Geonovas n.º 23-24

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O Novo Catastrofismo

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o passado mês de Novembro assisti na Fundação Gulbenkian à XXVII Lição Manuel Rocha “Design with Geo-Hazards”, proferida pelo Professor Luis González de Vallejo da Universidade Complutense de Madrid, que nos deu uma visão do perigo da ocorrência de tsunamis destrutivos gerados pelo colapso dos flancos dos grandes edifícios vulcânicos insulares. Tenerife, a maior e a mais populosa das ilhas Canárias, terá sido afectada no passado (geológico, claro!) por dois gigantescos escorregamentos. A investigação do mecanismo e da recorrência destes escorregamentos, bem como as suas relações com depósitos de tsunamitos encontrados nas ilhas vizinhas, sugere histórias possíveis de catástrofes futuras, nomeadamente os efeitos devastadores, na Costa Leste dos EUA, de um grande tsunami provocado por um gigantesco escorregamento em Tenerife, nas Canárias ou no Fogo, em Cabo Verde, seguido de mergulho a alta velocidade nas águas profundas do Atlântico. Este neo-catastrofismo mostra-nos, entre outras coisas, como vão longe os tempos da polémica de 1830, entre um Charles Lyell uniformitarista e gradualista (um chato, para quem nada acontecia em menos de um milhão de anos!) e um George Cuvier catastrofista, mas muito melhor geólogo do que o seu oponente, conhecedor das extinções que ele próprio tinha “visto” pontuarem o registo estratigráfico da Bacia de Paris. A Geologia, longamente fiel ao gradualismo Lyelliano, tornouse novamente catastrofista neste virar de século. O que me faz recordar Derek Ager, outrora professor da Universidade de Swansea e autor de livros imperdíveis de boa geologia e alta cultura, para quem a história da Terra era como a vida de um soldado: “longos períodos de aborrecimento interrompidos por curtos episódios de terror”. Nunca, em tempo algum (da história humana, claro!), se observou um escorregamento rápido dos flancos de um vulcão, embora o fenómeno seja plausível em termos geodinâmicos. Não obstante, alicerçados na geologia indutiva, abdutiva e retroditiva (qual é a causa deste efeito?), fiéis ao princípio das causas actuais (o presente é a chave do passado), “criámos” a partir de indícios verosímeis a possibilidade de gigantescos escorregamentos tsunamigénicos nas vulcânicas ilhas Canárias, entre outras. Tal como a família Alvarez, (o pai, ilustre Nobel da Física em 1968, e o filho, modesto geólogo) ligando os indícios da fina camada de irídio, ubiquamente intercalada nas camadas fini-cretácicas, ao “macro-facto” da extinção em massa, aparentemente brusca, de 65 a 70 % das espécies, incluindo os mediáticos dinossauros. Uma vez aceite a verosimilhança do fenómeno, resta-nos aproveitar a capacidade dos computadores digitais para talharem futuros artificiais por medida e gerarem simulações a partir dos novos dados: postula-se um mega-escorregamento e, com base nas leis que regem a geração dos tsunamis, definem-se as condições iniciais e de fronteira, e deduzem-se as suas consequências. E, num ápice, aí estamos nós embarcados numa nova geologia neo-catastrofista, agora dedutiva e preditiva, serva de um actualismo às avessas (o passado é a chave do futuro) seja nas avaliações das perigosidades geológicas, seja nas tremendas previsões de mudanças climáticas ou de subida do nível do mar. Como refere Isabel Stengers em “L’Invention des Sciences Modernes”, com os “novos dados” e os novos “processos contingentes”, em vez de “provas” estáveis, a ciência passou a apresentar sobretudo incertezas. E, pergunto eu, sob este novo signo, não terá por acaso perdido também a alma? Neste quadro neo-catastrofista, onde é que fica o espaço de racionalidade para a intervenção profissional dos geólogos, chamados a avaliar as perigosidades associadas a estes processos geológicos extremos? Serão as novas catástrofes uma fonte de novos riscos, ou apenas uma retórica de cenários e simulações? Pensem nisso!

António Gomes Coelho Presidente da Associação Portuguesa de Geólogos



GEONOVAS nº 23 e 24: 3 a 5, 2010/2011 A. Mateus

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Ano International do Planeta Terra Ciências da Terra para a sociedade A. Mateus Departamento de Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. amateus@fc.ul.pt

Em 2005, a UNESCO lançou a Década das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e, em conjunto com a IUGS, dedicou o triénio 2007-2009 às Ciências da Terra para a Sociedade; neste contexto, 2008 foi proclamado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas como o Ano Internacional do Planeta Terra (AIPT). Os diversos eventos integrados nesta iniciativa decorreram até 2009, procurando sensibilizar a Sociedade para: (i) os grandes problemas que afectam o Planeta; e (ii) a imprescindibilidade do conhecimento geocientífico na resolução das questões que se afiguram cruciais à promoção de caminhos que possam conduzir ao desenvolvimento sustentável da Civilização Humana. Esta foi, seguramente, uma ocasião ímpar para a afirmação do papel das Ciências da Terra e, bem assim, para o reforço das funções dos geólogos em equipas pluridisciplinares capazes de responder aos desafios do presente e do futuro, acarretando as mudanças de paradigma suscitadas por evoluções recentes no âmbito do Conhecimento e seu impacte na Sociedade (e.g.) Bak, 1996; Engelhardt & Zimmermann, 1988). Em 2008, o Departamento de Geologia e as unidades de investigação CeGUL, CREMINER-ISR/LA e LATTEX-IDL/LA associaram-se às comemorações do AIPT, promovendo dez conferências, abertas ao grande público, subordinadas a cada um dos 10 Temas eleitos pela IUGS/UNESCO. Adicionalmente convidaram-se várias personalidades a emitirem opiniões sobre assuntos relacionados com aqueles Temas através da redacção de ensaios curtos, fazendo uso de uma linguagem acessível. A colectânea de ensaios obtida, longe de esgotar os tópicos abordados, contribuiu para divulgar a importância do conhecimento geocientífico em geral e do papel protagonizado em Portugal pela comunidade geocientífica na criação, transmissão e aplicação dos Saberes requeridos para lidar com questões emergentes à escala global, regional e local. Considerando a actualidade dos textos reunidos e o interesse em alargar a sua difusão, contactou-se a Comissão Editorial da Geonovas no sentido de auscultar a possibilidade da sua publicação integral, o que mereceu total acolhimento. O presente número da Geonovas consubstancia esta iniciativa, a qual não teria sido possível sem a pronta resposta dos vários autores e o apoio da referida Comissão Editorial, a

quem reconhecidamente se agradece pela oportunidade concedida. No âmbito do AIPT, a IUGS/UNESCO elegeu como eixo central das actividades a promover os seguintes Temas: (1) Água subterrânea – reservatório para um planeta com sede?; (2) Desastres naturais – minimizar o risco, maximizar a consciencialização; (3) Terra e saúde – construir um ambiente mais seguro; (4) Alterações climáticas – registos nas rochas; (5) Recursos – a caminho de um uso sustentável; (6) Megacidades – o nosso futuro global; (7) Interior da Terra – da crusta ao núcleo; (8) Oceano – abismo do tempo; (9) Solo – a pele da Terra; e (10) Terra e Vida – as origens da diversidade. Outros temas, ou enfoques específicos alternativos, poderiam ter sido seleccionados. Mas, tal como pode ser inferido com base nas brochuras temáticas que acompanharam a divulgação oficial do AIPT, aqueles têm a particularidade de reflectir as principais linhas de preocupação da Sociedade contemporânea, sem descuidar as linhas de investigação do presente, voltadas para a vulnerabilidade e complexidade dos sistemas naturais, para além da sua diversidade e dinâmica. Os ensaios curtos que seguidamente se apresentam encontram-se agrupados pela ordem temática mencionada. O primeiro Tema versa sobre a água subterrânea, traduzindo a inquietação existente sobre o abastecimento de água às populações e sua qualidade. Trata-se, efectivamente, de um recurso natural único (e.g. Ball, 2001), indispensável à Vida tal como a conhecemos, cuja gestão adequada se fundamenta em conhecimento hidrogeológico consistente. O segundo Tema incide sobre os desastres naturais, fonte de preocupação recorrente por parte da Sociedade, independentemente da sua tipologia e impacte (e.g. Abbott, 1996; Bell, 1999). Em conjunto, configuram numerosos desafios teóricos (conceptuais) e técnicos que, inevitavelmente, radicam na compreensão profunda da dinâmica dos processos geológicos que com eles se relacionam, determinando a respectiva perigosidade. O terceiro Tema aborda assuntos com manifesto impacte na saúde humana, muitos deles decorrentes de alterações (bruscas ou continuadas no tempo) induzidas ou aceleradas pela actividade antropogénica nos fluxos de massa que determinam a progressão de diversos

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processos biogeoquímicos e biogeofísicos naturais (e.g. Catherine et al., 2003; Selius & Alloway, 2005; Lollar, 2005). Neste âmbito, vários são os reptos colocados no sentido de avaliar, monitorizar e mitigar os efeitos da actividade humana em diversos sistemas e reservatórios naturais, para os quais o conhecimento geocientífico se afigura basilar. O quarto Tema debruça-se sobre o registo geológico das alterações climáticas do passado, daqui resultando referenciais inestimáveis na avaliação fundamentada das perturbações meteorológicas do presente, bem como na apreciação dos impactes associados a vários cenários traçados para o futuro (e.g. Jacobson et al., 2004). Daqui emerge a percepção de que a Terra, ao longo da sua evolução, experimentou numerosas vicissitudes climáticas, algumas das quais bastante severas, como consequência de factores não antrópicos. As perspectivas firmadas no conhecimento geocientífico revelam-se, uma vez mais, incontornáveis, concorrendo também para a relativização de algumas das questões que marcaram profundamente a última década, designadamente as relacionadas com a marca indelével deixada pela construção da Civilização Humana na dinâmica que sustenta as interacções entre os diversos reservatórios naturais (normalmente equacionados sob a forma de ciclos). O quinto Tema é dedicado ao uso sustentável dos recursos, mormente aos minerais e combustíveis fósseis. Tal como nos casos anteriores, o papel indispensável do conhecimento geocientífico faz-se sentir em diferentes níveis de actuação, sendo decisivo na procura de soluções consistentes para assegurar a transição de paradigma em que nos encontramos: do abastecimento à sustentabilidade, contemplando o usufruto parcimonioso dos recursos assente numa lógica de eco-eficiência e de (r)evolução tecnológica (e.g. Woodward et al., 2000; Wellmer & Becker-Platen, 2002). Os impactes sócio-económicos daqui resultantes são diversos, influenciando de forma clara (e a diferentes escalas de tempo) os sucessivos ciclos de crescimento da Sociedade. O sexto Tema é consagrado às grandes metrópoles e à necessidade de encontrar processos ágeis para requalificar, reestruturar e reordenar territorialmente estas edificações humanas (muitas vezes desmedidas), criadas e mantidas sob a égide de modelos de desenvolvimento obsoletos e, frequentemente, fonte de numerosos problemas sociais e ambientais (e.g. Mulder, 1992). Os desafios que se colocam à arte e engenho da comunidade geocientífica em diversas áreas de actuação são imensos, consolidando domínios específicos de intervenção e incrementando pontes de entendimento com outras vertentes do conhecimento técnico-científico. O sétimo Tema focaliza-se na dinâmica global da Terra, traduzindo uma visão sistémica contemporânea que valoriza a compreensão detalhada dos sistemas

terrestres a diferentes escalas de tempo/espaço e concorre para a consolidação da Tectónica de Placas como uma teoria global (e.g. Turcotte & Schubert, 2005). Os tópicos abordados são esclarecedores quanto à vitalidade do conhecimento geocientífico actual, dando igualmente a conhecer algumas das principais linhas de preocupação/investigação em curso; o valioso contributo das Geociências para o avanço científico-tecnológico da Humanidade mantém-se, assim, inalterável. O oitavo Tema tem como pano de fundo os oceanos, assunto transversal de grande actualidade e relevo científico-económico (e.g. Seibold & Berger, 1996), nomeadamente para regiões como Portugal que, para além de uma costa litoral extensa, tem pretensões (já formalizadas) quanto ao alargamento da área de plataforma sob sua jurisdição. Neste âmbito, revela-se uma vez mais o carácter incontornável do conhecimento geocientífico nas investigações multi-disciplinares realizadas nas últimas décadas com o propósito de melhor conhecer este imenso sistema/reservatório natural. O nono Tema centra-se nos solos, componente fundamental da Zona Crítica (e.g. Naylor, 2000; Schuur & Matson, 2000; Montgomery, 2007), procurando chamar a atenção para as interfaces complexas estabelecidas entre a Litosfera, Atmosfera, Hidrosfera e Biosfera, e, adicionalmente, para a tendência manifestada pela Sociedade em ignorar/esquecer a necessidade de preservar este recurso (não obstante o mesmo se revelar vital à sua sustentação). Trata-se de uma outra importante área de interface que não dispensa as contribuições do conhecimento geocientífico para a solução de problemas relacionados com a caracterização e salvaguarda sistemática dos solos. O décimo Tema recai sobre as complexas interacções entre a Terra e a Vida, procurando enfatizar quer a influência exercida por certas circunstâncias evolutivas do Planeta na diversidade biológica (e.g. Lovelock, 2006; Wicander & Monroe, 2007), quer a complementaridade existente entre processos processos biogeoquímicos/biogeofísicos na construção/provimento de uma dinâmica natural plena em diversas escalas de tempo e de espaço (e.g. Jacobson et al., 2004). Há, por assim dizer, uma interdependência mútua entre a geodiversidade e a biodiversidade, como bem documentam diversos estudos no âmbito da Paleontologia e ramos afins do Conhecimento. Em suma, as actividades humanas (sociais, económicas, etc.) e o ambiente formam sistemas naturalmente acoplados (não lineares, complexos e auto-organizados) que devem ser caracterizados e analisados em conjunto. Os sistemas sócio-ecológicos assim definidos (e.g. Gallopín, 2003), observando necessariamente a geodiversidade, deverão constituir as unidades-base sob análise em qualquer abordagem sobre desenvolvimento sustentável (e.g. Mawhinney, 2002; Steffen et al., 2003) e configu-


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ram uma excelente via para compreender as implicações e aplicações do conhecimento geocientífico. Referências Abbott, P. L., 1996. Natural disasters. Wm. C. Brown Publishers, Chicago, 438 p. Bak, P., 1996. How nature works; the science of self-organized criticality. Copernicus, Springer-Verlag, Berlin, 212 p. Ball, P., 2001. Life’s Matrix: a biography of water. University of California Press, Berkeley, Los Angeles, 417 p. Bell, F. G., 1999. Geological hazards; their assessment, avoidance and mitigation. E & FN Spon, New York, 649 p. Catherine, H., Skinner, W. & Berger, A. R., 2003. Geology and health. Oxford University Press, London, 179 p. Engelhardt, W., Zimmermann, J., 1988. Theory of Earth Science. Cambridge University Press, London, 389 p. Gallopín, G. C., 2003. What kind of System of Science (and Technology) is needed to support the quest for sustainable development. Earth System Analysis for Sustainability. (H. J. Schellnhuber, P. J. Crutzen, W. C. Clark, M. Claussen & H. Held, Editors), The MIT Press in cooperation with the Dahlem University Press, Berlin: 356386. Jacobson, M. C., Charlson, R. J., Rodhe, H. & Orians, G. H., 2004. Earth system science : from biogeochemical cycles to global change. International Geophysics Series, 72, Elsevier Academic Press, London, 527 p. Lollar, B. S., 2005. Environmental geology. Elsevier Academic Press, London, 630 p. Lovelock, J., 2006. The revenge of Gaia. Basic Books, Penguin Group, New York, 176 p. Mawhinney, M., 2002. Sustainable Development; understanding the green debates. Blackwell Publ., London, 190 p. Montgomery, D. R., 2007. Dirt; the Erosion of Civilizations. University of California Press, Berkeley and Los Angeles, 285 p.

Mulder, F. J., 1992. Urban geology: present trends and problems. Planning the use of the Earth’s surface. Lecture Notes in Earth Sciences 42, Springer-Verlag, Berlin, p. 125-140. Naylor, R. L., 2000. Agriculture and Global Change. Earth Systems: Processes and Issues. (W.G. Ernst, Editor), Cambridge University Press, London, p. 462-475 Schuur, E. A. G. & Matson, P. A., 2000. Land Use: Global Effects of Local Changes. Earth Systems: Processes and Issues. (W.G. Ernst, Editor), Cambridge University Press, London, p. 446-481. Seibold, E. & Berger, W. H., 1996. The sea floor; an introduction to Marine Geology. 3rd Edition. Springer-Verlag, Berlin, 337 p. Selius, O., Alloway, B. J., 2005. Essentials of medical geology. Academic Press, London, 812 p. Steffen, W., Andrea, M. O., Bolin, B., Cox, P. M., Crutzen, P. J., Cubasch, U., Held, H., Nakicenovic, N., Talaeus-McManus, L. & Turner, II B.L., 2003. Earth System Dynamics in the Anthropocene. Earth System Analysis for Sustainability. (H. J. Schellnhuber, P. J. Crutzen, W. C. Clark, M. Claussen & H. Held, Editors), The MIT Press in cooperation with the Dahlem University Press, Berlin, p. 313-340. Turcotte, D. L. & Schubert, G., 2005. Geodynamics. 2th Edition, Cambridge University Press, London, 456 p. Wellmer, F. W. & Becker-Platen, J. D., 2002. Sustainable development and the exploitation of mineral and energy resources: a review. Int. J. Earth Sciences, 91: 723-745. Wicander, R. & Monroe, J. S., 2007. Historical Geology: evolution of Earth and Life through time. 5th Edition. Thomson Brooks Pub., Belmont, 486 p. Woodward, J., Place, C. & Arbeit, K., 2000. Energy Resources and the Environment. Earth Systems: Processes and Issues. (W.G. Ernst, Editor), Cambridge University Press, London: 373-401.


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da Silva 7 GEONOVAS nº 23 e Manuel 24: 7 aOliveira 8, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Água subterrânea. Reservatório para um planeta com sede

As águas subterrâneas como reserva estratégica na gestão de recursos hídricos em situações de crise Manuel Oliveira da Silva Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. mosilva@fc.ul.pt

Palavras-chave: Hidrogeologia; águas subterrâneas; reservas estratégicas; Portugal

As águas subterrâneas representam, para muitos países, uma origem extremamente importante pela contribuição que tem para os diferentes usos. O peso relativo que têm, depende, fundamentalmente, das características hidrogeológicas e de clima das diferentes regiões. No que se refere à qualidade também é aceite, no geral, que as águas subterrâneas apresentam vantagens em relação ás águas superficiais, devido á relativa estabilidade química e biológica. Na recente directiva, para as águas Subterrâneas (2006/118), pode ler-se no ponto (2) dos considerandos “as águas subterrâneas representam as massas de água doce mais sensíveis e importantes da União Europeia e, sobretudo, também uma fonte de abastecimento público de água potável em muitas regiões” o que revela a preocupação que o tema tem suscitado às autoridades competentes. As águas subterrâneas representam, para o total dos consumos, cerca de 60% no Continente sendo este valor bastante mais elevado nas Regiões Autónomas, o que ilustra bem a importância que têm na gestão dos recursos hídricos. Importa ter presente que esta contribuição das águas subterrâneas corresponde sensivelmente à recarga média anual dos sistemas aquíferos, o que representa os recursos renováveis em cada ciclo hidrológico. Se os recursos utilizados representam, de facto, volumes importantes, também se sabe que os sistemas aquíferos encerram, ainda, reservas extraordinárias que se situam até maiores profundidades (800m) que, regra geral, não são mobilizadas nos modelos de exploração normais. Estas reservas correspondem a águas subterrâneas infiltradas normalmente há bastante tempo (anos, décadas...), que mantêm grande estabilidade físicoquímica com características qualitativas que podem responder aos diferentes usos e que geralmente não são afectadas facilmente em situações de grande gravidade

(calamidades) naturais ou antrópicas, que possam limitar significativamente a qualidade e/ou quantidade das águas superficiais e subterrâneas de pequena profundidade, colocando sérias dificuldades na existência de recursos hídricos para satisfazer os usos correntes. Neste quadro, de grandes dificuldades de quantidade e/ou qualidade, será importante considerar estas reservas de água subterrânea, visto que, podem constituir uma boa resposta em situações de crise grave. Estas “estruturas de emergência” ficariam dependentes da autoridade gestora de recursos hídricos nessas regiões (ARHs) ou da própria Autoridade Nacional da Água (INAG).

Figura 1 – Nascentes das 25 Fontes, Madeira.

No estado actual dos conhecimentos hidrogeológicos é possível identifcar, no continente português, para algumas Unidades Hidrogeológicas, a existência potencial de reservas que deveriam ser objecto de um melhor conhecimento e avaliação, as quais poderiam


8 As águas subterrâneas como reserva estratégica na gestão de recursos hídricos em situações de crise

corresponder a “estruturas de emergência”, a mobilizar, em situações de crise grave.

Estas origens constituiriam, em nossa opinião, reservas estratégicas, permanentemente disponíveis para serem integradas na gestão dos recursos hídricos, mas só mobilizáveis em situações de crise muito graves. Referências

Figura 2 – Nascentes de Anços (Pombal).

Almeida, C., Mendonça, J. L., Barbosa, C., Gomes, A. J., 2000. Sistemas aquíferos de Portugal Continental. Cento de Geologia da Fac. Ciencias da Univ. Lisboa e Instituto da Água, I. P., vol. II e III. ARHTejo, 2010. Os sistemas aquíferos das bacias do Tejo e Ribeiras do Oeste. Saberes e Reflexões. Lisboa. Associação Portuguesa de Recursos Hídricos, 2007. Reflexos da Água. Lisboa.


GEONOVAS nº 23 e 24: 9Carlos a 10,Costa 2010/2011 Almeida 9

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Água subterrânea. Reservatório para um planeta com sede

Hidrogeologia de regiões calcárias Carlos Costa Almeida Dep. Geologia, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande 1749-016 Lisboa. calmeida@fc.ul.pt

Palavras-chave: Hidrogeologia; recursos hídricos; hidroquímica; regiões calcárias; Portugal

As regiões calcárias são caracterizadas por formas de relevo particulares (modelado cársico), entre as quais se contam as depressões fechadas de tamanhos variados, a existência de grutas e algares e outras formas superficiais de absorção. A existência destas formas de relevo devese ao facto dos minerais fundamentais que constituem as rochas calcárias, calcite e dolomite, serem solúveis em água contendo CO2. A quantidade de rocha que pode ser dissolvida depende de diversas condições, como sejam o grau de pureza e composição, espessura e tipo de solos e de factores climáticos, nomeadamente a temperatura e precipitação. No nosso País as formas mais representativas situam-se na Estremadura, Beira Litoral e Algarve. No que diz respeito à circulação da água, também as regiões calcárias apresentam aspectos particulares. De facto, ao contrário do que sucede em rochas porosas, onde a água preenche os poros da rocha de forma mais ao menos uniforme, nos maciços calcários a circulação faz-se preferencialmente através de fendas alargadas, que constituem por vezes galerias de grandes dimensões. As características acima referidas propiciam elevada capacidade de infiltração das águas das chuvas, pelo que, em geral, se verifica ausência quase total de recursos hídricos superficiais e abundância relativa de recursos hídricos subterrâneos. Esta abundância fez com que os aquíferos cársicos tenham sido, desde há muito, encarados como uma das principais fontes de água para abastecimento das populações e para o regadio, como acontece no nosso país, onde o abastecimento de água à capital começou por ser feito, fundamentalmente, à custa de águas daquela origem. Muitos outros concelhos são abastecidos por águas com origem em calcários. Esses concelhos situam-se sobretudo na Estremadura e Beira Litoral (Cantanhede, Condeixa-a-Nova, Alcobaça, Alvaiázere, Pombal, Porto de Mós, etc.), Alentejo (Borba, Estremoz, Alandroal, etc.) e Algarve. A exploração dos recursos hídricos em aquíferos cársicos apresenta numerosos problemas, devido, entre outros factores, à pequena capacidade de regulação dos reservatórios cársicos, irregularidade do padrão

de circulação subterrânea e elevada vulnerabilidade à poluição.

Figura 1 – Nascente cársica (Haute-Causse, Montpéllier, França).

A irregularidade do padrão de circulação faz com que a tarefa de captar água através de furos verticais constitua um verdadeiro quebra-cabeças. É possível estabelecer alguns critérios gerais que podem servir de guia à selecção dos locais mas nenhum é garantido. Mesmo nalguns casos, raros, em que os espeleólogos tiveram acesso às galerias activas, pequenos erros na implantação da localização à superfície ou pequenos desvios da verticalidade da sondagem conduzem a insucessos. Para contornar estas dificuldades tem-se recorrido com frequência à exploração das próprias nascentes, ou implantando captações na sua vizinhança. O outro problema prático a ultrapassar prende-se com a escassa capacidade de regularização dos aquíferos cársicos. De facto, os recursos, embora abundantes, devido a uma elevada capacidade de infiltração, são escoados rapidamente através das nascentes. A utilização


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de parte dos caudais escoados, em regime natural, permite apenas a utilização dos recursos armazenados temporariamente na zona semi-húmida, isto é a zona saturada de água apenas uma parte do ano. Por isso a protecção dos recursos hídricos em regiões cársicas passará forçosamente por uma consciencialização das populações com o objectivo de acabar com o pernicioso hábito de utilizar os algares como esgotos ou como cemitérios de animais e por uma política adequada de saneamento básico dos agregados populacionais ali existentes. A elevada vulnerabilidade à poluição resulta de um ausência quase total de filtração e uma velocidade de circulação elevada que pode atingir vários quilómetros por dia, o que permite que um poluente injectado, deliberada ou acidentalmente, possa atingir uma captação num curto lapso de tempo. Terá que passar, ainda, por uma definição das áreas de protecção das captações, onde deverá ser implementada uma regulamentação das actividades nelas desenvolvidas.

Essa delimitação exige um investimento elevado em meios e trabalho, sendo feita com base em critérios litológicos, estruturais, observações geofísicas, experiências de traçagem e observações espeleológicas. Referências Almeida, C., Biondic, B. & Morell, I., 1995. Pollutants and Pollutant Transport in Karst Areas COSTaction 65, Final Report, EUR16547. pp 371-380. Almeida, C., Silva, M. & Crispim, J. A., 1995. National Report for Portugal. Hydrogeological Aspects of Groundwater Protection in Karst Areas. COSTaction 65, Final Report, EUR16547. pp211-220. Bakalowicz, M., Drew, D., Orvan, J., Pulido-Bosch, A., Salaga, I., Sarin, A. & Tulipano, L, 1985. The Caracteristics of Karst Groundwater Systems. COSTaction 65, Final Report, EUR 16547 EN. pp 359 -369.


Carvalho GEONOVAS nº 23 e 24: José 11 a Martins 12, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Água subterrânea. Reservatório para um planeta com sede

Águas minerais naturais: importância sócio-económica José Martins Carvalho Laboratório de Cartografia e Geologia Aplicada (LABCARGA), Departamento de Engenharia Geotécnica, Instituto Superior de Engenharia do Porto, Rua do Dr. António Bernardino de Almeida, 431, 4200-072 Porto, Portugal. Centro GeoBioTec, Universidade de Aveiro, Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, Portugal. jmc@tarh.pt

Palavras-chave: Águas minerais; hidroquímica; legislação portuguesa; Portugal Águas minerais são, na óptica do especialista das águas subterrâneas, as que, por qualquer especificidade físico-química, se distinguem das águas “normais” de uma dada região (Moret, 1946; Schoeller, 1962, 1982; Albu et al., 1997; Lamoreaux, 2001). São em geral — mas não necessariamente — águas de circulação profunda e/ou de circuito hidrogeológico longo. Os caracteres distintivos mais frequentes são a mineralização e/ou a temperatura elevados. Assim, na perspectiva enunciada, as águas minerais apresentarão mineralizações totais ou determinadas características (pH, sulfuração, sílica, CO2, etc.) diferentes dos valores correntes ou temperaturas claramente mais altas que a temperatura média do ar. A nível da Hidrologia Médica, é corrente chamar-se água termal a qualquer uma — ainda que fria na origem ou mesmo semelhante às águas típicas da região — desde que seja utilizada em balneários termais (Pomerol & Ricour, 1992; Maureen & Green, 1994; Armijo Valenzuela & Bacaicoa, 1994). Em termos institucionais a legislação comunitária e a portuguesa consagram algumas características fundamentais a saber: (i) são águas subterrâneas, (ii) são puras na origem, (iii) têm quimismo constante, e, (iv) não sofrem qualquer tratamento que lhes destrua as características intrínsecas (Calado, 1995, 2001). Por oposição às águas normais, as águas minerais oferecem ao consumidor sais minerais, oligoelementos e até um microbismo específico resultado da sua história geológica, do correspondente circuito hidrogeológico, e das interacções água-rocha que manteve, por vezes durante milhares de anos (Carvalho, 2006). São utilizadas nas termas ou engarrafadas sem qualquer tratamento (Fig. 1). Esta percepção de “pureza original” associada às águas minerais (e também às águas de nascente no caso das águas engarrafadas) tem feito crescer a indústria de embalamento de água: na Europa existem capitações de mais de 100l/hab/ano na Itália, França, Espanha, Bélgica, Hungria e Grécia Alemanha (APIAM, 2010). Portugal em 2009 tinha capitações de 91 l/hab/ano com

tendência crescente (APIAM, 2010). Apesar do crescente fervor ecológico contra o consumo de águas engarrafadas a preferência do consumidor europeu tem-se mantido fiel à utilização de águas naturais (minerais e de nascente), obviamente um produto diferente da água da torneira, pura decerto, masnprofundamente processada a partir de origens nem sempre ambientalmente protegidas.

Figura 1 – Controle in situ da água de uma nova captação de água mineral durante um ensaio de caudal.

A indústria do termalismo investe cada vez mais no mercado do bem-estar e do lazer e movimenta, também, importantes fluxos de aquistas e suas famílias, dinamizando fortemente as regiões onde estão instalados os balneários termais. O valor acrescentado das águas minerais é muito elevado e por isso a legislação portuguesa prevê, desde 1928, o estabelecimento de Perímetros de Protecção às captações de molde a ser garantida a pureza e a qualidade destes recursos geológicos que são tutelados pela Direcção Geral de Energia e Geologia do Ministério da Economia e Inovação. A diferença entre águas naturais e água da torneira é enfatizada pelo facto das águas minerais e de nascente

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12 Águas minerais naturais: importância sócio-económica

serem recursos geológicos conforme o Dec-Lei 90/90 de 16 de Março por antagonismo ao conceito de recursos hídricos (a que pertencem as águas da torneira) tuteladas pelo Ministério do Ambiente. Nalguns locais de ocorrência de águas minerais quentes, de que Chaves e S. Pedro do Sul são exemplos paradigmáticos em Portugal, têm sido realizados aproveitamentos geotérmicos no aquecimento de hotéis, estufas e piscinas que muito contribuem para o bem-estar das populações e permitem algumas poupanças energéticas e redução no volume de emissão de CO2 para a atmosfera (Carvalho, 1996). As poupanças energéticas resultantes do aproveitamento de recursos geotérmicos em águas termais portuguesas são da ordem de 30 MWt (Carvalho, 2006; Cabeças et al ,2010). Referências Albu M., Banks, D. & Nash, H., 1997. Mineral and thermal groundwater resources. Chapman & Hall. 447 p. APIAM, 2010. Águas minerais naturais e águas de nascente. Livro Branco. http://www.apiam.pt/ExternalDocs/livro_branco.pdfem 21/10/2010 Armijo Valenzuela, M. & Bacaicoa, J. S. M., 1994. Curas Balneárias Y climáticas. Talassoterapia y Helioterapia. Editorial Complutense. 688 p. Cabeças, R., Carvalho, J. M. & Nunes, J. C., 2010. Portugal Country Geothermal Update 2010. Proceedings World Geothermal Congress 2010. Bali, Indonesia, 25-29 April 2010. 9 p. Edição em CD. Calado, C. M. A., 1995. Notícia Explicativa da Carta de Nascentes Minerais do Atlas do Ambiente. Direcção Geral do

Ambiente e Recursos Naturais. Lisboa. 44 p. Calado, C. M. A., 2001. A ocorrência de água sulfúrea alcalina no Maciço Hespérico: quadro hidrogeológico e quimiogénese. Dissert. Doutoramento, Universidade de Lisboa. 462 p. Carvalho, J. M., 1996. Mineral water exploration and exploitation at the Portuguese Hercynian Massif. Environmental Geology, 27: 252-258. Carvalho, J. M., 2006. - Prospecção e pesquisa de recursos hídricos subterrâneos no Maciço Antigo Português: linhas metodológicas. Dissert. Doutoramento, Universidade de Aveiro. 292 p + carta hidrogeológica + anexos. La Moreaux, P. E., 2001. Famous Springs and Bottled waters. In: Lamoreaux, P.E. & Tanner J.T. (Eds.). Spring and Bottled Waters of the World. Springer, p. 135141. Maureen & Green, T., 1994. The good water guide. The world’s best bottled waters. Rosendale Press. 200 p. Moret, L., 1946. Les sources thermominérales. Masson. 146 p. Pomerol, C. & Ricour, J., 1992. Terroirs et Thermalisme de France. Éditions du BRGM. 288 p. Schoeller, H.,1962. Les eaux souterraines. Masson & cie, Paris. 642 p. Schoeller, H., 1982. Sur les eaux thermominérales et leur origine. In: Romariz, C. (Ed.), 3ª Semana de Hidrogeologia, Universidade de Lisboa. pp. 37-43.


Curz 13 GEONOVAS nº 23 e 24: 13 a José 14, Virgílio 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Água subterrânea. Reservatório para um planeta com sede

Hidrogeologia de regiões vulcânicas José Virgílio Cruz Centro de Vulcanologia e Avaliação de Riscos Geológicos, Departamento de Geociências, Universidade dos Açores, Edifício do Complexo Científico, 3º Piso, Ala Sul, 9501-801 Ponta Delgada. jvc@uac.pt

Palavras-chave: Hidrogeologia; recursos hídricos; hidroquímica; regiões vulcânicas; Açores; Madeira

As rochas vulcânicas ocupam menos de 1% da superfície terrestre, o que faz com que sejam um dos tipos litológicos menos representativos. Contudo, cerca de 10% da população mundial reside em regiões vulcânicas, muitas vezes nas imediações de centros eruptivos activos, o que coloca desafios a várias disciplinas das ciências geológicas, e nomeadamente à Hidrogeologia. São exemplos destes territórios, para além de vastas extensões continentais, como o Planalto do Decão (Índia), as numerosas ilhas vulcânicas disseminadas pelo globo. No território nacional, arquipélagos como os Açores e a Madeira evidenciam a importância da água subterrânea em meios insulares de origem vulcânica. Nos Açores cerca de 98% do abastecimento é assegurado por água subterrânea, atingindo um valor próximo de 44 000x103 m3/ano. Por seu turno, na ilha da Madeira são captados cerca de 56 000x103 m3/ano, dos quais cerca de 33% é proveniente de aquíferos, valor que se afigura subavaliado. Os Açores são um exemplo da dependência de recursos hídricos subterrâneos, porquanto o escoamento de superfície tem geralmente um regime torrencial e os lagos, embora configurando reservas estratégicas de água, encontram-se com a sua qualidade degradada face ao processo de eutrofização. Por outro lado, a maior pressão sobre a água subterrânea, reflectido no esperado aumento da procura em mais de 40% até 2020, implica efectuar uma gestão eficaz dos recursos face às condicionantes existentes. Os aquíferos, atendendo à sua reduzida dimensão, perdem capacidade de regulação, o que é desde logo evidenciado pela quebra dos caudais das nascentes observada no período de estiagem (Fig. 1). O comportamento hidrogeológico das formações vulcânicas denota uma grande heterogeneidade, em função de um conjunto de factores primários, relacionados com o tipo e génese dos materiais que formam os depósitos, e secundários, como a alteração das rochas ou a fracturação. Neste contexto, os depósitos piroclásticos, resultantes de eventos vulcânicos de natureza explosiva, podem apresentar valores de porosidade entre 30% e 50%, gama que pode ser largamente excedida em formações

de queda recentes constituídas por materiais grosseiros. Ao invés, valores muito reduzidos podem ser observados em depósitos de fluxo soldados. Por seu turno, em escoadas lávicas podem observar-se porosidades tipicamente entre 10% e 50% embora ocorram, igualmente, valores fora deste intervalo.

Figura 1 – Emergência de água subterrânea numa escoada lávica basáltica (ilha de São Jorge, Açores).

A interpretação de resultados de ensaios de bombeamento coloca em evidência as condições hidrogeológicas heterogéneas. Nos Açores os caudais específicos variam entre 1,4x10-2 e 267 L/s.m, enquanto na Madeira se distribuem entre 0,2 e 667 L/s.m. Os valores de transmissividade observados nos dois arquipélagos vulcânicos mostram, igualmente, uma distribuição assimétrica, com observações entre 1,6x10-5 e 4x10-1 m2/s nos Açores e 3x10-4 m2/s a 2,9x10-1 m2/s na ilha da Madeira. A composição da água subterrânea em regiões vulcânicas depende, como numa área dominada por qualquer outra litologia, de uma série de factores como, entre outros, o conteúdo da água da chuva, o tempo de residência e o tipo de rocha do aquífero. A contribuição da dissolução de minerais primários das rochas vulcânicas é geralmente limitada nos aquíferos dos Açores e da Madeira.


14 Hidrogeologia de regiões vulcânicas

Nos Açores a água das nascentes que drenam os aquíferos de altitude é pouco mineralizada e apresenta predominantemente fácies cloretada sódica a bicarbonatada sódica. A água captada em furos apresenta, predominantemente, fácies do tipo cloretada sódica e mineralizações mais elevadas. Já na Madeira, observa-se que nos aquíferos de altitude a condutividade não ultrapassa os 200 µS/cm, enquanto no sistema aquífero basal atinge excepcionalmente cerca de 3000 µS/cm, correspondendo os aniões e catiões dominantes respectivamente ao HCO3- e Cl- e ao Na+, Ca2+ e Mg2+. A ocorrência de águas minerais em regiões vulcânicas é frequente, quer em função de processos eruptivos em curso, quer em vulcões activos em estado de dormência. Se na ilha da Madeira são raras estas manifestações, nos Açores ocorrem numerosas nascentes de águas minerais, predominantemente gasocarbónicas, muitas das quais termais, disseminadas por quase todo o arquipélago. São águas com elevada variabilidade de tipos químicos e de magnitude de mineralização, e correspondem na maioria a emergências de aquíferos de altitude em vulcões activos. Face aos constrangimentos colocados pelo fenómeno das alterações climáticas, e aos desafios colocados pela legislação emanada da União Europeia, a que acresce a importância ambiental, social e económica da água sub-

terrânea em meios vulcânicos insulares, salienta-se a necessidade de incrementar o conhecimento relativo a estes sistemas aquíferos. Só assim se poderá valorizar e proteger um recurso que sofre uma pressão tendencialmente crescente.

Referências Cruz, J. V., 2004. Ensaio sobre a água subterrânea nos Açores. História, ocorrência e qualidade. Ed. SRA, Ponta Delgada, 288 p. Cruz, J. V., Pacheco, D., Mendes, S. & Medeiros, M., 2007. Atlas da Água nos Açores. Ed. SRAM, Ponta Delgada, 159 p. Cruz, J. V., Pacheco, D., Cymbron, R. & Mendes, S., 2010. Monitoring of the groundwater chemical status in the Azores archipelago (Portugal) in the context of the EU Water Framework Directive. Environ. Earth Sci., 61: 173-186. Cruz, J. V., Freire, P. & Costa, A., 2010. Mineral waters characterization in the Azores archipelago (Portugal). J. Volcanol. Geotherm. Res., 190: 353-364. Prada, S., 2000. Geologia e recursos hídricos subterrâneos da ilha da Madeira. Diss. Doutoramento, Univ. Madeira, Funchal, 351 p.


J. Cabral 15 GEONOVAS nº 23 e 24: 15 a 17, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Desastres naturais. Minimizar riscos maximizar consciencialização

A paleossismologia na avaliação da perigosidade sísmica J. Cabral Dep. Geologia e LATTEX-IDL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. jcabral@fc.ul.pt

Palavras-chave: Paleossismologia; Neotectónica; Perigosidade sísmica; Risco sísmico; Portugal

Quando se considera a segurança anti-sísmica de empreendimentos críticos (como por exemplo centrais nucleares, instalações para armazenamento de resíduos perigosos, barragens…), ou quando se avalia o risco sísmico em áreas densamente povoadas, onde se concentra importante actividade económica, a análise da sismicidade deve considerar períodos de tempo suficientemente longos para abarcar convenientemente o mecanismo da sismogénese. Isto implica a utilização de metodologias geológicas e, em particular, paleossismológicas, especialmente em regiões intraplaca com sismicidade histórica e instrumental baixa mas onde podem ocorrer registos de sismos grandes. Nestas áreas, o período de tempo abrangido pelos dados da sismicidade histórica e instrumental é muito inferior à duração provável do ciclo sísmico dos sismos grandes (intervalo entre dois eventos), tipicamente da ordem de 104-105 anos. Deste modo, os registos constantes nos catálogos sísmicos não representam adequadamente a sismicidade regional, pois abarcam apenas uma parte do ciclo sísmico dos eventos maiores. Assim, a estimativa, essencial, da dimensão e período de recorrência dos sismos grandes assenta no estudo das falhas sismogénicas (fontes sísmicas), particularmente no que respeita ao seu comportamento paleossísmico (McCalpin, 2007). A investigação paleossismológica de falhas activas sismogénicas procura obter informação sobre diversos aspectos relevantes para a avaliação da perigosidade sísmica, nomeadamente o número de paleo-eventos produzidos pela falha em estudo e reconhecíveis no registo geológico, a sua idade e magnitude, e o tempo decorrido desde o último evento. Esta abordagem permite, assim, ampliar consideravelmente o período de tempo a que se reporta a actividade sísmica e, portanto, abarcar o ciclo sísmico de eventos com recorrências longas, avaliar o potencial sismogénico das falhas presentes, nomeadamente no que respeita à magnitude dos sismos que têm a capacidade de gerar, e introduzir memória no modelo de probabilidade de ocorrência, que geralmente é considerado do tipo poissoniano.

Em ambiente geodinâmico intraplaca ocorrem geralmente falhas com taxas de actividade baixas, que se comportam como estruturas sismicamente “silenciosas” mas que têm a capacidade de produzir ruptura superficial e sismos catastróficos, embora com períodos de retorno longos. Os estudos geológicos (de Neotectónica) e, particularmente, os estudos paleossismológicos são fundamentais para avaliar se essas falhas presentemente “silenciosas” são efectivamente falhas activas de baixa taxa de actividade (“falhas lentas”), e indispensáveis para caracterizar o seu potencial sismogénico, particularmente relevante na avaliação da perigosidade sísmica para longos períodos de retorno. No que respeita ao ambiente continental intraplaca do interior da Europa, incluindo a maioria da Península Ibérica e Portugal Continental em particular, os estudos da tectónica activa são essenciais para caracterizar o comportamento das falhas e o período de recorrência dos sismos grandes, sensivelmente desde o Plistocénico médio (800.000 anos) e, particularmente, desde o Plistocénico superior (125.000 anos) (Cabral, 1995; Ribeiro, 2002; Ribeiro et al., 1996; Borges et al., 2001). Na Península Ibérica, se excluirmos a região activa a SE e a área submarina meridional (do Golfo de Cádis ao Banco de Gorringe), directamente associadas à fronteira de placas Ibéria-Nubia, a actividade sísmica é aparentemente fraca e são escassas, ou mesmo inexistentes, as referências à ocorrência de sismos destruidores. Contudo, neste tipo de ambiente intraplaca existem usualmente evidências da ocorrência (embora pouco frequente) de sismos fortes durante os tempos históricos bem como de paleossismos, indicando um potencial para a génese de grandes eventos sísmicos. Existem poucos estudos sobre falhas de baixo grau de actividade (< 0,1mm/ano; “falhas lentas”). Durante os últimos anos tem-se efectuado na Europa um esforço importante para identificar e compreender o comportamento sismogénico deste tipo de falhas, principalmente através da implementação de vários projectos internacionais.


16 A paleossismologia na avaliação da perigosidade sísmica

Nessa perspectiva, desde meados dos anos 90 do século passado que diversos países europeus, particularmente os da região mediterrânica (onde o risco sísmico é mais elevado), têm promovido esforços no sentido de aperfeiçoarem técnicas e desenvolverem critérios e metodologias, tanto quanto possível homogéneas, para uma correcta avaliação da perigosidade sísmica regional, integrando os dados da sismicidade com os da sismotectónica em sistemas de informação geográfica (SIG). Um exemplo foi o projecto FAUST (“Faults as a Seismologists’ Tool”), que procurou colectar a informação existente sobre as falhas sismogénicas na Europa e implementar uma base de dados disponibilizada num site Web. Esta base de dados, designada “Database of Potential Sources for Earthquakes Larger than M 5.5 in Europe”, foi elaborada por colaboração entre instituições italianas, britânicas, francesas, gregas e espanholas. A ausência de uma contribuição portuguesa traduziu-se na omissão de dados e incorporação de informação incorrecta referentes ao território de Portugal continental. Presentemente, numerosos investiga-

dores portugueses, onde se integram diversos elementos da equipa de investigação do GeoFCUL, colaboram no projecto europeu SHARE (Seismic Hazard Harmonization in Europe), que corresponde à mais recente iniciativa internacional neste âmbito. A equipa de investigação do GeoFCUL realiza estudos de Neotectónica em Portugal desde o início da década de 80. Um dos objectivos principais tem sido a identificação e caracterização das falhas activas em Portugal Continental e nos Açores, tendo os resultados sido sintetizados pela primeira vez num Mapa Neotectónico à escala 1:1.000.000 (Cabral & Ribeiro, 1988). A maioria destes estudos tem privilegiado uma cobertura e caracterização regional tanto quanto possível exaustiva das falhas evidenciando actividade quaternária, em detrimento de uma avaliação detalhada do comportamento sismogénico de estruturas particulares. Esta abordagem deve-se à perigosidade sísmica regional ser dominada por falhas “lentas” que são escassamente conhecidas (ou virtualmente desconhecidas até gerarem eventualmente um

A

B Figura 1 – A) aspecto de uma trincheira aberta em Quinta do Vale Meão, Pocinho (Trás-os-Montes), para investigação paleossismológica da falha da Vilariça (vista para E). B) levantamento geológico da parede N da trincheira; 1, horizonte de solo A perturbado, desenvolvido em areia fina 2, horizonte de solo B pouco evoluído, com concreções calcárias, em areia fina; 3, horizonte de solo K, rico em carbonato de cálcio, desenvolvido em areia fina a muito fina, 4, área não levantada, 5, 6 e 7, unidades areno-siltosas intensamente bioturbadas, com estratificação oblíqua (sedimentos de inundação correspondentes a um terraço do rio Douro situado cerca de 20 m acima do talvegue.


J. Cabral

sismo grande inesperado), o que acentua a necessidade de se ter uma base de dados tanto quanto possível exaustiva das estruturas activas, potencialmente sismogénicas. A falta de dados de paleossismicidade constitui, contudo, uma lacuna importante para estudos específicos de avaliação da perigosidade sísmica, quando é necessário conhecer a actividade tectónica mais recente em falhas e, particularmente, o seu comportamento sismogénico. A investigação em Portugal continental foi de início implementada principalmente no âmbito de estudos de sítio para centrais nucleares, promovidos pela Electricidade de Portugal (EDP) e pelo Gabinete de Protecção e Segurança Nuclear (GPSN), tendo sido nessa altura escavada em Ferrel a primeira trincheira para investigação da actividade tectónica de uma falha em território português (Cabral & Ribeiro, 1981, 1986). Só consideravelmente mais tarde, no final da década de 1990 e início da década de 2000, é que se utilizaram novamente em Portugal métodos de estudo específicos da Paleossismologia, primeiro nas ilhas açorianas (Madeira, 1998; Madeira & Brum da Silveira, 2003), depois na região do Vale Inferior do Tejo, no âmbito de projectos de investigação científica sobre a perigosidade sísmica regional (Fonseca et al., 2000a,b). Cabral & Marques, 2001, Vilanova & Fonseca, 2004), e mais recentemente sobre a falha da Vilariça, no âmbito de um estudo de perigosidade sísmica aplicado ao projecto de construção de uma barragem no rio Sabor, em Trás-os-Montes (Rockwell et al., 2009). Presentemente um dos objectivos principais da equipa de investigação do GeoFCUL consiste em obviar a lacuna de informação paleossísmica referente ao território português, testando as bases metodológicas e promovendo a aquisição de dados de paleossismicidade em diversas falhas activas seleccionadas no território continental português e no arquipélago dos Açores, por forma a complementar o conhecimento da actividade das falhas a longo termo com informação sobre o seu comportamento sismogénico, a mais curto prazo, e obter assim informação essencial para uma correcta avaliação da perigosidade sísmica regional e riscos associados. Referências Borges, J. F., Fitas, A. J. S., Bezzeghoud, M. & TevesCosta, P., 2001. Seismotectonics of Portugal and its adjacent Atlantic area. Tectonophysics, 337, 373-387. Cabral, J, 1995. Neotectónica em Portugal Continental. Mem. Inst. Geol. Mineiro, 31, 265 p. Cabral, J. & Marques, F. M. S. F., 2001. Paleoseismological studies in Portugal: Holocene thrusting or landslide activity?. EOS, Transactions, AGU, 82(32), 2001, 351-352.

Cabral, J. & Ribeiro, A., 1981. Levantamento de Uma Sanja Aberta em Vale de Janelas (Ferrel), para Estudo da Actividade da Zona de Falha de Ferrel. Gabinete de Protecção e Segurança Nuclear, Documento 1R81001, Dossier “Licenciamento Ferrel”, 11 pp., 1 quadro desdobrável. Pol. Cabral, J. & Ribeiro, A., 1986. Evidências de actividade neotectónica na falha de Ferrel (Peniche). Maleo, 2, no 13, p.14. Cabral, J. & Ribeiro, A., 1988. Carta Neotectónica de Portugal Continental, Escala 1:1.000.000. Dep. Geol. Fac. Ciênc. de Lisboa, Serv. Geol. de Portugal, Gab. Prot. Seg. Nuclear, editada pelos Serv. Geol. de Portugal, Lisboa. Fonseca, F. B. D., Bosi, V., Vilanova, S. P. & Meghraoui M., 2000a. Investigations unveil Holocene thrusting for onshore Portugal, EOS Transactions, 81, 412-413. Fonseca, F. B. D., Meghraoui, M., Bosi, V., Cardoso, J. L. & Oosterbeek, L., 2000b. ECGS Field Trip to the Lower Tagus Valley, Portugal, Lisbon, 9th of September 2000, Guide Book, ECGS, FCT, IST, Lisbon. Madeira, J., 1998. Estudos de neotectónica nas ilhas do Faial, Pico e S. Jorge: uma contribuição para o conhecimento geodinâmico da junção tripla dos Açores. Dissert. Doutoramento, Universidade de Lisboa, 481 p. Madeira, J. & Brum da Silveira, A., 2003. Active tectonics and first paleoseismological results in Faial, Pico and S. Jorge islands (Azores, Portugal). In Pantosti, D., Berryman, K., Yeats, R. S. & Kinugasa, Y. (Eds.)Ten Years of Paleoseismology in the ILP: Progress and prospects, Annals of Geophysics 46(5): 733761. McCalpin, J. P., 2009. Paleoseismology. 2nd edition, Academic Press, Burlington, 613 p. Ribeiro, A., 2002. Soft Plate and Impact Tectonics, Springer, Berlin, 324 p. Ribeiro, A., Cabral, J., Baptista, R. & Matias, L., 1996. Stress pattern in Portugal mainland and the adjacent Atlantic region, West Iberia. Tectonics 15: 641-659. Rockwell, T., Fonseca, J., Madden, C., Dawson, T., Owen, L. A, Vilanova, S. & Figueiredo, P., 2009. Paleoseismology of the Vilariça segment of the Manteigas-Bragança Fault in Northeastern Portugal. Reicherter, K., Michetti, A.M. & Silva, P. G. (Eds.) Palaeoseismology: Historical and Prehistorical Records of Earthquake Ground Effects for Seismic Hazard Assessment. Geol. Society, London, Sp. Pub.s, 316: 237–258. Vilanova, S. P. & Fonseca, J. F. B. D., 2004. Seismic hazard impact of the Lower Tagus Valley Fault Zone (SW Iberia). Journal of Seismology 8: 331-345.

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18 A paleossismologia na avaliação da perigosidade sísmica


Hector Perea 19 GEONOVAS nº 23 e 24: 19 a 20, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Desastres naturais. Minimizar riscos maximizar consciencialização

Os terramotos: risco e perigosidade Hector Perea Instituto Dom Luiz – Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Ed. C6,Campo Grande 1746-016-Lisboa. hector.perea@fc.ul.pt

Palavras-chave: terramotos; perigosidade sísmica; risco sísmico

Os terramotos são um fenómeno natural que resulta da ruptura em falhas, fracturas localizadas na “camada” mais superficial da Terra, a litosfera. Esta ruptura produz uma libertação quase instantânea de energia na forma de ondas sísmicas que se manifestam com o tremer e, algumas vezes, o deslocamento da superfície e a criação de escarpas. Os danos associados a um terramoto, quantificados pela intensidade sísmica, estão directamente ligados à propagação destas ondas, e serão mais ou menos severos dependendo da grandeza do terramoto (magnitude) e da distância à falha que o gerou. Há outros fenómenos que podem ser desencadeados pela ocorrência dum terramoto e que também podem produzir danos na sociedade como são os deslizamentos de terra (escorregamentos) e os tsunamis. Os terramotos estão ligados aos movimentos tectónicos na litosfera terrestre e, em consequência, são fenómenos que se têm produzido durante a história da Terra e que vão continuar a produzir-se no futuro. Como humanos não temos controlo sobre a ocorrência destes fenómenos, mas podemos avaliá-los e tentar mitigar os seus efeitos na população a partir de estudos de risco sísmico. Neste tipo de estudos avaliam-se as probabilidades de perdas, tanto sociais (perdas de vidas humanas ou pessoas feridas) como económicas, que a ocorrência dum terramoto pode originar. Na avaliação do risco sísmico tem-se em conta os custos, a vulnerabilidade e a perigosidade (Oliveira et al., 2006). Os custos e a vulnerabilidade são dois parâmetros que têm em conta como um terramoto afectará a sociedade. Entendem-se como custos o valor que têm as estruturas potencialmente danificadas ou destruídas (edifícios, pontes, barragens, …), os efeitos na economia, as vítimas e quaisquer outros bens que possam materializar perdas potenciais devidas a um terramoto. Por outro lado, a vulnerabilidade define-se como a potencialidade de uma estrutura sofrer danos causados por um terramoto, por exemplo, se uma casa ou outro edificado suportará ou não a ocorrência dum terramoto, ou os danos que possa sofrer.

A perigosidade sísmica estuda o perigo, isto é, a possibilidade de ocorrência de um terramoto e as suas características, descrevendo a potencialidade de ocorrência dos fenómenos relacionados com este, como por exemplo qual será o movimento do terreno causado pelo sismo, se este produzirá ou não ruptura superficial, ou se desencadeará liquefacção em terrenos propícios, entre outros efeitos (Reiter, 1991). Nos estudos de perigosidade sísmica modelam-se as fontes dos terramotos (as falhas), o modo como as ondas se atenuam (como perdem energia quando se afastam da fonte) e os possíveis efeitos de sítio (amplificação das ondas, cedência do solo), com o objectivo de prognosticar como se percepcionará o terramoto numa localidade concreta, e assim projectar e construir edifícios sismo-resistentes, ou seja, edifícios preparados para suportar sismos de uma magnitude expectável.

Figura 1 – Mapa de perigosidade sísmica de Europa (Giardini et al., 2003).


