul da Praia da Consolação. O reconhecimento do local ocorreu ao longo das arribas por uma extensão total de 515 m (Fig. 1), tendo sido utilizada uma abordagem sequencial estratonómica, que incidiu no estudo das camadas individuais e estratos em grande detalhe. Assim, procedeu-se à individualização das fácies através da combinação de análise mesoscópica e macroscópica das camadas e estruturas sedimentares. As associações de fácies que ocorrem natural e ciclicamente na sequência estratigráfica, permitiram a interpretação dos sub-ambientes e a reconstrução do sistema deposicional que caraterizou aquela região no Jurássico superior. 5. Definição das lito- e biofácies Com a realização de trabalho de campo foi possível identificar e descrever um total de 61 camadas, nas quais se colocou em evidência as litologias, estruturas sedimentares e o conteúdo fossilífero (Fig. 2). Através deste estudo, foi possível constatar que a componente carbonatada é quase constante no conjunto das camadas descritas, a par da componente lutítica, com a abundância de margas e também alguns arenitos (pouco significativos no troço
Figura 1 – Enquadramento geográfico da área em estudo. imagens retiradas do Google Maps. Figure 1 – Geographical context of the study area. Images from Google Maps.
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Apesar do trabalho de campo ter sido baseado no log de Werner (1986), a definição das litofácies, a reconstituição e interpretação paleoambiental e paleogeográfica da área em estudo tem como base o log litoestratigráfico (Fig. 2) realizado a partir dos dados de campo recolhidos no âmbito do presente estudo. Após a caraterização de todas as camadas procedeu-se à definição e descrição das litofácies. As biofácies apresentadas na tabela 1 correspondem às “associações faunísticas” definidas por Werner (1986) e que estão presentes na sequência estratigráfica agora estudada: E3-biofácies com predomínio de Isognomon, E4-biofácies com bivalves, E5-biofácies com predomínio de Plicatula; e E7-biofácies com predomínio de Lycettia – Arcomytilus.
6. Dados do poço Lo-1 tendo em vista o objetivo definido para o presente trabalho – comparação da sequência estratigráfica aflorante na área da Consolação e da sequência equivalente atravessada em poço, recorreu-se à análise da diagrafia referente a um poço realizado na região da Lourinhã em 1959, localizado a 10 km da região em estudo (Lo-1). Este poço apresenta uma profundidade máxima de 1553 metros, tendo sido analisado o troço dos 700 aos 900 m, por ser (segundo Alves et al., 2003) a sequência lateralmente equivalente à sequência aflorante na área em estudo (Formação de Alcobaça, Fevereiro et al. (2014).
Figura 2 – Log litoestratigráfico, baseado na informação obtida pelo trabalho de campo; as cores representam o código de cores utilizado para definir cada uma das litofácies (ver tabela 1). Figure 2 – Lithostratigraphic log, based on the information from the field work; the colours represent the colour code used to define each lithofacies (see table 1).
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tabela 1 – Caraterização e interpretação das litofácies definidas neste trabalho, com referências às biofácies definidas por Werner (1986). As cores correspondem a cada uma das fácies definidas neste trabalho. Table 1 – Characterization and interpretation of lithofacies defined in the present work, with reference to the biofacies defined by Werner (1986). The colors correspond to each of the facies defined in the present work. LITOLOGIA
Caracterização sedimentar
Interpretação
F1a
Calcarenitos Calcários de cor amarelada, com componente arenítica abundante e conteúdo fossilífero presente em algumas camadas. Presença de estruturas em concha e planar. Camadas por vezes lenticulares.
F1b
Calcários bioclásticos
Calcários de cor amarelada-acinzentada, com conteúdo fossilífero abundante (corais autóctones e alóctones, isognomon, bivalves e raros gastrópodes, biofácies E5). Ocorrência de variações nas componentes argilosa e arenítica, presença de carvão. Camadas por vezes lenticulares.
Ambientes de energia moderada a alta, com influência importante de acarreios provenientes de corpos recifaise bioclásticos.
F2
Margas bioclásticas
Margas com fósseis, nomeadamente corais, com componente arenítica e calcária.
Ambientes de energia moderada, com sedimentação híbrida, incluindo acarreios bioclásticos e terrígenos finos.
F3
Calcários margosos
Calcários margosos de cor esbranquiçada a amarelada, com variações de componente arenítica e siltítica. Conteúdo fossilífero abundante (corais, biofácies E3, E5 e E4) e camadas com bioturbação (galerias). Presença de laminação planar. Camadas por vezes lenticulares.
Ambientes de energia moderada a baixa, com sedimentação híbrida em que predomina a precipitação carbonatada micrítica.
F4
Margas siltosas
Margas siltosas de cor predominantemente cinzenta, com pequenas variações avermelhadas a acastanhadas. Conteúdo fossilífero muito raro (presença de apenas uma camada com fósseis com associação fossilífera E7). Presença de estruturas planares e carvão (abundantes em certas camadas). variações na componente carbonatada, argilítica e arenítica.
Ambientes de baixa energia, algo afastados da dinâmica costeira e propícios à decantação de material fino com pequenas alternâncias de granularidade, juntamente com alguma precipitação química de carbonatos micríticos.
F5
Lutitos
Lutitos apresentam uma cor acinzentada (com variações no tom do cinzento). Presença de carvão e indícios de bioturbação.
Ambientes de baixa energia, afastados da dinâmica costeira e propícios à decantação de material fino.
F6
Arenitos
Arenitos cinzentos, com conteúdo fossilífero, nomeadamente bivalves. Camadas lenticulares por vezes intercaladas noutras camadas. variações na componente carbonatada.
Ambientes de energia alta a moderada, com abundantes acarreios de proveniência fluvial, possivelmente retrabalhados pela dinâmica costeira.
Durante a perfuração de um poço é possível obter um leque variado de informação que permite a avaliação das formações. no poço em estudo, realizaram-se diagrafias nucleares, nomeadamente o gamma ray (Gr) e neutrões, que permitem obter propriedades petrofísicas através da medição de radiações nucleares provenientes das litologias presentes. Este tipo de radiação é constituída por partículas nucleares alfa (α), beta (β) e gama (γ). Como as duas primeiras têm pouca profundidade de penetração numa formação geológica, a radiação gama é a que tem um maior interesse para este contexto.
7. Coluna litoestratigráfica do poço Lo-1 De acordo com Alves et al. (2003), a descrição litológica das camadas atravessadas pelo poço permite
Ambientes de energia moderada a alta, com influência importante de acarreios provenientes da parte vestibular de sistemas fluviais, retrabalhados pela dinâmica costeira.
correlacionar os valores de gamma ray obtido com as litologias correspondentes. A descrição das camadas (informação presente na pasta de poço Lo-1) ocorreu de 2 em 2 m e de 4 em 4 m, tendo sido posteriormente realizado um log litoestratigráfico, no qual este trabalho vai ser baseado, de modo a correlacionar com os dados de campo (Fig. 7). Com base na coluna litoestratigráfica do poço Lo-1 (troço dos 700 aos 900 m) é possível definir, em termos gerais, três litofácies: FM) margas; FCM) calcários margosos; e FCSC) calcários semi-cristalinos. De acordo com as descrições igualmente disponibilizadas na pasta de poço, foi possível caraterizar, em traços gerais, as litofácies definidas. As margas FM apresentam coloração cinzenta, finamente micáceas, por vezes ligeiramente biotíticas e carbonosas, com alguns veios de calcite branca, pequenas fraturas e ainda nódulos piritosos obser-
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vados no testemunho nº 4 (Companhia dos Petróleos de Portugal, 1959). Os calcários margosos FCM apresentam, em geral, tons de cinzento, castanho-acinzentado a castanho-escuro, com componente micácea, compactos e, por vezes, fossilíferos. Os calcários semi-cristalinos FCSC apresentam cor bege acastanhado a bege acinzentado, são frequentemente fossilíferos e compactos, podendo por vezes apresentar alguma componente margosa e indícios de alteração. 8. Interpretação dos dados de campo: reconstituição paleoambiental e paleogeográfica A sequência estratigráfica em estudo foi depositada em ambiente de transição, margino-marinho, mais concretamente de plataforma costeira, com predomínio de sedimentação margosa e siltoargilosa. Uma caraterística importante, denunciada pela ocorrência de camadas ricas em conteúdo fossilífero (calcários e margas bioclásticas), é a presença de bancos de corais dispersos. O acarreio terrígeno denunciado pela ocorrência de arenitos (apesar de menos abundantes que na continuação da sequência para Sul) e lutitos deverá ser proveniente de nW ou W, mais concretamente do bloco soerguido das Berlengas (Hill, 1988). tal é confirmado pela presença de grandes feldspatos (5,5 mm) sãos e de cor rosada (característicos dos granitos das Berlengas) em níveis areníticos, na Praia da Consolação (norte) e na Praia de São Bernardino (Sul), sendo improvável um acarreio dos outros bordos da bacia, muito mais longínquos a Leste ou a norte.
Em termos da proximidade em relação à linha de costa, é possível definir a área de deposição de cada uma das litofácies caraterizadas anteriormente (tab. 1 e Fig. 3a). Em termos paleogeográficos os arenitos (F6) correspondem à fácies mais proximal, sendo esta a fácies que apresenta uma maior influência continental, enquanto os lutitos (F5) são a fácies que carateriza a área deposicional mais distante do continente. A análise e caraterização das litofácies permitiu concluir que, nas sucessões métricas observadas em afloramento, estas se organizam ciclicamente da seguinte forma, da base para o topo (Fig. 3b): presença de lutitos (F5) na base, seguindo-se margas siltosas (F4), calcários margosos (F3), margas bioclásticas (F2), calcários bioclásticos/calcarenitos (F1) e, por fim, os arenitos (F6) no topo da sequência. Através da interpretação da sucessão vertical de fácies, enunciada anteriormente, é possível considerar que a mesma reflete uma sucessão que repetidamente se encontra em afloramento e que, pela sua tendência batidecrescente (vd. tab. 1 e Fig. 3a) deverá corresponder a uma sucessão regressiva. De referir que nem sempre foi possível identificar a mesma na totalidade em afloramento, pois frequentemente algumas das fácies não ocorrem. 9. Definição da ciclicidade: área da Consolação O preenchimento sedimentar de uma bacia altera-se de acordo com as variações relativas da coluna de água, em resposta a condicionamentos
Figura 3 – A) reconstituição paleoambiental e paleogeográfica das litofácies definidas;. B) Esquema representativo de uma sequência padrão regressiva de 4ª ordem. Figure 3 – A) Paleoenvironmental and paleogeographic reconstitution of the defined lithofacies; B) Schematic representation of a 4th order standard regressive sequence.
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tectónicos, flutuações relativas do nível do mar e variações eustáticas de curto termo, como sejam as variações que dão origem a ciclos de 3ª ordem, que apresentam genericamente uma espessura da escala das dezenas de metros (vd. Catunenanu, 2006). Com base nas associações faunísticas definidas no trabalho de Werner (1986), Leinfelder et al. (2004) inferiu sobre as paleo-salinidades dos diferentes paleoambientes presentes na sequência estratigráfica de 200 m. O autor determinou que os valores de salinidade variam entre 35% e 5%, sendo os valores mais elevados de salinidade naturalmente indicadores de ambiente marinho franco e aberto, enquanto os valores mais baixos (5%) indicam a proximidade a ambientes de água doce. O gráfico da paleo-salinidade (Fig. 4) mostra que para o topo da sequência os valores de salinidade vão, em geral, diminuindo, apontando para uma crescente “continentalização” da sedimentação (Werner, 1986). Em termos gerais, para a totalidade da sequência estudada, a variação vertical de fácies aponta para o avanço da linha de costa em direção ao depocentro devido a queda eustática (regressão forçada) ou a uma taxa de sedimentação superior à criação de espaço de acomodação durante a subida eustática (regressão normal) (Catuneanu, 2006). Através das variações da paleo-salinidade foi ainda possível sugerir e marcar os ciclos eustáticos menores que afetaram a área em estudo. Foram interpretados quatro ciclos com espessuras da ordem dos 50 m, cada um iniciando com valores máximos de salinidade, atribuídos a um abrupto evento de invasão marinha, transitando gradualmente para valores menores até à base do ciclo seguinte, caraterizada novamente por picos de salinidade (Fig. 4). Estes ciclos batidecrescentes são considerados resultado de variações relativas com expressão local regressiva. 10. Definição da ciclicidade: área da Lourinhã A variação dos valores de gamma ray reflete normalmente a transição de litologias, correspondendo os valores mais elevados de gamma ray a litologias onde a componente argilítica é maior e pelo contrário os valores mais baixos a litologias onde a componente carbonatada é, por sua vez, predominante. A interpretação e análise da curva de gamma ray obtida no poço Lo-1 foram baseadas no trabalho de Alves et al. (2003), tendo-se posteriormente procurado a correlação entre as litologias atravessadas pelo poço Lo-1 e as aflorantes nas arribas da Consolação.
Figura 4 – Gráfico de variação da paleo-salinidade, adaptado de Leinfelder et al. (2004). As setas correspondem aos ciclos eustáticos de 3ª ordem definidos neste trabalho com base nos valores de salinidade e o retângulo indica a secção estudada da área da Consolação. Figure 4 – Paleo-salinity variation graphic, adapted from Leinfelder et al. (2004). The arrows correspond to the 3rd order eustatic cycles defined in this study based on the values of salinity and the rectangle indicates the studied section of Consolação area.
Considerando que as áreas de Consolação e Lourinhã pertenciam à mesma sub-bacia (Alves et al., 2003; taylor et al., 2014), será expectável que estas tenham estado sujeitas a controlos tectono-sedimentares semelhantes, o que permite inferir para as unidades da Lourinhã uma tendência igualmente regressiva. Efetivamente essa tendência é detetável em poço, a partir do crescente predomínio de níveis mais argilosos, considerados como mais costeiros devido à sua componente terrígena fina. Por seu lado, procurando detalhar e interpretar o padrão de gamma ray (Fig. 5a) e as respetivas litologias no troço de profundidades entre os 700 e os 900 m (Fig. 5b), foi possível inferir a ocorrência de quatro ciclos menores. Cada ciclo inicia-se pela ocorrência de espessas unidades de calcários, que correspondem a valores mínimos de gamma ray, terminando com a
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Figura 5 – a) Curva de gamma ray em duplicado (efeito “espelho”) retirado da pasta de poço Lo-1 (Companhia dos Petróleos de Portugal, 1959) (a linha a branco corresponde ao ciclo superior de 2ª ordem); b) Perfil de gamma ray versus log litoestratigráfico, adaptado de Alves et al. (2003) (a seta a preto corresponde novamente ao ciclo superior de 2ª ordem, as unidades a azul são calcárias enquanto as unidades a preto são argilosas; as setas a cores, em ambos os gráficos, indicam os diferentes ciclos regressivos de 3ª ordem, inseridos num ciclo superior de 2ª ordem). Figure 5 – a) Duplicate gamma ray curve (“mirror” effect) taken from the Lo-1 well (Companhia dos Petróleos de Portugal, 1959) (the white line corresponds to the second order cycle); b) Profile of gamma ray versus lithostratigraphic log, adapted from Alves et al. (2003) (the arrow in black corresponds again to the second order cycle, the blue units are limestones while the black ones are clay; the coloured arrows in both graphics indicate the different 3rd order regression cycles, inserted in a second order cycle).
ocorrência de unidades cada vez menos espessas de calcários e a predominância de unidades com componente argilosa dominante e que, por sua vez, correspondem a valores máximos de gamma ray. Este padrão é interpretado como resultante de condições batidecrescentes, em que os calcários representam as fácies marinhas abertas e as argilas as fácies mais costeiras, ou seja, com tendência regressiva.
11. Discussão Segundo Alves et al. (2003) a coluna litoestratigráfica correspondente à profundidade entre os 700
e os 900 m assinalada no poço Lo-1, está associada a um ambiente de plataforma carbonatada com influência siliciclástica, caraterizada pela associação de fácies 2 (FA2) composta por calcários bioclásticos/oolíticos. Por outro lado, a sequência da Consolação está associada à progradação de sistemas fluvio-deltaicos, como resposta à subsidência da bacia, sendo caraterizada pela associação de fácies 4 (FA4) que compreende a alternância de conglomerados e arenitos com margas e argilas com laminação (ibid). tendo em conta a secção de campo estudada (Fig. 2), foi possível concluir que a componente carbonatada é predominante relativamente à com-
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ponente terrígena, pelo que a interpretação paleoambiental de sistemas flúvio-deltaicos, proposta por Alves et al. (2003), deverá corresponder o topo da sequência, em direção à Praia de São Bernardino, e não tanto ao troço agora estudado. Assim, considerou-se que a base da sequência da Consolação foi depositada em contexto de plataforma costeira, aumentando gradualmente a influência dos acarreios arenosos continentais em direção a São Bernardino. As fácies presentes na Consolação são interpretadas como costeiras de baixa profundidade, correspondendo a uma deposição carbonatada na bordadura proximal da bacia, quase sempre com acarreio terrígeno significativo, geralmente fino, porém, episodicamente mais arenoso. Por seu lado, as fácies da Lourinhã são claramente mais carbonatadas, correspondendo à deposição em ambientes marinhos mais abertos e de maior profundidade, como resultado da subsidência em direção à área depocêntrica da bacia situada a Leste (Fig. 6). no entanto, a existência do diapiro Bolhos-vimeiro subjacente à área da Lourinhã (Alves et al., 2003), promovia o empolamento relativo da zona da Lourinhã e, consequentemente, a deposição de unidades de relativa baixa profundidade comparativamente às fácies que caraterizam o depocentro da bacia ainda mais a Leste, em direção ao Bombarral (Alves et al., 2003) (Fig. 6). Deste modo, as fácies que caraterizam a zona da Lourinhã são um pouco menos costeiras, com maior influência marinha e um pouco mais espessas (em cerca de 20%) que as fácies cronoequivalentes da Consolação.
Estas duas sequências (Consolação e Lourinhã) fazem parte da sequência A3, definida por Alves et al (2003), e marcam o início da progradação das unidades siliciclásticas para áreas bacinais. A progradação das unidades de baixa profundidade denota o enchimento progressivo da bacia por depósitos flúvio-deltaicos e marinho raso. A predominância de argilas na sequência A3 indica que a Bacia Lusitânica se torna uma bacia em equilíbrio em termos sedimentares durante a fase de pós-rifte, sendo gradualmente preenchida por sedimentos provenientes de áreas marginais da bacia (Alves et al., 2003). Em relação aos ciclos eustáticos que afetaram a bacia e, consequentemente, as sequências sedimentares depositadas, estes foram inferidos com base no gráfico da salinidade (Leinfelder et al., 2004) e na curva de gamma ray do poço nº1 da Lourinhã (Companhia dos Petróleos de Portugal, 1959). A partir da análise e interpretação destes dois gráficos, e considerando que estas duas áreas são cronoequivalentes laterais e, que por isso, estão sujeitas a variações eustáticas semelhantes, e que, por isso, foi possível concluir que a região em estudo, compreendida entre a Consolação e a Lourinhã, foi afetada por quatro ciclos regressivos. Atendendo ao seu registo geológico, na ordem dos 50 metros, considera-se que poderão tratar-se de Ciclos de 3ª ordem (Fig. 7) (vd. Catuneanu, 2006). Além de ser possível correlacionar os ciclos em ambos os gráficos, verifica-se igualmente que, em ambos, os ciclos apresentam uma amplitude semelhante, com uma espessura aproximada de 50 m
Figura 6 – representação esquemática da interpretação paleogeográfica da região entre a Consolação e a Lourinhã. Figure 6 – Schematic representation of the paleogeographic interpretation of the region between Consolação and Lourinhã.
