Afinal, o que é ser geólogo hoje?
O monte Fuji, ou Fujisan como lhe chamam os japoneses, ponto culminante do arquipélago japonês (3776 m), é desde 2003 património mundial da Unesco na sua qualidade de “lugar sagrado e fonte de inspiração artística”. Este simbolismo esconde, porém, outra face menos pacífica. É também um vulcão do tipo explosivo situado na junção tripla das placas tectónicas do Pacífico, da Eurásia e das Filipinas, que permanece activo, embora só muito raramente tenha acordado do seu sono letárgico nos últimos milénios. Recentemente, um grupo de investigadores franco-japonês revelou que o Fuji se encontra sob pressões acrescidas devido ao grande sismo de Tohoku (M9,0) de 11 de Março de 2011, que deu origem ao tsunami causador do desastre nuclear de Fukushima. Estes investigadores realizaram uma espécie de ecografia das entranhas da litosfera, a partir do enorme acervo de dados registados depois do megassismo pela rede de geofones japonesa Hi-net, a mais densa do mundo, com mais de 800 pontos de medida. Para tanto, usaram sinais normalmente considerados como parasitas: o ruído de fundo sísmico permanente produzido pela acção das ondas oceânicas sobre a terra firme. O registo das flutuações deste ruído de base veio permitir cartografar as perturbações geológicas provocadas no subsolo do Japão pelas ondas sísmicas geradas pelo grande sismo de Tohoku. Estes efeitos parecem particularmente acentuados nas regiões vulcânicas onde os fluidos (água e vapor, gases, magma) se encontram já muito comprimidos na rocha e o efeito dinâmico adicional da propagação das ondas sísmicas é susceptível de dar origem a um acréscimo da pressão e consequente aumento da abertura das fracturas e fissuras dos maciços rochosos por fracturação hidráulica. Esta investigação, cuja realização não teria sido possível sem um poderoso software de tratamento de dados, além de toda a sofisticada instrumentação de captura dos dados, revelou que o Fujisan se encontra submetido a pressões elevadas induzidas pelo grande sismo de 11 de Março de 2011. Não é que esteja prestes a entrar em actividade, mas os resultados mostram que se encontra num estado crítico que importa monitorizar no âmbito da prevenção e da protecção civil. Pouco antes da leitura deste artigo na Science de 4 de Julho, participei com a Direcção da APG numa Sessão de Informação do Ministério do Ambiente sobre o Anteprojecto de Proposta de Lei de Bases dos Recursos Geológicos. Nessa reunião pareceu-me pertinente salientar a necessidade de se continuar a cartografia geológica do território, ainda incompleta, bem como de actualizar as cartas mais antigas elaboradas há 40 ou 50 anos. No fim da reunião, um alto dirigente do LNEG, com a enorme cortesia que o caracteriza, agradeceu-me a intervenção (feita sobretudo em nome da criação de emprego para os geólogos) mas chamou-me a atenção para o facto de, actualmente, no nosso país não ser a cartografia geológica o caminho crítico para a descoberta e valorização dos recursos geológicos, mas sim a geofísica profunda mobilizadora de potentes e sofisticados meios tecnológicos e de software informático de que o LNEG não dispõe. Senti naquele momento, não só que ele tinha razão, mas também como eu estava ainda ancorado a ideias e concepções ultrapassadas, sobretudo pela evolução das tecnologias da informação, não pela evolução do conhecimento científico. Em termos de “tecnologias da informação” eu permanecia preso às potencialidades do meu velho martelo de geólogo, um Estwing de 24 Oz., há muito esquecido a um canto do meu gabinete de trabalho, ao lado de um velho estereoscópio de espelhos, recordação da novidade que foi a fotointerpretação nos anos de 1950, mas agora ainda mais arcaico do que ele, face a toda a imagiologia dos satélites e do Google Earth. Uma semana depois, senti no artigo da Science sobre o Fujisan a mesma hegemonia dos grandes meios de acesso indirecto aos dados da geodinâmica interna. São evidentes os sinais de uma grande mudança. Parece-me porém que não estamos no fim de nada, mas na transição para outra coisa há muito anunciada pela alteração da designação dos Departamentos de Geologia para Departamentos de Ciências da Terra em muitas Universidades e Institutos de investigação, na Europa e nos Estados Unidos. Entre nós há também alguns exemplos desta mudança, mas, como é
usual, nada de substantivo mudou efectivamente a não ser o nome. Que novo futuro para as Ciências da Terra e seus agentes no plano profissional poderia surgir da fusão da geologia com a geofísica numa fileira única da formação universitária? Os geólogos não devem temer pela sua identidade, se vier a ser esta a nova ordem. Este é apenas o caminho lógico aberto pela globalização a que a teoria da tectónica de placas deu origem. É impossível que não nos interroguemos sobre o que significa hoje ser geólogo, no plano da formação académica e da actividade profissional. Sim, o que significa afinal, ser geólogo hoje? Pensem nisso…
António Gomes Coelho Presidente da Associação Portuguesa de Geólogos
geonovas n.º 27: 03 a 06, 2014 3
associação portuguesa de geólogos
Identificação de deformações em sedimentos finos não consolidados com recurso a georadar (Vale Inferior do Tejo) R. J. Oliveira*, J. Casacão, B. Caldeira & J. F. Borges Universidade de Évora, Centro de Geofísica de Évora, Rua Romão Ramalho, 59, 7000-671 Évora; ruio@uevora.pt; jcasacao@uevora.pt; bafcc@uevora.pt; jborges@uevora.pt; *autor correspondente.
Resumo O projecto ATESTA visa avaliar a perigosidade sísmica no Vale Inferior do Tejo. Tem vindo a assumir-se que as falhas activas na região terão sido a fonte de eventos históricos, como sejam os sismos de 1531 e 1909, que afectaram a região de Lisboa. Para melhor compreensão destes processos, realizaram-se ensaios geofísicos nas imediações de Vila Franca de Xira, perto de Lisboa. O objectivo destes ensaios é determinar a localização precisa das falhas, mediante a detecção de deformações sub-superficiais que possam estar associadas às escarpas dessas falhas. Os resultados de georadar evidenciam estruturas verticalizadas que corresponderão a falhas ou a deformações de sedimentos finos não consolidados. Palavras-chave: Falhas activas; Vale Inferior do Tejo; deformação de sedimentos finos não consolidados; processamento de imagem. Abstract The main purpose of the project ATESTA is to assess the seismic hazard on the Lower Tagus Valley. Here, regional seismic faults are assumed to be the source of historical events, such as the 1531 and 1909 earthquakes which affected the Lisbon area. For a better understanding of these processes, several geophysical surveys were carried out in Vila Franca de Xira (Lisbon). The purpose of these tests is to determine the precise location of faults by detecting sub-superficial deformations that may be associated with the slopes of these structures. The results of ground-penetrating radar emphasize vertical structures that can match faults or soft-sediment deformation structures. Keywords: Active faults; Lower Tagus Valley; soft-sediment deformation structures; image processing.
Objectivo do estudo
Enquadramento da área de estudo
O objectivo deste estudo, desenvolvido no âmbito do projecto ATESTA, é cartografar falhas activas aflorantes do Vale Inferior do Tejo, na zona de Vila Franca de Xira. A partir dos dados provenientes de ensaios de sísmica de reflexão em diversos locais da região (desenvolvidos também no âmbito do projecto ATESTA) foi possível escolher algumas localizações onde existe forte probabilidade de se encontrarem falhas à superfície, ou muito próximo desta. Nesses locais realizaram-se ensaios de georadar (GPR) de forma a confirmar as suspeitas da presença de falhas aflorantes ou a poucos metros da superfície.
A área de estudo, situada em Vila Franca de Xira, está inserida no sector central da Bacia Cenozóica do Baixo Tejo, no Vale Inferior do Tejo. Na vizinhança desta área foram realizados trabalhos sobre geologia estrutural a nível regional, tendo-se por objectivo principal cartografar falhas e caracterizar a sismicidade da região, dada a enorme preocupação com o risco sísmico da área metropolitana de Lisboa. A Bacia Lusitaniana, formada no Mesozóico durante a abertura do Atlântico Norte, encontra-se na Orla Ocidental do Maciço Ibérico e apresenta carácter distensivo continental. De acordo com Ribeiro et al. (1979), a evolução da bacia foi condicionada por
4 Identificação de deformações em sedimentos finos não consolidados com recurso a georadar (Vale Inferior do Tejo)
episódios de fracturação tardi-variscos, nomeadamente cisalhamentos direitos, responsáveis pelo aparecimento de falhas de desligamento esquerdo com direcção NNE-SSW e NE-SW (Ribeiro, 2002). A Zona de Cisalhamento de Porto-Tomar, com orientação N-S e outras falhas de direcção NW-SE foram igualmente importantes na definição da estrutura da Bacia Lusitaniana (Kullberg et al., 2006). É de conhecimento geral, atendendo a evidências expostas em artigos publicados, que o Vale Inferior do Tejo é sismicamente activo. É lá que se localizam as falhas activas responsáveis pelos importantes sismos históricos de 1531 e 1909. Uma dessas falhas é a denominada Falha de Vila Franca de Xira, cujo traçado passará na área de estudo (Cabral et al., 2004). Recentemente descobriram-se, em registos sísmicos (Ghose et al., 2013), evidências de deformação provocada por falhas que poderão ter expressão a poucos metros da superfície, logo afectando sedimentos recentes. Estes factos motivaram a escolha desta região para local deste trabalho. A litostratigrafia da área de estudo é caracterizada por depósitos aluvionares, cuja espessura pode
atingir os 60 m. As ocorrências litológicas consistem, essencialmente, de aluviões argilo-arenosos, areias e argilas. Na base da sequência aluvionar ocorrem níveis de cascalho (Zbyszewski et al., 1965). Deformação de sedimentos finos não consolidados Os dados de georadar revelaram uma complexa subsuperfície sedimentar deformada, denunciadora de ambiente geotectónico e geodinâmico complexo. De acordo com Owen et al. (2011) e Suter et al. (2011), a deformação de sedimentos finos não consolidados ocorre em curtos intervalos de tempo, junto à superfície, durante e logo após a deposição, mas antes de se iniciar definitivamente o processo de diagénese. Porém, para que essa deformação ocorra é necessário que se cumpram algumas condições, nomeadamente, a existência de forças que promovam a deformação. Os fenómenos que desencadeiam essas forças responsáveis por deformação podem estar relacionados com eventos sísmicos. Se os sismos são de magnitude superior a 4,5 a deformação resultante em zonas próximas da fonte pode estar associada ao
Figura 1 – Radargrama obtido com uma antena 100 MHz: modo distância, bi-estático de baixo alcance. A utilização desta antena permite atingir profundidades maiores, no entanto tem a desvantagem de ser susceptível ao ruído. É possível observar falhas prováveis (FP) e o efeito da presença de um tubo metálico (TM) junto à superfície. Aos 80 m poder-se-á estar perante a Falha de Vila Franca de Xira. Figure 1 – Radargram obtained with a 100 MHz antenna: distance mode, bi-static of low range. Using this antenna achieves greater depths, but it has the disadvantage of being susceptible with the noise. Probable faults (PF) and the effect of the presence of a metal tube (TM) can be observed near the surface. After 80 m, the Vila Franca de Xira Fault might be present.
Figura 2 – Radargrama obtido com uma antena 200 MHz: modo distância. Com esta antena atinge-se um quinto do alcance da antena de 100 MHz, podendo-se observar pormenores com menos ruído. Neste radargrama observam-se falhas prováveis (FP) e um tubo metálico (TM), assim como variação lateral da espessura dos reflectores, que poderá corresponder a variações da taxa de compactação. Figure 2 – Radargram obtained with a 200 MHz antenna; distance mode. This antenna’s range is one-fifth of the 100 MHz antenna, resulting in detailed acquisitions with less noise. In this radargram probable fault (FP) and a metal tube (TM) were observed, as well as lateral variation of the reflectors thicknesses, which may correspond to variations in the rate of compaction.
associação portuguesa de geólogos
fenómeno de liquefacção, que consiste numa mudança de estado temporária promovida pelos fortes movimentos sísmicos. Nessas situações, as estruturas que daí resultam, designam-se por sismitos. São estruturas que, para além das ondas sísmicas, podem também ser originadas por cheias, percolação, sedimentação rápida e movimentos do nível freático. Tipicamente, este tipo de deformação ocorre em ambientes lacustres, palustres, zonas deltaicas e estuarinas, planícies aluviais e de inundação, em que a presença de água é abundante (Owen et al., 2011a). Moura-Lima et al. (2011) realizaram ensaios de georadar no Brasil para comprovar a origem sísmica desta deformação associada a fenómenos de liquefacção e movimentos do substrato em ambiente saturado de água, de modo a excluir potenciais triggers autogénicos (Owen et al., 2011). Ensaios geofísicos No local do estudo foram realizados ensaios de georadar de forma a inferir a existência de falhas aflorantes ou que tenham expressão próximo da superfície. Usou-se um sistema da marca GSSO, modelo SIR-3000, com antenas de 100 MHz, 200 MHz e 400 MHz. Os dados foram adquiridos por arrastamento das antenas sob perfis, na generalida-
R. J. Oliveira, J. Casacão, B. Caldeira & J. F. Borges 5
de dos ensaios segundo o modo distância (aquisição com antena em movimento). Em alguns ensaios optou-se pelo modo ponto (aquisição com a antena parada) para confirmar suspeitas sobre o efeito das irregularidades do terreno nos dados adquiridos no modo distância. A antena de 100 MHz foi utilizada no modo bi-estático de baixo alcance com comunicação entre emissor e receptor, promovida por fibra óptica, de modo a obter resultados mais precisos. Tratamento de dados Os dados de georadar obtidos nas campanhas geofísicas foram processados com recurso ao programa RADAN (GSSI), para remover o ganho aplicado durante a aquisição, e ao plugin MATGPR para Matlab (Mathworks) para o restante processamento (decomposição da amplitude inversa, com atenuação média, filtros FIR e saturação da coloração do radargrama final tratado). Resultados Da interpretação dos radargramas finais (Figs. 1 a 4) foi possível identificar uma sucessão estratiforme e horizontal de litologias na área estudada, observando-se localmente estruturas com geometria
Figura 3 – Radargrama obtido com uma antena 400 MHz: modo distância. Localização das falhas prováveis (FP). A partir dos 95 m observa-se uma deformação horizontal aos 30 ns, que poderá corresponder a uma deformação sem ocorrência de ruptura. Figure 3 – Radargram obtained with a 400 MHz antenna: distance mode. Location of probable faults (PF). Lower than 95 m there is a horizontal deflection at 30 ns, which corresponds to a deformation that can occur without rupture.