20 Os terramotos: risco e perigosidade

Finalmente, sempre que haja uma falha que tenha a capacidade de gerar terramotos existe uma perigosidade, mas se não existir população ou alguma estrutura (ponte, barragem, …) na região envolvente não haverá um risco, porque não há probabilidade de ocorrerem perdas económicas ou sociais, ou danos sobre o edificado. Por outro lado, se houver perigosidade (associada à presença de uma falha activa) e, na área envolvente, existir população e edifícios ou estruturas altamente vulneráveis, os danos expectáveis representam custos elevados e assim o risco sísmico será elevado. Em conclusão, enquanto a perigosidade é inerente à presença de fontes sismogénicas com o potencial de gerarem eventos sísmicos de magnitude significativa, e, portanto, depende apenas da sua ocorrência, o risco varia, dependendo da afectação na sociedade e na economia.

Referências Girardini, D., Jiménez, M.-J. & Grunthal, G., 2003. The ESC-SESAME unified seismic hazard model for the EuropeanMediterranean region. Escala 1:5000000. UNESCO-IUGS www.ija.csic.es/gt/earthquakes. Oliveira, C. S., Roca, A. & Goula, X., 2006. Assessing and managing earthquake risk. Geo-scientific and engineering knowledge for earthquake risk mitigation: developments, tools, techniques. Springer, Dordrecht, 543 p. Reiter, L., 1991. Earthquake hazard analysis: Issues and insights. Columbia University Press, New York, 254 p.


ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

César Andrade Maria Freitas 21 GEONOVAS nº 23 e&24: 21daa Conceição 22, 2010/2011

Desastres naturais. Minimizar riscos maximizar consciencialização

A importância do registo geológico para avaliação do potencial de inundação por tsunami César Andrade & Maria da Conceição Freitas Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6,Campo Grande, 1749-016 Lisboa. candrade@fc.ul.pt; cfreitas@fc.ul.pt

Palavras-chave: Inundação costeira; risco, sedimentos, tsunami de 1755; período de retorno

Tsunami é uma palavra japonesa que significa “onda de porto” e é utilizada pela comunidade científica para designar um conjunto restrito de ondas de grande comprimento e período, que se propagam na superfície do oceano e acabam por atingir o litoral, onde crescem em altura por efeito de atrito com o fundo e produzem inundações catastróficas. Estas ondas podem ser geradas por qualquer mecanismo com capacidade para deslocar subitamente um volume apreciável do oceano - sismos com epicentro no mar (a maioria), actividade vulcânica, grandes escorregamentos de vertentes litorais ou submarinas e impactos de corpos extraterrestres. As regiões do Globo associadas a zonas de subducção (como o Japão) são as mais afectadas por este fenómeno, mas tal não exclui a sua importância noutros contextos geotectónicos. São dos poucos eventos naturais capazes de impactar, em simultâneo, locais muito distantes e afectar grandes trechos litorais. Em Portugal, o registo histórico e instrumental identifica um número restrito de tsunamis (da ordem das duas dezenas, nos Açores, e inferior a dez no Continente e no Arquipélago da Madeira) com intensidade apreciável embora com expressão espacial muito variada, dos quais o mais importante foi o associado ao sismo de 1 de Novembro de 1755. Os tsunamis são raros - e tanto mais raros quanto mais intensos - pelo que as estimativas de períodos de retorno fundamentadas em séries curtas de dados podem enfermar de incertezas e erros, incompatíveis com o rigor necessário à avaliação da perigosidade e risco. Neste contexto, o registo geológico assume potencialmente um papel fundamental na ampliação da janela temporal de aquisição de dados. De facto, o impacto de um tsunami na faixa costeira origina uma inundação efémera, capaz de produzir erosão ou sedimentação, isto é, um sinal de natureza geológica que, se preservado no registo sedimentar, importa saber reconhecer e interpretar. As assinaturas de natureza deposicional têm sido objecto de estudo nas últimas

décadas, com base em critérios geométricos, texturais, mineralógicos, geoquímicos, geofísicos e paleoecológicos. Apesar de, no estado actual dos conhecimentos, não ser ainda possível atribuir uma assinatura inquestionável aos depósitos de tsunami, certo é que estes têm sido encontrados um pouco por todo o mundo e utilizados para quantificar subsidência co-sísmica, medir a distância alcançada por paleoinundações, deduzir paleocorrentes, reconstituir altura e número de ondas, estudar a recorrência de tsunamis em intervalos de milhares de anos e identificar sinais objectivos destas inundações em contextos litorais até então julgados livres deste risco, dada a inexistência de registos históricos. No litoral e na plataforma de Portugal Continental foram já reconhecidos depósitos sedimentares produzidos pelos tsunamis associados aos sismos do 1º de Novembro de 1755, principalmente no Algarve (lâminas de areia e blocos depositados até 1 km para o interior – Fig. 1); na região de Lisboa, no estuário do Tejo, foram reconhecidas lâminas de sedimentos finos, lodosos associados ao mesmo tsunami e também ao de 1531, embora com maior incerteza. Outros depósitos (nomeadamente de megaclastos, eventualmente mais antigos – Fig. 2) são ainda objecto de discussão quanto à natureza do agente de mobilização. A investigação neste domínio prossegue, alargada aos litorais e fundos adjacentes do Golfo de Cádiz e Atlântico Marroquino, com o objectivo de contribuir para a determinação de fontes (tectónicas ou assísmicas) e intervalos de recorrência; os primeiros resultados, obtidos recentemente, sugerem 1500 a 2000 anos como uma estimativa plausível para o intervalo de retorno de tsunamis de grande intensidade, capazes de afectar de forma dramática todo o litoral Atlântico Marroquino e Ibérico. Estes dados assumem grande relevância no esforço de investigação em curso para dimensionar o risco destas inundações num litoral com índices de ocupação e valorização crescentes e operacionalizar um sistema de detecção e alerta precoce.


22 A importância do registo geológico para avaliação do potencial de inundação por tsunami

Figura 1 – Lâmina de areia depositada pelo tsunami de 1755 em lodos da várzea da Boca do Rio, Algarve.

Figura 2 – Megaclastos transportados para o topo da arriba no litoral de Sintra.

Referências

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Borges, P., Andrade, C. & Freitas, M. C., 2008. Tsunamis históricos na ilha do Faial (Açores – Portugal. Historical tsunamis in Faial (Azores – Portugal). Sismo 1998 – Açores, uma década depois, Oliveira, C. S., Costa, A. & Nunes, J. C. (Eds.), p. 707-716.


José Madeira 23 GEONOVAS nº 23 e 24: 23 a 26, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Desastres naturais. Minimizar riscos maximizar consciencialização

Perigosidade vulcânica em Portugal José Madeira Universidade de Lisboa, Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências e LATTEX-IDL(L.A.), Edif. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. jmadeira@fc.ul.pt

Palavras- chave: Perigosidade vulcânica; erupções históricas; Açores; Madeira

Em território português apenas o arquipélago dos Açores e, em menor grau, a ilha da Madeira estão sujeitos a perigosidade geológica de natureza vulcânica. A actividade vulcânica na ilha da Madeira encontrase num estado que pode ser considerado de dormência pois o intervalo entre erupções, na formação eruptiva mais recente, é relativamente longo. Contudo, a ocorrência de erupções cujos derrames correram no (ou para o) interior de vales desenvolvidos durante o Quaternário e a recente datação de 6 000 anos de um nível de piroclastos basálticos de queda (Geldmacher et al., 2000), indicam que o vulcanismo na Madeira não se encontra extinto. Existe, aliás, descrição de uma eventual erupção no mar, a oriente da ilha (Silva & Meneses, 1921), no ano de 1748. Não se conhecem manifestações secundárias de vulcanismo na Madeira. No entanto, em obras recentes de abertura de túneis rodoviários ou de galerias de captação de água, detectaram-se emanações de CO2, de provável origem vulcânica. Numa delas a quantidade e concentração de dióxido de carbono levou à suspensão da obra por configurar riscos elevados para os operários e técnicos envolvidos. Já o arquipélago dos Açores foi palco de numerosas erupções desde o início do povoamento, no segundo quartel do século XV (Machado, 1958; Zbyszewski, 1963; Weston, 1963/64; Queiroz et al., 1995; Madeira, 1998). As erupções de que existem registos ocorreram em terra (erupções subaéreas) nas ilhas de S. Miguel, Terceira, S. Jorge, Pico e Faial, e no mar entre elas (erupções submarinas). Identificaram-se 26 erupções históricas até à data (Tabela I), a última das quais se iniciou há 10 anos ao largo da ilha Terceira. É muito provável que o número de erupções efectivamente ocorrido seja bastante superior, pois muitas das erupções submarinas poderão ter ocorrido sem que tenham sido detectadas. Algumas erupções submarinas são pouco profundas e idênticas à dos Capelinhos. Podem incluir-se neste grupo as de 1638, 1682, 1720, 1800, 1811, 1867 e 1957/58. Trata-se de eventos que ocorreram junto ao litoral ou

no topo de bancos submarinos. As erupções (de estilo surtsiano) são caracterizadas pela emissão de jactos de piroclastos e nuvens de vapor, com edificação rápida de cones submarinos que, ao emergir, constituem ilhas. Estas ilhas são frequentemente efémeras, como sucedeu com as que se formaram em 1638, na erupção de 1720 no Banco D. João de Castro, ou a que deu origem ao episódio da ilha Sabrina em 1811. Muitas vezes a erosão marinha arrasa a ilha rapidamente. Noutros casos, o novo edifício resiste e origina uma ilha que permanece poralguns milhares de anos. Sucede também a erupção ocorrer tão perto da costa que o cone recém-formado acaba por se ligar à ilha principal. Nalgumas situações, como sucedeu nos eventos de 1867, 1911 e 1964, apesar de ocorrerem a profundidades reduzidas (~200 m), as erupções manifestam-se apenas por jactos de água e/ou cheiros sulfurosos. Se as erupções submarinas têm lugar a profundidades um pouco superiores (em torno dos 400 m) as manifestações que atingem a superfície são muito menos evidentes, podendo facilmente passar despercebidas. Foi o caso da erupção da Serreta em 1998. Neste evento chegaram à superfície numerosos blocos ocos de basalto que flutuavam durante alguns minutos, originando plumas de vapor com alguns metros de altura. Por vezes, em períodos de maior intensidade, a pluma eruptiva submarina, constituída por minúsculas partículas de vidro vulcânico e bolhas de gás, aflorava dando origem a manchas e descolorações à superfície do mar. Relatos de erupções anteriores são similares às observações feitas na Serreta o que sugere que aqueles eventos poderão ter sido do mesmo tipo. Nestes incluem-se as manifestações de 1800, 1963 e 1981. Quando a profundidade é superior, apenas por métodos indirectos se pode inferir a ocorrência de uma erupção. No caso dos Açores existem três relatos de cortes de cabos telegráficos submarinos em 1902, 1904 e 1907. Em todos eles a recuperação dos cabos para reparação revelou que estes se encontravam queimados, com a borracha do isolamento derretida ou com material piroclástico colado, confirmando as manifestações eruptivas.


24 Perigosidade vulcânica em Portugal

As erupções basálticas sub-aéreas caracterizam-se por manifestações que se enquadram nos estilos havaiano e estromboliano. Normalmente formam-se fontes de lava ou pequenas plumas eruptivas, e derrames lávicos. Em tempos históricos ocorreram erupções com estas características em 1562/63, 1718 e 1720 no Pico, 1564 em S. Miguel, 1580 e 1808 em S. Jorge, 1672/73 no Faial e 1761 na Terceira. Trata-se de eventos que raramente provocam vítimas, embora existam registos de mortes na erupção de 1672/73 no Faial, onde pelo menos três pessoas pereceram. Há também relatos, como nas erupções de 1718 (2 vítimas) e 1808 (3 vítimas), de mortes causadas por asfixia por dióxido de carbono em zonas deprimidas onde aquele gás, mais denso que o ar, se acumulou. Manifestações mais perigosas, escoadas piroclásticas basálticas, estão documentados na ilha de S. Jorge. nas erupções de 1580 e 1808, tendo provocado mais de duas dezenas de mortos. As erupções envolvendo magmas de composição intermédiae ácidasão menos frequentes mas geralmente de magnitude muito superior. Para além dos eventos reco-

nhecidos no registo geológico (nos vulcões centrais das Furnas, Fogo, Sete Cidades, Santa Bárbara, Pico Alto, Guilherme Moniz, Graciosa, Faial e Flores), ocorreram quatro eventos em período histórico, todas elas na ilha de S. Miguel. Destas erupções, duas tiveram lugar no interior da Caldeira das Furnas (1439-43 e 1630), uma no sistema fissural dos Picos (1652) e outra no vulcão do Fogo (1563). Este tipo de erupções apresenta a potencialidade de afectar toda uma ilha como se verificou em 1563 e 1630. Todavia, erupções muito maiores ocorreram nas ilhas em tempos pré-históricos e são essas que devem ser consideradas na avaliação do risco vulcânico associado aos vulcões centrais dos Açores. A equipa de investigação do GeoFCUL realiza trabalhos de geologia de regiões vulcânicas em Portugal (Açores, Madeira) e no estrangeiro (por exemplo Cabo Verde, S. Tomé e Marrocos) desde a década de 70. Estes estudos abrangem áreas como a estratigrafia, cartografia geológica, geomorfologia, geologia estrutural, neotectónica e paleossismologia, vulcanologia física, petrologia

Tabela I - Erupções Históricas nos Açores Erupção 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26

.Ano 1439-43 1562/63 1563/64 1580 1630 1638 1652 1672/73 1682 1718 1720 1720 1761 1800 1808 1811 1867 1902 1904 1907 1911 1957/58 1963 1964 1981 1998/01

Localização S. Miguel Pico S. Miguel S. Jorge S. Miguel no mar S. Miguel Faial no mar Pico Pico no mar Terceira no mar S. Jorge no mar no mar no mar no mar no mar no mar Faial no mar no mar no mar no mar

Estrutura Pico do Gaspar - Furnas Pico do Cavaleiro (actualmente Cabeços do Fogo) Lagoa do Fogo e Pico do Sapateiro (Pico Queimado) Ribeira do Almeida, Queimada e Ribeira do Nabo Lagoa Seca - Furnas Ao largo da Ponta da Candelária (S. Miguel) Picos de João Ramos e do Paio (Pico do Fogo) Cabeço do Rilha Boi (Cabeço do Fogo) e Pincarito Ao largo de Mosteiros (S. Miguel) Lomba de Fogo, Cabeço de Cima e Cabeço de Baixo Cabeço do Soldão (actualmente Cabeços do Fogo) Formou uma ilha no Banco D. João de Castro Picos das Caldeirinhas e Mistério Negro Ao largo da Ponta do Topo (S. Jorge) Pico do Pedro, Entre Ribeiras, Areias de Santo Amaro Ao largo da Ponta da Ferraria (S. Miguel), Ilha Sabrina Ao largo da Ponta da Serreta (Terceira) Ao largo da Ponta do Topo (S. Jorge) A sul da Ponta da Ferraria (S. Miguel) Junto à costa sul de S. Miguel Banco do Mónaco Capelinhos e explosões freáticas na Caldeira Ao largo do Cachorro (Pico) Ao largo a Oeste dasVelas (S. Jorge) Banco do Mónaco A WNW da Ponta da Serreta (Terceira)


José Madeira 25

e geoquímica. Os estudos referidos constituem contribuições para a análise da perigosidade vulcânica naquelas regiões

Figura 1 – Gravura reprsentando a erupção submarina de 1811 ao largo de S. Miguel que ficou conhecida como a erupção da ilha Sabrina, nome da fragata inglesa cujo comandante a reclamou para território britânico.

Referências Geldmacher, J.,Van den Bogaard, P., Hoernle, K. & Schmincke, H-U.,2000.The 40Ar/39Ar age dating of the Madeira Archipelago and hotspot track (eastern North Atlantic) Geochemistry, Geophysics, Geosystems, 1, Paper nr. 1999GC000018. Machado, F., 1958. Variação secular do vulcanismo açoreano. Bol. Núcleo Cultural da Horta 1(3): 225-235. Madeira, J., 1998. Estudos de neotectónica nas ilhas do Faial, Pico e S. Jorge: uma contribuição para o conhecimento geodinâmico da junção tripla dos Açores. Diss. Doutoramento, Univ. Lisboa, 481 p. Queiroz, G., Gaspar, J. L., Cole, P. D., Guest, J. E., Wallenstein, N., Duncan, A. M. & Pacheco, J., 1995. Erupções vulcânicas no Vale das Furnas (ilha de S. Miguel, Açores) na primeira metade do século XV. Açoreana, 8(1): 159-165. Silva, F. A. & Meneses, C. A., 1921. Elucidário Madeirense. 1ª edição, 2 vols. Weston, F. S., 1963/64. List of recorded volcanic eruptions in the Azores with brief reports.Bol. Museu Lab. Mineral. Geol. Fac. Ciências Lisboa, 10(1): 3-18. Zbyszewski, G., 1963. Les phénomènes volcaniques modernes dans l’archipel des Açores. Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal 47, 227 p.


26 Perigosidade vulc창nica em Portugal


Teresa Mira de Azevedo 27 GEONOVAS nº 23 eMaria 24:27 a 29, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Desastres naturais. Minimizar riscos maximizar consciencialização

Risco de inundação Maria Teresa Mira de Azevedo Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. tazevedo@fc.ul.pt

Palavras-Chave: Cheias; inundações; impactes; risco; Portugal

As inundações são dos desastres naturais os que maiores prejuízos económicos e perdas de vida implicam, os quais poderiam muitas vezes ser evitadas com um simples estudo geológico de previsão e/ou prevenção, determinando os riscos possíveis na área em causa. Têm origem natural, sendo geradas pela dinâmica externa da terra, através de alterações na atmosfera, porém, a sua frequência vai sendo alterada tanto por processos naturais como, e principalmente, por processos antrópicos. No século XX, as cheias foram o desastre natural mais mortífero em Portugal, seguidas pelos sismos: por cada morte devida aos sismos morreram sete pessoas devido às cheias. Um conceito importante é o da distinção entre cheias e inundações: todas as cheias provocam inundações, mas nem todas as inundações são devidas às cheias. Considera-se que há uma Cheia, quando um fluxo de água superficial confinado, cobre zonas adjacentes geralmente secas, podendo acarretar com isso perdas de vidas humanas e enormes danos económicos ou seja, existe uma cheia sempre que o rio transborda em relação ao seu leito ordinário, podendo originar a inundação dos terrenos ribeirinhos. No entanto, resultando de processos naturais, só serão consideradas catástrofes no caso de se traduzirem, de algum modo, num prejuízo para a vida humana, de forma directa ou indirecta, sendo a ocupação humana das áreas inundáveis a primeira causa do agravamento dos seus efeitos. As populações tiveram sempre tendência a implantar-se nos terrenos brandos e férteis das planícies de inundação, próximos das vias de transporte naturais que são os rios, e da fonte alimentar acessível que eles constituem. Dentro dos processos geológicos rápidos, como é o caso dos terramotos, tsunamis, erupções vulcânicas, avalanches e deslizamentos, as cheias rápidas, devidas a curtos períodos chuvosos mas de grande intensidade, relacionados fundamentalmente com depressões convectivas, são os mais perigosos, embora outros que se podem considerar lentos, tenham também uma enorme importância na economia. É o caso das cheias lentas, ainda que realizem uma função importante no equilíbrio ambien-

tal. Este tipo de cheias conhecidas como «cheias progressivas», causado por períodos de chuva abundante que se mantêm durante semanas, afecta principalmente as grandes bacias hidrográficas, provocando a inundação de amplas áreas e enormes estragos nas zonas agrícolas. A intervenção humana contribui fortemente para aumentar os efeitos das cheias, principalmente, nas zonas urbanas através da pavimentação que promove o escoamento e impede a infiltração. Outras intervenções revelam-se de grande impacto negativo na presença de cheias: a substituição das linhas de água naturais por condutas artificiais de reduzida secção, mais susceptíveis a entupimentos e de difícil manutenção, as frequentes estruturas implantadas nos canais activos e nas planícies de inundação — tais como pilares de pontes ou viadutos, muros e edifícios — que constrangem o fluxo de cheia, provocando uma rápida subida do nível de água e aumentando a velocidade da corrente, promovendo a erosão local. Este é um problemas que se verifica frequentemente junto aos pilares de pontes que se não forem alvo de uma monitorização periódica estão sujeitas a ruir. Para além destas intervenções, outras como modificações na bacia hidrográfica, intensificação da desflorestação com consequente, assoreamento dos rios, impermeabilizações do solo por vias de comunicação e inadequação dos sistemas de águas residuais e pluviais intensificam a frequência de cheias. Os principais impactes socio-económicos das cheias são a submersão de localidades e monumentos, a deslocação e desalojamento das populações, o corte de vias de comunicação e dos sistemas de abastecimento de água e de outros bens, a inundação de terras aráveis e a destruição de estruturas hidráulicas e outras. Os impactes no ambiente são por vezes catastróficos, pois podem, em questão de horas, alterar o canal fluvial e o próprio fundo de vale, através da erosão das margens, do assoreamento ou aprofundamento de alguns troços do canal. Para minorar os efeitos catastróficos das inundações imaginaram-se e construíram-se desde tempos imemoriais, sistemas de controle por diques, valas e represas a fim de impedir a passagem das águas para as margens


28 Risco de Inundação

ocupadas. Já os antigos egípcios, há 5 000 anos desviavam o curso do Nilo e represavam as suas águas para aumentar as colheitas e, há 2 000 anos, os chineses utilizavam diques para impedir as cheias. Também os Romanos construíram numerosas represas em torno do Mediterrâneo, muitas das quais existem ainda na Península Ibérica. À medida que a tecnologia avançou, mais cimento foi aparecendo ao longo dos canais fluviais, sob a forma de valas, absolutamente incapazes de suportar uma vida aquática diversificada, de represas e barragens, as quais ascendem agora a mais de 1000 em Espanha, um dos países da Europa com maior densidade de barragens por superfície. Em Portugal existem 35. A construção de barragens porém, tem sido uma das mais controversas formas de controlar os caudais. Por um lado, proporcionam um incremento na sua estabilidade e controle: transformam rios em importantes vias de navegação, permitem irrigar vastas regiões totalmente áridas e transformando-as nos maiores produtores agrícolas do mundo e geram energia hidroeléctrica. Mas, por outro lado, acarretam custos elevados e têm consequências bastante negativas. Estas obras de defesa e protecção contra as cheias ou medidas de correcção encontram-se entre os três tipos de medidas mitigadoras das cheias e visam a resolução de problemas de inundação em pontos especialmente críticos da bacia hidrográfica, a fim de impedir a passagem das águas para as margens ocupadas. As outras duas são as de conservação e de restauração. As primeiras visam a introdução de critérios de ordenamento de território, como a reflorestação e o ordenamento das áreas ribeirinhas. A desflorestação, deixando o terreno a nu e intensificando de maneira drástica a erosão e perda de solo, tem como consequência que toneladas de sedimentos sejam lançadas anualmente nos cursos fluviais, provocando o seu assoreamento e consequente diminuição da sua navegabilidade; o assoreamento leva a elevação do leito e ao extravasamento mais rápido das águas, sendo este fenómeno mais eficaz se o leito estiver canalizado. As medidas de restauração, procuram restabelecer as características naturais dos canais fluviais e dos ecossistemas ripícolas, ou seja, devolver aos rios o seu corredor fluvial original. Ao longo dos últimos anos defendem-se cada vez mais outras formas de controle de cheias como alternativa às grandes obras de engenharia, ou seja, medidas não estruturais como: mapas de delimitação de zonas inundáveis; monitorização de condições meteorológicas adversas; adequando regulamento de uso do solo. Uma simples representação das áreas afectadas por inundações ou Carta de Risco de Inundação, é um modo facilmente apercebido pelo público, continuando a ser um produto preciso e cientificamente válido para o estudo de cheias. Também uma política de gestão e de ordenamento do território e uma zonação bem planificada poderiam substituir as antigas soluções; porém, isso vem colidir em

absoluto com todos os interesses económicos implícitos, como as pressões de crescimento populacional e de desenvolvimento urbanístico, donde, enquanto os interesses económicos prevalecerem e enquanto não se compreender que os gastos com os prejuízos causados pelas inundações são superiores aos ganhos com essas estruturas, tudo continuará como até aqui. No entanto, são já frequentes principalmente em países mais desenvolvidos, medidas que impedem novas construções e o desenvolvimento das áreas mais baixas, ou ainda eliminação de quaisquer apoios financeiros estatais à reconstrução em tais áreas de risco. Inclusivamente, algumas povoações de pequena dimensão já foram deslocadas para áreas mais altas. Contudo, algumas pessoas que sempre viveram numa planície de inundação não querem mudar e preferem lidar com esse risco. Frequentemente, sentem-se aí seguras e esquecem, pelo habitual grande espaçamento entre cheias, os riscos e perigos eminentes, pois a maioria dos riscos geológicos tem lugar numa escala de tempo que se pode permitir não os presenciar no período de uma vida ou mesmo de várias gerações. E é também frequente na nossa época, que após uma grande inundação, os habitantes permaneçam no mesmo local com os apoios económicos do governo. Assim, as urbanizações ribeirinhas continuarão a criar problemas em termos de política pública devido aos elevados custos financeiros inerentes à sua protecção. Não obstante os progressos tecnológicos na monitorização das condições meteorológicas e uma melhor gestão de caudais, os riscos de cheias nunca serão eliminados, pelo que deve optar-se por medidas não estruturais como: mapas de delimitação de zonas inundáveis; monitorização de condições meteorológicas adversas, adequando regulamento de uso do solo. A teoria consensual sobre as alterações climáticas prevê uma aceleração do ciclo hidrológico e consequentemente alguns autores pensam que os eventos extremos, como as cheias e as secas, vão aumentar em frequência e severidade Em face dessas alterações, o regime de cheias vai certamente acompanhar a mudança sendo, por isso, importante que a população se consciencialize e aprenda a adaptar-se às práticas de prevenção e alerta, de forma a reduzir as consequências negativas deste fenómeno (Duband, 2002). A Teoria da Adaptação Geral ao Risco de Cheias, de Kates (1978), assume que a passagem de um padrão de ajustamento para o seguinte implica transpor um limiar do que é socialmente considerado um risco aceitável. Os três limiares definidos são: - o limiar da consciência que marca a passagem da ignorância do risco para o seu conhecimento, não sendo possível conceptualizar ajustamentos antes da consciência da exposição ao risco. É marcado pela identificação do perigo; - o limiar da acção que marca a passagem de um ajus-


Maria Teresa Mira de Azevedo 29

tamento de aceitação para outro, de redução das perdas. Existe a crença na possibilidade de controlo sobre a Natureza. Depende de estimativas do risco e na avaliação das suas consequência por parte das populações; - o limiar de tolerância que marca a passagem de ajustamentos de redução dos danos para ajustamentos de evitamento do perigo. Esta alteração corresponde à percepção dos riscos como intoleráveis e à modificação radical da ocupação da zona ameaçada. Exige uma avaliação social do risco. Os padrões de ajustamento comportamental aparecem em fases diferentes consoante o desenvolvimento das diferentes sociedades (pré-industrial, industrial, pósindustrial) e caracterizam-se por reacções individuais e reacções colectivas. Referências CE, 2004. Flood Risk Management: Flood Prevention, Protection and Mitigation. Commission of the European Communities, COM (2004) 472, Final, Brussels. Chien, N., 1985. Changes in River Regime After the Construction

Figura 1 – Marcas de Cheias; Reguengo do Alviela.

Figura 2 – Campos de Santarém em 1979.

of Upstream reservoirs. In Earth Surface Processes And Landforms. Volume 10, Issue 2, Pages 143–159, March/ April 1985.John Wiley & Sons, Ltd. Duband, D., 2002. Extreme Rainfall And Flood Events. In Autumn During 19th and 20th centuries in Southern Europe Basins Influenced by Mediterranean Meteorological Conditions.16:19-10-2002, Barcelone Spain. Kates, R. W. 1978. Risk Assessment of Environmental Hazards. SCOPE Report 8. John Wiley. L.N.E.C., 1983. Impacto das Actividades Humanas no Comportamento Hidrológico das Bacias Hidrográficas, LNEC, Lisboa. Ramos, M. C. M., 2008. Dinamica flivial e ordenamento do território. (Unidade Curricular do 2º Ciclo). Departamento geografia FLUL Rebelo, F., 1997. Risco e crise nas inundações rápidas em espaço urbano. Alguns exemplos portugueses analisados a diferentes escalas, Territorium, 4: 29-47. Smith, K. & Ward, R., 1998. Floods, Physical Processes and Human Impact. John Wiley Eds. 382 p. White, R., 1986. Geography resources and environment. Selected writings of Gilbert F. White (Geography, resources, and environment, Vol 1.

Figura 3 – Ponte velha sobre o Rio Almonda 2001.

Figura 4 – Ribeira de Santarém a 19/02/1912 (Foto J. Benoliel).


30 Risco de Inundação


ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

GEONOVAS nº 23 e 24: 31 a 33, 2010/2011 Fernando M. S. F. Marques 31

Desastres naturais. Minimizar riscos maximizar consciencialização

Instabilidades de vertentes: previsão, prevenção e tratamento Fernando M. S. F. Marques Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. fsmarques@fc.ul.pt

Palavras-chave: Vertentes; instabilidade; impactes; previsão, prevenção e tratamento

As instabilidades de vertente compreendem um conjunto complexo de movimentos em massa dos terrenos, em vertentes naturais e taludes artificiais, que são potencialmente geradores de perigo para as actividades humanas. Trata-se de fenómenos com escala dimensional muito variada, desde quedas de blocos em escarpas, com volumes da ordem do decímetro cúbico, até escorregamentos profundos envolvendo milhões de metros cúbicos, passando por movimentos de dimensão intermédia (escorregamentos, desabamentos, fluxos ou escoadas e tombamentos ou balançamentos), que tem impacto crescente em estruturas e provocam numerosas perdas de vidas. A ocorrência das instabilidades de vertentes está intimamente ligada a eventos extremos de actividade dos factores naturais que os podem desencadear, como chuvas excepcionalmente intensas e/ou prolongadas, fusão rápida de neve, sismos e inundações. Estes factores têm efeitos instabilizadores em locais onde os terrenos têm deficientes características de resistência, se encontram enfraquecidos por degradação lenta ao longo do tempo ou estão compartimentados por fracturas com orientação desfavorável e, por outro lado, onde os processos activos da geodinâmica externa modelaram a configuração das encostas de forma a criar condições de instabilidade potencial. Acrescem a estas situações, a instabilidade induzida por deficientes práticas de uso do solo ou mesmo intervenções humanas que tem como resultado o aumento do comprimento, altura ou declive das encostas, modificações nos regimes de infiltração e circulação de água nos terrenos, escavações no sopé e instalação de sobrecargas (construções) na parte superior das vertentes. Neste contexto, definem-se causas ou factores condicionantes, que preparam a longo prazo as condições para que as roturas possam ocorrer, e factores desencadeantes, que agravam as condições de estabilidade das encostas, geralmente de forma muito rápida, levandoas a atingir os limiares de estabilidade e à consequente rotura. O estudo das instabilidades de vertente tem sido de-

senvolvido em duas linhas principais que se complementam entre si: estudos de caso, visando a determinação dos mecanismos físicos intervenientes, incluindo causas e factores desencadeantes; estudos regionais orientados no sentido de determinar quantitativamente e preferencialmente em termos probabilísticos as componentes espaciais, temporais e de magnitude da perigosidade. Os primeiros apoiam-se em conhecimentos da área da Mecânica do Solos e da Mecânica da Rochas, estando particularmente vocacionados para o tratamento de instabilidades localizadas ou para a derivação de modelos que incorporam de forma mais ou menos completa, os efeitos de variáveis que tem influência directa na estabilidade das encostas essencialmente formadas por solos (precipitação; escorrência superficial e subterrânea; posição do nível piezométrico; evolução no tempo de frentes de saturação; variação da resistência de solos com a saturação em água, por anulação de tensões neutras negativas e incluindo os efeitos da sucção capilar ou matricial) ou por maciços rochosos (compartimentação; resistência ao deslizamento de descontinuidades; presença de zonas de baixa resistência; alteração rápida de alguns tipos litológicos; posição do nível piezométrico e fluxo e distribuição de pressão da água ao longo das fracturas). Nos segundos, destinados a prever a componente espacial da perigosidade à escala regional, utilizam-se abordagens metodológicas diferenciadas para obter resultados quantitativos que devem ser validados utilizando técnicas estatísticas padrão. De facto, não considerando métodos qualitativos cuja utilização já não é compatível com o estado actual dos conhecimentos, as abordagens metodológicas quantitativas podem ser incluídas em dois grandes grupos: (1) Abordagens fundamentalmente baseadas em métodos estatísticos, que efectuam correlação espacial entre factores condicionantes das instabilidades (declive, litologia, estrutura, exposição, curvatura e comprimento das vertentes, uso do solo, etc.) e as ocorrências registadas em inventários de instabilidades ocorridas no passa-


32 Instabilidades de vertentes: previsão, prevenção e tratamento

do, utilizando técnicas estatísticas bi ou multi-variadas. Estas fornecem ponderações objectivas para a influência dos diferentes factores na ocorrência das instabilidades, que são incorporadas em modelos de previsão. (2) Abordagens baseadas em processos físicos, fundamentalmente apoiadas na aplicação de métodos de análise de estabilidade de equilíbrio limite (talude infinito em solos ou escorregamento planar em maciços rochosos), que utilizam estimativas de um conjunto de variáveis de natureza física (espessura da fatia potencialmente instável, declive, posição do nível piezométrico) e mecânica (coesão, ângulo de atrito interno), determinadas por ensaios específicos frequentemente complementados por retroanálise de instabilidades tipo ocorridas no passado. A espacialização daquele conjunto de variáveis é, na maior parte dos casos, apoiada em cartografia de carácter lito-estratigráfico com maior ou menor resolução. Apesar de corresponderem no essencial a modelos de “caixa negra”, os métodos baseados em análise estatística tendem a produzir resultados de melhor qualidade do que os modelos de base física, o que se deve a pelo menos a três factores principais: extrema dificuldade em modelar rigorosamente a repartição espacial das variáveis de entrada, em especial da espessura de terreno potencialmente instável e da posição do nível piezométrico; extrema dificuldade em realizar cartografia de pormenor que reflicta de forma rigorosa as variações das propriedades de entrada do modelo na totalidade das áreas em estudo; até ao momento só foi possível aplicar modelos de análise exacta, muito simples, não sendo ainda possível aplicar, à escala regional, modelos de análise de estabilidade mais complexos, como os métodos mais rigorosos utilizados para análise de estabilidade de equilíbrio limite para escorregamentos circulares (Bishop, Jambu, Morgenstern & Price, GLE). Em Portugal existem zonas particularmente susceptíveis à ocorrência de instabilidades de vertente (Fig. 1a), fundamentalmente devido ao relevo vigoroso (algumas regiões graníticas do norte de Portugal, vale do Douro, regiões autónomas dos Açores e Madeira) frequentemente associado a deficientes características de resistência dos terrenos (terrenos jurássicos da região a norte de Lisboa, formações detríticas e argilosas cenozóicas da região de Santarém, entre outras), ou a contextos em que a erosão no sopé é particularmente intensa, como no caso das arribas litorais (Fig. 1b). A importância e significado económico e social das instabilidades de vertente têm assumido importância crescente, em relação directa com a expansão da construção e das obras de engenharia, frequentemente para áreas menos favoráveis em termos do relevo e das características de resistência dos terrenos. É ainda de notar que, no quadro dos desastres naturais, o impacto das instabilidades de vertente tende a ser

subavaliado, por os seus efeitos serem genericamente atribuídos aos eventos extremos que os desencadeiam (chuvas excepcionais, inundações e sismos) e ocorrerem de forma dispersa em regiões mais ou menos vastas, tornando particularmente difícil o inventário rigoroso de perdas. Neste contexto, não surpreende a inclusão desta problemática no ordenamento do território e em figuras normativas (Julião et al., 2009) ou do quadro legal, como a REN ou o PNPOT, o que reforça a necessidade de prosseguir os esforços de investigação, centrados na determinação da perigosidade associada à ocorrência de instabilidades de vertente, incluindo a caracterização de processos e mecanismos de instabilização principais, de forma a estabelecer medidas de prevenção, tratamento e mitigação tendentes à redução dos efeitos deste perigo natural com importância e impacte crescente nas actividades humanas. Referências Julião, R. P, Nery, F., Ribeiro, J. L., Branco, M. C. & Zêzere, J. L., 2009. Guia metodológico para a produção de cartografia municipal de risco e para a criação de sistemas de informação geográfica (SIG) de base municipal. http://www.proteccaocivil.pt/Documents/guia_metodologico_SIG.pdf. Marques, F. M. S. F., 1997. Evolução de arribas litorais: Importância de estudos quantitativos na previsão de riscos e ordenamento da faixa costeira. EUROCOAST-PORTUGAL Colectânea de Ideias sobre a Zona Costeira de Portugal, Associação, Porto, p. 67-86. Marques, F. M. S. F., 2009 Prevenção dos perigos associados à evolução de arribas nos POOC. Tágides, 5, “Os Planos de Ordenamento da Orla Costeira. Balanço e Reflexões”, p. 133-138, Lisboa. Marques, F., Taborda, R. & Carreira, D., 2010. Sea cliff instability hazard assessment at regional scale: a case study in the western coast of Portugal. EGU General Assembly 2010. Geophysical Research Abstracts, 12, EGU2010-14431, 2010. PNPOT - Lei n.º 58/2007, de 4 de Setembro. REN - Decreto-Lei nº 166/2008, de 22 de Agosto. Turner, A. K. & Schuster, R. L., 1996. Landslides. Investigation and mitigation. Special Report 247, Transportation Research Board. Zêzere, J. L., 2001. Distribuição e ritmo dos movimentos de vertente na região a norte de Lisboa. Centro de Estudos Geográficos, rel. 38. Zêzere, J. L., Ramos-Pereira, A. & Morgado, P., 2007. Perigos Naturais em Portugal e Ordenamento do Território. E depois do PNPOT? Geophilia - O sentir e os sentidos da Geografia, C.E.G., Lisboa, p.529-542.


Fernando M. S. F. Marques 33

Figura 1 – a) susceptibilidade à ocorrência de instabilidades de vertentes baseada no declive e litologia (adaptado de Zêzere et al., 2007); b) inventário de instabilidades (1947-2008/9) e susceptibilidade à ocorrência de instabilidades em arribas litorais dos concelhos de Sintra e Cascais baseada na litologia, altura das arribas, potência média anual das ondas, protecções de sopé e declive médio (adaptado de Marques et al., 2010).


34 Instabilidades de vertentes: previsão, prevenção e tratamento


ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

GEONOVAS nº 23 e 24:Anselmo 35 a 36, 2010/2011 Eduardo Ferreira da Silva 35

Terra e saúde. Construir um ambiente mais seguro

O impacto do As, Hg, F, Se e I na saúde humana e ambiente Eduardo Anselmo Ferreira da Silva GeoBioTec - Geobiociências, Geotecnologias e Geoengenharias. Departamento de Geociências. Universidade de Aveiro. Campus de Santiago. 3800-003 Aveiro. eafsilva@ua.pt

Palavras-Chave: Geologia Médica; toxicidade; dispersão multi-elementar natural e antrópica

A relação entre geologia e medicina é antiga. Hipócrates, por exemplo, já descrevia a intoxicação em mineiros por chumbo, por volta de 375 A.C. Georgius Agrícola, no último capítulo do seu livro “De Re Metallica”, descreveu algumas doenças entre mineiros, no século XVI. Apesar dessa ligação, a denominação de Geologia Médica foi criada recentemente. A Geologia Médica estuda a relação entre metais pesados tóxicos e seu impacto no meio ambiente e na saúde humana. De acordo com o Dr. Olle Selinus, no seu artigo sobre geologia médica, esta disciplina estuda a influência de factores geológicos ambientais sobre a saúde humana e dos animais (Centeno, 2007; Selinus, 2000, 2007) . Mundialmente a Geologia Médica tem vindo a conquistar um lugar de destaque já que deixou de ser uma especialidade exclusiva da Geoquímica ou das Geociências, passando a ser um domínio de pesquisa interdisciplinar no qual actuam geólogos, biólogos, médicos, toxicologistas, epidemiologistas, profissionais de saúde entre outros (Fig. 1). Esta disciplina estuda, por exemplo, a exposição excessiva ou a deficiência de elementos e minerais; a inalação de poeiras minerais provenientes de emissões vulcânicas; o transporte, as modificações e a concentração de compostos orgânicos; a exposição a micróbios, entre outras complicações na saúde relacionadas às condições geológicas. Deficiências, excessos ou desequilíbrios na concentração desses elementos na dieta podem causar sérias consequências na saúde humana e animal e aumentar a sensibilidade a doenças. Exemplos de contaminação humana gerada por factores ambientais podem ser encontrados em praticamente todo o mundo, desde a China até a Argentina, passando pela Europa e Estados Unidos (Bowman et al., 2003; Centeno, 2003, 2007; Skiner, 2007). São clássicas as conexões conhecidas há muito tempo entre a saúde e deficiência ou excesso de elementos como I, F, Se e As. Solos e águas deficitárias em iodo são responsáveis pelo aumento da tiróide em milhões de

pessoas em países do terceiro mundo. Na China, milhões de pessoas sofrem de fluorose dental devido a excesso de flúor nas águas consumidas. Dependendo do nível de intoxicação, pode ocasionar, ainda, a deformação de ossos (osteofluorose) e o envelhecimento precoce. Deficiências de Se em solo têm correlação positiva com incidência de miocardite. O consumo de água com excesso de As desenvolve feridas generalizadas e fenómenos de carcinogénese.

Figura 1 – Geologia Médica: área científica multidisciplinar e interdisciplinar (Centeno, 2007).

Conhecendo melhor como ocorre a distribuição espacial dos problemas de saúde provocados por factores geológicos, a Geologia Médica pode actuar de forma não apenas correctiva, mas também preventiva. Identificada uma área que contém um elemento natural potencialmente nocivo à saúde, é possível adoptar acções para a correcção do problema ou mesmo evitar que ele venha a ter impacto na saúde humana e nos animais. Referências Bowman, C. A., Bobrowsky, P. T. & Selinus, O., 2003. Medical geology: new relevance in the earth sciences, Episodes, Journal of International Geosciences 26(4): 270– 277.


36 O impacto do As, Hg, F, Se e I na saúde humana e ambiente

Centeno, J. A, 2007. Medical Geology: impact of the Natural Environment on Public Health. XXVIII Convención Minera-EXTEMIN 2007, Instituto de Ingenieros de Minas del Peru. Gomes, C. S. F. & Silva, J. B. P., 2006. Os Minerais e a Saúde Humana: Benefícios e Riscos / Minerals and Human Health: Benefits and Risks, Gomes, C. & Silva, J. (Eds.), 299p.

Selinus, O. & Frank, A., 2000. Medical Geology – Chapter 10 of Environmental Medicine. (Ed.) Lennart Möller. Sweden, p. 164-182. Selinus, O., 2004. Medical Geology: an emerging speciality. Thematic contribution. Terrae 1(1): 8-15 Skinner, H. C. W., 2007. The Earth, Source of Health and Hazards: an introduction to Medical Geology. Annu. Rev. Earth Planet. Sci. 35:177–213


ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Maria Rosário Carvalho 37 GEONOVAS nº 23 e 24: 37do a 38, 2010/2011

Terra e saúde. Construir um ambiente mais seguro

Arsénio: um contaminante natural Maria do Rosário Carvalho Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. mdrcarvalho@fc.ul.pt

Palavras-Chave: Arsénio, toxicidade, mobilidade

Elemento amplamente distribuído na crosta terrestre, o As ocorre em concentrações vestigiais em rochas, solos, água e ar. Sob determinadas condições ambientais, é facilmente removido e acumulado pelas águas, em concentrações nocivas para os seres vivos. Os seus efeitos, por ingestão ou inalação, vão desde a toxicidade aguda a crónica e incluem cancro da pele (Fig. 1), pulmão, bexiga, próstata, entre outras doenças (EPA, 2000).

Figura 1 – Sinais de cancro de pele de um habitante do Bangladesh, (imagem do British Geological Survey, http://www.bgs.ac.uk/arsenic/bphase1/b_intro.htm).

A Organização Mundial de Saúde (WHO, 1993) recomenda que a concentração máxima de As na água para consumo humano seja de 10 μg/L. Portugal, como membro da União Europeia (Directiva 67/548/EEC), e através do Decreto-lei n.º 306/2007 de 27 de Agosto, regula também o valor de referência para o As de apenas 10 µg/L, considerando que este valor salvaguarda a saúde pública das populações. Nos Estados Unidos da América, alguns estados baixaram o valor permitido para 5 μg/L de As, limite difícil de adoptar em muitas regiões do mundo. A contaminação por As resulta da actividade geológica natural e da actividade humana. As fontes naturais abrangem minerais e rochas que contêm As, fenómenos vulcânicos e actividade hidrotermal. As fontes de con-

taminação antropogénicas incluem actividades relacionadas com a exploração de jazigos minerais, preservação da madeira, aplicação de pesticidas na agricultura e queima de carvão natural. O mineral de arsénio mais comum é a arsenopirite (FeAsS) e encontra-se em muitos tipos de depósitos minerais, nomeadamente em depósitos de sulfuretos associados a mineralizações de ouro. Os fenómenos vulcânicos libertam As volátil que é incorporado nas águas, subterrâneas e superficiais e emitido para a atmosfera. Nos sistemas hidrotermais, nomeadamente nos de alta entalpia, o As é um componente importante devido à sua remoção, a alta temperatura, durante os processos de interacção água-rocha. A mobilidade do As na água é fortemente condicionada: pelo pH da água; reacções de oxidação-redução; formação de complexos solúveis; reacções de adsorçãodesadsorção; processos de dissolução-precipitação de fases secundárias. O As é móvel a valores de pH típicos de águas subterrâneas (pH 6,5-8,5), em ambiente redutor e oxidante, podendo ocorrer sob diferentes estados de oxidação (-3, 0, +3, +5), os quais condicionam a sua toxidade. Em águas redutoras ocorre como As(III), formando as espécies aquosas H3AsO30 e AsS(OH)(HS)- em águas sulfúreas (ricas em H2S). Em águas oxidantes o As apresenta-se com estado de oxidação As(V), sob as formas aquosas H2AsO4- e HAsO42- em pH ácido e básico, respectivamente, (Fig. 2; Brookins, 1988). Os processos de adsorção-desadsorção e de co-pecipitação do As ainda não estão bem compreendidos, mas conhece-se grande afinidade deste elemento com óxidos e hidróxidos, carbonatos e argilas. A concentração de As é controlada pela solubilidade de sulfuretos, em ambiente redutor, e pela solubilidade dos óxidos e hidróxidos de ferro e manganês, em ambiente oxidante. O caso mais dramático de contaminação por As é conhecido no Bangladesh onde envenenamento acidental, por consumo de água subterrânea contaminada, atingiu cerca de 125 milhões de habitantes.


38 Arsénio: um contaminante natural

tado da dissolução de rochas vulcânicas a alta temperatura, contribuição de As volátil de origem vulcânica e ocorrência de ambientes redutores, devido à dissolução de H2S gasoso. Referências

Figura 2 - Diagrama Eh-pH para espécies aquosas de As, no sistema As-O2-H2O a 25ºC e 1atm de pressão.

Em Portugal, encontram-se águas superficiais e subterrâneas com concentrações de As superiores ao valor legislado: em regiões onde ocorrem mineralizações auríferas e de sulfuretos, e nos sistemas hidrotermais de alta temperatura no Arquipélago dos Açores (Carvalho et al., 2006, 2007). No primeiro caso, os processos de oxidação de sulfuretos e de desadsorção de óxidos e hidróxidos de ferro são apontados como os principais responsáveis por elevadas concentrações de As nas águas, algumas das quais captadas para consumo humano. Nos sistemas hidrotermais associados aos vulcões activos dos Açores as concentrações de As são elevadas, como resul-

Brookins, D. G., 1988. Eh-pH Diagrams for Geochemistry. Springer-Verlag, Berlin. Carvalho, M. R., Nunes, J. C., Acciaioli, M. H., França, Z. & Forjaz, V. H., 2006. Processes controlling the distribution of As in ground waters of S. Miguel Island (Azores). Livro de Resumos das 4ª Jornadas Internacionais de Vulcanologia da Ilha do Pico, 2-6 Mai., p. 28-30. Carvalho, M. R., Nunes, J. C. & Acciaioli, M. H., 2007. Trace elements in groundwater of active stratovolcanoes in S. Miguel Island (Azores). XV Semana de Geoquímica, VI Congresso Ibérico de Geoquímica, 1621 Jul., Vila Real., Tema 10, p. 438-441. Em CDROM. EPA, Office of Water, 2000. Technical Fact Sheet: Proposed Rule for Arsenic in Drinking Water and Clarifications to Compliance and New Source Contaminants Monitoring [EPA 815-F-00011], disponível em http://www.epa.gov/safewater/ ars/-prop_techfs.html. WHO 1993. Water, Sanitation and Health: Guidelines for Drinking Water Quality, information extracted from World Health Organization, Guidelines For Drinking-Water Quality, 2nd edition, Vol. 1 (Geneva: World Health Organization, 1993), p. 41-42. Disponível em http://www.who.int/water_sanitation_ health/GDWQ/Chemicals/arsenicsum.htm.


GEONOVAS nº 23 e 24: 31Mário a 40,Abel 2010/2011 Gonçalves 39

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Terra e saúde. Construir um ambiente mais seguro

Drenagem ácida de minas Mário Abel Gonçalves Dep. Geologia e CREMINER-ISR, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. mgoncalves@fc.ul.pt

Palavras-chave: Drenagem ácida; pirite; sulfato; oxidação; minas; escombreiras

É difícil, para não dizer impossível, imaginar a sociedade actual sem a exploração de recursos minerais metálicos, fonte essencial para o fabrico da miríade de materiais e componentes dos mais diversos instrumentos, máquinas e simples utensílios usados em prol do conforto do nosso dia-a-dia. Contudo, o usufruto destes bens tem um preço que não é desprezável e que se traduz em impactos ambientais mais ou menos extensos. A consciência crescente desta realidade conduz inevitavelmente à ideia da exploração sustentada dos recursos naturais, minimizando os impactos directos no ambiente durante o processo extractivo, mas também à recuperação de áreas mineiras abandonadas ou findo o período de extracção das actualmente no activo. A exploração dos recursos naturais, nomeadamente os metálicos, tem como principal consequência a colocação à superfície de massas significativas de materiais resultantes dessa exploração sob a forma de escombreiras. As escombreiras de minas são acumulações de materiais rochosos soltos e rejeitados que foram sujeitos a processos de trituração e separação. Estes materiais, e em especial certas fases minerais outrora em equilíbrio com o meio em que se encontravam inseridas, ao estarem em contacto com a atmosfera oxidante do Planeta e sujeitos à percolação de águas pluviais, possuem duas características fundamentais que elevam notoriamente a sua degradação química e reactividade em geral: a permeabilidade e área superficial elevadas. A causa principal da drenagem ácida de minas corresponde a mecanismos de oxidação dos sulfuretos presentes nas escombreiras, mesmo que em concentrações bem menores que as da massa mineral explorada, ou noutras massas rochosas que contenham sulfuretos, tais como níveis de lenhito e carvão. Do conjunto de sulfuretos comuns, é a pirite (FeS2) cuja oxidação e dissolução constitui a principal fonte de acidez das águas de escorrência das escombreiras, as quais atingem facilmente valores de pH inferiores a 2. O processo de oxidação da pirite tem como principais agentes oxidantes o oxigénio molecular e o ferro férrico (Fe3+), segundo as reacções químicas:

FeS2+7/202+H2O↔ Fe2++2SO42- + 2H+ FeS2+14/Fe3++8H2O ↔ 15Fe2++ 2SO42- + 16H+ Dependendo do mecanismo seguido, a acidez gerada é consideravelmente diferente (um factor de 8). Enquanto que em meio subaéreo não há limite quanto ao fornecimento de oxigénio, o mesmo não se passa com o Fe3+, já que e a cinética de oxidação abiótica do ferro ferroso (Fe2+) é relativamente baixa sob várias condições. No entanto, a presença de bactérias quimio-autotróficas nestes ambientes como Acidithiobacilus ferrooxidans e Leptospirilum ferrooxidans, altera este cenário de forma determinante. Estas bactérias retiram energia dos processos de oxidação do enxofre e do ferro, com a consequente geração de acidez e de sulfato. Sendo um processo catalítico, as bactérias constituem a chave que fecha o ciclo da segunda reacção de oxidação da pirite: o Fe2+ produzido é regenerado para Fe3+, gerando assim um ciclo autocatalítico.

Figura 1 – Achada do Gamo (S. Domingos, Portugal); vista geral dos impactes associados à drenagem ácida.

A actividade bacteriana pode gerar algo como 10% de ácido sulfúrico, a que corresponde um pH de aproximadamente zero, e casos há em que se registaram valores de


40 Drenagem ácida de minas

pH negativos. Sob tais condições ácidas, os metais constituintes dos minerais entram muito facilmente em solução levando às elevadas concentrações existentes nestas águas. A outra espécie química importante nos sistemas de drenagem ácida é o próprio Fe3+, o qual apesar de bastante insolúvel acaba por se manter em solução em concentrações elevadas sob a forma coloidal, dando a característica cor vermelho escuro às águas de drenagem ácida. Existem processos mitigadores de drenagem ácida que passam fundamentalmente pela neutralização das águas ácidas e indução da precipitação de fases minerais estáveis que incorporem os metais em solução. De entre os métodos disponíveis inclui-se a introdução de carbonatos ou a construção de zonas pantanosas ricas em matéria orgânica (wetlands). Contudo existem áreas mineiras cujos métodos de remediação disponíveis não trazem soluções sequer viáveis, acabando por se manter como zonas circunscritas sujeitas a monitorização contínua. Esta realidade serve para nos fazer recordar que mesmo na possibilidade de implementar soluções viáveis, a mineração sustentada é um aspecto fulcral na extracção de recursos minerais dos tempos actuais.

Referências A literatura sobre geoquímica de drenagem ácida de minas está muito dispersa, essencialmente em revistas científicas, faltando ainda um livro de referência que sintetize o conhecimento já acumulado nesta área. De seguida paresentam-se algumas sugestões. Baker, B. J. & Banfield, J. F., 2003. Microbial communities in acid mine drainage, FEMS Microbiology Ecology, 44: 139-152. Bigham, J. M. & Nordstrom, D. K., 2000. Iron and Aluminum Hydroxysulfates from Acid Sulfate Waters, Reviews in Mineralogy and Geochemistry, vol. 40, Mineralogical Society of America and Geochemical Society, p. 351-403. Jambor, J. L., Blowes, D. W. & Ritchie, A. I. M., 2003. Environmental Aspects of Mine Wastes. Mineralogical Association of Canada Short Courses, vol. 31, 436 p. Nordstrom, D. K. & Southam, G., 1998. Geomicrobiology of Sulfide Mineral Oxidation, Reviews in Mineralogy, vol. 35, Mineralogical Society of America, p. 361-390.