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Figura 7 – representação esquemática da comparação dos ciclos eustáticos de 2ª, 3ª e 4ª ordem da região entre a Consolação e Lourinhã. Figure 7 – Schematic representation of the comparison of 2nd, 3rd and 4th order eustatic cycles of the region between Consolação and Lourinhã.
em cada ciclo. Assim, existe a possibilidade dos ciclos identificados com base na variação da salinidade corresponderem aos ciclos identificados na curva de gamma ray do poço Lo-1 (Fig. 7). no entanto, com o objetivo de verificar esta hipótese seriam recomendáveis estudos mais pormenorizados, nomeadamente a identificação, em campo e no poço, dos ciclos de 4ª ordem, de forma a aperfeiçoar a correlação entre ambos. 12. Conclusão Após a discussão dos resultados obtidos, os pontos mais importantes do trabalho realizado poderão ser assim sintetizados: 1. As camadas que constituem a base da sequência da Consolação foram depositadas em contexto de plataforma costeira, enquanto as camadas do topo da sequência se depositaram em condições mais rasas e com maior acarreio terrígeno, num ciclo regressivo possivelmente de 2ª ordem. 2. As fácies híbridas da Consolação correspondem à deposição em contexto costeiro proximal, enquanto as fácies mais carbonatadas da Lourinhã correspondem à deposição em ambiente costeiro mais distal, de maior profundidade e sujeitas a maior subsidência.
3. A partir da análise e interpretação do gráfico da paleo-salinidade da sequência da Consolação (Werner, 1986; Leinfelder et al., 2004), conclui-se que a região foi afetada por quatro ciclos de variações relativas do nível do mar, com registo regressivo dominante e, possivelmente, de 3ª ordem. 4. Considerando as sequências estudadas na Consolação e no poço Lo-1 como cronoequivalentes laterais e, portanto, sujeitas a variações relativas do nível do mar semelhantes, os quatro ciclos identificados na Consolação (a partir da paleo-salinidade) e no poço Lo-1 (através do padrão de gamma ray) serão ciclos contemporâneos de 3ª ordem, incluídos num ciclo regressivo de 2ª ordem, em ambos os locais com espessuras próximas de 200 m. Agradecimentos Agradecemos à Entidade nacional para o Mercado de Combustíveis (EnMC), em especial, à Drª rita Silva, pelo auxílio prestado na consulta dos dados de poço necessários para o desenvolvimento deste projeto. Ao Professor rui Pena dos reis pelo empréstimo do aparelho portátil de medição de gamma ray e ao Geólogo Jorge Magalhães, pelas informações disponibilizadas em campo. À Cátia Morgado, pela ajuda com o funcionamento do aparelho de gamma
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ray e à Eugenia Hanganu pelas informações relativas à análise petrográfica de algumas das camadas inseridas na área em estudo. Um agradecimento final pelo financiamento da estadia e deslocação necessários à realização da campanha de campo na Consolação, através de verbas de “prestações de serviços” do Professor nuno Pimentel, à guarda da Fundação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FFCUL). Referências Alves, t.M., Manuppella, G., Gawthorpe, r.L., Hunt, D.W., Monteiro, J.H., 2003. the depositional evolution of diapir- and fault-bounded rift basins: examples from the Lusitanian Basin of West iberia. Sedimentary Geology, 162, 273. Azerêdo, A.C., Duarte, L.v., Silva, r.L., 2014. Sequential configuration in transgressive-regressive facies cycles (2nd order) of the Lusitanian Basin (Portugal) Lower and Middle Jurassic. Comunicações Geológicas, 101, 383-386. Azerêdo, A.C., Wright, P.v., ramalho, M.M., 2002. the Middle–Late Jurassic forced regression and disconformity in central Portugal: eustatic, tectonic and climatic effects on a carbonate ramp system. Sedimentology, 49, 1339-1370. Catuneanu, O., 2006. Principles of Sequence Stratigraphy. 1st Edition, Elsevier, 386. Companhia dos Petróleos de Portugal, 1959. Composite Log of Lourinhã Well (Lo-nº1). Craveiro, K., 2013. Well Logging Analysis - Análise de diagrafias em poços na bacia de rio Grande do norte Lisboa. instituto Superior técnico, Lisboa. Consultado em https://fenix.tecnico.ulisboa.pt/downloadFile/3951 46036563/Well%20Logging%20Analysis.pdf a 21 de Março de 2013. Fevereiro, J. P., Azerêdo, A., 2014. Jurassic sedimentary units with geological heritage value in the region of Dagorda-Cesareda-Baleal-Consolação-Paimogo. Comunicações Geológicas, 101, 1269-1273. Hilchie, D.W., 1979. Old Electrical Log interpretation (Pre-1958). American Association of Petroleum Geologists, Special volumes, 15. Hill, G., 1988. the Sedimentology and Lithostratigraphy of the Upper Jurassic Lourinhã Formation, Lusitanian Basin, Portugal. Wetherby: the Open University. Kullberg, J.C., rocha, r.B., F., S.A., rey, J., terrinha, P., Callapez, P., Martins, L., 2006. A Bacia Lusitaniana: Estratigrafia, Paleogeografia e tectónica. Em: Dias, r., Araújo, A., terrinha, P. (Eds) Geologia de Portugal no contexto da Ibéria. Universidade de Évora, Évora, 317-368. Kullberg, J.C., rocha, r.B., Soares, A.F., rey. J., terrinha. P., Azerêdo, A.C., Callapez, P., Duarte,
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GEONOvAS N.º
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Âmbar português: o caso de estudo do Apciano da Praia da Bafureira (Cascais, Portugal) Gonçalo Silvério1*, José Madeira1,2 1
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Departamento de Geologia, Edifício C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, Portugal 2
IDL – Instituto Dom Luiz, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal *
autor correspondente: goncalo.silverio@sapo.pt
Resumo É descrita pela primeira vez a única ocorrência conhecida de âmbar em Portugal. A sequência estratigráfica da Praia da Bafureira (Cascais), onde o âmbar foi descoberto, pertence à Formação do Rodízio (“Grés Superiores de Almargem”), de idade Apciana (Cretácico Inferior), no contexto tectono-estratigráfico da Bacia Lusitânica. Os exemplares de âmbar são de reduzidas dimensões (média ≈5 mm), muito fraturados e ricos em bioinclusões (fragmentos de plantas). Não foram encontrados até ao momento restos preservados de animais. Afloramentos pertencentes à mesma unidade noutros locais da Bacia Lusitânica (Alcabideche e São Julião) não forneceram âmbar. Palavras-chave: Resina fóssil, paleobotânica, Cretácico Inferior, conífera. Abstract The only known occurrence of amber in Portugal is described for the first time. The stratigraphical sequence of Bafureira Beach (Cascais), where the amber was discovered, belongs to the Rodízio Formation ("Grés Superiores de Almargem”), of Aptian age (Lower Cretaceous), within the tectono-stratigraphic context of the Lusitanian Basin. The amber specimens are small (average ≈5mm), very fractured and rich in bioinclusions (fragments of plants). No preserved animal remains have yet been found. Outcrops of the same unit in other sites of the Lusitanian Basin (Alcabideche and São Julião) did not provide amber records.
Keywords: Fossil resin, paleobotany, Lower Cretaceous, conifer.
1. Introdução São vários os significados para a palavra âmbar, criando logo à partida um problema de terminologia em que o mesmo nome é usado para designar materiais de géneses muito diferentes, os quais apenas são discriminados quando lhes associamos um adjetivo. Exemplos: âmbar mineral, resina fóssil, referido como tal pela primeira vez por Plínio, o velho (79); electrum, outro nome dado à resina fóssil que, pelas propriedades electroestáticas do material, deu origem à palavra “electricidade”, que é o nome também usado para identificar a liga de ouro e prata; âmbar
negro, também chamado de “azeviche”, descreve uma forma compacta (sem porosidade) de carvão que pode ser polido e utilizado em joalharia; âmbar cinzento, resíduo sólido segregado no sistema digestivo de cachalotes com o intuito de o proteger de danos internos causados pela digestão de partes duras de organismos, como bicos de lulas gigantes, tendo sido usado no passado como fixador na perfumaria. Este trabalho reporta-se concretamente ao “âmbar mineral”, designado deste ponto em diante como “âmbar” apenas, e tem como objetivo descrever a única ocorrência de âmbar conhecida em Portugal,
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situada na Praia da Bafureira e pertencente à Formação do Rodízio, de idade cretácica inferior. 2. O que é o âmbar? A resina é uma substância segregada por plantas de várias famílias como cicatrizante e proteção destas do contacto com o meio exterior, em resposta a cortes no caule. O âmbar, ou resina fóssil, é a substância vítrea que resulta da transformação da resina em contexto geológico cuja maturação em ambiente sedimentar produz polimerização, passando a comportar-se como um vidro. Plantas de diferentes famílias dão origem a diferentes compostos orgânicos que estruturam as suas resinas, pelo que cada uma dará origem a um tipo distinto de âmbar. O processo de polimerização da resina impede o esmagamento das partículas de resina no interior dos sedimentos, permitindo a preservação da sua morfologia original, bem como a preservação de qualquer material que tenha sido incluído na resina anteriormente ao seu enterramento, por exemplo, bioinclusões, como pólen, insetos, etc. (Delclòs et al., 2007). No caso de a polimerização não ter sido suficientemente intensa para atingir a fase de vidro, a resina é designada por copal. Esta fase intermédia entre resina e âmbar é muito viscosa, porém, sensível às condições do meio envolvente, como temperaturas superiores às normais à superfície, resultantes de exposição solar ou da diagénese dos sedimentos, que diminuem a sua viscosidade, podendo levar à sua deformação. O aumento da pressão confinante, que, combinada com um aumento de temperatura, desencadeia a polimerização das moléculas orgânicas e leva, então, à formação da fase estável nas novas condições, o âmbar. A composição, polimerização e classificação específicas de cada âmbar obtidas por diversos métodos analíticos (cromatografia, espectrometria de massa, espectroscopia de fluorescência, etc.) encontra-se descrita em Drzewicz et al. (2016). 3. Âmbar em Portugal Registos de ocorrências de âmbar em Portugal datam, pelo menos, do séc. vII, em textos árabes que descrevem a “riqueza” em âmbar nas costas portuguesas, de Sintra ao Algarve (Sidarus & Rei, 2001). De acordo com os mesmos autores, as referências ao âmbar português remetem para o aparecimento de âmbar cinzento, de origem animal, nas
praias e não à ocorrência geológica de âmbar (“mineral”), que é menos provável, ainda que possível. Para complicar mais a interpretação destas referências, está reportada a ocorrência de âmbar (“mineral”) em achados arqueológicos de norte a sul do país (vilaça et al., 2002). Estes autores sugerem a existência de uma rede de comércio antiga que trazia para Portugal âmbar de outros países, como Espanha, onde ocorrem grandes concentrações de âmbar pouco fracturado e, portanto, de interesse para a actividade de joalharia. Fica a pergunta: afinal, existe âmbar em Portugal? Sim, existe, mas o seu estudo não foi efetuado por falta de material em boas condições para análise em laboratório. A dificuldade do estudo do âmbar português advém da raridade da sua ocorrência, das reduzidas dimensões dos exemplares, da recolha não controlada de amostras para venda (devido à pouca valorização do património geológico) e, por vezes, da intensa fracturação sofrida pelo âmbar no seu contexto geológico. Apesar disso, foi possível neste estudo reconhecer objectivamente a existência de âmbar em Portugal e caracterizar o seu contexto geológico. 4. A sequência cretácica da Praia da Bafureira A Praia da Bafureira é um dos locais de eleição para o ensino de Geologia Geral no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). Neste contexto, foi descoberta a ocorrência de âmbar nas arribas daquela praia. Esta ocorrência particular de âmbar há vários anos que é divulgada entre os docentes e alunos no âmbito das aulas de campo, porém, pelas razões acima mencionadas, nenhum estudo desta ocorrência foi realizado até à data. O afloramento localiza-se num sector da linha de costa compreendido entre Lisboa e Cascais, 5 km a ESE desta localidade (Fig. 1). A arriba tem uma extensão aproximada de 200 m e uma altura de cerca de 8 m. No afloramento em questão, a sequência apresenta-se ligeiramente basculada para N. A sequência estratigráfica enquadra-se na Formação do Rodízio (Rey, 1992; Ramalho et al.; 1999; e Kullberg et al., 2006), anteriormente designada como “Grés Superiores d’Almargem”, do andar Apciano Superior ao Albiano Inferior (Rey, 1972, 1992; Santos et al., 2015). O afloramento é limitado a SE por uma falha sub-vertical de orientação N30ºW em desligamento direito que põe em contacto os sedimentos apcianos
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Figura 1 – Enquadramento geográfico do afloramento da praia da Bafureira. Figure 1 – Geographical setting of the Bafureira beach outcrop.
da Formação do Rodízio, a NW, com os sedimentos albianos da Formação da Galé, a SE. A principal concentração de âmbar ocorre a poucos metros a oeste desta falha (Fig. 2). A sequência é composta por depósitos siliciclásticos de descarga fluvial com uma componente carbonatada significativa em alguns níveis. Na base há alternância de níveis, de espessura decimétrica, de arenito grosseiro, arenito fino e silto-argilitos cinzento escuros com abundantes restos de carvão, cujo topo corresponde a um paleossolo com possíveis rizoconcreções. Os sedimentos do topo da sequência são de ambiente margino-marinho, em que a componente carbonatada é muito significativa. A secção compreende níveis calco-areníticos intercalados com níveis calco-siltiticos ricos em macrofósseis de bivalves de grandes dimensões (≈ 10 cm) e margas sem macrofósseis (Fig. 3). Esta sequência evidencia, portanto, um ambiente deposicional fluvial, passando a margino-marinho, no topo. Os depósitos fluviais silto-argilíticos da base da sequência são os que forneceram o âmbar para este estudo. Os sedimentos são ricos em matéria orgânica, mais concretamente em carvão bastante compacto
(azeviche). O carvão encontra-se parcialmente piritizado, indicando sedimentação em ambiente redutor. Níveis da mesma formação e com características litológicas idênticas foram identificados na Praia de São Julião (a S de Ericeira) e em Cabreiro (a W de Alcabideche). Ainda que, em São Julião também haja níveis ricos em carvão, em nenhum destes afloramentos foi encontrado âmbar. A ocorrência de âmbar, restrita à Praia da Bafureira, poderá indicar um ambiente deposicional mais proximal nesta região, com a existência de terras emersas nas proximidades que possibilitasse o desenvolvimento de uma comunidade de plantas segregadoras de resina, e/ou a proximidade à zona terminal de um curso de água que transportasse os troncos durante períodos de maior precipitação. Independentemente da razão, a acumulação de resina fóssil neste local é significativa. Foi possível recolher uma amostra de 21 g de âmbar, a maior parte deste peso, corresponde a uma única massa de grande dimensão (≈ 8 cm de diâmetro) e muito fracturada, encontrada na segunda camada siltoargilítica a contar da base da sequência (Fig. 4G). Esse nível encontra-se a mais de 2 m de altura na
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70 Âmbar português: o caso de estudo do Apciano da Praia da Bafureira (Cascais, Portugal)
Figura 2 – Pormenor de campo do afloramento da praia da Bafureira com referência do local de amostragem do âmbar. Figure 2 – Field detail of the Bafureira beach outcrop with reference to the site of the amber sampling.
arriba, sendo, portanto, de difícil acesso. Contudo, a sua amostragem provou ser crucial na concretização deste projeto. 5. Caracterização do âmbar A análise química das moléculas orgânicas que compõem o âmbar, essencial para uma caracterização mais completa, não foi efetuada. Neste projeto, determinaram-se apenas as características observáveis à lupa binocular. Contudo, tendo em conta estudos realizados em outras amostras de âmbar da Península Ibérica, é plausível que o âmbar em questão tenha sido produzido por coníferas da família Araucariaceae (Alonso et al., 2000; Delclòs et al., 2007; Diéguez et al., 2010). As amostras encontram-se fortemente fracturadas, apresentando, por vezes, uma fracturação planar, o que sugere a existência de uma polimerização dos compostos orgânicos muito bem desenvolvida nessas porções de âmbar (Fig. 4A). Esta fracturação é certamente resultado da deformação associada à falha adjacente que corresponde a um acidente tectónico importante, com expressão cartográfica, ao qual se encontram também associados paleossismitos (filões de areia). Uma das características das amostras, e também a mais evidente, é a grande
Figura 3 – Sequência estratigráfica do afloramento da praia da Bafureira, correspondendo à Formação do Rodízio, com indicação dos níveis que contêm âmbar. Figure 3 – Stratigraphical sequence of the Bafureira beach outcrop, corresponding to the Rodízio Formation, with the indication of the layers containing amber.
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Figura 4 – Pormenor das amostras de âmbar. A – fracturação plana em fragmento de âmbar; B – inclusão fluida; C – bordo de uma massa rico em inclusões; D – bioinclusões de fragmentos vegetais; E – fendas de retração na superfície de uma massa de âmbar; F – banda avermelhada (de óxidos?) no interior de um fragmento de âmbar; G – massa de grandes dimensões, in situ, encontrada em afloramento. Escalas: A e F – 2 mm; B e E – 0,5 mm; C e D – 5 mm; G – 4 cm nos dois eixos.. Figure 4 – Detail of the amber samples. A – plane fracture in amber fragment; B – fluid inclusion; C – board of a mass rich in inclusions; D – bioinclusions of plant fragments; E – retraction cracks on the surfasse of an amber mass; F – reddish (oxides?) band inside an amber fragment; G – mass of great proportion, in situ, found in the outcrop. Scales: A and F – 2 mm; B and E – 0,5 mm; C and D – 5 mm; G – 4 cm on both axes.
heterogeneidade da cor, que pode ir desde amarelo pálido a laranja avermelhado. Esta variabilidade de coloração resulta do maior ou menor conteúdo em resíduos sólidos (quanto maior mais escura é a cor). É importante realçar que aqueles resíduos ocorrem em maior quantidade nos bordos das partículas de âmbar do que no interior (Fig. 4C, D). Em alguns fragmentos apresentam-se preservadas partículas muito finas de óxidos (?) dispostas segundo faixas bem marcadas, ou então estas são reflexo de uma variação na composição do âmbar (Fig. 4F). A maioria das amostras é muito rica em fitoclastos, de dimensões variadas e sempre muito fragmentados. As características que o âmbar apresenta, não favorecendo o seu uso em joalharia, são, porém, de grande relevância científica pela informação sobre a flora coeva que poderão fornecer.