Figura 4 – Radargrama obtido com uma antena 200 MHz: modo ponto. Localização das falhas prováveis (FP). Com o modo ponto confirmam-se os efeitos provocados pela irregularidade do terreno durante a aquisição pelo modo distância. Figure 4 – Radargrama obtained with a 200 MHz antenna: point mode. Location of probable faults (PF). With point mode it is possible to confirm the effects of the terrain irregularity during distance mode acquisition.
6 Identificação de deformações em sedimentos finos não consolidados com recurso a georadar (Vale Inferior do Tejo)
vertical, deformadas, que poderão corresponder a descontinuidades originadas em consequência de movimentos produzidos numa falha activa durante um episódio sísmico. Nos níveis estratigráficos analisados ocorrem ressaltos compatíveis com fracturas ou falhas prováveis (FP). Observaram-se também fácies sedimentares, nomeadamente estratificações e laminações, cuja continuidade lateral foi comprometida, devido aos horizontes terminarem de forma abrupta, sendo assim cortados por estruturas posteriores. As estruturas descritas poderão corresponder a assentamentos e/ou consolidação de níveis de maior componente argilosa. No radargrama da figura 3, a partir dos 95 m nota-se uma mudança de padrão no horizonte dos 30 ns que poderá corresponder a uma deformação sem ocorrência de rotura. A confirmar-se esta interpretação, esta reflecte o carácter plástico do conjunto de litologias estudadas. Em alguns radargramas, aos 35 m é observada uma reflexão correspondente a um tubo metálico (TM) próximo da superfície. Conclusão Após a realização deste estudo concluiu-se que as estruturas identificadas nos radargramas cuja organização é sub-vertical poderão corresponder a evidências de deformação de sedimentos finos não consolidados cujo trigger pode ter sido um evento sísmico. O ambiente geodinâmico da área de estudo é estuarino, rico de água e aluviões, com movimentações periódicas do nível freático (marés e cheias). O ambiente tectónico caracteriza-se por uma sismicidade activa com eventos históricos registados, existindo evidências da ocorrência de fenómenos de liquefacção na região. De acordo com a teoria em torno das deformações de sedimentos finos não consolidados, e tendo em conta a organização dos elementos sedimentares estudados, as estruturas verticalizadas que se observaram nos radargramas deverão corresponder a sismitos ou mesmo a falhas activas, aflorantes ou que ocorrem a poucos metros da superfície. Segundo a orientação da Falha de Vila Franca de Xira, esta passará no local de estudo, coincidindo com a falha provável identificada aos 80 m no radargrama representado nas figuras 1 e 2. De modo a comprovar estas evidências, a próxima etapa do projecto ATESTA prevê a abertura de uma trincheira no local onde foram realizados os ensaios geofísicos, podendo-se posteriormente corroborar ou excluir os resultados até agora obtidos e interpretados.
Agradecimentos Os projectos ATESTA (Active Tectonics and Earthquake Scenarios for the Lower Tagus Valley – PTDC/CTE-GIX/099540/2008) e NEFITAG (Strong ground motion and near field effects in the Lower Tagus Valley Region -PTDC/CTE-GIX/102245/2008) foram financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Um agradecimento ao colaborador do Centro de Geofísica de Évora, Samuel Neves, pelo auxílio na execução dos ensaios geofísicos e ao responsável pela Unidade de Recursos Minerais e Geofísica do LNEG, João Carvalho, pela sua contribuição com os dados de sísmica de reflexão. Bibliografia Cabral, J., Ribeiro, P., Figueiredo, P., Pimentel, N. & Martins, A., 2004. The Azambuja fault: An active structure located in in intraplate basin with significant seismicity (Lowe Tagus Valley, Portugal). Journal of Seismology, 8: 347-362. Ghose, R., Carvalho, J. & Loureiro, A., 2013. Signature of fault zone deformation in near-surface soil visible in shear seismic reflections. Geophysical Research Letters, 40: 1074-1078. Kullberg, J., Rocha, R., Soares, A., Rey, J., Terrinha, P., Callapes, P. & Martins, L., 2006. A Bacia Lusitaniana: Estratigrafia, Paleontologia e Tectónica. In Geologia de Portugal no contexto da Ibéria. Dias, R., Araújo, A., Terrinha, P., Kulberg, J, (Eds.), Universidade de Évora, Évora, 317-368. Moura-Lima, E., Bezerra, F., Lima-Filho, F., Castro, D., Sousa, M., Fonseca, V. & Aquino, M., 2011. 3-D geometry and luminescence chronology of Quaternary soft-sediment deformation structures in gravels, northeastern Brazil. Sedimentary Geology, 235: 160-171. Owen, G., Moretti, M. & Alfaro, P., 2011. Recognizing triggers for soft-sediment deformation: Current understanding and future directions. Sedimentary Geology, 235: 133-140. Suter, F., Martínez, J. & Vélez, M., 2011. Holocene soft-sediment deformation of the Santa Fe-Sopetrán Basin, northern Colombian Andes: Evidence for pre-Hispanic seismic activity?. Sedimentary Geology, 235: 188-199. Zbyszewsky, G. & Assunção, C., 1965. Carta Geológica de Portugal, na escala 1/50 000: Notícia Explicativa da Folha 30D. Alenquer. Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa. Este artigo encontra-se redigido segundo o antigo Acordo Ortográfico.
geonovas n.º 27: 07 a 11, 2014 7
associação portuguesa de geólogos
Prospecção geofísica aplicada à detecção de falhas activas – a falha de Vila Franca de Xira J. Casacão1,*, R. J. Oliveira2, B. Caldeira2, J. F. Borges2 & J. Carvalho3 Centro de Geofísica de Évora, Colégio Luís António Verney, Rua Romão Ramalho 59, 7000 Évora; jcasacao@uevora.pt; Departamento de Física, Universidade de Évora, Colégio Luís António Verney, Rua Romão Ramalho 59, 7002-554 Évora; 3 Laboratório Nacional de Energia e Geologia, Estrada da Portela-Zambujal, Alfragide, Apartado 7686, 2610-999 Amadora; *autor correspondente. 1
2
Resumo A falha de Vila Franca de Xira é considerada como a mais provável fonte de sismos destrutivos que afectaram a região de Lisboa. Contudo, devido às altas taxas de erosão/sedimentação no Vale Inferior do Tejo (VIT), as evidências superficiais de deformações cossísmicas nos sedimentos Holocénicos rapidamente são apagadas. Estudos recentes mostram indícios do traçado desta falha sob a cobertura aluvionar e de deformações subsuperficiais a ela associadas. O objectivo deste trabalho é, através de métodos geofísicos, complementar esses estudos e verificar, se possível, se esta falha atingiu os primeiros metros da subsuperfície para, assim, contribuir para um modelo de análise de perigosidade e risco sísmico no VIT. A realização de um perfil de sísmica de reflexão de ondas P deu, inicialmente, a indicação da existência de quatro descontinuidades em profundidade, interpretadas como prováveis falhas. Para confirmar as suspeitas foram realizados, sobre esses locais específicos, perfis de georadar (com antenas de 200 MHz e 400 MHz) e tomografia de resistividade eléctrica. A interpretação dos perfis obtidos revela vários deslocamentos verticais, correspondendo aos traçados de falhas propostos em trabalhos anteriores. Palavras-chave: Falhas activas; sísmica de reflexão; georadar; tomografia eléctrica; Vale Inferior do Tejo. Abstract The Vila Franca de Xira fault is considered to be the most probable source of several destructive earthquakes that affected the Lisbon area. However, there is no evidence of surface faulting in the Holocene sediments of the Lower Tagus Valley (LTV) due to low tectonic activity and high erosion/sedimentation rates. The main goal of this work is, using geophysical methods, to complement recent studies and verify how close the fault approached the subsurface, thus contributing for the seismic hazard model assessment in the LTV. The initial P-wave seismic reflection survey indicated four discontinuities, interpreted as possible faults, and for this reason ground-penetrating radar (200 MHz and 400 MHz antennas) and electrical tomography surveys were conducted on those specific locations. Several vertical displacements were observed, matching the theoretical fault traces proposed in previous studies. Keywords Active faults, seismic reflection; ground-penetrating radar; electrical tomography; Lower Tagus Valley.
1. Introdução Os registos históricos da região de Lisboa apresentam sucessivas referências a sismos violentos, com elevados danos materiais e perda de vidas humanas. Actualmente sabe-se que o Vale Inferior do Tejo (VIT) alberga as falhas activas onde se produziram alguns desses sismos, nomeadamente os de 1909 (Teves, 1999) e 1531 (Justo, 1998), com magnitudes variando entre 6,0 a 7,0 na escala de Richter. O período de retorno médio estimado para a falha de Vila Franca
de Xira, para sismos com ruptura média de 0,7 m, é da ordem de 5000 anos, para magnitudes compreendidas entre 6 e 7 (Carvalho et al., 2006). Actualmente, a localização exacta da(s) fonte(s) sismogénica(s) do VIT ainda está em discussão na comunidade académica. A repetição de um evento semelhante teria efeitos devastadores. Para além da elevada densidade populacional, a região está edificada sobre uma bacia sedimentar de dimensão suficiente para produzir a amplificação das ondas sísmicas e, consequentemente, dilatar o efeito dos sismos.
8 Prospecção geofísica aplicada à detecção de falhas activas
A caracterização das fontes sismogénicas implica o reconhecimento das falhas activas que geram sismicidade, e constitui uma tarefa essencial para o estudo do modelo de evolução tectónica regional e avaliação do risco sísmico. Este trabalho de prospecção geofísica é parte integrante do projecto de paleosismicidade ATESTA, que tem como objectivo localizar e caracterizar falhas activas aflorantes do VIT. A área de estudo localiza-se junto à localidade de Vila Franca de Xira, na bacia Cenozóica do Baixo Tejo, 25 km a norte de Lisboa (Fig. 1). Do ponto de vista tectónico, faz parte da zona de falha Ota-Vila Franca de Xira-Lisboa-Sesimbra (Carvalho et al., 2008). Há evidência que a falha de Vila Franca de Xira esteve activa ao longo do Holocénico (Ghose et al., 2013), sendo a mais provável fonte do sismo catastrófico de 1531. A falha aflora em sedimentos Miocénicos, não existindo registo de falhas nos sedimentos holocénicos na zona do VIT. A baixa taxa de deslizamento (estimada em <1 mm/ano) que corresponde a baixo grau de actividade tectónica, e a alta taxa de sedimentação/ erosão (com influência local de terrenos agrícolas remobilizados) são responsáveis pela inexistência de afloramentos geológicos na zona.
A região foi sujeita a vários estudos geofísicos desde a década de 50, para efeitos de exploração de hidrocarbonetos. Os perfis de sísmica de reflexão adquiridos para a prospecção de hidrocarbonetos indiciam grandes deformações geológicas em profundidade, mas a falta de resolução devido aos parâmetros de aquisição não permite verificar se a falha afecta os sedimentos Holocénicos Os ensaios geofísicos a baixa profundidade têm a faculdade de quantificar com precisão variações de parâmetros físicos do solo. Por esse facto têm vindo a ser aceites como apropriados para a detecção de estruturas geológicas (Demanet et al., 2001; Meghraoui et al., 2001; Slater & Niemi, 2003; Yalçiner et al., 2013; Nguyen et al., 2005). Segundo estes autores, a resistividade eléctrica, métodos electromagnéticos, sísmica de reflexão e georadar são os métodos mais apropriados para atingir este fim específico. Tomando como base toda a informação disponível sobre a região, materializada nos registos geofísicos disponíveis, na sismicidade histórica e instrumental e no registo geológico, as equipas do Centro de Geofísica de Évora (CGE) e do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) decidiram utilizar métodos geofísicos de alta reso-
Figura 1 – Enquadramento geológico da bacia Cenozóica do Vale Inferior do Tejo (adaptado de Carvalho et al., 2006). Figure 1 – Geological framework of the Cenozoic Lower Tagus Valley basin (adapted from Carvalho et al., 2006).
associação portuguesa de geólogos
lução, como a sísmica de reflexão, tomografia de resistividade eléctrica e georadar (ground-penetrating radar – GPR) para a identificação de traços de falha sob a cobertura aluvionar, originados através de actividade tectónica recente. 2. Ensaios geofísicos no Vale Inferior do Tejo Tem sido demonstrado por Carvalho et al. (2012), que o método da sísmica de reflexão garante uma interpretação fiável da estrutura geológica. A execução inicial do perfil de sísmica de reflexão e a sua posterior interpretação, forneceu a indicação de quatro potenciais segmentos de falha que se aproximam da superfície. Tendo em conta esta informação foram então aplicadas as técnicas de georadar e tomografia eléc-
J. Casacão, R. J. Oliveira, B. Caldeira, J. F. Borges & J. Carvalho 9
trica ao longo de todo o perfil de sísmica, com especial atenção nos quatro locais especificados. Desta forma, foi possível produzir uma interpretação geológica, a baixa profundidade. 2.1 Georadar (ground-penetrating radar) Esta técnica funciona por emissão de sequências de impulsos electromagnéticos (EM) para o solo, que após reflectidos em cada contraste físico (ex.: solo/litologia), emergem e são registados. O processamento destes registos redunda em figuras (radargramas) passíveis de interpretação geológica. Foram realizados ensaios com antenas de 100, 200 e 400 MHz de forma a garantir resoluções e profundidades diferentes, ao longo dos locais de interesse (A – D) definidos no perfil de sísmica de
Figura 2 – Secção sísmica migrada no tempo (topo) e conversão para profundidades usando uma função de velocidades 1D a partir das velocidades de processamento, com interpretação das principais falhas sobreposta (fundo). Estão definidas quatro zonas de interesse, marcadas de A – D . Figure 2 – Time migrated seismic section (top) and depth conversion using a 1D speed function derived from processing speeds, with interpretation of the main overlay problems (bottom). Four interest zones are defined, labeled A to D.