GEONOVAS nº 23 e 24: 41 a J.42, 2010/2011 Lopo Mendonça 41

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Terra e saúde. Construir um ambiente mais seguro

Perímetros de protecção de captações de água subterrânea destinadas ao abastecimento público J. Lopo Mendonça Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. lopomend@sapo.pt

Palavras-chave: Água subterrânea; captações; perímetros de protecção

Como consequência dos modelos de desenvolvimento das sociedades contemporâneas, são cada vez mais perceptíveis a alteração dos regimes hidrológicos, a contaminação das águas subterrâneas e a necessidade de definir estratégias de protecção dos recursos hídricos. Esta protecção, encarada na perspectiva preventiva, no caso dos aquíferos e das captações para abastecimentos públicos, engloba a delimitação de perímetros de protecção. No âmbito da União Europeia, a Directiva Quadro da Água (Directiva 200/60/CE) responsabiliza os estados membros pelo estado quantitativo e qualitativo dos seus recursos hídricos, exigindo a identificação e a protecção das massas de água destinadas à captação de água para consumo humano. Em Portugal, os Decretos-Lei 84/90, 86/90 e 90/90 estabelecem os princípios orientadores para a delimitação dos perímetros de protecção das águas de nascente e das águas minerais. O Decreto-Lei nº 382/99 define as normas e os critérios para a delimitação de “perímetros de protecção de captações de águas subterrâneas destinadas ao abastecimento público”. De acordo com este diploma, o perímetro de protecção é a área contígua à captação na qual se interditam ou condicionam as instalações e as actividades susceptíveis de poluírem as águas subterrâneas Segundo a legislação nacional referida, os perímetros devem ser fundamentados em estudo hidrogeológico e podem englobar três zonas de protecção: imediata, intermédia e alargada. A delimitação do perímetro de protecção deverá fundamentar-se em estudo tão completo quanto possível elaborado na perspectiva adequada - que englobe, entre outros, os aspectos essenciais do ambiente, da hidrometeorologia, da geomorfologia, da pedologia, da geologia, da hidrologia de superfície e subterrânea, da hidroquímica e da hidrobiologia. O estudo deve ser orientado de modo a poderem ser avaliados: (1) a vulnerabilidade à poluição das formações hidrogeológicas; (2) o risco de poluição; (3) o poder depurador da cobertura e do aquífero; (4) o rebaixa-

mento e as zonas de influência e de chamada da captação; (5) as fronteiras dos escoamentos e dos sistemas hidrogeológicos; (6) o tempo de propagação ou de trânsito das poluições. Os métodos que permitem delimitar os perímetros de protecção são diversos, a sua escolha dependerá do tipo de aquífero e do critério delimitador. O método a aplicar e o grau de quantificação dependem da informação disponível: em extremos opostos, a utilização de distâncias arbitrárias (que não consideram a fenomenologia do escoamento e do transporte de massa) e os modelos numéricos. Consideram-se como técnicas de apoio e complementares, o cálculo do poder autodepurador dos terrenos, os estudos com traçadores e as datações com trítio e com CFCs. Mendonça (2006) apresentou algumas reflexões sobre a aplicação do método de rastreio de partículas associado a modelos de fluxo em diferenças finitas (DF) no âmbito da delimitação de perímetros de protecção de furos de captação de água subterrânea. Esta delimitação pressupõe apenas o movimento advectivo dos contaminantes, como é, em regra, considerado na prática corrente. Os resultados apresentados demonstram que o método do rastreio de partículas associado a modelos de fluxo em DF constitui um método muito robusto para delimitar perímetros de protecção. Contudo, na simulação deve ser ponderada a dimensão das células onde se localizam os furos a proteger, o que raramente era considerado na bibliografia e na prática portuguesa (Fig. 1). Demonstrou-se que há uma relação inversa entre a dimensão da célula onde se localiza o furo de captação e as dimensões a montante, jusante e perpendicular da zona de protecção intermédia. No caso da zona de protecção imediata estas dimensões ainda são mais sensíveis à dimensão da célula, seguindo uma linha de tendência exponencial. A delimitação da zona de protecção alargada, pelo contrário, é menos afectada pela dimensão daquela célula. Para além da dependência da dimensão da malha, a forma e extensão das zonas de protecção dependem das


42 Perímetros de protecção de captações de água subterrânea destinadas ao abastecimento público

características e das condições de fronteira dos aquíferos, do caudal de exploração dos furos e do tempo utilizado como critério delimitador.

Naquele trabalho, enfatiza-se a importância da porosidade eficaz que afecta os cálculos de duas maneiras muito importantes: é um factor na determinação da velocidade média linear, que controla o transporte advectivo, e determina o volume total dos poros da célula onde se armazena o contaminante. Sabe-se que a porosidade eficaz é praticamente desconhecida para quase todos os aquíferos portugueses. Regra geral, consideram-se valores genéricos retirados da bibliografia internacional ou valores indicativos transcritos no Anexo do Decreto-Lei nº 382/99. Chama-se, por isso, a atenção para os erros de avaliação significativos que podem ser cometidos e para a necessidade de incrementar a investigação sobre este parâmetro. Finalmente, a delimitação de perímetros de protecção deverá ser encarada numa perspectiva de desenvolvimento sustentado, em que se procura uma solução equilibrada e duradoira entre a preservação dos recursos hídricos e a actividade socioeconómica da área ou da região. Referências

Figura 1 – Zonas de protecção intermédia delimitadas com discretização em malha quadrada com lado de 100 m e em malha telescópica conforme metodologia proposta.

Mendonça, J. L., 2006. Delimitação de perímetros de protecção de furos de captação de água subterrânea pelo método de rastreio de partículas associado a modelos de fluxo em diferenças finitas. Recursos Hídricos, Lisboa, 27(1): 33-42.


J. Figueiras 43 GEONOVAS nº 23 e 24: 43 a 44, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Terra e saúde. Construir um ambiente mais seguro

Poluição química em aterros sanitários J. Figueiras Dep. Geologia e CREMINER-LA/ISR, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Campo Grande, 1749-017 Lisboa. e-mail jmvf@fc.ul.pt

Palavras-chave: Aterros sanitários; estanquicidade; dispersão de agentes contaminantes; impactes ambientais

A procura do bem-estar é uma constante da vida humana cuja expressão depende de modo crítico não só dos valores culturais de cada época e nação, como também das capacidades científicas e tecnológicas à disposição do homem em cada momento histórico. A actual constelação cultura-ciência-tecnologia põe à nossa disposição uma panóplia de aparelhos, utensílios e produtos, absolutamente inimagináveis há 200 anos atrás, cuja utilização acaba por subtrair a nossa vida à maioria dos constrangimentos ecológicos da biosfera e nos fazem viver confortavelmente de modo quase independente das condições exteriores. Esses aparelhos, utensílios e produtos são constituídos geralmente por materiais inexistentes na natureza, muitas vezes com composições químicas totalmente anómalas quando comparadas com os materiais naturais constituintes das rochas ou dos solos. Como é fácil de entender, a generalidade desses materiais está em desequilíbrio químico com o ambiente e, se abandonados após o seu período normal de utilização, degradam-se com relativa rapidez, espalhando-se os seus componentes sob a forma de espécies químicas (moleculares ou iónicas) muitas vezes dotadas de toxicidade elevada para sectores mais ou menos vastos da biosfera. A constatação destes factos tem levado nas últimas décadas a uma grande atenção às fases de fim de vida dos objectos e produtos manufacturados, centrando-se as prioridades em três linhas principais de actuação: - reciclagem, com reutilização dos materiais constituintes de objectos manufacturados em desuso; - inertização química por vários métodos (confinamento com materiais refractários e inertes para certos objectos e produtos metálicos ou oxidação extrema por combustão para o caso de moléculas orgânicas tóxicas); - abandono controlado em instalações seladas ou semi-seladas (aterros sanitários ou aterros industriais); Os aterros sanitários são instalações para deposição permanente de objectos para os quais não há qualquer

uso nem possibilidade de reutilização ou reciclagem. Em geral, os aterros sanitários recolhem o vulgar lixo doméstico e os “rejeitados” industriais cuja natureza é mais ou menos semelhante à do lixo doméstico ou, não o sendo, inclui exclusivamente materiais (vulgarmente conhecidos por resíduos industriais não perigosos) cuja natureza faça pressupôr um risco relativamente baixo em caso de dispersão no ambiente. Conceptualmente, os aterros sanitários são áreas destinadas à recolha dos materiais referidos, cuja superfície de deposição é constituída por um revestimento complexo que tem a função de impedir qualquer passagem dos materiais depositados (ou dos seus produtos de alteração) para as formações geológicas subjacentes. A instalação é construída de tal modo que as águas pluviais caídas sobre os materiais depositados são integralmente recolhidas e tratadas antes de transmitidas à rede fluvial natural, o mesmo acontecendo a todas as substâncias líquidas resultantes das inúmeras reacções químicas que têm lugar na pilha de materiais acumulados. No fim da vida útil do aterro, estes materiais são cobertos por um revestimento destinado a impedir o seu contacto com o ambiente (atmosfera e biosfera), ficando, em princípio, totalmente confinados entre duas superfícies impermeáveis. Verifica-se, pois, que a eficácia do aterro como barreira contra a dispersão ambiental dos materiais nele depositados depende criticamente da estanquicidade dos revestimentos inferior e superior. A experiência com aterros sanitários já construídos tem mostrado que, por várias razões inultrapassáveis, esta estanquicidade nunca é total e que os aterros sanitários são sempre uma fonte de dispersão de substâncias químicas indesejáveis. Portanto, na impossibilidade de construir aterros totalmente estanques, deve considerar-se que está bem construído qualquer aterro que assegure que a dispersão dos materiais nele contidos ou gerados se faz a taxas tais que nunca se atingem concentrações prejudiciais das espécies químicas nocivas. Num aterro sanitário em que as operações são conduzidas com cuidado, a exportação de materiais para o


44 Poluição química em aterros sanitários

exterior é sempre feita através de águas (pluviais ou não) que escapam do aterro (geralmente pelo revestimento de fundo) sem qualquer tratamento. Para além de uma falange relativamente diversa de moléculas orgânicas, onde se destacam os ácidos orgânicos de cadeia curta, a generalidade dos materiais exportados são espécies iónicas em solução, quer aniónicas, muitas vezes halogenetos, quer catiónicas, assumindo aqui importância primordial os metais de transição e os chamados metais pesados, por poderem atingir facilmente concentrações ordens de grandeza acima dos fundos naturais. Os fundos naturais tanto no que diz respeito aos metais de transição, como no que diz respeito aos metais pesados, são geralmente muito baixos, não só porque a generalidade desses metais ocorre nas rochas como elementos-traço, mas também porque a sua solubilidade é baixa em condições ambientais. As elevadíssimas concentrações atingíveis em torno de aterros sanitários devem-se a que esses metais se encontram acumulados no aterro (constituindo no fundo intensas anomalias geoquímicas artificiais) e ao facto de que a acidez gerada pela decomposição da matéria orgânica aumenta muito a sua solubilidade. Esta circunstância indica já um primeiro método de mitigação da exportação de metais dos aterros para o ambiente: deposição separada de detritos orgânicos e inorgânicos. A via aquática seguida na exportação de materiais para o exterior do aterro significa que os metais geralmente não poluem directamente os solos. As concentrações mais elevadas são encontradas nas águas subterrâneas (o que pode tornar vastos lençóis de água inutilizáveis durante períodos mais ou menos longos), nas linhas de água directamente alimentadas por essas águas subterrâneas ou por águas superficiais que eventualmente emanem dos aterros, e nos sedimentos depositados por essas linhas de água. A experiência que se vai acumulando mostra que a dispersão de metais à volta de aterros sanitários é um processo bastante mais lento do que seria de esperar teoricamente, porque os metais em vez de permanecerem em solução (e portanto de se moverem à velocidade de circulação das águas superficiais e substerrâneas), tendem a fixar-se no substracto sólido em contacto com a água. A diminuição de solubilidade dos metais deve-se em grande parte ao facto de as soluções criadas dentro do aterro readquirirem parâmetros físico-químicos (temperatura, pH, eH) semelhantes aos ambientais após mistura com as águas naturais. No entanto, mesmo assim, as concentrações em metais muito raramente são

suficientes para provocar a precipitação directa de minerais em que eles entram como constituintes essenciais. O que em vez disso acontece, é que muitos dos metais em solução apresentam grande afinidade química com as superfícies dos filo-silicatos, geralmente minerais das argilas, micas ou clorites omnipresentes em ambientes geológicos superficiais, e com a matéria orgânica de alto peso molecular (ácidos húmicos e fúlvic catiões se alojarem em configurações atómicas Os níveis de adsorção são variáveis com a temperatura, o pH, o potencial redox, e a composição mineralógica e orgânica do substracto. Por isso, é evidente que o conhecimento detalhado destes processos é crucial na previsão e controle dos riscos ambientais associados a instalações existentes ou futuras. E esse conhecimento necessita de equipas de profissionais que reúnam competências em mineralogia estrutural, geoquímica ambiental, cinética e termodinâmica químicas, e estereoquímica. Essas competências existem todas na FCUL.

Figura 1 – Vista aérea de um aterro sanitário na fase final da construção e antes do início da recepção dos resíduos. São visíveis as instalações da drenagem de fundo, para recolha de águas, o revestimento inferior, já parcialmente instalado, a forma deprimida das bacias de deposição, que facilita a recolha das águas e o aterro que permite o fecho topográfico das bacias a jusante. Nesta fotografia não são visíveis quaisquer instalações para permitir a deposição selectiva de resíduos, nem as instalações de decantação e tratamento das águas recolhidas. (Fotografia reproduzida a partir da página de Internet da operadora do aterro).

Referências Vaughan D. J. & Vogelius R. A., 2000. Environmental Mineralogy. EMU Notes in Minerology, vol. 2, Eötvös University Press.


GEONOVAS nº 23 e 24: 45 a 46, 2010/2011 Eric Font 45

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Alterações climáticas. Registos nas rochas

Paleomagnetismo, geoquímica dos carbonatos de capa do cratão amazónico (Brasil): implicações para as glaciações do Neoproterozóico Eric Font Instituto Dom Luiz – Faculdade de Ciência da Universidade de Lisboa. font_eric@hotmail.com

Palavras chave: Terra Bola de Neve; paleomagnetismo; químio-, magneto-estratigrafia; Neoproterozóico; “Cap”carbonatos.

No Neoproterozóico, a Terra pode ter passado por vários eventos de glaciação, sugeridos pela presença de sedimentos glaciais sistematicamente capeados por seqüências carbonáticas (carbonatos de capa) em diversos continentes. Estudos paleomagnéticos indicam que algumas destas seqüências sedimentares foram depositadas em baixas latitudes, levando a crer que as calotas de gelo cobriram toda a superfície do planeta. Esta hipótese, conhecida como “Terra Bola de Neve” (Snowball Earth), evoca as mudanças climáticas mais extremas da história da Terra, as quais poderiam ter levado a diversificação de formas de vida que deram início ao Cambriano. Os estudos geocronológicos e isotópicos obtidos nos últimos anos identificam pelo menos três eventos glaciais ao longo do Neoproterozóico. Porém, a quantidade de dados paleomagnéticos disponíveis é insuficiente para testar o caráter global destas glaciações. Ainda, de acordo com o modelo Snowball Earth, o degelo teria ocorrido

de forma extremamente rápida. Faltam entretanto vínculos temporais para o período inicial de deposição dos carbonatos de capa. O meio de deposição e as condições redoxes nas quais estas rochas se depositaram são igualmente pouco estudados. As respostas para estas questões requerem uma quantidade maior de dados paleomagnéticos e geoquímicos, atualmente limitados a alguns continentes. Os dados paleomagnéticos obtidos nos carbonatos Neoproterozóicos do Grupo Araras (~635 Ma), Mato Grosso, Brasil, identificamos a presencia de uma magnetização primária, com várias inversões do campo magnético, portada por hematita e magnetita, todas de origem détritica. Estes resultados indicam uma deposição em baixas latitudes (±22°) para os carbonatos e os sedimentos glaciais sob-jacentes confirmando o caracter global da glaciação. Os dolomitos de capa representam o periodo pós-glacial (“hot house”) da

Figure 1 – Contexto geológico dos sedimentos glaciais e carbonatos de capa (Font et al., 2010).


46 Paleomagnetismo, geoquímica dos carbonatos de capa do cratão amazónico (Brasil): implicações para as glaciações do Neoproterozóico

Figure 2 – Dados paleomagneticos indicam a presença de várias inversões do campo geomagnético (Font et al., 2010).

Terra Bola de Neve e trazem vinculos temporais sobre o periodo de degelo bem como as conditions quimicas do meio de deposição. Os dados quimio-estratigráficos indicam que essas rochas precipitaram num ambiente raso, anóxico possivelmente influenciado pela atividade de bactérias sulfato-redutoras. A presença de varias inversões do campo magnético sugere que a deposição levou mais de 105 anos para formar os vinte metros de dolomitos, tempo consideravelmente maior do que previsto pelo modelo Snowball Earth.

Referências Font, E., Nédélec, A., Trindade, R. I. F. & Moreau, C., 2010. Fast or slow melting of the Marinoan snowball Earth? The cap dolostone record. Palaeog., Palaeocl., Palaeoec.. http://dx.doi.org/10.1016/j.palaeo. 2010.05.039. Font, E., Nédélec, A., Trindade, R. I. F., Macouin, M. & Charrière, A., 2006a. Chemostratigraphy of the Neoproterozoic MO cap dolostones Mato Grosso, Brazil: An alternative model for Marinoan cap dolostone formation. Earth and Planetary Science Letters, 250: 89-103.

Font, E., Trindade, R. I. F. & Nédélec, A., 2005. Detrital Remnant Magnetization in Hematite-bearing Neoproterozoic Puga Cap Dolostone, Amazon Craton: A Rock Magnetic and SEM Study. Geophysical Journal International, 163: 491-500. Hoffman, P. F., Halverson, G. P., Domack, E. W., Husson, J. M., Higgins, J. A. & Shrag, D. P., 2007. Are basal Ediacaran 635 Ma post-glacial « cap dolostones » diachronous ? Earth and Planetary Science Letters, 258: 114-131. Hoffman, P. F., Kaufman, A. J., Halverson, G. P. & Schrag, D. P. 1998. A Neoproterozoic snowball Earth, Science, 281: 1342-1346. Hoffman, P. F. & Schrag, D. P., 2002. The snowball Earth hypothesis: testing the limits of global change. Terra Nova, 14: 129-155. Kirshvink, J. L., 1992. Late Proterozoic low-latitude global glaciation: the snowball Earth. In: J.W. Schopf, J. W. & Klein, C. (edit.) The Proterozoic Biosphere. Cambridge University Press, p. 51-52. Trindade, R. I. F., Font, E., D’Agrella-Filho, M. S., Nogueira, A.C.R. & Riccomini, C., 2003. Lowlatitude and multiple geomagnetic reversals in the Neoproterozoic Puga cap carbonates. Terra Nova, 15: 441-446.


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GEONOVAS nº 23C.eAzerêdo 24: 47&aM. 49, 2010/2011 Ana Cristina Cabral 47

Alterações climáticas. Registos nas rochas

Paleoclimas: indicadores arquivados no registo estratigráfico Ana C. Azerêdo & M. Cristina Cabral Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016, Lisboa. acazeredo@fc.ul.pt; mccabral@fc.ul.pt

Palavras-chave: Registo estratigráfico; indicadores paleoclimáticos; reconstituições paleogeográficas

A capacidade de identificar manifestações do clima nas rochas sedimentares e/ou no seu conteúdo fossilífero, bem como a de desvendar sinais de modificações climáticas a diferentes escalas temporais e espaciais, constituem um dos objectivos centrais dos estudos no vasto domínio da Estratigrafia e uma contribuição indispensável para a compreensão da complexidade deste tipo de processos à escala do Tempo Geológico. Tal objectivo é perseguido analisando diversos aspectos e componentes do registo estratigráfico que são considerados climático-dependentes ou, pelo menos, climático-sensíveis, sempre numa abordagem inter e pluridisplinar de molde a tentar minimizar o facto das deduções se basearem, em parte, em análogos actuais, não necessariamente transponíveis para os sistemas sedimentares e ecossistemas do Passado; na inferência de características não corroboráveis pela observação directa; ou em dados incompletos, pela natureza intrinsecamente descontínua do registo fóssil. Em termos de processos e causas globais, as variações do clima ao longo da História da Terra relacionam-se, sobretudo, com: variações eustáticas e relativas do nível do mar, variação da configuração, orientação e latitude dos continentes (deriva dos continentes), formação de cadeias de montanhas, mudanças no percurso das correntes oceânicas e atmosféricas, crescimento e fusão de calotes glaciárias, variações da composição da atmosfera, variações da intensidade da radiação solar, oscilações dos parâmetros orbitais da Terra, modificações na biosfera. O registo geológico traduz a dinâmica de todos estes factores e suas complexas interacções. No presente texto não se pretende abordar exaustivamente o conjunto dos aspectos inerentes à interpretação paleoclimática e à análise dos processos globais; referem-se, apenas, alguns dos principais exemplos de evidências com significado paleoclimático arquivadas nas séries sedimentares. Para maior desenvolvimento destas questões e dos tópicos aqui aflorados, consultem-se, por exemplo, Frakes et al. (1992) e Francis (1998). O reconhecimento daquelas evidências pode ser, consoante o tipo, expressividade e contexto, de âmbito regional mais ou menos restrito

(permitindo apenas inferir certos parâmetros ou fazer reconstituições paleoclimáticas para essa região), ou pôr em evidência uma distribuição específica à escala do Globo, propiciando reconstituições paleogeográficas mais abrangentes (contributos para definição de faixas latitudinais, disposição dos continentes versus áreas oceânicas, circulação dos ventos, etc). Um bom exemplo de acontecimento global que traduz/exprime variação climática em grande escala é dado pela “Grande Crise Biológica” do final do Ordovícico, associada a um arrefecimento geral do clima, com calote glaciária importante centrada no Sahara; o arrefecimento geral no hemisfério sul é manifestado por alterações muito importantes na fauna marinha bentónica e planctónica, com extinções maiores, numa primeira fase, na fauna de águas quentes, e numa segunda fase, correspondente já ao período de desglaciação, na fauna de águas frias. Os indicadores paleoclimáticos contidos no registo estratigráfico repartem-se por dois grupos principais: sedimentos/rochas (composição litológica e mineralógica, cor, estruturas sedimentares deposicionais ou erosivas, aspectos geoquímicos, etc); fósseis/icnofósseis (tipo de organismos, associações, diversidade, morfologias ou modificações particulares das suas partes mineralizadas, ou vestígios da actividade orgânica). Quanto ao primeiro grupo, são especialmente úteis: carvões, evaporitos, formações vermelhas continentais, rochas carbonatadas, paleossolos, formas de erosão e de acumulação glaciogénicas, depósitos eólicos. A ocorrência de volumes importantes de carvões indica condições de acentuadas humidade e pluviosidade, com deficiente escoamento, frequentemente em clima quente (desde que haja rápido soterramento da matéria orgânica), mas também em frio. Para além daquele tipo de rochas, sedimentos ricos em matéria orgânica, em geral, permitem, pelo estudo petrográfico e geoquímico desta, inferir sobre parâmetros directa ou indirectamente relacionáveis com o clima. Também o estudo dos pólenes, esporos e, no caso das Angiospérmicas, do tipo de folhas (tamanho, forma, contorno contínuo ou recortado das


48 Paleoclimas: indicadores arquivados no registo estratigráfico

margens) poderá elucidar quanto à paleotemperatura, luminosidade solar, sazonalidade, independentemente do grau de comparabilidade dos taxa fósseis com formas próximas actuais. Ainda no domínio da paleobotânica, a determinação das variações da distribuição latitudinal da vegetação e das associações da flora pelo estudo e comparação do seu registo nas formações de diversas regiões, é uma via preciosa de reconstituição paleoclimática e paleogeográfica para certos períodos da História Geológica. A conhecida análise dos anéis das árvores, embora útil, tem uma aplicabilidade mais restrita, em termos geológicos. Os testemunhos de sedimentação associada a massas glaciares (por exemplo, tilitos e dropstones - blocos desprendidos de icebergs no seio de meios lacustres ou marinhos), ou de movimentação dos corpos de gelo (estrias ou sulcos em superfícies rochosas) têm óbvio interesse paleoclimatológico e paleogeográfico. Por contraste, depósitos espessos e extensos de rochas evaporíticas, isto é, constituídas essencialmente por minerais que precipitam de águas sujeitas a forte e persistente evaporação, traduzem clima árido, seco, em geral quente, mas a característica mais importante é a secura; tais condições podem estar ligadas a controlo latitudinal, a restrição física ou a continentalização. A ocorrência de eolianitos (acumulações arenosas devidas ao vento) formando paleossistemas dunares, é outro exemplo de testemunho com valor climático e paleogeográfico preservado no arquivo geológico, ao dar informação sobre os paleo-regimes de ventos. A cor vermelha dos sedimentos continentais está associada a remobilização e concentração do ferro em condições oxidantes e pluviosidade forte sazonal, podendo a composição mineralógica, a presença doutros elementos associados (nomeadamente, minerais argilosos) e o tipo de estruturação dos depósitos reflectir o regime dominante (quente e seco, com precipitação concentrada esporádica; ou quente e húmido, muito pluvioso). Refira-se, também, que as associações e proporções relativas de certos minerais argilosos, em séries detríticas continentais ou em séries argilomargosas marinhas, dão indicações sobre factores como a taxa de erosão/meteorização e condições de humidade/ aridez; por exemplo, a dominância de caulinite sobre ilite/esmectites reflecte fases de maior humidade comparativamente à situação inversa. Nos paleossolos, sempre com interesse pelo menos relativo ao paleonível freático, à paleo-meteorização e regime climático dominante, destacam-se os carbonatados (calcretos) como excelentes evidências de zonas sujeitas a exposição subaérea em regimes quentes, com sazonalidade marcada e estação seca predominante; as crostas ferruginosas (ferricretos), horizontes lateríticos e bauxíticos são indicativos de condições subaéreas oxidantes e dominantemente húmidas.

Por outro lado, a maioria das rochas carbonatadas forma-se em ambientes marinhos, sendo predominantemente associáveis a mares quentes, em latitudes tropicais e subtropicais, com desenvolvimento de extensas e espessas séries de plataforma a relativa pequena profundidade, em águas bem oxigenadas, com boa luminosidade; contudo, o estudo especializado (mineralogia, composição, grupos fósseis presentes) torna possível distinguir outros tipos menos comuns de calcários, formados em águas mais frias, aumentando assim o valor destas rochas como indicadores de paleolatitudes e de outros parâmetros paleoclimáticos. As rochas carbonatadas e argilosas são as rochas fossilíferas por excelência (constituem excepção certas rochas siliciosas, também ricas em fósseis) pelo que é diversa, também, a informação que deriva dos fósseis nelas preservados. Assim, por exemplo, a presença de fósseis de algas verdes ou vermelhas é muito relevante do ponto de vista da informação sobre a temperatura e a luz solar do meio aquático, sendo as primeiras ecologicamente mais exigentes (águas quentes, muita luz, salinidade próxima da marinha normal); certos corais, em especial os construtores de recifes (hermatípicos), além de fornecerem boas indicações sobre paleolatitudes, paleossalinidades e paleotemperaturas, podem, ainda, dar informação de variações climaticamente induzidas no meio ambiente, através do registo físico do desenvolvimento dos seus esqueletos e de assinaturas geoquímicas neles retidas. As algas verdes e os corais hermatípicos ocorrem tipicamente apenas nos calcários “tropicais”; as algas vermelhas e os briozoários, por exemplo, são abundantes em calcários de águas temperadas a frias. Muitos outros grupos, sobretudo marinhos, quer de macro-organismos (por exemplo, moluscos, equinodermes) quer de micro-organismos (por exemplo, foraminíferos e ostracodos) permitem também, pela simples presença de determinadas espécies/géneros, caracterizar o clima e exibem diferenças na espessura, ornamentação, morfologia, composição mineralógica ou isotópica (18O/16O; 87Sr/86Sr) das suas conchas, carapaças ou esqueletos, relacionáveis com factores directa ou indirectamente modulados pelo clima, como a paleotemperatura, a paleossalinidade, a interacção oceano-atmosfera. A título de exemplo: algumas espécies de foraminíferos planctónicos exibem um enrolamento dextrógiro em mares quentes, sinistrógiro em mares frios; as carapaças dos foraminíferos e dos ostracodos, em geral, são mais espessas e com ornamentação robusta em águas quentes, da zona nerítica; as carapaças dos ostracodos neríticos do andar infralitoral são frequentemente munidas de tubérculos oculares; a variação da razão 18O/16O, medida a partir dos carbonatos marinhos (conchas/carapaças de macro e de microfósseis, ou do próprio sedimento), traduz as alternâncias entre períodos globalmente frios (glaciários) e globalmente quentes (inter-glaciários), durante os quais aquela razão aumenta e decresce, respectivamente.


Ana C. Azerêdo & M. Cristina Cabral 49

Muitos outros exemplos se poderiam apresentar de como, e do que, é possível inferir sobre paleo-regimes e condições climáticas a partir da análise do registo estratigráfico, cujas séries sedimentares contêm, mais ou menos encriptada, imensa informação que só os conhecimentos e metodologias da Geologia, em especial, neste caso, da Estratigrafia e Geoistória, permitem decifrar e interpretar. Assim se chega, pois, aos objectivos enunciados no início deste pequeno texto: desvendar sinais de modificações climáticas a diferentes escalas temporais e espaciais, como contribuição indispensável para a

Figura 2 — Zonocypris cf. costata (Vávra, 1897), exemplo de ostracodo indicador de clima quente. Actualmente o género Zonocypris vive apenas em África, Madagáscar e ocasionalmente, na zona do Mediterrâneo oriental (Plistocénico?, Portugal).

Figura 3 — Afloramento mostrando formação argilosa vermelha e acinzentada, intercalada por sedimentos evaporíticos e calco-dolomíticos; estes sedimentos, que estão disruptados e dobrados, evidenciam regime climático predominantemente quente e seco, com pluviosidade esporádica (Triásico superior-Jurássico inferior, Portugal). Figura 1 - Aspecto de campo de uma sequência predominantemente calcária (Jurássico Médio, Portugal), na qual ocorrem diferentes litotipos carbonatados e níveis calco-argilosos com carvão intercalados, conjunto que contém diversos sinais de variação de parâmetros climáticos: os calcários em geral (neste caso de ambiente marginolitoral) correspondem a deposição em clima quente; a presença de folhetos com carvão bem preservados (níveis menos espessos, de aspecto folhetado) indica fases de humidade; mas há também ocorrência de paleossolos carbonatados, demonstrando clima sazonal com estação seca significativa, quer em níveis finos de calcreto laminar (por exemplo, imediatamente antes do nível folhetado carbonoso mais acima), quer um paleossolo mais irregular (sensivelmente a meio da camada contra a qual assenta a lapiseira usada para escala da fotografia, horizonte mais escurecido, irregularmente ondulado), desenvolvido sobre hardground (horizonte endurecido de interrupção na sedimentação).

compreensão da complexidade deste tipo de processos à escala do Tempo Geológico. Referências Frakes, L. A., Francis, J. E. & Syktus, J. I., 1992. Climate modes of the Phanerozoic. Cambridge University Press, Cambridge, 274 p. Francis, J. E., 1998. Interpreting palaeoclimates. Unlocking the stratigraphical record (P. Doyle & M. R. Bennett, Editors), John Wiley & Sons, Chichester, 471- 490.


50 Paleoclimas: indicadores arquivados no registo estratigrĂĄďŹ co


Cachão 51 GEONOVAS nº 23 e 24: 51 a 52,Mário 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Alterações climáticas. Registos nas rochas

Nanoplâncton calcário, paleoprodutividade oceânica e alterações climáticas Mário Cachão Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa.

mcachao@fc.ul.pt

Palavras-chave: Nanoplâncton calcário; paleoprodutividade oceânica; alterações climática

Um fervoroso adepto da hipótese Gaia (Lovelock, 2000) dirá que o nanoplâncton calcário foi uma invenção pós-Pangea dos oceanos deste planeta, em resposta ao acentuado efeito de estufa e elevados valores de CO2 da sua atmosfera mesozóica. Ora, abstraindo do facto dos dinossáurios não terem deixado espaço ecológico ao pleno desenvolvimento dos mamíferos (nós incluídos), efectivamente nem tudo foi mau no Mesozóico: os oceanos produziram enormes quantidades de cré. A fina poeira carbonatada que se destaca desta rocha e teima em ficar agarrada aos dedos é, na realidade, fruto da laboriosa síntese bioquímica (e arquitectural) de Cocolitóforos (Fig. 1), componente maioritário das algas unicelulares que constituem o nanoplâncton calcário.

Figura 1 — Imagem por microscopia electrónica de varrimento de uma cocosfera parcialmente desagregada de Emiliania huxleyi, espécie de Cocolitóforo que predomina nos oceanos actuais, recolhida ao largo da Península Ibérica.

Significa isso que o giz é fundamentalmente constituído por nanofósseis calcários (Fig. 2). Na época antePowerpoint, a transmissão de conhecimento, em contexto de sala de aula, veio sendo veiculada por símbolos de-

senhados com nanofósseis calcários contra o que já foi, ele próprio (se pedra de ardósia genuína), sedimento oceânico rico em matéria orgânica, transformado pela prensa orogénica que deu origem, nalguns casos, à própria Pangea.

Figura 2 — Nanofósseis calcários cretácicos presentes numa pequena porção de giz branco, utilizado nas salas de aula.

Mas o cré significa, igualmente, azáfama na produção de Cocolitóforos, numa altura em que o Planeta se encontrava globalmente mais quente e liberto, na maior parte do tempo, de glaciares. À semelhança do que já aconteceu no passado, nomeadamente no Cretácico (de cré), será que podemos continuar a contar com estas nano-biofábricas para minimizar os excessos febris do Planeta, desta feita, uma reacção alérgica aos escapes e chaminés da era industrial? Trabalho recente (Iglesias-Rodriguez et al., 2008) vem dar essa esperança demonstrando, laboratorialmente, existir um acréscimo de carbonato de cálcio nos invólucros calcíticos (cocólitos) das suas células, em resposta ao aumento de CO2 atmosférico. Ao incrementarem a sua robustez mineral, não só aumentam as suas hipóteses de ficar no registo fóssil como favorecem, de modo natural e persistente (pelo menos, à escala temporal humana), a transferência de CO2 dos reservatórios atmosfera e hidrosfera para a litosfera. Por falar em registo fóssil, se nos debruçarmos, literalmente, sobre arquivos sedimentares marinhos recentes, quaternários, verifica-se que existe maior


52 Nanoplâncton calcário, paleoprodutividade oceânica e alterações climática

probabilidade em se observarem fósseis produzidos por organismos que proliferaram em condições climáticas globalmente mais frias (períodos glaciários) que quentes (interglaciários, como o actual Holocénico). Em plena guerra fria, enquanto se temia o Inverno Nuclear, o Planeta foi sorrateiramente aquecendo. Agora que se teme o Aquecimento Global será que retornarão ao largo da Ibéria, uma vez mais, armadas de icebergs (vide Narciso et al., 2006), durante os eventos ditos de Heinrich ? Referências Lovelock, J., 2000. Gaia. A new look at life on Earth. Oxford Univ. Press, 147 p.

Iglesias-Rodriguez, M. D, Halloran, P., Rickaby, R., Hall, I., Colmenero-Hidalgo, E., Gittins, J., Green, D., Tyrrell, T., Gibbs, S., von Dassow, P., Rehm, E., Armbrust, E.V. & Boessenkool, K., 2008. Phytoplankton calcification in a High-CO2 world. Science, 320: 336-340. Narciso, A., Cachão, M. & de Abreu, L., 2006. Coccolithus pelagicus subsp. pelagicus versus Coccolithus pelagicus subsp. braarudii (Coccolithophore, Haptophyta): A proxy for surface subarctic Atlantic waters off Iberia during the last 200 kyr. Marine Micropaleontology, 59: 15– 34.


GEONOVAS nº 23 e 24: 53 a 55, 2010/2011 J. Crispim 53

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Alterações climáticas. Registos nas rochas

Grutas, estalagmites e paleoclimas J. Crispim Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa.

jacrispim@fc.ul.pt

Palavras-chave: Modelado cársico; grutas; estalagmites; hidroquímica; paleoclimas

Desde tempos imemoriais que o Homem relaciona as grutas com o passado. Os mistérios sobre a sua origem e sobre os segredos que encerram levou curiosos, aventureiros e cientistas a investigarem esses espaços húmidos, escuros e inóspitos. Ao longo da História, essa investigação não tem parado de surpreender, sobretudo aqueles que se dedicam às ciências da Terra, mas também biólogos e arqueólogos. Dependendo da existência de rochas carbonatadas ou evaporíticas e da circulação de água na massa rochosa, a formação das grutas pode ser tão antiga como a época de exposição dos primeiros calcários formados nos tempos remotos do Precâmbrico. Se é pouco provável que alguma dessas eventuais antigas grutas esteja hoje acessível ao Homem, tal como as formadas nos tempos paleozóicos ou durante grande parte do Cenozóico, também é verdade que elas constituem fenómenos paleocársicos fossilizados por sedimentos cujas características permitem identificar muitos dos factores físicos prevalecentes durante a época da sua deposição, com a particularidade de, ao contrário de muitos outros sedimentos, fornecerem, em geral, indicações sobre as condições vigentes em ambiente continental. As grutas são, na realidade, palimpsestos de grande valor para paleontólogos e arqueólogos onde também ficam arquivados sinais abundantes das modificações regionais em termos de hidrologia, morfologia, tectónica, sismicidade, eustatismo, fauna, flora e clima, a que se junta a evolução do Homem. As grutas são, por isso, muito importantes do ponto de vista científico, desde as mais pequenas até aos grandes sistemas de grutas interligadas, como aqueles em que a extensão total perfaz mais de 600 km (Mammoth, Kentucky, EUA) ou cuja profundidade ultrapassa os 2100 metros (Krubera, Cáucaso, Geórgia). Para o grande público as grutas são conhecidas sobretudo pelos morcegos que as habitam, pelas pinturas rupestres que o Homem pré-histórico imprimiu nas suas paredes ou pelas estalactites e estalagmites das grutas turísticas. E, se alguns seres se podem ter refugiado nas

grutas para fugir a alterações climáticas mais súbitas e o próprio Homem as utilizou também como abrigo nos períodos mais agrestes do Quaternário, foi precisamente nas estalagmites que as principais marcas das modificações climáticas ficaram registadas. Quando se proporcionou datar a idade de formação dos carbonatos por métodos físico-químicos, as estalagmites revelaram grande potencial. Particularmente os métodos ESR e U/Th têm beneficiado das mais recentes inovações tecnológicas, aumentando a precisão e a resolução e fazendo redobrar o interesse pelas estalagmites. É do senso comum que as estalagmites maiores terão mais idade que as mais pequenas, sendo também óbvio que a sua estrutra se assemelha à dos troncos de árvore e, portanto, a possibilidade de uma abordagem análoga é evidente. Quando o guia de uma gruta turística, frente a uma estalagmite com 2 metros de altura, certifica que ela tem 2000 anos, não faz ideia de que ela pode na realidade ter 50 a 200 vezes mais. De facto, sabe-se hoje que as estalagmites não crescem sempre ao mesmo ritmo, podem parar de crescer e a sua altura pode até diminuir, por erosão, para de novo voltar a crescer. No entanto, estudos estatísticos em algumas estalagmites mostram que nos períodos de crescimento a altura das estalagmites aumenta entre 1 e 4 cm/ka. No estudo do Quaternário as estalagmites são, de par com os testemunhos das sondagens nos sedimentos oceânicos e nos gelos polares ou com os corais, um meio de enorme importância no estudo dos paleoclimas do último período da História da Terra. As estalagmites formam-se nas grutas devido à libertação do CO2 das águas de infiltração com elevados teores de anidrido carbónico resultante dos solos de cobertura. O crescimento das estalagmites exige, portanto, a existência de solos com elevada pressão de CO2 e recarga positiva de água subterrânea. Ora, as duas condições que determinam estas circunstâncias são a temperatura e a pluviosidade, directamente relacionáveis com o clima. O ritmo de crescimento pode por si só ser um proxy para a temperatura ou pluviosidade ou combinação


54 Grutas, estalagmites e paleoclimas

de ambos. A simples contagem baseada no crescimento anual das laminações, cruzada com datação seriada com o U/Th, pode fornecer indicações sobre ritmos de crescimento, hiatos e fenómenos de erosão até cerca de 500.000 anos BP. O estudo das laminações das estalagmites aribuídas ao crescimento anual pode ser feito

Figura 1 – Secção longitudinal de estalagmite com cerca de 26 cm de altura. São visíveis as camadas concêntricas de cristais de calcite, mais nítidas na zona externa da estalagmite. Na parte superior esquerda a calcite é porosa e esbranquiçada, mostrando a existência de uma nova fase de concrecionamento com modificação das condições climáticas. Descrita em Crispim, 1995.

usando luz visível ou através da fluorescência estimulada com UV. Por exemplo, o Mg é proveniente da dolomite mas também dos oceanos e a razão Mg/Ca aumenta durante ou imediatamente após os períodos secos, o mesmo acontecendo com a razão Sr/Ca. A variação anual de P pode estar relacionada com as Mas há evidências de que pode ocorrer laminação química mesmo na ausência de laminação visível. Os sinais climáticos são transmitidos a partir da superfície de forma modificada através da química da água no epicarso e na zona vadosa até ao ambiente subterrâneo, onde são codificados nas estalactites e estalagmites. Os isótopos naturais de hidrogénio, carbono e oxigénio e os elementos traço são habitualmente analisados para fornecerem indicações sobre as variações nos parâmetros físicos que presidiram à formação das estalagmites, mas os elementos traço permitem maior resolução. Com amostragem de pequeno diâmetro ou ablação laser consegue-se resolução de 3 a 5 anos, mas o desenvolvimento de microanalisadores isotópicos com resolução de alguns micra permite analisar variações anuais, e mesmo sazonais, de Sr, Mg, Ba, Na e P. Por exemplo, o Mg é proveniente da dolomite mas também dos oceanos e a razão Mg/Ca aumenta durante ou imediatamente após os períodos secos, o mesmo acontecendo com a razão Sr/Ca. A variação anual de P pode estar relacionada com as variações da concentração de fosfatos na água de percolação que deverá ser relacionada com a maior degradação da vegetação durante o Outono combinada com elevada infiltração A utilização dos vários proxies exige uma interpretação do seu comportamento, que se pode basear no estudo da evolução actual da química da água das grutas de acordo com as variações ocorridas à superfície do maciço. Por

Figura 2 – Diagrama de distribuição de frequência das idades dos travertinos externos e subterrâneos dos últimos 400 000 da Península Ibérica (simplificado de Duran et al., 1988) e posição de uma estalagmite de uma gruta do Algarve, segundo Crispim & Ford, 1992.


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outro lado, a escolha das estalagmites a utilizar num estudo paleoclimático exige um perfeito conhecimento da sua relação com a evolução da gruta e do maciço cársico em que se insere.

Referências Crispim, J. A., 1995. Dinâmica Cársica e Implicações Ambientais nas Depressões de Alvados e Minde. Tese Doutor. Univ. Lisboa. 394 p. Crispim, J. A. & Ford, D., 1992. Primeiras datações de mantos estalagmíticos de uma gruta portuguesa pelo método das séries de urânio. Algar, Bol. Soc. Port. Espeleologia, Lisboa, 3: 3-8. Duran, J. J., Grun, R. & Soria, J. M., 1988. Aportación del estudio geocronológico de espeleotemas y travertinos al conocimiento paleoclimático del Cuatenario en la Península Ibérica y Baleares. Congr. Geol. España, Madrid, 1: 383-386.

Harmon, R. S., Schwarcz, H. P., Gascoyne, M., Hess, J. W. & Ford, D., 2004. Paleoclimate information from speleothems: the present as a guide to the past, in Studies of Cave Sediments: Physical and Chemical Records Of Paleoclimate (Eds. I.D. Sasowsky & J. Mylroie), Kluwer Academic, New York, p. 199-226. Holmgren, K., Karlén, W., Svanered, O., Lauritzen, S. E., Lee-Thorp, J.A., Partridge, T.C., Piketh, S. & Tyson, P.D., 1999. A 3000-year high-resolution stalagmite-based record of palaeoclimate for northeastern South Africa. Holocene, 9(3): 295-309. Meyer M.C., Cliff, R.A. Spötl, C., Knipping, M., & Mangini, A., 2009. Speleothems from the earliest Quaternary: Snapshots of paleoclimate and landscape evolution at the northern rim of the Alps. Quaternary Science Reviews, 28:1374–1391. Quinif, Y., 2006. Complex stratigraphic sequences in Belgian caves: Correlation with climatic changes during the middle, the upper Pleistocene and the Holocene. Geologica Belgica, 9(3-4): 231 – 244.


56 Grutas, estalagmites e paleoclimas


GEONOVAS nº 23 e 24:Fernando 57 a 58,J. 2010/2011 A. S. Barriga 57

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Recursos. Caminho de um uso sustentável

Recursos minerais do futuro Fernando J. A. S. Barriga Dep. Geologia e Creminer FCUL LA-ISR, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016, Lisboa. Museu Natural de História Natural.

f.barriga@fc.ul.pt Palavras-chave: Recursos minerais; combustíveis fósseis; sequestro de CO2; desafios tecnológicos

Os recursos minerais estão em alta, não só, mas em grande parte, porque a procura aumenta a olhos vistos. À medida que o nível de vida (e de consumo) sobe para níveis aceitáveis na China, no Brasil, na Índia e em muitos outros países até há pouco fracos consumidores, torna-se óbvio que os recursos minerais, quase todos não renováveis à escala a que os utilizamos, se tornam mais escassos. Contudo, esta situação reflecte um considerável aumento de justiça social no mundo, pelo que deve ser considerada desejável. A conservação de recursos e a reciclagem vão continuar na ordem do dia, e serão ferramentas cada vez mais necessárias num futuro que se avizinha a passos largos, com oito mil milhões de seres humanos exigindo uma vida decente em meados do século XXI. O aumento da procura tem vários efeitos positivos, conduzindo ao aumento do número de explorações de recursos minerais, do emprego e, de forma geral, ao desenvolvimento. Não faltarão oportunidades, num mundo em que a prospecção mineral vai aumentar, para novas e mais arrojadas pesquisas, em situações cada vez mais remotas, à medida que ficam prospectadas as regiões mais acessíveis, quer em distância quer em profundidade. Os jovens geólogos têm à sua frente um futuro cheio de trabalho apaixonante, correndo mundo e trabalhando nos locais mais improváveis, muitos deles fascinantes. É quase um lugar comum, mas é inescapável que grande parte dos recursos minerais do futuro passarão a vir dos fundos oceânicos. Serão extraídos quer recursos erodidos dos continentes quer recursos gerados nos fundos, como os jazigos de sulfuretos maciços. Impõe-se transformar em modelos de prospecção mineral o conhecimento já considerável que se tem acumulado acerca da crosta oceânica (ver InterRidge and SMWG, 2009). Em última análise, o fornecimento de recursos naturais do subsolo depende da quantidade de energia disponível para os extrair, se necessário de materiais onde se encontrem menos concentrados, ou sob formas menos favoráveis. Para a maioria dos recursos minerais, o problema não é a quantidade existente na crosta terrestre,

mas sim a energia necessária para os produzir a partir de materiais geológicos onde eles existem em baixos teores. Cite-se o caso do cobre: naquilo a que actualmente chamamos minérios, este metal ocorre sobretudo em sufuretos, e em teores superiores a 0,5% Cu (ou 5000 ppm). Os basaltos constituem o principal reservatório crustal de cobre, mas o teor médio não ultrapassa as 50 ppm. O valor da energia necessária para extrair este cobre seria cerca de vinte vezes o preço actual do metal, mas o fornecimento seria praticamente inesgotável. A energia barata acabou. As chamadas energias verdes podem e devem ajudar (ver Barriga, 2010), mas prevêse que as tecnologias associadas não serão capazes, nas próximas décadas, de fornecer energia em quantidade suficiente para substituir os combustíveis fósseis. Quanto ao tão falado hidrogénio, é basicamente uma forma de transporte de energia, e não uma fonte energética primária. Para produzir hidrogénio é necessária uma instalação industrial, fixa, que será alimentada por uma fonte de energia primária (hidroeléctrica, urânio, hidrocarbonetos, etc). A grande vantagem é que, no caso de se utilizarem combustíveis fósseis, o CO2 produzido poderá ser sequestrado, o que não é possível a partir do escape dos veículos. A subida do preço do petróleo significa que outros recursos energéticos se tornam exploráveis, incluindo os argilitos betuminosos (oil shales) que abundam em vários países (EUA, Austrália, Suécia, etc). As reservas exploráveis totalizam mais do dobro da totalidade do petróleo convencional. O Canadá não pára de expandir as suas operações de produção de petróleo a partir de areias betuminosas (tar sands). As reservas deste país e as da Venezuela são comparáveis às dos argilitos betuminosos. Mas os maiores recursos são constituídos pelos hidratos de metano que ocorrem na rampa e vertente continentais de quase todos os continentes. O nosso futuro, no que diz respeito a recursos minerais, parece depender de dois factores principais: a nossa capacidade de proceder à sequestração da maior quantidade possível de CO2 e o desenvolvimento de


58 Recursos minerais do futuro

tecnologias para exploração dos hidratos de metano dos oceanos. Em ambos os casos a Geologia é uma das áreaschave de conhecimento.

adensa à medida que subimos, até que passa a sulfuretos maciços substituindo quase totalmente a rocha original, ultramáfica. Ainda acima, encontram-se restos de chaminés e chaminés hidrotermais activas, a parte superficial campo Rainbow. Os minérios abaixo do fundo do mar são mais importantes do ponto de vista económico. Ver Marques et al., 2006. Desenho de Mário Estevens. Referências Barriga, F. J. A. S., 2010. Submarine Energy Sources and Fluxes in a Water-Cooled Planet, paper presented at The Oceans as a Source of Energy, Portuguese Academy of Engineering and Berlin-Brandenburgische Akademie der Wissenschaften (Berlin-Brandenburg Academie of Sciences) Lisboa, Portugal.

Figura 1 – Escarpa de falha que limita o campo Rainbow a poente. Nela é possível observar vários tipos de mineralização, desde um stockwork de filonetes de sulfuretos, que se adensa à medida que subimos, até que passa a sulfuretos maciços substituindo quase totalmente a rocha original, ultramáfica. Ainda acima, encontramse restos de chaminés e chaminés hidrotermais activas, a parte superficial campo Rainbow. Os minérios abaixo do fundo do mar são mais importantes do ponto de vista económico. Ver Marques, 2006.

Escarpa de falha que limita o campo Rainbow a poente. Nela é possível observar vários tipos de mineralização, desde um stockwork de filonetes de sulfuretos, que se

InterRidge & SMWG, 2009. Meeting Report Woods Hole April 2009, paper presented at DeepÐsea mining of seafloor massive sulfides, http://www.interridge.org/files/interridge/SMWG_meeting_report_2009_final_rev.pdf, Woods Hole, USA. Marques, A. F. A., Barriga, F., Chavagnac, V. & Fouquet, Y. (2006), Mineralogy, geochemistry, and Nd isotope composition of the Rainbow hydrothermal field, Mid-Atlantic Ridge, Mineralium Deposita, 41(1), 52-67.


GEONOVAS nº 23 e 24:Silvério 59 a 61, 2010/2011 Prates Carvalho 59

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Recursos. Caminho de um uso sustentável

Os recursos minerais não metálicos Silvério Prates Carvalho Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. sprates@fc.ul.pt

Palavras-chaves: Minerais não metálicos, rochas industriais; rochas ornamentais; Portugal

Entre os recursos com que a Humanidade, ao longo da sua história, foi construindo civilizações, destacamse aqueles que fazem parte integrante do nosso planeta – os recursos geológicos. Entre esses recursos evidenciam-se, em primeiro lugar, a água, (“o combustível da vida”, no dizer de Pinto Peixoto), os recursos energéticos (carvões, petróleo, gás natural, urânio, energia geotérmica) e os recursos minerais nos quais distinguimos os recursos metálicos, materiais de elevado valor unitário (preço da tonelada) e os recursos não metálicos geralmente de baixo ou médio valor unitário. Nos recursos não metálicos englobam-se os minerais não metálicos, as rochas industriais e as rochas ornamentais. ARGILAS – As argilas resultam da alteração meteórica e/ou hidrotermal das rochas existentes à superfície. Quando se lhe adiciona água têm um comportamento plástico, podendo ser moldadas. São constituídas por minerais de dimensões diminutas (inferiores a dois milésimos de milímetro), que formam várias famílias com propriedades distintas. Segundo a predominância numa rocha argilosa dos minerais de uma dada família assim teremos uma matéria-prima com características próprias. Caulinos – Resultam da alteração, em climas quentes e húmidos, de rochas do tipo dos granitos ricas em feldspatos. Estas argilas apresentam geralmente cor branca após cozimento e são a principal matériaprima nas indústrias cerâmicas que produzem faiança e porcelana. Os caulinos aplicam-se também na indústria do papel. Bentonites – Têm a sua génese na alteração de cinzas e tufos vulcânicos. São argilas expansivas, muito plásticas e tixotrópicas quando em suspensão num líquido, daí o serem usadas em lamas de sondagem. Usam-se também como ligante nos moldes de areia utilizados na indústria da fundição. A sua elevada capacidade de troca iónica permite-lhe a sua utilização como descolorante de óleos.