Praia da Bafureira apresenta características interessantes, porém, existem ainda análises por realizar, mais concretamente análises químicas da sua estrutura molecular para determinar a sua origem concreta e, ainda, o estudo dos resíduos sólidos vegetais contidos no interior das partículas, que poderá contribuir com novos e importantes dados sobre a flora do território português emerso durante o Apciano. tratando-se da única ocorrência de âmbar conhecida no registo fóssil nacional (que é alvo de extração não supervisionada e para uso comercial), seria de todo o interesse classificar a sequência estratigráfica da Praia da Bafureira, em conjugação com, por exemplo, a ocorrência de pegadas de dinossáurios saurópodes cretácicos registada apenas a 1,5 km a SE, na Praia da Parede (Santos et al., 2015). Agradecimentos
6. Conclusão Existe, de facto, âmbar in situ em Portugal, e não apenas importado por rotas comerciais. O âmbar da
Aos meus colegas de curso Alana Pereira, Diogo Mendes, Martim Ramos e Miguel Martins tenho a agradecer a ajuda imprescindível no campo e a paciência
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72 Âmbar português: o caso de estudo do Apciano da Praia da Bafureira (Cascais, Portugal)
na difícil amostragem do âmbar. Um obrigado ao Prof. Carlos Marques da Silva (DG-FCUL) pelos comentários relevantes para a redação deste artigo. Referências Alonso, J., Arillo, A., Barrón, E., Corral, J., Grimalt, J., López, J., López, R., Delclòs, X., Ortuño, v., Peñalver, E., trincão, P., 2000. A new fossil resin with biological inclusions in lower cretaceous deposits from Álava (Northern Spain, Basque-Cantabrian Basin). J. Paleont, 74, 158-178. Delclòs, X., Arillo, A., Pañalver, E., Barrón, E., Soriano, C., López del valle, R., Bernárdez, E., Corral, C., Ortuño, v., 2007. Fossiliferous amber deposits form the Cretaceous (Albian) of Spain. C. R., 6, 135-149. Diéguez, C., Peyrot, D., Barrón, E., 2010. Floristic and vegetational changes in the Iberian Peninsula during Jurassic and Cretaceous. Review of Paleobotany and Palynology, 162, 325-340. Drzewicz, P., Natkaniec-Nowak, L., Czapla, D., 2016. Analytical approaches for studies of fossil resins. Trends in Analytical Chemistry, 85, 75-84. Kullberg, J., Rocha, R., Soares, A., Rey, J., terrinha, P., Callapez, P., Martins, L., 2006. A Bacia Lusitaniana: Estratigrafia, Paleogeografia e tectónica. In:
Dias, R., Araújo, A., terrinha, P. (Eds) Geologia de Portugal no contexto da Ibéria. Universidade de Évora, Évora, 317-368. Plinius Secundus, G., 0079. Naturalis Historiae. Acessível em http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.02.0137%3Abook%3D37%3 Achapter%3D11, consultado em 17.04.2018. Ramalho, M., Ribeiro, M., Serralheiro, A., Almeida, F., 2001. Notícia Explicativa da Folha 34-C (Cascais) da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50 000. LNEG, 104. Rey, J., 1972. Recherches géologiques sur le Crétacé inférieur de l’Estremadura (Portugal). Mem. Serviços Geológicos de Portugal, 21, 471. Rey, J., 1992. Les unités lithostratigraphiques du Crétacé inférieur de la région de Lisbonne. Comun. Serviços Geológicos de Portugal, 78, 2, 103-124. Santos, v.F., Callapez, P.M., Castanera, D., Barroso-Barcenilla, F., Rodrigues, N.P.C., Cupeto, C.A., 2015. Dinosaur tracks from the Early Cretaceous (Albian) of Parede (Cascais, Portugal): new contributions for the sauropod palaeobiology of the Iberian Peninsula. Journal of Iberian Geology, 41, 1, 155-166. Sidarus, A., Rei, A., 2001. Lisboa e o seu termo segundo os geógrafos árabes. Arqueologia Medieval, 7, 37-72. vilaça, R., Beck, C., Stout, E., 2002. Provenience analysis of prehistoric amber artifacts in Portugal. Madrider Mitteilungen, 43, 61-78.
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GEOnOvAS n.º
ASSOCIAçãO PORTUGUESA DE GEólOGOS
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Caracterização geoquímica de sedimentos de fundo de barragens Dominicanas J. F. Araújo1, P. M. Nogueira1, R. M. Fonseca1, C. G. Pinto1, A. A. Araújo1 1
Universidade de Évora, Escola de Ciências e Tecnologias, Departamento de Geociências Rua Romão Ramalho, 59, 7000-671 Évora *autor correspondente: joanafonsecaaraujo@gmail.com
Resumo O presente trabalho insere-se num projecto de parceria luso-dominicano, cujo objectivo principal é o estudo da viabilidade do aproveitamento dos sedimentos de fundo de barragens como aditivos ou fertilizantes para recuperação de solos agrícolas na República Dominicana. Este trabalho integra parte de uma dissertação de mestrado, sendo o seu objectivo principal a caracterização geoquímica dos sedimentos de duas albufeiras dominicanas, tendo em conta os processos sedimentares da região, e a determinação das principais fontes do material depositado. Para tal, foram amostrados os sedimentos de fundo das barragens de Tavera e de Sabana Yegua, e os solos e rochas das respectivas bacias de drenagem. A análise da química dos sedimentos por ICP-OES e a sua análise granulométrica serviu de base à caracterização geoquímica desses sedimentos, bem como à avaliação da proveniência dos mesmos, permitindo determinar a real influência de cada sub-bacia de drenagem no processo de sedimentação das duas barragens. Palavras-chave: Barragens, geoquímica, sedimentação, República Dominicana. Abstract The present work results from a cooperation project between Portugal and the Dominican Republic, its main goal is the study of the viability of the application of bottom dam sediments as additives or fertilizers in the recovery of agricultural soils in the Dominican Republic. This paper is part of a master’s dissertation, wish main goal is the geochemical characterization of the sediments from two Dominican reservoirs, taking into account the sedimentary processes in this region, and the determination of the main sources of the deposited material. For such purpose, sampling of the bottom sediments of the Tavera and Sabana Yegua dams, as well as of the soils and rocks of their respective drainage basins was carried out. Chemical analysis of those sediments by ICP-OES and their granulometric analysis provided the basis for the geochemical characterization of these sediments and for the evaluation of their provenance, in order to determine the real influence of each drainage sub-basin in the sedimentation process of the two dams.
Keywords: Dams, Dominican Republic, geochemistry, sedimentation.
1. Introdução A República Dominicana é um país com condições climáticas extremas, propícias à erosão. A ocorrência frequente de furacões, associada ao clima tropical húmido típico deste país, conduzem a elevadas taxas de erosão e, consequentemente, a elevadas taxas de
sedimentação. Os sedimentos são acumulados no fundo das albufeiras, o que resulta numa considerável diminuição da produção da energia eléctrica, assim como do potencial de armazenamento de água, com graves consequências para a economia do país. O presente estudo pretende avaliar a influência de cada sub-bacia de drenagem na sedimentação das
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barragens de Tavera e Sabana Yegua, sendo que os resultados aqui apresentados são referentes a uma fase inicial dos trabalhos. A metodologia utilizada baseou-se na caracterização geoquímica (componentes maiores e traço) e textural dos sedimentos de fundo das barragens e dos solos das respectivas bacias de drenagem. A análise dos elementos maiores e em traço foi feita recorrendo a espectrometria de emissão óptica com indução de plasma (ICP-OES). O estudo comparativo entre solos e sedimentos baseou-se em correlações estatísticas lineares entre os respectivos teores em elementos maiores e fracções granulométricas.
2. Enquadramento geográfico e geológico A República Dominicana localiza-se na Isla Hispaniola, pertencente ao Arquipélago das Antilhas, no Caribe, e faz fronteira com o Haiti. As barragens de Sabana Yegua e Tavera encontram-se em regiões distintas da ilha, sob condições climáticas diferentes. Tavera situa-se a norte do sistema montanhoso central da ilha, numa região acidentada e com elevada pluviosidade média anual, e Sabana Yegua, a sul, numa das regiões mais quentes e secas do país (Fig. 1). A Isla Hispaniola está localizada no bordo norte da placa do Caribe, que é por sua vez limitada por uma falha transformante com movimento lateral esquerdo. A ilha é formada por rochas do tipo arco insular, de idade cretácica, sobrepostas por sedimentos resultantes da sua meteorização. Ocorrem também, embora menos abundantes, rochas ígneas plutónicas (Mollat et al., 2004), formadas durante o terciário e o quaternário. Este complexo rochoso faz fronteira a SW com uma plataforma de sedimentos carbonatados do terciário (Mollat et al., 2004). Geomorfologicamente a ilha é atravessada por um importante sistema montanhoso. As cordilheiras central e oriental são formadas por uma sequência vulcano-sedimentar de tipo arco insular que inclui lavas andesíticas e basálticas, tufos e aglomerados com uma elevada espessura. Estas séries também têm algumas intercalações de gabros, piroxenitos e rochas ultramáficas. A proporção de sedimentos aumenta para o topo da sequência. no final do Cretácico, as composições magmáticas tornaram-se francamente tonalíticas, dando origem a inúmeros batólitos (García, 1976). Após este episódio intrusivo, iniciou-se a sedimentação dos materiais resultantes da sua erosão. nas zonas litorais encontram-se calcários recifais,
sedimentos clásticos e sedimentos do tipo flysch. Em todas as plataformas, excepto a SW, os sedimentos foram depositados em condições de grande instabilidade tectónica, ocorrendo rápidas mudanças laterais e verticais de fácies. A sedimentação de calcários costeiros teve continuidade até ao Quaternário, quando se formaram as plataformas carbonatadas nas zonas costeiras e a nE, em los Haitises. A partir do Terciário, a actividade magmática foi diminuindo (Mollat et al., 2004). A bacia de drenagem de Sabana Yegua é caracterizada pela ocorrência de rochas vulcano-sedimentares, tonalitos, arenitos, conglomerados e rochas vulcânicas intermédias (Mollat et al., 2004). A bacia de drenagem de Tavera é caracterizada pela predominância de tonalitos, rochas magmáticas e vulcano-sedimentares (Mollat et al., 2004). Embora com idênticas litologias enquadrantes, a principal diferença entre a geologia das duas bacias é o facto de toda a área da barragem de Sabana Yegua e uma parte dos seus afluentes, se encaixarem em formações sedimentares, detríticas e carbonatadas, deste modo, as litologias apresentam-se em diferentes proporções em ambas bacias hidrográficas (Figs. 2 e 3).
3. Metodologias 3.1. Métodos de amostragem A amostragem dos sedimentos (Fig. 4) realizou-se em dois períodos sazonais (época de seca e época das chuvas), numa rede de estações que abrange toda a extensão das albufeiras, com diferentes profundidades e em zonas com condições representativas das distintas fontes de alimentação e das diferentes condições hidrodinâmicas. O objectivo desta metodologia de amostragem é a obtenção da máxima informação relativa à distribuição dos sedimentos em toda a área lacustre. A amostragem superficial dos sedimentos foi realizada por dragagem, recorrendo a uma draga do tipo Shipeck modificada, permitindo a colheita de sedimentos com uma espessura de aproximadamente 15 cm. Cada dragagem foi dividida em duas subamostras: uma mantida à temperatura ambiente para a determinação da geoquímica de sedimento total, análise granulométrica e mineralógica, e outra refrigerada para a determinação do teor em metais e em nutrientes. A amostragem de solos (Fig. 5) foi realizada num único período sazonal (época seca), numa rede de
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Figura 1 – Enquadramento geográfico das barragens de Tavera e Sabana Yegua. Figure 1 – Geographical setting of the Tavera and Sabana Yegua dams.
pontos de amostragem que foi dividida em diversos sectores, de acordo com a litologia predominante e a topografia. na bacia de Sabana Yegua, a amostragem incluiu solos das três sub-bacias (Yaque del Sul, Río Grande o Medio y Río de las Cuevas). Tavera apenas possui a bacia do seu principal afluente, rio Yaque del norte. A amostragem destes solos foi realizada recorrendo a um trado manual, que permite a amostragem de uma espessura de solo até 20 cm. 3.2. Métodos analíticos A análise da química total dos sedimentos e solos requer que as amostras sejam pulverizadas em moinho de argolas de ágata, e que posteriormente todos os elementos químicos passem para a fase solúvel. Para tal, recorreu-se a dois tipos de extracção química: (i) fusão em mufla a 1000° C, em cadinhos de grafite pura, após homogeneização com fundente (Spectroflux), para a análise dos elementos maiores e elementos menores existentes em minerais refractários (Ba, Sr, Cr, Sn). Após a fusão é formada uma pérola, tendo
esta de ser posteriormente dissolvida em solução nítrica, e filtrada; (ii) digestão numa unidade de micro-ondas de alta pressão, em solução tri-ácida, para a análise de elementos traço, com a capacidade de volatilização (Xu et al., 2012). As amostras submetidas a estes dois processos de extracção química foram posteriormente analisados por ICP-OES. Para a análise dos elementos das terras raras será realizada uma fusão em cadinhos de platina, seguida de eliminação de elementos maiores e metálicos através de técnicas cromatográficas (Ferreira, 1997). Esta metodologia permite a obtenção de soluções contendo apenas os elementos das terras raras, que serão posteriormente analisadas também por ICP-OES. A análise textural dos solos e sedimentos baseou-se na determinação das três principais fracções granulométricas: arenosa, limosa ou siltosa (o limo é uma classe dimensional dos solos e o silte dos sedimentos) e argilosa. A separação das areias foi realizada por crivagem, e separação dos siltes ou limos e das argilas foi feita através da pipetagem. Encontra-se ainda em curso a análise petrográfica e geoquímica de todas as amostras de rochas.
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Figura 3 – Enquadramento geológico da bacia de drenagem de Tavera. Figure 3 – Geological setting of the Tavera drainage basin. Figura 2 – Enquadramento geológico da bacia de drenagem de Sabana Yegua. Figure 2 – Geological setting of the Sabana Yegua drainage basin.
4. Resultados e discussão 4.1. Análise granulométrica A distribuição da granulometria é um factor fulcral, na medida em que é determinante para a superfície específica de cada partícula, por unidade de volume ou massa do solo ou sedimentos. na superfície específica destas partículas podem ocorrer inúmeros processos físico-químicos, nomeadamente trocas catiónicas, que são frequentes nas fracções argilosas. A composição química e o comportamento geoquímico dos diferentes elementos está, por isso, estreitamente relacionada com a dimensão das partículas (Håkanson & Jansoon, 1983). Os diagramas das figura 6 a e b mostram que os solos da bacia de Tavera apresentam uma granulo-
metria mais homogénea, relativamente aos de Sabana Yegua, concordando com o facto de a litologia da bacia de Tavera ser mais uniforme e ter um predomínio de rochas de natureza ígnea. A amostra TS8 (Fig. 6b) apresenta teores de areia inferiores aos das restantes amostras de solos de Tavera. O mapa de amostragem de solos (Fig. 5b) indica que o local de recolha dessa amostra se encontra numa zona consideravelmente acidentada, a montante da barragem. Os solos de Sabana Yegua apresentam uma maior heterogeneidade granulométrica, factor este que é corroborado pela maior diversidade litológica desta bacia de drenagem. Correlacionando os dados granulométricos dos solos de Sabana Yegua (Fig. 6a), com os pontos de amostragem (Fig. 5a), verifica-se que a distribuição dos elementos mais grosseiros vai diminuindo de montante para jusante, o que está de acordo com a calibração natural dos materiais, condicionada pela topografia. As amostras SYS8 e SYS9 apresentam teores muito semelhantes nas diferentes classes granulométricas, o que se deve ao facto de terem sido amostradas na mesma região
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Figura 4 – Resultados da análise textural. Figure 4 – Results of textural analysis.
de drenagem, muito próxima do Rio las Cuevas, numa zona de natureza detrítica e carbonatada. As amostras SYS1 e SYS3 são as que apresentam maior proporção de partículas de classe grosseira. Estas amostras são provenientes da mesma zona de drenagem, bastante próxima das margens do Rio Yaque del Sul. Contudo, a amostra SYS1 proveio de uma zona com maior altitude (774 m), caracterizada por rochas de natureza tonalítica, e mais próxima da vertente sul da Cordilheira Central, provindo assim de um local com maior influência dos processos erosivos. Por sua vez, a amostra SYS3 foi recolhida a altitude inferior (230 m), devendo o seu carácter mais grosseiro à natureza conglomerática e arenítica das rochas aflorantes. É necessário realçar o facto de a amostra SYS2, apesar de ter sido colhida na mesma margem do rio, apresenta uma textura mais fina, que se deve provavelmente ao facto de se localizar numa zona de fronteira entre rochas detríticas e vulcano-sedimentares. A análise textural comparativa dos solos e dos sedimentos permitiu identificar uma predominância das classes mais finas nos sedimentos (Figs. 6c, d), o que aponta para a ocorrência de uma erosão selectiva de partículas mais finas e menos densas dos
solos, associado a um processo de calibração natural durante o transporte. Comparando as proporções de cada classe granulométrica nos sedimentos de Tavera e de Sabana Yegua, observa-se que os sedimentos de Sabana Yegua apresentam um enriquecimento da classe arenosa. De acordo com o mapa de amostragem de Sabana Yegua (Fig. 6a), verifica-se que as amostras com proporção de fracção arenosa superior a 5% se localizam nas entradas das linhas de água da albufeira. O Rio las Cuevas, como foi referido anteriormente, drena o sector detrítico e carbonatado, pelo que a amostra SY14, localizada na sua desembocadura, apresenta uma distribuição granulométrica mais grosseira relativamente às restantes amostras. Como expectável, observa-se um gradiente negativo na granulometria desde os locais de alimentação dos rios até ao paredão da barragem. As amostras SY11A e SY8A são dois exemplos onde a jusante dos seus locais de amostragem se encontram pontos cuja granulometria é mais grosseira, nomeadamente SY10 e SY13, respectivamente. Contudo, estes locais de amostragem encontram-se em zonas onde o caudal dos rios é intermitente, pelo que existe uma maior deposição de materiais que são transportados em
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Figura 5 – Distribuição dos pontos de amostragem de solos ao longo das bacias de Sabana Yegua (a) e Tavera (b). Figure 5 – Distribution of soil sampling points along the Sabana Yegua (a) and Tavera (b) basins.
Figura 6 – Distribuição dos pontos de amostragem dos sedimentos nas albufeiras de Sabana Yegua (a) e Tavera (b). Figure 6 – Distribution of sediment sampling points in the reservoirs of Sabana Yegua (a) and Tavera (b).
suspensão, passando o caudal dos rios, em períodos de seca, ao lado destes locais. A distribuição granulométrica dos sedimentos de Tavera é muito homogénea, registando proporções de partículas grosseiras inferiores a 2% (Fig. 4d). A amostra T9, onde se registou a maior proporção de elementos grosseiros (1,67%), proveio de uma zona marginal. Este facto pode dever-se à influência de uma pequena linha de água próxima do ponto de amostragem, à erosão local da margem, ou inclusivamente, à possibilidade de remobilização de solo a montante devido a actividades agrícolas. Contudo, o facto de Tavera apresentar proporções considera-
velmente elevadas e homogéneas de elementos finos poderá atestar a hipótese de um elevado hidrodinamismo no interior desta barragem, facilitado também pela sua fisiografia estreita e alongada.