10 Prospecção geofísica aplicada à detecção de falhas activas
reflexão. Desde logo, foi possível observar que os perfis 2D resultantes do varrimento (array) com a antena de 100 MHz não foram claros, tendo sido descartada a utilização desta antena. Após a obtenção dos dados georadar no campo, foi necessário realizar processamento através de software RADAN e do plugin matGPR para MATLAB, daqui resultando vários radargramas.
o perfil 2D final. De todos os tipos de varrimento (array) disponíveis no equipamento PASI 16G-N foi escolhido o Dipolo-Dipolo, visto ser um bom método para identificar estruturas verticais como cavidades e falhas geológicas, tendo ainda uma boa resolução horizontal. O perfil resultante foi realizado na zona B (Fig. 3), que tem um comprimento de 46,5 m e profundidade máxima de 5,0 m.
2.2 Tomografia de resistividade eléctrica
3. Resultados
Este método consiste na injecção de corrente eléctrica no solo por dois eléctrodos de corrente e na posterior leitura da diferença de potencial entre outros dois eléctrodos. Através da corrente (I) e diferença de potencial (V), é possível calcular a resistividade aparente. Utilizando o software Res2DInv procedeu-se à inversão dos dados, de forma a obter
Após o processamento dos dados de campo de georadar e de tomografia eléctrica são apresentados os resultados sob a forma de perfis 2D. Os radargramas revelam algumas deformações e descontinuidades, que podem relacionar-se com potenciais falhas geológicas, correspondentes a deslocamentos sub-verticais abruptos. Algumas destas
Figura 3 – Radargramas interpretados, obtidos após processamento dos dados de campo. a) Antena 200 MHz (modo distância); b) Antena 100 MHz (modo distância); c) Antena 200 MHz (modo ponto – wiggle); d) Antena 200 Mhz (modo ponto – wiggle). Fp – Falha provável. Figure 3 – Interpreted radargrams, obtained after the field data processing. a) Antenna 200 MHz (distance mode); b) 100 MHz antenna (distance mode); c) 200 MHz antenna (point mode - wiggle); d) Antenna 200 Mhz (point mode - wiggle). Fp – Probable fault.
Figura 4 – Secção interpretada de tomografia de resistividade eléctrica, usando o array Dipolo-Dipolo. Fp – Falha provável. Figure 4 – Electrical resistivity tomography section interpreted using the dipole-dipole array. Fp – Probable fault.
associação portuguesa de geólogos
deformações têm expressão mais profunda (como sugere a sísmica de reflexão) e terminam junto à superfície. No perfil de tomografia eléctrica surgiram valores de resistividade baixa (<10 Ω m), típicos de solos areno-argilosos. Embora o perfil apresente diferenças de valores de resistividade, não parece haver disparidades significativas que indiquem com clareza deformações sub-verticais, semelhantes às que foram observadas nos radargramas de GPR. Apesar disto, as poucas variações existentes têm correspondência com deslocamentos verticais observados no perfil de sísmica de reflexão de ondas P. Em geral, ficou demonstrado o bom resultado das campanhas de sísmica de reflexão de ondas P, que constituíram a base de trabalho, e que serviram para orientar os restantes métodos geofísicos de forma a investigar detalhadamente as áreas de interesse seleccionadas. Concluiu-se que o georadar ofereceu melhores resultados para este caso específico de detecção de segmentos de falhas activas. É, ao mesmo tempo, o que apresenta melhor resolução, e onde é possível observar a horizontalidade dos reflectores a baixa profundidade, que correspondem às estratificações típicas de deposição sedimentar em regime de baixa energia. Esta disposição horizontal permite, também, denotar com maior clareza as interrupções verticais entre os reflectores, deslocamentos aqui interpretados como falhas geológicas. Numa fase posterior, serão abertas trincheiras ao longo destes perfis geofísicos. Este processo terá como objectivo confirmar a existência das falhas e caracterizá-las, medindo o rejeito co-sísmico, recolhendo amostras para determinar as suas datações absolutas e comparando os dados geofísicos com o registo dos logs das paredes das trincheiras. Confirmando-se a existência de falhas nestes sectores, a sua caracterização detalhada irá contribuir significativamente para o estudo da avaliação da perigosidade e, posteriormente do risco sísmico na região do VIT. Agradecimentos Os autores agradecem à Fundação para a Ciência e Tecnologia, por financiar o projecto ATESTA (PTDC/CTE-GIX/099540/2008). Agradecemos também ao colaborador do Centro de Geofísica de Évora, Samuel Neves o seu contributo, em especial no decurso do trabalho de campo realizado, ao proprietário dos terrenos onde se efectuaram os trabalhos de campo, João Lopes, e à equipa de campo de sísmica, Daniela Alves, Jaime Leote e Fernando Caneiras.
J. Casacão, R. J. Oliveira, B. Caldeira, J. F. Borges & J. Carvalho 11
Bibliografia Carvalho, J., Cabral, J., Gonçalves, R., Torres, L. & Mendes-Victor, L., 2006. Geophysical Methods Applied to Fault Characterization and Earthquake Potential Assessment in the Lower Tagus Valley, Portugal. Tectonophysics, 418: 277-297. Carvalho, J., Taha, R., Cabral, J., Carrilho, F. & Miranda, M., 2008. Geophysical characterization of the Ota-Vila Franca de Xira-Lisbon-Sesimbra fault zone, Portugal. Geophysical Journal International, 174: 567-584. Carvalho, J., Ghose, R., Loureiro, A. V., Pinto, C. C. & Borges, J. F., 2012. Is the Vila Franca de Xira fault still active? A shallow seismic reflection shear-wave study in an intraplate environment. 74th EAGE Conference & Exhibition incorporing SPE EUROPEC 2012, Copenhagen. Demanet, D., Renardy, F., Vanneste, K., Jongmans, D., Camelbeeck, T. & Megrahoui, M., 2001. The use of geophysical prospecting for imaging active faults In the Roer Graben, Belgium. Geophysics, 66(1): 78–89. Ghose, R., Carvalho, J. & Loureiro, A., 2013. Signature of fault deformation in near-surface soil visible in shear seismics reflections. Geophysical Research Letters, 40: 1074-1078. Justo, J.L., Salwa, C., 1998. The 1531 Lisbon earthquake. Bulletin Seismological Society of America, 88: 319-328. Meghraoui, M., Camelbeeck, T., Vanneste, K., Brondeel, M. & Jongmans, D., 2001. Active faulting and paleoseismology along the Bree fault, lower Rhine graben, Belgium. Journal of Geophysical Research, 105(B6): 13,809–13,841. Nguyen, F., Garambois, S., Jongmans, D., Pirard, E. & Loke, M. H., 2005. Image processing of 2D resistivity data for imaging faults. Journal of Applied Geophysics, 57: 260-277. Slater, L. & Niemi, T. M., 2003. Ground-penetrating radar investigations of active faults along the Dead Sea Transform and implications for seismic hazards within the city of Aqaba, Jordan. Tectonophysics, 368: 33-50. Teves, P., Rio, I., Marreiros, C., Ribeiro, R., Borges, J. F., 1999. Source Parameters of old earthquakes: semiautomatic digitalization of analog records and seismic moment assessment. Natural Hazards, 19, 205-220. Yalçiner, C. Ç., Altunel, E., Bano, M., Meghraoui, M., Karabacak, V. & Akyuz, H. S., 2013. Application of GPR to normal faults in the Büyük Menderes Graben, western Turkey. Journal of Geodynamics, 65: 218-227. Este artigo encontra-se redigido segundo o antigo Acordo Ortográfico.
geonovas n.º 27: 13 a 20, 2014 13
associação portuguesa de geólogos
Comparação de fontes sísmicas através de ensaios de refração sísmica e multichannel analysis of surface waves (MASW) S. Neves*, J. Borges & B. Caldeira Centro de Geofísica de Évora e Departamento de Física da Universidade de Évora, Rua Romão Ramalho, 59, 7000, Évora; *sneves@uevora.pt; autor correspondente.
Resumo São comparados os resultados obtidos através dos ensaios de refração sísmica e MASW (Multichannel analysis of surface waves) para duas fontes sísmicas diferentes, por forma avaliar a profundidade máxima de investigação através do ensaio MASW. De modo a determinar o modelo de velocidades das ondas S foi necessário obter um modelo inicial das ondas P, o qual foi obtido a partir do método de refracção sísmica. As fontes sísmicas utilizadas consistiram no tradicional martelo e na fonte sísmica AWD (Accelerated weight drop). Para ambas as fontes sísmicas foram testados alguns parâmetros de aquisição e registo, tais como, a utilização de stacking e de ganho automático. Verificou-se que a utilização da fonte sísmica AWD permite atingir maior profundidade de investigação do que com o martelo. Palavras-chave: Ensaios sísmicos; Refração; MASW; Geofísica. Abstract The results obtained from the seismic refraction and Multichannel analysis of surface waves (MASW) surveys are compared for two seismic sources in order to assess the depth to which these surveys can be achieved. The seismic sources used were the sledge hammer and AWD (Accelerated weight drop). For both seismic sources we have changed some acquisition parameters, such as the use of stacking and automatic gain. It was possible to verify that the AWD seismic source achieved more depth than the sledge hammer. Keywords: Seismic Surveys; Refraction; MASW; Geophysics.
Introdução Os ensaios sísmicos de subsuperfície de rápida execução, como a refração sísmica permitem inferir, com custos mais reduzidos, a variabilidade litológica local, envolvendo a caracterização de um maior volume de solo. No entanto, estes ensaios recorrem normalmente à aquisição de ondas P. A utilização de métodos sísmicos de subsuperfície, que recorrem à aquisição e processamento de ondas superficiais, como meio para obter a velocidade das ondas S (Vs), tem vindo a aumentar desde a década de 80 do passado século, após a introdução do ensaio SASW (Spectral analysis of surface waves) desenvolvido por Nazarin & Stokoe (1984). No decorrer da investigação do SASW, surgiu pos-
teriormente o método MASW (Multichannel analysis of surface waves) desenvolvido por Park et al. (1999) e Xia et al. (1999), que ao contrário do SASW, utiliza várias estações sismográficas/geofones em array. Ambos os métodos recorrem a duas ou mais estações sismográficas/geofones, e são expeditos, permitindo obter resultados em que a relação custo-benefício é bastante apelativa, daí que têm vindo a ser utilizados em variadas aplicações, tais como, na caracterização geotécnica ou na avaliação da perigosidade/risco sísmico. Com este novo método é possível ultrapassar grande parte das desvantagens da refração sísmica, quer de ondas P quer de ondas S, utilizando praticamente o mesmo equipamento.
14 Comparação de fontes sísmicas através de ensaios de refração sísmica e multichannel analysis of surface waves (MASW)
Refração sísmica O método de refração sísmica baseia-se na geração de ondas sísmicas P que se propagam no terreno e se refratam nas interfaces dos meios com velocidades de propagação crescentes em profundidade, marcadas por características elásticas suficientemente distintas. Ao introduzir um impulso no solo são obtidos os tempos de percurso das ondas sísmicas através dos geofones, que se encontram dispostos ao longo
do terreno em array (em linha e espaçamento constante). Ao ajustar os tempos de percurso a segmentos de reta, utilizando por exemplo o método dos mínimos quadrados, são determinados os declives da reta, sendo que o inverso do declive é a velocidade de propagação da onda sísmica. Cada segmento de reta com declive diferente, representa diferentes camadas com diferente velocidade de propagação de onda (Fig. 1). A utilização de vários impulsos ao longo do array permite criar um modelo de velocidades 1.5D (Redpath, 1973).
Figura 1 – Determinação das camadas de solo e respetivas velocidades de propagação. Figure 1 – Determination of soil layers and seismic waves’ velocities.
associação portuguesa de geólogos
MASW – Método das ondas superficiais O método MASW baseia-se no estudo do fenómeno da dispersão das ondas superficiais em meio verticalmente heterogéneo, isto é, diferentes frequências propagam-se com velocidades diferentes, designadas por velocidade de fase (Fig. 2). Estes parâmetros são utilizados como base para construir uma curva, que relaciona a velocidade de fase com a frequência, designada por curva de dispersão. O objetivo principal do método é determinar a distribuição em profundidade da velocidade de propagação das ondas S. As ondas superficiais adquiridas são normalmente as ondas de Rayleigh (ondas presentes unicamente na componente
S. Neves, J. Borges & B. Caldeira 15
vertical do registo sísmico), que correspondem a cerca de dois terços da energia produzida por uma fonte pontual (Richart et al., 1970). São conhecidas diversas metodologias, em que se faz variar, por exemplo, o número, o tipo de geofones utilizados, a geometria do array e o processo para obter a curva de dispersão e/ou o algoritmo de inversão (Nazarian & Stokoe, 1984; Stokoe et al., 1988; Park et al., 1998-b, 1999; Xia et al., 1999, 2000). Após o processamento, são criados os modelos de velocidades das ondas S 1D. Segundo Xia et al. (2000) é possível determinar, através de uma determinada geometria em array, o modelo de velocidades das ondas S 1.5D tendo em conta vários modelos de velocidades 1D.