Barro vermelho – Argilas comuns, que cozem vermelho, aplicadas amplamente na produção de tijolo e telha, materiais de grande importância nas indústrias da construção civil e obras públicas. EVAPORITOS – Resultam da precipitação de sais em solução em bacias marinhas fechadas sujeitas a intensa evaporação em climas áridos. Formam-se assim depósitos, por vezes muito espessos, muito ricos em cloretos, sulfatos, boratos, etc. Sal-gema – Constituído pelo mineral halite (cloreto de sódio). Essencial na dieta humana e, no passado, na conservação de alimentos. Abastece uma extensa e importantíssima indústria química. Sais de potássio – como a silvite e a carnalite que, em virtude da presença do potássio, constituem importantes fertilizantes naturais. Gesso – é, quimicamente, sulfato de cálcio hidratado. Desde a antiguidade é utilizado na construção civil no fabrico de placas decorativas e desde o século passado é um elemento importante na indústria do cimento. Na indústria cerâmica utiliza-se na fabricação de moldes. Aplica-se também na correcção de solos ácidos. ROCHAS CARBONATADAS – São constituídas principalmente por dois minerais a calcite e a dolomite, cuja presença predominante permite dividir este tipo de materiais em dois grandes grupos: os calcários e os dolomitos. Tradicionalmente estas rochas são exploradas para a fabricação de cal (óxido de cálcio) utilizada em argamassas como ligante e na produção de britas, de várias granulometrias, para várias aplicações com destaque para os betões, onde intervêm como inertes. Calcários – Os calcários, de acordo com a sua composição química, têm várias aplicações industriais: na siderurgia como fundente na fabricação do aço; na indústria química na fabricação do carbonato de sódio, a “soda”, juntamente com o sal-gema no processo Solvey; como carga nas indústrias do papel, das tintas, da borracha, etc.; na indústria do vidro como fundente; na agricultura e pecuária, respectivamente, na calagem dos solos e


60 Recursos minerais não metálicos

na alimentação animal. Muitas outras aplicações industriais ficam por referir. Dolomitos – Os dolomitos utilizados na indústria têm de obedecer a determinadas especificações químicas e físicas de que se destacam a baixa percentagem de sílica, a percentagem de óxido de magnésio da composição química não ser inferior a 17% e cores claras. Algumas aplicações industriais: como fundente na indústria metalúrgica; na produção de material refractário, utilizado no revestimento de fornos, após calcinação a 1700 ºC ; na agricultura, no tratamento de solos pobres em magnésio; na fabricação de lã mineral (isolante térmico); encorpante na produção de fertilizantes, tintas, borracha, asfalto. DIATOMITOS – São rochas sedimentares biogénicas constituídas por mais de 50 % de frústulas siliciosas de diatomácias (algas de água doce, salobra ou salgada). As diatomácias têm um esqueleto interno de opala constituído por duas valvas, que encaixam uma na outra, de dimensões entre 5 e 1000 µm. Constituem depósitos originados em bacias límnicas, formando uma rocha leve e muito porosa com elavada capacidade de absorção de água e óleos. Aplicações industriais: filtração e clarificação (óleos, cerveja, vinagre); abrasivos macios; cerâmica refractária; absorvente (dinamite); isolamentos térmicos e sonoros; AGREGADOS – São constituídos por rochas fragmentadas naturalmente (cascalhos, areões, areias) ou artificialmente (britas), utilizados na construção de estradas, caminhos-de-ferro, barragens, aeroportos. Em termos das dimensões das partículas individuais que os constituem, vão desde a areia fina aplicada nos estuques até aos blocos de grandes dimensões, de rochas, como o granito, utilizados na construção de enrocamentos no litoral, como molhes e esporões. A qualidade destes materiais deve ser avaliada através da realização de testes que garantam a adequação à finalidade a que se destinam: ensaios de abrasão, de deteriioração, densidade e absorção de água, forma das partículas, percentagem de finos, etc. O valor unitário destes materiais é muito baixo, mas os volumes extraídos são muitíssimo elevados. Estima-se que cada quilómetro de auto-estrada consome 30 000 t de agregados. QUARTZO – É um mineral muito estável, constituindo a matéria-prima de várias indústrias. Quimicamente é a sílica (SiO2), apresentando-se em formas cristalinas distintas (polimorfismo). As suas variedades fenocristalinas (quartzo ametista, quartzo citrino, etc.) e criptocristalinas (ágata, ónix, jaspe, etc.) são empregues em joalharia. É muito abundante na natureza e é extraído principalmente em filões hidrotermais e pegmatitos e a partir de areias muito siliciosas e bem calibradas. As suas principais aplicações

são nas indústrias do vidro, da cerâmica e da metalurgia, e na electrónica. FELDSPATOS – São aluminossilicatos de potássio, sódio e cálcio, os minerais mais abundantes da crosta continental. Entram na constituição dos granitos e rochas afins. Contudo a sua extracção para fins industriais realiza-se, principalmente, a partir de pegmatitos (rochas eruptivas silicatadas de grão grosseiro). Estes minerais são extremamente importantes nas indústrias da cerâmica e do vidro. Na indústria cerâmica os feldspatos potássicos são utilizados nas pastas da faiança, porcelana, sanitários, vidros cerâmicos e esmaltes e na indústria do vidro são utilizados os feldspatos sódicos. Os feldspatos de cálcio não são utilizados nestas indústrias. ASBESTOS (AMIANTOS) – São minerais silicatados fibrosos cujas fibras podem, nalguns casos, ser tecidas. São, geralmente, incombustíveis. Dividem-se em dois grupos de natureza mineralógica diferente: as serpentinas cujo principal mineral é o crisótilo e as anfíbolas fibrosas como a antofilite. O crisótilo é, largamente, o mais utilizado pela indústria. Ocorre no contacto de dolomitos com intrusões de rochas ultra-básicas e dispõe-se em veios. São principalmente utilizados na produção de materiais resistentes ao fogo (ignifugos) como tubagens e cimento de amianto. Ultimamente a sua utilização tem sido rejeitada pois atribuem-lhe propriedades cancerígenas. TALCO – É um silicato de magnésio, untuoso ao tacto, de baixa dureza, elevada resistência eléctrica e ao choque térmico. Sofre baixa retracção por cozedura. A esteatite é uma rocha maciça, dominantemente constituída por talco, e a pedra de sabão é uma rocha em que a presença do talco lhe transmite a possibilidade de ser facilmente esculpida. Ocorre de preferência em relação com rochas ultrabásicas muito alteradas, geralmente serpentinizadas ou com rochas dolomíticas de idade pré-câmbrica muito metamorfizadas. Aplica-se na confecção de vários produtos na indústria farmacêutica e na cosmética; como carga nas indústrias das tintas, papel, borracha; no fabrico de cerâmica branca. BARITE – É, quimicamente, o sulfato de bário. Tem densidade elevada, inércia química e baixa dureza. Ocorre em filões associada, por vezes, com minerais metálicos ou em depósitos residuais resultantes da meteorização de depósitos pré-existentes. É utilizada na fabricação de papel, travões, plásticos e tintas. Uma das suas principais aplicações é em sondagens profundas, fazendo parte das lamas de sondagem. BERILO – Quimicamente é um ciclossilicato de alumínio e berílio. Tem ponto de fusão e dureza elevados. Aplica-se nas janelas de saída dos aparelhos de raios X,


Silvério Prates Carvalho

é moderador de reacções nucleares e constitui barreira contra o calor em cápsulas espaciais. GRAFITE – É o carbono puro. Tem cor negra, baixa dureza e é untuosa ao tacto. É quimicamente inerte, refractária, infusível e bom condutor de calor e electricidade. Tem a sua génese no metamorfismo de camadas de carvão ou de sedimentos carbonosos. O grau de grafitização depende da composição da rocha inicial e da temperatura e pressão a que esteve sujeita. A aplicação mais vulgar da grafite é nas minas dos lápis. Contudo é vasta a área das suas aplicações, como, por exemplo, no fabrico de lubrificantes; desaceleradores de neutrões na indústria nuclear, cadinhos refractários, baterias, etc. ROCHAS ORNAMENTAIS – Para que um maciço rochoso seja adequado para a extracção de blocos de rocha ornamental é necessário que apresente as seguintes características: que seja pouco fracturado, permitindo a extracção de blocos com dimensões mínimas de 0.80×1.00×1.90m; que a rocha seja dura, homogénea, resistente à compressão, flexão, choque e desgaste; que seja pouco porosa e com relativa inércia química; que mantenha a cor e o aspecto após polimento; que os recursos disponíveis permitam uma exploração economicamente rentável. As rochas ornamentais constituem, no nosso país, um produto economicamente importante dado o volume das suas exportações. A extracção envolve, no nosso país, vários tipos de rochas: Rochas ornamentais carbonatadas: mármores, evidenciando-se os famosos mármores da região de Estremoz; calcários micro-cristalinos, a pedra “lioz”, largamente aplicada na construção civil e monumental de Lisboa e arredores; calcários sedimentares intensa-

mente explorados no Maciço Calcário Estremenho e no Algarve; brechas, nome erradamente atribuído a rochas conglomeráticas de grande e variada beleza decorativa, que actualmente são exploradas no Algarve, em Alportel e Tavira, e que há alguns anos eram exploradas na Serra da Arrábida, recebendo a designação comercial de “brecha da Arrábida”. Rochas ornamentais siliciosas: os granitos, com cores e texturas diferentes, são largamente explorados no nosso país desde o Minho e Trás-os-Montes ao Alentejo, tendo-se desenvolvido nos últimos anos um importante pólo extractivo no Distrito de Portalegre; com importância muito mais reduzida, podemos referir a extracção de pórfiros ácidos em Alcácer do Sal, dioritos e gabros no Distrito de Évora, sienitos nefelínicos na Serra de Monchique e serpentinitos em Trás-os-Montes Ardósias e xistos – rochas que se podem dividir em placas e que, polidas ou não, se aplicam, com funções decorativas, na cobertura de telhados ou paredes. As ardósias, exploradas na região de Valongo, são também utilizadas no fabrico de mesas de bilhar. Referências Harben, P. W. & Bates, R. L., 1984. Geology of the Nonmetallics. Metal Bulletin Inc. Kuzvart, M., 1984. Industrial Minerals and Rocks. Elsevier. Amsterdam. Manning, D. A. C., 1995. Introduction to Industrial Minerals. Chapmann & Hall. Vários, 1991. Recursos Minerais Não Metálicos em Portugal. Geonovas, Número Especial 2. Lisboa. Velho, J. L., 2005. Mineralogia Industrial. Princípios e Aplicações. Lidel.

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62 Recursos minerais nĂŁo metĂĄlicos


GEONOVAS nº 23 e 24: 63 a 65, 2010/2011 A. Mateus 63

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Recursos. Caminho de um uso sustentável

Recursos minerais portugueses: património natural e motor de desenvolvimento A. Mateus Departamento de Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa.

amateus@fc.ul.pt

Palavras-chave: Recursos minerais; Portugal; produção e investimentos; potencial mineiro

O desenvolvimento de qualquer comunidade biológica depende da disponibilidade e consumo de recursos naturais, isto é das várias formas de provimento livremente oferecidas pelo Planeta (incluindo produtos de eco-serviços). Deste consumo resultam, obrigatoriamente, impactes ambientais diversos que, dependendo das suas características, perturbam de forma distinta os balanços críticos que se estabelecem entre vários sistemas terrestres, acabando, mais tarde ou mais cedo, por se tornar compatíveis com novos estádios evolutivos desses mesmos sistemas. Neste contexto, a comunidade humana não é excepção, muito embora a Civilização por si edificada tenha concorrido para consumos a uma escala sem precedentes, daqui emergindo impactes cuja magnitude ainda não conhecemos na totalidade. Esta afirmação assume especial importância quando se verifica que a maioria dos recursos naturais consumidos não é, de facto, renovável (porque os processos que determinaram a sua génese aconteceram num período particular da evolução da Terra ou porque estes progridem segundo taxas de tal modo lentas que não é plausível considerar a sua regeneração em tempo útil). Entre os recursos não renováveis, encontram-se os geológicos, nem sempre devidamente valorizados pelas populações e frequentemente encarados como inesgotáveis; são, no entanto, os mais explorados / transformados / utilizados, revelando-se indispensáveis à manutenção da qualidade de vida e ao desenvolvimento da Sociedade. Tendo em conta o padrão de crescimento manifestado pela população humana desde há várias décadas, assim como a sua enorme dependência dos recursos geológicos, fica claro que um dos maiores desafios / problemas actuais consiste na avaliação dos recursos indispensáveis à supressão das necessidades de mais de 6000 milhões de seres humanos numa base sustentável (balanço dinâmico entre imperativos económicos, sociais e ambientais). De acordo com as características do que é provido e dos processos envolvidos na sua formação, os recursos geológicos podem ser classificados em quatro grandes

grupos: hídricos, energéticos, minerais e solos. Considerando a organização dos temas propostos no quadro do AIPT e a própria estrutura da presente colectânea de ensaios, focar-se-ão apenas alguns aspectos relacionados com os recursos minerais (todas as provisões de matéria-prima metálica e não metálica), incluindo aqui, necessariamente, o urânio, não obstante este ser por vezes tratado como recurso energético (já que constitui a base do combustível nuclear). Neste âmbito, importa salientar que, desde finais de 2007, vivemos um período deveras preocupante, ditado por flutuações assinaláveis (tendencialmente crescentes) dos preços das matériasprimas, em certos casos marcadas por subidas vertiginosas. Este comportamento, abalando a delicada e complexa estrutura da Sociedade contemporânea, condiciona irremediavelmente a sua sustentabilidade futura. As razões que fundamentam a subida de preços são diversas, destacando-se as que se relacionam com: (i) alterações globais (incluindo os compromissos internacionalmente assumidos com as emissões de GEE); (ii) conflitos sócio-políticos regionais e focos de instabilidade internacional; (iii) dificuldade em lidar com o modelo global de produção e comércio de bens e produtos; (iv) problemas energéticos; (v) insegurança no abastecimento; (vi) investimento especulativo; (vii) políticas monetárias e controlo da inflação; e (viii) ofertas que tendem a posicionar-se abaixo da procura, especialmente como resultado do crescimento por parte de economias emergentes (como a China e Índia). Este cenário, embora parcialmente conjuntural, tem conduzido a taxas de valorização para a maioria das matérias-primas minerais (metálicas em particular) como há muito não se registavam (20 a 40%); durante o 1º trimestre de 2008, por exemplo, as cotações da onça de Pt, Au, Ag atingiram US$ 2192, US$ 953 e US$ 18, respectivamente, cifrando-se em cerca de US$ 8322 para a tonelada de Cu. Como resultado desta dinâmica, que se projecta de forma consistente para o futuro próximo, as reavaliações de recursos identificados têm vindo a suceder-se a um ritmo impressionante, procurando aumentar reservas e optimizar as extracções.


64 Recursos minerais portugueses: património natural e motor de desenvolvimento

Em muitos casos, estas actividades são acompanhadas por incremento considerável da prospecção e pesquisa de novas ocorrências, mormente em províncias metalogenéticas conhecidas (recursos hipotéticos), sem negligenciar os estudos geológicos que permitam a definição de contextos favoráveis à ocorrência de recursos especulativos. Portugal não tem sido alheio a este recrudescimento do sector mineiro, tendo registado em 2008 um investimento da ordem dos 600 M€, para além dos cerca de 15 M€ anualmente aplicados em trabalhos de prospecção e pesquisa (dados da Direcção Geral de Energia e Geologia). As actividades em curso e planificadas para várias concessões que se estendem por largas centenas de km2, de Norte a Sul, embora dominadas por investimento estrangeiro (com especial destaque para o Japão, Canadá, Suécia e Austrália), muito devem ao conhecimento geológico existente sobre o território nacional, o qual tem permitido delimitar e valorizar as áreas com maior interesse económico.

Fruto de uma evolução longa e complexa, o substrato geológico de Portugal apresenta grande diversidade, sendo rico em recursos minerais de vários tipos. A exploração, transformação e utilização destes recursos tem ocorrido de forma relativamente contínua desde épocas pré-romanas e, ainda hoje, tem assinalável importância regional, representando pouco menos de 1% do PIB. Nos últimos 35 anos, a actividade extractiva tem tido um peso relativo crescente na economia nacional, acompanhando o desenvolvimento registado a partir dos anos 80 do século XX. Com efeito, até meados dos anos 80, a produção foi dominada por materiais de construção, com relevo para as rochas ornamentais (mármores e granitos), seguindo-se a produção de metais não ferrosos, pirite (enxofre) e carvão. Esta produção traduzia o carácter subeconómico da maioria dos recursos metálicos identificados até ao momento: em 1988, mais de 80% das exportações (≈187 M€, valor não corrigido relativamente à inflação) correspondiam a rochas ornamentais, o restante repartindo-se quase exclusivamente por W e U, e quantidades menores de Au e Ag. Com o início da

exploração de Neves-Corvo em 1989, o panorama alterou-se radicalmente; em 1994, a percentagem relativa de minérios metálicos exportados atingiu 56% (≈285 M€, valor não corrigido relativamente à inflação), cabendo aos minérios de cobre produzidos por aquele centro mineiro 45% deste valor. Dados oficiais recentes revelam que, em 2007, as exportações minerais atingiram 665 M€, posicionando-se em torno de 800 M€ no final de 2008 e perto dos 900 M€ em 2009. Actualmente e no quadro europeu, Portugal é o principal produtor de W; a sua produção de Cu é apenas superada pela obtida na Polónia e a de Zn compete entre as três primeiras posições. Em finais de 2007, as Minas da Panasqueira (Fundão), após um conjunto de investimentos em renovação tecnológica (que ultrapassou 15 M€), colocaram no mercado 130, 30 e 4 ton de concentrados de W, Cu e Zn, respectivamente. A Somincor, empresa que detém as Minas de Neves Corvo (Castro Verde), produz anualmente cerca de 340000 e 2000 ton de concentrados de Cu e de Sn, respectivamente; em 2007, esta empresa registou um volume de negócios superior a 500 M€ e, em 2008, investiu mais de 250 M€ na criação de condições adequadas ao aumento da produção de concentrados de Zn paralelamente aos de Cu. Um investimento de 150 M€ foi também concretizado em 2008 pela empresa Pirites Alentejanas visando a retoma da exploração nas Minas de Aljustrel; outras novidades poderão ocorrer breve neste couto mineiro em função dos estudos de viabilidade técnico-económica da exploração da massa de Gavião. Existem ainda algumas minas de ouro que poderão começar em breve a produção; algumas já funcionaram no passado, outras serão exploradas pela 1ª vez [a exploração experimental na Gralheira (Jales) teve início em 2008 e o arranque das actividades extractivas no Escoural (Montemor-oNovo) poderá acontecer em breve]. No sector das rochas e minerais industriais o panorama é, também, positivo, em boa parte mercê do crescimento registado pela indústria transformadora; as fileiras produtivas enfrentam hoje, contudo, novos desafios, relacionados não só com a pressão sobre a oferta, decorrente do incremento da concorrência internacional e da sofisticação crescente dos compradores, mas também com o novo enquadramento legal ao nível do ordenamento do território e do ambiente, questões que podem ser determinantes a médio-longo prazo. Em suma, o potencial mineiro nacional é bastante elevado. Continua a ser necessário, contudo, investir nos domínios da investigação e prospecção mineral, porquanto a identificação de novos alvos depende em larga medida da pesquisa multidisciplinar, contribuindo para a valorização deste património geológico; ilustram cabalmente esta afirmação, as várias descobertas registadas nos últimos anos, todas baseadas em estudos geológicos de elevado mérito. Constituem áreas prioritárias de in-


A. Mateus 65

vestimento a (re-avaliação de alvos potenciais para metais de alta tecnologia e de recursos minerais com reconhecido valor estratégico, para além de assegurar a gestão sustentável das reservas conhecidas de minérios metálicos, de rochas e minerais industriais. A este propósito convém notar que: (1) o sector das rochas industriais e ornamentais e das matérias-primas cerâmicas tem hoje um peso acrescido na economia nacional; e (2) mesmo no domínio das mineralizações metálicas, não são infundadas as expectativas criadas de se (re)iniciar a exploração de outros depósitos minerais (fundamentalmente para Au, Ag, Li e P), para além dos que no momento se encontram activos (essencialmente para Cu, Zn, Sn e W), ou ainda a possibilidade de descobrir novos alvos mineiros económicos. Importa ainda considerar de forma integrada e sem preconceitos infundados os recursos nacionais em urânio, os quais poderão representar uma importante mais-valia num futuro próximo face às projecções realizadas com base na presente conjuntura internacional; são várias as empresas que, no presente, mantêm interesse na concessão de Nisa (a maior jazida conhecida no País contendo cerca de 4000 ton de U3O8), aguardando pelo desfecho dos estudos de impacte ambiental, de saúde pública e de viabilidade económica; em Janeiro de 2008, por exemplo, a cotação do U3O8 atingiu o valor máximo histórico de 180 $US/kg

(5 vezes superior aos valores de mercado em 2005). Face aos trabalhos desenvolvidos recentemente, a prospecção detalhada de sedimentos detríticos (areias e cascalhos) da plataforma continental portuguesa poderá também ter início, podendo representar uma alternativa credível e economicamente vantajosa para as explorações em meio emerso. Referências Costa, L. R., 1994. Indústria extractiva, desenvolvimento sustentável e ordenamento do território em Portugal. Boletim de Minas, Lisboa, 31: 89-100. Costa, L. T., 2001. O sector mineiro metálico nacional nos anos 90 e perspectives de evolução futura. Boletim de Minas, Lisboa, 38: 3-23. Martins, L., Borralho, V., Moreira, J., Magno, C., Inverno, C., Oliveira, V., Torres, L., Matos, J. & Oliveira, D., 1998. Mineral Potential of Portugal. Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa, 60 p. Oliveira, V., 1986. Prospecção de minérios metálicos a sul do Tejo. Geonovas, 1(1-2): 15-22. Thadeu, D., 1965. Notícia explicativa da Carta Mineira de Portugal, escala 1:500000. Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa, 46 p.


66 Recursos minerais portugueses: patrim贸nio natural e motor de desenvolvimento


GEONOVAS nº 23 e 24: 67Jorge a 71,M.2010/2011 R. S. Relvas 67

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Recursos. Caminho de um uso sustentável

Faixa Piritosa Ibérica: principal província metalogenética portuguesa Jorge M. R. S. Relvas Dep. Geologia e CREMINER/LA-ISR, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa.

jrelvas@fc.ul.pt

Palavras-chave: Metalogénese; jazigos de sulfuretos maciços; faixa piritosa ibérica; Neves Corvo

A dimensão e densidade de ocorrência dos depósitos de sulfuretos maciços da Faixa Piritosa Ibérica (FPI) fazem desta uma das mais importantes províncias metalogenéticas do mundo no que se refere a esta tipologia de jazigos (Large & Blundell, 2000). Os cerca de 12.500 Km2 que esta província ocupa, no Baixo Alentejo e Andaluzia (Fig. 1), hospedam mais de 2.500 milhões de toneladas (Mt) de sulfuretos de metais básicos, distribuídos por mais de 88 depósitos conhecidos (Leistel et al., 1998; Carvalho et al., 1999). A esta elevadíssima densidade espacial acresce o gigantismo de muitos destes jazigos (a FPI contém 22% da totalidade mundial dos depósitos de sulfuretos maciços com mais de 32 Mt), e o facto, hoje conhecido, de que a sua formação ocorreu num curto intervalo de tempo geológico, há cerca de 350 milhões de anos, no final dos tempos Devónicos (Oliveira et al., 2006). No seu conjunto, os minérios da FPI contêm um volume de metais verdadeiramente extraordinário que denuncia a elevada produtividade da actividade hidrotermal mineralizante nesta bacia durante aquela breve janela de tempo. Os jazigos característicos da FPI são, em geral, fortemente piríticos, com concentrações localmente significativas de esfalerite, calcopirite e galena. O depósito-médio possui 30.1 Mt de sulfuretos maciços com 0.85% Cu, 1.13% Zn, 0.53% Pb, 38.5 g/t Ag e 0.8% Au (Tornos, 2006). Não obstante, em alguns depósitos (e.g., Neves Corvo, Águas Tenidas; Las Cruces), os teores em cobre, zinco, prata, ouro e, no caso de Neves Corvo, estanho, são muito superiores à média observada na província, deixando antever a existência de variáveis sin e/ou pós-metalogenéticas que podem condicionar fortemente a valorização económica de algumas mineralizações. A maioria dos depósitos da FPI inclui conjuntos de duas a seis massas de sulfuretos maciços e seus stockworks. Apesar da morfologia destas massas ser primariamente lenticular, muitas delas encontram-se fortemente tectonizadas, o

que lhes altera a geometria original e, frequentemente, as desmembra em corpos de menor dimensão. Os padrões de alteração hidrotermal nas rochas subjacentes às mineralizações são muito variados na sua morfologia: estratóide, em alguns casos (e.g., Tharsis), a coniforme em outros (e.g., Rio Tinto; Aljustrel; Fig. 2A), passando por distintas situações intermédias (e.g., Neves Corvo; Fig. 2B). As zonas de stockwork caracterizam-se por núcleos fortemente cloríticos (± pirofilite ± donbasite) e/ou enriquecidos em sílica, envolvidos por zonas de alteração sericítica extensas que, para a periferia, se enriquecem na sua componente sódica (Relvas, 1991). Com algumas excepções, as assinaturas mineralógicas, geoquímicas e isotópicas da alteração hidrotermal associada às mineralizações denunciam condições de pH moderadamente ácido, temperaturas de interacção fluido-rocha muito variáveis (70-400ºC) e associações mineralógicas típicas de baixa sulfidização (Relvas et al., 2002). Os depósitos evidenciam significativa diversidade quanto aos seus ambientes de deposição, incluindo precipitação em “brine pools” e substituição, na subsuperfície, de sedimentos argilosos/carbonosos, de rochas vulcânicas coerentes ou de rochas vulcaniclásticas (Relvas, 2000; Rosa et al., 2008; 2010). O ambiente geotectónico que presidiu à formação dos depósitos da FPI foi responsável por elevados gradientes geotérmicos regionais, favoráveis à circulação hidrotermal numa bacia ensiálica de primeira ordem, fortemente segmentada em semi-grabbens e compartimentada a várias escalas. Favoreceu igualmente a lixiviação de metais em profundidade, a geração de reservatórios de fluidos basinais altamente salinos e com elevada capacidade de transporte metalífero, e uma intensa actividade tectónica sin-vulcânica responsável pela focalização dos canais de descarga. A natureza relativamente superficial do magmatismo félsico e o seu quimismo sub-saturado em água tornam pouco provável que exsoluções significativas de fluidos aquosos de filiação magmática tenham tido lugar a partir dos magmas “secos” que alimentaram o


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vulcanismo félsico nesta província. As razões metalíferas dos minérios típicos da FPI são disso testemunho pois correlacionam-se bastante bem com as correspondentes

razões nas sequências metasedimentares de muro, sugerindo fortemente uma derivação dos metais por processos de lixiviação (e.g., Barriga, 1983).

Figura 1 – Mapa geológico da Faixa Piritosa Ibérica, com localização dos seus principais depósitos de sulfuretos maciços; adaptado de Oliveira et al. (2006).

Para além da água do mar, os fluidos envolvidos na geração dos depósitos da FPI poderão assim incluir, designadamente, os que resultaram da desidratação metamórfica da sequência sedimentar filito-siliciclástica subjacente ao edifício vulcano-sedimentar que hospeda as mineralizações, e/ou água do mar modificada com longos tempos de residência naqueles metasedimentos. Estas circunstâncias justificam a homogeneidade das razões metalíferas e das assinaturas dos isótopos radiogénicos na generalidade dos minérios da FPI, bem como as assinaturas pesadas ou muito negativas dos isótopos de oxigénio e de hidrogénio, respectivamente, e as elevadas salinidades dos fluidos envolvidos, sem requerer a intervenção de águas com qualquer outra derivação, numa clara aproximação a um modelo metalogenético híbrido entre os que caracterizam os jazigos de sulfuretos maci-

ços vulcanogénicos (VHMS) e os seus equivalentes exalativo-sedimentares (SEDEX) (e.g., Relvas, 2000; Relvas et al., 2006a; Jorge, 2009). O jazigo de Neves Corvo possui características de excepção no conjunto dos depósitos da província onde se insere e dos seus congéneres em todo o mundo (Pacheco et al., 2004). O jazigo contém abundante quantidade e elevadíssimos teores em estanho e a geoquímica dos seus minérios sulfuretados contrasta com a dos restantes depósitos no que se refere, por exemplo, aos teores em cobre ou às razões cobre/zinco característicos da província (Relvas et al., 2006a; Fig. 2C). Os dados isotópicos de chumbo, neodímio e ósmio disponíveis indicam que o regime de fornecimento dos metais em Neves Corvo se afasta significativamente das fontes que tipificam a sua província metalogenética (Relvas et al., 2001; Munhá et


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al., 2005; Jorge et al., 2007). Aliados a evidências indirectas várias, estes resultados indicam que, para além das componentes metalíferas que se associam aos processos e reservatórios próprios dos sistemas hidrotermais característicos da FPI, os minérios de Neves Corvo incluem outras contribuições metálicas relacionadas com fontes profundas, provavelmente de natureza magmático-hidrotermal (Relvas et al., 2006b; Marques et al., 2008). Estas circunstâncias, conjugadas com a possibilidade, já verificada em depósitos típicos da FPI, de se potenciar a sua exequibilidade económica focalizando esforços em concentrações de metais geradas por processos de enriquecimento tectono-metamórfico ou supergénico (Gaspar et al., 2008; Pinto et al., 2005), ou de se incluírem entre os activos a explorar os metais preciosos ou de

interesse estratégico (e.g., In, Ge, Co, Ga), tem permitido perspectivar novos perfis de viabilização económica para a indústria extractiva nesta província (Oliveira et al., 2006; Relvas et al., 2009). Desde finais da década de setenta que muitos investigadores portugueses mantêm em continuidade um papel activo no desenvolvimento de estudos na Faixa Piritosa Ibérica, vários destes internacionalmente reconhecidos como constituindo importantes contribuições nas diferentes áreas do conhecimento abordadas, do magmatismo, metamorfismo, sedimentogénese ou vulcanologia física, à metalogenia pura ou aplicada à prospecção, e à geoquímica de superfície/reactividade mineral e impacte ambiental (e.g., Munhá et al., 1986; Barriga, 1990 e referências citadas; Fig. 2D).

a

c

b

d

Figura 2 – a) corta Atalaya, Mina de Rio Tinto; b) stockwork sob a massa de Corvo, Mina de Neves Corvo; c) minério cuprífero de alto teor, Mina de Neves Corvo; d) excursão de Campo na Faixa Piritosa Ibérica (Bob Hodder Field Trip, 1994); (da esquerda para a direita) Francisco Silva, Victor Oliveira, Francisco Bernardino, Tomás Oliveira, Nelson Pacheco, Pedro Carvalho, João Albernaz, José Brandão e Silva, Alfredo Ferreira, Álvaro Beliz, Rui Baptista, Paulo Caetano Noiva, Fernando Barriga, Bob Hodder e João Matos.


70 Faixa Piritosa Ibérica: principal província metalogenética portuguesa

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72 Faixa Piritosa Ibérica: principal província metalogenética portuguesa


GEONOVAS nº 23 e 24: 73 a 76, 2010/2011 A. Mateus 73

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Recursos. Caminho de um uso sustentável

Metais críticos à consolidação das soluções tecnológicas do futuro: o exemplo dos ETR A. Mateus Departamento de Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa.

amateus@fc.ul.pt

Palavras-chave: Metais de alta tecnologia; elementos do grupo Terras Raras; inovação tecnológica; economia mineral

A crise económica e financeira global, percepcionada desde 2004, deflagrou de forma incontrolada no 3º(4º) trimestre de 2008 e o seu desenlace está longe do fim, não obstante os discursos de optimismo e confiança proferidos por muitos agentes políticos, financeiros e económicos. Com grande probabilidade os efeitos da crise deverão sentir-se de forma variada (e oscilante) por mais de uma década [vejam-se, por exemplo, as projecções da OCDE, FMI e BEI], reflectindo o declínio dos paradigmas prevalecentes durante todo o século XX, por sua vez enraizados num modelo energético e produtivo que, iniciado na Revolução Industrial, há muito denuncia forte desgaste. Neste tempo de transição, os impactes sociais e económicos são muito diversos, mas invariavelmente pungentes, potenciando a proposição de medidas que até podem solucionar algumas questões a curto prazo, mas que abrem portas a muitas outras dificuldades no futuro. Uma saída referida com insistência, consubstanciando uma clara opção política em muitos países, consiste no denominado “choque tecnológico”. Ou seja, a mudança de paradigma para ultrapassar com sucesso a crise global passa, no entender de muitos decisores políticos, pelo desenvolvimento e uso massificado de mais e melhor tecnologia [i.e. de novos dispositivos electrónicos, de sistemas energéticos sofisticados (que reforçarão as anunciadas alternativas aos combustíveis fósseis), de mais robótica, de mais nano e biotecnologia]. Sucede, no entanto, que esta via não pode ser adoptada de forma deslumbrada sem cuidar dos diversos inconvenientes que potencialmente acarreta, designadamente: [i] por insistir na manufactura intensiva de um elevado número de produtos, cujo escoamento potencia o consumo massificado e o desperdício; [ii] por ignorar ou tentar ocultar que o motor da iniciativa tecnológica é, na maior parte dos casos, alimentado pela sucessiva renovação dos produtos, muitas vezes ditada pelo marketing (ditando a moda) ou sustentada por determinados incentivos fiscais/financeiros (perdendo ímpeto quando estes últimos se esgotam); ou seja,

quanto mais depender da novidade, mais curtos serão os ciclos de obsolescência dos produtos tecnológicos e, portanto, mais efémeros e menos intensos são os efeitos reprodutivos dos “choques tecnológicos” nas economias e na qualidade de vida das comunidades que deles se servem; e [iii] por depender, de forma evidente, de um conjunto de metais, ditos de alta tecnologia, nomeadamente do In, Ge, Ga, Li, Be, Y e Elementos do grupo das Terras Raras (ETR). No que diz respeito aos ETR, o problema maior não é a sua raridade, mas sim a dispersão com que se encontram na crusta litosférica, o que dificulta a delimitação de áreas com potencial económico significativo, e o facto de, presentemente, mais de 95% da sua exploração e processamento tenha origem na China, podendo comprometer a segurança do abastecimento futuro aos países que tentam constituir-se como modelos económicos, tecnológicos e sociais de referência (tal como o Japão, EUA e vários estados da UE). Na verdade, a explosão das aplicações que envolvem ETR ainda se encontra na sua infância, pelo que a volatilidade existente no sector é elevada, convidando a especulações de natureza diversa. Mas será uma enorme inconsciência não dar o devido valor às repercussões potenciais decorrentes do Relatório Preliminar do Governo Chinês anunciado em Agosto de 2009 para o sector dos ETR. Poder-se-á argumentar que as medidas limitativas declaradas pelo Governo Chinês à exportação de ETR, como resultado da necessidade de prover o seu mercado interno, representam apenas uma forma de pressão para cativar mais investimento estrangeiro, anular competidores directos na manufactura de novos produtos/componentes, reforçar o seu protagonismo internacional e promover políticas de proteccionismo comercial. Mas o certo é que as medidas comunicadas são compatíveis com os objectivos de crescimento económico (e industrial) chinês a curto e médio prazo, bem como com os investimentos realizados pelo Governo Chinês na prospecção, exploração e


74 Metais críticos à consolidação das soluções tecnológicas do futuro: o exemplo dos ETR

beneficiação de diversas matérias-primas minerais em numerosos territórios estrangeiros. A transferência de competências na tecnologia de processamento de ETR, bem como nas tecnologias de aplicação de ETR, dos EUA e UE para a Ásia tem permitido à China desenvolver e consolidar a sua indústria de ETR. Com efeito, a redução gradual da exportação chinesa de matéria-prima e concentrados de ETR tem forçado a deslocalização para este território das indústrias de separação, refinação e produção de metais ou de ligas metálicas para diferentes aplicações. Mas outra das razões que tem sustentado a deslocalização e, consequentemente, o investimento de empresas estrangeiras na China (em particular na última década), decorre da existência de mão-de-obra especializada/qualificada e conhecimento científico-tecnológico avançado. Tal não acontece por mero acaso, sendo fruto de uma estratégia anunciada em 1998 pelo Ministro chinês de Ciência e Tecnologia (Science, Dez. 18, 1998, p. 2171), consubstanciada num programa nacional de ID&T que consagrou a “Fundamental Research in REE materials” como uma das 15 prioridades de investigação com financiamento assegurado. Como resposta à hegemonia chinesa nesta fileira económica, o governo japonês divulgou no final de 2009 uma iniciativa intitulada “Strategy to Ensure a Stable Supply of Rare Metals”, fundamentando a necessidade de armazenamento estratégico interno, bem como a con-

veniência em assegurar acesso a recursos estrangeiros por vias diversas (incluindo investimento directo em projectos de prospecção/pesquisa e de tratamento/beneficiação de matérias primas). Também os EUA reagiram através da apreciação pelo Congresso, com carácter prioritário, da proposta “Rare Earths Supply-Chain Technology and Resources Transformation” (Restart Act, 2009), reconhecendo a importância estratégica do mercado de ETR no sector tecnológico e salvaguarda da segurança nacional (mercê da importância de vários ETR na manufactura de componentes usados na construção de equipamentos militares tecnologicamente sofisticados). Na mesma linha de preocupações, a UE inscreveu os ETR como metais prioritários/estratégicos na “Raw Materials Initiative” (lançada pela Comissão Europeia em Novembro 2008 e aprovada por todos os Estados Membros no quadro do Conselho de Competitividade reunido em Maio e Dezembro de 2009), confirmando o seu papel crucial no difícil caminho da retoma económica, necessariamente alicerçada na manufactura de produtos inovadores e competitivos. Neste particular, para além da indústria automóvel (com significativo impacte no PIB de vários países europeus, designadamente na Alemanha, Itália, França e Reino Unido) e das telecomunicações (especialmente relevante na Finlândia), está também em causa a política e a estratégia da UE no que respeita à adopção crescente de “energias limpas” com recurso aos sistemas eólicos (cuja tecnologia é liderada pela Noruega e Dinamarca) e foto-voltaicos (representando investimentos muito importantes em diversos países, destacando-se a Espanha, Reino Unido, França, Holanda e Alemanha). Os ETR são hoje parte insubstituível do estilo de vida

Tabela I: Elementos fundamentais na análise da produção/consumo mundial [declarada e projectada] de ETR (A), descriminando as principais aplicações destes metais (B). Dados de referência apresentados pela Industrial Minerals Company of Austrália Pty Ltd (IMCOA) em Dezembro de 2009. Os valores referidos para 2010 e 2014 correspondem a projecções conservadoras.

A País

2008; t

2009; t

2010; t

2014; t PRODUÇÃO

China Outros TOTAL

*115000

90000

120000

165000

9000

6500

7500

38500

124000

96500

127500

203500 PROCURA

China

77000

65000

82000

133000

Outros

54000

**25000

53000

72000

TOTAL

131000

90000

135000

205000

* Em documentos de outras fontes, o valor declarado é de 139000t de ETR refinados. ** A quebra registada em 2009 deve-se fundamentalmente ao facto do Japão ter privilegiado o consumo de ETR entretanto armazenados no seu “stock estratégico”, minimizando a saída de divisas num período de forte instabilidade financeira internacional.


A. Mateus 75

Recursos. Caminho de um uso sustentável

B Aplicação

ETR

Procura

Procura

Aplicações de maior crescimento

(2008); (2014); t t Magnetes permanentes*

Nd, Pr, Dy, Tb, Sm

26500

47500 Veículos diversos

Baterias híbridas Ni-M

La, Ce, Pr, Nd

22500

51000 Veículos híbridos

Conversores catalíticos

Ce, La, Pr, Nd

23000

33000 Controlo de emissões em veículos híbridos

marcadores Eu, Y, Tb, La, Dy, Ce, Pr, Gd

9000

14000 Tecnologia de plasmas (LCD, PDP); aplicações biomédicas; lasers

Pós de polimento

Ce, La, Nd, “misturas ETR”

15000

22500 Tecnologia de plasmas (LCD, PDP)

Aditivos específicos (vidros)

Ce, La, Nd, Er, Gd, Yb

12500

14500 Câmaras digitais, fibras ópticas

Cerâmicas especiais e “Misturas componentes** cruciais de ETR” outras aplicações

15000

22500 Componentes de computadores, telemóveis e de outras tecnologias avançadas de comunicação

Iluminação e fosforescentes

TOTAL

124000

híbridos,

motores

205000

*Inclui magnetes usados em “hard-disk drives”, aerogeradores e motores eléctricos em veículos híbridos. ** Inclui sistemas de navegação usados na indústria militar (mísseis) e aero-espacial, filtros de água ultra-finos para retenção de vírus e bactérias e limpeza de agentes como o gás Sarin e o VX.

que impera nas sociedades desenvolvidas, integrando componentes vitais ao funcionamento adequado de variadíssimos equipamentos e produtos, alguns dos quais de uso massificado (Tabela I). As perspectivas futuras, designadamente as decorrentes da mudança de paradigma na indústria automóvel ou no abastecimento energético por via de sistemas tecnologicamente sustentáveis, adivinham-se bastante auspiciosas, não só devido ao facto de muitas das inovações incluírem elementos de base tecnológica avançada cuja manufactura exige quantidades significativas de ETR (por vezes de um ou outro metal específico), mas também porque não se conhecem substitutos (naturais ou sintéticos) e porque as taxas de reciclagem e reutilização são praticamente inexistentes. Estas evidências projectam o crescimento da taxa de procura anual de ETR em cerca de 10% para os próximos 15-20 anos e têm justificado o reforço do investimento em prospecção e pesquisa mineral por parte de numero-

sas empresas. Todavia, o reconhecimento de anomalias em ETR passíveis de exploração económica não é fácil, o mesmo acontecendo com os processos adequados (rentáveis e eficientes) ao tratamento e beneficiação dos concentrados ricos em fases minerais contendo ETR. Serão, pois, necessários mais alguns anos para que os projectos de maior potencial económico recentemente identificados em território australiano, norte-americano e sul-africano se consubstanciem em centros produtores de referência mundial. Uma vez em funcionamento, estes novos empreendimentos poderão colocar cerca de 50000t/ano de ETR no mercado a partir de 20152020, cifra ainda assim inferior às projecções conservadoras de demanda. As concentrações em ETR com maior significado económico são hospedadas em, ou ocorrem associadas a, rochas intrusivas (per)alcalinas e carbonatíticas. O primeiro grupo, especialmente rico em ETRP, desenvolve-se


76 Metais críticos à consolidação das soluções tecnológicas do futuro: o exemplo dos ETR

em estreita ligação com fases específicas da evolução de complexos (per)alcalinos polifásicos de grande dimensão, geralmente com as pulsações tardias marcadas pela formação de sistemas granito-sieníticos, granitos peralcalinos (e pegmatitos derivados), quartzo-sieníticos e sienito-gabróicos subsaturados. O segundo grupo, usualmente contendo abundantes ETRL, relacionase com a progressão das transformações magmáticohidrotermais operadas durante os estádios finais de instalação/diferenciação do complexo, particularmente se envolverem ferro-carbonatitos. Em ambos os casos, porém, a intensidade e extensão dos efeitos imputáveis à meteorização química afiguram-se determinantes ao desenvolvimento de enriquecimentos residuais ou supergénicos, não raras vezes potenciando de forma significativa o valor económico do recurso (até porque os custos de extracção são, regra geral, inferiores).

Referências Castor, S. B., 2008. Rare earth deposits of North América. Resource Geology, 58(4): 337-347. Haxel, G. B., Hedrick, J. B. & Orris, G. J., 2002. Rare earth elements – critical resources for high technology. USGS Fact Sheet 087-02, 4 p. Linnen R. L., Samson I. M., [eds], 2002. Rare-element geochemistry and mineral deposits. Geological Association of Canada Short Course Notes 17, 341 p. Mariano, A. N., 1989. Economic geology of rare earth elements. Geochemistry and Mineralogy of Rare Earth Elements. (B. R. Lipin & G. A. McKay, Editors), Reviews in Mineralogy, Mineralogical Society of America, 21: 309338. Orris, G. J., Grauch, R. I., 2002. Rare earth element mines, deposits, and occurrences. USGS Open-File Report 02-189, 174 p.


GEONOVAS nº 23 e 24: 77 a 78, 2010/2011 Luis Martis 77

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Recursos. Caminho de um uso sustentável

Novos modelos de gestão de recursos geológicos na UE Luís Martins Director de Serviços de Minas e Pedreiras. Direcção Geral de Energia e Geologia – DGEG. luis.martins@dgge.pt

Palavras-chave: Recursos minerais, União Europeia, ordenamento do território

Em 2000, os 15 países da CE consumiram cerca de 30 ton/per capita de matérias-primas minerais, necessários para manter o seu nível de vida, o que representou um consumo total de 11295 Mton; a indústria extractiva é a única que pode obter estes materiais para uso doméstico e industrial. O desenvolvimento e manutenção do bem-estar social estão directamente relacionados com o consumo de recursos. No entanto e apesar da moderna indústria extractiva (pós anos 60) não ser dos sectores mais poluentes, é vista pela opinião política e pelos media e classe política com uma má imagem, muitas vezes injusta e deturpada porque avaliada fundamentalmente na base do impacte visual. Por outro lado, a aprovação, implementação e desenvolvimento de recentes directivas da Comunidade Europeia, tem limitado consideravelmente o acesso da indústria a recursos geológicos essenciais, o que é altamente penalizante, já que a localização geográfica de um depósito geológico de alto valor económico é controlado por um processo natural e não pode ser escolhido ou modificado.

Nos últimos anos, a indústria extractiva tem vindo a adoptar uma nova postura, apoiada política e governamentalmente e abarcando todo o ciclo de vida das matérias-primas, desde a prospecção e encerramento, até à reutilização.

Em 2000 o grupo de trabalho “Raw Materials Supply Group”, coordenado pela DG Empresa da CE, produziu a Comunicação- COM-(2000)-265 sobre a aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável na indústria extractiva (foi o primeiro sector industrial europeu a fazê-lo), intitulada “Promoting Sustainable Development in the EU Non- Energy Extractive Industry”, na qual se propõem algumas acções prioritárias. Destas prioridades salienta-se a necessidade de manter e incrementar o diálogo entre todos os parceiros e, consequentemente, de se criarem grupos de trabalho que as abordem de forma pragmática; daqui resultou a constituição de grupos para estudo dos temas “Segurança Mineira”, “Indicadores de Desenvolvimento Sustentável”, “Alargamento” e “Restruturação do RMSG”. Salienta-se o trabalho produzido pelo segundo grupo, identificando e definindo uma série de indicadores, cuja utilização permitirá: (i) construir uma análise de risco sólida das diferentes explorações mineiras e, deste modo, premiar as empresas que tenham uma conduta ambiental, económica e social responsável, penalizando as irresponsáveis; (ii) melhorar a imagem da indústria extractiva, junto da opinião pública e classe política; (iii) aumentar a capacidade da indústria extractiva em aceder ao território e aos recursos minerais, competindo com outras actividades económicas e valores ambientais; e (iv) fornecer uma ferramenta poderosa aos decisores, para que eles possam desenvolver políticas mineiras mais justas e de melhor qualidade. Tendo em conta o factor espaço, verifica-se que a disponibilidade dos recursos tem diminuído drasticamente, porquanto o acesso ao território é extremamente difícil para o sector mineiro, existindo profundos desequilíbrios se compararmos esta situação com a de outras indústrias. A questão da acessibilidade aos recursos minerais é, assim, chave para o futuro da indústria extractiva e consequente manutenção da nossa qualidade de vida, devendo estar em igualdade com outras utilizações do solo. Deste modo, a inclusão desta problemática no ordenamento do território tem vindo a ter uma crescente importância, numa perspectiva global e integrada, tendo


78 Novos modelos de gestão de recursos geológicos na UE

como modelo o conceito de desenvolvimento sustentável e com o objectivo de repor o equilíbrio entre os pilares económico, social e ambiental que o sustenta. Várias medidas deverão então ser tomadas para resolver este problema de acessibilidade aos recursos minerais, de entre as quais se destacam: (i) desenvolver uma política europeia que permita preservar o balanço crítico entre uma exploração racional de recursos e a conservação da natureza e da biodiversidade (é possível e imperioso que aconteça), incluindo ajudas financeiras para projectos de remediação e de património mineiro; (ii) harmonização legislativa entre os aspectos ambientais e os mineiros (i.e. todos os actores deverão mover-se no mesmo enquadramento legal e deverão ser estabelecidos códigos de boas práticas); (iii) fomentar políticas que impeçam a importação maciça, desnecessária e por vezes com altos custos, de matérias-primas, bem como a exportação dos problemas ambientais para países que não possuem nem dinheiro nem conhecimento para os controlar e mitigar; (iv) proteger os recursos minerais europeus contra políticas externas de “dumping”, para que se evite o encerramento prematuro de algumas minas e os consequentes problemas sociais; (v) promover políticas que permitam avaliar, em situações de conflito, a melhor alternativa económica, ambiental e social para o uso do solo, as quais terão que ter em conta o facto de que um depósito mineral é uma ocorrência natural cuja localização não pode ser alterada; (vi) definir políticas e afectar recursos financeiros à monitorização do uso do solo a longo prazo (a Europa tem boa legislação, mas a sua aplicabilidade é por vezes difícil, devido a limitações naqueles recursos); e (vii) desenvolver esquemas de acreditação que identifiquem claramente os parâmetros sobre os quais a actividade mineira se deve reger, de forma a que todos os actores (comunidades locais, empresas, governos, comerciantes e consumidores) sejam devidamente informados sobre a sustentabilidade da utilização dos re-

cursos.No sentido de estimular uma gestão eficaz dos recursos minerais, compatibilizando as fileiras extractiva e de transformação com as preocupações ambientais e de responsabilidade social, importa construir políticas verdadeiramente sustentáveis a longo prazo, baseadas em: (i) inventariação, prospecção e valorização dos recursos minerais; (ii) organização e gestão da informação geomineira (produzindo estatísticas robustas); e (iii) estudos de fluxo das matérias-primas. Esta abordagem global do ciclo de vida dos recursos minerais, deverá englobar ainda a preservação do património histórico que lhe está associado, sendo determinante no contexto da União Europeia e devendo ser mantida e promovida no seu relacionamento com outros espaços geográficos relativamente aos quais existem afinidades históricas, culturais e científicas, como a Ibero-América e os PALOP. Ou seja, é necessário um forte investimento no conhecimento geomineiro e na estreita cooperação com o sector privado. É neste contexto que o papel de instituições como os Serviços Geológicos assume primordial importância, sendo ainda incontornável na disponibilização pública organizada dos dados decorrentes das acções de inventariação e investigação no domínio dos recursos geológicos. Referências Christmann, P., Arvanitidis, N., Martins, L., Recoché, G. & Solar, S, 2007. Towards the Sustainable Use of Mineral Resources: A European Geological Surveys perspective. Minerals & Energy - Raw Materials Report, Oxford, Reino Unido, Volume 22, Issue 3 & 4, Sustainable Resource Management, No. 2. EC, 2005. COM(2005) 670 final - Estratégia Temática sobre a Utilização Sustentável dos Recursos Naturais. Bruxelas, Bélgica.


GEONOVAS nº 23 e 24: 79 a 81, 2010/2011 Rui Baptista 79

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Recursos. Caminho de um uso sustentável

O Petróleo – um recurso natural não renovável. Fonte da Energia do séc. XX, e por quanto tempo mais no séc. XXI? Oportunidades de emprego na indústria petrolífera para as próximas décadas Rui Baptista Petrogal Brasil - Galp Energia. Praça XV de Novembro, nº 20 - 13 andar – Centro, Cep: 20010-010 Rio de Janeiro-RJ, Brasil. Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa.

rui.baptista@galpenergia.com.br

Palavras-chave: Petróleo; recursos e reservas; paradigmas actuais; geociências

O petróleo, considerando-se neste conceito tanto os hidrocarbonetos líquidos como os gasosos, é um recurso natural que à semelhança de tantos outros não é renovável. Como tal, cada barril (ou metro cúbico) que se consome é um barril a menos no volume total disponibilizado pela generosidade dos processos naturais que para além de terem assegurado a sua geração permitiram que se acumulasse e preservasse em jazidas de onde pode ser extraído. O génio humano permitiu descobrir alguns dos segredos da natureza e, passo a passo, perceber os princípios que controlam os processos que levam à geração, migração, acumulação e preservação deste recurso. O mesmo génio tem permitido que sucessivas barreiras sejam vencidas possibilitando a exploração deste recurso em situações e ambientes cada vez mais agrestes, tanto em termos ambientais propriamente ditos, como em termos tecnológicos no sentido mais amplo da palavra. É claro que o vencer destas barreiras só tem sido possível pelo valor que a sociedade lhe atribui, viabilizando os esforços dispendidos no desenvolvimento de novas tecnologias. O petróleo tornou-se um bem essencial para a civilização do século XX ao assumir-se como o principal recurso energético substituindo, pelas suas qualidades e propriedades, o carvão que desde a revolução industrial se tinha tornado a fonte energética tradicional, dominando no séc. XIX e princípios do séc.XX. Foi no século XX, e principalmente após o início da sua segunda metade, que a indústria descobriu que o petróleo para além de fonte energética tinha um potencial até então não suspeitado ao servir como base para uma nova indústria, a da petroquímica. Neste sector o petróleo é a única fonte de matéria-prima, não tendo até agora sido encontrado qualquer substituto. Pelo contrário, o sector energético tem alternativas ao petróleo embora

nenhuma das soluções até agora identificadas se tenha revelado tão versátil e polivalente. Por esse motivo continua a ser um recurso cada vez mais valorizado e objecto de todo um conjunto de jogos políticos e económicos que nos últimos tempos o fizeram sobrevalorizar de uma forma sem paralelo ultrapassando os sobressaltos das duas crises petrolíferas do final do século XX. Os preços do petróleo subiram sempre que a procura se deparou com ofertas artificialmente limitadas por vontades políticas e conjunturais e sempre que apareciam notícias do esgotamento dos jazigos conhecidos. Muitas das profecias foram sendo sucessivamente postas em causa pelos geocientistas e pela engenharia que foram propondo novos conceitos e soluções e foram encontrando e pondo em produção novas jazidas de petróleo e gás. Este processo foi-se repetindo em diversos momentos criando-se na sociedade uma falsa ideia sobre a exaustão destes recursos. Sempre que alguém anunciava o fim do petróleo para daqui a uns poucos de anos eram anunciadas novas e importantes descobertas que protelavam esse fim. Durante alguns anos o petróleo que embarateceu por um excesso de oferta relativamente à procura, levou a que muitas das principais empresas e instituições de investigação aplicada abandonassem programas de formação de quadros e de linhas de investigação de novas técnicas exploratórias e de extracção. Como consequência os quadros técnicos deixaram de ser renovados, foram envelhecendo e progressivamente diminuindo. Os programas de prospecção e pesquisa foram diminuindo e durante uns anos deixou de haver descobertas significativas. Entretanto, economias até então pouco exigentes alteraram o seu padrão industrial e social tendo-se tornado grandes consumidores ultrapassando mesmo os tra-


80 O Petróleo – um recurso natural não renovável

dicionais países industrializados. As grandes empresas deixaram de ser capazes de encontrar novas jazidas que repusessem as reservas consumidas a um ritmo cada vez mais veloz. Para solucionar essa dificuldade adoptaram estratégias de fusão criando-se novas entidades que globalmente passavam a deter mais reservas. Porém, na realidade, esse aumento de reservas só era real para as novas empresas. As empresas aumentavam os seus “stocks” mas as reservas globais conhecidas, essas, só não diminuíam de forma drástica todos os dias porque o progressivo do aumento do preço foi viabilizando a produção de recursos até então subeconómicos promovendo-os a reservas economicamente rentáveis.

Mantendo-se as reservas provadas conhecidas e os níveis de consumo verificados nos últimos anos, as reservas de petróleo estarão exauridas dentro de quarenta anos. A grande dúvida é dar credibilidade a algumas das estimativas de reservas, sobretudo as do médio oriente que poderão estar sobreestimadas por razões de ordem política. Nesse caso e não havendo novas descobertas significativas as reservas conhecidas durarão um número de anos menor. A necessidade de encontrar novas acumulações é geradora de oportunidades de emprego para geocientistas e engenheiros durante as próximas décadas. As principais reservas de hidrocarbonetos conhecidas encontram-se no médio oriente. Projectando as reservas estimadas constata-se que nos últimos anos não tem havido aumento de reservas conhecidas nestas áreas. As anunciadas mega descobertas na Bacia de Santos não estão ainda reflectidas nestes gráficos. Nas águias profundas da Bacia de Santos além das jazidas que já foram confirmadas por perfurações, existem inumeras estruturas com potencial para conterem acumulações de hidrocarbonetos carecendo, no entanto, de confirmação através de poços exploratórios e testes de produção. As que já foram confirmadas por poços estão ainda numa fase de avaliação, só podendo ser classificadas de reservas quan-

do for anunciada a sua comercialidade. Globalmente o potencial das acumulações na Bacia de Santos podem vir a ser consideradas no “top ten” das acumulações de hidrocarbonetos até agora descobertas. No entanto os sucessos alcançados nesta nova província petrolífera não chegam para compensar os consumos mundiais de hidrocarbonetos que têm continuado a aumentar particularmente na América do Norte e sobretudo na ÁsiaPacífico durante a última década.

Fonte dos dados estatisticos: BP Statistical Review of World Energy 2007. Fonte: ASPO


Rui Baptista

O petróleo - Fonte de energia do séc. XXI ? As projecções da ASPO apontam para que em breve se atinja o Peak Oil e se entre num rápido declínio de produção. O consumo exacerbado verificado nos últimos anos não tem sido acompanhado por descobertas significativas pelo que estas projecções vão adquirindo alguma credibilidade embora possam sofrer algumas, maiores ou menores, variações consoante o ritmo de novas descobertas e a viabilização económica de recursos até agora submarginais. Esgotadas as possibilidades de renovação de “stocks” e diminuindo as possibilidades de novas fusões, as empresas voltaram a investir nos recursos humanos e a apostarem na pesquisa de jazidas em situações de fronteira tecnológica, ultrapassando todos os limites até então estabelecidos. A escassez de meios técnicos capazes de perfurar em condições de mares profundos levou à escalada dos custos diários de perfuração. Em média hoje um poço em águas profundas – 1000 a 2500 de coluna de água – exige investimentos da ordem de um milhão de dólares por dia. Estes valores só estão ao alcance das empresas com grande capacidade financeira e cultura para assumirem pesados investimentos de risco: risco geológico, risco tecnológico e risco financeiro. Os custos elevados de todas as operações de exploração e também as de desenvolvimento e produção, obriga as empresas a procurar soluções que lhes permitam diminuir os riscos de insucesso e a minimizar a probabilidade de ocorrência de danos ambientais. E como primeiro passo procuram para os seus quadros recém licenciados de elevado potencial. Procuram ainda que esses jovens quadros possam obter formação trabalhando junto de técnicos mais experientes.

Aos geocientistas, sobretudo os que têm como background as ciências geológicas e as ciências geofísicas, cabe a tarefa de definirem novos conceitos e objectivos, utilizando técnicas e meios sofisticados que lhes permitam minimizar as incertezas e aumentar a probabilidade de sucesso. O papel dos geólogos é fundamental. É na sua mente que se definem os conceitos de sistemas petrolíferos e de temas de pesquisa. Antes mesmo da investigação por sondagem os hidrocarbonetos têm de ser encontrados pela mente dos geólogos que têm de dominar conceitos e terem capacidade para criar modelos geológicos que sejam a um tempo coerentes e inovadores. Havendo uma acentuada escassez de técnicos experientes torna-se crucial que as escolas de ciências e de engenharias preparem os seus alunos para entrarem rapidamente num mercado de trabalho internacional competitivo, mas também aliciante pela quantidade e qualidade dos meios técnicos que lhe são hoje disponibilizados. Compete às escolas criar condições de formação que primem pela excelência. Compete aos estudantes esforçarem-se por tentar ter uma formação sólida que lhes abra as portas e lhes permita concorrer a oportunidades de emprego. Num mundo cada vez mais global, o mercado de trabalho neste domínio cada vez tem menos fronteiras. Referências AAPG Explorer – monthly publication for members – professional news ASPO – Association for the Study of Peak Oil&Gas BP Statistical Review of World Energy, 2007 Gomes, J. S. & Alves, F. B., 2007. O Universo da Indústria Petrolífera; da pesquisa à refinação. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 647 p.