4.2. Resultados e discussão a) Geoquímica total Comparando os teores de elementos maiores nos solos e nos sedimentos (Fig. 7), é notória a maior homogeneidade desses teores nos sedimentos
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Figura 7 – Distribuição dos teores máximos, mínimos e medianos dos elementos maiores nos sedimentos de Sabana Yegua (a) e Tavera (b), e nos solos de Sabana Yegua (c) e Tavera (d). Figure 7 – Distribution of the maximum, minimum and median content of the major elements in the sediments of the Sabana Yegua (a) and Tavera (b), and in the soils of the Sabana Yegua (c) and Tavera (d).
das albufeiras, o que sugere uma sedimentação uniforme ao longo das albufeiras. A mobilidade geoquímica de elementos como na, K e Mg é visível através da pequena variação entre os seus teores máximos e mínimos, que sugerem uma maior facilidade da distribuição destes elementos ao longo destes sistemas aquáticos (Figs. 7a, b). A composição química dos solos é mais variável (Figs. 7c, d), o que poderá ser em parte devido ao facto de a sua amostragem ter sido realizada em sectores distintos, considerados os mais representativos dos diferentes litótipos das bacias. A figura 8 põe também em evidência uma maior homogeneidade na concentração dos elementos traço nos sedimentos das barragens, com enfase no Co, v, ni e Pb para os sedimentos de Sabana Yegua (Fig. 8a) e v, Cu, Pb e Zn para os sedimentos de Tavera (Fig. 8b). Em contrapartida, os teores de elementos traço nos solos (Figs. 8c, d) são extremamente variáveis. Um dos elementos geoquimicamente mais móveis é por exemplo o K, que nos sedimentos de Sabana Yegua e Tavera se associam preferencialmente a partículas mais finas, surgindo nos sedimentos com
o triplo do teor verificado nos solos (Figs. 7a, c). Este elemento, entrando geralmente na constituição de ilites, biotites e moscovites, tende a estar preferencialmente associados a partículas mais finas. Em Tavera, os teores de Mg e de K são também bastante mais elevados nos sedimentos do que nos solos (Figs. 7b, d), mais uma vez atestando a mobilidade destes elementos. Para o caso dos elementos traço na albufeira de Sabana Yegua verifica-se uma acumulação preferencial de Cr, Sr, v, Cu, ni e Zn, enquanto em Tavera se encontram teores particularmente elevados de Ba, Co, Cr, v, Cu, ni, Pb e Zn (Fig. 8), sugerindo a possibilidade de fontes distintas para estes elementos, nas duas bacias. A correlação linear verificada entre Sr e Ca nos sedimentos de Sabana Yegua é indicadora da afinidade geoquímica entre estes elementos e da sua provável proveniência a partir das rochas de natureza carbonatada da sua bacia de drenagem. nos sedimentos de Tavera, verificam-se boas correlações entre Zn e Pb e Cu, indicando uma proveniência comum, sendo as rochas vulcano-sedimentares a fonte mais provável.
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Figura 8 – Distribuição dos teores máximos, mínimos e medianos dos elementos traço nos sedimentos de Sabana Yegua (a) e Tavera (b), e nos solos de Sabana Yegua (c) e Tavera (d). Figure 8 – Distribution of the maximum, minimum and median content of the trace elements in the sediments of Sabana Yegua (a) and Tavera (b), and in the soils of Sabana Yegua (c) and Tavera (d).
Os teores dos elementos maiores nos sedimentos de ambas as albufeiras são muito semelhantes, revelando deste modo uma proveniência muito semelhante do ponto de vista geoquímico. Embora como já referido, a litologia das formações encaixantes seja distinta nos dois sistemas, a generalidade das formações geológicas nas duas bacias de drenagem são idênticas, embora com proporções relativas diferentes. Em consequência dessa diferente representatividade regista-se uma diferenciação na distribuição e nos teores de alguns elementos maiores, como o Al, Si e Ca (Tab. 1), entre os sedimentos das duas albufeiras. Com base na análise das tabelas 1 e 2, é possível observar uma maior influência de rochas detríticas e carbonatadas (arenitos, conglomerados, margas arenosas) na sedimentação da albufeira de Sabana Yegua, enquanto em Tavera se nota uma maior influência das rochas básicas e ultramáficas, associadas às formações vulcano-sedimentares, como se pode verificar através das cartas geológicas destas bacias (Figs. 2 e 3). Tal é também aparente nos sedimentos de Tavera, com teores medianos de Fe, Mn, Al mais
elevados e fracção argilosa mais importante do que os sedimentos de Sabana Yegua, caracterizados por teores medianos de SiO2 maiores e por uma fracção arenosa mais significativa. A composição dos sedimentos relativamente aos elementos maiores e as correlações existentes entre eles e outros componentes dos sedimentos, como as fracções granulométricas, reflectem associações mineralógicas de distintas (Tab. 1). A correlação positiva entre os teores de SiO2 e a proporção de areia nos sedimentos, sobretudo em Sabana Yegua, sugere que a fracção mais grosseira dos sedimentos seja predominantemente composta por quartzo e feldspatos. A correlação linear positiva entre os teores de Al2O3 e a componente argilosa dos sedimentos, sendo superior em Tavera, sugere que essa fracção fina seja rica em minerais de natureza caulinitica (Cronan, 2009). A fraca correlação entre os teores de Fe2O3 e a proporção da fracção argilosa nos sedimentos e a inexistência de correlação entre a proporção de argila e o teor de Corg implicam que os sedimentos estudados não contêm, ou contêm apenas teores vestigiais, de minerais argilosos com maior capacidade de adsorção
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Tabela 1 – Componentes maiores (em % ponderal) dos sedimentos e solos das barragens de Sabana Yegua e de Tavera. Table 1 – Larger components (in % weight) of the sediments and soils of the Sabana Yegua and Tavera dams. Sabana Yegua
Tavera (medianas)
Sedimentos
Solos
Sedimentos
Solos
53,85%
45,03%
SiO2
43,50%
52,56%
14,82%
12,07%
Al2O3
16,00%
11,18%
8,76%
8,37%
Fe2O3
9,51%
8,00%
4,25%
2,70%
MgO
3,12%
0,97%
3,93%
2,78%
CaO
2,11%
1,99%
1,52%
1,01%
na2O
1,13%
0,85%
0,80%
0,77%
TiO2
0,85%,
0,88%
1,09%
0,34%
K2O
0,56%
0,16%
0,15%
0,11%
P2O5
0,15%
0,07%
0,13%
0,14%
MnO
0,14%
0,16%
Tabela 2 – Medianas das fracções granulométricas obtidas nos sedimentos de Sabana Yegua e de Tavera. Table 2 – Mean of the granulometric fractions obtained in the sediments of the Sabana Yegua and Tavera. Sabana Yegua
Classes (medianas)
Tavera
0,636%
Areia
0,332%
46,573%
Silte
42,534%
46,397%
Argila <
57,418%
e fixação de matéria orgânica, como é o caso dos minerais argilosos ricos em Fe (clorite e esmectite). numa etapa futura do trabalho, proceder-se-á à identificação da mineralogia da fracção argilosa por difracção de raios-X. Tavera apresenta uma maior homogeneidade na distribuição dos elementos químicos maiores e em traço nos sedimentos, possivelmente por se localizar numa região com maior declive e precipitação, o que incrementa a lixiviação e mistura de elementos em toda a albufeira. A sua fisiografia é estreita e alongada o que facilita a distribuição mais homogénea dos materiais transportados para o seu interior. Esta fisiografia, associada a mais elevadas taxas anuais de precipitação, promove um maior hidrodinamismo desta albufeira. As correntes internas, de elevada intensidade, favorecem o revolvimento e mistura de todos os componentes particulados no fundo da barragem.
nos solos de Tavera, relativamente aos sedimentos da bacia, verifica-se um decréscimo nítido dos elementos mais móveis, Ca, Mg, na e K (Tab. 1). É provável que os teores relativamente elevados de Al nestes sedimentos estejam preferencialmente associados com a sua fracção argilosa. Os elementos mais imóveis registam valores muito idênticos nos solos e sedimentos (Fig. 7). Considerando que os teores dos elementos maiores e traço nos sedimentos e a sua relação com os valores médios dos solos têm a ver com a sua mobilidade geoquímica, estes dados apontam para um ambiente de forte meteorização química. Os sedimentos recebem e concentram, uma grande parte dos elementos químicos lixiviados das bacias, com particular destaque para os elementos com elevada mobilidade: K, na, Mg, e Ca. Os elementos com baixa solubilidade, como o Al e o Fe, poderão estar, nos solos, preferencialmente associados a partículas de menor dimensão (Cronan,
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82 Caracterização geoquímica de sedimentos de fundo de barragens Dominicanas
2009; Giblin, 2009), que são as partículas mais facilmente transportadas para as albufeiras, sendo por isso o seu transporte feito sob a forma particulada. A bacia de drenagem de Tavera encontra-se sob uma maior influência de rochas vulcano-sedimentares. A boa correlação entre os teores de TiO2 e Fe2O3, quer nos solos, quer nos sedimentos, indica que ambos os elementos deverão ter idêntica proveniência litológica. verifica-se igualmente uma boa correlação entre os teores de TiO2 e de MgO, porém apenas nos sedimentos. nos solos de Tavera, apenas se verifica uma boa correlação entre os teores de Fe2O3 e de Al2O3. A correlação entre Fe e Mg nos solos e nos sedimentos apresenta valores muito baixos. nos sedimentos de Sabana Yegua, verificaram-se boas correlações entre os teores de TiO2 e os óxidos de Fe e Mg. nos solos dos dois sistemas estudados, o TiO2 encontra-se preferencialmente associado ao SiO2. Contrariamente a Tavera, os sedimentos de Sabana Yegua registam uma importante correlação entre os teores de Fe e Mg e de Fe e Al, sugerindo uma importante influência da sedimentação de aluminossilicatos de Fe e Mg nesta albufeira e uma origem idêntica para estes três elementos, sugerindo a mesma proveniência litológica (Giblin, 2009). Tal como em Tavera, os elementos mais móveis (Ca, K, Mg, na), têm maior incremento nos sedimentos.
Os teores de Fe, com valores muito idênticos em solos e sedimentos, são mais baixos relativamente aos de Tavera, devido à maior influência das rochas sedimentares detríticas na sedimentação da albufeira. Contrariamente a Tavera, os teores de SiO2 são mais elevados nos sedimentos (Tab. 2, Fig. 7). Este facto deve-se à maior parte dos solos analisados terem sido recolhidos no sector de rochas vulcano-sedimentares (SYS 2, SYS 5, SYS 6, SYS 7), onde os teores de SiO2 raramente ultrapassam 50%, enquanto a sedimentação da albufeira de Tavera tem uma maior influência das rochas detríticas (arenitos, margas arenosas, conglomerados), tendo produzido solos com teores de SiO2 superiores (> 50%). b) Análise elementar Os teores dos elementos orgânicos em Sabana Yegua são médios a altos (Fig. 9), com destaque para os solos que derivam de rochas carbonatadas. Os teores mais elevados destes elementos, particularmente o n e o C distribuem-se pelos pontos de amostragem influenciados pelo rio Yaque del Sul (SY7A e SY11A). Os teores verificados nos sedimentos são superiores aos dos solos, contrariamente ao que seria de esperar. Fazendo uma comparação entre os teores registados nos solos e nos sedimentos de Sabana
Figura 9 – Teores dos elementos orgânicos dos solos (em cima) e dos sedimentos (em baixo) para Sabana Yegua e Tavera. Figure 9 – The organic elements of the soils (above) and the sediments (below) for Sabana Yegua and Tavera.
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ASSOCIAçãO PORTUGUESA DE GEólOGOS
J. F. Araújo, P. M. nogueira, R. M. Fonseca, C. G. Pinto, A. A. Araújo 83
Yegua, verifica-se que, com excepção da amostra SY10, esses teores são muito idênticos e homogéneos, o que poderá indicar uma baixa actividade biológica na albufeira. Para Tavera, os elementos orgânicos apresentam teores médios, havendo uma distribuição mais uniforme nos diferentes sectores de amostragem de solos, e mais baixos do que os registados em Sabana Yegua. Este ocorrência deve-se ao facto da litologia ser mais homogénea, com um predomínio de rochas de natureza tonalítica. Comparando os teores de elementos orgânicos registados nos solos e nos sedimentos de Tavera, parece existir uma maior actividade biológica nos sedimentos, devido ao aumento das suas concentrações na albufeira. 5. Considerações finais Com base nos dados já obtidos no projecto em curso e apresentados acima, é possível inferir que há um grande hidrodinamismo nas duas albufeiras, em particular em Tavera, o que é corroborado pela homogeneidade geoquímica verificada ao longo da barragem. É possível identificar uma deposição preferencial nas albufeiras, das partículas mais finas dos solos, enriquecidas em Al, Fe e Mg. Como seria expectável, verificou-se uma forte influência dos depósitos detríticos e rochas carbonatadas, o que contribui para uma sedimentação mais rica em Ca e Mg em Sabana Yegua. As razões elementares e os diagramas de correlação linear entre elementos maiores e traço não são suficientes para identificar as principais fontes para esses elementos. Prevê-se que a geoquímica das rochas-mãe, em particular, a dos elementos das terrasraras, constitua uma base mais sólida para o estudo de proveniência que se pretende realizar. O presente estudo permitiu ainda inferir que em Tavera se verifica maior actividade biológica,
relativamente a Sabana Yegua, dado o incremento dos teores de elementos orgânicos nos sedimentos relativamente aos dos solos. Futuramente, caracterização idêntica será realizada nas rochas que enquadram as duas barragens. Este projecto contemplará também um estudo da assinatura dos elementos de terras raras, que permitirá uma melhor avaliação da fonte dominante dos materiais depositados.
Referências Cronan, C.S., 2009. Major cations in freshwaters: Ca, Mg, na, K, and Al. In: likens, G. E. (ed) Encyclopedia of Inland Waters, Oxford – Elsevier Publishers, nY, 360377. Ferreira, P., 1996. Quantificação dos elementos maiores, Ba, Be, Co, Cr, Cu, la, ni, Sc, Sr, v, Y, Zn e Zr por ICP-AES. Relatório Interno do Departamento de Geologia do Instituto Geológico e Mineiro, 20. Ferreira, P., 1997. Análise dos elementos do grupo das terras raras, Y, Sc e Hf por ICP-AES. Relatório de Estágio no Departamento de Geologia do Imperial College. Instituto Geológico e Mineiro. Ministério da Economia, 79. Giblin, A.E., 2009. Iron and Manganese. In: likens, G. E. (ed) Encyclopedia of Inland Waters, Oxford – Elsevier Publishers, nY, 368-377. Håkanson, l., Jansoon, M., 1983. Principles of Lake Sedimentology. Springer (Berlim). Mollat, H., Wagner, B. M., Cepek, P., Weiss, W., 2004. Mapa Geológico de la República Dominicana 1/250 000 e Notícia Explicativa. Serviços Geológicos da República Dominicana, Hannover, 101. Xu, G., Hannah, J.l., Bingen, B., Georgiev, S., Stein, H.J., 2012. Digestion methods for trace element measurements in shales: paleoredox proxies examined. Chemical Geology, 324–325, 132–147.
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GEOnOVAS n.º
ASSOCiAçãO PORTUGUESA DE GEóLOGOS
31: 85 a 94, 2018 85
Prospeção geofísica por resistividade elétrica 3D, Polo-Polo, Par-Ímpar: o caso de estudo de moradia unifamiliar em Porto de Mós Diogo Rodrigues1, Nuno Ricardo Barraca2, Sara Oliveira3, Fernando Almeida4 1
GEOSS - GeoSmartSolution rua da Alegria, nº 27, 5º andar, Porto 2
GeoAviz, Lda., Travessa Cónego Maio 8, São Bernardo-Aveiro 3
Assimagra - Recursos Minerais de Portugal 4
GeoBioTec, Universidade de Aveiro
*autor correspondente: diogorodrigues@geoss.pt
Resumo O presente trabalho apresenta o estudo realizado na habitação unifamiliar localizada na Rua do Vale em Pedreira - Porto de Mós - e que consistiu na caracterização geológica do subsolo, com o objetivo de identificar a origem de patologias visíveis no edifício. O edifício em estudo apresentava fraturas nas paredes, aparentemente, com origem em eventuais problemas nas suas fundações, que assentam em terrenos cársicos, pelo que se demonstrou ser de extrema importância o conhecimento da litologia local e a sua eventual influência no comportamento da estrutura edificada. Com o intuito de identificar a origem das patologias vigentes no referido edifício e selecionar as soluções apropriadas para a sua resolução, foi elaborado um estudo do subsolo local. Assim optou-se por recorrer a metodologias de geofísica, nomeadamente, ao método de prospeção através de Resistividade Elétrica 3D usando a metodologia Polo-Polo, Par-Ímpar. Aqui são apresentados os resultados da prospeção levada, a cabo no local, bem como uma interpretação dos resultados com base na geologia local. Palavras-chave: Cársico, resistividade elétrica 3D, fundações, moradia unifamiliar, geofísica. Abstract This work presents the study carried out in the single-family dwelling located in Rua do Vale da Pedreira - Porto de Mós - and consisted in the geological characterization of the subsoil, in order to identify the origin of pathologies visible in the building. The studied building presented wall fractures apparently derived from possible foundation problems, that are based on karstic terrain, reason why it was demonstrated of extreme importance the knowledge of the local lithology and its possible influence in the behaviour of the building. In order to identify the origin of the pathologies in the building and select the appropriate solutions for its resolution, a study of the local subsoil was elaborated. Therefore, geophysical methodologies were used, specifically a Pole-Pole Odd-Even 3D Electrical Resistivity survey. Herein are presented the results of the geophysical survey carried out, well as an interpretation of results under the light of local geology.
Keywords: Karst, 3D electrical resistivity, foundations, single family house, geophysics.
1. Caracterização geológica local O local estudado encontra-se implantado numa área superficialmente coberta por argila (Fig. 1), sendo possível observar na respetiva envolvente a
presença de áreas arborizadas e alguns afloramentos de calcário. A argila presente no local apresenta características concordantes com Terra Rossa (argila resultante da meteorização do calcário) que se caracteriza,
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86 Prospeção geofísica por resistividade elétrica 3D, Polo-Polo, Par-Ímpar: o caso de estudo de moradia unifamiliar em Porto de Mós
Figura 1 – Aspeto da argila presente no local. Figure 1 – Appearance of the clay present in the site.
frequentemente, por uma boa capacidade de drenagem da água. Segundo a carta geológica local (Fig. 2), a área estudada está enquadrada junto a depósitos aluvionares que recobrem a formação dos Calcários dos Moleanos, datados do Jurássico Superior, especificamente do Caloviano. nas proximidades da área estudada são evidentes várias falhas geológicas orientadas nE/SW complementadas com algumas, pequenas falhas, orientadas perpendicularmente às primeiras. Estas duas famílias de planos de falhas principais deverão determinar a orientação dominante das carsificações e linhas de água encontradas na região. De notar que o local estudado está circundado por linhas de água com alinhamentos nE/SW e SSE/nnE. 2. Resistividade elétrica Os métodos geoeléctricos apresentam uma vasta gama de aplicações, nomeadamente na exploração de águas subterrâneas, delineamento de aterros e solutos, gestão agrícola, determinação da espessura do solo e profundidade do leito rochoso, e avaliação das propriedades hidrológicas do solo (Samouëlian et al., 2005).