Figura 2 – Propagação das ondas sísmicas. Figure 2 – Propagation of seismic waves.
16 Comparação de fontes sísmicas através de ensaios de refração sísmica e multichannel analysis of surface waves (MASW)
Descrição geral dos ensaios Os ensaios foram realizados no campus da Mitra, espaço que integra a Universidade de Évora, com as seguintes coordenadas: N38o 31.922, W8z 00.723 (Fig. 3). A figura 4 apresenta a geologia da região onde se insere o local de realização dos ensaios. Os litótipos representados cartograficamente no referido espaço, correspondem a rochas ígneas, nomeadamente granitos e granodioritos do Carbónico (Pereira et al., 2013).
Figura 3 – Localização dos ensaios. Figure 3 – Seismic survey’s location.
O equipamento utilizado foi um sismógrafo (P.A.S.I. 16SG24), 24 geofones verticais (frequência própria de 4,5 Hz, para MASW, e 10 Hz, para a refração sísmica), martelo de 9,0 Kg e fonte sísmica AWD (Fig. 5). Os perfis de MASW e a refração sísmica têm origem no Ponto P. O espaçamento entre geofones é de 0,50 m, e no caso do MASW, o trigger foi colocado a 2,00 m do primeiro geofone (distância que permite o desenvolvimento de ondas superficiais logo a partir do primeiro geofone). Os parâmetros de registo utilizados na refração sísmica
Figura 5 – Martelo e fonte baseada na queda de um corpo acelerado por elásticos AWD “Accelerated weight drop”. Figure 5 – Sledge hammer and Accelerated weight drop seismic source.
Figura 4 – Mapa geológico com a representação do local dos ensaios no campus da Mitra (Pereira et al., 2013). Figure 4 – Geological map of survey field inside the Mitra campus (Pereira et al., 2013).
associação portuguesa de geólogos
S. Neves, J. Borges & B. Caldeira 17
foram intervalo de amostragem de 0,125 ms e janela temporal de registo de 250 ms. Para o MASW, o intervalo de amostragem adotado foi de 0,250 ms e a janela temporal de registo de 1024 ms (Park et al., 2002). O ganho (definido automaticamente a partir de testes com a fonte) e o stacking (soma de registos redundantes para aumentar a razão sinal ruído) foram definidos de acordo com a tabela 1, sendo adotado stacking com 3 impulsos. O plano de trabalhos para ambos os ensaios é apresentado na tabela 1, onde o símbolo E1 representa o número do ensaio, neste caso o primeiro. Resultados O software utilizado para processar os dados da refração sísmica foi o WinSism V.14, e o Surfseis V2.05 para o MASW. Após o processamento dos dados da
refração, foram determinadas as velocidades de propagação das ondas P para a maioria dos ensaios, exceto o ensaio E7, devido a problemas técnicos nos ficheiros de aquisição. Verificou-se que o local em estudo apresenta duas camadas de solo com características geológicas distintas (velocidades Vp distintas) e que a interface se situa aproximadamente a 1,00 m abaixo da superfície do solo. As figuras 6 e 7 apresentam velocidades de propagação das ondas P nas camadas 1 e 2, respetivamente, para os diversos ensaios realizados, e tendo em consideração a posição onde foram realizados os tiros. Comparando as velocidades apresentadas nas figuras 6 e 7 com os valores médios e os respetivos desvios padrões (Tabela 2), verificou-se que o ensaio (E6) é o mais próximo do valor médio. A tabela 2 apresenta a velocidade média e o desvio padrão das velocidades das ondas sísmicas P dos vários ensaios. Assim, o en-
Tabela 1 – Resumo da tipologia dos ensaios realizados. Table 1 – Summary of the testing type. Martelo
E1
E2
E3
E4
x
x
x
x
AWD Sem stacking
x
x
Com stacking Sem ganho
x x
E6
E7
E8
x
x
x
x
x x x
x
x x
x
Com ganho
E5
x
x
x
x
x
Figura 6 – Velocidades das ondas P na camada 1. Figura 7 – Velocidades das ondas P na camada 2. Figure 6 – Velocity of seismic P waves, layer 1. Figure 7 – Velocity of seismic P waves, layer 2. Tabela 2 – Análise estatística das velocidades das ondas sísmicas P. Table 2 – Statistical analysis of seismic P waves’ velocities. Tiro 2 Vp, camada1 (m/s) Vp, camada2 (m/s)
Média 436,4 783,7
Tiro 3 D. Padrão 28,0 60,0
Média 441,9 697,1
Tiro 4 D. Padrão 78,1 105,3
Média 355,0 772,7
D. Padrão 105,2 35,2
18 Comparação de fontes sísmicas através de ensaios de refração sísmica e multichannel analysis of surface waves (MASW)
saio (E6) foi adotado como modelo inicial de velocidades para o processamento do MASW (Fig. 8). Para realizar a inversão do perfil de velocidades S (VS) foi necessário adotar o modelo inicial de velocidades da refração sísmica (modelo a priori), onde se definiu 2 camadas em que a primeira tem espessura de 1 metro e a segunda camada corresponde ao meio semi-infinito. Neste processo foi necessário estimar inicialmente a velocidade das ondas S (VS,inicial) através da seguinte condição:
Vs, inicial ≈ Vp, Re fração . (1 − 2 µ ) /(2(1 − µ ))
para além de ter em consideração a proposta de Xia et al. (1999). Neste modelo, o coeficiente de poisson adotado foi µ=0,3 (Shearer, 2009). Após a inversão dos modelos iniciais de velocidades, foram determinados e modeladas as velocidades de propagação das ondas S 1D. Obtidos todos os modelos de ondas S 1D, foram determinados os perfis 1.5D das ondas S segundo os procedimentos e cálculos de Xia et al. (2000). As figuras 9 e 10 apresentam os resultados do MASW em posição idêntica às dos tiros da refração sísmica. Tendo-se verificado que não ocorreram significativas variações de velocidades nas ondas S em todos os en-
Figura 9 – Velocidades das ondas S na camada 1. Figure 9 – Velocity of seismic S waves, layer 1.
Figura 8 – Perfil de velocidades de propagação das ondas P, relativo ao ensaio E6 (m/s). Figure 8 – Velocity model of P waves, concerning the E6 survey (m/sec).
Figura 10 – Velocidades das ondas S na camada 2. Figure 10 – Velocity of seismic S waves, layer 2.
Tabela 3 – Análise estatística das velocidades das ondas sísmicas S. Table 3 – Statistical analysis of seismic S waves’ velocities. Tiro 2 Vs, camada1 (m/s) Vs, camada2 (m/s)
Média 100,0 600,0
Tiro 3 D. Padrão 0 0
Média 100,0 584,3
Tiro 4 D. Padrão 0 41,6
Média 92,9 585,7
D. Padrão 18,9 76,8
associação portuguesa de geólogos
saios, constatou-se que as fontes sísmicas não apresentaram diferenças expressivas na determinação das velocidades das ondas S. A tabela 3 apresenta a média e o desvio padrão da velocidade das ondas sísmicas S para cada tiro e camada de solo. A figura 11 mostra o modelo de velocidades das ondas S relativo ao ensaio E6. Note que, não existe variabilidade lateral de velocidade das ondas S e que a oscilação
S. Neves, J. Borges & B. Caldeira 19
de velocidade apresentada na interface das camadas deve-se ao algoritmo de interpolação (Krigging). No processamento dos dados dos ensaios MASW verificou-se que a fonte sísmica AWD obteve uma frequência mínima, aproximadamente de 17 Hz (Fig. 12), enquanto que para o tradicional martelo alcançou-se uma frequência mínima, aproximadamente de 19 Hz (Fig. 13). A partir dos
Figura 11 – Modelo de velocidades de propagação das ondas S, relativo ao ensaio E6 (m/s). Figure 11 – Velocity model of S waves, concerning the E6 survey (m/sec).
Figura 12 – Curva de dispersão do E1, tiro 1. Figure 12 – Dispersion curve of the E1 survey, shot 1.
Figura 13 – Curva de dispersão do E5, tiro 1. Figure 13 – Dispersion curve of the E5 survey, shot 1.
20 Comparação de fontes sísmicas através de ensaios de refração sísmica e multichannel analysis of surface waves (MASW)
resultados apresentados, concluiu-se que a fonte sísmica AWD é a mais indicada para realizar o ensaio MASW, dado que atinge maiores profundidades de investigação.
CTE-GIX/099540/2008). Agradecem ainda aos colaboradores Rui Oliveira, João Casacão e ao Óscar Lopez pela cooperação na aquisição dos dados no campo.
Conclusão
Bibliografia
Os ensaios da refração sísmica e MASW tiveram como objetivo comparar os resultados obtidos através da fonte sísmica AWD e o martelo, de forma a avaliar a profundidade máxima atingida pelo ensaio MASW. Para tal utilizou-se, um modelo a priori no processo de inversão, obtido através do método da refração sísmica das ondas P. Em relação aos ensaios de refração sísmica, verificou-se que não ocorreu divergência significativa nas velocidades de propagação das ondas P. No entanto, nos ensaios E5, E6 e E8, as velocidades de propagação das ondas P aumentaram ligeiramente na camada 1 para os tiros 3 e 4. Relativamente ao MASW, constatou-se que não ocorreram elevadas variações de velocidades das ondas S em todos os ensaios, sendo possível concluir que o martelo e a fonte AWD não divergem muito no processo de determinação da velocidade. Contudo, a fonte sísmica AWD permitiu obter frequências mais baixas do que o martelo e através deste indicador aferiu-se que a fonte sísmica AWD atinge maiores profundidades de prospeção que o martelo. Em suma, os resultados obtidos são bastante encorajadores para que o método MASW em conjunto com a fonte AWD seja aplicado a prospeções sub-superficiais profundas, avaliando assim, mais em profundidade, o comportamento do solo a ações dinâmicas. Para avaliar o desempenho do MASW com a fonte sísmica AWD é necessário realizar outros ensaios, porém em litologias distintas, caracterizadas por idades diferentes.
Carvalhosa, A., Galopim de Carvalho, A. M., Matos Alves, C. A. & Pina, H. L., 1969. Carta Geológica de Portugal, Notícia Explicativa da Folha 40-A (Évora) na escala 1:50 000. Serviços Geológicos de Portugal, 26. Nazarian, S. & Stokoe, K. H. II, 1984. In situ shear wave velocity from spectral analysis of surface waves. Proc. 8th Conf. on Earthquake Engineering, S. Francisco, Prentice Hall, 3: 31-38. Park, C. B., Xia, J. & Miura, H., 2002. Optimum field parameters of an MASW survey. Expanded abstracts, SEG-J, Tokyo, 6. Park, C. B., Miller, R. D. & Xia, J., 1999. Multichannel analysis of surfaces waves. Geophysics, 64(3): 800808. Park, C. B., Xia, J. & Miller, R. D., 1998b. Imaging dispersion curves of surfaces waves on multichannel record. 68th Ann. Internat. Mtg., Soc. Expl. Geophys. Expanded Abstracts, 1377-1380. Pereira, M. F., Chichorro M., Moita, P., Silva, J. B. & Santos, J. F., 2013. Maciço de Évora. Geologia de Portugal, Escolar Editora, 551-575. Redpath, B. B., 1973. Seismic Refraction Exploration for Engineering site investigations. Explosive Excavation Research Laboratory Livermore, California, 51. Richart, F. E., Hall, J. R. & Woods, R. D., 1970. Vibration of soils and foundations. Prentice-Hall, 414. Shearer, P. M., 2009. Introduction to Seismology, 2nd Edition, Cambridge University Press, 30-33. Stokoe, K. H. II, Nazarian, S., Rix, G. J., Sanchez-Salinero, I., Sheu, J-C. & Mok, Y-J., 1988. In situ seismic testing of hard-to-sample soils by surface wave method. Earthquake Eng. & Soil Dynamics II, Recent Advances in ground-motion evaluation, ASCE, Park City, 264-278. Xia, J., Miller, R. D., Park, C. B. & Ivanov, J., 2000. Construction of 2d vertical shear-wave velocity field by the multichannel analysis of surface wave technique. Proc. of the Symposium on the application of geophysics to engineering and environmental problems. Arlington, Va., 1197-1206. Xia, J., Park, C. B. & Miller, R. D., 1999. Estimation of near-surface shear-wave velocity by inversion of Rayleigh waves. Geophysics, 64(3): 691-700.
Agradecimentos Os autores agradecem à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) o financiamento concedido através do projeto “NEFITAG – Movimentos Sísmicos intensos e efeitos locais na Região do vale Inferior do Tejo” - “PTDC/CTE-GIX/102245/2008” e do projeto ATESTA (Active Tectonics and Earthquake Scenarios for the Lower Tagus Valley – PTDC/
geonovas n.º 27: 21 a 25, 2014 21
associação portuguesa de geólogos
Petrografia das rochas metassedimentares e metaígneas na envolvente e nos roof pendants do Complexo Plutónico de Santa Eulália C. Cruz*, M. A. Ribeiro, H. C. B. Martins & H. Sant’Ovaia Universidade do Porto, DGAOT, CGUP, R. Campo Alegre, 4169-007 Porto, Portugal; claudiacfcruz@gmail.com; maribeir@fc.up.pt; hbrites@fc.up.pt; hsantov@fc.up.pt; *autora correspondente.