81


82 O Petróleo – um recurso natural não renovável


Nuno Pimentel 83 GEONOVAS nº 23 e 24: 83 a 84, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Recursos. Caminho de um uso sustentável

Petróleo: um recurso natural baseado em recursos humanos Nuno Pimentel Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa.

pimentel@fc.ul.pt

Palavras-chave: Petróleo; recursos e reservas; qualificação de recursos humanos

Nos últimos tempos muito se tem falado do petróleo, principalmente por causa da subida vertiginosa do preço do barril, repetidamente escarrapachada nas capas dos jornais. Podemos pensar em muitas causas para esta situação, desde as questões políticas até às sociais, aparecendo pelo meio múltiplas referências a questões como a guerra, o desenvolvimento, ou a especulação, e a países como o Iraque, a China, os Estados Unidos, a Índia ou o Irão... No entanto, a verdade é que o petróleo permaneceu, enquanto Recurso natural presente no subsolo terrestre, inalterado em quantidade e qualidade, nestes brevíssimos tempos geológicos de um par de anos. Não se pode portanto falar de escassez de algo que continua a existir…. e cada vez até com maiores descobertas e expectativas… O que se passa então em torno desta questão? Cada vez que o preço de um bem aumenta, uma de duas causas fundamentais está por trás dessa situação… ou a escassez da oferta, ou o excesso de procura, sendo que ambas acabam por se traduzir numa única coisa: o desequilíbrio entre ambas. Sabendo nós que a procura tem efectivamente vindo a aumentar, fruto do desenvolvimento económico e social, deveremos que concluir que a oferta não é suficiente. Até aqui, todos de acordo… mas significará isso que “NÃO HÁ PETRÓLEO QUE CHEGUE “ ? O senso comum e os mercados parecem indicá-lo, mas a verdade é que o petróleo que existe chega perfeitamente para os próximos anos, para os anos para os quais está desde já a ser comprado nos mercados internacionais. Poderemos sem qualquer receio, e mesmo dentro das previsões de consumo mais extremas, assegurar que o petróleo será suficiente para as próximas décadas, poucas ou muitas consoante as opiniões. Mas porque falamos então de escassez da oferta? Pois aqui é que está o cerne da questão: não basta o petróleo “existir”, ele tem que ser procurado, extraído, transportado, transformado e fornecido. Ao contrário de outros recursos naturais como a água, os solos ou os materiais de construção, por exemplo, os hidrocarbonetos são de

muito difícil localização e ainda mais difícil extracção, requerendo tecnologias e conhecimentos muito complexos. A distância entre a simples “existência” de petróleo e a sua disponibilização aos consumidores é ocupada por um longo caminho que se inicia na sua pesquisa e termina na sua venda. Este caminho demora tipicamente uma década, durante a qual muito esforço humano tem de ser desenvolvido. Poder-se-á pensar que o meio de transporte essencial para percorrer esse longo caminho é o capital financeiro… e claro que isso constitui uma verdade incontornável. Mas mais importante ainda é a capacidade humana de pensar, de resolver, de descobrir, de criar modelos, de equacionar soluções, ou seja, de trazer petróleo à superfície a partir de uma suspeita inicial. O verdadeiro motor da produção de petróleo está no conhecimento, conhecimento necessário para procurar petróleo a milhares de metros de profundidade, em regiões remotas ou no fundo dos mares abissais, em locais onde nada do que existe à superfície e é visível aos olhos, fornece o mínimo indício da sua existência tão longínqua. Estamos a falar de conhecimento técnico e científico, de geólogos e de geofísicos… mas também de engenheiros, de físicos, de informáticos, de químicos, de centenas de pessoas envolvidas na transformação de uma intenção, expectativa ou promessa, em algo tão palpável como um barril de petróleo. Se os preços estão a subir, é em grande parte também porque esta extensa e complexa cadeia altamente qualificada não existe em quantidades suficientes para produzir todo o petróleo que já sabemos existir mas que ainda não conseguimos disponibilizar. Dito por outras palavras, a escassez é portanto e acima de tudo de recursos humanos, não do recurso natural em si. Se tivéssemos o triplo dos recursos para localizar e extraír o petróleo contido no subsolo, rapidamente inundaríamos o mercado desse Recurso Natural que nos vamos convencendo ser muito escasso. Se queremos ter mais petróleo, teremos que ter antes de mais meios para o obter. Depois disso poderemos discutir acerca de desenvolvimento sustentável, se o


84 Petróleo: um recurso natural baseado em recursos humanos

panorama é de 2 ou 5 décadas, se as energias alternativas o são de facto, etc. etc. Mas enquanto houver petróleo, e sabemos que muito há ainda, o objectivo só pode ser alcançá-lo, centrando depois os nossos esforços na sua utilização racional e para os fins mais nobres (em vez de o queimar sistemática e desalmadamente…). Mas isso é toda uma outra história… igualmente vital, se não mesmo mais, para o futuro da humanidade. Neste quadro de escassez de um Recurso Natural, em boa parte por escassez de meios humanos e técnicos para o explorar, o papel das universidades deverá ser, portanto, o de contribuir para a formação de recursos humanos nesta área do conhecimento, como aliás em muitas outras relacionadas com os Recursos Naturais em geral, e os Recursos Minerais em particular. A formação académica de geocientistas capazes de contribuír para a pesquisa e produção de Recursos Minerais, constitui assim um elemento estratégico do desenvolvimento, tanto a nível local como global, justificando um investimento continuado nesta área. Os recursos minerais de amanhã só poderão ser gerados e geridos por profissionais qualificados que obtenham na academia as ferramentas necessárias para tal, pois enquanto estão no subsolo eles apenas existem, não funcionando na realidade como recurso utilizável por todos. Objectivamente, dentro de uma década teremos como disponíveis os recursos que as instituições, com as universidades na primeira linha, souberem promover… e só os países ou empresas que desenvolverem essa visão estratégica poderão colher os frutos no médio e no longo prazo. O petróleo constitui apenas um exemplo actual e paradigmático de como o desenvolvimento da nossa sociedade, seja ao nível local ou global, depende acima de tudo do grau de qualificação dos seus recursos humanos, pois só estes saberão e poderão gerar e gerir os Recursos Naturais que o nosso país, em particular, e o planeta, em geral, nos forneceu e continua a fornecer. Se ousarmos exercitar a aplicação das ideias acima explanadas à nossa realidade local, poderá cada um de nós equacionar a importância da formação de geocientistas portugueses na área da Geologia do Petróleo. Des-

sa equação poderá resultar a diferença entre a eterna expectativa e a sólida construção de um rumo que nos conduza ao envolvimento neste importante domínio da actividade humana, seja em Portugal ou noutros países próximos ou distantes.

Figura 1 — A formação de estudantes para a indústria do petróleo é essenial para o futuro desse recurso. O trabalho de campo é a base para a formação geológica dos futuros profissionais. Na foto, estudo de reservatórios de canhão turbidítico na Praia de Santa Cruz.

Referências Correia de Pinho, A.; Pedrosa Junior, O. A. & Fernandez, E. F., 2009. Diccionário do Petróleo em Língua Portuguesa. Ed. Lexikon, S.Paulo, 638 p. Gomes, J. S. & Alves, F. B., 2007. O Universo da Indústria Petrolífera, da Pesquisa à Refinação. Fund.Cal.Gulbenkian, Lisboa, 647 p. Pena dos Reis, R., Pimentel, N.L., 2010. O papel da Academia na investigação aplicada à Geologia do Petróleo – exemplo da cooperação entre o CGUC e o CeGUL. e –Terra, Volume 19 – nº 1. http://e-terra. geopor.pt Velho, J. L., 2010. Petróleo, Dádiva e Maldição - 150 anos de História. Ed. Bnomics, 430 p.


S. Costa Pereira 85 GEONOVAS nº 23 e 24: Alberto 85 a 86, 2010/2011

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Megacidades. O nosso futuro global

Geologia e segurança nas cidades Alberto S. Costa Pereira CÊGÊ, Consultores para Estudos de Geologia e Engenharia, Lda; e Dep. Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. albertodacostapereira@gmail.com

Palavras chave: Baixa pombalina; níveis freáticos; assentamentos; monitorização

A área de Lisboa, hoje conhecida como Baixa Pombalina, foi alvo de ocupação por diversas civilizações ao longo do tempo, tendo tomado a sua forma actual após o terramoto de 1755. Da ocupação continuada desta área da cidade resultaram algumas alterações na sua morfologia, bem como nos materiais que hoje encontramos à superfície. Estas modificações, em particular as ocorridas durante os séculos XIX e XX, levaram a que ocorressea uma mudança no sistema de circulação das águas superficiais e subterrâneas, resultado da impermeabilização dos terrenos, devido à pavimentação das artérias da cidade, da canalização de linhas de água, da construção de caves e parques subterrâneos, da rede do Metropolitano, etc. Este conjunto de acções deu origem a algumas altera-

Figura 1 - Localização dos Piezómetros.

ções ambientais, nomeadamente a nível da circulação e caudais das águas subterrâneas. Dado que não existia em Lisboa um conhecimento do comportamento da circulação da água subterrânea, e em particular nesta área nobre da cidade, e aparecendo ciclicamente na imprensa “Velhos do Restelo” com previsões catastróficas sobre a estabilidade da zona, decidiu a Câmara Municipal de Lisboa dar início em 2003, à implementação de um sistema de monitorização dos níveis freáticos, composto por um conjunto de Piezómetros, (Fig. 1), instalados ao longo dos diversos arruamentos da Baixa Pombalina, numa faixa delimitada, a Norte pela Praça dos Restauradores - Praça da Figueira – Praça do Martim Moniz, a Sul pelo rio Tejo, a Este pela Rua dos Fanqueiros e a Oeste pela Rua do Carmo/ Rua Nova do Almada (CÊGÊ, 2005).


86 Geologia e segurança nas cidades

O sistema instalado destina-se à observação, ao longo de um período alargado, das variações do nível freático e da existência ou não de interacções com as marés sentidas no estuário do Tejo, bem como definir a área de influência das marés. Este tipo de observação permitiu desenvolver um modelo matemático de circulação das águas subterrâneas nos terrenos da Baixa de Lisboa, quer ao nível dos materiais aluvionares (essencialmente lodos, areias e misturas de ambos os tipos litológicos), quer dos materiais “in situ” de idade Miocénica (essencialmente argilas, areias e misturas entre elas).

Influência do abaixamento do nível freático de forma generalizada; • Consequências de construção de novas estruturas subterrâneas; e • Influência de rebaixamentos localizados do nível freático por extracção de água em furos de captação ou de drenagem Verificou-se que não ocorreram assentamentos significativos no período, nem que existe um comportamento diferenciado entre edifícios modernos ou antigos, no entanto é notória a grande influência da posição do nível freático sobre o comportamento dos edifícios, bem

Figura 2 - Localização das Marcas de Superfície (azul) e Bench Marks (amarelo).

Existindo uma relação directa entre a diminuição das tensões neutras no solo, ou seja, a diminuição da água no solo e a ocorrência de assentamentos ao longo do tempo, foi instalado igualmente um outro sistema para monitorização de assentamentos (Fig. 2), quer ao nível do solo (56 marcas de superfície), quer num conjunto de edificações escolhidas em função da sua importância e tipo de fundação (15 réguas), procurando-se aqui verificar a existência de diferenças de comportamento no caso de edifícios fundados em estacas de madeira, uma vez que seriam estes os mais afectados pela variação do nível freático. Já com quatro anos de observação, foi possível elaborar um modelo numérico para a variação do nível freático na Baixa, e pela exploração desse modelo, prever e verificar situações como: • Influência de alterações do nível do mar na zona;

comprovado pela existência de assentamentos significativos no torreão Norte da Praça do Comércio quando da necessidade de rebaixamentos do nível freático na zona durante a construção da Estação do Metropolitano do Terreiro da Paço. Verificou-se ainda a grande influência das marés no nível freático da Baixa, que mascara por completo a possível falta de recarga de montante, bem como a existência de circulação de águas de origem antrópica, quer de esgotos, drenagem ou de abastecimento de água.

Referência CÊGÊ, 2005. Modelação numérica do fluxo de água subterrânea na zona da baixa pombalina, em Lisboa, CÊGÊ – Geologia e Geotecnia.


de Almeida 87 GEONOVAS nº 23 e 24: 87 aGabriel 88, 2010/2011

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Megacidades. O nosso futuro global

Aspectos geológicos no projecto de estruturas subterrâneas em áreas urbanas Gabriel de Almeida Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. gmalmeida@fc.ul.pt

Palavras-chave: Áreas urbanas; estruturas subterrâneas; geotecnia; geologia de engenharia

A ocupação subterrânea em áreas urbanas é uma realidade que no presente não pode deixar de ser considerada ao nível das cidades pelas entidades que têm o encargo da Gestão e Ordenamento do Território. Muito frequentemente as razões e os critérios de escolha da localização das diversas estruturas subterrâneas não considera, com o pormenor desejável, o conhecimento prévio dos aspectos geológico e geotécnicos, que se admite possam não ser determinantes, mas que são sem dúvida um factor básico a merecer a consideração do planeador. A selecção do melhor local pode minimizar de forma significativa o custo do empreendimento, as dificuldades construtivas e mesmo a exploração definitiva, para além dos aspectos de ordem ambiental, que têm necessariamente de ser considerados relativamente aos impactes que a ocupação determine. A construção de estruturas enterradas, atingindo frequentemente profundidades médias da ordem dos 12 a 15 m, correspondentes a 4 ou 5 pisos, enquadradas em áreas urbanas, obriga ao recurso a tecnologias específicas de construção, cuja selecção passa pelo reconhecimento das características dos maciços geológicos. Este conhecimento permite adoptar a solução mais adequada às condições naturais e simultaneamente compatível com as condicionantes locais, como seja a existência de estruturas e infra-estruturas na envolvente urbana (Figura 1). Na análise de viabilidade de execução das estruturas enterradas, deverão salientar-se as características do maciço que determinam a maior ou menor facilidade da escavação a realizar. Assim, a localização desses trabalhos em maciço rochoso, onde o material exibe elevadas características resistentes e baixa fracturação, torna difícil o seu desmonte, obrigando ao recurso a metodologias menos correntes na área da construção civil, mas necessárias, devido às condicionantes de uma área urbana, como a impossibilidade do uso de explosivos ou as limitações ao uso dos martelos pneumáticos.

Como alternativa, será necessário o recurso a materiais expansivos ou ao corte com fio diamantado dos blocos rochosos. A prática destes últimos métodos, determinam um custo e um prazo de execução acrescidos. No caso da cidade de Lisboa, por exemplo, locais como a Av. Infante Santo, Ajuda, Estrela, Rio Seco, ou outras que se enquadrem nas formações calcárias e basálticas do Cretácico, poderão ser incluídas neste tipo de situações. No entanto, por vezes há hipótese de, através do reconhecimento geológico, se encontrarem localizações mais favoráveis. Por outro lado, no caso do local escolhido se enquadrar em zonas onde os materiais geológicos predominantes são rochas brandas ou solos, onde as condições de escavação ou remoção são favoráveis, coloca-se por outro lado, o problema da necessidade de contenção periférica da área a escavar, de modo a garantir na fase de obra a estabilidade dos taludes criados e das estruturas e infra-estruturas confinantes ou vizinhas. O reconhecimento prévio das características das formações geológicas a interessar pelos trabalhos, permitirá definir os parâmetros geotécnicos necessários à escolha da solução de contenção a adoptar e ao seu dimensionamento estrutural. A presença de formações de cobertura constituídas por aterros heterogéneos e/ou solos aluvionares ou deslocados, alcançando com frequência espessuras significativas e exibindo em regra características geotécnicas pouco satisfatórias, justifica, na maioria dos casos, o recurso a métodos específicos de contenção, como sejam as “Paredes de Berlim”, “Paredes Moldadas”, ou “Cortinas de Estacas”, pregadas, escoradas ou ancoradas provisoriamente, no sentido de se obviar aos deslocamentos e assentamentos nas áreas contíguas. Enquadram-se nestes casos os Parques Públicos de Estacionamento do Martim Moniz, Praça da Figueira, Restauradores, Praça do Município e outros. A maior parte destas situações ocorre em zonas de-


88 Aspectos geológicos no projecto de estruturas subterrâneas em áreas urbanas

pressivas, correspondentes a antigas ou actuais linhas de água, onde predominam solos aluvionares, em geral mais permeáveis e de características resistentes e deformabilidade menos satisfatórias. A percolação sub-superficial e a presença do nível freático a profundidade reduzida são frequentes nestas zonas.

Figura 1 — Escavação e contenção periférica da estrutura enterrada do Empreendimento do Campo Pequeno, Lisboa.

É na fase de Projecto, mediante os elementos do reconhecimento geotécnico, que estas questões têm que ser colocadas e resolvidas, deixando para a fase de Obra apenas aquelas que não puderam ser previstas e que com alguma frequência são numerosas. Estas situações serão tão mais numerosas quanto mais incompleto for o Estudo Geotécnico, ou a capacidade de interpretação do mesmo por parte do Projectista. O impacto ambiental é também factor relevante, em particular quando o local de construção tem condicionantes de ordem hidrogeológica. A vizinhança de linhas de água importantes, ou mesmo zonas de influência das marés, obrigam ao estudo detalhado do regime hidrológico e hidrogeológico, em particular no que se refere à interferência da estrutura enterrada. Esta poderá determinar alterações importantes nos caminhos de percolação e fluxo subterrâneo, constituindo por exemplo uma barreira ao escoamento com consequente subida de nível piezométrico a montante. Esta subida poderá originar alterações das características geotécnicas das áreas afectadas que justifiquem avarias estruturais e/ou assentamentos nas edificações e infra-estruturas.


do Espírito Santo 89 GEONOVAS nº 23 e 24:Glória 89 a 91, 2010/2011

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Megacidades. O nosso futuro global

Condicionantes geológico-geotécnicas na ocupação do subsolo Glória do Espírito Santo Câmara Municipal de Lisboa – Divisão de Apoio Técnico Segurança e Obras/Gabinete de Geologia (DATSO/CML). gloria.e.santo@cm-lisboa.pt

Palavras-chave: Áreas urbanas; geologia de engenharia; geotecnia; Lisboa

A cidade de Lisboa, como aliás outras, tem vindo a expandir-se ao longo dos anos. O crescimento das populações, associado à migração para os grandes centros habitacionais, em busca de novas e melhores oportunidades de trabalho e de vida, tem conduzido à expansão das cidades. Assiste-se, assim, a modificações constantes nesta grande cidade, ao nível da construção de edificações, ocupando: (i) as zonas livres de urbanização e que se situam, geralmente, nas “margens” da cidade; (ii) as zonas cujas características geológico-geotécnicas conhecidas levam a considerá-las pouco satisfatórias para a construção, e (iii) as zonas consolidadas onde algumas edificações pré-existentes dão lugar a outras, novas e com outras características, nomeadamente ao nível da ocupação do sub-solo, para estacionamentos, em cave. Esta ocupação do sub-solo para estacionamentos temse revelado necessária, a fim de proporcionar aos seus habitantes, comerciantes e visitantes, melhores condições de mobilidade e de vida, em geral. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) definiu, em 1938, as linhas gerais de desenvolvimento da cidade, quando, sob a presidência do Eng. Duarte Pacheco, contratou o arquitecto – urbanista Étienne de Gröer, que, conjuntamente com os serviços técnicos da CML, elaborou o Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa (PGUEL), que viria a ser aprovado em 1948. Posteriormente, outros Gabinetes de Estudos de Urbanização surgiram, sendo que em 1994 foi aprovado pela Assembleia Municipal de Lisboa e ratificado pelo Governo, o Plano Director Municipal (PDM). Trata-se de um instrumento de planeamento/ordenamento territorial de natureza regulamentar, cuja elaboração é obrigatória e da responsabilidade de cada Município. O PDM de Lisboa (em fase de revisão), estabelece as regras para utilização, ocupação e transformação do uso do solo em

1

todo o território do Concelho. Assim, os Projectos de Obras, sujeitos à aprovação do Município, obedecem a regras várias, contempladas no PDM, nomeadamente no que diz respeito às áreas a ocupar, condicionando a profundidade a atingir para a implantação dos pisos em cave dos novos edifícios a construir. Salienta-se que, aquando a execução das obras, e em particular, no decurso dos trabalhos contemplados nos Projectos de Especialidade de Escavação e Contenção Periférica aprovados pela CML1, para a construção dos pisos enterrados, as alterações induzidas no sub-solo, podem ser maiores ou menores, e/ou temporárias, dependendo do volume e metodologias de trabalho a realizar para essa construção. Pelo que, a fim de ser avaliada a obra e as eventuais afectações das condições normais das estruturas e infra-estruturas envolventes, tem sido prática corrente a integração de um Plano de Monitorização e Observação no Projecto de Escavação e Contenção Periférica. Trata-se de uma de uma ferramenta essencial para a prevenção e gestão de riscos, que visa garantir a realização da mesma em condições de segurança e de economia. Refere-se que, quando se projecta uma estrutura para um determinado local, para além do conhecimento das características gerais da mesma, é fundamental que se conheçam as características hidrogeológicas e geomecânicas dos terrenos a intersectar pela escavação cuja realização é necessária, para a construção das caves e das fundações da estrutura a edificar. De uma maneira geral, os edifícios antigos têm vindo a dar lugar a outros novos, localizados em áreas densamente urbanizadas, confinados entre outras edificações, por vezes em elevado estado de degradação; assim, estas condicionantes locais, associadas às condicionantes geológico-geotécnicas estimadas através da informação da Carta Geológica de Lisboa, ou conhecidas através de

Elaborado de acordo com o disposto no art.º 104 do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL).


90 Condicionantes geológico-geotécnicas na ocupação do subsolo

Estudos de Reconhecimento efectuados no local ou vizinhança próxima, conduzem à adopção de metodologias de trabalhos de escavação, contenção periférica e fundações cada vez mais específicas, tendo em conta igualmente, as profundidades que se pretendem atingir e a existência ou intersecção, ou não, de níveis de água, os quais deverão ser caracterizados. Em termos de metodologias de uso corrente, encontramos para zonas livres e novas de urbanização a construção de edifícios com 2 a 3 caves, envolvendo respectivamente, profundidades na ordem de 6 a 9 metros, soluções tradicionais de escavação, em sobreescavação e/ou escavação por troços alternados. Para as zonas mais urbanizadas, a execução dos pisos enterrados, leva à adopção de soluções de escavação que são normalmente acompanhadas por uma contenção periférica especial, do tipo parede “Berlim”, “Munique”, moldada, cortina de estacas/micro-estacas ou colunas de jet-grouting, entre outras, estabilizadas vulgarmente em fase provisória, por elementos metálicos, como escoramentos ou ancoragens, enquanto as lajes dos pisos enterrados não são executadas, o que virá a garantir a estabilidade definitiva da estrutura. Salienta-se ainda que, cada vez mais a adopção destas metodologias é função das características dos terrenos intersectados, garantindo-se assim uma melhor qualidade, tanto na execução, como na estrutura definitiva e minimizando as perturbações à envolvente (Figura 1). Vamos pois, assistindo a alterações no sub-solo da cidade, umas temporárias, ou seja no decurso da obra, restabelecendo-se em seguida o equilíbrio das condições gerais afectadas, e outras, tais como as que modificam os percursos das águas, que podem levar algum tempo a criar condições de estabilidade/regularização, podendo até, a longo prazo, virem a criar situações pontuais de instabilidade em zonas da envolvente à obra anteriormente decorrida. Esta questão, ainda pouco avaliada, está a tornar-se objecto de análise com elevada relevância, ao nível do Município da grande Cidade de Lisboa, no âmbito do Plano Director Municipal (PDM)2.

De uma forma geral, a CML visa qualificar e modernizar a cidade de Lisboa, a fim de, num futuro próximo, ser considerada uma da melhores cidades para se viver, trabalhar e investir.

Figura 1 - Exemplo esquemático da combinação de uma metodologia de escavação com contenção periférica do tipo parede “Berlim” ancorada, com a execução prévia de colunas de jet-grouting, para a execução de 4 caves do novo edifício, com manutenção de fachada, atendendo às condicionantes geológico-geotécnicas e hidrogeológicas locais.

Documentação relacionada I - RMUEL: Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (Aviso n.º 1229/2009, publicado no DR, 2ª série, n.º 8, de 13/01/2009). II – RJUE: Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (Decreto-Lei n.º 26/2010).

Esta questão encontra-se abordada, no Plano Director Municipal (PDM em revisão), e em planos mais específicos, como Planos de Pormenor (PP) e Planos de Urbanização(PU). 2


Glória do Espírito Santo

Foto A

Foto B

Figura 2 - As fotos A e B são exemplos de metodologias usadas em Obras de Escavação com Contenção Periférica especial, na construção dos pisos enterrados, de novos edifícios em áreas densamente urbanizadas da Cidade de Lisboa. Foto A: Obra de escavação com contenção periférica do tipo parede “Berlim” ancorada e escorada, provisoriamente. Foto B: Obra de escavação com contenção periférica do tipo cortina de estacas tangentes, na zona superior e secantes, na zona inferior, ancoradas provisoriamente.

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92 Condicionantes geológico-geotécnicas na ocupação do subsolo


GEONOVAS nº 23 e 24:93 a 94, 2010/2011 Isabel Moitinho de Almeida 93

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Megacidades. O nosso futuro global

Geologia urbana, cartografia geotécnica e bases de dados Isabel Moitinho de Almeida Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. imalmeida@fc.ul.pt

Palavras-chave: Áreas urbanas; aptidões geológicas e geotécnicas; obtenção e tratamento de informação

A evolução da ocupação urbana ao longo dos tempos foi sendo condicionada por múltiplos factores, incluindo condicionantes geológicas e geotécnicas que, em regra, tiveram como resultado a ocupação das zonas mais favoráveis. A partir do século XIX esta evolução sofreu alterações importantes, devido ao aumento exponencial da população e ao crescente afluxo para as áreas urbanas, com consequente desequilíbrio da distribuição da densidade populacional. Em 1900, com uma população de 6.480.000 habitantes, Londres era a cidade com maior número de habitantes do mundo e apenas mais 3 cidades ultrapassavam os 2 milhões de habitantes (Mh): Nova Iorque, Paris e Berlim. Em 1950 Nova Iorque e Tóquio tinha ultrapassado os 10 Mh, tornando-se as primeiras megacidades, e existiam mais 5 cidades com população superior a 5 Mh; Londres, Paris, Moscovo, Buenos Aires e Chicago. Em 2010 existem 21 megacidades e, de acordo com dados das Nações Unidas1, prevê-se que em 2025 existam 29. O conceito de megacidade não se limita ao número de habitantes, em regra considerado superior a 10 milhões de habitantes, mas também à densidade de população superior a 2.000 habitantes/m2, implicando, em todos os casos a ocupação de zonas com menor aptidão geológica e geotécnica. Esta situação é ainda em muitos casos agravada pelo facto de nas zonas mais desfavoráveis as estruturas, além de inadequadas, serem ocupadas pela população com menos recursos.

Do ponto de vista geológico e geotécnico o futuro das áreas urbanas, e em particular das megacidades, depende da integração de todos os respectivos recursos e condicionantes no planeamento. Esta necessidade, sentida desde muito cedo devido às restrições espaciais e à valorização de algumas áreas urbanas, traduziu-se na evolução da ocupação em profundidade e em altura, exigindo a realização de estudos geotécnicos. Na maioria das áreas urbanas o volume de informação geológica e geotécnica adquirida, apesar de disperso por numerosas instituições e em diversos formatos, pode, devidamente organizado, constituir um valioso contributo para o planeamento e gestão do espaço urbano. A evolução dos meios informáticos, incluindo as ferramentas associadas aos Sistemas de Informação Geográfica, permite actualmente a implementação de Bases de Dados Geológicos e Geotécnicos georeferenciados cujas potenciais aplicações estão longe de se esgotarem. A integração desta informação em bases de dados tem vindo a permitir novas abordagens, incluindo o tratamento e modelação geoespacial dos dados e diversas possibilidades de visualização. Depois da II Guerra Mundial a reconstrução de algumas cidades motivou o desenvolvimento de metodologias de tratamento dos dados geológicos e geotécnicos, culminando em novos tipos de cartografia, designadas por Cartografia Geotécnica. Em Portugal, a cidade do Porto, numa parceria entre a Câmara Municipal, a Universidade do Porto e uma Em-

http://esa.un.org/unpd/wup/index.htm - United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division. World Urbanization Prospects: The 2009 Revision 1


94 Geologia urbana, cartografia geotécnica e bases de dados

presa Privada, foi pioneira na elaboração de uma Carta Geotécnica associada a uma Base de Dados. O Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa tem vindo a colaborar com a Câmara Municipal de Lisboa na implementação de uma

Base de Dados Geotécnicos, contendo actualmente mais de 13000 sondagens, tendo em vista a modelação 3D e diversos tipos de consulta e visualização, constituindo uma Carta Geotécnica interactiva e actualizada, que permitirá a disponibilização eficiente da informação para o Planeamento e Gestão Urbanística (Fig. 1).

Figura 1 – Esquema da aplicação da Base de Dados Geológicos e Geotécnicos na modelação tridimensional.


António Ribeiro 95 GEONOVAS nº 23 e 24: 95 a 96, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Interior da Terra. Da crusta ao núcleo

Tectónica de placas António Ribeiro Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. aribeiro@fc.ul.pt

Palavras-chave: Ciclo de Wilson; deriva dos continentes; tectónica de placas

O avanço do conhecimento geocientífico nos últimos cinquenta anos foi em boa medida marcado pela formulação da Teoria da Tectónica de Placas, cujo refinamento ainda prossegue hoje. De facto, a Terra é um sistema em constante mutação que deve ser compreendido no seu todo. Assim, a evolução dos oceanos permite explicar a dos continentes: antes de nascer, um oceano traduz-se pela formação de um rift intracontinental (como na África oriental); na fase de juventude, gera-se um oceano estreito entre dois continentes (como o mar Vermelho); na fase adulta, o oceano alastra até larguras consideráveis (como o Atlântico); na fase de maturidade, o oceano é bordejado por zonas de subducção (como no Pacífico), gerando-se uma cadeia de tipo andino, e, se a velocidade de convergência nestas últimas superar a de divergência na crista, o oceano começa a fechar; na fase de velhice, o oceano está quase fechado (como no Mediterrâneo oriental); uma vez consumado o fecho do oceano, dá-se a colisão de continentes, gerando uma cadeia de montanhas de tipo Alpino. Concluído um ciclo, denominado Ciclo de Wilson, outro pode iniciarse, embora obedecendo a uma localização espacial geralmente repetitiva, mas eventualmente distinta. Esta sucessão de ciclos estende-se no passado até 2500 Ma; antes disso, deve ter ocorrido uma tectónica por convecção com células de menor dimensão, mais rápidas e mais instáveis. A Tectónica de Placas é, pois, uma Teoria à escala do globo e constitui o núcleo precursor do estudo da Terra como Sistema Dinâmico e Aberto. Com efeito, as investigações realizadas nas últimas décadas permitem concluir que a geração de crateras de impacto configura um processo geológico fundamental. Subsistem, no entanto, dúvidas quanto ao papel das chamadas plumas mantélicas, geradoras de hot spots, tema de discussões intensas no presente momento. Por outro lado, um dos postulados do paradigma da Tectónica de Placas – o da rigidez do interior das placas – tornou-se um paradoxo: a observação de deformação sísmica ou assísmica no interior dos continentes mostrou que, de facto, as placas continentais poderiam admitir deformações internas

importantes; nos anos 90, com o desenvolvimento da geodesia de satélite, torna-se evidente que o mesmo pode acontecer com os oceanos (ainda que no limite de detecção, com a precisão do que hoje dispomos). A versão da Tectónica de Placas “macias” invoca modificações significativas das propriedades mecânicas das rochas por acção convectiva de fluidos reactivos, explicando, de acordo com os seus proponentes, com maior rigor o próprio mecanismo motor da Tectónica de Placas e, portanto, da deriva dos continentes. Com efeito, a uma escala de milhões de anos, a superfície da Terra comporta-se como um fluido comum, com os “continentes sólidos” derivando “por arraste” pelos fundos oceânicos que os rodeiam. O conceito de deriva dos continentes tem ainda uma outra implicação na reconstituição do passado, explicação do presente e … antevisão do futuro da Terra. Numa Terra esférica, a “dança” dos continentes obriga necessariamente à sua junção em determinados períodos da história num único supercontinente, rodeado por um oceano contínuo; é o chamado ciclo dos supercontinentes com duração aproximada de 300-350 Ma. Este ciclo refere-se ao conjunto dos oceanos à escala global, enquanto o de Wilson alude à evolução de um oceano individual, obviamente em mais curto intervalo de tempo. Levanta-se, pois, o problema dos cenários possíveis para o próximo supercontinente futuro, dentro de cerca de 250 Ma. Há várias previsões para a evolução em direcção a esse supercontinente; a que preferimos é a de que o Atlântico fechará, o que explicaria o início da subducção nas margens SW da Ibéria e de Marrocos. A evolução futura da Terra no contexto da Tectónica de Placas obrigará a uma desaceleração no movimento das placas, que alongará os ciclos de supercontinentes, por decaimento progressivo do seu mecanismo motor. Dentro de alguns milhares de milhões de anos, a água dos oceanos será fixada em volumes crescentes no manto superior e a litosfera tornar-se-á cada vez mais rígida e imóvel, alterando também radicalmente a evolução da atmosfera e hidrosfera.


96 Tect贸nica de placas

Refer锚ncias Ribeiro, A., 2002. Soft Plate and Impact Tectonics. Springer Verlage, Berlin, 324 p.

Turcotte, D. L. & Schubert, G., 2005. Geodynamics. 2th Edition, Cambridge University Press, London, 456 p.


João & Línia Martins 97 GEONOVAS nº 23 e 24: 97Mata a 98, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Interior da Terra. Da crusta ao núcleo

A evolução do manto: uma perspectiva geoquímica João Mata & Línia Martins Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. jmata@fc.ul.pt; lmartins@fc.ul.pt

Palavras chave: Manto; geoquímica isotópica; geodinâmica química

O manto constitui actualmente cerca de 67% da massa e 82% do volume da Terra. Prolongando-se até aos 2900 km de profundidade, não está na sua quase totalidade acessível à observação directa o que leva a que, para o seu conhecimento, nos tenhamos que socorrer da Geofísica. No entanto, em termos de estrutura, os métodos geofísicos só permitem uma caracterização actual do planeta. Ora a Terra tem uma história longa de ≈ 4.55 Ga o que confere à Geoquímica Isotópica um papel que, neste contexto, extravasa largamente o da caracterização química do maior dos reservatórios terrestres, permitindo, em articulação com os saberes de outras áreas das Ciências da Terra, inferências sobre a evolução composicional e estrutural da Terra ao longo de toda a sua história. Esta abordagem integrada do planeta, centrada na Geoquímica Isotópica, tem sido designada de Geodinâmica Química. A Terra teria, no culminar do processo de acreção que levou à sua formação, uma composição quase homogénea, similar, para a maioria dos elementos, à dos meteoritos condríticos. A enorme quantidade de energia térmica que a caracterizava, aliada à gravidade, levou à estrutura diferenciada que hoje conhecemos, podendo o manto actual ser considerado o resíduo do conjunto de processos que originaram o núcleo, a crosta, a atmosfera e a hidrosfera. A individualização do núcleo deu-se por um processo de separação gravítica que fez acumular no centro do planeta elementos densos como o Fe e o Ni, que constituem cerca de 90% da composição do núcleo. O sistema isotópico 182Hf-182W, envolvendo elementos de comportamento geoquímico contrastante (Hf – litófilo; W – siderófilo) e caracterizando-se por um período de semi-vida extremamente curto (9 Ma), permite concluir que a formação do núcleo, que empobreceu o manto em elementos siderófilos, foi extremamente precoce e rápida, estando concluída cerca de 35 Ma após a formação do Sistema Solar. Outro sistema isotópico (129I – 129Xe) caracterizado por um curto período de semi-vida (17 Ma) permite considerar, dado algumas rochas magmáticas apresen-

tarem excesso de 129Xe relativamente à atmosfera, que a principal fase de desgaseificação do manto terá ocorrido antes da “extinção” do 129I, i.e. nos primeiros ≈150 Ma da história do nosso planeta. Se a formação do núcleo e da atmosfera empobreceram o manto em elementos siderófilos e atmófilos, respectivamente, a formação da crosta continental tem levado à progressiva depleção em elementos que, sendo litófilos, se comportam como incompatíveis durante os processos de magmatogénese associados às zonas de subducção. Ainda que a crosta continental tenha uma idade média de cerca de 2.1 Ga, zircões detríticos ocorrentes no meta-conglomerado de Jack Hills (Austrália) foram datados de 4.35 Ga o que indica a existência precoce de domínios crostais, em consonância com os excessos mensuráveis de 142Nd em algumas rochas gneissícas. Os referidos zircões, herdados de rochas graníticas, caracterizam-se por valores de δ18 O (7.4 per mil) que apontam para a sua proveniência de rochas originadas a partir da fusão de materiais previamente expostos à interacção com águas meteóricas. Tal, indicando a existência de água à superfície do nosso planeta desde há cerca de 4.4 Ga, não está em desacordo com a existência de atmosfera desde os primórdios da história da Terra. O processo de extracção crostal, que ainda hoje se continua, é o responsável pelo carácter empobrecido em elementos incompatíveis do manto superior amostrado pelos magmas que dão origem aos basaltos dos fundos oceânicos. Tal é particularmente bem evidente nas assinaturas isotópicas de Sr e Nd que caracterizam muitas das rochas magmáticas oceânicas (e.g. εNd >0) e que apontam, no geral, para uma depleção, integrada no tempo, de Rb e Nd relativamente aos menos incompatíveis Sr e Sm, respectivamente. Por outro lado, certas províncias oceânicas de natureza basáltica (s.l.) são caracterizadas por razões isotópicas de Sr e Nd indicadoras de fontes mais enriquecidas que os valores primordiais. Tal diversidade é explicável assumindo que as transferências de massa responsáveis pela evolução do manto se fazem quer pela extracção de mag-


98 A evolução do manto: uma perspectiva geoquímica

mas, que o empobrece, quer pela adição de materiais crostais que ao longo das zonas de subducção são reciclados para o manto, depois de terem interagido com a hidrosfera e a atmosfera. É caso dos basaltos oceânicos hidrotermalmente alterados e dos sedimentos que são actualmente reciclados a taxas próximas de 21 km3/ano e de 1.6 km3/ano, respectivamente. Refira-se a hipótese, ainda discutível, de certas assinaturas isotópicas de ósmio, de basaltos associados a plumas mantélicas, reflectirem adições, ao manto, de materiais do núcleo.

Os dados geoquímicos (elementares e isotópicos) permitem identificar, através das rochas magmáticas, evidências para a presença nas suas fontes mantélicas de materiais reciclados de natureza diversa (e.g. em Cabo Verde). Por outro lado, a partir dos isótopos de Pb pode mesmo determinar-se a idade aproximada do evento de reciclagem. Usualmente os valores obtidos são, como por exemplo no caso dos Açores, Madeira e Cabo Verde, superiores a 1 Ga. Dados de tomografia sísmica têm permitido traçar a trajectória dos materiais subductados até zonas profundas do manto, por vezes mesmo até à fronteira manto-núcleo, de onde são posteriormente carreados até à superfície por plumas mantélicas. Note-se que, não obstante a existência de correntes de convecção e das evidências tomográficas acima referidas, persistem no manto domínios de características “primitivas” que indiciam o seu isolamento por períodos que poderão atingir os 4.45 Ga. Tal é sugerido pelas assinaturas em gases raros, nomeadamente por valores relativamente elevados de 3He/4He e, também, por assinaturas isotópicas de Ne similares às que têm sido descritas para Islândia ou, para um exemplo mais próximo ainda que menos gritante, para a Ilha Terceira (Açores). Do exposto se concluirá que: 1) a evolução do manto se tem feito por transferências bidireccionais de massa e energia envolvendo os restantes reservatórios terrestres (Fig. 1); 2) o estudo do manto implica uma abordagem multidisciplinar para que a sua evolução e estrutura possa ser compreendida. Referências

Figura 1 - A estrutura da Terra em termos dos seus grandes reservatórios geoquímicos e das transferências de massa entre eles (adaptado de Turcotte & Schubert, 2002).

Allègre, C. J., 2008. Isotope Geology. Cambridge University Press, 512 p. Dickin, A. P., 2005. Radiogenic isotope geology. 2nd edition. Cambridge University Press, 492 p. Faure, G. & Messing, T., 2004. Isotopes: Principles and applications. Wiley, 928 p. Turcotte, D. L. & Schubert, G., 2002. Geodynamics. 2nd edition. Cambridge University Press, 456 p.


João Mata 99 GEONOVAS nº 23 e 24: 99 a 100, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Interior da Terra. Da crusta ao núcleo

Metamorfismo João Mata Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. jmata@fc.ul.pt

Palavras chave: Metamorfismo, crusta, tectónica de placas

A Terra é uma máquina térmica em que as correntes de convecção constituem um dos mecanismos de dissipação de calor. A convecção mantélica pode ser considerada como um dos indutores da tectónica de placas que, conferindo dinamismo à litosfera, cria condições para que os diferentes tipos de rochas crustais sejam sujeitos a condições distintas das que tinham presidido à sua formação. Tal leva a que, sob certas condições, se gerem rochas metamórficas. Através do estudo das associações minerais que constituem estas rochas, é possível o decifrar da variação das condições de P e T sofridas, enquanto que as suas texturas preservam informação sobre os processos de deformação a que estiveram sujeitas. Considerando que muitos dos processos orogénicos são caracterizados por especificidades no que respeita às condições de P, T, deformação e, também, às relações temporais e espaciais entre estes três parâmetros, o estudo do metamorfismo é imprescindível para a reconstrução dos efeitos, a nível intracrustal, dos processos de tectónica global, permitindo inferências sobre as transferências de calor e massa entre o manto e a crusta. Ao estudarse uma qualquer cadeia orogénica antiga (e.g. o sector ibérico da cadeia varisca) não é possível, por razões óbvias, determinar directamente um conjunto de parâmetros (e.g. fluxo de calor; taxa de soerguimento) que permitiriam compreender a sua origem e evolução. Neste contexto o estudo das rochas metamórficas assume um papel preponderante no decifrar dos eventos ocorridos durante ciclos orogénicos antigos (Fig. 1). O estudo da variação do padrão de metamorfismo ao longo da história da Terra permite, por outro lado, evidenciar variações temporais no fluxo calórico do nosso planeta. Na verdade, xistos azuis e eclogitos são produtos comuns dos processos orogénicos fanerozóicos, formando-se em condições de baixo gradiente geotérmico (< 15ºC/km) normalmente associadas às zonas de subducção. No entanto, a formação de rochas eclogíticas e de xistos azuis foi extremamente rara no

Arcaico (> 2.5 Ga) o que pode ser considerado como o resultado dos mais elevados fluxos de calor que então caracterizavam o planeta. Sendo normalmente encarado como uma consequência, o metamorfismo tem, no entanto, repercussões à escala global. Vejamos alguns exemplos. - O metamorfismo ocorrido ao longo das cristas médias promove a hidratação da crusta oceânica. Esta desidrata ao ser subductada, libertando a água que desencadeia o magmatismo orogénico responsável, desde o final do Arcaico, pela geração de crusta continental. - O metamorfismo oceânico, que contribui para a tamponização da composição da água do mar, promove também um conjunto de alterações químicas na crusta oceânica que, ao ser reciclada (actualmente 21km3/ano) nas zonas de subducção, transporta para o manto o resultado dessa interacção com a hidrosfera. Por outro lado, granulitos infracrustais ao serem delaminados e incorporados no manto, transferem para este reservatório assinaturas geoquímicas impostas por eventos metamórficos de alto grau. Tais processos de reciclagem crustal, sendo espelhados pela variabilidade composicional dos magmas mantélicos, têm retardado o processo de empobrecimento do manto superior causado pela extracção da crusta continental. - Tem vindo a discutir-se o efeito das reacções metamórficas de descarbonatação nos teores em CO2 da atmosfera e, inversamente, a possível indução de reacções de carbonatação, similares a algumas das que ocorrem em processos metamórficos, como meio de sequestrar CO2 produzido pela actividade antrópica. Razões não faltam, pois, para considerar as rochas metamórficas como um objecto de estudo imprescindível à compreensão global do planeta Terra.


100 Metamorfismo

Figura 1 – A análise geotermobarométrica de paragéneses metamórficas e o estudo das suas relações de substituição permite a definição das trajectórias P-T-t (Pressão-Temperatura-tempo) de um dado domínio crustal. Tal, conjugado com dados de geocronologia, permite, como aqui exemplificado, calcular as taxas de exumação das rochas metamórficas de alta Pressão. A foto mostra a substituição de uma paragénese eclogítica onde predomina onfacite, por anfíbola glaucofanítica (Anf.), uma anfíbola sódica típica da fácies dos xistos azuis. Durante o processo de ascensão o domínio crustal em causa sofreu retrogradação traduzida, por exemplo, pelas reacções seguintes: 1- piropo + onfacite + quartzo + água = glaucófano + paragonite; 2- glaucófano + zoisite + quartzo + água = tremolite + albite + clorite.

Referências Bebout, G. E., 2007. Metamorphic chemical geodynamics of subduction zones. Earth Planet. Sci. Lett., 260: 373-393. Omori, S. & Santosh, M., 2008. Metamorphic decar-

bonation in the Neoproterozoic and its environmental implication. Gondwana Research, 14: 97-104. Winter, J. D., 2009. Principles of Igneous and Metamorphic Petrology (2nd Edition). Prentice Hall. http://www.whitman.edu/geology/winter/JDW_PetClass.htm


GEONOVAS nº 23 e 24: Línia 101 aMartins 102, 2010/2011 & João Mata 101

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Interior da Terra. Da crusta ao núcleo

A influência dos processos intra-telúricos na atmosfera, hidrosfera e biosfera Línia Martins & João Mata Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. lmartins@fc.ul.pt jmata@fc.ul.pt

Palavras chave: Grandes províncias ígneas (LIPs); super-plumas mantélicas; extinção em massa; anoxia dos oceanos

A Terra comporta-se como um sistema único através da interacção de seis grandes sub-sistemas (núcleo, manto, crusta, hidrosfera, atmosfera e biosfera). Tal significa que existem relações causa-efeito entre a actividade interna do planeta e as condições de habitabilidade, que tanto podem favorecer como devastar a vida. Desde logo o campo magnético terrestre, por muitos considerado como escudo protector essencial à vida no nosso planeta, é consequência das correntes de convecção ocorridas no núcleo externo, entre os 2900 km e os 5150 km de profundidade. O fluxo de calor à superfície do nosso planeta (4,2 x 1013 W) dá-nos uma ideia da enorme quantidade de energia térmica que ainda hoje caracteriza a Terra, cerca de 4.55 Ga depois da sua origem. Uma parte significativa (≈ 10%) desse calor é transferido para a superfície por acção do que se convencionou chamar de plumas mantélicas (estruturas colunares ascendentes de material sólido menos denso e viscoso que o material mantélico envolvente). As plumas, caracterizando-se também por excessos de temperatura, originam-se em descontinuidades térmicas no interior do planeta. As mais significativas ocorrem a cerca de 670 km e 2900 km de profundidade, esta sendo correspondente à fronteira manto-núcleo. Um tão profundo enraizamento de algumas das plumas mantélicas é suportado quer por dados de tomografia sísmica, quer por dados geoquímicos (isótopos de gases raros). A actuação das plumas mantélicas sob as placas litosféricas em movimento é usualmente considerada como a causa de grandes alinhamentos de edifícios vulcânicos no interior das placas. São exemplo os alinhamentos de ilhas e montes submarinos que terminam no Hawaii e na Madeira. Para além disso, algumas das plumas mantélicas, nomeadamente as designadas super-plumas, são também causadoras de alterações consideráveis nas condições ambientais à superfície do planeta, por vezes com consequências importantes para a vida.

Na verdade algumas das mais volumosas províncias magmáticas do nosso planeta são consideradas como se tendo originado a partir da fusão adiabática de superplumas mantélicas (e.g. Decão: 2,6x106 km3 de rochas magmáticas formadas em menos de 3 Ma). A rápida erupção de tão grandes volumes de magmas provoca alterações significativas no ambiente devido à descarga no sistema atmosfera/oceano de enormes quantidades de gases de estufa como o CO2 e o CH4, mas também de gases tóxicos como o SO2 e os halogéneos F, Cl e Br. A súbita libertação de enormes quantidades de gases de estufa induz um rápido aquecimento global e a anoxia dos oceanos, podendo a concentração de oxigénio dissolvido na água do mar chegar a ser inferior a 1ml/l. Estas alterações ambientais, por vezes súbitas, não permitem que a biosfera se adapte levando à extinção de um número significativo de espécies. Note-se que em situações que, pelo quimismo dos magmas, o vulcanismo adquire um carácter explosivo, grandes volumes de cinzas vulcânicas são lançados na atmosfera com a consequente formação, na estratosfera, de um filtro de poeiras e aerossóis que, diminuindo a taxa de insolação da Terra, pode levar a um arrefecimento do planeta. Foi o que se constatou nos três anos subsequentes à erupção andesítico-dacítica do Pinatubo (1991) quando se verificou diminuição global da temperatura de cerca de 0.5ºC. No Fanerozóico são reconhecidos cinco eventos maiores de extinção em massa marcando o término dos períodos Ordovícico, Pérmico, Triásico e Cretácico bem como o final do Andar Frasniano (Devónico Superior). Destes, só o ocorrido na fronteira K-T (CretácicoTerciário), terá sido imediatamente antecedido da acção de um agente externo à Terra, o impacto de um asteróide na Península de Iucatão, no México, o qual originou a cratera de Chicxulub há 65.6 Ma. No entanto, este impacto foi sincrónico com a erupção da grande província ígnea do Decão (idade principal 66 Ma). Aceita-se actualmente que a conjugação destes dois


102 A influência dos processos intra-telúricos na atmosfera, hidrosfera e biosfera

eventos, tendo levado à súbita modificação do clima, foi responsável pela extinção dos Dinossáurios e de muitas outras espécies. Para os outros casos, não existindo dados que confirmem de forma indubitável a intervenção de impactos meteoríticos, ganha relevância a sua correlação temporal com a formação de LIPs (Fig. 1), reforçando a ligação entre a actividade das plumas mantélicas, o clima e a vida. Daqueles eventos de extinção em massa o mais importante foi o ocorrido no final do Pérmico (250Ma), tendo levado à extinção de cerca de 95% das espécies marinhas e de 70% das espécies de vertebrados terrestres. A sua origem tem sido relacionada com a formação da grande província ígnea da Sibéria (> 2,5x106 km3 de rochas magmáticas geradas em 2 Ma). Durante o Cretácico e mais propriamente entre os 125 e os 80 Ma verificou-se um período anormalmente longo de estabilidade da polaridade do campo magnético terrestre. Este período foi também marcado por muito elevadas taxas de produção magmática associadas à actuação de pluma(s) mantélica(s) (the Mid-Cretaceous superplume episode) o que aponta para uma relação de causa-efeito entre os movimentos convectivos do núcleo e a formação de plumas mantélicas. Este super evento magmático expressou-se por um significativo aumento (até 100%) da produção de crosta oceânica que, se incluída a actividade intraplaca (e.g. Ontong-Java Plateau; 120 Ma) se caracterizou por taxas de erupção da ordem de 25 a 35x106 km3/Ma. Neste intervalo de

Figura 1 — Correlação, para os últimos 300 Ma, entre as grandes extinções em massa e a idade das Grandes Províncias Magmáticas. CAMP: Central Atlantic Magmatic Province. Adaptado de Courtillot & Renne (2003).

tempo a actividade magmática continental foi também intensa como o demonstra a geração, há cerca de 90 Ma, dos Continental Flood Basalts de Caraíbas-Colômbia e de Madagáscar. Esta intensa actividade ígnea, foi acompanhada por um proporcional aumento de desgaseificação do manto, com consequências geológicas à escala global: favorecimento de um super efeito de estufa (em parte por um excesso de CO2); aumento drástico da temperatura; forte deposição de argilas negras (em resposta à anoxia dos oceanos). Geraram-se assim condições propícias à produção de petróleo e gás natural (oceanos aquecidos e enriquecidos em carbono, enxofre, fósforo e azoto, maioritariamente de origem magmática, apresentamse ricos em nutrientes para o plankton, matéria prima dos hidrocarbonetos). De facto, 50% a 60% das reservas actuais de hidrocarbonetos formaram-se durante esses 40 Ma. É interessante notar que os hidrocarbonetos resultantes indirectamente da actividade das plumas mantélicas actuantes no Cretácico médio (125 – 80 Ma), constituem parte do suporte do tipo de civilização que desenvolvemos. Referências Bryan, S., Peate, I. U., Self, S., Peate D., Jerram D., Mawby, M., Marsh, G. & Miller, J., 2010. The largest volcanic eruptions on Earth. Earth Sciences Reviews, 102: 207-229. Courtillot, V., 2009. Nouveau voyage au centre de la Terre. Odile Jacob sciences, 348p. Courtillot, V. E. & Renne, P.R., 2003. On the ages of flood basalts events. Comptes Rendus, Geoscience, 335: 113-140. Marzoli, A., Renne P.R., Piccirillo, E.M., Ernesto, M. & Bellineni, G., 1999. Extensive 200-millionyear-old continental flood basalts of Central Atlantic Magmatic Province. Science, 284: 616-618. White, R.V. & Saunders, A. D., 2005. Volcanism, impact and mass extinctions: incredible or credible coincidences? Lithos, 79: 299-316. Wignall, P. B., 2005. The link between Large Igneous Provinces eruptions and mass extinctions. Elements, 1: 293-297.


ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Fernando Monteiro Santos 103 GEONOVAS nº 23 e 24: 103 a A. 104, 2010/2011

Interior da Terra. Da crusta ao núcleo

Reconhecimento da crusta usando métodos electromagnéticos Fernando A. Monteiro Santos Universidade de Lisboa, DEGGE e IDL, Campo Grande Ed. C8, 1749-016 Lisboa. fasantos@fc.ul.pt

Palavras-chave: Litosfera; crusta; propriedade físicas; métodos electromagnéticos

A observação directa dos materiais terrestres localizados a profundidades correspondentes à crusta intermédia é, no estado actual da tecnologia, impossível. Recordemos que o furo de investigação mais profundo (o KTB) tem cerca de 12 km de profundidade, o que representa já, uma enorme conquista da tecnologia de perfuração. O estudo da crusta intermédia e profunda só pode ser feito com recurso a métodos indirectos como são os métodos geofísicos baseados na propagação das ondas sísmicas ou do campo electromagnético natural com origem na ionosfera e em alguns fenómenos meteorológicos. O primeiro destes métodos que é, também, o mais usado, permite o conhecimento das propriedades mecânicas dos materiais geológicos enquanto o segundo dá informações sobre as propriedades eléctricas e, indirectamente, sobre algumas propriedades petrofísicas daqueles materiais. De facto, os métodos electromagnéticos são sensíveis á condutividade eléctrica dos materiais geológicos dependendo esta propriedade fundamentalmente da porosidade, do conteúdo em água e da temperatura dos materiais. Esta é a razão pela qual alguns métodos electromagnéticos são tão utilizados na investigação de sistemas hidrogeológicos e geotérmicos. As variações do campo magnético terrestre originadas na ionosfera têm frequências muito baixas, inferiores a 1 Hz, o que permite obter informação sobre as estruturas mais profundas. De facto a profundidade de investigação depende da frequência do campo electromagnético e da condutividade eléctrica dos materiais geológicos. No método Magneto-Telúrico (MT), o registo, em simultâneo, das variações das componentes horizontais do campo magnético e do campo eléctrico e da componente vertical do campo magnético, permite o cálculo de uma grandeza designada por tensor das impedâncias que depende do local de observação, da frequência do campo electromagnético e das propriedades eléctricas dos materiais terrestres localizados em profundidade no local de registo. O registo das variações do campo electromagnético a diferentes frequências, permite estudar as propriedades eléctricas dos materiais a diferentes profundidades levando, após aplicação de métodos matemáticos de inversão, à construção de uma imagem

representativa da distribuição da condutividade eléctrica em profundidade que pode depois ser interpretada em termos das estruturas geológicas, regime térmico ou comportamento reológico da crusta. A figura 1 (Almeida et al., 2005) mostra dois modelos da distribuição da condutividade eléctrica na crusta da parte sudoeste (Portugal) da Península Ibérica. Estes modelos foram obtidos da inversão de sondagens MT realizadas ao longo de dois perfis paralelos e que cruzam as Zonas Sul Portuguesa-Ossa Morena e Centro Ibérica. É notória a correlação entre as zonas condutoras (tons de azul) e as principais estruturas tectónicas conhecidas bem como a excelente correlação entre as zonas resistivas e algumas formações geológicas conhecidas.