Este método tem ampla aplicação em estudos ambientais, para caracterização de contaminações do subsolo, estudos geológicos em arqueologia, para deteção de objetos e/ou estruturas e, em engenharia, na deteção de cavidades. Tem também sido usado em estruturas de edifícios, em estudos de betão, com aplicação direta em projetos de Engenharia Civil. Os métodos elétricos estudam a resposta do terreno quando se propagam correntes elétricas contínuas através dele. A sua utilização baseia-se no uso de um resistivímetro e de 4 elétrodos, 2 de corrente e 2 de potencial. Assim, para calcular a resistividade do subsolo é injetada corrente contínua no terreno através de 2 elétrodos (de corrente) exteriores ligados a uma fonte de energia, medindo-se a a diferença de potencial gerada pela passagem da corrente entre outros 2 elétrodos (de potencial). Conhecendo a intensidade da corrente, a diferença de potencial e as distâncias que separam os elétrodos de corrente dos de potencial, é possível calcular a resistividade do meio. Alterando a configuração dos elétrodos obtêmse várias possibilidades de estudo (Aizebeokhai, 2010). A aquisição de dados de resistividade elétrica pode ser efetuada de duas formas distintas: uma, aquisição de perfis 2D, isto é, ao longo de um perfil retilíneo implantado no solo, outra, através de dispositivos tridimensionais (3D), em que os elétrodos são regularmente espalhados no solo ao longo de uma área (Aizebeokhai, 2010). A tomografia elétrica clássica 2D consiste na medição da resistividade ao longo de um perfil (ou linha) na qual as medições são efetuadas segundo as configurações Wenner, Shlumberger e Dipolo-dipolo (Herman, 2001; Aizebeokhai, 2010), as quais se descrevem de seguida: • O dispositivo de Wenner usa uma configuração com espaçamentos iguais entre 4 elétrodos dispostos em linha reta na superfície. A corrente alternada passa entre os 2 elétrodos exteriores, enquanto que a diferença de potencial é medida entre os elétrodos interiores; • no dispositivo de Shlumberger, o modo de funcionamento é idêntico ao dispositivo de Wenner, estando a diferença está na distância entre elétrodos, onde a separação entre os 2 interiores deve ser inferior a 1/5 da distância entre os elétrodos exteriores; • no método Dipolo-Dipolo, a distância entre os elétrodos de potencial é igual à distância entre os elétrodos de indução, variando apenas a distâncias entre os dois conjuntos de elétrodos ao longo da linha de aquisição.
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Figura 2 – Extrato da Folha 27-A Vila nova de Ourém da Carta Geológica 1/50 000. A estrela vermelha, marca o local da implantação do edifício estudado (Manuppella et al., 1998). Figure 2 – Extract from the Sheet 27-A (Vila Nova de Ourém) 1:50 000 geological map. The red-star is marked by the location of the studied building (Manuppella et al., 1998).
Uma das limitações destas configurações 2D é a sua falta de representatividade volumétrica das medições. Assim, nos casos em que se pretende estudar um dado volume de solo com maior detalhe recorre-se às metodologias de aquisição 3D. nestes arranjos de elétrodos, estes são espalhados numa malha regular por forma a cobrir uma malha quadrada à superfície do solo. nas aquisições 3D, o dispositivo usado é o Polo-Polo, no qual um elétrodo de potencial e um de corrente são colocados a grande distância da aquisição, sendo as medições efetuadas em relação aos outros dois elétrodos (Aizebeokhai, 2010). A metodologia de aquisição clássica 3D apresenta limitações uma vez que nem sempre é possível colocar os elétrodos numa malha quadrada, por ter que se contornar obstáculos imoveis ou falhar medidas onde estas não sejam possíveis de adquirir devido às restrições geométricas do local de aquisição. Para o efeito, foi desenvolvida a Metodologia Polo-
Polo, Par-Ímpar (Almeida et al., 2001). nesta metodologia a aquisição dos dados de resistência é efetuada com o dispositivo Polo-Polo com um multicabo (no caso em estudo usaram-se 47 elétrodos). Programa-se em gabinete uma sequência de aquisição em que o os elétrodos ímpares são de corrente e os pares de potencial. Para cada um dos 24 elétrodo de corrente são obtidas 23 medidas de potencial que constituem um conjunto comum de corrente (CCi), cuja distância r entre os elétrodos de corrente e de potencial é variável. Para eliminar o ruído, usou-se um método que se baseia num critério para a aceitação de dados, suportado na proximidade de uma regressão linear robusta (Almeida et al., 2016). Esta regressão linear em função de 1/r é definida pela equação referente a um meio homogéneo de resistividade, em que R é a resistência e é a resistividade do meio homogéneo: R=r2p1r
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na figura 3 ilustra-se o método utilizado para remoção de ruido no caso de um CCi para um nível de aceitação de 50%. À esquerda representa-se a regressão robusta de R em função de 1/r e à direita a distribuição espacial da resistência em torno do elétrodo de corrente. A seta vermelha mostra um ponto considerado ruído na planta e no diagrama de aceitação.
Figura 3 – Procedimento de eliminação de pontos de ruído que se afastam mais de 50% da regressão robusta (adaptado de Almeida et al., 2016). Figure 3 – Noise data elimination procedure od the point that deviate more than 50% from the robust regression (adapted from Almeida et al., 2016).
Esta metodologia foi recentemente testada e comprovada em estudos efetuados no Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro e no Mosteiro de Santa Maria da Victória na Batalha (Almeida et al., 2016). Este tipo de metodologias avançadas de prospeção elétrica 3D, que visa contornar as limitações dos métodos clássicos, tem vindo a sofrer bastantes inovações e tem sido usada em locais emblemáticos com grandes dificuldades
de acesso aos métodos clássicos (Tejero-Andrade et al., 2015 e 2018; Chavez, 2011; Chavez, 2015). Estes métodos também têm sido usados em larga escala em estruturas de edifícios em estudos de betão, com aplicação direta em estudos destinados à engenharia civil (Lataste et al., 2013). 3. Estratégia dos trabalhos de geofísica A estratégia de aquisição foi especificamente adequada ao local de estudo e aos objetivos da prospeção a realizar. Dado que a principal patologia identificada no local aparenta estar relacionada com assentamento diferencial nas fundações do edifício (Fig. 4), para este trabalho foi adotada uma metodologia que permite a caracterização do estado do solo abaixo do edifício, isto é, a metodologia da resistividade elétrica 3D (PoloPolo, Par-Ímpar). Esta metodologia foi adotada particularmente devido às restrições espaciais identificadas no local, dado o facto de se ter de implementar o estudo abaixo do edifício e de se ter de contornar obstáculos como pilares e paredes do edifício. Para a aquisição de dados, foi selecionada uma malha regular para colocação dos elétrodos, usando-se um espaçamento entre elétrodos de 2,5 m (Fig. 5). Este espaçamento foi otimizado, não só para cobrir o máximo possível da área abaixo do edifício, bem como para abranger uma área fora do mesmo por forma a obter dados de controlo fora da estrutura, e perceber a continuidade das eventuais anomalias, assim, poder detetadas no edifício. 4. Metodologia de processamento de dados Tradicionalmente, a verificação da qualidade dos dados é efetuada segundo a teoria tripotencial
Figura 4 – Aspeto da parede Oeste do edifício. São claramente visíveis as fraturas originadas pelo assentamento diferencial das fundações. Figure 4 – Aspect of the west wall of the building. Herein, the fractures caused by the differential settling of the foundations, are clearly visible.
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Figura 5 – Localização dos elétrodos. O espaçamento usado na malha de aquisição foi de 2,5 m. Figure 5 – Location of the electrodes. The spacing used in the acquisition mesh was 2.5m.
de Habberjam (1979); no entanto, esta metodologia é impossível de ser aplicada no presente trabalho. nestas circunstâncias, foi usada uma outra metodologia descrita em Almeida et al. (2016), na qual se aplica diretamente a teoria do Potencial. Segundo esta teoria, o potencial em torno de um dado ponto deve decair com a distância. Os dados da matriz Polo-Polo permitem a reconstrução destes decaimentos. Portanto, a identificação de dados de baixa qualidade é imediata se os dados não satisfazem estas condições de decaimento. Assim, um algoritmo foi implementado para calcular a correlação linear entre as resistências medidas e o inverso da distância para cada par de elétrodos de corrente e de potencial, isto é, para cada ponto de corrente (número ímpar) são calculados os potenciais (números pares). Os pontos que não cumprem a função de decaimento podem ser removidos ou um limite de aceitação pode ser estabelecido. neste trabalho, o limite de divergência foi fixado em 50%. A linha de regressão linear calculada entre os potenciais e o inverso da distância do elétrodo de potencial permite a estimativa da resistividade no ponto de corrente. De fato, o coeficiente angular da linha reta é a resistividade dividida por 2p. Assim, foi possível construir um mapa com uma resistividade geral atribuída às posições de pontos de corrente. Os dados resultantes deste controlo de qualidade são posteriormente importados no software de processamento e inversão de dados de resistividade 3D,
Geotomo Software Res3dinv v3.10.35 (Loke, 2013) no qual foram invertidos os dados forma a transformar os valores de resistividade aparente, identificada à superfície em valores de resistividade real. Quando se procede, à inversão dos dados o número de vezes que se deverá proceder a este processo (número de iterações) deverá ser o menor possível (inferior a 10). no presente caso, foram apenas necessárias 3 iterações para obter um modelo com um erro de 5,1%, o que é notoriamente baixo. 5. Interpretação dos resultados Os resultados da inversão dos dados da prospeção geoelétrica são apresentados na (Fig. 6). A figura apresenta as fatias horizontais da inversão 3D dos dados de resistividade medidos no local. Os valores em tons de azul correspondem a valores de resistividade elétrica mais reduzidas, enquanto as cores mais quentes correspondem a valores de resistividade elétrica mais elevadas. Os valores de resistividade elétrica mais reduzidos correspondem a materiais argilosos com elevado teor de água, enquanto os valores de resistividade mais altos correspondem a materiais mais empobrecidos em elementos condutores e menores teores de água. Da interpretação destes dados é possível identificar uma camada mais superficial de argilas com grande teor em água. Quando se analisam maiores profundidades esta humidade reduz-se é possível
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Figura 6 – Fatias horizontais da inversão 3D dos dados obtidos na prospeção geoelétrica efetuada. Em cima de cada imagem é apresentada a sua profundidade. A escala corresponde a valores de resistividade elétrica em ohm.m, a planta no canto inferior direito mostra a azul a localização das fatias com pontos a localização dos elétrodos. Figure 6 – 3D horizontal slices obtained from the inversion of the data obtained in the geoelectrical survey. The depth of each slice is displayed on each image. The scale corresponds to values of electrical resistivity in ohm.m, the map in the lower right corner shows, in blue, the location of the slices and, with points, the location of the electrodes.
detetar uma anomalia de forma semicircular em torno da parede nW do edifício. Esta anomalia tem a configuração de um algar, que aparentemente se encontra preenchido com argilas. na figura 7 são apresentadas as localizações das principais fraturações detetadas no edifício para usar como termo de comparação com os resultados da prospeção geoelétrica. A localização das secções de resistividade mais relevantes, devidamente georreferenciadas em
relação ao edifício, é apresentada na figura 8 (a, b, c, d). na referida figura é possível identificar a evolução da depressão, que foi interpretada como um algar e sua relação estrutural. É possível verificar que os principais danos identificados na estrutura (Fig. 7) estão associadas à vertente Oeste do algar. É ainda relevante referir que os relatos da existência de uma exsurgência de água junto a um pilar central (entre os elétrodos 22 e 23) é concordante com a parte mais central da anomalia
Figura 7 – Localização das paredes com fraturas mais significativas visíveis (retângulos vermelhos). Figure 7 – Location of walls with significant visible fractures (red rectangles).
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Figura 8 – Fatias horizontais da inversão 3D às profundidades entre 0m e 1,25m (A), 1,25 m e 2,69 m (B), 2,69 m e 4,34 m (C) e 6,24 m e 8,43 m (D). Em (A) é evidente um alinhamento E-W (linha vermelha) de valores de resistividade elétrica relativamente baixos; em (B) o alinhamento anteriormente identificado é novamente identificado, no entanto é também evidente o aparecimento de uma área de altas resistividade no edifício no canto SW e que poderá corresponder a um afloramento rochoso; em (C) o alinhamento anteriormente identificado deixa de estar tão definido e a evidência de materiais com resistividade mais altas é mais clara. É mais evidente a forma semicircular que é interpretada como um algar; em (D) evidente que a área de baixas resistividades se concentra na parede Este do edifício e que a parede Oeste apresenta menores resistividades. É ainda identificada a presença de baixas resistividades junto à parede sul do edifício. Figure 8 – 3D inversion horizontal slices corresponding to depths between 0m and 1.25 m (A), 1.25 m and 2.69 m (B), 2.69 m and 4.34 m (C), 6.24 m and 8.43 m (D). In (A), an E-W alignment of relatively low electrical resistivity values is evident (red line); in (B), the alignment previously identified is again identified, however it is also evident the appearance of an area of high resistivity in the building SW corner that may correspond to a rocky outcrop; in (C), the previously identified alignment is no longer clearly defined and the its evident the presence of higher resistivity materials is clearer. It is most evident that the semi-circular form is interpreted as a sinkhole; in (D), it is evident that the area of low resistivities is concentrated in the east wall of the building and that the West wall presents lower resistivities. Low resistivities are also presents near the building south.
identificada como algar, o que poderá explicar, em particular, o surgimento de água neste local. Estes dados são mais claros de constatar quando se analisa as seções S-n da prospeção geoelétrica (Fig. 9). nestas figuras, para além do facto de ser
evidente a presença da camada superficial de argilas mais humedecidas (cores mais frias) é ainda evidente a presença de uma estrutura com formato cónico, abaixo do edifício, e que tem a configuração de um algar presente abaixo da estrutura.
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Figura 9 – Fatias Sul/norte da prospeção geoelétrica. A localização das fatias é apresentada na planta da direita. nestas imagens é claramente evidente a presença das argilas mais humedecidas à superfície e de uma estrutura cónica, concordante com um algar, abaixo destes sedimentos. A imagem da direita apresenta a localização dos perfis a laranja. Figure 9 – Geoelectric survey South / North slices. The location of the slices is shown on the map in the right. In these images it is clearly evident the presence wetter clays on the surface and of a conical structure, concordant with a sinkhole, below these sediments. The image on the right shows the profiles location in orange.
6. Considerações finais e conclusões nos dados de prospeção geofísica é bem evidente que ocorre um alinhamento superficial de valores baixos de resistividade com uma orientação E/W. Este alinhamento é concordante com o sentido do fluxo de água para a linha de água, observada a Oeste do local. Quando se analisa os dados a maior profundidade é evidente a presença de uma estrutura depressiva sob o edifício. Esta estrutura é concordante com a presença de um algar preenchido com argila em profundidade. É ainda importante salientar que as paredes mais danificadas aparentam estar relacionadas com a vertente Oeste do algar e com a sua parte central
(junto aos elétrodos 22 e 23), local onde é evidenciada a presença de uma eflorescência de água.
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Diogo Rodrigues, nuno Ricardo Barraca, Sara Oliveira, Fernando Almeida 93
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Incorporação de escórias resultantes da incineração de resíduos sólidos urbanos em materiais cerâmicos J. Elias1*, C. Galhano2, J. Simão3 1
Departamento de Ciências da Terra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade NOVA de Lisboa, Caparica, 2829-516
2
Departamento de Ciências da Terra e GeoBioTec, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade NOVA de Lisboa, Caparica, 2829-516
3
Departamento de Ciências da Terra e GeoBioTec, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade NOVA de Lisboa, Caparica, 2829-516 *autor correspondente: j.elias@campus.fct.unl.pt
Resumo A produção de resíduos sólidos urbanos (RSU) está em constante crescimento, devido ao desenvolvimento industrial e populacional. Apesar do processo de incineração reduzir o volume, massa e perigosidade destes resíduos, continuam a ser necessárias enormes áreas para a sua deposição. Assim, para se minimizarem os impactes associados à sua colocação em aterro e, com vista à criação de um material ecológico, surge o presente estudo que consiste no aproveitamento de escórias resultantes da incineração dos RSU através da sua incorporação na produção de materiais cerâmicos. O estudo laboratorial consistiu na elaboração de provetes cerâmicos com 0, 5, 10, 15 e 20% de escória, cozidos a 900, 1000 e 1100° C e na realização de ensaios para a sua caraterização físico-mecânica. Com base nos resultados obtidos foi possível verificar que o material cerâmico com adição de resíduo obteve menores valores de retração, ou seja, uma melhor conservação das suas dimensões. Para além disso, apresentou menor massa volúmica aparente e maior porosidade aberta, podendo facilitar a sua fixação, principalmente, quando aplicado como material de revestimento. Palavras-chave: Argila, RSU, escória, material cerâmico. Abstract The production of urban solid waste (USW) is constantly growing due to the industrial and population development. Although the incineration process reduces the volume, mass and hazardousness of these wastes, huge areas are still required for their disposal. To minimize the impacts associated with its landfill and to create an ecological material, the present study consists in the recovery of ashes resulting from the incineration of USW through its incorporation in the production of ceramic materials. The laboratory study was carried out in the preparation of ceramic samples with 0, 5, 10, 15 and 20% of ash, fired at 900, 1000 and 1100° C and, in the performance of tests for their physical and mechanical characterization. Based on the obtained results it was possible to verify that the ceramic material, with addition of residue obtained lower values of retraction, conducing to a better conservation of its dimensions. In addition, it presented a lower apparent bulk density and higher open porosity, which may facilitate its fixation, when applied as cladding material.
Keywords: Clay, USW, ash, ceramic material.
1. Introdução O desenvolvimento da sociedade tem levado a um aumento da produção de resíduos sólidos urba-
nos (RSU) resultantes, essencialmente, da atividade doméstica e comercial dos centros urbanos. A constituição deste tipo de resíduos pode ser diversa, incluindo metais ferrosos e não ferrosos,
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96 incorporação de escórias resultantes da incineração de resíduos sólidos urbanos em materiais cerâmicos
plásticos, vidros e papel, podendo ser ou não recicláveis. De acordo com dados providenciados pelo The World Bank (2016), em “What a Waste: A Global Review of Solid Waste Management”, constata-se que a produção de RSU tem vindo a aumentar ao longo do tempo de forma descontrolada, sendo superior à própria taxa de urbanização. Atualmente, em média, cada habitante produz sensivelmente 1,2 kg/dia de RSU, perfazendo cerca de 1,3 biliões de t/ano e estima-se que estes valores aumentem em 2025, passando a verificar-se uma produção por habitante de 1,42 kg/dia e 2,2 biliões de t/ano. Segundo dados fornecidos pelo instituto Nacional de estatística (iNe), em Portugal, no período entre 1995 até 2014 foram produzidos, em média, 4,6 milhões de t/ano de RSU (iNe, 2016; Fig. 1). Conforme os dados recentes da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), foram produzidos mais 1% de RSU em 2015 comparados com 2014 (4765 milhões de toneladas), invertendo-se a tendência de decréscimo verificada em anos anteriores (APA, 2017). De acordo com o iNe, existe uma relação de proporção direta entre o valor da produção de RSU e o PiB (iNe, 2016). Para além disso, o iNe (2017) constatou que o PiB em Portugal tem seguido um desenvolvimento crescente desde 2014, podendo-se prever um aumento da produção de RSU nestes últimos anos. Considerando estes dados é possível imaginar o gigantesco impacte ambiental e social da produção
destes resíduos a nível mundial, que, na sua maioria, serão colocados em aterro. Sendo extremamente difícil a redução da produção de resíduos, tendo em conta a necessidade industrial, surge o processo de incineração como uma das opções mais viáveis para tentar amenizar esse impacte. este processo permite reduzir de forma considerável o volume e o peso dos RSU, culminando numa redução significativa dos custos associados ao seu transporte, manuseamento, colocação em aterro e tratamento. Da incineração dos RSU resultam escórias, cuja composição pode ser variada. Apesar dos benefícios da incineração, o volume de escórias continua ainda exorbitante, prosseguindo a sua acumulação, ocupando grandes áreas de terreno e originando impactes ambientais severos. Sendo a indústria cerâmica, um ramo do mercado bastante abrangente e polivalente, que permite a junção de vários materiais, tais como os resíduos, estudou-se a capacidade de incorporação das escórias resultantes da incineração dos RSU em materiais cerâmicos. esse estudo consistiu na elaboração de provetes cerâmicos com várias constituições e na consecutiva realização de ensaios laboratoriais a esse material. esses ensaios permitiram estudar propriedades físico-mecânicas do material cerâmico realizado, possibilitando inferir acerca da influência de cada componente da mistura e da temperatura de cozedura a que foram sujeitos. Deste modo, constatou-se que o material cerâmico com adição de resíduo e cozido até aos 1000ºC conservou melhor as suas
Figura 1 – Média de resíduos sólidos urbanos recolhidos (em 106 toneladas e kg/habitante por ano) em Portugal (Fonte: APA, i.P. e iNe, i.P.; adaptado de iNe, 2017). Figure 1 – Average of urban solid waste collected (in 106 tons and kg/inhabitant per year) in Portugal (Source: APA, I.P. and INE, I.P.; adapted from INE, 2017).