Resumo O Complexo Plutónico de Santa Eulália (CPSE) é um corpo granítico tardi-varisco situado na parte norte da Zona Ossa Morena do Maciço Ibérico, discordante da estruturação NW-SE. As rochas do encaixante/roof pendants do CPSE englobam unidades metaígneas e metassedimentares datadas, desde o Proterozoico Superior até ao Paleozoico. O efeito térmico por contacto induzido pelo CPSE é evidente apenas nos roof pendants. Nos litótipos que envolvem a intrusão granítica ocorre metamorfismo de baixo grau, com preservação de características mineralógicas, texturais e estruturais dos respetivos protólitos sedimentares, metassedimentares ou ígneos. Excetua-se uma faixa, a N e NE do CPSE, com paragéneses e texturas de metamorfismo térmico, que não estarão relacionadas com a intrusão do CPSE, mas sim com magmatismo prévio e com anisotropias estruturais. A ocorrência de efeitos térmicos, somente a teto do maciço, poderá ser consequência da conjugação de diversos factos interrelacionados: maior volume de massa granítica; efeito térmico por advecção de fluidos; maior período de tempo de prevalência de condições térmicas elevadas. Palavras-chave: Petrografia; Rochas metassedimentares; Rochas metaígneas; Metamorfismo térmico de contacto. Abstract The Santa Eulália Plutonic Complex (SEPC) is a late-variscan granitic body located in the northern part of Ossa Morena Zone of the Iberian Massif and cross-cuts the NW-SE structures. The host rocks/roof pendants of SEPC are composed of meta-igneous and metasedimentary units, from Upper Proterozoic to Paleozoic ages. The thermal effect induced by the SEPC is restricted to the roof pendants. In the SPEC host rocks, a low grade metamorphism with preservation of mineralogical, textural and structural features of the sedimentary, metasedimentary and igneous protoliths, is shown. In the lithologies of N and NE of SPEC there are thermal metamorphism textures and paragenesis, which are not related to the intrusion of the SEPC but to previous magmatism and structural anisotropies. The occurrence of thermal effects restricted to the pluton roof may be caused by a combination of several interrelated factors: higher volume of granitic mass, thermal effect by advection of fluids, longer period of prevalence of elevated thermal conditions. Keywords: Petrography; Metasedimentary rocks; Meta-igneous rocks; Contact metamorphism.
Introdução A área envolvente do Complexo Plutónico de Santa Eulália (CPSE) é bastante complexa e diversificada do ponto de vista litoestratigráfico e estrutural. Na figura 1 estão representadas as unidades litológicas e litoestratigráficas, assim como os acidentes principais, nomeadamente a Falha de Assumar e o Cavalgamento de Alter do Chão, ambas de orientação NW-SE. A SE do CPSE estes acidentes são deslocados pelo mo-
vimento esquerdo da Falha da Messejana, cuja orientação é NE-SW. Segundo Oliveira et al. (1991), os principais setores litoestratigráficos da Zona de Ossa Morena (ZOM), correspondem à Faixa Blastomilonítica, ao setor de Alter do Chão-Elvas, ao setor de Estremoz-Barrancos, ao setor de Montemor-Ficalho e ao setor do Maciço de Beja. No estudo apresentado serão considerados: a Faixa Blastomilonítica, equivalente ao que em Pereira et al.(2013), foi designada como Zona de Cisalhamento Coimbra-
22 Petrografia das rochas metassedimentares e metaígneas na envolvente e nos roof pendants do Complexo Plutónico de Santa Eulália
-Córdova (ZCCC) e o seu bordo meridional, o setor de Alter do Chão-Elvas e ainda, embora com menos detalhe, o setor Estremoz-Barrancos (Araújo et al., 2013). O CPSE é um plutão granítico calco-alcalino de duas micas tardi-varisco. Ocupa uma área de cerca de 400 km2 e é constituído por duas fácies distintas: a fácies G0, mais externa, de coloração rósea e textura granular média a grosseira; e uma fácies central, designada por G1, de cor cinzenta e textura de granularidade média (Sant’Ovaia et al., 2012). As duas fácies são praticamente contemporâneas de idade Rb/Sr de 290 Ma (Pinto, 1984). O CPSE corta a estrutura regional envolvente, sendo o seu carácter discordante mais evidente no bordo norte e no bordo sul. Este estudo baseou-se em 18 locais de amostragem (Fig. 1), onde foram recolhidos litótipos que se distribuem pelas litologias das unidades litológicas e litoestratigráficas envolventes e roof pendants. A
partir destas amostras foram efetuadas 23 lâminas delgadas para análise petrográfica detalhada. Importa referir que os roof pendants consistem de fragmentos litológicos de materiais encaixantes, localizados a teto do maciço granítico, que conservam a estrutura regional das rochas envolventes. No CPSE, os roof pendants ocorrem com alguma expressão cartográfica, sobretudo no setor oeste do maciço granítico, a SW do cavalgamento de Alter do Chão (Fig. 1). Unidades metassedimentares e metaígneas No setor a NE do Cavalgamento de Alter do Chão, mais precisamente na Zona de Cisalhamento Coimbra-Córdova (segmento do NE Alentejano e bordo meridional da ZCCC), afloram unidades litoestratigráficas de baixo a alto grau metamórfico. As amostras estudadas nas unidades litoestratigráficas de baixo grau metamórfico, nomeadamen-
Figura 1 – Esboço do mapa geológico da região onde afloram o CPSE e as unidades litológicas e litoestratigráficas que contêm as rochas encaixantes analisadas e se localizam as estações de amostragem (elaborado com base em: Carta Geológica de Portugal à escala 1:500 000; Araújo et al., 2013 e Pereira et al., 2013). Figure 1 – Geological map of the SECP and host rocks with location of the sampling stations (created based on: Geological map of Portugal scale 1:500 000; Araújo et al., 2013 and Pereira et al., 2013).
associação portuguesa de geólogos
te na Série Negra (amostra SE 6a) e na Formação Carbonatada (amostras SE 6b, SE 6c e ASM JD1), são compostas, respetivamente, por rochas metassedimentares siliciclásticas, calcários dolomíticos e mármores. Adjacente às litologias de baixo grau metamórfico já citadas, na faixa a NE do CPSE, afloram rochas de alto grau metamórfico, fortemente tectonizadas. Na faixa de alto grau foram estudadas amostras de litologias pelíticas (amostra ASM 110) e anfibolitos (amostra ASM 111) da Série Negra, assim como rochas peralcalinas (amostras SE 13a e SE 13b). A SW do Cavalgamento de Alter do Chão estão representados cartograficamente dois setores, designados de Alter do Chão-Elvas e de Estremoz-Barrancos. No setor de Alter do Chão-Elvas, ocorre uma sequência metassedimentar do Câmbrico com intercalações de rochas meta-vulcânicas ácidas e básicas, que inclui rochas metassedimentares conglomeráticas, quartzo-pelíticas e carbonatadas. A sucessão câmbrica inicia-se por conglomerados e arcoses, ao que se sobrepõe, uma espessa sequência carbonatada (Formação Carbonatada) e uma unidade quartzo-pelítica mais a topo, designada de Formação de Vila Boim (Oliveira et al., 1991), No bordo SW do setor Alter do Chão-Elvas, sobre a Formação de Vila Boim, aflora o Complexo Vulcano-sedimentar de Terrugem e sobre este a Formação de Fatuquedo. O Complexo Vulcano-sedimentar de Terrugem é constituído por xistos e arenitos com intercalações de vulcanitos félsicos, basaltos e rochas peralcalinas. Já a Formação de Fatuquedo é composta por alternâncias de xistos cinzentos, psamitos e grauvaques. No Setor Estremoz-Barrancos faremos referência apenas à Formação de Barrancos, aflorante no limite NE deste setor, no contacto com o Setor de Alter do Chão-Elvas. Esta formação é constituída por xistos intercalados com psamitos a topo (Araújo et al., 2013). A Formação Carbonatada e a Formação de Vila Boim estão bem representadas nos roof pendants, onde todas as amostras estudadas apresentam características próprias de metamorfismo térmico, independentemente do seu tipo litológico. Nos roof pendants foram estudados ao microscópico petrográfico anfibolitos que integram a unidade Série Negra (amostra ASM 125), mármores da Formação Carbonatada (SE 4 e ASM 124) e vulcanitos básicos (SE 2), anfibolitos (ASM 26) e corneanas pelíticas da sucessão que constitui a da Formação de Vila Boim (amostras ASM 116 e ASM J58). Das litologias que envolvem a parte S e SW do CPSE, foram estudadas amostras da Formação Carbonatada, como anfibolitos (SE 9a), már-
C. Cruz, M. A. Ribeiro, H. C. B. Martins & H. Sant’Ovaia 23
mores (SE 9b) e vulcanitos ácidos (SE 9c), assim como rochas detríticas da Formação de Vila Boim (vaque quártzico - ASM 123). Relativamente ao Complexo Vulcano-sedimentar de Terrugem foram estudadas rochas meta-básicas (basaltos anfibolitizados – Af 3.0) e quartzo-filitos (ASM 27) e da Formação de Fatuquedo uma amostra de rocha metaígnea (ASM 120). No setor Estremoz-Barrancos, foi estudado um filito (Af 6.0) pertencente à Formação de Barrancos. Efeitos metamórficos do CPSE Na área envolvente do CPSE, localizada a SW do cavalgamento de Alter do Chão-Elvas, os litótipos dos metassedimentos encaixantes não apresentam efeitos térmicos de contacto, mesmo a curta distância da intrusão granítica. Pelo contrário, nas amostras dos roof pendants, só representados a SW do referido cavalgamento, o efeito térmico a topo do maciço é marcado por paragéneses e texturas metamórficas/metassomáticas, quer em rochas pelíticas quer em litótipos carbonatados. Nas primeiras rochas, o efeito da temperatura manifesta-se por uma paragénese com silimanite-fibrolítica e poligonização do quartzo, da calcite e da plagioclase, assim como pela presença de aspetos de fusão parcial pontual (pool de quartzo, envolvendo plagioclase de textura metamórfica; Fig. 2). Nas rochas carbonatadas, o efeito térmico é observado pelo aparecimento de uma paragénese caracterizada por
Figura 2 – Pool de quartzo a envolver a plagioclase de textura metamórfica indiciando fusão parcial (amostra ASM 116). Figure 2 – Quartz pool involving the plagioclase with metamorphic texture, indicating partial melting (sample ASM 116).
24 Petrografia das rochas metassedimentares e metaígneas na envolvente e nos roof pendants do Complexo Plutónico de Santa Eulália
vesuvianite, tremolite e epídoto, para além de intensa poligonização da calcite (Fig. 3). No setor localizado a NE do Cavalgamento de Alter do Chão-Elvas observaram-se litologias com efeitos de blastese pós-deformação, mas não relacionadas exclusivamente com a intrusão do plutão de Santa Eulália. Assim, admite-se que os efeitos térmicos reconhecidos nas amostras ASM 110 e ASM 111, evidenciados pela presença de quartzo com lamelas de deformação, ribbons de quartzo e alguma poligonização (Fig. 4), poderão estar relacionados com a proximidade ao granito de duas micas, intrusivo na Série Negra a norte do CPSE e que constitui o alinhamento Barquete-Bedanais-Aguilhão, ou a uma eventual circulação de fluidos hidrotermais ao longo da falha de Assumar.
Tanto a este como a oeste do CPSE, ocorrem unidades litoestratigráficas com filitos e quartzo-filitos, pertencentes à zona da clorite, da fácies metamórfica dos xistos verdes, porém sem evidência de recristalização mineral por efeitos térmicos de contacto, mesmo quando localizadas a poucos metros da intrusão granítica. Na amostra ASM 27 (quartzo-filito da Formação de Terrugem) foram observados microfilonetes (2 mm de espessura) com afinidade granítica, compostos por quartzo, biotite, clorite e apatite, concordantes com a estratificação/foliação, porém sem evidências de efeitos térmicos nos seus bordos (Fig. 5). No sector ESE do CPSE, os filitos da Série Negra (amostra SE 6a) apresentam matriz quartzo-moscovítica de granularidade fina, com blastese incipiente
Figura 3 – Poligonização evidenciada pelo ponto triplo entre cristais de calcite (amostra SE 4). Figure 3 – Polygonization displayed by the triple point between calcite crystals (sample SE 4).
Figura 4 – Quartzo com lamelas de deformação associado a quartzo poligonal (amostra ASM 110). Figure 4 – Quartz with deformation lamellae associated to polygonal quartz (sample ASM 110).
Figura 5 – Filonete de afinidade granítica paralelo à foliação (amostra ASM 27). Figure 5 – Like-granite vein parallel to the foliation (sample ASM 27).