Figura 1 — Modelos de resistividade eléctrica na crusta (topo: perfil reportado por Almeida et al., 2005; base: perfil reportado por Almeida et al., 2001).

Referências Almeida, E. P., Monteiro Santos, F. A., Mateus, A., Heise, W. & Pous, J., 2005. Magnetotelluric measurements in SW Iberia: new data for the Variscan crustal structures. Geophysical Research Letters, vol. 32, L08312, doi: 10.1029/2005GL022596. Almeida, E. P., Pous, J., Monteiro Santos, F. A., Fonseca, P., Marcuello, A., Queralt, P., Nolasco, M. R. & Mendes-Victor, L. A., 2001. Electromagnetic imaging of a transpressional tectonic in SW Iberia. Geophysical Research Letters, 28, 3: 439-442.


104 Reconhecimento da crusta usando mĂŠtodos electromagnĂŠticos


GEONOVAS nº 23 e 24: 105 a 108,Graça 2010/2011 Silveira 105

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Interior da Terra. Da crusta ao núcleo

Tomografia sísmica – Uma janela para o interior da Terra Graça Silveira ISEL- Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, CGUL/IDL. mdsilveira@fc.ul.pt

Palavras-chave: Tomografia sísmica; Terra; estrutura interna “Notre Planète vibre sous l’effet des tremblements de terre et la sismologie nous enseigne cette musique de la Terre” (Montagner, 1997)

Uma das mais devastadoras catástrofes naturais, tanto pelo número de vítimas, como pelos danos materiais que origina, é a causada pelos sismos que regularmente atingem a Terra. Alguns sismos têm chegado a causar um número de mortos que ultrapassa as centenas de milhar e os seus efeitos destruidores têm-se sentido em áreas muito amplas. Ocorrem, anualmente, mais de duas dezenas de milhar de sismos sismos sentidos em todo o mundo (consultar por exemplo http://earthquake.usgs. gov/earthquakes/). Muitos destes apenas são sentidos localmente, mas outros são capazes de provocar danos materiais importantes. Contudo, devemos aos sismos muito do que hoje sabemos sobre o interior do nosso planeta. Sempre que ocorre um sismo dá-se a libertação de grande quantidade de energia que se propaga na Terra sob a forma de ondas. À medida que estas atravessam o planeta, vão sendo refractadas, reflectidas e atenuadas pelos diferentes tipos de materiais que constituem o seu interior, de forma análoga ao que acontece a um raio de luz quando atravessa diferentes meios. Foi a partir do estudo do comportamento das ondas sísmicas que Mohorovicic (1857-1936), Gutenberg (1889-1960) e Lehmann (1888-1993) identificaram as principais descontinuidades do interior da Terra, dividindo-a num conjunto de camadas concêntricas: crusta, manto, núcleo externo e núcleo interno. Em 1981 Dziewonski & Anderson definiram o primeiro modelo de referência para toda a Terra. Trata-se de um modelo unidimensional, anisotrópico que permite uma primeira identificação das principais descontinuidades incluindo a zona de transição manto superior, manto superior. Posteriormente, outros modelos globais foram elaborados de modo a integrar mais informação, como por exemplo, IASP91 (Kennett & Engdahl, 1991) ou AK135 (Kennet et al., 1995). Ao longo das últimas décadas, a qualidade e a quantidade de dados sísmicos disponíveis, bem como os meios de cálculo, cresceram o suficiente de modo a permitir

resolver a estrutura tridimensional da Terra. A tomografia sísmica é, em sismologia, um dos métodos mais poderosos para cartografar essa estrutura interna tridimensional. Os primeiros modelos tomográficos obtidos nas últimas décadas do século XX (ver por exemplo Montagner & Jober, 1988, Stutzmann & Montagner, 1994 ou Li & Romanowicz, 1996, entre outros), deram, além disso, uma das maiores provas da heterogeneidade e anisotropia da Terra. A tomografia sísmica utiliza o tempo de percurso das ondas de volume, a velocidade de fase das ondas superficiais, ou os modos normais de vibração da Terra. O tratamento físico e matemático dos tempos de chegada e/ou das formas de onda, registados nas estações sísmicas instaladas sobre o globo terrestre, permite a elaboração de modelos de velocidade das ondas sísmicas em função da profundidade. O objectivo é obter uma distribuição das perturbações da velocidade das ondas sísmicas e da anisotropia em função da profundidade. Estes resultados podem, por sua vez, ser relacionados com parâmetros físicos dos materiais, tais como a temperatura, a anisotropia de velocidade e a densidade. Graças à tomografia sísmica foi possível identificar ou confirmar, entre outros: • a boa correlação entre a tectónica de superfície e a estrutura dos primeiros 100-200 km, isto é, com a litosfera (Fig. 1); • a extensão em profundidade das dorsais (Fig. 2); a presença de material proveniente da subducção das placas litosféricas até profundidades da ordem de 2000 km (Fig. 3); • a existência de duas zonas extensas, aproximadamente antipodais, caracterizadas por velocidades sísmicas anormalmente baixas, uma sob o Pacífico Sul e outra sob o Atlântico Sul e África, no manto inferior (Fig. 4). • a presença de heterogeneidades e de anisotropia na fronteira manto-núcleo.


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Mas, a tomografia sísmica é fortemente constrangida pela geometria fonte – receptor. Se por um lado é possível optimizar a densidade das redes sísmicas, ocupando também os fundos oceânicos, ainda que com dificuldades técnicas e financeiras óbvias, pouco podemos fazer relativamente às fontes. Os sismos ocorrem “sempre” nos mesmos sítios, ou quase. Mais recentemente, alguns sismologistas (ver por exemplo Shapiro & Campillo, 2004) mostraram ser possível obter velocidades de fase para o cálculo de modelos tomográficos usando o ruído sísmico. O ruído sísmico, gerado em geral pelas tempestades oceânicas, surge em toda a banda de períodos, mas assume valores máximos entre 7 e 14s. Dado que os oceanos têm uma dimensão finita, as vagas que resultam das tempestades, apesar de se atenuarem progressivamente, podem atravessá-los várias vezes. A interacção entre ondas provenientes de direcções opostas gera ondas estacionárias que se convertem em ondas superficiais (ondas de Rayleigh), equivalentes às geradas por telesismos, e que se propagam na crusta terrestre até às estações sísmicas. A análise destas

ondas entre pares de estações sísmicas permite calcular as curvas de dispersão da velocidade de fase. Deste modo, e devido à não utilização de fontes sísmicas, a cobertura de uma dada região deixa de ser condicionada à geometria fonte-receptor, para ficar dependente exclusivamente da geometria da rede sísmica. Recentemente, no âmbito de projectos nacionais e europeus (TOPO-IBERIA (Consolider-Ongenio CSD2006-00041), TOPOMED (TOPO EUROPE/0001/2007) e WILAS (PTDC/CTE-GIX/ 097946/2008)), foi instalada uma rede de estações sísmicas de banda larga em toda a Península Ibérica, que veio densificar as estações permanentes das redes nacionais, portuguesa e espanhola. A análise do ruído sísmico ambiente registado em contínuo permitiu obter uma imagem da estrutura superficial da totalidade da crusta na Península Ibérica com uma qualidade sem precedentes. As cartas das velocidades de grupo (Fig. 1 ) revelam a presença das principais estruturas da Península Ibérica, nomeadamente, o Maciço Ibérico, as orogenias Alpinas e as principais bacias sedimentares (Fig. 5).

Figura 1 – Perturbações na velocidade das ondas S em relação ao PREM. As perturbações na componente isotrópica estão representadas através da escala de cores. A anisotropia (direcção da máxima velocidade) é representada através de barras. Os círculos negros traduzem a localização à superfície dos hotspots (Silveira & Stutzmann, 2002). As estruturas mais antigas, como os cratões africanos e os escudos do Brasil e da América do Norte correspondem a anomalias positivas, velocidades mais elevadas. As anomalias negativas aparecem associadas à Crista Média Atlântica e aos hotspots.


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Figura 2 – Perfil das perturbações na velocidade das ondas S ao longo da Crista Média Atlântica (Silveira & Stutzmann, 2002).

Figura 3 - Perfis das perturbações na velocidade das ondas S ao longo dos slabs indicados no mapa. As anomalias positivas (a azul) são a assinatura das placas em subducção (Albèrede & van der Hilts, 2002).

Figura 4 - Modelo tomográfico de Megin e Romanowicz (2000) in Davaille et al. 2005.


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Figura 5 – Topo) Ondas de Rayleigh entre pares de estações construídas a partir da correlação cruzada do ruído sísmico ambiente. Foram utilizados 18 meses de registo contínuo, entre Julho de 2008 e Dezembro de 2009. O sinal original foi dizimado à taxa de 1 amostra por segundo; Baixo – Cobertura azimutal obtida e distribuição lateral das perturbações na velocidade de grupo das ondas de Rayleigh (Dias et al., 2009).

Referências Albarède, F. & van der Hilst, R., 2002. Zoned mantle convection. Phil. Trans. R. Soc. Lond. A. 360: 25692592. Davaille, A., Stutzmann, E., Silveira, G., Besse, J. & Courtillot V., 2005. Convective Patterns under the Indo-Atlantic “box”. Earth Planet. Sci. Lett 239: L16301, 2393-252. Dias, N. A., Silveira, M. M. & Villasenor, A., 2009. Western Iberian Peninsula Shallow Structure as Revealed by Ambient Noise Surface Wave Tomography. Eos Trans. AGU, 90(52), Fall Meet. Suppl., Abstract T51B1529. Dziewonski, A. M. & Anderson, D. L., 1981. Prelimi-

nary reference Earth model. Phys. Earth Planet. Int. 25: 297–356. Kennett, B. L. N. & Engdahl, E. R., 1991. Traveltimes for global earthquake location and phase identification, Geophys. J. Int. 122: 429–465. Kennett, B. L. N., Engdahl, E. R. & Buland, R., 1995. Constraints on seismic velocities in the earth from travel times Geophys. J. Int., 122: 108-124. Shapiro, N. M. & Campillo, M., 2004. Emergence of broadband Rayleigh waves from correlations of the ambient seismic noise, Geophys. Res. Lett., 31. Silveira, G., & Stutzmann, E., 2002. Anisotropic Tomography of the Atlantic Ocean. Phys. Earth Planet. Int. 132: 237-248.


A. S. Barriga 109 GEONOVAS nº 23 e 24: Fernando 109 a 111,J. 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Oceano. Abismo do tempo

Avanços científicos, desenvolvimento e Terra debaixo do mar Fernando J. A. S. Barriga Dep. Geologia e Creminer FCUL LA-ISR, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016, Lisboa. Museu Natural de História Natural. f.barriga@fc.ul.pt

Palavras-chave: Geologia marinha; integrated Ocean Drilling Program; iosferba profunda

A Geologia Marinha, sobretudo em ambiente profundo, é um dos ramos de desenvolvimento mais recente das geociências. A barreira constituída por vários quilómetros de água, na prática opaca a todos os tipos de ondas/radiações, excepto às ondas acústicas, explica em grande parte o facto de em pleno século XXI apenas conhecermos cerca de 5% dos fundos oceânicos. Estes constituem a última fronteira terrestre. Os investigadores em Geologia Marinha profunda trabalham rodeados de dificuldades imensas, muitas vezes incompreendidos quanto à necessidade de recursos avultados para tempo de navio, e sujeitos a condições de trabalho que incluem alguns dos maiores riscos de insucesso das missões (no mar) e até de perda de equipamentos caríssimos. Em Geologia Marinha, a concepção dos trabalhos a realizar é muitas vezes relativamente simples; o difícil é realizar o que se projectou. É hoje bem sabido que a crosta oceânica é essencialmente diferente da crosta continental. Entre uma e outra há vincadas diferenças em quase tudo, nomeadamente materiais constituintes, dinâmica, energias envolvidas e idades. A Geologia Marinha tem produzido alguns dos mais espectaculares avanços científicos das últimas décadas, através de uma panóplia de instrumentos entre os quais se destacam os sonares laterais e batimétricos multi-feixe, a reflexão e refracção sísmicas, a magnetometria, os submersíveis (tripulados ou não – HOV, ROV, AUV) e sobretudo as sondagens suboceânicas, através dos programas internacionais DSDP, ODP e IODP (ver http://www.iodp.org e [Smith et al., 2010]). A fase actual, o Integrated Ocean Drilling Program, é regida por um plano científico que inclui a maioria das questões científicas em aberto acerca da Terra. É bem conhecida a importância do conhecimento geológico e geofísico acerca da crosta oceânica na compreensão e aceitação da Tectónica de Placas. Esta teoria, hoje indiscutível, dificilmente teria passado da fase inicial de conjecturas sem a compreensão do alastramento dos fundos oceânicos, da sucessão e simetria das idades das rochas oceânicas, da subducção em grande escala dos

sedimentos oceânicos. Nas últimas décadas, os resultados mais significativos da Geologia Marinha são talvez o registo secular das variações climáticas, o hidrotermalismo submarino, os hidratos de metano e a biosfera profunda. Todos eles mudaram radicalmente a nossa percepção acerca do funcionamento do planeta e têm potencialmente profundas implicações na vida das sociedades humanas. As mudanças climáticas, e a sua relevância, são do conhecimento de todos. Aparte as últimas centenas de milhares de anos, que podem ser estudadas através das amostras de gelo (e ar) conservadas na Antárctica, todo o restante registo climático está contido apenas em sedimentos, sobretudo sedimentos marinhos, os únicos que conservam um cadastro contínuo. As técnicas de estudo destes sedimentos, nomeadamente as isotópicas, estão apuradíssimas. Tem sido possível detectar variações nas temperaturas da superfície dos oceanos de vários graus em poucas dezenas de anos, e estudar em pormenor as variações climáticas ocorridas durante o Cenozóico, ao longo de dezenas de milhões de anos. As indispensáveis amostras de sedimentos são obtidas através de sondagens IODP. Há cerca de trinta anos iniciava-se a exploração dos riftes oceânicos com submersíveis. O mais importante resultado foi a descoberta dos campos hidrotermais submarinos, acompanhados de minérios de sulfuretos maciços, ricos em cobre, zinco, ouro e prata e de fantásticas faunas de organismos extremófilos, até então completamente desconhecidas. Cedo se descobriu que os campos hidrotermais são apenas a ponta do icebergue, o resultado espectacular de processos muito vastos, que afectam grande parte da crosta oceânica, através da circulação de enormes quantidades de água do mar pelas rochas que constituem os fundos marinhos. A extensão e importância destes processos é tal que hoje se fala “do oceano abaixo do fundo do mar”. O hidrotermalismo submarino é responsável pela dissipação de grande parte do calor do interior da Terra, pois a água do mar é aquecida pelas rochas, saindo quente, nas chaminés e


110 Avanços científicos, desenvolvimento e Terra debaixo do mar

outros edifícios, assim como por vastas áreas de descarga difusa; no decorrer do processo, a água do mar alterase muito, passando de fria, alcalina, oxidante e rica em metais alcalino-terrosos (Mg) a quente, ácida e reduzida, rica em metais de transição (ferro, cobre, zinco, ouro, prata), potencialmente um fluido mineralizante, gerador de recursos metálicos; concomitantemente, as rochas alteram-se também, produzindo-se o cortejo do metamorfismo hidrotermal, fortemente heteroquímico e com mudanças de fácies extremamente bruscas; as propriedades físicas da crosta oceânica alteram-se drasticamente, influenciando inclusive o estilo da tectónica de placas (Ribeiro, 2002). A fauna da fontes hidrotermais (a maior surpresa) reveste-se de importância ímpar, de vários pontos de vista. É constituída por extremófilos, organismos que vivem em condições extremas, de temperatura, pressão, ausência de luz e exposição a tóxicos (incluindo mercúrio, arsénio e cádmio). Quando compreendermos como lidam com estes elementos, teremos grandes avanços no domínio da farmacologia. Esta fauna é quimiossintética, ou seja, não depende essencialmente da fotossíntese. Os microorganismos da base das cadeias tróficas extraem energia de reacções químicas tais como a oxidação de sulfuretos e a redução de sulfatos. Estas comunidades são hoje consideradas, pela maioria dos investigadores, análogas aos sistemas que terão gerado a vida na Terra, há cerca de 4000 milhões de anos. Também na busca de vida extra-terrestre se considera que a existir vida no Sistema Solar esta será análoga da fauna dos campos hidrotermais (ou da biosfera profunda, ver adiante). Há cerca de vinte anos começou a perceber-se que vastas áreas dos fundos oceânicos estão impregnadas e/ou cobertas por hidratos de metano, compostos que resultam da combinação de hidrocarbonetos leves (sobretudo metano) com água, produzindo um “gelo que arde”, que se forma a profundidades tipicamente entre 300 e 500 m. O volume de hidratos de metano estima-se actualmente em 1-5x106 km3, correspondendo a 5002500x1012 toneladas de carbono. Este valor aumenta significativamente as reservas de combustíveis fósseis. É claro que a utilização de combustíveis fósseis em cada vez maior escala acarreta o recurso à sequestração de CO2, evitando a sua acumulação na atmosfera. A origem do metano é geralmente atribuída a reacções microbianas no seio do sedimento que contem os hidratos, ou a migração de hidrocarbonetos a partir maiores profundidades. A descoberta da biosfera profunda (ver parágrafo

seguinte) veio lançar novas possibilidades para a origem dos hidrocarbonetos. Desde há pouco mais de dez anos descobriu-se que todos os poros das rochas abaixo do fundo do mar, até à profundidade de 2 km, estão povoadas por microorganismos, que a profundidades de cerca de 1000 m são ainda da ordem de 106 por ml. Esta descoberta surpreendente implica que a biomassa (viva) correspondente é entre 10 a 100% da totalidade da biosfera convencional. Este número enorme levanta questões da maior importância, incluindo qual poderá ser o papel da biosfera profunda na evolução das rochas a temperaturas até cerca de 120ºC, pelo menos. Os microorganismos (Bacteria e Archea) são extremófilos, e muito do que ficou dito acerca da fauna das fontes hidrotermais aplica-se igualmente à biosfera profunda. De resto, a compreensão das relações entre hidrotermalimo submarino e biosfera profunda são um dos tópicos mais “quentes” da actualidade (Pedersen et al., 2010). A conclusão do que aqui ficou aflorado é simples. A investigação acerca da “Terra debaixo do mar” tem produzido uma fileira impressionante de novos conhecimentos, nova compreensão da Terra e da sua Biosfera, e novas possibilidades, de primeira grandeza, em termos de recursos naturais. Tudo isto quando a exploração dos fundos marinhos e respectivo subsolo se encontra da sua infância. É inescapável que novos conhecimentos e novas oportunidades de desenvolvimento irão, com toda a probabilidade, descobrir-se. A exploração dos fundos marinhos apresenta-se como uma das mais promissoras áreas de desenvolvimento do Conhecimento. Referências Pedersen, R., H. T. Rapp, I. H. Thorseth, M. D. Lilley, Barriga, F. J. A. S., Baumberger, T., Flesland, K., Fonseca, R., Früh-Green, G. L. & Jorgensen, S. L., 2010. Discovery of a black smoker vent field and a novel vent fauna at the Arctic Mid-Ocean Ridges, Nature, In press. Ribeiro, A., 2002. Soft Plate and Impact Tectonics, 324 pp., Springer, 324 p. Smith, D. K., Exxon, N., Barriga, F. J. A. S. & Tatsumi, Y., 2010. Forty years of successful international collaboration in scientific ocean drilling, Eos Transactions American Geophysical Union, In press.


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Figura 1 — Chaminés hidrotermais no campo Rainbow, Mar dos Açores, a 2200 metros de profundidade. Foto do autor, Atalante/Nautile, Missão Flores, 1997.

Figura 2 — Europa, lua de Júpiter, poderá tem uma superfície completamente lisa e esférica. A ornamentação da superfície “parece desenhada a marcador”, tal a falta de relevo. Trata-se de gelo (de água) com cerca de 5 km de espessura, debaixo do qual se pensa que possa existir uma hidrosfera líquida com ~ 50 km de espessura, eventualmente com vulcanismo submarino e campos hidrotermais submarinos. É possível a existência de vida em tais sistemas. Foto NASA (dom. público) Missão Voyager 2, c, 1980.


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GEONOVAS nº 23 e 24: 113 a 114, 2010/2011 João Mata 113

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Oceano. Abismo do tempo

Os basaltos dos fundos oceânicos João Mata Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. jmata@fc.ul.pt

Palavras chave: MORB; basaltos toleíticos; manto superior

Cerca de 70% da actividade magmática actual ocorre ao longo das cristas médias oceânicas onde anualmente se formam ≈ 21 km3 de rochas magmáticas. Estas, com uma espessura média de 7 km (≈ 2 km de rochas vulcânicas suprajacentes a ≈ 5 km de rochas plutónicas), ocupam, parcialmente cobertas por sedimentos pelágicos, os cerca de 361 x 106 km2 dos fundos oceânicos, constituindo a crusta oceânica. Tal actividade magmática, de natureza toleítica, gera-se por descompressão adiabática consequente dos processos de convecção que ocorrem no manto superior. Os basaltos gerados neste contexto, são conhecidos pelo acrónimo de MORB (Mid-Ocean Ridge Basalts). Considerando que os MORB são formados ao longo de 60 000 km de cristas médias oceânicas, a sua homogeneidade composicional é notável. Caracterizam-se por assinaturas radiogénicas de He e por um acentuado empobrecimento em elementos incompatíveis. Estas características reflectem a sua proveniência de uma fonte (o manto superior) que, encontrando-se fortemente desgaseificada, está empobrecida nestes elementos há tempo suficiente para que tal característica se reflicta nas assinaturas isotópicas (e.g. εNd >0; 87Sr/86Sr < 0.7035). Este empobrecimento, que tem vindo a acentuar-se ao longo da história do planeta, resulta da progressiva extracção de crusta continental, reservatório este que, de uma forma geral, apresenta uma composição complementar da que se infere para o manto superior. Cálculos de balanço de massa permitem concluir que o manto empobrecido corresponde actualmente a cerca de 40% do manto, i.e. a significativamente mais que a massa de manto ocorrente acima da descontinuidade dos 670 km (26%). Tal leva inevitavelmente a considerar a existência de importantes transferências de massa entre o manto superior e o manto inferior. A referida homogeneidade composicional dos MORB é localmente perturbada na proximidade dos pontos quentes, no que é conhecido por efeito de Schilling. Tal é, por exemplo, evidente na região do ponto quente dos Açores onde, para norte e para sul do arquipélago, os

basaltos oceânicos apresentam desvios composicionais significativos em relação aos MORB-N, i.e. em relação aos MORB mais comuns (N de Normal). Tais desvios traduzem-se por um enriquecimento relativo em elementos incompatíveis e por assinaturas isotópicas de He e Ne que apontam para a contribuição de domínios mantélicos relativamente pouco desgaseificados, i.e. do manto inferior carreado para a “superfície” pelas plumas mantélicas. Geram-se assim, na dependência dos pontos quentes, os chamados MORB-E (E de Enriquecido) ou MORB-P (P de Pluma) onde os enriquecimentos são mais evidentes e, em regiões mais afastadas da influência das plumas mantélicas, os MORB-T de características químicas transicionais entre os MORB-N e os MORBE ou MORB-P. A influência das plumas não se restringe aos efeitos químicos uma vez que as zonas de interacção plumacrista média são também anómalas em termos batimétricos, parcialmente por efeito da acção térmica das plumas mantélicas. Nessas regiões as dorsais ocorrem a profundidades significativamente menores (e.g. Açores: < -1000m) que o usual (≈ -2500m) podendo mesmo, chegar a emergir como no caso da Islândia. Os basaltos dos fundos oceânicos são ricos em minerais ferro-magnéticos (e.g. titanomagnetite) que têm a propriedade de no decurso do seu arrefecimento, e uma vez ultrapassada a temperatura equivalente ao seu ponto de Curie, adquirirem uma magnetização permanente que reflecte a orientação do campo magnético então prevalecente. Foi a descoberta da disposição simétrica, em relação ao eixo das dorsais, de faixas basálticas com características magnéticas similares que levou Vine & Matthews a proporem, no já longínquo ano de 1963, a teoria da expansão dos fundos oceânicos que viria a revelar-se fulcral para a aceitação da tectónica de placas. Considerando a profundidade média a que se localiza a crusta oceânica (- 3730 m) é fácil de entender que para o seu estudo se tenham de recorrer massivamente aos métodos geofísicos que, tal como as acções de amostragem (Fig. 1), implicam a realização de missões ocea-


114 Os basaltos dos fundos oceânicos

nográficas. Não obstante o carácter dispendioso de tais missões, a importância que hoje se atribui ao mar temnas tornado possível para alguns investigadores portugueses. Note-se que a tectónica de placas, ao propiciar a ocorrência de processos de obducção, tem levado à instalação “on-shore” de porções crustais/mantélicas oceânicas (complexos ofiolíticos) que possibilitam o estudo da estrutura e composição da crusta oceânica através de metodologias tradicionalmente utilizadas na geologia continental. Em Portugal encontram-se preservadas sequências ofiolíticas paleozóicas em Trás-os-Montes e nos sectores meridionais da Zona de Ossa-Morena. São

testemunhos de processos que, estando relacionados com o fecho de bacias oceânicas, levaram à edificação cadeia orogénica varisca. Referências Dickin, A. P., 2005. Radiogenic isotope geology. 2nd edition. Cambridge University Press, 492 p. Juteau, T. & Maury, R., 1997. Géologie de la croûte océanique : Pétrologie et dynamique endogènes. Masson, 367 p. Wilson, M., 1989. Igneous petrogenesis: A global tectonic approach. Unwin Hyman, 466 p.

Figura 1 — RV Meteor dragando, no Atlântico, amostras de basaltos ocorrentes a -2950 m.


Filipe Rosas 115 GEONOVAS nº 23 e 24: 115 a 116 2010/2011

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Oceano. Abismo do tempo

Modelação análoga de estruturas activas no Golfo de Cádis (fronteira de placas Ibéria-Núbia, offshore SW Ibérico) Filipe Rosas Dep. Geologia e LATTEX-IDL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, 1749-016 Lisboa. frosas@fc.ul.pt

Palavras-chave: Estruturas tectónicas activas; Golfo de Cádis; modelação análoga

No actual contexto das Ciências da Terra, o estudo dos oceanos é transversal a uma considerável multiplicidade de abordagens e metodologias, por via das quais se procura conhecer melhor a génese e evolução dos grandes domínios imersos do nosso planeta. Designadamente, o incontornável recurso a métodos indirectos, geofísicos, decorre da impossibilidade de se proceder à observação directa das rochas, como acontece no âmbito da abordagem geológica mais tradicional “onshore”, e está quase sempre associado a uma observação a muito maior escala (por comparação com a escala de afloramento com que o geólogo geralmente se depara no campo). Métodos como a batimetria multi-feixe, a obtenção de perfis sísmicos de reflexão, a refracção sísmica, a magnetometria, a gravimetria, etc. adquirem uma utilidade crítica para a investigação dos oceanos, na medida em que a interpretação dos diferentes tipos de dados conduz a sínteses que incorporam informação variada: morfotectónica, estrutural, estratigráfica, reológica, entre outra. A necessidade de procurar testar vários dos aspectos/pressupostos dos modelos assim obtidos, tem conduzido à utilização de técnicas de modelação física, análoga, no âmbito das quais se recorre a materiais (de características previamente conhecidas), análogos dos materiais naturais (i.e. das rochas), para simular a uma menor escala (rigorosamente estabelecida) uma hipotética sucessão de eventos conducente a um resultado final mimético do observado na natureza. A fronteira de placas Ibéria-Núbia, no offshore do SW Ibérico, constitui uma área chave para a compreensão da evolução tectónica deste domínio do Mediterrâneo ocidental, no quadro da qual assoma com importância crítica a avaliação do risco sísmico na margem Atlântica europeia, em vista designadamente do acontecimento histórico do grande terramoto de Lisboa de 1755. Recentemente, no Golfo de Cádis, a aplicação de modelação análoga ao estudo de lineamentos morfotectónicos com mais de 600km de comprimento (Rosas et al., 2009), cartografados com base na obtenção

de batimetria multifeixe e na interpretação de um considerável número de perfis sísmicos de reflexão, permitiu confirmar tratarem-se de importantes falhas de desligamento direito, activas com esta cinemática desde há ca. 1.8 milhões de anos (Fig. 1b), cuja relevância no quadro da evolução tectónica local pode ser avaliada pela circunstância de alguns autores (Zitellini et al., 2009) proporem poder tratar-se do limite de placas EuroásiaAfrica (Ibéria-Núbia) na região do Mediterrâneo ocidental. Um outro exemplo, presentemente em curso, da aplicação e utilidade da modelação análoga ao estudo da evolução tectónica do Golfo de Cádis, está relacionado com a tentativa de compreender melhor o resultado da deformação decorrente da existência de interferência (diacrónica/sincrónica) entre falhas inversas (cavalgamentos) e desligamentos activos, assumindo como análogo natural a Falha da Ferradura e os lineamentos SWIM (Fig. 1b,c). Importante será ter sempre em conta que, de um ponto de vista metodológico, com este tipo de modelação, e nestes casos em particular, o que se faz é procurar reconhecer “padrões de regularidade” (morfológica, estrutural), cuja existência e significado se procurará reconhecer no análogo natural, em termos quantitativos, por comparação com o modelo obtido. Neste âmbito, o futuro da aplicação da modelação análoga a este tipo de objecto de estudo geológico, com o carácter metodologicamente mais instrumental a que acima se fez referência, passará inevitavelmente por um crescente emparelhamento e complementaridade com as técnicas/ metodologias do âmbito da modelação numérica (e.g. modelação numérica de elementos finitos). Agradecimentos Laboratório de Modelação Análoga do LATTEX-IDL. Projeto ALMOND (Multiscale modelling of deformation in the Gulf of Cadiz, PTDC/CTE-GIN/71862/2006 ).


116 Modelação análoga de estruturas activas no Golfo de Cádis (fronteira de placas Ibéria-Núbia, offshore SW Ibérico)

Figura 1 – Exemplos de alguns dos resultados experimentais de modelação análoga obtidos para o Golfo de Cádis: A) indentação assimétrica de prisma acrecionário; B) lineamentos SWIM associados a falhas de desligamento e formação passiva de dobras “én-échelon”; C) padrões de deformação resultantes de interferência entre falhas de desligamento e cavalgamentos.

Referências Rosas, F. M., Duarte, J. M., Terrinha, P., Valadares, V. & Matias, L., 2009. Morphotectonic characterization of major bathymetric lineaments in NW Gulf of Cadiz (Africa-Iberia plate boundary): insights from analogue modelling experiments. Marine Geology, 271: 236-249, doi:10.1016/j.margeo.2010.02.017.

Zitellini, N., Gràcia, E., Matias, L., Terrinha, P., Abreu, M. A., DeAlteriis, G., Henriet, J. P., Dañobeitia, J. J., Masson, D. G., Mulder, T. Ramella, R., Somoza, L. & Diez, S., 2009. The quest for the Africa - Eurasia plate boundary west of the Strait of Gibraltar. Earth and Planetary Science Letters, 280(1-4,15): 13-50, doi:10.1016/j.epsl.2008.12.005.


ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Maria Mira de Azevêdo 117 GEONOVAS nº 23 e 24: 117Teresa a 120, 2010/2011

Solo. Pele da Terra

Solos - A pele da Terra Maria Teresa Mira de Azevêdo Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. terazeve@fc.ul.pt

Palavras-chave: Solo; pedogénese; classificação dos solos; erosão e degradação dos solos

O solo é o sustentáculo da vida. Existe uma relação íntima entre o solo e a vida, ele é o elo de ligação entre o vivente e o inanimado. É a alteração química das rochas, a desagregação dos seus materiais constituintes, a transformação dos seus minerais e a libertação dos respectivos componentes químicos que permitem a formação de um solo. Para que isso aconteça é, porém, necessária, a presença de água no estado líquido, a fim de que as reacções de decomposição se possam verificar e que a massa de rocha alterada e transformada seja ocupada por seres vivos, ainda que microscópicos, e arejada pela atmosfera. Essa tarefa, é geralmente realizada pelo vento e águas pluviais, que transportando sementes e ovos, criarão a matéria orgânica necessária à formação do solo. Os próprios organismos marinhos constroem os seus esqueletos e conchas a partir desses componentes em solução que, mais tarde ou mais cedo, sempre chegarão ao mar. Há dezenas de diferentes definições de solo mas, em vista do exposto, podemos dizer que se trata de uma mistura natural de materiais sólidos resultantes da desagregação e alteração das rochas, associada a uma fracção orgânica, entre os quais existe água e ar. Sendo o solo o resultado da alteração das rochas pode, pois, dizer-se que sem alteração das rochas não há vida (ainda que não haja solos totalmente estéreis). É o que acontece nas regiões onde a água líquida é tão escassa que a alteração química não pode ocorrer, caso dos desertos gelados e quentes. Considerando que ¾ da superfície do planeta são ocupados pelos oceanos e que do restante ¼, 23% possuem problemas químicos, 28% são demasiado secos, 10% são demasiado húmidos, 22% são incipientes e 6% são ocupados por permafrost, apenas 11% são cultiváveis e podem ser ocupados pelo homem. O solo é, neste sentido, verdadeiramente, a pele da terra e, tal como esta, tem um papel protector já que, se não for exumado, preserva da erosão a rocha que lhe deu origem. Factores de formação - Segundo Dokuchaiev (1883), qualquer solo é resultante da acção combinada de cinco

principais factores de formação, que controlam a existência dos diferentes tipos de solos no mundo: (a) clima; (b) organismos; (c) rocha mãe; (d) relevo; (e) tempo de formação. O clima e os organismos são os “factores activos” porque, durante determinado tempo e em certas condições de relevo, agem directamente sobre o material de origem que, portanto, é factor de resistência ou “passivo”. Em certos casos, um desses factores tem maior influência sobre a formação do solo do que os outros. Em 1941, Hans Jenny, sugeriu também uma equação, segundo a qual a formação de um determinado solo (ou propriedade específica do mesmo) pode ser representada pela seguinte expressão: Solo = f (clima, organismos, material de origem, relevo e tempo), a partir da qual é possível verificar a influência de cada um dos factores, mantendo os outros constantes (Fig. 1).

Figura 1-Factores determinantes do tipo de solo.

Uma mesma rocha forma solos completamente diferentes, se alterada em condições climáticas também diferentes, o que leva a colocar-se o factor clima em evidência sobre todos os outros. Inversamente, materiais diferentes podem formar solos semelhantes quando sujeitos, por um longo período, ao mesmo ambiente climático.


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O tipo e a intensidade da alteração das rochas, o crescimento dos organismos, regulados pela temperatura e humidade, possibilitam a distinção entre os horizontes pedogenéticos, já que para cada 10ºC de elevação de temperatura, a velocidade da hidrólise, a principal reacção química responsável pela alteração das rochas, duplica. Por outro lado, a água e o gás carbónico nela dissolvido, são os principais responsáveis pela maior parte das reacções químicas. Assim, quanto mas elevadas a temperatura e a precipitação, mais rápida e intensa será a decomposição das rochas, mais espessos serão os solos, o que leva à existência de uma zonalidade geográfica, do equador aos pólos. De acordo com estes factores de formação, os solos apresentam diferentes características definidas pelas suas propriedades físicas: cor, textura, estrutura, consistência e porosidade e pelas químicas, principalmente, pela composição e grau de acidez/alcalinidade. Classificação dos solos - Há milhares de solos diferentes. Só nos E.U e Canadá existem cerca de 15.000 tipos existindo, por isso, numerosos sistemas classificativos. O primeiro é da autoria de Dokouchaiev (1883), o primeiro autor a considerar o solo uma entidade natural independente. Em 1974, a classificação internacional de solos foi publicada pela FAO (Organização da ONU para a Alimentação e Agricultura) englobando 28 classes de solos subdividida em 153 ordens. Nos Estados Unidos da América usa-se a Soil Taxonomy, em França a Classificação Ecológica e em Portugal a da S.R.O.A. (Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário), baseada na da FAO. A Soil Taxonomy considera 14 ordens no nível mais elevado da hierarquia, e uma característica marcante nesse sistema de classificação é o uso de prefixos para denominar a classe de solo. Os solos e o Homem - A erosão natural é lenta mas o homem aumentou a sua velocidade em cerca de 2,5 vezes e destruiu já mais de 2 mil milhões de hectares de terra arável. Um solo fértil pode levar milhares de anos a desenvolver-se. A velocidade média de formação é de 1cm/100-400 anos e leva cerca de 3000 a 12000 anos a formar um solo com produtividade normal. Apenas nos trópicos, sobre uma base arenosa, se pode formar em cerca de 200 anos. A formação de uma camada de solo de 30 cm, leva 1000 a 10000 anos a estar completa (Häberli et al., 1991). Um conceito importante quando se fala de solos é o de Biostasia e Rexistasia. Nos períodos biostásicos da história da Terra e à medida que os solos se tornavam cada vez mais espessos, davam lugar a florestas luxuriantes que cobriram grande parte do planeta. Não havia nada que impedisse o seu

crescimento a não ser a erosão natural e eventuais fogos, também eles, naturais. Até ao Neolítico, há cerca de 5 mil anos, assim foi. 50% da superfície do planeta era ocupada por florestas. Nesta altura, porém, o homem que até aí havia sido caçador-recolector, com vida errante e sem se fixar por muito tempo no mesmo local, descobriu a sedentarização tornando-se agricultor e pastor. Logo, necessitou de extensas áreas abertas para semear, criar o gado, erigir habitações. Os hábitos nutricionais mudaram, sentiu-se a necessidade de aquecimento familiar, iniciou-se o fabrico de cerâmica e, para tudo, isto a madeira era essencial. Começaram a desbravar-se florestas deixando o solo a nu, o que ainda não deixou de fazer-se até hoje. Autores há que consideram que este processo começou já há cerca de 8000 anos. Os solos que levaram milhares de anos a formar-se podem desaparecer nalgumas décadas apenas. Nas savanas africanas, nas pampas argentinas e nalgumas pradarias da América do Norte, existiam grandes extensões de florestas antes que os seus ocupantes as destruíssem. Por todo o mundo a percentagem de solo cultivável tem vindo a diminuir à medida que a população mundial cresce. Nos últimos 5000 anos, os seres humanos foram capazes de reduzir as florestas do planeta a menos de metade da sua área original, ou seja, a apenas 20%. A mancha florestal, segundo o relatório bianual da FAO, está a diminuir 11,3 milhões de hectares por ano, sendo os fogos os responsáveis nos últimos dois anos pela destruição de aproximadamente 10 milhões de hectares de floresta em todo o mundo. Mas a floresta representa um papel vital em termos ambientais, ecológicos, económicos e sociais. Em áreas secas como o norte da África, Grécia, Itália e Austrália, as áreas antes florestadas foram tão intensamente utilizadas para agricultura, que o solo empobreceu e transformaram-se em deserto. Esta é a situação oposta à Biostasia, ou seja, a terra desertificada fica sujeita a um regime de Rexistasia, com solos expostos e grande actividade erosiva, acabando por pôr a rocha-mãe a nu. No território português, antes das glaciações, as montanhas estavam cobertas por florestas sempre-verdes, que foram, gradualmente substituídas por florestas mistas de árvores sempre-verdes e caducifólias, passando, por destruição destas, a estar predominantemente cobertas por matos de urze e carqueja. A partir do século XIX foram artificialmente reflorestadas com pinheiro bravo e, apesar de todos os esforços, as zonas desertificadas quase sem vegetação, ou cobertas por eucaliptos e acácias são cada vez mais extensas, facilitadas pelos fogos e outras intervenções humanas. O espaço florestal ocupa cerca de 50% do território nacional dos quais apenas 2,6% pertencem ao Estado. Na Carta de Solos de Portugal, pode observar-se que Portugal apresenta os valores mais desfavoráveis entre os países do Sul da Europa, com 66% dos seus solos classificados como de baixa qualidade. São


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poucos os solos em Portugal com boa aptidão agrícola, sendo a principal causa da degradação do solo em Portugal Continental a erosão provocada pela precipitação, com distribuição irregular de chuva e ocorrência de secas, ocorrendo a precipitação mais intensa em períodos não vegetativos. Já em 1982, a FAO alertava para o facto de apenas 11% da área do planeta ser ainda cultivável. Os restantes 89% estavam já perdidos, nas áreas de uso agrícola, por degradação, através de salinização, compactação, erosão eólica e erosão pelas águas de escorrência; a erosão pela água é a mais activa principalmente nas vertentes imprudentemente cultivadas. A erosão eólica ocorre principalmente em solos desprovidos de cobertura vegetal. Nas áreas de uso não agrícola a degradação acontece por expansão urbana, da indústria e de áreas recreativas, exploração mineira, construção de vias de comunicação, etc. É geralmente o melhor solo que desaparece. A FAO, apelava nesse ano, para uma consciencialização de todos os governos para a necessidade de se implementarem, principalmente nas regiões mais afectadas, como a África sahariana e a Ásia, medidas de recuperação dirigidas para cada diferente problema verificado, ou medidas de conservação e protecção para as áreas ainda não perdidas. Em 1996 morriam 25 pessoas/ minuto com fome, no mundo. Passados quase 30 anos o que se observa e consta dos relatórios das organizações intervenientes, nomeadamente da própria FAO, é que, por exemplo, “o número de pessoas com fome no Mundo aumentou em 50 milhões no ano de 2007”. A erosão tornou improdutivos, do ponto de vista agrícola, cerca de um terço dos solos agrícolas mundiais nos últimos 40 anos. No entanto, estima-se que actualmente, cerca de 77% das terras da União Europeia (UE) correspondem a áreas agrícolas e silvícolas, evidenciando a importância da política agrícola no território. Na UE, calcula-se que 52 milhões de hectares de solo, equivalendo a mais de 16% da superfície terrestre total, estão afectados por processos de degradação. Jacques Diouf, responsável da FAO, alerta: “Em 2008, a erosão dos solos pode levar 1,5 mil milhões de pessoas à fome, ou seja, um quarto da população do mundo, depende directamente do solo que está sofrer uma constante degradação, reduzindo a produção das terras e ameaçando a sua segurança alimentar”. Essa degradação tem vindo a crescer e afecta já mais de 20% de todas as áreas cultivadas, 30% das florestas e 10% dos pastos”. O estudo da FAO revela que a principal causa da degradação do solo é a sua má gestão. A China é o primeiro no ranking de países com população rural afectada com

a degradação dos solos, com 457 milhões de atingidos. Jacques Diouf apelou aos governos europeus para que ponham em prática medidas urgentes de combate à fome, defendendo a “urgência” do investimento na agricultura no mundo em desenvolvimento, sublinhando que com trinta mil milhões de dólares por ano se pode duplicar a produção agro-pecuária mundial e inverter a crise alimentar. “É urgente por isso investir na agricultura nos países em vias de desenvolvimento”, vincou. Lembrou que, pela primeira vez, os chefes de Estado reconheceram na Cimeira sobre Segurança Alimentar Mundial, realizada em Junho de 2008 em Roma, que foi um erro não ter investido o necessário durante um longo período de tempo no sector agro-pecuário. Durante esse encontro, que congregou representantes de 181 países, “não só se anunciaram ajudas de quase 11 mil milhões de dólares para combater a fome, como houve pela primeira vez um consenso (...) que só através de investimentos na agricultura e no desenvolvimento rural se podem alcançar resultados positivos tangíveis”.

Figura 2 — Estruturas tubulares originadas pela erosão linear provocada pela água das chuva – Montanhas do Atlas, Marrocos (Foto T. Azevêdo).

Figura 3 — Solo pedregoso (Reg) num deserto do Afeganistão (Foto Elisabeth Neuenschwander).


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Figura 5 — Erosão linear por sulcos e ravinas no litoral N de Marrocos (a construção teve de ser abandonada. Foto T. Azevedo).

Figura 4 — Couraça ferruginosa no Planalto do Boé-Guiné (Foto T. Azevêdo).

Referências Dokuchaiev, V. V., 1967. Selected works of V. V. Dokuchaiev: Vol. I. Russian chernozem. (Translated from 1948 Russian edition). Israel Program for Scientific Translations, Jerusalem. 419 p. (Original monograph published in 1883). Jenny, H., 1941. Factors of Soil Formation. A System of Quantitative Pedology. Dover Publications, Inc. New York, 191 p. FAO, 1990. Guidelines for Soil Description. [A manual with all technical terms used in the field description of soils]. Third Revised Edition, Soil Resources, Management and Conservation Service, Land and Water Development Div., FAO Rome, 70 p.

Häberli, R, Lüscher, C., Praplan Chastonay, B. & Wyss, C., 1991. L’affaire sol. Pour une politique raisonnée de l’utilisation du sol. Rapport final du programme national de recherche ‘Utilisation du sol en Suisse’ (PNR 22), Georg Editeur, Geneva. Webgrafia http://www.pedologiafacil.com.br/ http://soloportugues.blogspot.com/2008/06/soloem-congresso-ibrico.html http://ww1.rtp.pt/noticias/?article= 354795&visual=26 &tm=Internacional


Madalena Fonseca 121 GEONOVAS nº 23 e 24: 121 a 123, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Solo. Pele da Terra

O solo e a mineralogia Madalena Fonseca IICT - Instituto de Investigação Científica Tropical; DCN-GeoDES, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa. madfons@isa.utl.pt

Palavras-chave: Solos; pedogénese; mineralogia dos solos

A meteorização das rochas é o processo que, iniciando o ciclo exógeno dos materiais litológicos, actua sobre eles e os transforma, por acções físicas, químicas e biológicas, noutros produtos. O estudo da meteorização das rochas interessa a investigadores com formações e objectivos muito diferentes e que a interpretam e consideram sob pontos de vista distintos. É conhecido que a meteorização das rochas constitui um dos processos naturais mais importantes que decorrem à superfície do Globo e que maior importância tem na vida do Planeta. Porém, é de igual importância a existência de um sistema dinâmico sem o qual não seria possível a interligação entre esse processo e a vida – o solo. Uma das capacidades mais relevantes do sistema solo é a de funcionar como meio de retenção, de troca e de translocação de nutrientes indispensáveis à manutenção dos ciclos vitais dos organismos, através de mecanismos de interacção entre os seus componentes (partículas minerais e orgânicas, microorganismos, raízes e as fases líquida e gasosa), bem como de transferências para a atmosfera e para camadas profundas. Para permitir a existência de vida, o solo deve possuir determinadas características físico-químicas as quais, na sua maioria, estão dependentes da dimensão e da natureza químico-mineralógica das partículas que o constituem. Embora a composição química das rochas seja de grande importância na natureza dos minerais secundários existentes no solo, a composição química e mineralógica destes é também consequência de outros factores, e do tempo durante o qual actuam, tais como o clima, os microorganismos e a topografia, os quais, em certas condições, podem ser determinantes. A caracterização dos solos é feita com base em diferentes parâmetros: cor, textura, percentagem de matéria orgânica, pH, porosidade e permeabilidade,

capacidade de retenção da água, consistência etc. Consoante essas características, assim se poderá determinar a sua potencial utilização, respeitando o seu equilíbrio natural. Cada solo deve ser destinado ao fim a que se mostre mais adequado – daí a importância do planeamento e ordenamento do território. Deste modo, compreende-se o valor do solo como recurso natural muito importante na vida dos seres vivos. O estudo do meio físico (geologia do local, clima, relevo, vegetação...), a observação e descrição morfológica de perfis de solo, a colheita de amostras e os diferentes ensaios laboratoriais fornecem um conjunto de informações que permitem caracterizar os solos. A fracção sólida do solo é constituída por material orgânico e inorgânico. No material que constitui a porção mineral do solo podem ser encontrados desde fragmentos de rochas até partículas de dimensões coloidais. O solo é formado por uma mistura de grãos com formas e tamanhos variados, que são classificados de acordo com o seu diâmetro em fracções granulométricas (textura do solo). As partículas de diâmetro menor que 2 mm (“terra fina”) incluem a areia (com diâmetro de 0,02 mm até 2 mm), o limo (ou silte) (de 0,002 mm até 0.02 mm) e a argila (diâmetro menor que 0,002 mm). O espaço poroso é ocupado pelo ar e água do solo. Solos com diferentes texturas possuem características e propriedades distintas. Assim, por exemplo, solos de textura argilosa apresentam-se duros quando secos e plásticos e pegajosos quando molhados, e retêm mais humidade que os arenosos. Por sua vez, estes não apresentam grande dureza, nem plasticidade e adesividade, secando mais rapidamente e retendo menos nutrientes que os argilosos. A caracterização mineralógica de um solo baseia-se principalmente no estudo das fracções mais grosseiras (areia grossa e areia fina) ao microscópio petrográfico e à lupa binocular e das fracções limo e argila por difracção de raios X e ainda no estudo petrográfico da rocha-mãe,


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o menos alterada possível (Fig. 1). Do ponto de vista da génese dos solos, a composição e as transformações mineralógicas dos seus materiais possibilitam um melhor entendimento da evolução pedogenética de uma região uma vez que os minerais são indicadores da intensidade com que os diferentes processos actuam na paisagem. Os minerais secundários presentes na fracção argila

são responsáveis pela maioria dos processos importantes que dizem respeito à fertilidade, às características físicas e químicas e manejo dos solos. Dependendo das condições de formação de um solo podem formar-se minerais secundários silicatados do tipo 2:1 (argilas esmectíticas, vermiculíticas e outras), 1.1 (argilas cauliníticas) e óxidos e hidróxidos de Fe/Al.

Figura 1 — a) Perfis de solos; b) amostra de mão do material originário de um solo; c) fotomicrografia da fracção areia grossa de um solo; d) diagramas de Raios-X de diferentes fracções granulométricas, dos diversos horizontes, de um solo.

As partículas de argila são de dimensão micrométrica, apresentam grande superfície específica e cargas eléctricas na sua superfície; por isso atraem iões (nutrientes) e água. A água armazenada no solo é importante pois regula a sua disponibilidade para as plantas, sendo o meio no qual estão solúveis os nutrientes essenciais à planta (solução do solo). Os constituintes da fracção argila têm propriedades de adsorção e retenção na superfície de catiões básicos como cálcio, magnésio, potássio e sódio, além de catiões ácidos como o hidrogénio e o alumínio, definindo por conseguinte a capacidade de troca catiónica do solo e influenciando o seu pH. Para além disso, adsorvem igualmente metais pesados, sendo portanto de elevada importância agrícola e ambiental. Entre os minerais não silicatados, os óxidos, hidróxi-

dos e oxi-hidróxidos de Fe e Al são minerais secundários de grande importância nas propriedades dos solos. Mesmo em concentrações baixas têm geralmente elevado poder de pigmentação e influenciam a coloração dos solos. Em regra, os óxidos de Fe têm elevada superfície específica e, devido à sua natureza química, podem adsorver aniões, alguns dos quais tão fortemente que reduzem a sua disponibilidadade para as plantas (p.e., fosfatos), sendo portanto, também de elevada importância agrícola e ambiental. Neste grupo incluem-se vários minerais (hematite, goethite, magnetite, gibsite, etc.), cuja formação é influenciada pelas condições ambientais, e cujo teor no solo está relacionado com o material de origem, com o grau de alteração, o clima e com os processos pedogenéticos. O estudo da mineralogia dos solos constitui, em suma, uma excelente ferramenta para o conhecimento e a ava-


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liação da respectiva génese e comportamento físico e químico, para além de poder ser utilizada na classificação dos solos. Referências Brady, N. C. & Weil, R. R., 2008. The Nature and Properties of Soil (14th edition). New Jersey, Pearson Prentice Hall, 960 p.

Fonseca, M. Madalena, 2000. Solos Argiluviados Pouco Insaturados. Caracterização físico-química e mineralógica de pédones típicos de solos mediterrâneos pardos de materiais não calcários. Diss. apresentada ao IICT para prestação de provas de acesso à categoria de Investigador Auxiliar, 181 p. White, R. E., 1997. Principles and Practice of Soil Science (3rd edition). Blackwell Science, Oxford, 348 p.


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GEONOVAS nº 23 e 24: 125 a 126, 2010/2011 Nuno Pimentel 125

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Solo. Pele da Terra

Solos e paleossolos – duas faces da interacção entre geosfera e biosfera Nuno Pimentel Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. npimentel@fc.ul.pt

Palavras-chave: Paleossolos; paleogeografia; paleoclimatologia

Ao olharmos uma paisagem à nossa volta, constatamos que a maior parte dos terrenos que vemos estão cobertos por vegetação, de maior ou menor porte, e que essa vegetação está fixada a um Solo mais ou menos desenvolvido. Esta visão pode ser transferida para o passado geológico, levando-nos a imaginar que a maior parte das áreas continentais emersas esteve geralmente coberta por solos. No entanto, o registo geológico desta situação é escasso… porquê ? A principal razão é que os Solos são, por natureza, uma realidade efémera, resultante da alteração das rochas subjacentes e que com o tempo tende a evoluír, por inter-acção com a biosfera, a atmosfera e a hidrosfera. Por outro lado, o facto de os Solos se encontrarem em áreas onde as rochas estão expostas aos agentes atmosféricos, torna-os particularmente vulneráveis também à erosão promovida pelos mesmos – é assim na actualidade e assim foi no passado. Daqui resulta que apenas uma reduzida parte dos solos do passado está preservada no registo geológico, nas rochas com milhares e milhões de anos que chegam até nós. O estudo desse registo é portanto um desafio que se coloca aos geólogos que lidam com as rochas formadas na superfície terrestre, procurando desvendar nos sedimentos a influência ou mesmo presença desses Solos antigos ou Paleossolos. Este ramo da geologia – a Paleopedologia – lida com marcas e evidências de solos antigos, preservados nas sequências sedimentares. Essas marcas são por vezes muito subtis, como pequenas manchas ou marcas de raízes, podendo também ser muito marcantes, como uma crosta carbonatada ou uma ferruginização intensa. Em qualquer dos casos, o objectivo do seu estudo é sempre o mesmo – compreender como se desenvolveram os Paleossolos e através disso interpretar os processos e condições paleoambientais que presidiram à sua formação. O estudo dos Paleossolos ajuda o geólogo a reconstituir a paisagem existente durante a formação das ca-

madas sedimentares. O tipo de clima, se chovia muito ou pouco, se fazia calor ou não, se havia estação sêca, se a drenagem era boa ou má, tudo isso se irá traduzir no tipo de solos registados nas rochas. Também o tipo de vegetação, o seu porte e a sua abundância, poderá ser inferido através da Paleopedologia. Por outro lado, sabemos que para a formação de solos é necessário tempo, longo tempo sem erosão ou sedimentação muito fortes… e por isso a presença de um solo bem desenvolvido diz-nos que a região se manteve estável durante um certo período. Podemos deste modo conhecer melhor as paisagens antigas, ajudando-nos a perceber em que paleoambientes viviam os plantas e os animais que constituíam a biosfera contemporânea das rochas e que para elas também contribuíram. Solos e Paleossolos são portanto duas faces da mesma moeda – a da inter-acção permanente entre Geosfera e Biosfera, geradora de equilíbrios dinâmicos que servem de base e suporte à vida sobre a Terra.

Figura 1 — Os paleossolos encontram-se registados nas sequências dposicionais, sob a forma de colorações e neoformação diversas. Na foto, depósitos continentais na Bacia do Recôncavo (Brasil).


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Referências Retallack, G. J., 1990. Soils of the Past – An introduction to Palepedology. Harper Collins Academic, 552 p. Retallack, G. J., 1997. A Colour Guide to Paleosols. John Willey Ed., 175 p.

Schaetzl, R. & Anderson, S., 2005. Soils, genesis and geomorphology. Cambridge Univ. Press, 631 p. Wright, V.P., 1986. Paleosoils, their recognitiom and interpretation. Geology & Paleontology Princeton Series, Princeton Univ. 315 p.