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dimensões. Para além disso, a incrementação de resíduo no cerâmico, por originar sucessivamente um material com menor massa volúmica aparente e maior porosidade aberta, poderá facilitar a sua fixação quando aplicado como material de revestimento. 2. Metodologia O resíduo utilizado foi disponibilizado e processado pela ecoinCer, sendo composto por uma mistura de duas escórias na razão de 1:1: uma, resultante da incineração de RSU proveniente da LiPOR ii e, outra, procedente da ValorSul. Tanto a argila vermelha como o caulino encontram-se representados na Carta Geológica 26-D e, pertencem às formações de nome “Grés superiores” e ao “Complexo Astiano de Nadadouro e Águas Santas” e “Camadas vilafranquianas com lignitos e diatomitos de Rio Maior”, respetivamente (Zbyszewski & Almeida, 1960). De acordo com a análise química realizada verificou-se que os óxidos mais abundantes no resíduo são SiO2, CaO, Al2O3 e Fe2O3, na argila vermelha SiO2, Al2O3, Fe2O3, K2O e no caulino SiO2, Al2O3, respetivamente pela ordem decrescente de abundância. Para a realização dos provetes cerâmicos, inicialmente, realizou-se a moagem, em moinho de anéis da marca Fritsch, e a peneiração, na torre de peneiros vibratório da marca Retsch, da argila vermelha e o destorroamento, recorrendo ao pilão e almofariz, do caulino, obtendo-se frações inferiores a 250µm. De seguida secou-se, na estufa da marca Memmert, cada matéria-prima a 110° C, durante 24 horas, até massa constante. Após arrefecimento pesou-se o resíduo, a argila vermelha e o caulino nas respetivas proporções, e elaboraram-se misturas constituídas
por 0, 5, 10, 15 e 20% de resíduo com a restante parte completada pelas argilas. em todas as misturas foram introduzidas 95% de argila vermelha e 5% de caulino. Seguidamente, com a adição de água às misturas, realizaram-se as pastas e determinaram-se os limites de consistência (NP 143 1969) para cada uma delas, por forma a obter o respetivo teor em água e classificar a sua plasticidade. Prosseguiu-se com a elaboração de 300 provetes, dos quais 60 para cada percentagem de resíduo, com forma trapezoidal, com as seguintes dimensões tridimensionais aproximadas: base maior, 2 cm, base menor, 1,5 cm, altura, 1cm e comprimento, 12 cm, que resultaram a partir da prensagem da pasta inserida na cavidade do molde de gesso. Após desenformados, os provetes foram secos, durante 24 horas até permanecerem com peso constante. Do total dos provetes realizados, foi feita a divisão em três grupos destinados à queima a 900, 1000 e 1100° C. No fim da cozedura, realizaram-se em todos os provetes, ensaios para determinação da retração linear e da colorimetria, e em metade deles, o ensaio para a obtenção da resistência à flexão sob carga centrada (NP eN 12372 2008). estes últimos foram, posteriormente, utilizados para o ensaio de absorção de água, porosidade aberta e massa volúmica aparente (ASTM C373 2006). 3. Resultados e discussão Com base nos resultados obtidos da análise química de cada elemento constituinte dos provetes, elaborou-se a Tabela 1, onde é possível observar que a adição de resíduo levou, principalmente, a um incremento da percentagem de CaO e Na2O e à redução da percentagem de Al2O3, SiO2 e K2O.
Tabela 1 – Composição química estimada para cada mistura. Table 1 – Estimated chemical composition for each mixture. 20%R
15%R
10%R
5%R
0%R
SiO2
56,63
56,85
57,08
57,31
57,53
Al2O3
18,01
18,72
19,43
20,14
20,84
Fe2O3
6,55
6,57
6,58
6,60
6,62
K2O
3,92
4,04
4,16
4,28
4,40
CaO
3,49
2,77
2,05
1,33
0,61
MgO
2,20
2,21
2,21
2,21
2,21
Na2O
1,12
0,91
0,70
0,49
0,28
Total
91,92
92,07
92,21
92,36
92,49
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98 incorporação de escórias resultantes da incineração de resíduos sólidos urbanos em materiais cerâmicos
Verificou-se também que o somatório dos óxidos para cada mistura é aproximadamente o mesmo (92%), correspondendo a restante percentagem aos elementos menores, à água intercristalina e a outros elementos voláteis. Com a realização do ensaio para a determinação dos limites de consistência foi possível verificar que o índice de plasticidade diminuiu com o incremento de resíduo na mistura, exceto para os 10% (Fig. 2). Considerando a classificação de Jenkins concluiu-se que o índice de plasticidade das misturas ensaiadas se situou entre 7 e 15, sendo possível, assim, classificálas como medianamente plásticas (Caputo, 1988).
Figura 2 – Índice de plasticidade das misturas para cada percentagem de resíduo. Figure 2 – Plasticity index of the mixtures for each residue percentage.
Para os resultados obtidos da caraterização dos provetes, foi realizado um tratamento estatístico onde valores acima e abaixo da média de mais ou menos dois desvios padrões foram considerados possíveis outliers e excluídos do cálculo da média apresentada nos gráficos. Face aos resultados da retração linear ocorrida nos provetes cozidos, ilustrados na Figura 3, foi possível verificar que a adição do resíduo foi, especialmente, benéfica para os provetes cozidos a 900° C, registando menores percentagens de retração. O aumento percentual de resíduo incorporado fez diminuir o valor da retração linear, principalmente a partir da incorporação de 10% de resíduo, tendo resultado numa melhor conservação das dimensões no material cerâmico. Constatou-se ainda que os provetes cerâmicos sofreram maiores percentagens de retração, com o aumento da temperatura de cozedura, derivado do conjunto de alterações ocorridas ao longo da queima a altas temperaturas. Com base nos resultados obtidos da análise colorimétrica, ilustrados na figura 4A, constatou-se
Figura 3 – Retração linear dos provetes cerâmicos após cozedura. As barras de erro representam um desvio-padrão da média. Figure 3 – Linear retraction of the ceramic test pieces after firing. Error bars represent a standard deviation of the average.
que o parâmetro L* apresentou valores bastante próximos entre si, estando pouco condicionado pela adição de resíduo. De salientar que para a cozedura a 900 e 1000º C os provetes mais escuros foram os correspondentes a 10% de resíduo e, para os 1100º C os de 20%. Verificou-se ainda uma menor luminosidade dos provetes cerâmicos cozidos a 1100ºC, comprovando-se pela diferença de cor observada macroscopicamente. Relativamente à cromaticidade, entenda-se tonalidade (a*) e saturação (b*), os valores para cada patamar de temperatura, apresentaram-se também próximos entre si, sendo difícil a sua distinção macroscópica. Foi ainda possível verificar uma diminuição do valor desses parâmetros, com o aumento da temperatura de cozedura, manifestando-se pelos tons mais acastanhados (Figs. 4B e C). Analisando os valores destes 3 parâmetros, observa-se uma transição, especialmente, nos provetes cozidos a partir dos 1000º C, podendo indicar que o processo de sinterização possa ter ocorrido a partir desta temperatura. A proximidade de resultados indicou que a adição de resíduo quase não afetou a cor do material cerâmico ensaiado, aspeto este muito positivo, visto que, este parâmetro pode afetar o domínio das suas aplicações industriais. Face aos resultados obtidos para a porosidade aberta (Fig. 5), verificou-se o aumento do valor deste parâmetro com a adição de resíduo incorporado e a sua diminuição com o aumento da temperatura de cozedura. Assim, constatou-se que os provetes cozidos a 1100º C foram os que apresentaram os melhores resultados. Tal sucedeu, possivelmente, devido ao processo de sinterização se ter iniciado a
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Figura 4 – Parâmetros (A) L*, luminosidade; (B) a*, tonalidade e (C) b*, saturação dos provetes cerâmicos após cozedura. As barras de erro representam um desvio-padrão da média. Figure 4 – Parameters (A) L*, brightness; (B) a*, tonality and (C) b*, saturation of the ceramic test pieces after firing. Error bars represent a standard deviation of the average.
Figura 5 – Porosidade aberta dos provetes cerâmicos após cozedura. As barras de erro representam um desvio-padrão da média. Figure 5 – Open porosity of ceramic test pieces after firing. Error bars represent a standard deviation of the average.
Figura 6 – Massa volúmica aparente dos provetes cerâmicos após cozedura. As barras de erro representam um desvio-padrão da média. Figure 6 – Apparent bulk density of ceramic test pieces after firing. Error bars represent a standard deviation of the average.
partir dos 1000º C e à maior colmatação dos poros no material cerâmico (Roveri et al., 2007). Considerando os resultados da massa volúmica aparente dos provetes verificou-se o aumento deste parâmetro com o incremento da temperatura de cozedura e a sua diminuição com o crescimento da percentagem de resíduo incorporado (Fig. 6). Assim, para um cerâmico com a mesma forma e
dimensões, a incorporação de resíduo tornou o material mais leve. Constatou-se que a absorção de água foi superior nos provetes com resíduo incorporado, tendo aumentado com o seu incremento (Fig. 7). Apesar disso, acredita-se ser possível, com a aplicação de tratamento no cerâmico, obter valores de absorção de água na ordem dos 10%.
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da porosidade e melhoria das propriedades mecânicas do cerâmico passaria pela adição de elementos com propriedades fundentes, ricos em Na2O e K2O, para promover a formação de fase vítrea a menores temperaturas, contribuindo para a coesão do material (Riella et al., 2002). 4. Conclusões
Figura 7 – Absorção de água dos provetes cerâmicos após cozedura. As barras de erro representam um desvio-padrão da média. Figure 7 – Water absorption of the ceramic test pieces after cooking. Error bars represent a standard deviation of the average.
Relacionando o conjunto de valores obtidos (Figs. 5, 6 e 7) constatou-se que o aumento da percentagem de resíduo levou a um aumento da absorção de água e da porosidade aberta e, à diminuição da massa volúmica aparente do material cerâmico. A adição de resíduo originou uma redução do valor da resistência à flexão sob carga centrada dos provetes cerâmicos (Fig. 8), resultante da sua maior porosidade. O aumento percentual de resíduo nos provetes cozidos a 900° C e a 1000° C praticamente não induziu variação no valor da sua resistência, porém nos provetes cozidos a 1100° C, foi possível registar uma diminuição gradual do valor deste parâmetro. Apesar da resistência dos provetes à flexão diminuir com a adição de resíduo, considera-se numa gama de valores admissíveis para aplicação como revestimento. Uma alternativa para a redução
Figura 8 – Resistência à flexão dos provetes cerâmicos após cozedura. As barras de erro representam um desvio-padrão da média. Figure 8 – Bending strength of ceramic test pieces after firing. Error bars represent a standard deviation of the average.
O presente estudo comprovou que a incorporação de resíduo em materiais cerâmicos, quando adicionado em diferentes proporções, influência as propriedades dos referidos materiais. De facto, concluiu-se que a adição de resíduo fez diminuir o comportamento plástico da pasta, devido às suas partículas constituintes apresentarem caraterísticas não plásticas. Verificou-se ainda que o resíduo promoveu a diminuição da retração linear dos provetes cerâmicos permitindo que, após a sua cozedura, conservassem melhor as suas dimensões, promovendo uma redução da quantidade de matérias-primas naturais necessárias para a sua elaboração. Face aos resultados da tonalidade dos provetes cerâmicos constatou-se que a adição de resíduo até 20%, praticamente, não interferiu na coloração do material cerâmico, não condicionando o seu domínio de aplicação. O resíduo promoveu o aumento da absorção de água do material cerâmico e da porosidade, podendo favorecer a sua fixação por colagem. Verificou-se ainda que o resíduo originou uma redução da massa volúmica do material cerâmico, ou seja, uma redução do seu peso, podendo também facilitar a sua fixação enquanto material de revestimento. A resistência à flexão dos provetes cerâmicos foi comprometida pelo resíduo, devido à maior porosidade aberta no cerâmico. Para o caso de se pretender obter um material cerâmico com maior resistência, seria recomendado o aumento da temperatura de cozedura, pois promoveria uma maior união entre as partículas constituintes. Outra alternativa seria a adição de elementos fundentes à mistura, de modo a promoverem a sinterização a menor temperatura, resultando assim um material mais compacto e com maior coesão. Do estudo realizado, realça-se a importância da possível utilização de um dado resíduo através da sua inclusão em materiais cerâmicos. Deste modo, promove-se um ambiente mais sustentável, evitando quer o armazenamento e deposição em aterro de um produto sem utilização expectável, quer a redução da exploração de matérias-primas naturais, cuja extração acarreta sempre algum impacte ambiental.
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Agradecimentos À ecoinCer pela disponibilização das escórias. Ao Departamento de Ciências da Terra da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa onde foram realizados os ensaios e analisados os materiais.
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GEonoVAS n.º
ASSoCIAção PoRTUGUESA DE GEóLoGoS
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Miranda Júnior e o desenvolvimento da Arte de Minas e Metalurgia no Ensino Industrial: a “coleção de Freiberg” no Museu do ISEP Patrícia Costa1*, Pedro M. Callapez2, Helder I. Chaminé3 1
Divisão de Documentação e Cultura, Instituto Superior de Engenharia do Porto, Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 431, 4249-015 Porto, Portugal 2
Centro de Investigação da Terra e do Espaço e Departamento de Ciências da Terra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra, Rua Sílvio Lima, Pólo II, 3030-790 Coimbra, Portugal 3
Espaço Museológico de Mineralogia e Geologia (ISEP); Laboratório de Cartografia e Geologia Aplicada,
Departamento de Engenharia Geotécnica, Instituto Superior de Engenharia do Porto, Rua do Dr. António Bernardino de Almeida, 431, 4249-015 Porto, Portugal *autor correspondente
Resumo Apesar do ensino da Metalurgia e Arte de Minas já ter sido praticado, desde finais do séc. XVIII, na Universidade de Coimbra e, após a reforma liberal de 1837, na Academia Politécnica no Porto, só a partir de 1864 é que esta área revelou algum desenvolvimento no âmbito do ensino industrial. Foi somente nesse ano que ocorreu a primeira reforma deste tipo de ensino, tradutora de uma viragem importante neste nível de aprendizagem. A Escola do Porto passou a denominar-se de Instituto Industrial e foram introduzidas novas áreas do saber, novos cursos e novos estabelecimentos auxiliares de ensino. Dos docentes envolvidos nestas disciplinas, destaca-se o professor Manoel Rodrigues Miranda Júnior, por ter sido o principal responsável pelo desenvolvimento da Metalurgia e a Arte de Minas no ensino industrial, no Porto. Esta emergência deveu-se, em certa medida, ao recurso a materiais didáticos de referência, incluindo uma importante coleção de modelos mineiros, adquirida a Theodor Gersdorf, em Freiberg, na Alemanha. Palavras-chave: Manoel Rodrigues Miranda Júnior, ensino industrial, coleção didática de Freiberg; Instituto Industrial do Porto, Museu do ISEP. Abstract While the teaching of Metallurgy and Art of Mines has already been practiced since the late XVIII century at the University of Coimbra, and after the liberal reform of 1837 at the Polytechnic Academy in Porto, it was only from 1864 onwards that this area revealed some development in the scope of industrial education. It was only that year that the first reform of this kind of education took place, being an important turning point for this level of learning. The Porto School was renamed as Industrial Institute and new areas of knowledge were introduced, together with new degrees and auxiliary educational establishments. Several teachers were charged for these disciplines, including the professor Manoel Rodrigues Miranda Júnior, a charismatic personality considered as the main responsible for the development of Art of Mines and Metallurgy and industrial education in Porto. Many of these achievements were made possible by the availability of new reference collections with didactic materials, including an important set of mining models purchased from Theodor Gersdorf, in Freiberg, Germany.
Keywords: Manoel Rodrigues Miranda Júnior, industrial education, didactic collection of Freiberg, Industrial Institute of Porto, ISEP Museum (Portugal).
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1. Introdução A partir de meados de oitocentos, em países como o Reino Unido, a França ou a Prússia, novos requisitos socioeconómicos ligados a transformações substanciais no aparelho produtivo conduziram a reajustes dos sistemas educativos, no sentido de se formarem quadros vocacionados para as atividades extrativas, fabris e mercantis que emergiam na sociedade (e.g. Becker, 2010; Lemire, 2010; Guillard, 2011). Em contextos de maior crescimento económico, como o do Reino Unido, líder dos primórdios da mecanização industrial têxtil, esta tendência natural inseriu-se num movimento mais acentuado de incremento da literacia da população, em que, segundo West (1978, p. 20): «[…] the date of distinct improvement in the national literacy trend coincided with the beginnings of the large-scale factory system». nesta perspetiva, embora com um atraso socioeconómico considerável a muitos níveis, também se envidaram esforços consistentes de modernização do ensino em Portugal, incluindo o do foro mineiro (Portugal Ferreira, 1998, 51), sobretudo no principal estabelecimento ao tempo existente no país – a Universidade de Coimbra, adequando-o, dentro do possível, a estas novas exigências recorrentes da industrialização. Esta ambiência reformista, para a qual concorreu a visão estadista, de déspota iluminado, do Marquês de Pombal, resultou na importante reforma estruturante de 1772, que modernizou os estudos universitários e enfatizou o ensino experimental (Carvalho, 1872; Freire, 1872). A mesma senda de progresso originou, ainda em 1781, uma reorganização programática na jovem Faculdade de Filosofia natural (Martins, 2013, 69), com destaque para disciplinas ligadas à mineração (Portugal Ferreira, 1998, 51). Para tal, foi criada a cadeira de Metalurgia que teve como novo lente José Bonifácio d´Andrada e Silva (1763-1838) (op. cit.), figura mediática pelo papel que desempenhou no cenário político e na administração pública da época (Coelho, 1877), a par da autoria de diversos estudos científicos no domínio da Mineralogia, para os quais terá sido determinante a sua experiência adquirida enquanto bolseiro na Academia de Minas de Freiberg, onde recebeu lições de Abraham Gottlob Werner (1749-1817), famoso mentor da, controversa doutrina do neptunismo (Hamm, 2001). o ensino da Metalurgia e Arte de Minas viria a persistir em Coimbra, durante várias décadas, tendo como continuadores, entre outros, os lentes José Manuel Barjona (1760-1831) e Manuel Roque Fernandes
Thomaz (1807-1871) (Portugal Ferreira, 1990), em estreita ligação com o Gabinete de História natural da universidade (Portugal Ferreira, 1992; Batista, 2000) e com o Gabinete de Metalurgia instalado no Laboratório Chimico, provido com numerosos materiais científicos remetidos de Paris pelo lente e pensionário João António Monteiro (1769-1834) (Diniz, 1817, 71) e, mais tarde, com uma extensa coleção de minerais trazida de Freiberg pelo Padre Paulino de nola oliveira e Sousa (1759-1831) (Serrano Pinto, 2011, p. 214). Embora com um início mais tardio, a que a instabilidade política das décadas anteriores não terá sido estranha, a Academia Politécnica do Porto, criada em 1837 na sequência das reformas inovadoras implementadas pelo novo regime liberal, também não descorou esta área de estudo (Pinto, 2011), estabelecendo uma alternativa válida à Universidade de Coimbra, consubstanciada por uma região com maior crescimento económico e industrial. Com efeito, na sua essência, este estabelecimento de ensino tinha, por fim especial, o ensino das ciências industriais e destinava-se a formar engenheiros civis de todas as especialidades, nomeadamente: engenheiros de minas e engenheiros construtores, engenheiros de pontes e estradas (Rodrigues, 1937, p. 20). Em finais de 1852 (30 de dezembro), já em plena Regeneração, foi criado oficialmente o ensino industrial em Portugal (Girão, 1878; Miranda Júnior, 1891), através de uma Escola em Lisboa (Instituto Industrial de Lisboa) e de outra no Porto (Escola Industrial do Porto). os primórdios deste tipo de ensino na cidade Invicta foram particularmente interessantes, pois a Associação Industrial Portuense já havia criado a Escola Industrial Portuense no mês anterior (22 de novembro, 1852), por se ter verificado, pela parte da indústria, a necessidade de uma formação profissional de todo o pessoal fabril (Guedes de Carvalho, 1998, p. 50). o decreto de 30 de dezembro foi acompanhado por um extenso relatório que visava fazer um ponto da situação relativamente à matéria em causa, justificando as medidas assumidas e procurando, desta forma, apresentar a filosofia que estava inerente ao diploma (Alves, 2003, 76). A partir de 1854 a Escola Industrial do Porto instalou-se, a título definitivo, no edifício da Academia Politécnica do Porto (Fig. 1), mantendo-se uma relação bastante estreita entre as duas instituições, as quais partilharam durante décadas espaços destinados ao ensino prático, com destaque para a Physica e a Chimica, assim como alguns docentes (op. cit.).