Figura 6 – Mármore impuro sem efeitos térmicos/ metassomáticos com presença de moscovite detrítica (amostra ASM JD1). Figure 6 – Marble without thermal/metasomatic effects with detritical muscovite (sample ASM JD1).
associação portuguesa de geólogos
de biotite transversa ou mimética sobre a foliação. Quanto aos litótipos de calcários dolomíticos e mármores da Formação Carbonatada (amostras SE 6b, SE 6c e ASM JD1) que afloram junto ao contacto ESE do CPSE, também não mostram qualquer efeito térmico pós-tectónico, dado que apresentam granularidade fina, com vestígios de moscovite detrítica e sem evidências de poligonização dos carbonatos (Fig. 6). Os resultados obtidos dos estudos petrográficos efetuados, demonstram que os efeitos térmicos da intrusão do CPSE, apenas estão evidenciados nos roof pendants. Este efeito termometamórfico ocorreu apenas a teto do maciço, onde os materiais encaixantes foram sujeitos a temperaturas elevadas durante mais tempo, comparativamente com as rochas junto dos bordos externos do CPSE que contactam com as diversas litologias envolventes. Por outro lado, outra justificação para o mesmo efeito corresponde à razão de volume entre rocha granítica e litótipos encaixantes ser muito alta nos roof pendants. Contudo, a predominância da advecção de fluidos hidrotermais a teto do CPSE poderia ter sido outro dos fatores potenciadores dos efeitos térmicos nos roof pendants. O baixo grau metamórfico prévio das rochas encaixantes (fácies dos xistos verdes), nomeadamente nas litologias pelíticas e carbonatadas, indica que o CPSE se instalou num nível crustal relativamente alto, implicando necessariamente um choque térmico. No entanto, a ausência de efeitos térmicos laterais sugere arrefecimento rápido e baixa razão volume rocha granítica/rocha encaixante junto à fronteira do maciço do CPSE. Conclusão O estudo petrográfico de litologias com idênticos protólitos no encaixante e roof pendants pôs em evidência que os efeitos térmicos da intrusão do CPSE, apenas foram expressivos e significativos nos roof pendants. De facto, a análise petrográfica mostrou que, quer no bordo este quer no bordo oeste do CPSE, as rochas encaixantes não evidenciaram um efeito térmico profundo e significativo, pelo que muitas das amostras metaígneas ainda preservam as suas características ígneas iniciais, no que diz respeito à sua textura e composição mineralógica. Por outro lado, nos roof pendants presentes no setor ocidental do CPSE, o efeito térmico está bem evidenciado, sobretudo pela poligonização do quartzo, da calcite e/ou da plagioclase, e pontualmente por indícios de fusão parcial em rochas pelíticas.
C. Cruz, M. A. Ribeiro, H. C. B. Martins & H. Sant’Ovaia 25
Importa referir que na faixa localizada a NE do CPSE, ocorrem litologias pelíticas e metabásicas que fazem parte da Série Negra, caracterizadas por texturas de blastese e/ou recristalização mineral, indicadoras de metamorfismo térmico, relacionadas com a intrusão do granito de duas micas (alinhamento Barquete-Bedanais-Aguilhão) ou eventualmente com circulação de fluidos hidrotermais ao longo da caixa da Falha de Assumar. Este trabalho permite concluir que, a ocorrência de efeitos térmicos, somente a teto do maciço, poderá ser consequência da conjugação de diversos factos que se podem interrelacionar entre si, nomeadamente o maior volume de massa granítica, o efeito térmico por advecção de fluidos e o maior período de tempo de prevalência em condições térmicas elevadas. Agradecimentos Este trabalho foi financiado pelo projeto: PTDC/CTE-GIX/099447/2008 (FCT-Portugal, COMPETE/FEDER). Agradecemos os comentários pertinentes do revisor. Bibliografia Araújo, A., Piçarra Almeida, J., Borrego, J., Pedro, J. & Oliveira, J. T., 2013. As regiões central e sul da Zona de Ossa Morena. In Dias, R., Araújo, A., Terrinha, P. &. Kullberg, J. C. (edit.), Geologia de Portugal, I - Geologia Pré-mesozóica de Portugal. Escolar Editora, 509-549. Carta Geológica de Portugal à escala 1:500 000. LNEG. Obtido em Fevereiro de 2013, de GeoPortal: http:// geoportal.lneg.pt/arcgis/rest/services/CGP500K/ MapServer. Oliveira, J. T., Oliveira, V. & Piçarra, J. M., 1991. Traços gerais da evolução tectono-estratigráfica da Zona de Ossa Morena, em Portugal. Cuad. Lab. Xeol. de Laxe, 221-250. Pereira, M. F., Silva, J. B., Solá, A. R. & Chichorro, M., 2013. Nordeste Alentejano. In Dias, R., Araújo, A., Terrinha, P. &. Kullberg, J. C. (edit.), Geologia de Portugal, I - Geologia Pré-mesozóica de Portugal. Escolar Editora, 493-508. Pinto, M. S., 1984. Granitóides Caledónicos e Hercínicos na Zona Ossa Morena (Portugal). Memórias e Notícias, Publ. Mus. Lab. Min. Geol. Univ. Coimbra, 97, 81-94. Sant’Ovaia, H., Lopes, J. C., Nogueira, P., Gomes, C., Cruz, C., Machado, J., 2012. Petrophysical and geochemical characterization of the late-variscan Santa Eulália Plutonic Complex (Ossa-Morena Zone, Portugal). Geo-Temas, 13: 1224-1227.
associação portuguesa de geólogos
geonovas n.º 27: 27 a 32, 2014 27
Migmatitos e granitos: o exemplo do granito do Pedregal J. A. Ferreira*, H. C. B. Martins & M. A. Ribeiro Universidade do Porto, DGAOT, CGUP, R. Campo Alegre, 4169-007 Porto, Portugal; joana.alexandra.ferreira@gmail.com; hbrites@fc.up.pt; maribeir@fc.up.pt; *autora correspondente.
Resumo A caracterização petrogenética de rochas graníticas anatéticas no Orógeno Varisco e a sua associação espacial com domos térmicos gnaisso-migmatíticos tem vindo a ser defendida e demonstrada de uma forma mais integrada, conjugando dados geológicos, geoquímicos, isotópicos e geocronológicos. Data da década de 50/60 do século passado a referência à existência de rochas migmatíticas associadas ao “Granito do Porto”. Neste trabalho são apresentados dados preliminares relativos ao Granito do Pedregal e às rochas gnaisso-migmatíticas e metassedimentares que ocorrem na sua envolvente. O granito do Pedregal é um granitoide de duas micas, de grão fino a médio, com abundantes nódulos biotíticos (1 a 2 cm) com foliação interna e encraves xenolíticos. O granito contacta com rochas gnaisso-migmatíticas metatexíticas e com xistos estaurolíticos englobados no “Complexo Xisto-Grauváquico”. Localmente este contacto é marcado por brecha ígnea cuja matriz é o granito do Pedregal, envolvendo clastos das litologias encaixantes, o que confirma o caráter intrusivo do granitoide nas rochas envolventes. Palavras-Chave: migmatitos; granitos; Porto; Pedregal. Abstract The petrogenetic characterization of anatectic granites in Variscan Orogen and their spatial association with gneissic-migmatite thermal domes has been advocated and demonstrated in a more integrated way combining geological, geochemical, isotopic and geochronological data. Migmatitic rocks associated with the “Granito do Porto” are referred since 50s/60s of the past century. In this work, preliminary data for the Granite Pedregal and for the gneissic-migmatitic and metasedimentary host rocks are presented. The Pedregal granite is a two mica, fine to medium grained rock, with abundant biotite nodules (1-2 cm) with internal foliation and xenolithic enclaves. The granite contacts with metatexitic, gneiss-migmatite rocks and staurolite-schists belonging to “Schist and Greywacke Complex”. Locally this contact is marked by an igneous breccia whose matrix is the Pedregal granite with clasts of host lithologies, which confirms the intrusive character of this granitoid in the surrounding rocks. Keywords: migmatites; granites; Porto; Pedregal.
Introdução As rochas migmatíticas são rochas formadas em condições de ultrametamorfismo, na transição do domínio metamórfico para o domínio magmático. A caracterização destas rochas suportase fundamentalmente em observações de campo, à escala macro e mesoscópica. Os migmatitos designam-se por metatexitos ou diatexitos consoante a fração de melt gerada durante os processos de fusão parcial. Segundo Sawyer (2008), os metatexitos são rochas heterogéneas à escala macroscópica, onde as estruturas anteriores à fusão parcial se
encontram preservadas (paleossoma), e a fração de melt (neossoma) é baixa; pelo contrário nos diatexitos, o neossoma é dominante, as estruturas anteriores à fusão parcial estão ausentes no neossoma e, podem ser substituídas por estruturas de fluxo sin-anatéticas (schlieren e foliações magmáticas) ou por neossoma isotrópico. Associada à evolução geodinâmica das cadeias orogénicas fanerozoicas ocorreu importante fusão parcial da crosta continental, como é evidenciado pela génese e exumação de maciços migmatíticos e graníticos, no geral intimamente relacionados. A caracterização petrogenética de rochas graníti-
28 Migmatitos e granitos: o exemplo do granito do Pedregal
cas em contexto orogénico e a sua relação espacial com domos térmicos gnaisso-migmatíticos e zonas de cisalhamento à escala crustal (Brown & Solar, 1998) tem vindo a ser defendida e demonstrada de uma forma mais integrada conjugando dados geológicos, geoquímicos, isotópicos e geocronológicos, nomeadamente nos Apalaches (Maine, USA) (Solar & Brown, 2001), no Maciço Armoricano (St. Malo, França) (Milorde et al., 2001) e no Maciço da Boémia (Áustria) (Vanderhaeghe, 2009). A existência destes domos térmicos terá produzido uma relação de causa-efeito entre o magmatismo e o metamorfismo sin-orogénicos. A associação de elevados gradientes térmicos laterais isócronos, condicionados mais por processos de advecção do que pela condutividade térmica crustal está demonstrada neste tipo de contextos orogénicos (Lux et al., 1986; Lancaster et al., 2008). Esta advecção poderá estar relacionada com ascensão de fluidos, de melts ou de magmas. No Maciço Ibérico alguns trabalhos têm vindo a ser desenvolvidos sobre esta mesma temática (Viruete et al., 2000; Alcock et al., 2009; Díez Fernández et al., 2012). Desde a década de 80 do século passado são vários os trabalhos publicados que põem em evidência a associação de granitos anaté-
ticos com rochas de natureza gnaisso-migmatítica no Orógeno Varisco no território nacional (Holtz & Barbey, 1991; Moita et al., 2009; Santos et al., 2010; Valle Aguado et al., 2010; Ribeiro et al., 2011; Areias et al., 2012). No referente ao setor NW de Portugal, na década de 50/60 do século XX , Carlos Teixeira referiu a existência de rochas migmatíticas associadas ao “Granito do Porto” (Carríngton da Costa & Teixeira, 1957). Nas últimas décadas, os granitos que afloram no bordo oriental do maciço do Porto foram descritos e datados tendo em conta a sua relação com as fases de deformação varisca, nomeadamente a D2 e a D3 (Pinto, 1984; Pinto et al., 1987; Almeida, 2001). Na área adjacente ao maciço granítico do Porto foi recentemente referida a presença de rochas de natureza diatexítica e metatexítica Ribeiro et al. (2011), Areias et al. (2012) e Ferreira (2013). Caso de estudo: Granito do Pedregal O corpo granítico em estudo tem cerca de 3 km2 e aflora alongado na direção NW-SE, na margem direita do rio Douro junto à localidade do Pedregal (Fig. 1). O Granito do Pedregal (Ribeiro et al., 2008) corresponde a um granitoide de duas mi-
Figura 1 – Mapa esquemático da área em estudo, baseado na carta geológica 1/50 000 do Porto (Carrington da Costa & Teixeira, 1957). Figure 1 – Geological sketch map of the studied area, based on the 1/50 000 Porto Geological Map (Carrington da Costa & Teixeira,1957).
associação portuguesa de geólogos
cas, geralmente de grão fino a médio, isogranular do ponto de vista textural (Fig. 2a), e sem orientação preferencial. Localmente, o granito apresenta nódulos biotíticos, de dimensão entre 1 a 2 cm e uma foliação interna de orientação NE-SW a E-W (Fig. 2b), discordante relativamente à estrutura do encaixante. Observaram-se ainda no seu interior encraves de rochas metassedimentares (Fig. 2c), às vezes, com orientação preferencial bem definida NW-SE (Ferreira et al., 2013a, 2013b).
J. A. Ferreira, H. C. B. Martins & M. A. Ribeiro 29
O corpo granítico intruiu micaxistos com estaurolite pertencentes à unidade “Complexo Xisto-Grauváquico” (CXG), designada mais recentemente por Supergrupo Dúrico-Beirão. Os micaxistos apresentam uma foliação principal de direção NW-SE a NNW-SSE. O contacto entre os micaxistos e a massa granitoide é intrusivo, irregular e brusco, sendo localmente marcado por brecha ígnea. A cortar o granitoide e as rochas metassedimentares encaixantes já descritas ocorrem lentí-
Figura 2 – Aspetos do granitoide do Pedregal: (a) textura isogranular de grão fino; (b) nódulo biotítico; (c) encrave de rocha metassedimentar. Figure 2 – Pedregal granite features: (a) fine grain isogranular texture; (b) biotitic nodule; (c) metasedimentar xenoliths.
30 Migmatitos e granitos: o exemplo do granito do Pedregal
culas e veios pegmatíticos, no geral concordantes com a foliação regional. Na zona marginal do Rio Douro, no contacto com o granito do Pedregal, ocorrem rochas bandadas de carácter gnaisso-migmatítico passando lateralmente a micaxistos estaurolíticos. O bandado das rochas gnaissso-migmatíticas é marcado por leitos quartzo-feldspáticos predominantes e sem foliação, alternando com níveis micáceos subordinados com foliação evidente. A associação mineral do granito do Pedregal consiste em quartzo + biotite + plagioclase + feldspato-K + zircão + apatite + monazite + rútilo ± silimanite ± alanite, e moscovite secundária. Associada à moscovite secundária e à silimanite ocorre hercinite rica em Zn. O granito do Pedregal tem uma textura holocristalina de grão fino a médio; os limites intergranulares evidenciam reequilíbrios texturais no estado sólido, mais consistente com uma textura metamórfica do que com uma textura tipicamente ígnea. O quartzo tem tendência subédrica a anédrica, e quando incluso em outros minerais assume uma forma globular. Frequentemente, os cristais de quartzo mostram inclusões de silimanite e agulhas de rútilo. A moscovite é abundante na rocha e marcada pela presença de duas gerações: uma, moscovite subédrica precoce com bordos simplectíticos, com intercrescimento e inclusões de quartzo (Fig. 3) e outra moscovite mais tardia, com birrefringência anómala e inclusões de silimanite e hercinite (Fig. 4).