Louro Alves 127 GEONOVAS nº 23 e 24: 127Fernando a 128, 2010/2011

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Solo. Pele da Terra

Solos Fernando Louro Alves Câmara Municipal de Lisboa (Direcção Municipal de Ambiente Urbano). louro.alves@cm-lisboa.pt

Palavras-chave: Solos; ocupação e rpeservação dos solos; ordenamento do território

Se os solos são a pele da Terra, também é sobre essa pele que se desenvolve toda a actividade humana. Enquanto ser vivo, o Homem colaborou com todas as restantes componentes ambientais para a constituição do solo que temos. Os movimentos da crosta, os agentes meteorológicos e o Homem e os restantes seres vivos, facilitaram ou determinaram o aumento ou a diminuição da fertilidade dos solos. Foi como consequência de algumas actividades humanas que se aceleraram processos de meteorização capazes de gerar o aumento de espessura do solo arável, mas foi também como resultado de muitas actividades humanas, intencionais ou não, que muitos solos se foram erodindo, caminhando para a desertificação. Durante gerações, o conhecimento que envolvia os solos, foi dos aspectos mais importantes do Saber, pois das correctas medidas poderiam resultar reservas de fertilidade ou a diminuição da produtividade, a fome, a debilidade física e o grassar das pestes nas sociedades humanas. Quando olhamos para a organização espacial do território, verificamos que os aglomerados de génese antiga, respeitavam aspectos de estratégia defensiva, de conforto climático e de preservação dos solos férteis. Ainda hoje é possível encontrar sociedades menos desenvolvidas maioritariamente dependentes da agricultura em que, com base em estratégias do poder, religiosas ou não, a fertilidade dos solos continua a ser salvaguardada para fazer face aos períodos de carência. Rotações, Pousios, Afolhamentos, Sideração de Leguminosas e incorporação de grandes quantidades de matéria orgânica nunca foram acções infundadas ou desprendidas de um contexto. A compensação de fertilidade aos solos que se realizava para viabilizar a prática agrícola produtiva correspondia àquilo que se pode hoje definir como um modelo sustentável. A revolução industrial e a possibilidade de contornar o crescimento económico exclusivamente dependente do sector primário, levaram a um grande desrespeito pela conservação dos solos. Ele culminou, no século XX,

com o menosprezo do valor dos solos enquanto estrutura produtiva e o seu aproveitamento, sempre que a procura o justificasse, como substrato para a construção. Se observarmos uma paisagem tradicional de desenvolvimento comum, verificamos que as montanhas e os declives acentuados estão florestados para evitar a erosão, os aglomerados urbanos se localizam na meia encosta (geralmente soalheira) e os solos agrícolas estão salvaguardados. Hoje em dia, assiste-se à ocupação construtiva desenfreada e imponderada, sobre terrenos de baixa, inclusive correndo riscos de inundabilidade. Também para evitar esta delapidação do património pedológico, foram criados instrumentos jurídicos como a RAN – Reserva Agrícola Nacional, para evitar este crescendo, particularmente importante, num país como Portugal com uma tão reduzida área de solos de categoria A (com franca aptidão agrícola). Mas, se nos anos 60 e 70 do século passado foi entendida a importância de se promover a conservação (como medida de gestão) e não a preservação ou mesmo a protecção, parece que aos solos essa “modernidade” ainda não chegou. Os solos parecem “protegidos” mas na realidade eles estão simplesmente redomizados mas abandonados e por isso, longe de estarem conservados. Mais importante do que reservar territórios com certos tipos de solos, é necessário atribuir-lhes o justo valor, monitorar a evolução de cada um dos horizontes do seu perfil, e promover um adequado uso do solo, com renovação permanente dos seus constituintes. No seio de qualquer solo funcionam ciclos bio-geoquímicos e é facto reconhecido que tanto se pode conduzir à degradação de um solo e ao seu exaurimento, através da sua sobre-exploração, quanto através do seu abandono e compactação em espaços de coberto esparso onde, por exemplo, ocorram incêndios com frequência. Muitas vezes sob o pretexto da não rentabilidade económica, abandonam-se os terrenos, desaproveitando importantes potencialidades produtivas, perdendo-se saberes ancestrais, gerando a desertificação humana do interior, levando à degradação dos solos e ao impossibi-


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litar da sua recuperação produtiva, ao empobrecimento e ao aumento das assimetrias. O Homem é considerado um dos mais importantes agentes capazes de conduzir ao aumento da fertilidade dos solos. Ele pode agir enquanto catalizador do aumento da Biodiversidade, directamente pela disponibilização dos propágulos ou indirectamente através do aumento da Produtividade Primária. Daí advém um maior número de nichos e habitats pelo que o Homem não pode descurar o seu papel na Natureza. Muitos não entendem que, ao contrário dos sistemas agrícolas intensivos em forcing, os sistemas agrícolas tradicionais são importantes factores de enriquecimento da biodiversidade e do aumento da estabilidade dos ecossistemas naturais. Em termos éticos o Homem tem responsabilidades perante todos os ecossistemas naturais ou antropogénicos pois já não existem solos não urbanizados. Mesmo quando se decide não intervir, esta opção é já uma opção urbanística com importante impacte no território.

Aquilo que poderá assegurar a nossa sobrevivência futura passará pelo uso correcto dos solos, mesmo que em termos agrícolas a sua produção não seja directamente rentável em termos económicos, pois o seu abandono leva inevitavelmente à degradação, e a internalização dos benefícios ambientais justificaria claramente a manutenção dos aproveitamentos agrícolas, tal como podemos ainda hoje constatar na maior parte dos países desenvolvidos. Em nome de uma política agrícola comum (europeia) tem-se destruído a estrutura produtiva agrícola portuguesa, diminuindo-se a capacidade nacional de produção de alimentos, aumentando-se a dependência externa e aumentando o risco de sobrevivência em caso de desequilíbrio internacional grave. Uma boa política de solos é inevitavelmente uma boa política de ordenamento e gestão do Território. A assunção dessa boa política no que respeita, ao Ordenamento, Planeamento e Gestão da Paisagem são imprescindíveis e podem conduzir à construção de paisagens elas próprias educadoras e geradoras de uma cultura transponível para todos os espaços onde o Homem se instala.

Figura 1 — Unhais da Serra: Coberto florestal sobre as encostas, compartimentação dos terrenos agrícolas com sebes vivas e salvaguarda das infraestruturas hidráulicas tradicionais de rega e conservação dos solos mais férteis. Durante quanto tempo mais ?


Catarina Silva 129 GEONOVAS nº 23 e 24: 129 a 130, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Solo. Pele da Terra

Metais pesados nos solos Catarina Silva Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016 Lisboa. csilva@fc.ul.pt

Palavras-chave: Solos; disponibilidade multi-elementar; contaminação; metais pesados

Os solos formam-se a partir de material rochoso alterado e gradualmente vão aumentando de espessura e diferenciação para formar um perfil de solo, por um processo a que se denomina pedogénese. O destino dos metais pesados presentes no material parental do solo e libertados sob a forma iónica como resultado da alteração química, depende de factores pedológicos tais como o pH, a concentração em matéria orgânica, o potencial redox, assim como de factores externos tais como a temperatura, a precipitação, a erosão e as práticas de uso do solo. Adicionalmente aos metais pesados fornecidos pelo material parental, outros são adicionados ao solo como resultado de actividades antrópicas. Com frequência, os solos recentemente poluídos apresentam concentrações mais elevadas de metais pesados na zona superficial, visto não ter decorrido tempo suficiente para a actuação do processo pedogénico. A concentração total de metais pesados num solo é o resultado do balanço entre “input” e “output” do solo; como “input” considera-se o material parental, a deposição atmosférica, os fertilizantes e outros químicos agrícolas, resíduos orgânicos e outros poluentes inorgânicos; como “output” consideram-se os metais removidos pelas colheitas, por lixiviação e por volatilização, assim: Ctotal = (Mp+Ma+Mf+Mqa+Mro+Mpi) - (Mc + Ml); onde: Ctotal – concentração total de metais pesados num solo; M – metais pesados; p – material parental; a - deposição atmosférica; f – fertilizantes; qa – químicos agrícolas; ro – resíduos orgânicos; pi – outros poluentes inorgânicos; c – remoção pelas colheitas; l – percas por lixiviação, volatilização, etc. Actualmente é praticamente impossível estimar o nível de base primordial das concentrações de metais pesados nos solos europeus, visto não existirem ecossistemas que

tenham sido completamente preservados de agressões exteriores (Kabata-Pendias, 1995). O solo não funciona apenas como um reservatório geoquímico de contaminantes, mas age como um regulador do transporte de elementos químicos e substâncias para a atmosfera, hidrosfera e biosfera. O solo é o último e o mais importante reservatório para os metais pesados no ambiente terrestre. Contudo, o solo tem uma capacidade limitada para englobar estes elementos. Quando se atinge ou ultrapassa esta capacidade as consequências ambientais podem ser negativas, nomeadamente no que se refere ao aumento da mobilidade do metal no sistema solo. Neste sistema a especiação química dos metais é dominantemente afectada pela composição da matéria orgânica e pelas superfícies dos minerais, sendo crucial na sua mobilidade e biodisponibilidade (Schulin et al., 1995). Quando um elemento é introduzido no solo, do ponto de vista geoquímico, pode tomar uma das seguintes formas (Adriano, 1986) (figura 1): i) dissolver-se na solução do solo; ii) fixar-se em locais de troca de constituintes orgânicos e inorgânicos; iii) sofrer oclusão nos minerais do solo; iv) coprecipitar com outros compostos, no solo e v) incorporar-se nos materiais biológicos. As primeiras duas formas referidas são móveis e fitodisponíveis enquanto as restantes são imóveis. No entanto, com o decorrer do tempo, estas últimas podem também vir a transformar-se em móveis e fitodisponíveis. A cinética que governa o equilíbrio químico de cada elemento vestigial entre a fase de solução e a fase sólida do solo é bastante complexa. De acordo com Lindsay (1979), a actividade dos metais na solução do solo resulta do equilíbrio do metal com os minerais argilosos, a matéria orgânica, óxidos de Fe, Al e Mn e quelatos solúveis, sendo o pH do solo uma propriedade chave neste equilíbrio. Um dos papéis fundamentais do solo é a produção de


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alimento, permitindo deste modo a entrada de metais tóxicos na cadeia alimentar. Impõe-se assim a definição de valores-limite para a máxima concentração tolerável em solos agrícolas e de jardins, uma vez que a manutenção das funções ecológicas e agrícolas do solo depende fundamentalmente do balanço de metais pesados, sendo a persistência dos metais no solo bastante elevada, substancialmente maior do que noutros reservatórios da biosfera.

Na Europa existem diversos países com legislação relativa às concentrações de metais pesados nos solos, como exemplo refira-se a legislação suíça sobre contaminantes do solo (1986). Com o objectivo de fornecer uma base para decisões administrativas as autoridades holandesas também definiram valores de referência para níveis de contaminação em solos. O Reino Unido dispõe de legislação relativa a concentrações alvo palocais contaminados e sujeitos a reaproveitamento para um determinado uso específico. Referências

Figura 1 - Interacções dos metais pesados nos solos (adaptado de Schulin et al., 1995).

Adriano, D. C., 1986. Trace Elements in the Terrestrial Environment. Springer-Verlag, New York, 533p. Kabata-Pendias, A., 1995. Agricultural problems related to excessive trace metal contents of soils. Heavy metals. Problems and solutions (Salomons, Forstner & Mader. Editors). Springer, Berlin, 412p. Lindsay, W. L., 1979. Chemical Equilibria in Soil. John Wiley & Sons, New York, 449p. Schulin, R., Geiger, G. & Furrer, 1995. Heavy Metal retention by Soil Organic Matter under Changing Environmental Conditions. Biogeodinamics of Pollutants in Soils and Sediments. Risk Assesment of Delayed and Non-Linear Responses (Salomons, W. & Stigliani, W. M., Editors) Springer, Berlin, 247p.


ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

D’Oliveira Ramos 131 GEONOVAS nº 23 eMaria 24: Celeste 131 a 137, 2010/2011

Solo. Pele da Terra

Ordenamento das paisagens — arquétipos da ordem e símbolo linguagem da natureza guardado cristalizado no sub-consciente e supraconsciente do homem Maria Celeste D’Oliveira Ramos Rua Luís de Camões 121, 5ºEsq., 1300-356 Lisboa. celeste.ramos@netcabo.pt

Palavras-chave: Impactes Antropogénicos; globalização; ordenamento do território; desertificação; despovoamento; solos

O Homem é por força da sua condição eternamente curioso e insatisfeito. Mas, dele, destaquemos o grupo dos cientistas que se perguntam se a Terra é plana ou esférica, se todo o mundo já é conhecido ou se haverá o que quer que seja para além do que vêm com os instrumentos que têm – o que valeu, a Galileu, ameaça de ser queimado na fogueira como qualquer “bruxa” da Idade Média, o que está ainda tão perto do nosso tempo E se Galileu achava que o mundo era redondo, foi um português Fernão de Magalhães que o demonstrou pela primeira vez na história do Homem na sua viagem de circunvalação pelo Estreito onde deixou o seu nome (e a sua vida), o que permitiu também dar nome a continentes e países ainda desconhecidos e, ainda, ao mar “pacífico” que foi encontrado do lado de “lá” e Pacífico ficou para sempre a ser denominado Estes cientistas visionários (a par dos grandes pensadores filósofos) são afinal os que fizeram avançar o mundo que vivia na superstição e “temor a Deus”, de entre eles também Pedro Nunes, que inventou o sextante e o nónio para a orientação pelas estrelas em pleno mar onde a Terra já não é avistada, e português é, o primeiro dos grandes cartógrafos da Renascença e da história da criatividade portuguesa, pese embora em tempos de dominação castelhana, bem como toda a cartografia antiga desde a de Ptolomeu e outros cujo trabalho quase iniciático não ficou na obscuridade mas muito esquecido, pois que por mais que se avance e se saiba, tantos saberes só serão acessíveis por outro tipo de curiosidade, que leva os que se debruçam sobre as obras dos homens do passado, que nos antecederam, mas que são o lastro dos avanços de hoje Mas será que os cientistas inventam algo ou apenas revelam (e desvelam) o que até aí era desconhecido? Creio bem que por mais criativos que sejam não inventam nada que já não exista, pois que recriam e reinterpretam e dão

ao mundo em cada momento, mesmo que seja “sonho” que já sabemos que pula e avança Talvez até me apeteça afirmar que a grande Missão do Homem é essa de descortinar o mundo e o que ele significa, e fornecer o conhecimento para o avanço do grau de consciência de todos os homens e do valor da vida global. Os cientistas perguntam como apareceu a Terra por ele habitada, onde se teria situado o Éden Bíblico de Adão e Eva e onde nasceu o Primeiro Homem Abraão e onde Noé construiu a Arca, como descobriu o fogo e a “escrita” (as duas mais importantes descobertas humanas), onde se construiu a primeira cidade de UR onde nascera a “civitas-civilização” quando deixou de ser pastor-colector, e errante, passou a ser sedentário e construiu a Horta (o primeiro Jardim), para além de teorizar como, do grito selvagem de imitação dos animais passou a articular “palavras”, pois que só emitia urros e vogais, o homo sapiens que ao tornar-se erectus desenvolveu a sua caixa respiratória para poder “criar” consoantes e construir palavras alterando para sempre a sua capacidade fonética original. Milhões de anos decorridos sobre a evolução das formas primordiais da vida e do Homem, agora perscruta o mais fundo dos mares e onde se situa a origem das primeiras formas de VIDA, envia satélites para o cosmos para olhar a “Terra” – o Planeta Azul” - lá de cima e de cada vez de mais alto desse grande “vazio” povoado de estrelas arrumadas em constelações, e enxames, que todos vimos cá de baixo, além de buracos “negros” descobrindo que tudo o que olha é rigorosamente organizado e tal que permitiu, por fim, conseguir “pôr-o-pé-na-LUA” Notável como, quer no hemisfério norte como no do sul, encontrou a Estrela Polar e o Norte, ou o Cruzeiro do Sul e o Pólo sul, da mesma forma que sendo redonda (esférica), dividiu a Terra artificialmente com riscos horizontais a que chamou paralelos, tomando por origem


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o plano do Equador, e riscos verticais a que chamou longitudes, esses 24 meridianos distando 15ºlongitudinais correspondendo a 1 hora de diferença tomando como referência um deles – o meridiano de Greenwich, permitindo localizar num mapa mundi qualquer lugar da Terra e atingi-lo pelos meios de deslocação terrestres ou aéreos que entretanto conquistou. Foi olhando o Sol e a lua e que relação a Terra teria com esses luminares, o dia e a noite, o que se passava com o tempo de translação da Terra ao Sol e como classificou as estações do Ano de Primavera, Verão Outono e Inverno e o que são os Equinócios e Solstícios e os respectivos climas e consequências na vegetação e emigração dos animais do mar, da Terra e dos pássaros, vendo que tudo não dependia da sua vontade mas sim dos fenómenos do céu a que a Terra e todos os seus habitantes respondiam no dia e hora certa. E estudou os fenómenos lunares e as suas quatro fases, os eclipses “malditos” parciais mas sobretudo totais, do sol e da lua Descodificou o Universo e como a Terra reagia aos fenómenos a que deu designações incontestáveis e, igualmente, podendo viajar mais e mais longe foi percebendo o significado de monumentos “estranhos”

além desses, sem contudo prever algo que não “esperava a partir da mente inteligente e dedutiva” que por cálculos matemáticos dava a existência de Neptuno, já sabendo que todos os planetas do sistema solar transladam o sol no mesmo plano Assim, ao poder ser observada a perturbação na órbita do planeta Úrano, que já tão bem se conhecia desde a civilização dos Caldeus, e se consolidou com William Hershel em 1781, a partir da descoberta do telescópio, e usando cálculos de rigor científico percepcionou que haveria ainda outro planeta que designou de Neptuno (23 set.1846) sendo que ao constatar-se perturbações na órbita de Urano percebeu-se que era a órbita excêntrica de Plutão que a interceptava e, assim, descobriu não apenas Neptuno mas também esse Plutão perturbador que os astrónomos decidiram despromover, em 2006, da categoria de planeta, para passarem a chamar-lhe outra coisa. Vejam-se algumas imagens extraordinárias de um mundo há tão poucos anos irreal e agora à nossa “mão” e estampado num livro a que se tem acesso tão fácil e diário como se tem acesso a uma imagem de uma flor do nosso jardim.

que julgou apenas religiosos e misteriosos como os Menires e Cromeleque de Almendres do Alentejo, sendo o mais famoso o de Stonhenge, as pirâmides do Sol e da Lua da civilização Maia e Asteca no grande vale mexicano, ou o que seriam as Pirâmides do Egipto e essa misteriosa Esfinge que “olha o deserto” impávida e serena, para além das gigantescas Estátuas da Ilha de Páscoa ou a forma mais do que engenhosa do encaixe das pedras da habitação e muros de Machu Picchu sem ajuda de cimentos. E já se pensam os homens das ciências, entretanto desdobradas, conquistar mais conhecimento sobre Marte e o que nele poderá existir também, pois que foi analisando e enunciando as leis rigorosas da física que a partir delas “descobriu” que o sistema solar não teria apenas “aqueles planetas” visíveis a olho nu, mas outros haveria

Figura 1 - A Terra vista do Céu e poluição do planeta com os instrumentos perdidos pelos astronautas.

A pele da Terra maltratada Mas não é o fim porque neste séc. XXI pretende-se descodificar o ponto original do universo onde se iniciou o Big Bang bem como se pensa procurar uma segunda “Terra” no novo sistema solar que agora se abre Poder-se-á chamar “pele” ao espaço da esfera gravitacional de cada planeta que gira e translada sempre à volta do centro representado pelo sol, sem se chocarem, mesmo o pequenino Mercúrio que tão perto do sol fica que parece um peão incansável mas sem ser “absorvido”. Não sei. Por mim tudo o que “separa algo de outro


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algo”, chamo-lhe uma “pele”, o que delimita algo para passar a ser outro algo. Não contente nunca, os cientistas enviam sondas de lentes cada vez mais potentes e poderosas nunca dantes imagináveis, como o Hubble, que já sem presença humana, envia constantemente, para a Terra, imagens de um mundo que fora apenas pensado pelos “Júlio Verne” e que já são realidade comum do quotidiano humano, o que lhe dá já uma dimensão de “pele” e de fronteira da sua Casa-Comum como unidade diferenciada do sistema solar. Eu olho o Homem como Co-Criador do universo de cada vez que o desvenda e vai desvelando segredos, e mesmo mistérios e mitos, lendas e superstições, a par dos instrumentos sem os quais não evoluiria, tão longe quer ir e perceber onde vive e quem É como se quisesse aproximar-se cada vez mais do próprio Criador. E se criou a teoria do Big Bang “onde tudo começou”, quer agora descobrir como se deu e quando, essa origem do tempo-espaço e de todas as coisas, por mais que a relatividade einsteiniana nos revele que o tempo não existe. Por outro lado, a insaciedade leva o cientista a ir também não ao fundo da terra, mas a escavá-la até encontrar e perceber o que nela foi enterrado pelas convulsões naturais, seja a própria formação das várias fases geológicas e quais as rochas que se formaram e datam as cambalhotas que o planeta foi dando, para além de formas de vida fossilizadas da fauna e flora antigas, cidades e monumentos, ou ossaturas humanas, ou como desapareceram civilizações e cidades que ficaram no fundo dos mares (como civilização pré-histórica no local onde é hoje Istanbul ou a Atlântida que se pensa restar nas ilhas dos Açores com o seu centro na ilha de São Miguel) Não sei se posso falar em locais “misteriosos” pela emoção vivida em certos lugares como no centro da Terra-Mãe da Turquia para os lados de Ephesus onde se situa uma capelinha que diz a “história” ter sido a casa onde nasceu Maria Mãe de Jesus, ou no alto da Ilha de São Miguel, acima do “capacete e onde as vacas já não pastam e enfeitam a paisagem dando outra dimensão de vida e movimento e um limite a que já não sobem, mas que no entanto é reino de árvores milenares e flores, muitas flores, sobretudo azáleas, que na pureza do ar atingem a densidade de cor que não têm se cultivadas em qualquer outro espaço à cota do mar. O mesmo cientista que percorre as áreas mais continentais desertificadas como as da Estrada da Seda por onde ficaram cidades “fantasma” a atestar outras civilização e relembro Petra na Jordânia, ou nos desertos mais antigos ainda podendo determinar até como eram diferentes milhares de anos atrás, e o que os determinou como o caso do Sahaara onde a partir das gravuras nas rochas de Thaissily, se percebeu que não era deserto natural, mas tinha sido sim uma densa floresta com os Ce-

dros do Atlas (árvore que abunda no norte frio do país e mesmo nos jardins de Lisboa e na Serra de Sintra), deserto habitado por várias espécies de cervídeos, passando pela exploração de turfeiras ou de aluviões estuarinos como os do Rio Tejo, descobrindo o que nelas ficou enterrado como o Homo de Muge e tantas coisas guardadas na terra que revelam os milhões de anos de convulsões “abaixo” da pele-da-terra mais escondida O homem não aguenta “segredos” – desvenda-os e descodifica-os e explica a vida da terra e a vida global em paralelo e, no meio, a do Homem, fazendo a história da Evolução. E podemos falar em outra “pele”, a que separa a terra do mar, sejam falésias e arribas (fósseis ou não) e essas maltratadas dunas e a sua vegetação xerofítica, ou pele que separa a terra do céu, que separa o sistema solar de outro sistema solar, como em 13 Nov 2008 acaba de ser anunciado, ou que separa uma galáxia de outra, que, se não separadas, seriam todo o céu, a mesma “galáxia”, a mesma paisagem de terra e de mar. A pele é assim tudo o que separa e termina para que outra coisa comece. Só mais recentemente o cientista se debruça sobre o próprio homem e o seu corpo físico a nível de pormenor como fez com o céu e só no séc XIX se debruçou sobre a psique humana com Freud, e mais tarde com Yung, bem como só no início do séc. XX nascem as ciências do comportamento colectivo – a psicologia e sociologia, mas sendo que só em 2003 se descobre o genoma humano e os seus entre 40 mil e 100 mil genes, que para os que acham que os homens têm “classes” diferenciadas teria sido um choque, pois que o genoma é UNIVERSAL – somos todos iguais bio-geneticamente, mesmo nos “males” a que chamamos “doenças”, pois que tudo está inscrito em cada gene, e de igual forma que a capacidade humana, sendo que, curiosamente, e para exemplificar, a aptidão da “fala” radica na mesma estrutura diferindo apenas com o local planetário onde se nasce, e se eu falo português, para isso usei a mesma estrutura de quem fala papuês. O que tem o que se escreveu a ver com o que me foi pedido escrever sobre “a pela da terra”? Até aqui referi o pouco que sei do que aprendi sobre o universo de que faço e fazemos parte integrante, embora tão diferenciadamente, e diria de uma forma de macrosistema, e tentarei passar para o micro-sistema a nível do corpo humano para então falar da PELE da Terra – nessa pele que comunica com o MAR e o CÉU e o SOL, e também com a nossa-pele, fonte energética de toda a vida que conhecemos que dessa grande estrela emana e de que uma alta percentagem se retém na estratosfera e na atmosfera, chegando à terra apenas 50% para fazer desenvolver todas as formas de vida e dar calor, sendo depois, do solo irradiada de novo mas apenas 20 %, como um vaivém que, agora em profundo desequilíbrio


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não apenas por mudança natural das Eras de frio e calor (inicia-se uma nova ERA de frio de 200 mil anos), mas acrescentadas às acções humanas com a poluição da terra, do ar e da água, e sobretudo com a desflorestação incontrolável, rompendo a camada protectora do ozono e comprometendo a VIDA da Pele da Terra e a nossa, pois que todos os reinos terrestres respiram o mesmo oxigénio que só é produzido pelas plantas e por esse ser esplendoroso e tranquilo que é o suporte da terra, suporte e garante da água e da VIDA de todo o planeta que é a ÁRVORE – suporte do mundo Creio que ao falar do Todo do Universo e da sua LEI implacável perceber-se-á melhor como a saúde do planeta depende de cada homem consciente como se fosse a sua Casa que parece cada vez mais pequenina e frágil neste universo sem fim, não importa em que lugar se habite e, hoje, num mundo sem fronteiras, não importa a língua ou a religião, a cultura ou a facção ideológica, a natureza é, mais do que nunca, um problema de consciência individual. Não é sequer necessário que o homem professe uma religião – basta ser PANTEÍSTA, a religião que abraça Deus, todos os deuses, e a Terra indissociavelmente, e, se quisermos, veremos Deus em todas as coisas, nas pedras e nas montanhas, nos rios e nos mares, nos animais e nas flores perfumadas e nos homens, numa andorinha ou num grão de polén vivo ou fossilizado. Na Criação – em toda a criação – na Luz e nas Trevas também A minha pele – é onde acabo e protejo tudo o que se passa interiormente, para o aquém de mim, todo o ecossistema que sou de cabeça tronco e membros, formado por sistemas cada um com órgãos e funções determinadas, específicas e únicas e que, para além disso, tem não apenas vida biológica mas um grau de inteligência que me diz que está frio e tenho de me proteger para não adoecer, ou calor de que igualmente me devo proteger porque, igualmente, adoeço, sendo assim indicadora do TEMPO físico mas, igualmente, do tempo psíquico, pois quantas vezes afirmamos – vi algo que me fez “arrepiar a pele” ou feri a deitar sangue porque me distraí e me magoei – na pele Também a Pele da Terra se “arrepiou” quando as convulsões vulcânicas a “dobraram” ou lhe fizeram “fissuras” monumentais como por exemplo nos Karst, onde a ÁGUA se infiltra e acumula em freáticos, em lagos subterrâneos profundos e fantásticos, cheios de estalagmites e estalagtites num mundo fantasmagórico de formas e vazios numa espécie de sub-pele (a derme e epiderme do nosso corpo físico), pele macia e branca contra outras negras de basalto de formas estranhas de estreitos prismas arrumados ao alto, em espectáculos de FORMAS dados pelos sistemas em que cristalizam e, só por isso, mesmo sem se ser especialista da matéria se dá para o olhar do homem diferenciar e se maravilhar e aprender a respeitar que formam montes pequeninos e mais altos,

esqueleto da Terra, como o esqueleto do homem, que femininamente se ornamenta de arvores e de arbustos, de ervas daninhas ou de flores, de animais bravios ou domesticados, autóctones ou migratórios, pele porosa onde o ar e a água, e o fogo, permitem vida além dela, nessa CROSTA TERRESTRE onde a vida acontece, e que igualmente se enche de culturas do alimento dos animais e homens, não falando nas pedras míticas e mágicas em que se vê não apenas as suas formas físicas e o alimento do corpo mas também do espírito que inventa simbologias e lendas, e não vejo razão nenhuma para não ser assim, pois que tudo tem linguagens e leituras – tudo é um texto legível e cada um lê de acordo com o seu olhar e saberes. E porque é que não há-de ser assim, no meu país de tantas pedras e a que chamam Lusitânia Terra de Luz e a sua mais alta serra, a Serra da Estrela e pequenos montes que se chamam Monsanto como se monte Santo e sagrado tivesse a simbologia do seu topónimo e quem lhe deu tal nome? Talvez que sim, que a matéria a que chamamos inerte, não seja inerte mas sendo o suporte primeiro da vida, tenha formas a sugerir que tudo o que é “criado” é sagrado como se houvesse “espiritualidade na matéria” e que Miguel Ângelo lhe viu quando esculpiu a Pieta que emana sentimentos e a maior religiosidade que lhe imprimiu e a que a pedra de branco imaculado respondeu e eu vi e senti que era assim, porque me comovi com lágrimas da emoção mais profunda e pessoal. Não há pedras “brutas” mas talvez a sua brutalização e ao olhar uma paisagem escalvada e selvagem há uma beleza primordial emanada, da mesma forma que de outra paisagem que o homem “humanizou transfigurando-a” mas não atraiçoando a natural dignidade da pedra que, por sua vez, ensina o homem como a retira para seu uso, mostrando-lhe como o seu “plano de clivagem” ali está para ser “arrancada” à terra-mãe e passar a ter a função para que foi escolhida. Arranhar a pele do meu corpo físico, arranhar a pele da terra, queimá-la ou dela servir-se como lixeira, não será também DESSACRALIZAR esta dádiva da natureza, deste “chão” onde a vida global acontece, física, científica, biológica e espiritual do habitante mais predador que é o ser humano? A pele da terra que dá pão – a pele da terra feita lixeira onde se procura PÃO. A terra da abundância deposita a céu aberto os LIXOS que não recicla e a outros serve de alimento e de brincadeira de crianças – o hemisfério Norte faz do Hemisfério Sul a sua lixeira Creio que sim pois que nas pedras o homem fez a sua primeira casa e abrigo, grutas que até o inspiraram para as suas primeiras ARTES, as pinturas Rupestres, as Gravuras para comunicar com os deuses e outros


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homens, legados milenares que nos tempos mais recentes, tão tecnológicos e consumistas, se deixam debaixo de água de uma barragem que poderia estar noutro lugar percebendo, igualmente, que a natureza dá lugar a todas as coisas, tem oferta mas tem regras veladas dos arquétipos da ORDEM do universo e de uma certa moral cósmica, como se céu e terra, rios e mar, montes e vales, tivessem, por si só, uma linguagem que deveria ser aprendida? Mas dentro de cada sistema há fronteiras (ou pele), em cada órgão há um limite (ou membrana) que o localiza e separa do que está ao lado, em cada tecido há diferenciação do tecido duro ou mole e, em cada célula há membrana, citoplasma e núcleo e, neste, os cromatídeos, num nunca mais acabar de fronteiras-pele e funções – um ecossistema uno e perfeito que a minha inteligência rege – mal ou melhor. Tudo será como uma árvore que, para existir, tem a sua pele ou casca, como pele têm os animais Porém entendo que o corpo de cada um é também um ecossistema mais inteligente do que a própria inteligência cognitiva – uma entidade resultado final da evolução do Homo desde que se levantou das 4 patas e começou a andar sobre a Terra – sobre a pele da terra - inteligência, porém, “formatada” pelo ambiente climático e sócio-cultural, pois que um esquimó, um berbere ou um índio, com genoma universal, não tem o mesmo comportamento entre os vários grupos sócioculturais e económicos nem a mesma relação com os recursos naturais do planeta. Mas a Vida é tão inteligente, que se o genoma tem estrutura comum a todos os homens – e é similar em 90% ao dos “macacos” – o facto é que um B.I. universal, esse macro sistema é diferenciado tal que se distinguem o ADN dos membros da mesma família, como se distinguem as impressões digitais de tantos indivíduos quantos existem no mundo, pequeno sinal da nossa “pele” que nos atinge como homens morais – ou criminosos. O macro que se desdobra e desvela o micro até mesmo a um infinitamente pequeno Continentes e mares, assentam na mesma terra firme – a Crosta Terrestre – onde a vida se processa não importa de que forma; a “pele” do Planeta Azul onde se gera a VIDA. É na pela da Terra – a crosta terrestre que se pode admirar o que de mais belo e diferente tem o planeta, seja selvagem ou de beleza acrescentada pela mão do homem que sabe LER a importância de cada trecho de paisagem não importa em que continente, ou ilha, e a humaniza, dela retirando os benefícios mas deixando beleza por ele criada, redutos e santuários de vida e perpetuação da herança global e da qualidade de vida do planeta e dos habitantes É em “terra firme – terra seca” que habita o homem e que a vida natural tem a sua manifestação mais óbvia para todos e que julgamos ser a mais importante. Na ter-

ra firme o homem encontrou lugar para construir a sua casa – e as cidades. Construiu áreas urbanas de vilas e cidades, Parques e Jardins e todo o equipamento de administração, de saúde e ensino, de desporto e de recreio, e ainda equipamento para a manifestação da sua religiosidade e necessidade cultural. Construiu estradas e caminhos e áreas produtivas – áreas industriais – espaços com equipamento de desporto e lazer e turismo em áreas especiais, tendo ainda instalado áreas de produção florestal e de produção agrícola – ordenando assim os espaços antes selvagens, de acordo com as suas necessidades para uso privado e colectivo. À semelhança da ordem das estrelas do céu, ordenou as paisagens urbanas e rurais e protegeu espaços de especial beleza, criando áreas Protegidas e Parques e Reservas Naturais para perpetuação da beleza da natureza construída por sua mão dando ao mundo património classificado como de valor universal construído e passado ao longo de gerações, e guardou também “relíquias de natureza” que denominou de Reservas de Protecção Total que não podem sequer ser visitadas por terem o maior interesse científico relativamente a fauna e flora, e paisagem, sendo visitados apenas pelos administradores de tais espaços que se podem estender mar-dentro, de que é exemplo o Pacific Rimm National Park – na ilha de Vancouver - para protecção da área costeira e dos animais marinhos – focas e lontras, embora mais raros que as áreas em terra, existindo ainda o Seven Siters Natinal Park no sul de Inglaterra, como reserva de interesse geológico das falésias e da sua beleza invulgar e certamente outras áreas de rara beleza e raridade haverá como o parque de Yellowstone (o primeiro parque nacional do mundo do séc XIX) com os seus admiráveis géisers e árvores milenares, mas também o lobo, o grande predador sem o qual morre todo o parque como foi, há tão pouco tempo, descoberto pelo cientista curioso que não percebia porque se extinguia tão depressa o que vinha de tão longe. Portugal não foi excepção quanto à criação de áreas protegidas tendo curiosamente criado o primeiro Parque Natural na Gorongosa ao tempo ainda “colónia portuguesa”, seguido do Parque Nacional do Gerês, mesmo antes da emissão de abundante e inteligente legislação de protecção das paisagens e ambiente (pós 1976), e classificou recentemente o Parque Natural da Laurisilva na ilha da Madeira de vegetação única no mundo (excepto Gran Canária) pois que mais uma ameaça pairava na singular vegetação das ilhas atlântidas. E quantas mais áreas classificou como de especial interesse e beleza, e de manifestação da riqueza decorrente da grande variabilidade climática (Portugal atlântico e Mediterrânico), física e biótica, ecológica e fisiográfica, de interioridade e de beira-mar (mais de 800 km de costa) existentes em tão pequena área de especial beleza,


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com todos os climas do mundo, humanizadas ou selvagens. País com as fronteiras físicas fixas que são as mais velhas do mundo que estava em guerra e à procura de fronteiras, já ele corria todos os mares deixando Padrões e fortes por onde passava, com edificado urbano secular, a par do edificado monumental, militar e religioso que conta a história do mundo e das religiões, Jardim à Beira-Mar plantado, tão cedo descobriu uma espécie de mina de oiro para construção de betão como aqui tão perto as salinas do Samouco de que resiste uma amostra dessa riqueza – o sal – que já foi moeda de troca mais importante do que o próprio oiro. E em menos de 3 décadas o “boom” turístico com início no fim da década de 60, o “boom” de construção necessária para realojar quase um milhão de “retornados das colónias” (1978), sem planeamento nem programa, o boom do betão aramado, a falta de planos de desenvolvimento das milenares e centenárias cidades do interior (de 40 mil habitantes - as que fazem civilização e são centros de dinamismo e desenvolvimento das vilas e aldeias de cada concelho), a fuga contínua dos habitantes mais jovens para as novas universidades criadas no pós25 Abril, públicas e privadas, e que não quiseram voltar ao local de nascer e viver, levaram ao esvaziamento humano quase todo o país onde os 10 milhões de habitantes estavam harmoniosamente distribuídos, conduzindo ao dramático despovoamento e abandono da secular agricultura que permitia a gastronomia mais rica e variado do litoral mediterrânico, procurada pelo turista estrangeiro, embora se possa muito compreender ao visitar a Citânia de Briteiros que conta história de mais de 35 mil anos e lá está a atestar como era a “casa” e a ensinar como se vivia e nascia a civilização Celta que se espalhou mais para norte do continente europeu. Não esquecendo o “boom” das IPs que ignoraram e passaram por cima da “estrada romana (de que há no Gerês marcos miliares), e mesmo grandes extensões dos caminhos de Santiago, em nome do desenvolvimento que não aconteceu e que era dito melhorar a comunicação litoral-interior. Mas que, ao invés ajudou a drenar a população dos lugares mais longínquos, para as cidades do litoral, dando origem às grandes áreas metropolitanas sobretudo Porto e Lisboa que são o mais desarrazoado complexo humano onde falta tudo. País que, na sua pele, conta a história do homem e do mundo mais antigo de que as gravuras do Côa são mais um exemplo da existência do homem e das suas manifestações diárias e forma de as comunicar e ficarem até hoje, num livro de escrita “à flor da pele” da pedra. Novos locais que deram lugar à mais recente miséria (os pobres do desenvolvimento que rondam 1.8 milhões de pessoas com rendimento abaixo do ordenado mínimo), dando também lugar também ao crime urbano nunca visto como o que se passou em Agosto

2008, pela mão dos mais jovens, porque, de entre outras razões, tais bairros periféricos não são “cidade”, não têm equipamento escolar nem de saúde, nem de transporte ou de equipamento local de recreio e cultura e espaços livres e jardins com dignidade para convidar ao encontro e recreio, como existe na “grande cidade”, conduzindo ao desencanto e indigência, para além da falta de qualidade da habitação e ausência de beleza de não importa que construção deixada ao acaso na mão do construtor-promotor. A este fenómeno de degradação humana não é alheia nem a falta de emprego nem a facilidade dada pela comunicação global, onde as crianças aprendem o bem mas mais facilmente a revolta e a indignação, que grassa um pouco por toda a Europa denominada rica e evoluída, onde a delinquência juvenil é fenómeno alarmante e como se a delinquência fosse doença contagiosa. Será interessante referir que até à entrada na CEE, o país produzia 75% das necessidades alimentares, sendo que a partir da enganosa e engenhosa PAC (política agrícola comum), com uma mão-cheia de subsídios para o latifúndio, depois para o abate de embarcações de pesca artesanal seguida do arranque de pomares e zonas de hortícolas, pese embora a pobreza de quem tinha o trabalho mais duro do sector primário, fez desaparecer a variabilidade de alimentos e de paisagens, até porque entretanto a população que não quis deixar o interior, e o Campo, foi morrendo e envelhecendo e, curiosamente, o país foi empobrecendo e ficando desordenado e feio, país desajeitado que vai ferindo a pele da terra e a pele dos homens. O país agrícola de há mais de dois mil anos é de repente um país que importa mais de 70% das necessidades alimentares, sujeitando-se a importar os piores produtos agro-químicos e transgénicos, todos de qualidade altamente duvidosa e danosa para a saúde pública, sendo que, será interessante referir que nenhum país da EU diminuiu suas áreas agrícolas nem a sua produção – pelo contrário – tirou daqui par aumentar ali! Sem sector primário não há matéria-prima para o sector secundário (de transformação) sendo que os anos de 2006-2008 foram os anos da derrocada do deste sector que por sua vez alimentava o sector terciário dos serviços, pelo menos de armazenamento e distribuição. Situação que passa por outra dimensão do sector primário – a pesca – tão abundante a variada no “mar português” com os modernos barcos arrastões que usam as novas redes de plástico e nylon que não sendo nem frágeis como eram as de algodão, nem biodegradáveis, delapidam tudo o que há no mar, mesmo os grandes mamíferos (e aves) que não têm por onde escapar e vão sendo delapidados, eles os grandes habitantes desta parte também, “pele-da-terra”. E o problema resolve-se empobrecendo-se e afirmando que o país é um país de SERVIÇOS mas perguntar-se-


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á de que serviços deste sector terciário, se não se sabe mais o que resta. Talvez o turismo? Que não fará mais sentido sem a gastronomia portuguesa, sem os artefactos e artesanato local derivados das actividades do sector primário pelo qual se vai compondo o seu Requiem? Como elos da mesma cadeia, como elos de um ecossistema, rompendo um deles, os outros se lhe seguem, inexoravelmente e de repente lembro como depois de espectáculo de ópera em Viena, era tão “inn” cear “des sardines portugaises”, o que me espantou tanto pois que era para nós, portugueses, “comida de pobre”. A pele da terra é como a pele humana – reage aos cuidados que com ela se tem e ao ambiente com que contacta – é agente indicador da saúde do corpo físico do homem e do Planeta. Outra parte da pele da terra portuguesa foi “queimada” e já mal respira, pois como qualquer organismo vivo tem um limite de poder ser queimado e se poder regenerar. Pequeno país “debruado de MAR” que deu mundos ao mundo e se perdeu no labirinto da incultura e iliteracia e que se afirma ser “pequeno” e não ter matérias-primas. Pois agora não tem mesmo – nem sequer o clima de Éden. Pele da terra queimada pelo fogo devorador ao longo de 20 anos como nunca, ininterruptamente, cumulando em 2003, depois de inundações catastróficas em 2001, pois que a área agrícola acumula água da chuva mas o agricultor, guardião da natureza, já lá não está, a mata ardeu e desnudou o solo que, sem cobertura vegetal, alui em derrocada até às áreas mais baixas, ajudado pelos combatentes do fogo que culpam e acusam os “matos” de atear fogo por não serem “limpos”, como se em clima mediterrânico os matos não fossem quem segura as terras e fossem, nesta latitude, as plantas aromáticas de onde se extraem as essências que os perfumeiros procuram e a que o país deita fogo e raiva, ou arranca por serem inúteis e culpados, em vez de se lançar no desenvolvimentos das respectivas indústrias que podem gerar, são o abrigo e alimento da fauna cinegética, e ainda onde se implantam as colmeias e se produz o mel de todas as qualidades. Mato – matos ? Que riqueza desperdiçada a que chamam “incultos” como se não tivessem nenhuma utilidade nem função. Mas são a primeira camada de “pele” da terra, que a segura e não permite aluir, são a sua protecção contra calor e frio, são abrigo e alimento de fauna cinegética, são multivariadas e fornecimento de matéria orgânica e camada que contribui também para formação da terra viva que é Húmus e vida, que dinamizam a mi-

crobiologia do solo que sem eles, desertifica. São derme e epiderme – são pele – são vida – são património, não de um pai, mas do ecossistema global de toda a Humanidade. As alterações climáticas globais não são mais do que o somatório das alterações locais. Como, do mesmo modo, a riqueza global não é mais do que o somatório das riquezas regionais. Afirmo, atrevidamente, que a terra tem manifestações de inteligência ocultada, que poderá assemelhar-se aos sentidos do homem, porque a terra fala em cada clima e ecossistema, a terra informa e dá-se a conhecer, grita e geme, enraivece-se e vinga-se dos maus tratos infligidos e por não ser ouvida nas mensagens que dá ao último elo da cadeia alimentar global: o homem. Como a inteligência e saberes do corpo humano, são superiores à inteligência cognitiva, também a inteligência da pele-da-terra sendo de dimensão cósmica, é superior ao do homem, sobretudo do distraído que “vence a natureza” sem perceber que a melhor forma de a vencer é colaborar com ela - A pele do COSMOS como a minha pele. Vou terminar com sete pensamentos-recomendação: 01- UNESCO – cada um dos bens do Património cultural e natural é único e o desaparecimento de um deles constitui uma perda definitiva e um empobrecimento irreversível dos Patrimónios 02 - CONSELHO da EUROPA - a conservação do património arquitectónico deve ser considerada não como um problema marginal mas como objecto primordial da planificação urbana e do ordenamento do território 03 - O mundo só se salva pela CULTURA – Agni Yoga 04 - A BELEZA é o esplendor da Ordem – S.Francisco Xavier 05 – País sem Cultura é como uma árvore sem folhas que não pode abrigar os pássaros 06 - Árvore arrancada deixa o lugar sem história 07 - A Beleza redime Acabei - com a Terra abençoada pela Deusa. Referências Graeme, A., 2002. Heritage - identification, conservations and management. Oxford Univ. Press. Goudie, A., 1999. The Human Impact on the Natural Environment. Blackwell Publishers. 5th ed.


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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Terra e vida. As origens da diversidade

A evolução dos invertebrados, a (paleo)biodiversidade e a geodiversidade Carlos Marques da Silva Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016, Lisboa. paleo.carlos@fc.ul.pt

Palavras-chave: Invertebrados; evolução; (paleo)biodiversidade; geodiversidade

Primórdios da vida na Terra Surpreendentemente, os mais antigos registos fidedignos da existência de viva celular sobre o planeta Terra datam de há cerca de 3500 milhões de anos (= 3,5 giga anos ou Ga) ou, pelo menos, segundo estimativas mais cautelosas, de há 3 Ga. Surpreendentemente, porque a idade estimada para o nosso Planeta é de cerca de 4,54 Ga e as rochas mais antigas conhecidas – gneisses do Acasta Gneiss Complex, no Canadá – têm aproximadamente 4,03 Ga, admitindo-se que os primeiros ambientes terrestres habitáveis se tenham originado há cerca de 3,85 Ga, no Arcaico inferior, imediatamente após uma fase inicial de intenso bombardeamento meteorítico. Ou seja, em algumas das rochas mais antigas da Terra capazes de conter evidências orgânicas já existe registo fossilizado de vida celular. Este facto contraria a percepção ainda amplamente difundida de que a ocorrência de vida no nosso Planeta e, quem sabe, por extrapolação, noutros planetas similares, é um fenómeno tardio, de difícil ocorrência e, como tal, extremamente invulgar. Como o demonstra o registo fóssil, por volta de 2,52,7 Ga atrás, ainda no Arcaico superior, os organismos produtores das estruturas organo-sedimentares a que damos o nome de estromatólitos eram já abundantes. Mas estes eram ainda organismos unicelulares procariotas, cianobactérias, similares aos que ainda hoje constroem estruturas estromatolíticas nos ambientes marinhos pouco profundos e hipersalinos de Shark Bay, na Austrália. Ainda não tinha chegado o tempo dos invertebrados. O que é um invertebrado? Uma parte muito significativa da diversidade biológica – da biodiversidade – que caracteriza a Terra é composta por espécies de organismos pertencentes ao Reino Animalia, ou seja, ao reino dos animais. Todos estes

organismos são metazoários, animais multicelulares. Até agora, segundo diferentes estimativas, foram já descritos e nomeados formalmente entre um e três milhões de espécies de animais actuais. O número real de espécies de animais no nosso Planeta pode ascender a 30 ou até mesmo a 50 milhões! Estes números, saliente-se, não incluem as espécies de animais do passado geológico. Os Animalia são organismos heterotróficos multicelulares. Alguns possuem coluna vertebral, outros não. Aqueles que possuem coluna vertebral, tal como os humanos, – os Vertebrata – são agrupados no seio de um único grupo biológico de categoria filo, os Chordata (cordados), constituindo o Subfilo Vertebrata. Os restantes animais, incluindo alguns dos cordados, são informalmente agrupados sob a designação de “invertebrados”. Os vertebrados, representados na actualidade por cerca de 50.000 espécies, correspondem apenas a uma pequena fracção dos animais conhecidos. Os restantes são invertebrados, distribuídos por mais de trinta filos distintos. Ou seja, a divisão dos animais em vertebrados e invertebrados é informal e, mais que um padrão biológico marcante observado na Natureza, reflecte uma dicotomia clássica na abordagem da zoodiversidade por parte dos seus estudiosos (todos eles vertebrados...). Os primeiros animais Apesar dos primeiros estudos paleontológicos remontarem ao último quartel do séc. XVIII, só em meados do século passado – em Ediacara, na Austrália – foram descobertos fósseis de animais pré-câmbricos, proterozóicos. Os vestígios destes primeiros animais, apesar de escassos, são actualmente conhecidos de todos os continentes, excepto da Antártida. Os mais antigos registos inequívocos conhecidos de animais metazoários provêm do registo fóssil do Proterozóico Superior e têm cerca de 620-650 Ma de


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idade. Correspondem a fósseis de animais marinhos de corpo mole, muito distintos de tudo o que conhecemos da actualidade. São denominados organismos vendobiontes – por os seus fósseis ocorrerem em rochas do “Sistema Vendiano” – e eram os constituintes da chamada Fauna de Ediacara. Não há muitas certezas sobre a anatomia destes animais, nem sobre o seu modo de viva, e as suas afinidades biológicas continuam, em grande medida, obscuras. A raridade dos seus fósseis deve-se, por um lado, ao facto de os vendobiontes terem sido animais de corpo mole, desprovidos de esqueletos biomineralizados e, por outro, ao facto de, apesar de amplamente distribuídos, ao que tudo indica não terem sido muito abundantes. Contudo, é muito provável que os animais tenham surgido mais cedo. O declínio dos estromatólitos, iniciado no Proterozóico Inferior, há cerca de 1 Ga, acentuando-se em torno dos 800-700 Ma, pode representar o início da pressão trófica dos primeiros metazoários, anteriores aos vendobiontes, sobre os organismos originadores de estromatólitos: as cianobactérias. A explosão Câmbrica Um dos grandes enigmas da Fauna de Ediacara é o facto de, entre os seus elementos, não existirem antepassados óbvios dos principais grupos de invertebrados do Câmbrico. Antepassados dos arqueociatos (Fig. 1), dos moluscos, dos braquiópodes, dos artrópodes ou dos equinodermes, por exemplo. Por outras palavras, os animais de Ediacara, podem muito bem corresponder a tipos de organização biológica únicos, sem paralelo nos grupos biológicos fanerozóicos. Apesar da construção de elementos esqueléticos – de natureza orgânica, quitinosa, por exemplo – ter tido início ainda durante o Proterozóico Superior, apenas no começo do Fanerozóico, no Câmbrico Inferior, há cerca de 542 Ma, surgem os primeiros esqueletos biomineralizados. Ou seja, é nessa altura – num intervalo de tempo geologicamente curto – que surgem as primeiras conchas, ossículos e carapaças rígidas carbonatadas e siliciosas. Coincidindo com os primeiros registos de conchas e de carapaças surgem também num intervalo estratigráfico/ temporal igualmente curto os primeiros fósseis dos principais grupos de invertebrados do Fanerozóico (alguns deles de afinidade biológica desconhecida e entretanto já desaparecidos, extintos). Arqueociatos (Fig. 1), protoconodontes, anabaritídeos, entre outros, e, pouco depois, as trilobites (Fig. 2), os moluscos, os braquiópodes, as esponjas, os equinodermes e muitos mais, surgem no Câmbrico. A este notável evento evolutivo, um fantástico episódio de rápida biodiversificação, é dado o nome de Explosão Câmbrica.

Figura 1 – Somatofóssil de arqueociato (Archaeocyatha) em corte transversal. Câmbrico de Marrocos. Os arqueociatos, foram um elemento relevante das faunas marinhas câmbricas.

A esmagadora maioria dos filos de animais invertebrados conhecidos no Fanerozóico surge durante o Câmbrico (542-488,3 Ma). Isto é, a análise do registo fóssil não revela um aparecimento gradual, paulatino, regular, dos principais grupos de invertebrados ao longo dos últimos 542 Ma da história da Terra; mostra, isso sim, uma explosão de biodiversidade que marca o início do mundo biológico fanerozóico, ou seja, em traços gerais, do mundo biológico tal qual o conhecemos hoje. Apenas os fósseis dos Bryozoa, os briozoários, surgem no registo paleontológico um pouco mais tarde, já em rochas ordivícicas. Uma vez que o registo fóssil é, em grande parte, um repositório de elementos esqueléticos duros – fósseis de conchas, de dentes, de ossos e de carapaças – o aparecimento de estruturas biomineralizadas constitui um evento paleontológico crucial. Contudo, o elementochave da Explosão Câmbrica não é a biomineralização, mas sim a extraordinária expansão da diversidade biológica. Muitos grupos de organismos sem esqueleto mineralizado surgiram também nessa altura, estando representados, quer sob a forma de icnofósseis, quer de somatofósseis, no registo fóssil do Câmbrico. Um exemplo notável de registo paleontológico de animais de corpo mole, desprovidos de esqueleto biomineralizado, é a associação fossilífera do Xisto de Burgess, de Burgess Pass, na Columbia Britânica, Canadá. Esta associação revela a existência, no Câmbrico Médio, de um conjunto extraordinário de organismos de corpo mole, muitos deles pertencentes a grupos biológicos extintos e sem afinidade biológica directa com os que conhecemos da actualidade, a par de representantes de grupos que nos são familiares (artrópodes, moluscos, etc.) e até dos nossos mais antigos antepassados directos: o pequeno animal cordado Pikaia. Os fósseis destes invulgares animais são agora conhecidos de outros locais da Terra, nomeadamente da China.


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Faunas fanerozóicas e extinções em massa Não obstante praticamente todos os principais grupos de invertebrados terem surgido no Câmbrico, durante o Fanerozóico, desde há cerca de 542 Ma até à actualidade, a composição relativa das faunas de invertebrados e a sua estrutura ecológica sofreu alterações, modificou-se, evoluiu. Senão vejamos, a análise do registo fóssil dos invertebrados marinhos sugere uma sucessão de três faunas básicas, cada uma delas dominada, por diferentes grupos de invertebrados: fauna câmbrica; fauna paleozóica e fauna meso-cenozóica. O declínio destas faunas está associado a episódios de extinção em massa. Eventos geologicamente rápidos, atingindo indiscriminadamente variadíssimos grupos biológicos, acarretando – de cada vez que ocorreram – a extinção de fatias muito significativas da biodiversidade coeva à escala global. Algumas destas extinções em massa, tal como a do final do Mesozóico, marcada no registo geológico pelo desaparecimento de cerca de 75% das espécies de animais marinhos de então, poderão ter estado associadas a causas extraterrestres. Tais episódios de extinção, pela sua magnitude e pelo seu carácter geologicamente súbito e totalmente imprevisível, afectaram indistintamente todos os grupos biológicos contemporâneos, levando muitos deles ao desaparecimento, sem que isso implicasse uma inadaptação ou inadequação intrínseca dos organismos que os compunham. Não é possível adaptar-se ao que é imprevisível. Assim sendo, estes eventos extraordinários representam verdadeiros “baralhar e dar de novo” na história biológica do nosso Planeta, contribuindo significativamente para a contingência do processo evolutivo. A fauna câmbrica era dominada por trilobites (já extintas), arqueociatos (extintos), braquiópodes inarticulados, moluscos hiolitídeos (extintos) e monoplacóforos, eocrinóides (extintos) e outros grupos já extintos de afinidade biológica desconhecida. Outros grupos biológicos estavam também presentes – moluscos, equinodermes, etc. – mas ocupando lugar subalterno nos ecossistemas. O declínio da denominada fauna câmbrica está associado, pelo menos em parte, à extinção em massa do final do Ordovícico (c. 460,9 Ma). A fauna dita paleozóica, pós-ordovícica, era dominada por braquiópodes articulados, crinóides, corais tabulados e rugosos (ambos extintos), ostracodos, cefalópodes, briozoários e graptólitos (extintos). O declínio desta fauna paleozóica está associado, à extinção em massa do final do Pérmico (c. 251 Ma), a mais brutal de todas as extinções em massa, acarretando o desaparecimento de cerca de 95% das espécies de organismos marinhos de então.