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Figura 1 – Fotografia do edifício da Academia Politécnica do Porto, 1881. (Annuario da Academia Polytechnica do Porto, anno lectivo de 1882-1883 (sexto anno). 1883. Porto: Typografia Central). Figure 1 –Photograph of the Polytechnic Academy of Porto Building, 1881 (Annuario da Academia Polytechnica do Porto, anno lectivo de 1882-1883 (sexto anno). 1883. Porto: Typografia Central).
Porém, só ao fim de doze anos de existência do ensino industrial em Portugal, no ano de 1864, é que se introduziram as áreas de Metalurgia e de Arte de Minas nos planos de curso do agora denominado Instituto Industrial do Porto. Entre 1852 e 1864, não existiu na Escola Industrial do Porto qualquer disciplina ou curso associado à Mineralogia, Geologia, Arte de Minas ou Metalurgia. A partir dessa data que assinala, também, a primeira grande reforma do ensino industrial no nosso país, reuniram-se os meios necessários para começar a ser lecionada a 7ª cadeira – “Arte de Minas, Docimásia e Metalurgia” (a Arte de Minas, vocacionada para a prospeção e extração de minérios, a Docimásia, orientada para identificar os componentes químicos dos minérios e qualificar os respetivos teores e a Metalurgia, arte de extrair os metais dos respetivos minérios) e passada a carta de capacidade de Condutor de Minas, a qual veio suprir parte das necessidades sentidas pela indústria extrativa do país, num momento em que a exploração carbonífera assumia maiores proporções, face à procura crescente deste combustível fóssil (Costa, 2013; Chaminé & Costa, 2016). nesta época o panorama nacional da indústria mineira no país não era, de todo, animador. Como refere Júnior (1921, 10), este facto talvez se devesse à ignorância que persistia quanto à composição do subsolo e dos terrenos, opinião, aliás, já amplamente referenciada por Carlos Ribeiro (1813-1882), que enfatizava a importância dos estudos geológicos
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sistemáticos do nosso território (Lemos de Sousa et al., 2013) e que estes deveriam ser elaborados por Homens da Ciência (Campagne, 1873, 186-189). Esta reforma só acabaria por ser colocada em prática em 1867, altura em que já se encontravam reunidas as condições económicas e logísticas para se dar inicio ao provimento de lugares para os novos lentes. A partir de 1864 e até aos dias de hoje, esta área do ensino industrial e superior com ligação às engenharias persistiu no espaço educativo do Porto, onde veio a ocupar um lugar de considerável relevância formativa, numa região do país onde a atividade extrativa sempre teve importância socioeconómica significativa, tendo-se desenvolvido de acordo com as exigências do mercado de trabalho, mas também, em função de alterações registadas no quadro político e financeiro nacional, e de mudanças de paradigma (Júnior, 1921; Costa, 2013).
2. O início do ensino de Arte de Minas e Metalurgia o primeiro lente da 7ª cadeira foi António Luís Ferreira Girão (1823-1876) (Fig. 2), que também era lente na Academia Politécnica do Porto. Este professor tomou posse a 13 de janeiro de 1868, vindo a organizar, posteriormente, o Gabinete de
Figura 2 – Gravura do professor António Luís Ferreira Girão (1823-1876), primeiro docente da 7ª cadeira – “Arte de Minas, Docimásia e Metalurgia”, do Instituto Industrial do Porto, nomeado em 1868. (Santos, 1996). Figure 2 – Picture of Professor António Luís Ferreira Girão (1823-1876), first teacher of the 7th chair – “Art of Mines, Docimasia and Metallurgy”, of the Industrial Institute of Porto, named in 1868 (Santos, 1996).
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Mineralogia e Geologia da Escola (Serra, 1989, 25). Infelizmente para os desígnios do jovem estabelecimento de ensino, este docente de grande competência não permaneceu muito tempo no cargo, devido ao seu falecimento prematuro, ocorrido em 1876. Esta situação originou um problema respeitante à sua substituição, sem prejuízo para os alunos. neste sentido, o Conselho Escolar decidiu que a cadeira seria regida inteiramente por Manuel nepomuceno (1830-1911) (Cruz & Lopes, 2007, 547) até ser convenientemente provida (conferir Atas do Conselho Escolar). Para tal, foi criada na mesma altura, uma comissão destinada a formular o programa para provimento de concurso para um novo docente. De acordo com o regulamento, os candidatos teriam que ser cidadãos portugueses no pleno direito dos seus direitos civis e políticos, para além de terem obtido a aprovação nas disciplinas da cadeira a que concorriam, em escola pública de prestígio nacional ou estrangeira. Devido a alguns contratempos que surgiram no decorrer desse concurso, houve necessidade de reabrir o mesmo com um novo programa, em fevereiro de 1879. Terminado o prazo de 90 dias para a admissão dos requerimentos dos candidatos ao concurso, foram aceites três proponentes, que apresentaram os documentos solicitados: António Joaquim Ferreira da Silva, Joaquim Duarte Moreira de Sousa e Manoel Rodrigues Miranda Júnior (Fig. 3). Por não terem comparecido na tiragem do ponto das provas orais, os dois primeiros candidatos acabariam por perder direito ao concurso. Pelo contrário, Manoel Rodrigues Miranda Júnior esteve presente em todas as provas que constavam do programa, sendo aprovado por unanimidade e ficando, assim, com o lugar de professor da 7ª cadeira, do qual tomou posse no dia 8 de janeiro de 1881 (Fig. 4). Este docente era, também, lente na Academia Politécnica, adstrito à cadeira de Montanística e Docimásia, cargo ao qual, mais tarde, viria a acrescentar o de professor e diretor na Faculdade Técnica da Universidade do Porto em 1916, na sequência da demissão de Vitorino Laranjeira. Por proposta do diretor, o Conselho Escolar deliberou, também, a abertura da 7ª cadeira para o dia 20 de janeiro de 1881. na altura estavam matriculados 11 alunos no Curso de Condutores de Minas e Mestres Mineiros, sendo três da classe dos ordinários e oito da classe dos voluntários. Para receberem as respetivas cartas de capacidade, estes alunos teriam que obter aprovação em todas as cadeiras e fazerem prova de terem executado trabalhos
Figura 3 – Fotografia do professor Manoel Rodrigues Miranda Júnior (1852-?), lente da 7ª cadeira – “Arte de Minas, Docimásia e Metalurgia” do Instituto Industrial do Porto, nomeado em 8 de janeiro de 1881 (Rodrigues, 1937). Figure 3 – Professor Manoel Rodrigues Miranda Júnior photograph (1852-?), teacher of the 7th chair – “Art of Mines, Docimasia and Metallurgy” of the Industrial Institute of Porto, named on January 8, 1881 (Rodrigues, 1937).
práticos de lavra de minas, como estava determinado nos programas dos cursos professados no Instituto, aprovados pela Portaria do Ministério das obras Públicas, Comércio e Indústria de 15 de maio de 1867 (Costa, 2013). os primeiros alunos obtiveram a carta de capacidade no curso de Condutores de Minas do Instituto Industrial do Porto no ano letivo de 1881-1882 (detalhes em Costa, 2013; Chaminé & Costa, 2016).
3. O ensino prático e a aquisição dos modelos de Freiberg A partir deste momento, quando o esforço de formação deu os seus primeiros frutos, tanto o curso, como as disciplinas mais específicas a ele associadas, vieram a beneficiar de um grande incremento qualitativo, para o qual terá contribuído o investimento significativo que se passou a fazer em material didático na área da Arte de Minas e da Metalurgia. Ressalve-se que, até cerca de 1880, o ensino prático na Academia Politécnica do Porto, também, não tinha tido grande desenvolvimento, encon-
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Figura 4 – Excerto do termo de posse de Manoel Rodrigues Miranda Júnior (Livro dos termos de posse dos lentes e mais empregados da Escola Industrial do Porto, Porto, 19 de setembro de 1853, José de Parada e Silva Leitão, Diretor Interino, 8 de janeiro de 1881, documento pertencente ao Arquivo Histórico do ISEP). Figure 4 – Excerpt from the possession term of Manoel Rodrigues Miranda Júnior (possession term book of the professors and more employees of the Industrial School of Porto, Porto, September 19, 1853, José de Parada e Silva Leitão, Interim Director, January 8, 1881, document belonging to the ISEP Historical Archive).
trando-se estagnado, em detrimento de um ensino ministrado, fundamentalmente, teórico (Rodrigues, 1937, 31). Esta componente prática, motivadora e inovadora, estava associada a gabinetes e laboratórios onde eram realizadas atividades experimentais, protocolos e outros trabalhos que requeriam a interação dos alunos, não esquecendo as visitas de estudo nãoformais a explorações mineiras e obras de engenharia, efetuadas com o objetivo de os alunos tomarem conhecimento da realidade industrial da época (e.g., Brandão, 2008; Costa 2013). o primeiro estabelecimento auxiliar de ensino a ser criado para estas áreas foi o Gabinete de Mineralogia (1867), seguindo-se o Gabinete de Arte de
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Minas (1888), o Laboratório Metalúrgico (1890/91) e o Gabinete de História natural (1890/91). Para uma aprendizagem mais eficaz, o ensino, prático, era ministrado com base no manuseamento hands-on de espécimes, modelos, instrumentos, quadros parietais e mapas, adquiridos sobretudo no estrangeiro, em casas comerciais de renome internacional, especializadas em materiais e coleções didáticas. Para este, efeito, o professor Miranda Júnior foi, sem dúvida o grande responsável pelo desenvolvimento do ensino da Arte de Minas e Metalurgia com recurso ao conhecimento prático e à experimentação. Este solicitou ao Concelho Escolar, pouco tempo depois de iniciar as suas funções como docente no Instituto, a aquisição de uma vasta lista de material didático, indispensável para a instalação do gabinete anexo à cadeira de Arte de Minas e Metalurgia (op. cit., 318). na nota de encomenda, dos modelos, necessários, o professor refere de forma explícita que estes devem ser encomendados a Theodor Gersdorf, diretor da oficina da Academia de Minas de Freiberg entre 1880 e 1894, o mesmo fornecedor da Escola de Minas de Freiberg, famosa academia alemã que foi fundada em novembro de 1765, como Escola de Minas de Freiberg, considerada a mais antiga escola de minas e metalurgia do mundo (http://tu-freiberg.de/en/anniversary/welcome-note). Esta nota acompanhava a lista discriminada dos modelos considerados como indispensáveis para a instalação do Gabinete anexo à referida cadeira. no total foram encomendados vinte e seis modelos, entre fornos, aparelhos, lâmpadas de mineiro, ventiladores e tromeles. Salientamos que a maioria dos modelos que constam desta lista estão em exibição no Museu do Instituto Superior de Engenharia do Porto, naquilo que constitui um dos acervos museológicos europeus mais relevantes, dedicados à obra deste importante construtor. Pensamos que esta encomenda terá sido realizada diretamente ao próprio Theodor Gersdorf e não através de um pedido oficial à Escola de Minas. Com efeito, era comum na época que os funcionários construíssem objetos a título particular e colocassem as inscrições/etiquetas habituais, como as que estão colocadas nos modelos da coleção do Museu. A corroborar esta ideia, temos a existência de uma carta remetida e assinada por Theodor Gersdorf em resposta à encomenda solicitada, no Arquivo Histórico do ISEP. Este construtor escreve a Miranda Júnior, a dar conhecimento do andamento da encomenda. Podemos, assim, concluir que os modelos
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foram elaborados com base no catálogo já existente (número do catálogo descriminado na coluna do lado esquerdo da lista de encomenda), mas propositadamente para a Escola do Porto. os primeiros modelos construídos por Theodor Gerdorf chegaram ao Porto em abril de 1889, embora não tenhamos conhecimento da sua lista discriminada. outros terão chegado noutras remessas consecutivas, datadas de agosto do mesmo ano, de março de 1890 e, uma última, de setembro desse ano, transportando duas lanternas de mineiro e um modelo de aparelho para museu. Todavia, as aquisições feitas a Freiberg não ficaram por aqui. Embora não tenhamos encontrado referências sobre aquisições posteriores, na documentação consultada no Arquivo Histórico do ISEP, constatou-se que cinco dos modelos da coleção já não terão sido elaborados por Theodor Gerdorf, mas sim por Richard Braun, seu sucessor (Fig. 5). Estes modelos terão sido comprados mais tarde, entre 1895 e 1925, período em que Richard Braun dirigiu a oficina. É provável que tenham sido adquiridos antes de 1917, visto que existem desenhos seus que foram executados por alunos do Instituto, nesse mesmo ano letivo, para além do estado de guerra então existente entre os dois países.
4. A evolução do ensino durante a vigência de Miranda Júnior Apesar dos cursos ministrados na escola estarem a funcionar em pleno, Miranda Júnior levou à discussão no Conselho Escolar, em finais 1885, a conveniência de se reverem e reformarem os seus programas, assim como a necessidade de regularização dos tirocínios que os alunos eram obrigados a realizar, para obterem as respetivas cartas de capacidade. É de salientar que a grande maioria dos discentes se inscreviam apenas em algumas cadeiras, geralmente uma ou duas. Por esse motivo não se passavam, anualmente, muitas cartas de capacidade do curso de Condutores de Minas no Instituto do Porto (Costa, 2013, 151). na década de 80 do séc. XIX, o ensino profissional começou a ter maior destaque, originando o desenvolvimento de novas práticas pedagógicas em Portugal. Mais uma vez se alvoraçaram os espíritos de alguns detentores do poder governamental, ao refletirem sobre o atraso das nossas indústrias, sobre a impreparação dos trabalhadores a elas dedicados e sobre o deficiente ensino teórico e prático das matérias adequadas (Carvalho, 2011, 614-615). Para este progresso do ensino industrial terá, certamente, contribuído, uma nova reforma levada a cabo em 1886, estando agora Emídio navarro
Figura 5 – Legenda/etiqueta do modelo de revestimento de galeria de minas, construído por Richard Braun, Freiberg, Alemanha (Inv. MPL1212oBJ, fotografia de Patricia Costa, Museu do ISEP). Figure 5 – Explanation/label of mine gallery coating model, built by Richard Braun, Freiberg, Germany (Inv. MPL1212OBJ, photography by Patricia Costa, ISEP Museum).
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(1844-1905) à frente do Ministério das obras Públicas Comércio e Indústria. A Escola do Porto passou, então, a denominar-se de Instituto Industrial e Comercial do Porto. os cursos estavam organizados em industriais elementares, cursos preparatórios e cursos especiais, dos quais fazia parte o agora denominado Curso de Condutores de Minas (Decreto de 30 de dezembro de 1886). As diversas cadeiras e os programas foram reorganizados e o Professor Miranda Júnior passou a lecionar a 16ª cadeira – “Arte e Minas e Metalurgia”, tomando posse em 24 de fevereiro de 1887. o programa preparado pelo docente para a 16ª cadeira era extenso, detalhado e bastante relacionado com os modelos que atualmente existem no Museu do ISEP. Entre a diversidade de matérias lecionadas, com o apoio desses modelos didáticos, destacam-se a ventilação das minas, a preparação mecânica dos minérios e a lavagem da hulha, assim como, na parte da metalurgia, a produção de aço, prata e zinco. As reformas no ensino industrial sucederam-se, trazendo sempre alterações nas cadeiras, como já se tinha verificado anteriormente. A reforma de 1891 não foi exceção, embora, dada a continuidade dos docentes, os programas não se tenham alterado significativamente, continuando Miranda Júnior a lecionar a Metalurgia. Mais profundas terão sido as alterações subjacentes à reforma de 1905, passando a cadeira a denominar-se Metalurgia, Legislação Mineira, Arte de Minas e Topografia Subterrânea (11ª cadeira), lecionada, igualmente, pelo Professor Miranda Júnior e apresentando os seus conteúdos programáticos estruturados em duas partes: Metalurgia e Legislação Mineira e Arte de Minas - Topografia Subterrânea. Com as constantes alterações e reformas é natural que as aquisições de material didático tenham sido sempre uma preocupação dos lentes responsáveis pelas cadeiras. Modelos de Freiberg semelhantes, ou por vezes até iguais, encontram-se em vários estabelecimentos de ensino em Portugal, como é o caso da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (http://inarte.fe.up.pt/inweb/geral.aspx.) ou do Instituto Superior Técnico em Lisboa, cuja coleção de modelos se encontra atualmente em exibição no Museu Mineiro do Lousal (FFV-MML 2006). o professor Miranda Júnior deixou de ser docente do Instituto em 1923, data em que Artur Mendes da Costa (1885-?) assumiu a docência da 12ª cadeira – “1ª parte, Arte de Minas e 2ª parte, Metalurgia”, criada em 1919. Todavia, o mesmo já tinha substituído Miranda Júnior, em 2 de abril de
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1919, que se tinha afastado da docência por motivo de doença. Para além da função de docente, este desempenhou importantes missões na Escola do Porto. É disso exemplo, a apresentação em Lisboa do projeto de reforma do ensino industrial (1882), um mandato como membro da direção, como delegado representante do Instituto Industrial, do Museu Industrial e Comercial do Porto entre 1884 e 1886, e a redação do livro “A reforma do ensino industrial” (Miranda Júnior, 1891), entre outros trabalhos. 5. Considerações finais Podemos afirmar que, a partir de 1864, data em que os cursos associados a minas e as cadeiras correspondentes passaram a existir no Instituto Industrial do Porto, houve sempre um esforço para que esses cursos funcionassem com regularidade, embora, a maioria das vezes, o número de alunos fosse diminuto. As cadeiras funcionavam adequadamente para as exigências da época, notando-se empenho e grande profissionalismo por parte dos docentes, nas suas práticas letivas e atualização de conhecimento. o processo de ensino-aprendizagem fundava-se na existência de programas das cadeiras bem elaborados e estruturados, aliado à preocupação na compra de material didático para se equiparem os gabinetes e laboratórios de ensino prático com o que de mais recente se fabricava, seguindo uma tímida aproximação a várias escolas europeias que já tinham adotado este sistema de ensino anteriormente, sobretudo as francesas, inglesas e, principalmente, as alemãs no caso da Arte de Minas e Metalurgia (Costa et al., 2010, 2012). neste contexto, destacaram-se as importantes aquisições de material didático de Mineralogia e Arte de Minas, efetuadas a partir de 1889, ao comptoir de Theodor Gerdorf, em Freiberg, na Alemanha. Apesar de todas as vicissitudes porque passou o ensino industrial, associadas muitas vezes ao difícil contexto político oitocentista, este foi evoluindo numa perspetiva construtivista, deixando-nos um legado de enorme relevância histórica. Esta herança ilustra o esforço em superar as próprias dificuldades e limites, num contexto de certo modo desfavorável, face a uma localização na periferia de uma Europa industrializada, o que justificava algum retardamento na introdução de novas ideias científicas, bem como de novos métodos de exploração e produção industrial, e, em especial, no caso mais concreto da indústria extrativa.