As inclusões de zircão e monazite estão presentes em ambos os tipos de moscovite. A plagioclase é essencialmente albítica e as maclas polissintéticas, características deste mineral, encontram-se mascaradas pela presença de moscovitização. A plagioclase é mais abundante que o feldspato potássico, porém este último apresenta maiores dimensões. A biotite é frequentemente subédrica e ocorre sob a forma de cristais alongados, com pequenas inclusões de zircão, e quando evidencia cloritização são visíveis agulhas de rútilo (Fig. 5). Pontualmente, pequenos cristais de biotite anédrica estão associados à primeira geração de moscovite. O estudo geoquímico revela que o granito do Pedregal é peraluminoso (parâmetro A/CNK varia entre 1,18 e 1,62), com uma assinatura magnesiana e alcalina a alcalino-cálcica. Os resultados geoquímicos mostram baixos teores SiO2 (65 a 69 wt%) e elevado teor de Zr (389 a 435 ppm). Os valores de Zr poderão ser explicados pela abundância de inclusões de zircão na moscovite e na biotite. Este mineral também ocorre disperso na rocha. O granito tem elevado teor em terras raras, com um perfil ETRL (elementos de terras raras leves) não fracionado entre o La e o Nd, um forte fracionamento entre o Nd e Eu, e uma anomalia negativa em Eu bem pronunciada. O fracionamento das terras raras pesadas (Tb-Lu) é semelhante ao granito de duas micas do maciço do Porto (Almeida, 2001). A falta de fracionamento das terras raras leves poderá ser explicada pela presença de monazite (Bea, 1996).
Figura 3 –Microfotografia (NX): moscovite com inclusões de zircão e halos pleocróicos associados, e inclusões de quartzo. Figure 3 – Photomicrograph (NX): muscovite with zircon pleocroic halos and quartz inclusions.
Figura 4 – Microfotografia (NX): moscovite com inclusões de silimanite fibrolítica. Figure 4 – Photomicrograph (NX): muscovite with fibrolitic sillimanite.
associação portuguesa de geólogos
Considerações finais O Granito do Pedregal ocorre espacialmente associado a outros corpos de granito, nomeadamente o granito de Gondomar, granito de Fânzeres e granito do Porto (Fig. 1). No seu encaixante verifica-se um forte gradiente térmico lateral, marcado por uma zonalidade metamórfica muito condensada, desde a zona da clorite à zona da estaurolite-granada, atingindo mesmo a silimanite. A associação de diferentes fácies mineralógicas graníticas à zonalidade metamórfica condensada, e a presença local de rochas de natureza gnaisso-migmatítica, favorece a hipótese da existência de uma relação de causa-efeito entre processos metamórficos e magmáticos. O estudo preliminar do Granito do Pedregal colocou em evidência as seguintes características: (i) o carácter intrusivo em rochas de natureza gnaisso-migmatítica e em xistos estaurolíticos, localmente com brechas ígneas no contacto; (ii) estrutura/textura peculiares, nomeadamente a abundância de pequenos nódulos biotíticos de orientação preferencial NE-SW a E-W, os reequilíbrios texturais no estado sólido e o aspeto metamórfico e corroído da biotite; (iii) granito essencialmente moscovítico com abundante predominância de plagioclase sobre o feldspato potássico; (iv) elevado teor em Zr e ETRL, baixo teor em SiO2 e carácter peraluminoso.
J. A. Ferreira, H. C. B. Martins & M. A. Ribeiro 31
As características descritas anteriormente, a sua contextualização no bordo de um maciço ígneo sin-tectónico (Maciço do Porto), e a sua associação espacial a pequenos corpos graníticos de distinta composição, textura e estrutura (granito de Gondomar; granito de Fânzeres; granito de Ermesinde; veios pegmatíticos) remete para a possibilidade de este granitoide corresponder a uma rocha diatexítica relativamente isotrópica e rica em restitos. O elevado gradiente metamórfico na área adjacente e a relação cronológica de sincronismo entre migmatização/magmatismo e o pico das condições térmicas do metamorfismo varisco, com paragéneses com estaurolite ante a sin-cinemática e pós-cinemática relativamente a D3 (Ribeiro et al., 2008) põem em evidência a importância da advecção crustal de magmas; melts e fluidos; como processo de transferência térmica sin-orogénica, gerador de um elevado gradiente. Em contextos orogénicos, onde ocorre associação de granitos-migmatitos-micaxistos, as relações de campo, as microestruturas e texturas, as paragéneses minerais e a cronologia relativa, embora possam ser complementadas por estudos geoquímicos, mineralógicos e isotrópicos, são absolutamente relevantes e indispensáveis no estudo e para a compreensão dos processos de fusão crustal. Agradecimentos Este trabalho, realizado no âmbito de uma dissertação de mestrado, foi financiado pelo Pest-OE/ CTE/UI0039/2011 e integra-se nas atividades do grupo GEOREMAT-CGUP. Bibliografia
Figura 5 – Microfotografia (NX): cristal alongado de biotite com pequenas inclusões de zircão. Figure 5 – Photomicrograph (NX): elongated crystal of biotite with small zircon inclusions.
Alcock, J. E., Martínez Catalán, J. R., Arenas, R. & Díez Montes, A., 2009. Use of thermal modeling to assess the tectono-metamorphic history of the Lugo and Sanabria gneiss domes, Northwest Iberia. Bull. Soc. Geol. Fr, 180: 179 – 197. Almeida, A., 2001. Geochemical and geochronological characterization of the syn-tectonic two-mica granite of Porto (NW Portugal). In Lago, M., Arranz E., & Galé, C. (ed.), Atas del III Congreso Ibérico de Geoquímica y VIII Congreso de Geoquímica de España, Zaragoza, Instituto Tecnológico de Aragón, 311-315. Areias, M., Ribeiro, M. A. & Dória, A., 2012. Caracterização da faixa gnaissomigmatítica da zona costeira do NW de Portugal. Tema GA01 - Geodinâmica e evolução crustal - 46º Congresso Brasileiro de Geologia/1º Congresso de Geologia dos Países de Língua Portuguesa. Santos, Brasil. CD Anais proceedings.
32 Migmatitos e granitos: o exemplo do granito do Pedregal
Bea, F., 1996. Residence of REE, Y, Th and U in Granites and Crustal Protoliths; Implications for the Chemistry of Crustal Melts. Journal of Petrology, 37(3): 521-552. Brown, M. & Solar, G. S., 1998. Shear-zone systems and melts: feedback relations and self-organization in orogenic belts. Journal of Structural Geology, 20 (2/3): 211-227. Brown, M., 2001. Orogeny, migmatites and leucogranites: A review. Proceedings of the Indian Academy of Sciences. A Earth and Planetary Sciences, 110(4): 313-336. Carríngton da Costa, J. C. & Teixeira, C., 1957. Carta Geológica de Portugal, na escala 1/50 000, Notícia Explicativa da Folha 9-C, Porto. Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa, 38p. Díez Fernández, R., Martínez Catalán, J. R. Barreiro, J.G. & Arenas, R., 2012. Extensional Flow during Gravitational Collapse: A Tool for Setting Plate Convergence (Padrón Migmatitic Dome, Variscan Belt, NW Iberia). The Journal of Geology, 120: 83-103. Ferreira, J. A., 2013. Caracterização do granito do Pedregal. Condicionantes da sua aplicação. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Porto. 153 p. Ferreira, J. A., Martins, H. C. B., Ribeiro, M. A. & Ferreira, P., 2013a. The Pedregal granitoid: a peculiar diatexitic rock (?) in a granite-migmatite complex. Mineralogical Magazine, 1079. Ferreira, J. A., Martins, H. C. B. & Ribeiro, M. A., 2013b. Geologic, petrographic and geochemical peculiarities of diatexitic granite (Pedregal Granite, NW Portugal). III C JIG, LEG 2013 & 6th PGUE, Estremoz, 4pp. Holtz, F. & Barbey, P., 1991. Genesis of peraluminous granites. II. Mineralogy and chemistry of the Tourem complex (northern Portugal). Sequential melting vs. restite unmixing. Journal of Petrology, 32: 959-978. Lancaster, P. J., Baxter, E. F., Ague, J. J., Breeding, C. M. & Owens, T. L., 2008. Synchronous peak Barrovian metamorphism driven by syn-orogenic magmatism and fluid flow in southern Connecticut, USA. J. metamorphic Geol, 26: 527–538. Lux, D. R., De Yoreo, J. J., Guidotti, C. V. & Decker, E. R., 1986. Role of plutonism in low-pressure metamorphic belt formation. Nature, 323: 794–797. Milorde, E., Sawyer, E.W. & Brown, M., 2001. Formation of a Diatexite Migmatite and Granite Magma during Anatexis of Semi-pelitic Metasedimentary Rocks: an Example from St. Malo, France. Journal of Petrology, 42(3): 487-505.
Moita, P., Santos, J. F. & Pereira, M. F., 2009. Layered granitoids: Interaction between continental crust recycling processes and mantle-derived magmatism. Examples from the Évora Massif (Ossa–Morena Zone, southwest Iberia, Portugal). Lithos, 111: 125-141. Pinto, M. S., 1984. O granito gnaissico de Fânzeres (Porto, Portugal) – Idade e caracterização geoquímica geral. Memórias e Notícias, 98: 231-242. Pinto, M., Casquet, C., Ibarrola, E., Corretgé, L. & Portugal Ferreira, M., 1987. Síntese geocronológica dos granitóides do Maciço Hespérico. In: Bea, F., Carnicero, A., Gonzalo, J. C., López Plaza, M. & Rodriguez Alonso, M. D. (eds) Geologia de los Granitoids e Rocas Asociadas del Macizo Hespérico. Editorial Rueda, Madrid, 69-86. Ribeiro, M. A., Dória, A. & Sant’Ovaia, H., 2008. Relações entre deformação, magmatismo e metamofismo na região oriental do Maciço do Porto. Memórias, Univ. Porto, Depart. de Geologia, 8ª Conferência Anual do GGET, 13, 39-43. Ribeiro, M. A., Sant’Ovaia, H. & Dória, A., 2011. Litologias gnaisso-migmatíticas da faixa Lavadores-Madalena: possível significado das paragéneses com hercinite. Simpósio Modelação de Sistemas Geológicos, 343-351. Santos, T. B., Ribeiro, M. L., Clavijo, E., Díez Montes, A. & Solá, A. R., 2010. Estimativas geotermobarométricas e percursos P-T de migmatitos dos Farilhões, arquipélago das Berlengas, Oeste de Portugal. Revista Eletrónica de Ciências da Terra, Geosciences On-line Journal, e-Terra, http://e-terra.geopor.pt. ISSN 16450388; 16, 11. Sawyer, E. W., 2008. Atlas of Migmatites. The Canadian Mineralogist, Special Publication 9. NRC Research Press, Ottawa, Ontario, Canada, 371 p. Solar, G. S. & Browns, M., 2001. Petrogenesis of Migmatites in Maine, USA: Possible Source of Peraluminous Leucogranite in Plutons?. Journal of Petrology, 42(4): 789-823. Valle Aguado, B., Azevedo, M. R., Santos, J. F. & Nolan, J., 2010. O Complexo Migmatítico de Mundão (Viseu, norte de Portugal). Revista Eletrónica de Ciências da Terra, Geosciences On-line Journal, e-Terra, http://e-terra.geopor.pt. ISSN 1645-0388; 16, 9. Vanderhaeghe, O., 2009. Migmatites, granites and orogeny: Flow modes of partially-molten rocks and magmas associated with melt/solid segregation in orogenic belts. Tectonophysics, 477: 119–134. Viruete, J. E., Indares, A. & Arenas, R., 2000. P-T Paths Derived from Garnet Growth Zoning in a Extensional Setting: an Example from the Tormes Gneiss Dome (Iberian Massif, Spain). Journal of Petrology, 41(10): 1489-1515.
associação portuguesa de geólogos
geonovas n.º 27: 33 a 38, 2014 33
Novos dados cartográficos e estruturais da Faixa Metamórfica Porto-Viseu (região da Foz do Sousa E do Porto) P. A. Ferreira1,*, M. A. Ribeiro1, P. Castro2 & J. F. Rodrigues3 Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, DGAOT, Rua do Campo Alegre, 687, 4169-007 Porto; priscila.antunesferreira@gmail.com; maribeir@fc.up.pt; 2 Laboratório Nacional de Energia e Geologia, Rua da Amieira, 4466-901 S. Mamede de Infesta; paulogcsfcastro@gmail.com; 3 Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, s/n, 4200-465 Porto; felic@fe.up.pt; *autora correspondente. 1
Resumo Na região da Foz do Sousa são individualizadas três unidades tectonometamórficas, designadas, de W para E, por unidades A, B e C. A variação do grau metamórfico é mais acentuada entre a unidade A e B, com passagem de micaxistos estaurolíticos a filitos biotíticos, respetivamente. Na unidade C, as litologias são de baixo grau metamórfico: filitos e grauvaques. A deformação polifásica varisca que atua sobre as três unidades é mais acentuada em A e B evidenciando 2ª fase de carácter penetrativo. Já na unidade C é a 1ª fase que apresenta carácter penetrativo. Salienta-se, em todas as unidades, o carácter fortemente não-coaxial de D2, através da observação mesoscópica de estruturas rotacionais com movimento de topo para E. Palavras-chave: Faixa Metamórfica Porto-Viseu; Cartografia Geológica; Metamorfismo; Deformação não-coaxial. Abstract In a recent detailed geological mapping of the “Foz do Sousa” river area, three tectonometamorphic units have been recognized, roughly with an NS trending. They were informally designated, from the west to the east, as units A, B and C. There is a clear evidence of a decrease in metamorphic grade from west to east. Such metamorphic decrease is steeper between units A and B, decreasing from staurolite-biotite micaschists to biotite-bearing muscovite micaschists. The C unit has a typically low metamorphic grade. The sedimentary protolith (phyllites and greywackes) is recognized with well-preserved sedimentary features. Polyphasic variscan deformation affects the overall ensemble. It is more intense in units A and B, with a typical penetrative 2nd phase (D2). During regional metamorphism the unit C was affected by a penetrative D1 variscan phase. In all units deformation is markedly non-coaxial during the D2 event, as it is evident in the rotational structures of mesoscopic dimension, showing sense of movement to the east (top to east). Keywords: Porto-Viseu metamorphic lineament; geological mapping; metamorphism; non-coaxial deformation.