Figura 2 — Icnofósseis de Cruziana sp. Ordovícico de Penha Garcia. As trilobites, os organismos produtures das estruturas de alimentação do tipo Cruziana, foram um elemento fundamental das faunas marinhas paleozóicas.

Na fauna meso-cenozóica prevalece uma fauna de invertebrados dominada por grupos já bem mais familiares: moluscos gastrópodes e bivalves (Fig. 3), briozoários, malacostráceos, demosponjas e equinóides (ouriços-do-mar). Muitos destes grupos surgiram no Câmbrico, mas só se diversificaram mais tarde no Paleozóico, vindo a ocupar um lugar relevante nas faunas marinhas apenas no início do Mesozóico. A extinção do final do Mesozóico (c. 65,5 Ma), que acarretou, entre os invertebrados marinhos, a extinção de cerca de 75% das espécies da altura e de grupos mesozóicos emblemáticos como as amonites e os rudistas, não afectou radicalmente a estrutura da fauna meso-cenozóica que, assim, prolonga a sua existência até à actualidade. Epílogo: biodiversidade, paleobio-diversidade e registo fóssil O termo biodiversidade, abrangendo a variedade da vida, das relações e das interacções biológicas no nosso Planeta, já entrou no vocabulário de todos. Cientistas e políticos, professores e ambientalistas, alunos e autarcas, desportistas e reformados, todos o conhecem e o usam. Hoje em dia, a biodiversidade – a diversidade, em geral – é vista quase unanimemente como um valor básico a salvaguardar. Porém, do mesmo modo que só é possível compreender um povo, o seu carácter, a sua expressão geográfica, a sua língua e até a sua gastronomia, se se conhecer a sua história, só possível entender a biodiversidade e, como tal acautelá-la fundamentadamente, se se conhecer os seus antecedentes: a paleobiodiversidade.


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Figura 3 — Somatofósseis de moluscos gastrópodes e de bivalves. Pliocénico de Cubagua, Venezuela. Os gastrópodes e os bivalves são elementos dominantes nas faunas meso-cenozóicas.

Neste ponto deparamo-nos com uma notável contradição da História Natural do nosso Planeta: para conhecer a Biologia do passado é necessário estudar Geologia. Porquê? Porque toda a informação biológica concreta, palpável, sobre a vida do passado geológico da Terra tem uma única fonte: o registo fóssil. E qual o elo de ligação entre a Geologia e a Biologia? Que disciplina permite vencer esta aparente contradição? A Paleontologia! Estudando a informação (paleo)biológica do passado geológico da Terra contida nos fósseis, a Paleontologia estabelece a ponte entre o presente e o passado, entre a Biologia e a Geologia. Do acima exposto resulta evidente que, do mesmo modo que é imperativo preservar a biodiversidade, por razões científicas, éticas, ambientais e, também, por razões económicas e de desenvolvimento sustentável, é igualmente imperioso – exactamente pelos mesmos motivos – salvaguardar a geodiversidade. Os fósseis, enquanto objectos geológicos, são elementos da geodiversidade (juntamente com as rochas, os processos geológicos, os minerais, as paisagens, os recursos minerais, o gás natural e o petróleo, etc.). Assim, paradoxalmente, a geoconservação – as acções concretas de preservação da geodiversidade – é fundamental para a conservação da biodiversidade: directamente, enquanto salvaguarda do substrato físico dos ecossistemas, e indirectamente, por via da conservação do registo fóssil, paleobiológico.

O que distingue a Terra de outros planetas similares é o facto de ser um planeta geobiológico. Poderá existir Vida noutros planetas do nosso Universo, muito provavelmente, mas a que aqui temos é especial, é a nossa. Em última analise, o elemento fundamental a preservar é o Planeta que habitamos e o único modo de o conseguir é salvaguardando a diversidade de aspectos e de fenómenos que alberga. Para tal é necessário integrar consciente e efectivamente a conservação da geodiversidade e da biodiversidade: da fisiodiversidade (do grego phýsis, natureza). O que é a fisiodiversidade? É a diversidade de elementos, de fenómenos e de interacções naturais que ocorrem no nosso Planeta. Engloba a biodiversidade, a geodiversidade e a diversidade climática, e ainda as interacções entre todas estas, a todos os níveis, incluindo o nível físico e o químico. Neste contexto, a visão paleontológica, paleobiológica, do mundo em que vivemos permite-nos não apenas sondar o passado e conhecer as nossas origens, mas também prever o futuro e projectar o nosso destino. A vida surge, os grupos biológicos modificam-se ao longo do tempo – ou seja, evoluem – e extinguem-se. De um ponto de vista estritamente (paleo)biológico, nós, a espécie humana, somos apenas mais um táxone entre dezenas, centenas de milhões neste continuum natural. A consciencialização deste nosso estatuto biológico contingente e perecível que nos chega por via do estudo do passado é fundamental para uma correcta perspectivação do futuro. Referências Brasier, M. D., Green, O. R., Jephcoat, A. P., Kleppe, A. K., Van Kranendonk, M. J., Lindsay, J. F., Andrew Steele, A. & Grassineau, N. V., 2002. Questioning the evidence for Earth’s oldest fossils. Nature, 416: 76-81. Brusca, R. C. & Brusca, G. J., 1990. Invertebrates. Sinauer Associates Inc. Publ., Sunderland, Massachussetts, 922 p. Fedonkin, M. A., 1990. Precambrian Metazoans, in Briggs D.E.G. & Crowther P.R. (Eds.), Palaeobiology. A Synthesis. Blackwell Scientific Publ., Oxford, p. 1724. Sepkoski Jr., J. J., 1990. Evolutionary Faunas, in Briggs, D.E.G. & Crowther, P.R. (Eds.), Palaeobiology. A Synthesis. Blackwell Scientific Publ., Oxford, p. 37-41.


Filomena Diniz 143 GEONOVAS nº 23 e 24: 143 a 144, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Terra e vida. As origens da diversidade

Paleodiversidade: aspectos dos últimos cinco milhões de anos apreendidos através de registos palinológicos Filomena Diniz Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016, Lisboa.Museu Natural de História Natural. fdiniz@fc.ul.pt

Palavras-chave: Paleodiversidade; palinologia; Cenozóico Superior; Portugal

O estudo das modificações da vegetação durante o Cenozóico superior contribuiu para interpretar as transformações ambientais ocorridas em Portugal no final do Cenozóico. Visou o desenvolvimento de trabalhos de natureza essencialmente paleoecológica referidos à estrutura estratigráfica estabelecida e à sua articulação com o enquadramento tectónico e sedimentar. Portugal situa-se na charneira de dois domínios, a fachada atlântica e o Mediterrâneo ocidental. Rio Maior é uma bacia de referência para a história da flora, vegetação e clima da fachada atlântica do sul da Europa. Os estudos palinológicos e paleoecológicos de alta definição, realizados a partir de sondagens profundas da bacia de Rio Maior, Diniz (1984, 1984a) constituem um trabalho decisivo para a clarificação da cronostratigrafia da sequência no contexto do Cenozóico superior de Portugal e um contributo importante para o conhecimento da paleoflora europeia. Foram identificados 215 taxones repartidos por 79 famílias e 95 géneros. Esta palinoflora traduz uma vegetação complexa: um grupo palustre com Myrica, Cyrillaceae-Clethraceae, Nyssa, Taxodiaceae, etc, florestas de folhagem persistente com Engelhardia, Symplocos, Sequoia, florestas de folhagem caduca e Gimnospérmicas em altitude (Pinus, Cathaya, Cedrus); presença de xerófitos mediterrânicos, percentagem elevada de Ericaceae sublinhando o carácter oceânico da região. Os taxones agrupados por afinidades bioclimáticas possibilitaram o estabelecimento de subdivisões nos diagramas, o que permitiu apreender e interpretar as modificações operadas na vegetação durante o Pliocénico (Fig. 1). Constata-se o desenvolvimento e posterior declínio do grupo palustre e o progressivo empobrecimento da floresta esclerófila a favor de uma vegetação aberta de carácter mais temperado. As modificações dos paleoecossistemas ligadas às variações da temperatura e da pluviosidade evidenciaram oscilações climáticas.

G

F E D

Florestas (Alnus, pantanos com Myrica e associações de folhagem caduca, principalmente constituídas por Quercus. Alternância de cobertos vegetais abertos (Cupressaceae, Ericaceae), e de cobertos vegetais fechados. Substituição de árvores termófilas por taxones temperados quentes e herbáceas e reciprocamente Redução da floresta persistente de folha larga em benefício de coberto vegetal aberto. Emergência de uma dupla sasonalidade (invernos mais frios e verões mais quentes). Máxima expansão de táxones termófilos (Symplocos, Cyrillaceae-Clethraceae, Nyssa, Engelhardia, Taxodiaceae). Predomínio de floresta persistente de folha larga.

C Clima quente e húmido com abundante precipitação, mas com um certo ritmo sasonal.

B Figura 1 — Vegetação e clima, Sondagem F16.

Dois patamares são nítidos: um no limite D/E, traduz um abaixamento de temperatura; o segundo, no limite F/G, mais significativo no plano quantitativo (desaparecimento ou rarefacção da maioria dos taxones mais termófilos; redução das anteriores formações florestais em proveito de agrupamentos formados por Cupressaceas) indica sobretudo a diminuição da humidade. A correlação climatostratigráfica da sequência de Rio Maior com as zonas polínicas da Europa do Norte, Zagwijn (1960) e com o Mediterrâneo ocidental, Suc (1984) veio demonstrar que ela abrange todo o Pliocénico tendo sido assinalada a passagem do Zancleano ao Placenciano (limite D/E). O estudo palinológico contribuiu para a restituição climática da Europa ocidental e da bacia do Mediterrâneo desde 5.3 a 3 Ma. O método de quantificação climática foi aplicado à região mediterrânica ocidental Fauquet et al., (1999), tendo sido apresentado um traba-


144 Paleodiversidade: aspectos dos últimos cinco milhões de anos apreendidos através de registos palinológicos

lho de revisão que incidiu sobre as mudanças da vegetação neogénica, Suc et al., (1995, 1999). Os depósitos plistocénicos susceptíveis de serem estudados palinologicamente são escassos e de espessura reduzida, o que dificulta a sua análise sequencial, que é praticamente inexistente. Os resultados obtidos Diniz (1993, 1993a) revelaram no entanto, na margem centro ibérica, a existência durante o Wurm de uma microflora em que Pinus e Ericaceae são dominantes, seguidos de Quercus, Corylus, Betula, Alnus, Myrtus, Ilex e Myrica. O cariz mediterrânico deve-se à presença de Quercus tipo ilex, Oleaceae, Myrtus e Cistus. O estrato herbáceo é essencialmente constituído por Cyperaceae, Asteraceae e Cistaceae. Segundo as características paleoflorísticas enunciadas trata-se de paisagem vegetal aberta costeira que vivia sob condições climáticas de tipo oceânico fresco e húmido, com bastante vento, o que se coaduna com a localização do depósito na fachada atlântica e testemunha o papel moderador do oceano. Os estudos palinológicos realizados permitiram: - Fazer a reconstituição dos ecossistemas vegetais do Zancleano e do Placenciano (5.3 a 2.4 Ma) e apreender a sua evolução; - Definir uma zonação palinológica e estabelecer a correlação climatostratigráfica com as palinostratigrafias clássicas do nordeste da Europa e da bacia do Mediterrâneo; - Sublinhar que a evolução da vegetação e do clima registada através do estudo palinológico reflecte as transformações globais ocorridas no Neogénico; - Integrar a palinosequência de Rio Maior no contexto (mais amplo) do transepto latitudinal da fachada atlântica que inclui localidades ocidentais de África, Europa e Mediterrâneo. - Demonstrar a existência, de zonas de refúgio na Margem centro-ibérica, durante o Wurm. Para definir bem a província lusitânica, considerada como um intermediário entre as já inventariadas (Europa e Mediterrâneo), tornando possível a compreensão no seu conjunto da história da (paleo)biodiversidade da Europa ocidental, é necessário alargar a investigação a outras vertentes, tais como: - Relação entre a evolução de fitoecossistemas e as extinções, na perspectiva da variação taxonómica e na perspectiva estrutural; - Estudo aprofundado da biodiversidade nas zonas de refúgio plistocénicas; - Caracterização de biomas relativos ao primeiro glaciar;

- Continuação do estudo da vegetação holocénica e sua relação com as influências antrópicas. Referências Diniz, F., 1984. Apports de la palynologie à la connaissance du Pliocène portugais. Rio Maior : un bassin de référence pour l’histoire de la flore, de la végetation et du climat de la façade atlantique de l’Europe mèridionale. Thèse Doctorat d’état, Université des Sciences et Techniques du Languedoc, Montpellier, 230p. Diniz, F., 1984a. Étude palynologique du bassin pliocène de Rio Maior (Portugal). Paleobiol. Contin., XIV (2), Montpellier, p. 259-267. Diniz, F., 1993. Aspectos paleoflorísticos e paleoclimáticos do Plistocénico português. Análise Polínica da jazida de Vale de Benfeito (Ferrel). Resumos da II Reunião do Quaternário Ibérico, Coimbra: p. 45. Diniz, F., 1993a . Aspectos da vegetação e do clima de formações quaternárias entre Óbidos e Peniche. El Cuaternário en España y Portugal. Ed. Instituto Tecnológico y Geominero de España, Vol. I, Madrid, p. 337-344. Fauquette, S., Suc, J. P., Guiot, J., Diniz, F., Feddi, N., Zheng, Z., Bessais, E. & Drivaliari, A., 1999. Climate an biomes in the west mediterranean area during the Pliocene. Palaeogeog., Palaeoclimatol., Palaeoecol, Amsterdam, 152: 15-36. Suc, J. P., 1984. Origin and Evolution of the Mediterranean Vegetation and Climate in Europe. Nature, London, 307: 429-432. Suc, J. P., Diniz, F. , Leroy, S., Poumot, C., Bertini, A., Clet, M., Bessais, E. & Ferrier, J., 1995. Zanclean (~Brussumian) to early Piacenzian (~ early-middle Reuverian) climate from 4º to 54º north latitude (West Africa, West Europe and West Mediterranean). Mededelingen Rijks Geologish Dienst, Netherlands, Haarlen, 52: 43-56. Suc, J. P., Fauquette, S., Bessedik, M., Bertini, A., Zheng, Z., Clauzon, G., Suballyova, D., Diniz, F., Quezel, P., Feddi, N., Clet, M., Bessais, E., Taoufiq, N. B., Meon, H. & Combourieu-Nebout, N., 1999. Neogene vegetation changes in west european and west circum-mediterranean areas. “Hominid Evolution and Climatic Change in Europe” vol 1: Climatic and Environmental Change in the Neogene of Europe”. J. Agusti, L. Rook & Andrews, P. (Eds.) Cambridge Univ. Press, p. 378-388. Zagwijn, W. H., 1960. Aspects of the Pliocene and early Pleistocene vegetation in the Netherlands. Meded. Geol. Schicht., Maestricht, ser. C – III – 1- nº 5: 78 p.


Ana Santos 145 GEONOVAS nº 23 e 24: 145 a 146, 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Terra e vida. As origens da diversidade

Bioerosão: o que é? Para que serve? Ana Santos Dep. Geodinámica y Paleontología, Facultad de Ciencias Experimentales, Universidad de Huelva, Espanha. asantos@dgyp.uhu.es

Palavras-chave: Paleoicnologia; bioerosão; Neogénico; Portugal

A Paleoicnologia, amplamente considerada como uma ciência de charneira, é a disciplina paleontológica que se ocupa do estudo das evidências de comportamento de organismos pretéritos. Neste contexto, os vestígios de actividade vital preservados no registo geológico, são considerados como icnofósseis e agrupadas em icnotáxones, segundo classificação parataxonómica, icnológica, organizada em apenas duas categorias icnotaxonómicas: icnogénero e icnospécie, obedecendo às regras de Nomenclatura Zoológica (Bromley, 1992, 1994). De acordo com o tipo de interacção organismo produtor-substrato podemos ter quatro tipos de vestígios: • Estruturas de bioerosão, aquelas estruturas etológicas que implicam a destruição de substratos consolidados biogénicos ou litogénicos (substrato rochoso, conchas, etc.). • Estruturas de bioturbação, estruturas etológicas que implicam uma distorção e/ou destruição da ordenação e/ou estratificação de um substrato não consolidado. • Estruturas de biodeposição, estruturas etológicas que representam um depósito de material não ordenado em lâminas ou estratos, produzidas por acção de organismos, como coprólitos ou pelóides fecais. • Estruturas de bio-ordenação, estruturas etológicas que representam uma ordenação do sedimento (preexistente ou neoformado), geralmente em lâminas ou estratos, produzidas por actividade biológica, como por exemplo, estromatólitos ou laminações algais. No entanto, apenas a primeira será aqui tratada de forma mais ampla. A palavra bioerosão, termo introduzido por Neumann em 1966 como abreviatura da expressão “biological erosion”, designa o processo de desgaste ou corrosão exercido pela acção directa de animais (macro e micro) ou plantas, sobre substratos duros, sejam eles líticos ou lenhosos (Bromley, 1992), tendo como resultado o entalhe e/ou a perfuração da sua superfície (Bromley, 1994). Consequentemente, devido, por um lado, ao amplo leque de organismos envolvidos e, por outro, à diversida-

de de substratos perfurados, a variedade de morfologias presentes no registo icnológico é bastante grande. As estruturas de bioerosão são consideradas entidades biológicas. A atribuição destas a um produtor específico é, na maioria dos casos, uma tarefa problemática, senão mesmo impossível, só podendo ser feita de forma exacta quando se verifica a ocorrência de estruturas de bioerosão em associação directa com os restos fossilizados do organismo que lhe deu origem, o que é extremamente raro. Além disso, há que ter em conta que as estruturas de bioerosão resultam de um determinado comportamento do seu produtor. Consequentemente, o mesmo organismo pode gerar estruturas de bioerosão distintas como resultado de diferentes comportamentos, assim como organismos distintos podem produzir estruturas semelhantes, se adoptarem comportamentos idênticos. Praticamente todos os táxones de categoria superior (Filo ou Divisão) actuais englobam representantes capazes de produzir estruturas bioerosivas, quer por meios mecânicos, quer químicos, incluindo aqueles que produzem microperfurações (resultantes principalmente da acção de bactérias, fungos e algas) e os que produzem macroperfurações (tais como, esponjas, briozoários, poliquetas, moluscos, entre outros). De um modo geral, estas estruturas correspondem quer à actividade de organismos perfurantes, incrustantes e raspadores, quer de produtores de traumatismos (Fig. 1).

a)


146 Bioerosão: o que é? Para que serve?

que, muitas vezes de outra forma, não se poderiam chegar a estabelecer. Em Portugal, os estudos paleoicnológicos dedicados à bioerosão encontram-se numa fase inicial de desenvolvimento, sendo os referentes ao Neogénico marinho os predominantes. Contudo, na última década, verifica-se um interesse crescente pelos estudos de estruturas bioerosivas, nomeadamente as associadas a paleolitorais rochosos (Silva et al., 1999; Santos et al., 2007, 2010; Cachão et al., 2009). Agradecimentos

b)

Este trabalho foi finânciado por um contrato “Juan de la Cierva” (JCI-2008-2431) do Ministerio de Ciencia y Tecnología de Espanha e pelo Grupo de Investigación RNM316 (Tectonica y Paleontología) da Junta de Andaluzia. Referências

c) Figura 1 — Estruturas de bioerosão sobre valvas de bivalves miocénicos (Tortoniano) da Ribeira de Cacela: a – Anellusichnus ondulatus Santos, Mayoral & Muñiz, 2005 sobre C. Italica; b – Oichnus parabolides Bromley, 1981, sobre M. transversus.; c – Pennatichnus moguerenica Mayoral, 1988 sobre T. planata. Escalas: 1 mm.

O elevado número de estudos sobre bioerosão desenvolvidos, sobretudo, nas duas últimas décadas deve-se principalmente às enormes possibilidades de aplicação prática que estes apresentam O estudo das estruturas bioerosivas permite-nos investigar, com grande detalhe, vários aspectos geológicos e paleontológicos, tais como os de índole sistemática (e.g., o reconhecimento de organismos perfurantes de corpo mole, que se desconheciam por não haver registo corpóreo deles), paleoecológico (e.g., estabelecer modelos de inter-relação entre indivíduos e os respectivos substratos), sedimentológico (e.g., inferir ambientes sedimentares e condições de deposição) e os de natureza geodinâmico (e.g., inferir a existência de episódios marinhos de transgressão/regressão)

Bromley, R. G., 1992. Bioerosion: eating rocks for fun and profit. Trace fossils. Maples, C. G. & West, R. R. (Eds.), Paleontological Society, Knoxville, p. 121129. Bromley, R. G., 1994. The palaeoecology of Bioerosion. The Palaeobiology of Trace Fossils. Donovan S. K. (Ed.), John Wiley & Sons, p. 134-154. Cachão, M., Silva, C. M. da, Santos, A., Domènech, R., Martinell, J. & Mayoral, E., 2009. The bioeroded megasurface of Oura (Algarve, S Portugal): Implications for the Neogene stratigraphy and tectonic evolution of SW Iberia. Facies, 55: 213-225. Neumann, A. C., 1966. Observations on coastal erosion in Bermuda and measurements of the boring rate of the sponge, Cliona lampa. Oceanogr., 11:92-108. Santos, A., Mayoral, M., Silva, C. M. da, Cachão, M., Domènech, R. & Martinell, J., 2007. Trace fossil assemblages on Miocene rocky shores of Southern Iberia. Current Developments in Bioerosion. Wisshak, M. & Tapanila, L. (Eds.), Springer-Verlag, Berlin Heidelberg, p. 431-450. Santos, A., Mayoral, M., Silva, C. M. da, Cachão, M., & Kullberg, J. C., 2010. Trypanites ichnofacies: Palaeoenvironmental and tectonic implications. A case study from the Miocene disconformity at Foz da Fonte (Lower Tagus Basin, Portugal). Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaleoecology, 292: 35-43. Silva, C. M. da, Cachão, M., Martinell, J. & Domènech, R., 1999. Bioerosional evidence of rocky palaeoshores in the Neogene of Portugal. Bull. Geol. Soc. Denmark, 45:156-160.


Cachão 147 GEONOVAS nº 23 e 24: 147 a 149,Mário 2010/2011

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Terra e vida. As origens da diversidade

A Fénix paleontológica Mário Cachão Dep. Geologia e CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Ed. C6, Campo Grande, 1749-016, Lisboa. mcachao@fc.ul.pt

Palavras-chave: Fósseis; biostratigrafia; evolução; alterações climáticas

Parece lógico assumir que nunca terá havido registo fóssil da Fénix. Abstraindo do facto de ser uma entidade mitológica (egípcia), entrar em auto-combustão no final do seu longo ciclo de milhares de anos, renascendo de um amontoado de cinzas paternais, também não garante as necessárias condições de fossilização. Porquê então uma Fénix paleontológica? Trata-se de uma óbvia metáfora ao modo como a Paleontologia sempre se tem sabido manter no fulcro dos temas que mais interessam à Humanidade. Do mesmo modo que a Fénix mitológica garantia a sua imortalidade iludindo os processos naturais de reciclagem da biosfera, a Fénix paleontológica reinventa-se das cinzas do esvaziamento de interesse científico e da aplicação prática. Desde que o geólogo britânico William Smith (17691839) se apercebeu do padrão previsível com que certos fósseis ocorriam nos estratos rasgados pela incessante procura de carvão para alimentar a revolução industrial, que os fósseis vêm sido utilizados como instrumento geológico de datação relativa, um dos mais sólidos argumentos para o posicionamento cronostratigráfico de formações. Com o aparecimento de métodos de datação numérica por decaimento radioactivo muitos prenunciaram a perca de utilidade dos fósseis e o progressivo declínio da Paleontologia. O certo é que os métodos de datação biostratigráfica baseados, por exemplo, em microfósseis como Foraminíferos e Nanofósseis calcários, continuam a ser essenciais quer na indústria do petróleo quer em investigação de sondagens, por exemplo, as sondagens oceânicas obtidas dos projectos e programas internacionais DSDP, ODP e agora o IODP (Larson et al., 2005). Numa primeira análise, a biostratigrafia parece enfadonha e desprovida de interesse académico. Na realidade, através de um conjunto de diagramas temporais, ela define o próprio processo de evolução biológica, uma sequência de FADs (First Appearence Data ou eventos de especiação) e LADs (Last Appearence Data ou eventos de extinção) aparentemente aleatória e desconexa, excepto quando se aglomeram em torno de certos momentos críticos da história geológica do nosso Planeta, os mo-

mentos de extinções em massa seguidos de outros tantos de radiação adaptativa. Muito cedo os fósseis se viram no centro de grandes questões filosóficas e científicas. Foram argumento para as escolas pitagórica e aristotélica, no primeiro caso demonstrando ter existido “terra coberta de mar”, no segundo caso, como manifestações incompletas da “vis plastica”. Já Leonardo da Vinci os utilizou como argumento contra as correntes Criacionista e Diluvionista que predominavam no seu tempo. Os fósseis voltam novamente a ser estratégicos quando Charles Darwin apresenta o seu mecanismo de Selecção Natural como força motriz da evolução biológica. Mesmo passados quase 150 anos desde a publicação da “Origem das Espécies”, os fósseis continuam a ser fundamentais nas questões que mais preocupam o Homem Moderno. Temas como as extinções em massa de dinossáurios (não avianos) e demais companheiros de infortúnio são apontados como uma antevisão do que nos poderá acontecer enquanto espécie animal. Efectivamente, o actual estado do conhecimento sobre o grau de evolução e especialização dos dinossáurios do final do Cretácico leva-nos a concluir que estariam longe de ser animais torpes e mal adaptados (como se tal pudesse existir, confundindo o comportamento de um grupo taxonómico como um todo, com as dificuldades do dia-a-dia de um indivíduo); quaisquer que tenham sido as causas da sua extinção, esta terá estado, pelo contrário, relacionada com a sua super-especialização, sendo os ecossistemas terrestres de então predominantemente constituídos por estrategas K (de equilíbrio), adaptados a nichos paleoecológicos demasiado tempo estáveis e “benignos”. Ensinamento a retirar: se nos tornamos demasiado especializados, ou seja, restritos no leque de valências ou capacidades enquanto elementos activos da sociedade, transformações como as que actualmente se estão a operar, alterando, por exemplo, o paradigma da estabilidade laboral (aprender tudo o que se precisa até determinada altura, passando a realizar sempre uma mesma tarefa toda a vida), vão incrementar inexoravelmente as estatísticas do desemprego.


148 A Fénix paleontológica

Versatilidade e aprendizagem ao longo de toda a vida são as ferramentas dos estrategas r. Um outro tema de preocupação crescente são as Alterações Climáticas Globais. Será que os fósseis também assumem papel de destaque neste contexto ? Efectivamente, registos de poléns fósseis e variações na espessura dos anéis de troncos fossilizados são fundamentais para recuar as séries temporais de registos climáticos para além dos dados instrumentais e históricos. Mesmo num contexto essencialmente geoquímico de interpretação de (paleo)climas e (paleo)oceanos, os fósseis continuam a ser estratégicos quanto mais não seja por serem o veículo que comporta os sinais geoquímicos (isotópicos), proxy de outros tantos parâmetros climáticos. Em muitos casos, contudo, o estudo quantitativo de associações de (micro)fósseis continua a fornecer elementos fundamentais para o conhecimento do modo como o Sistema Climático da Terra funcionou, antes do actual forçamento antropogénico. Em meio entender, uma das questões fundamentais prende-se com um melhor entendimento da álgebra dos sistemas caóticos. Por exemplo, aprender a subtrair ou somar o efeito não linear do padrão de sucessão paleoecológica, registado nos arquivos sedimentares, dos igualmente turbulentos efeitos da atmosfera e dos oceanos à escala geológica. Ultimamente, os fósseis têm desempenhado um outro papel de grande relevância, no contexto da nova realidade emergente, em Portugal e no estrangeiro, os geoparques. Nos dois primeiros geoparques portugueses, reconhecidos pela Associação Europeia de Geoparks e elementos da rede Global de Geoparks UNESCO, o Geopark Naturtejo da Meseta Meridional (Neto de Carvalho & Martins, 2006) e o Geopark Arouca (Sá et al., 2008), ambos tiveram como núcleo catalisador jazidas paleontológicas. No primeiro caso temos a excepcional jazida de icnofósseis de trilobites de Penha Garcia (Fig. 1), as quais constam do elenco de “obras de arte” de Seilacher (2005). Em torno deste importante conjunto de trilhos de nutrição/alimentação, produzidos há cerca de 480 milhões de anos em gélidos sedimentos arenosos austrais, foi ganhando forma o projecto Geopark pioneiro em Portugal, elemento agregador de patrimónios (natural e cultural) e facilitador do desenvolvimento sustentado de uma vasta região interior do nosso território continental. No segundo caso temos a não menos espectacular jazida de somatofósseis de Trilobites em ardósias ordovícicas de Canelas (Fig. 2). Não obstante serem exploradas industrialmente numa pedreira, a diligência e consciência do valor, interesse patrimonial e científico por parte do seu actual proprietário, permitiu não só a definição de uma impressionante colecção de fósseis de artrópodes e outros grupos de animais marinhos, patente no Centro de Interpretação local, como também ser o ponto fulcral do esforço de inventariação do património natural geológico da região de Arouca.

Figura 1 — Cruziana de enormes dimensões de Penha Garcia.

Figura 2 — Património paleontológico nas mãos do Sr. Manuel Valério, actual proprietário da pedreira de ardósia de Canelas.

Após mais duma década desde a apresentação na revista Saber (Rodrigues, 1999) da possibilidade de Porto Santo se vir a tornar um Geopark, estão a dar-se importantes passos no sentido desta ilha poder vir a juntar-se à lista reconhecida pela UNESCO de Geoparques europeus. Apesar da primeira iniciativa de geoconservação ter sido a preservação da frente de exploração talhada em mugearitos prismáticos do Pico de Ana Ferreira, os fósseis estão igualmente presentes em Porto Santo, ocupando lugar de destaque no seu importante espólio patrimonial natural. Entre estes, destacam-se as suas areias biogénicas, testemunho fóssil das gélidas e produtivas águas que o banharam durante a última glaciação, bem como fósseis de recifes de corais e as impressionantes concentrações de “laranjas” (rodólitos) (Fig. 3), frutos de um mais antigo e quente regime climático. Por tudo isto, e por tudo o mais que os fósseis ainda têm para nos ensinar, é justo afirmar que a Paleontologia, herdeira legítima do espírito naturalista dos séculos XVIII e XIX, continuará a desempenhar um papel central nas mais importantes questões que mantêm ocupado e insatisfeito o intelecto humano.


Mário Cachão 149

Referências

Figura 3 — Jazida de rodólitos miocénicos do Cabeço das Laranjas, Ilhéu de Cima (Porto Santo).

Larsen, H.C., Soeding, E., Harms, U. & Schuffert, J. D. (Eds), 2005. Scientific Drilling, 51 p. Neto de Carvalho, C. & Martins, P., 2006. Geopark Naturtejo da Meseta Meridional. 600 milhões de anos em imagens. Naturtejo, E.I.M., Câmara Municipal de Idanha-aNova, 149 p. Rodrigues, D., 1999. Projecto Geopark. A Conservação do património geológico. Saber, Madeira, p. 36-39. Sá, A., Brilha, J., Rocha, D., Couto, H., Rábano, I., Medina, J., Gutiérrez-Marco, J., Cachão, M. & Valério, M., 2008. Geoparque Arouca. Geologia e Património Geológico. Câmara Municipal de Arouca, 127 p. Seilacher, A., 2005. Arte Fóssil. Centro Cultural Raiano, 143 p.


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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS nº 23 eEnsino, 24: 151 a 152, 2010/2011 Direito de resposta a um artigo de Miguel Telles Antunes publicado naGEONOVAS obra “Ciências Geológicas: Investigação e sua História” 151

Direito de resposta a um artigo de Miguel Telles Antunes publicado na obra “Ciências Geológicas: Ensino, Investigação e sua História”

A publicação “Ciências Geológicas: Ensino, Investigação e sua História”, feita sob a égide da Associação Portuguesa de Geólogos, pretendia inicialmente fazer o ponto de situação dos diversos ramos da Geologia portuguesa e demonstrar o que esta Ciência contribuiu para o desenvolvimento do País. Embora este objectivo não tenha sido posteriormente respeitado, apesar da minha opinião contrária expressa por diversas vezes, os três volumes daquela obra contêm artigos interessantes pelas sínteses que apresentam. No entanto, num deles, são feitas acusações aos antigos Serviços Geológicos de Portugal (SGP) as quais, embora disparatadas, não podem ficar sem resposta, pois considero que estas situações devem ser bem esclarecidas, uma vez que as novas gerações de geólogos, não conhecendo os antecedentes, podem tomar disparates e mentiras por factos verídicos. Trata-se do artigo “Aspectos paleontológicos de unidades estratigráficas não marinhas II – o Jurássico: aspectos relevantes em Portugal”, de autoria de M. Telles Antunes (op. cit. vol. I p. 317-321). O referido trabalho inclui uma extensa passagem que tem, a meu ver, por único objectivo atacar injustificadamente aqueles Serviços e, em particular, um dos seus geólogos, infelizmente já falecido, o que me obriga, como geólogo e dirigente que fui dos SGP, a comentá-lo, pelas razões que adiante se exporão. Como grande número dos sócios da APG não possuirá a referida obra, transcreve-se, seguidamente, a parte do texto em questão.

«Em consequência, Zbyszewsi ficou habilitado a avançar, para o que solicitou a colaboração de Albert Félix de Lapparent (Lapparent & Zbyszewski, 1957). Os trabalhos decorreram com colaborações estrangeiras enquanto se verificava real afastamento, discreto mas sistemático, de intervenções científicas portuguesas, salvo excepções menores. A política de “estrangeirização”, inconfessada porque mal pareceria, prosseguida no seio dos Serviços Geológicos com a anuência ou menos consciência de dirigentes, resultou na “exportação” da melhor matéria-prima em termos de temas de trabalho. Consequência, ficaram esvaziados domínios científicos em que interessaria promover e desenvolver capacidades nacionais. Sublinhe-se que não se trata de retórica: basta contar e avaliar situações e factos, num contexto em que até nas Memórias o nome da instituição e mais indicações de capa eram dados em francês. Revelou-se, entre outros casos, na autorização concedida por Zbyszewski (com que autoridade?) a Peter Galton (Bridgeport University, E.U.A.) “para estudar todo o material de dinossauros do Museu dos Serviços Geológico”. Uma só estadia de uma semana, fotos e apontamentos, foram base suficiente – (?), a seriedade é a que é – para publicação de vários artigos. Em tudo, Portugal figurava como um país subdesenvolvido, talvez simpático, sabujo ou palerma, que tudo deixava fazer enquanto outros ficavam com todas as mais-valias científicas. - Os notáveis desenvolvimentos consequentes da primeira visita a Portugal de Walter Georg Kühne (vide Antunes, 1998: 126128), em Setembro de 1959. Falta de visão portuguesa deixou o caminho aberto para longo programa de escavações a cargo de alemães sem qualquer participação científica portuguesa, na mina de carvão da Guimarota (Leiria). Entre outras contribuições, foram obtidos resultados excepcionais a nível mundial acerca de mamíferos jurássicos, publicados por estrangeiros e no essencial no estrangeiro – vide Martin & Krebs (Eds.) (2000), enquanto Portugal fez figura de subdesenvolvido consentidor, a de apenas fornecedor mão-de-obra não qualificada. Foi explorado um “filão” científico, o que meios à escala industrial permitiram fazer em boas condições. Porém, sem cumprir todas as condições combinadas com o então Chefe dos Serviços Geológicos, pois o essencial das publicações saiu noutros países. Esgotados os mais importantes temas de estudo, o material, valioso mas praticamente esgotado do ponto de vista científico e sem grande interesse exposicional pelas dimensões minúsculas, foi devolvido. Ainda bem. Não obstante, a devolução não branqueia um processo com aspectos confrangedores.» Miguel Telles Antunes (MTA) tem-nos frequentemente brindado com “pérolas” da sua prosa verrinosa destinada a todos aqueles que não fazem parte das suas relações próximas e ousaram pisar o “seu terreno”, utilizando artigos científicos para pretensos ajustes de contas. Julgo que a maioria dos colegas está a isso habituada e não dá importância a essas idiossincrassias, que já fazem parte do nosso folclore científico actual. Contudo, a passagem acima transcrita ultrapassa, em muito, o admissível, em especial vindo de quem vem, como passarei a demonstrar: – Fica implícito daquele texto que existiu uma política de estrangeirização “discreta”, “inconfessada” e “sistemática” nos SGP, devida à influência do Doutor Zbyszewski, com a conivência do seu dirigente que, nessa altura, era o Engº. F. Moitinho de Almeida.


152 Direito de resposta a um artigo de Miguel Telles Antunes publicado na obra “Ciências Geológicas: Ensino, Investigação e sua História”

Essa “teoria da conspiração” é, ainda, reforçada invocando o facto das capas das Memórias virem escritas em francês (se o ridículo matasse…. É pena que M.T.A não se tivesse dado ao trabalho de observar várias capas das Memórias dos SGP até essa altura). Ainda segundo MTA, em consequência, foram “esvaziados domínios científicos em que interessaria promover e desenvolver capacidades nacionais”. E, para terminar, reforça o ataque ao Doutor Zbyszewski a propósito deste ter “autorizado” P. Galton a estudar os dinossauros das colecções dos SGP, aproveitando para adjectivar inopinadamente Portugal de “subdesenvolvido”, “sabujo ou palerma”. Convivi com o Doutor. Zbyszewski por largos anos, cerca de 30 e nunca dei por qualquer tentativa sua de querer “estrangeirizar” a investigação nos SGP. Pelo contrário, fui testemunha da sua constante disponibilidade e colaboração com outros investigadores portugueses, nomeadamente com M.T.A., ensinando-o, apoiando-o, disponibilizando-lhe as colecções, assinando trabalhos conjuntos e, nos últimos anos da sua vida, permitindo até a utilização do seu gabinete pessoal. Sublinhe-se que a grande maioria dos exemplares dos vertebrados miocénicos estudados e figurados por MTA pertence às colecções dos então SGP mas, com raras excepções, esta proveniência foi persistentemente omitida naquelas publicações o que constitui, como se sabe, uma falta grave de ética e nos procedimentos científicos normais. No entanto, curiosamente, MTA assinalou sempre as proveniências dos exemplares franceses e das outras instituições nacionais, bem como da sua colecção pessoal. Refira-se que se aguarda, ainda, a devolução de diversos exemplares estudados por MTA pertencentes às colecções do Museu Geológico (LNEG). Não conheço o documento em que, alegadamente, o Doutor Zbyszewski terá autorizado P. Galton a estudar os dinossauros do Museu e, não sabendo em que contexto isso aconteceu, não vou comentar, embora suspeite que a “história esteja muito mal contada” Igualmente, conhecendo, há muito, o Engº. Moitinho de Almeida, pessoa por quem tenho muita estima, não o vejo de forma alguma ser cúmplice desse tipo de conspiração. Limitando-me ao fundamental, sem comentar a xenofobia patenteada por MTA há muito fóra de moda, pergunto como é que os SGP podiam, nessa altura, promover as “capacidades nacionais” se não dispunham de geólogos para isso? Pelo contrário, MTA, como professor de Paleontologia na Universidade, poderia (e deveria) ter acompanhado os trabalhos dos estrangeiros que refere, pois as portas dos SGP sempre lhe estiveram abertas nesses anos. Por outro lado, ter-lhe-ia sido fácil promover as tais capacidades nacionais destacando alunos para acompanharem esses trabalhos e ser ele próprio a orientá-los. Porque não o fez, sabendo que os SGP sempre apoiaram os alunos de Geologia da Faculdade de Ciências de Lisboa, inclusivamente pagando os seus estágios de campo? Miguel Telles Antunes volta “à carga” a propósito das pesquisas da Guimarota realizadas por uma equipa da Universidade Livre de Berlim. A resposta é do mesmo género da que dei anteriormente quanto à participação portuguesa. Assim, não se compreende porque é que MTA, durante esses mais de 20 anos que duraram as pesquisas, não colaborou com a equipa alemã, até porque, e mais uma vez, os SGP podiam ter facilitado esses contactos. Que eu saiba nem sequer visitou o interior da antiga mina onde decorria a colheita de material. Pergunto: nesses anos, quais eram os outros especialistas portugueses em Vertebrados, além de MTA, que podiam ter acompanhado os trabalhos? Ou, ainda, onde estavam os jovens formados por MTA, para possibilitar a “promoção das capacidades nacionais? Assim, se há “aspectos confrangedores” estes devem-se a MTA por nunca se ter preocupado em formar novos paleontólogos no domínio em que tem trabalhado há cerca de 50 anos. Também é confrangedor que alguém que tanto deve aos SGP e ao seu pessoal investigador, muito em especial ao Doutor Zbyszewski, continue a sua diabrite inqualificável, cujas causas conheço mas de que, por agora, não falarei. Recordo, ainda, que MTA foi convidado como “Colaborador dos SGP” entre 1976 e 1993 e, mais uma vez, estes Serviços apoiaram o seu trabalho, quer logisticamente, quer emprestando-lhe exemplares e livros, cuja devolução, aliás, é processo ainda pendente. É, também, confrangedor que a sua atitude continue a manifestar-se por formas muito mais graves, procurando prejudicar gravemente o Museu Geológico do agora LNEG, como tem tentado fazer nestes últimos anos, algo que não tem desculpa e que espero que a comunidade geológica, nacional e estrangeira, não esqueça.

Miguel Magalhães Ramalho


ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

aos autores 153 GEONOVAS nº 23 e 24: 153 aInstruções 160, 2010/2011

FICHA TÉCNICA APG Rua da Academia das Ciências, 19, 2º Apartado 2109, 1103-301 Lisboa Tel. 213477695 - Fax 213424609

apgeologos@clix.pt

COMISSÃO DIRECTIVA António Gomes Coelho (Presidente) Luísa Borges (Vice-Presidente) José Romão (Secretário) Víctor Manuel Ramos Correia (Tesoureiro) Maria Filomena Amador (Vogal) Jorge Neves (Suplente) Pedro Proença Cunha (Suplente)

COMISSÃO EDITORIAL João Pais (FCT/UNL) Rúben Dias (LNEG) Zélia Pereira (LNEG)

FOTO DA CAPA Portinho da arrábida e Peninsula de Troia fotografia de João Pais APOIO

Programa Fundo de Apoio à Comunidade Científica – FACC IMPRESSÃO Tipografia Nunes, Lda - Maia DEPÓSITO LEGAL 183140/02 ISSN 0870-7375 TIRAGEM 1500 exemplares PERIODICIDADE Anual


154 Instruções aos autores

GEONOVAS Instruções aos Autores A – Estatuto editorial da GEONOVAS GEONOVAS é a revista anual publicada pela APG – Associação Portuguesa de Geólogos, publicada desde 1981, é o principal agente de comunicação com os sócios e edita artigos originais de investigação científica e de divulgação no âmbito da geologia. A revista poderá publicar artigos científicos originais, artigos de divulgação, artigos de autores especialmente convidados que desenvolvam temas no âmbito acima referido ou, ainda, notícias de carácter informativo com interesse para a Comunidade Geocientífica. B – Informação geral Os autores devem seguir as normas aqui estabelecidas e publicadas no final da revista. A submissão de artigos à GEONOVAS implica a aceitação destas normas. Cada artigo será avaliado por um dos membros da Comissão Editorial e por dois revisores anónimos, podendo ser recusada a sua publicação. Os nomes dos revisores não anónimos e respectiva instituição poderão ser incluídos nos agradecimentos dos respectivos artigos, caso autores e revisores estejam de acordo. O cojunto dos revisores de cada número da revista constituem a respectiva Comissão Científica. Os artigos submetidos a publicação não podem ser enviados a outras revistas. C – Preparação do artigo O último número da revista GEONOVAS deve ser consultado para mais fácil preparação do artigo. Os manuscritos que não sigam as instruções que se seguem poderão ser reenviados aos autores para procederem às alterações necessárias. 1. Submissão Todos os artigos deverão ser submetidos pelo e-mail da APG ( apgeologos@clix.pt ). Todos os artigos submetidos deverão conter os seguintes ficheiros: a) Manuscrito (Documento Word) que deverá incluir as seguintes partes: i) páginas iniciais com Título(s), Autor(es), Afiliação e Contactos, Título(s) curto(s), Resumo(s) e Palavras-Chave; ii) Texto principal; iii) Agradecimentos; iv) Bibliografia; b) Legendas das Figuras e Tabelas (Documento Word); c) Figuras enviadas em ficheiros JPEG ou TIFF à parte com resolução de pelo menos 300 dpi (não inseridas no manuscrito); d) Tabelas enviadas à parte num Documento Word; e) Lista com três possíveis revisores para o artigo (Documento Word) com nomes, afiliações e contactos de e-mail. A comissão executiva não garante que qualquer dos nomes propostos seja escolhido para rever o artigo.

Todos os ficheiros deverão ser submetidos com um nome razoável que indique claramente o que esse ficheiro contém e numa ordem sequencial lógica, como por exemplo: - título do trabalho.doc - Legendas.doc - Figura1.jpg - Figura2.jpg - Figura3.jpg - Tabelas.doc - Anexo1.tiff - Revisores.doc (Este exemplo é meramente ilustrativo). 2. Informação adicional a) Os manuscritos deverão incluir numeração de páginas e linhas. b) Os manuscritos deverão ser preparados usando um tipo de letra comum e tamanho adequado (exemplo Times 12 ou Arial 12) e dactilografados a dois espaços, coluna única, formato de papel A4. c) Os artigos devem ser originais e compreender dados, interpretações ou sínteses não publicados previamente. d) Os artigos e os resumos devem ser escritos em português, devendo ser sempre apresentado um resumo em inglês e em português. Os resumos na língua original do artigo não podem conter mais de 150 palavras. e) Todos os manuscritos deverão conter palavras-chave a seguir aos resumos. Tanto para o resumo em inglês como na língua original do manuscrito não poderão ter mais de 5 palavras-chave. f) Os artigos recebidos pela Comissão Editorial serão revistos pelo editor e por dois ou mais revisores científicos. h) Para artigos em co-autoria, o manuscrito deverá mencionar o autor correspondente. Se a mesma não for providenciada, o autor que submeteu o artigo será considerado o autor correspondente. A submissão de artigos em co-autoria implica que o autor correspondente tem o acordo dos restantes autores para submeter e publicar o artigo. 3. Preparação do Manuscrito a) A primeira página do manuscrito deverá conter o título do artigo em tamanho 16, o(s) nome(s) do(s) autor(es) em tamanho 12, a afiliação do(s) autor(es) com endereços institucionais, os telefones (ou faxes) e e-mails em tamanho 9, bem como a indicação a que autor deverá ser enviada a correspondência. b) A segunda página deverá conter o(s) resumo(s) em português e em inglês seguido(s) de até cinco palavraschave, em tamanho 10. Cada resumo deverá ser inteligível sem referência ao artigo e deverá ser uma compilação objectiva das informações e interpretações originais do artigo, e não apenas uma referência aos assuntos abordados.


Instruções aos autores 155

c) O texto principal, em tamanho 12, deverá seguir-se e poderá ser dividido em secções. d) Os agradecimentos deverão seguir o texto principal e deverão ser reunidos numa secção denominada por Agradecimentos. e) Todas as referências citadas no texto deverão ser organizadas por ordem alfabética no fim do texto (a seguir aos agradecimentos) e deverão estar numa secção denominada Bibliografia. No texto, as referências deverão ser citadas pelo(s) nome(s) do(s) autor(es), e pela data da edição (entre parêntesis) como os exemplos seguintes: Dias & Cabral (1989) Cabral (1995) (Cunha, 1987, 1992, 1996) (Raposo, 1987, 1995a, 1995b; Cunha et al., 2008; Oosterbeck et al., 2010). As referências a livros devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação, o título da obra em itálico, entidade editora, local de publicação e paginação. As referências a artigos devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação (entre parêntesis), o título do artigo, o título do periódico em itálico, o volume, o número ou fascículo e a paginação. Os autores deverão consultar o último número das GEONOVAS para correcta listagem das referências. Exemplos: Cunha, P. P., 1987. Evolução tectono-sedimentar terciária da região de Sarzedas (Portugal). Comun. Serv. Geol. Portugal, Lisboa, 73(1/2): 67-84. Cunha, P. P., Martins, A. A., Huot, S., Murray, A. & Raposo, L., 2008. Dating the Tejo river lower terraces in the Ródão area (Portugal) to assess the role of tectonics and uplift. Geomorphology, 102: 43– 54. Reis, R. Pena dos & Cunha, P.P., 1989. Comparación de los rellenos terciarios en dos regiones del borde occidental del Macizo Hespérico (Portugal Central). Paleogeografía de la Meseta norte durante el Terciario. (C.J. Dabrio, Editor), Stv. Geol. Salman., Ediciones Univ. Salamanca, vol. esp. 5: 253-272. Ribeiro, O., Teixeira, C. & Ferreira, C. R., 1967. Carta Geológica de Portugal na escala1/50.000 (folha 24D – Castelo Branco) e respectiva notícia explicativa. Serv. Geol. de Portugal, Lisboa, 24 p.

Romão, J., 2000. Estudo tectono-estratigráfico de um segmento do bordo SW da Zona Centro-Ibérica (ZCI) e suas relações com a Zona Ossa-Morena (ZOM). Diss. Doutoramento, Univ. Lisboa, 322 p. f) Todas as ilustrações deverão ser designadas figuras. No início da frase devem ser referidas escritas por extenso (ex: Figura 1). Dentro da frase devem ser escritas de forma abreviada (ex: Fig. 1). Os anexos deverão ser mencionados no texto, referindo-se a estes como Anexo 1, etc. g) Cabeçalhos ou rodapés não poderão ser usados em qualquer circunstância. h) Fórmulas matemáticas. As equações são geralmente introduzidas como parte de frases, requerendo pontuação. Os autores deverão providenciar todos os símbolos a constar na publicação. 4. Ilustrações Todas as ilustrações (figuras, gráficos, mapas, fotos, etc…) são figuras e devem ser referidas como tal. As figuras deverão estar numeradas sequencialmente com numerais arábicos e devem ser providenciadas em ficheiros separados com resolução adequada para publicação (no mínimo 300 dpi) (submissão electrónica apenas) que não poderá exceder os 4Mb cada. As figuras deverão ser enviadas com os tipos de letra a usar (Times, Arial, Helvetica, Symbol ou Courier). As partes de uma figura devem estar indicadas como (a), (b), (c), etc., e devem ser referidas como tal nas legendas (ex: Fig. 5 – (a)), mas como a, b, c, etc. no texto (ex. Fig. 5d). 5. Tabelas As tabelas devem ser enviadas num documento Word em separado. As unidades deverão ser referidas uma vez nas colunas ou na legenda e não ao longo da tabela. 6. Legendas As legendas das figuras e tabelas devem ser apresentadas com espaçamento duplo e devem ser enviadas num documento Word em separado. As legendas devem ser providenciadas na língua original do artigo e em inglês, descrevendo brevemente o conteúdo das figuras e/ou tabelas. 7. Separatas Serão fornecidas aos autores ficheiros pdf dos trabalhos publicados.


156 Instruções aos autores


Instruções aos autores Índice 157

ÍNDICE Pág. 31 Instabilidades de vertentes: previsão, prevenção e tratamento Fernando M.S.F. Marques

Pág. 35 O impacto do As, Hg, F, Se e I na saúde humana e ambiente Eduardo Anselmo Ferreira da Silva

Pág. 37 Arsénio: um contaminante natural Maria do Rosário Carvalho

Pág. 39 Drenagem ácida de minas Mário Abel Gonçalves

Pág. 41 Perímetros de protecção de captações de água subterrânea destinadas ao abastecimento público J. Lopo Mendonça

Pág. 43 Poluição química em aterros sanitários J. Figueiras

Pág. 45 Pa Eric Font

Pág. 47 Paleoclimas: indicadores arquivados no registo estratigráfico Ana C. Azerêdo & M. Cristina Cabral

Pág. 51 Nanoplâncton calcário, paleoprodutividade oceânica e alterações climáticas Mário Cachão

Pág. 53 Grutas, estalagmites e paleoclimas J. Crispim

Pág. 57 Recursos minerais do futuro Fernando J. A. S. Barriga


Índice 158 Instruções aos autores

Pág. 59 Os recursos minerais não metálicos Silvério Prates Carvalho

Pág. 63 Recursos minerais portugueses: património natural e motor de desenvolvimento A. Mateus

Pág. 67 Faixa Piritosa Ibérica: principal província metalogenética portuguesa Jorge M.R.S. Relvas

Pág. 73 Metais críticos à consolidação das soluções tecnológicas do futuro: o exemplo dos ETR A. Mateus

Pág. 77 Novos modelos de gestão de recursos geológicos na UE Luís Martins

Pág. 79 O Petróleo – um recurso natural não renovável. Fonte da Energia do Séc. XX, e por quanto tempo mais no Séc. XXI? Oportunidades de emprego na indústria petrolífera para as próximas décadas Rui Baptista

Pág. 83 Petróleo: um recurso natural baseado em recursos humanos Nuno Pimentel

Pág. 85 Geologia e segurança nas cidades Alberto S. Costa Pereira

Pág. 87 Aspectos geológicos no projecto de estruturas subterrâneas em áreas urbanas Gabriel de Almeida

Pág. 89 Condicionantes geológico-geotécnicas na ocupação do subsolo Glória do Espírito Santo

Pág. 93 Geologia urbana, cartografia geotécnica e bases de dados Isabel Moitinho de Almeida

Pág. 95 Tectónica de placas António Ribeiro

Pág. 97 A evolução do manto: uma perspectiva geoquímica João Mata & Línia Martins

Pág. 99 Metamorfismo João Mata


Índice 159 Instruções aos autores

Pág. 101 A influência dos processos intra-telúricos na atmosfera, hidrosfera e biosfera Línia Martins & João Mata

Pág. 103 Reconhecimento da crusta usando métodos electromagnéticos Fernando A. Monteiro Santos

Pág. 105 Tomografia sísmica – Uma janela para o interior da Terra Graça Silveira

Pág. 109 Avanços científicos, desenvolvimento e Terra debaixo do mar Fernando J. A. S. Barriga

Pág. 113 Os basaltos dos fundos oceânicos João Mata

Pág. 115 Modelação análoga de estruturas activas no Golfo de Cádis (fronteira de placas Ibéria-Núbia, offshoreSW Ibérico) Filipe Rosas

Pág. 117 Solos - A pele da Terra Maria Teresa Mira de Azevêdo

Pág. 121 O solo e a mineralogia Madalena Fonseca

Pág. 125 Solos e paleossolos – duas faces da interacção entre geosfera e biosfera Nuno Pimentel

Pág. 127 Solos Fernando Louro Alves

Pág. 129 Metais pesados nos solos Catarina Silva

Pág. 131 Ordenamento das paisagens — arquétipos da ordem e símbolo linguagem da natureza guardado cristalizado no sub-consciente e supraconsciente do homem Maria Celeste D’Oliveira Ramos

Pág. 139 A evolução dos invertebrados, a (paleo)biodiversidade e a geodiversidade Carlos Marques da Silva

Pág. 143 Paleodiversidade: aspectos dos últimos cinco milhões de anos apreendidos através de registos palinológicos Filomena Diniz


Índice 160 Instruções aos autores

Pág. 145 Bioerosão: O que é? Para que serve? Ana Santos

Pág. 147 A Fénix paleontológica Mário Cachão

Pág. 151 Direito de resposta a um artigo de Miguel Telles Antunes publicado na obra “Ciências Geológicas: Ensino, Investigação e sua História” Miguel Magalhães Ramalho

Pág. 153 Ficha Técnica Pág. 157 Indice


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