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Miranda Júnior e o desenvolvimento da Arte de Minas e Metalurgia no Ensino Industrial: a “coleção de Freiberg” no Museu do ISEP
Todavia, relembramos que na época a ciência “moderna” teve algumas dificuldades em ultrapassar conceitos enraizados na cultura tradicional, muito baseada numa educação humanista sustentada por conhecimentos gerais de História, Arte, Literatura e noções menos claras sobre o mundo e a natureza (Bernardo, 2013, 54), situação que naturalmente viria a ser alterada no século XX. Apesar destas condicionantes, os docentes do Instituto tiveram, sem dúvida, um papel preponderante na atualização dos currículos das cadeiras e no desenvolvimento da cultura científica no ensino industrial. Várias são as referências a missões por eles efetuadas no estrangeiro, com o propósito de assimilar novas ideias e abordagens metodológicas inéditas que, depois, teriam oportunidade de colocar em prática em Portugal. Agradecimentos São devidos agradecimentos à colega L. Freitas (Labcarga|ISEP) no apoio à preparação de algumas figuras. Muito agradecidos aos revisores anónimos por todas as achegas ao manuscrito original. Referências Alves, L. A. M., 2003. O Porto no Arranque do ensino Industrial (1851-1910). Santa Maria da Feira, Edições Afrontamento. Annuario da Academia Polytechnica do Porto, anno lectivo de 1882-1883 (sexto anno), 1883. Typografia Central, Porto. Batista, M.T., 2000. Gabinete de História natural. In: Reis; M.T. Batista, Ribeiro, R. (eds). O Gabinete de História Natural / Revivências, I. Carreira. Coimbra, s/ed., 9-11. Becker, S.o., Hornung, E., Woessmann, L., 2010. Education and Catch-up in the Industrial Revolution. American Economic Journal: Macroeconomics, 3, 3, 92-126. Bernardo, L.M., 2013. Cultura Científica em Portugal: uma perspetiva histórica. U. Porto Editorial, Porto. Brandão, J.M., 2008. Colecções e museus geológicos portugueses: valor científico, didáctico e cultural. Tese de Doutoramento (não publicada), Universidade de Évora. Campange, E.M., 1873. Dicionário Universal de Educação e Ensino. Vol. II. Trasladado a português por Camilo Castelo Branco, Livraria Internacional, Porto. Carvalho, J.A.S., 1872. Memória Histórica da Faculdade de Philosofia. Imprensa da Universidade, Coimbra. Carvalho, R., 2011. História do ensino em Portugal: desde a fundação da nacionalidade até o fim do regime de Salazar-Caetano. 5ª Ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
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ASSoCIAção PoRTUGUESA DE GEóLoGoS
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Fontes manuscritas pertencentes ao Arquivo Histórico do ISEP Anexo nº 3 do relatório de atividades do ano letivo 1880-1881. Anexo nº 9 do relatório de atividades do ano letivo 1881-1882. Ata da sessão de 14 de janeiro de 1919. Carta enviada a João Pedro Martins, pelo diretor do Instituto Industrial, em 15 de janeiro de 1884. Carta enviada à Direção Geral pelo Diretor do Instituto Industrial, em 19 de janeiro de 1887. Carta enviada para a tutela de 1 de junho de 1867. Diretor Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa. Círculo Aduaneiro do norte, Alfandega do Porto, 19 de setembro de 1890 (sic). Folhas de cadastro do pessoal do I.I.P (folhas avulsas). Livro de Atas do Conselho Escolar, 1854-1878, Ata de 23 de dezembro de 1885. Livro de Atas dos Concursos, 24 de julho de 1864 – ata primeira da sessão extraordinária do conselho para o concurso do provimento do lugar de lente proprietário da sétima cadeira do Instituto Industrial do Porto, 30 de abril de 1879. Livro de termos de pose dos lentes e mais empregados da Escola Industrial do Porto, Porto, 19 de setembro de 1853. Projeto da distribuição da dotação do Instituto pelos diversos gabinetes de ensino prático, elaborado pelo Conselho Escolar na sessão de 23 de outubro de 1888. Diretor Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa. Projeto da distribuição da dotação do Instituto pelos diversos estabelecimentos do Instituto Industrial e Comercial do Porto, no ano económico de 1890/91. Porto, 8 de agosto de 1890. Diretor Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa.
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GEONOVAS INSTRUÇÕES AOS AUTORES
A – Estatuto editorial da GEONOVAS GEONOVAS é a revista anual publicada pela APG – Associação Portuguesa de Geólogos, publicada desde 1981, é o principal agente de comunicação com os sócios e edita artigos originais de investigação científica e de divulgação no âmbito da geologia. A revista poderá publicar artigos científicos originais, artigos de divulgação, artigos de autores especialmente convidados que desenvolvam temas no âmbito acima referido ou, ainda, notícias de carácter informativo com interesse para a Comunidade Geocientífica. B – Informação geral Os autores devem seguir as normas aqui estabelecidas e publicadas no final da revista. A submissão de artigos à GEONOVAS implica a aceitação destas normas. Cada artigo será avaliado por um dos membros da Comissão Editorial e por dois revisores anónimos, podendo ser recusada a sua publicação. Os nomes dos revisores não anónimos e respetiva instituição poderão ser incluídos nos agradecimentos dos respetivos artigos, caso autores e revisores estejam de acordo. O conjunto dos revisores de cada número da revista constituem a respetiva Comissão Científica. Os artigos submetidos a publicação não podem ser enviados a outras revistas.
Título(s) curto(s), Resumo(s) e Palavras-Chave; ii) Texto principal; iii) Agradecimentos; iv) Bibliografia; b) Legendas das Figuras e Tabelas (Documento Word); c) Figuras enviadas em ficheiros JPEG ou TIFF à parte com resolução de pelo menos 300 dpi (não inseridas no manuscrito); d) Tabelas enviadas à parte num Documento Word; e) Lista com três possíveis revisores para o artigo (Documento Word) com nomes, afiliações e contactos de e-mail. A comissão executiva não garante que qualquer dos nomes propostos seja escolhido para rever o artigo. Todos os ficheiros deverão ser submetidos com um nome razoável que indique claramente o que esse ficheiro contém e numa ordem sequencial lógica, como por exemplo: – título do trabalho.doc – Legendas.doc – Figura1.jpg – Figura2.jpg – Figura3.jpg – Tabelas.doc – Anexo1.tiff – Revisores.doc (Este exemplo é meramente ilustrativo). 2. Informação adicional
C – Preparação do artigo O último número da revista GEONOVAS deve ser consultado para mais fácil preparação do artigo. Os manuscritos que não sigam as instruções que se seguem poderão ser reenviados aos autores para procederem às alterações necessárias. 1. Submissão Todos os artigos deverão ser submetidos pelo e-mail da APG ( geonovas@apgeologos.pt ). Todos os artigos submetidos deverão conter os seguintes ficheiros: a) Manuscrito (Documento Word) que deverá incluir as seguintes partes: i) páginas iniciais com Título(s), Autor(es), Afiliação e Contactos,
a) Os manuscritos deverão incluir numeração de páginas e linhas. b) Os manuscritos deverão ser preparados usando um tipo de letra comum e tamanho adequado (exemplo Times 12 ou Arial 12) e dactilografados a dois espaços, coluna única, formato de papel A4. c) Os artigos devem ser originais e compreender dados, interpretações ou sínteses não publicados previamente. d) Os artigos e os resumos devem ser escritos em português, devendo ser sempre apresentado um resumo em inglês e em português. Os resumos na língua original do artigo não podem conter mais de 150 palavras.
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e) Todos os manuscritos deverão conter palavras-chave a seguir aos resumos. Tanto para o resumo em inglês como na língua original do manuscrito não poderão ter mais de 5 palavras-chave. f) Os artigos recebidos pela Comissão Editorial serão revistos pelo editor e por dois ou mais revisores científicos. g) Para artigos em coautoria, o manuscrito deverá mencionar o autor correspondente. Se a mesma não for providenciada, o autor que submeteu o artigo será considerado o autor correspondente. A submissão de artigos em coautoria implica que o autor correspondente tem o acordo dos restantes autores para submeter e publicar o artigo. 3. Preparação do Manuscrito a) A primeira página do manuscrito deverá conter o título do artigo em tamanho 16, o(s) nome(s) do(s) autor(es) em tamanho 12, a afiliação do(s) autor(es) com endereços institucionais, os telefones (ou faxes) e e-mails em tamanho 9, bem como a indicação a que autor deverá ser enviada a correspondência. b) A segunda página deverá conter o(s) resumo(s) em português e em inglês seguido(s) de até cinco palavras-chave, em tamanho 10. Cada resumo deverá ser inteligível sem referência ao artigo e deverá ser uma compilação objetiva das informações e interpretações originais do artigo, e não apenas uma referência aos assuntos abordados. c) O texto principal, em tamanho 12, deverá seguir-se e poderá ser dividido em secções. d) Os agradecimentos deverão seguir o texto principal e deverão ser reunidos numa secção denominada por Agradecimentos. e) Todas as referências citadas no texto deverão ser organizadas por ordem alfabética no fim do texto (a seguir aos agradecimentos) e deverão estar numa secção denominada Bibliografia. No texto, as referências deverão ser citadas pelo(s) nome(s) do(s) autor(es), e pela data da edição (entre parêntesis) como os exemplos seguintes: Dias & Cabral (1989) Cabral (1995) (Cunha, 1987, 1992, 1996) (Raposo, 1987, 1995a, 1995b; Cunha et al., 2008; Oosterbeck et al., 2010).
As referências a livros devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação, o título da obra em itálico, entidade editora, local de publicação e paginação. As referências a artigos devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação (entre parêntesis), o título do artigo, o título do periódico em itálico, o volume, o número ou fascículo e a paginação. As referências a artigos consultados online devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação (entre parêntesis), o título do artigo, o nome do website em itálico e a data e URL em que foi consultado. Os autores deverão consultar o último número das GEONOVAS para correta listagem das referências. Exemplos: Dias Neto, C., 2001. Evolução tectono-termal do complexo costeiro faixa de dobramentos Ribeira em São Paulo. Unpublished PhD Thesis, Universidade de São Paulo, São Paulo, 160. Faure, G., 1977. Principles of Isotope Geology. John Willey & Sons, New York, 589. Roedder, E., 1984. Fluid Inclusions. Mineralogical Society of America. Reviews in Mineralogy, 12, 644. Crawford, M. L., Hollister, L. S., 1986. Metamorphic fluids: the evidence from fluid inclusions. In: Walther, J. V., Wood, B. J. (Eds) Fluid rock interaction during metamorphism. Springer, New York, 1-35. Bea, F., 1996. Residence of REE, Y, Th and U in granites and crustal protoliths; implications for the chemistry of crustal melts. Journal of Petrology, 37, 521-552. Sabri, K., Ntarmouchant, A., Marrero-Diaz, R., Ismaili, H., Ribeiro, M.L., Bento dos Santos, T., Benslimane, A., Padrón, E., Melián, G.V., Asensio-Ramos, M., Pérez, N.M., Carreira, P.M., 2016. Géochimie des sources thermales du Maroc: contribution à l’amélioration du cadre hydrogéologique. Abstracts of the Journées Géologiques du Maroc, Rabat, Marrocos, 1, 129-129. Bento dos Santos, T., Munhá, J., Fonseca, P., Tassinari, C., 2009a. Petrological cooling rates from central Ribeira Belt (SE Brazil): new breakthroughs and developments. 2009 Goldschmidt Conference, Geochimica et Cosmochimica Acta, 73, 11, 1, A80. Ferreira, N., Castro, P., Godinho, M., Neves, L., Pereira, A., Ferreira Pinto, A., Simões, L., Silva, F.G., Aguado, B., Azevedo, M.R., Esteves, F., Sequeira, A., Meireles, C., Bento
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dos Santos, T., 2009. Folha 17-A Viseu da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50 000. Laboratório de Geologia e Minas, Laboratório Nacional de Energia e Geologia, Lisboa. Wimmenauer, W., Brynhi, I., 2007. 6. Migmatites and related rocks. A proposal on behalf of the IUGS Subcommission on the Systematics of Metamorphic Rocks. Web Version of 01.02.07, 1-5 (http://www.bgs.ac.uk/scmr/docs/papers/paper_ 6.pdf). f) Todas as ilustrações deverão ser designadas figuras. No início da frase devem ser referidas escritas por extenso (ex: Figura 1). Dentro da frase devem ser escritas de forma abreviada (ex: Fig. 1). Os anexos deverão ser mencionados no texto, referindo-se a estes como Anexo 1, etc. g) Cabeçalhos ou rodapés não poderão ser usados em qualquer circunstância. h) Fórmulas matemáticas. As equações são geralmente introduzidas como parte de frases, requerendo pontuação. Os autores deverão providenciar todos os símbolos a constar na publicação. 4. Ilustrações Todas as ilustrações (figuras, gráficos, mapas, fotos, etc…) são figuras e devem ser referidas como tal. As figuras deverão estar numeradas sequencialmente com numerais arábicos e devem ser providenciadas em ficheiros separados com resolução
adequada para publicação (no mínimo 300 dpi) (submissão eletrónica apenas) que não poderá exceder os 4Mb cada. As figuras deverão ser enviadas com os tipos de letra a usar (Times, Arial, Helvetica, Symbol ou Courier). As partes de uma figura devem estar indicadas como (a), (b), (c), etc., e devem ser referidas como tal nas legendas (ex: Fig. 5 – (a)), mas como a, b, c, etc. no texto (ex. Fig. 5d). 5. Tabelas As tabelas devem ser enviadas num documento Word em separado. As unidades deverão ser referidas uma vez nas colunas ou na legenda e não ao longo da tabela. 6. Legendas As legendas das figuras e tabelas devem ser apresentadas com espaçamento duplo e devem ser enviadas num documento Word em separado. As legendas devem ser providenciadas na língua original do artigo e em inglês, descrevendo brevemente o conteúdo das figuras e/ou tabelas. 7. Separatas Serão fornecidos aos autores ficheiros pdf dos trabalhos publicados.
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Associação Portuguesa de Geólogos
A Associação Portuguesa de Geólogos foi fundada em 1976. É uma associação sócio-profissional, sem fins lucrativos, que congrega profissionais da Geologia que se dedicam a domínios diversificados no âmbito das Ciências da Terra. É membro fundador da Federação Europeia de Geólogos. É também membro da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Ciêntíficas (FEPASC). Os objectivos da Associação Portuguesa de Geólogos são os seguintes: - Representar a profissão de Geólogo junto dos poderes públicos e privados; - Promover a elevação, independência e prestígio da profissão; - Defender os interesses dos Geólogos e da Geologia; - Promover o desenvolvimento científico e técnico dos seus associados; - Cooperar na preparação de leis e regulamentos relativos ao título e ao exercício da profissão; - Aprovar um código português de deontologia profissional (Código Deontológico); - Intervir no planeamento do ensino da Geologia. Quer receber informações sobre as atividades desenvolvidas pela APG? Envie-nos o seu endereço eletrónico para info@apgeologos.pt solicitando a inclusão na nossa lista de divulgação. Consulte como se inscrever como sócio em www.apgeologos.pt Associação Portuguesa de Geólogos Morada social e Endereço Postal Museu Geológico, Rua da Academia das Ciências, n.º 19 - 2º 1200-168 Lisboa Telefone +351 213 477 695 Fax +351 213 477 695 info@apgeologos.pt www.apgeologos.pt
Comissão Diretiva Alcides Pereira Isabel Fernandes José Romão Mafalda Oliveira Margarida Silva Mónica Sousa Vítor Correia Comissão Editorial Telmo Bento dos Santos (FCUL) José Romão (LNEG) Rúben Dias (LNEG) Zélia Pereira (LNEG) Fotos de capa Quinta das Carvalhas, Pinhão, foto de Álvaro Martinho (superior) Pedras Muitas, Baleal, foto de Francisco Félix (inferior)
Execução gráfica Cor Comum, Lda Depósito Legal 183140/02 ISSN 0870-7375 Tiragem 250 exemplares Periodicidade Anual
Nº 29 • 2016 • ISSN 0870-7375 • ANUAL
Nº 31 • 2018 • ISSN 0870-7375 • ANUAL
Pág. 1 Editorial José Manuel Correia Romão Pág. 3 As implicações da geologia na vinha e no vinho da região do Douro Superior (Portugal) Noel Moreira, José Romão Pág. 21 Charnockitos: síntese petrológica e geoquímica de umas rochas enigmáticas Telmo M. Bento dos Santos
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
ÍNDICE
GE NOVAS REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS
Pág. 33 Caraterização petrográfica, magnética e físico-mecânica do Granito de Guimarães V. Laranjeira, J. Ribeiro, H. Sant’Ovaia Pág. 43 Caracterização sedimentológica e microfaciológica da transição Pliensbaquiano – Toarciano da região de Sagres (Bacia do Algarve, Portugal); interpretação paleoambiental e evolução sequencial David Vaz, Luís V. Duarte, Paulo Fernandes Pág. 55 Interpretação paleoambiental de sequências híbridas do Kimmeridgiano da Bacia Lusitânica – o corte da Consolação e o poço Lourinhã-1 Cláudia Escada, Mariana Martinho, Bruno Nunes, Diogo Borges, Nuno Pimentel Pág. 67 Âmbar português: o caso de estudo do Apciano da Praia da Bafureira (Cascais, Portugal) Gonçalo Silvério, José Madeira GE NOVAS
Pág. 73 Caracterização geoquímica de sedimentos de fundo de barragens Dominicanas J. F. Araújo, P. M. Nogueira, R. M. Fonseca, C. G. Pinto, A. A. Araújo Pág. 85 Prospeção geofísica por resistividade elétrica 3D, Polo-Polo, Par-Ímpar: o caso de estudo de moradia unifamiliar em Porto de Mós Diogo Rodrigues, Nuno Ricardo Barraca, Sara Oliveira, Fernando Almeida Pág. 95 Incorporação de escórias resultantes da incineração de resíduos sólidos urbanos em materiais cerâmicos J. Elias, C. Galhano, J. Simão Pág. 103 Miranda Júnior e o desenvolvimento da Arte de Minas e Metalurgia no Ensino Industrial: a “coleção de Freiberg” no Museu do ISEP Patrícia Costa, Pedro M. Callapez, Helder I. Chaminé
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GEOLOGIA APLICADA ESTRATIGRAFIA PETROLOGIA