Introdução A área de estudo localiza-se entre a foz do rio Sousa e a barragem de Crestuma-Lever, no concelho de Gondomar, a E do Porto. Está cartografada como pertencente ao “Complexo Xisto-Grauváquico” (CXG), também designado por Supergrupo Dúrico-Beirão, englobando o setor NE da Carta Geológica 13-A (Espinho) e o setor NW da Carta Geológica 13-B (Castelo de Paiva), ambas na escala 1/50 000. A área localiza-se na Zona Centro Ibérica (ZCI), a W e próximo do anticlinal de Valongo, que corresponde a uma megaestrutura regional da 1ª fase varisca constituída, essencialmente, por metassedimentos de baixo a muito baixo grau metamórfico,
cujo núcleo compreende rochas pertencentes ao CXG, sobrepostas por unidades do Ordovícico, Silúrico, Devónico e Carbónico. Em contraste com o Anticlinal de Valongo, a área em estudo apresenta mais alto grau metamórfico e deformação mais intensa. Com efeito, as litologias que afloram na área de estudo, são parte integrante de megaestrutura orientada NW-SE, entre Porto e Viseu, recebendo, por isso, a designação de Faixa Metamórfica Porto-Viseu (FMPV) (Schermerhorn, 1956; Oen, 1970; Reavy, 1987, 1989; Valle Aguado, 1992; Valle Aguado et al., 1993; Fernandes et al., 1998). A área de estudo, com cerca de 10 Km2, corresponde a uma transversal à FMPV, a SE do Porto. Vários dos autores estabeleceram relação de sincronismo entre
34 Novos dados cartográficos e estruturais da Faixa Metamórfica Porto-Viseu
o pico das condições metamórficas, a deformação e o magmatismo sin-orogénico na ZCI, em eixos de orientação NW-SE, de que é exemplo a FMPV (Oen, 1970; Ribeiro et al., 2008). As notícias explicativas das Cartas Geológicas 13-A (Espinho) e 13-B (Castelo de Paiva) à escala 1/50 000, distinguiram “séries metamórficas derivadas” com base no critério do grau metamórfico, variando entre micaxistos a W e xistos e grauvaques a E, bem como conglomerados com intensidades de deformação distintas. Para além dos metassedimentos do CXG, afloram na área depósitos de terraços fluviais do Plio-plistocénico (P). Tendo por base o conhecimento geológico da área e do seu contexto regional, o objetivo do presente estudo centrou-se na tentativa de individua-
lização cartográfica de unidades com base em critérios litológicos, metamórficos e estruturais. Unidades cartografadas No decorrer dos trabalhos de cartografia geológica, foram confirmadas características metamórficas e estruturais que validam a divisão da área de estudo em diversas unidades cartográficas. São elas, a variação do grau de metamorfismo de W para E, tal como representado nas cartas geológicas, e a variação da intensidade de deformação no mesmo sentido. Assim, tendo por base estas duas características, optou-se pela divisão da região em três unidades, designadas respetivamente por A, B e C, de W para E (Fig. 1).
Figura 1 – Mapa e perfis geológicos da área em estudo. Figure 1 – Geological map and cross sections of the study area.
associação portuguesa de geólogos
Unidade A A unidade A, localizada no setor mais a W da área de estudo, corresponde à fácies metamórfica de mais alto grau e de maior intensidade de deformação. É composta, essencialmente, por micaxistos estaurolíticos, embora na parte oriental, predominem faixas com micaxistos biotíticos. A designação de ambas as litologias advém de se observarem abundantes porfiroblastos de estaurolite e biotite. A passagem de uma litologia para a outra ocorre pela redução da abundância dos cristais de estaurolite e da granularidade da rocha, em particular das estaurolites, no sentido E, bem como pela abundância de porfiroblastos de biotite. Pontualmente, ocorrem intercalações menores de outras litologias, nomeadamente quartzitos impuros muito deformados, e metaconglomerados. Os metaconglomerados ocorrem em extensas faixas por toda a unidade e apresentam granularidade e fabrics diversos. A faixa de metaconglomerados mais a W corresponde a metaconglomerados clasto-suportados, compostos por clastos de quartzo e quartzito muito alongados, relativamente às dimensões da secção transversal (tectonitos do tipo L). Alguns destes clastos atingem 10 cm de comprimento. Os metaconglomerados das faixas mais a E apresentam, em geral, clastos de formas mais achatadas e de tamanho mais reduzido (tectonitos do tipo SL), mas com a mesma composição litológica, com predominância de quartzo e quartzito.
P. A. Ferreira, M. A. Ribeiro, P. Castro &, J. F. Rodrigues 35
A deformação polifásica varisca que afetou a área de estudo é mais intensa na unidade descrita, do que nas unidades B e C. Com base em relações de transposição geométrica de foliações, é possível registar a ocorrência de três fases de deformação na unidade A. A estratificação (S0) observa-se nos níveis de rocha quartzítica alinhados paralelamente a S2. A foliação S1 é preservada em microlithons e dobras intrafoliais limitadas por S2, sendo esta a foliação mais penetrativa. É ainda observada ligeira crenulação de comprimento de onda centimétrico a métrico que afeta S2 e que corresponde à última fase de deformação D3. A D2 corresponde a fase muito importante, quer devido ao carácter penetrativo, quer pelas indicações de uma cinemática fortemente não-coaxial. Salienta-se a ocorrência de lineação mineral segundo a máxima inclinação do plano da foliação S2 e a dissimetria do fabric tectónico. Segundo a direção dessa lineação, o alongamento dos elementos estruturais, designadamente de corpos pré-D2, é muito evidente, ao contrário do que se passa numa direção normal à lineação mineral. A foliação principal em torno dos porfiroblastos de estaurolite apresenta geometria indicadora de sentido de movimento de topo para E (Fig. 2). Podem ser observadas dobras isoclinais em filonetes de quartzo metamórfico e em níveis de quartzito, cujos eixos têm orientação próxima da lineação mineral (Lmin), o que sugere reorientação das estruturas lineares durante D2. A comparação da projeção dos dados estruturais correspondentes
Figura 2 – A e B: Porfiroblastos de estaurolite contornados pela foliação principal, com geometria indicando movimento com topo para E. Figure 2 – Staurolite porphyroblasts surrounded by the main foliation, with geometry indicating top to East.
36 Novos dados cartográficos e estruturais da Faixa Metamórfica Porto-Viseu
às medições da foliação S2, dos eixos de D2 e o eixo maior das estaurolites e dos metaconglomerados, revela relações geométricas entre todos, o que significa que estas estruturas foram fortemente reorientadas pela atuação de D2 (Fig. 3). Unidade B A E da unidade A, ocorrem litologias de menor grau metamórfico. Na unidade B, afloram essencialmente filitos biotíticos com intercalações de quarztovaques e metaconglomerados. Os filitos da unidade B distinguem-se dos filitos de baixo grau (da unidade C) devido à ocorrência de porfiroblastos de biotite com geometrias semelhantes às que se observavam nos cristais de estaurolite da unidade anteriormente descrita, porém de menor dimensão. Os metaconglomerados são do tipo clasto-suportados com clastos de quartzo e quartzito. Apresentam-se com clastos individuais mais achatados e menos alongados que os da unidade
Figura 3 – Estereogramas relativos à Unidade A: A – Foliação principal S2; B- Lineação mineral sobre S2; C- Eixos maiores dos cristais de estaurolite; D – Eixos maiores dos clastos dos metaconglomerados. Figure 3 – Stereoplots concerning Unit A: A - Main foliation S2; B - Mineral lineation on S2; C - Major axes of staurolite crystals; D - Major axes of clasts in the metaconglomerates.
anterior (tectonitos do tipo SL), definindo um fabric planar nítido. As três fases de deformação identificadas na unidade A, estão representadas também na B, com idênticas geometrias. A fase D2 é penetrativa e apresenta uma orientação média semelhante à da unidade A (Fig. 4) e deforma as poucas estruturas pré-existentes visíveis. Estas estruturas correspondem, essencialmente, a porfiroblastos de biotite deformados e contornados por S2, observados à escala macroscópica e confirmados na microescala. O estudo petrográfico permitiu ainda verificar que alguns dos porfiroblastos de biotite estão deformados por D2, e frequentemente cloritizados nas fraturas e nos bordos, indicando retrogradação das condições metamórficas. As biotites cisalhadas confirmam o comportamento não-coaxial de D2. De facto, os metassedimentos apresentam um fabric assimétrico, bem evidenciado pela comparação petrográfica de lâminas com diferentes orientações relativamente aos elementos estruturais (corte A paralelo à lineação e corte B perpendicular à lineação).
Figura 4 – Estereograma da foliação principal S2 na unidade B. Figure 4 – Stereoplot of the main foliation S2 in the B unit.
associação portuguesa de geólogos
Unidade C A unidade C corresponde à unidade posicionada mais a E da área de estudo. Aqui afloram litologias de baixo a muito baixo grau metamórfico, nomeadamente metagrauvaques, filitos, metarenitos e metargilitos, por vezes ferruginosos, bem como vários níveis de metaconglomerados. Os metaconglomerados desta unidade apresentam diversidade litológica, quer em termos de razão clastos/matriz, quer em termos de deformação. Ocorrem metaconglomerados clasto suportados com clastos de formas achatadas semelhantes aos da unidade B (tipo SL) e níveis de conglomerados com imbricação sedimentar de clastos. Com efeito, o baixo grau metamórfico das litologias permite a preservação de algumas estruturas sedimentares. Para além da referida imbricação de clastos, nos metaconglomerados foram também observadas figuras indicadoras de polaridade sedimentar, de que são exemplo as fendas de dissecação.
P. A. Ferreira, M. A. Ribeiro, P. Castro &, J. F. Rodrigues 37
Nesta unidade a deformação é menos intensa, comparativamente com as unidades localizadas mais a W. A deformação polifásica que afetou os metassedimentos desta sucessão, está representada por estruturas relativas apenas a duas fases de deformação, sendo a fase D1 de carácter penetrativo onde S1 está paralelizado com S0 (Fig. 5A e B). Os clastos dos conglomerados apresentam deformação muito variável (Fig. 5C). A fase D2 está representada pela crenulação de S1 (pouco frequente), que exibe carácter progressivo e rotacional e afeta também filonetes paralelos a S1. O sentido da rotação do plano axial indica, tal como nos casos das unidades A e B, movimento com topo para E. Conclusões Apesar da reduzida dimensão da área em estudo, é possível observar a variação de grau metamórfico desde micaxistos estaurolíticos na unidade A, até às rochas de baixo a muito baixo grau metamórfico, metagrauvaques e filitos, na unidade C. A sucessão de minerais índice desde a estaurolite, biotite e clorite, parece remeter para a hipótese do gradiente geotérmico apontado pelos diversos autores, em estudos levados a cabo na zona adjacente (Fernandes et al., 1998; Ribeiro et al., 2008) e na região de Viseu (Oen, 1970; Reavy, 1987, 1989; Valle Aguado et al. 1993). Na verdade, também a ocorrência de níveis de metaconglomerados em todas as unidades remete para a homogeneização estratigráfica da área de trabalho, levando os autores das cartas geológicas (e.g. Teixeira et al., 1962; Medeiros et al., 1964) a englobar todo o setor numa única unidade litostratigráfica, pertencente ao CXG, embora com diferentes graus de metamorfismo. Porém, os dados estruturais revelaram uma deformação fortemente não-coaxial que afetou as três unidades definidas neste trabalho, ainda que com maior intensidade nas unidades A e B. A ocorrências destas evidências, coloca a hipótese da ocorrência de cisalhamentos discretos de escala e importância ainda por definir. Agradecimentos
Figura 5 – Estereogramas relativos à unidade C: A Estratificação, S0; B – Foliação principal, S1; C- Eixos maiores dos clastos dos conglomerados. Figure 5 – Stereoplots concerning C unit: A – Stratification, S0; B – Main foliation S1; C - Major axes of clasts in the conglomerates.
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da dissertação Mestrado em Geomateriais e Recursos Geológicos (FCUP/UA) efetuada pela 1ª autora. Esta agradece ao Doutor Carlos Meireles, do LNEG, todo o apoio, interesse e opiniões formuladas que contribuíram para o esclarecimento de algumas questões. Aos dois revisores pelas sugestões e correções apresentadas, que contribuíram para aperfeiçoar este trabalho.
38 Novos dados cartográficos e estruturais da Faixa Metamórfica Porto-Viseu
Bibliografia Fernandes, J. P., Chaminé, H. I. & Sodré Borges, F., 1998. Considerações sobre o possível significado de marcadores cinemáticos na Unidade dos Xistos de Fânzeres (Porto, Portugal). In 4ª Conferência Anual GGET’98. GEOlogos, Revista do Departamento de Geologia da Universidade do Porto, 2, 153-156. Ferreira, N. & Castro, P. (Coord.), 2010. Carta Geológica de Portugal à escala 1/50 000, Folha 17-A, Viseu, LNEG, Lab. Geol. Minas, Unid. Invest.Geologia e Cartografia Geológica, Lisboa. Medeiros, C., 1963. Carta Geológica de Portugal à escala 1/50 000, Folha 13-B, Castelo de Paiva, Dir. Ger. Minas e Serv. Geol., Lisboa. Oen, I. S., 1970. Granit intrusion folding and metamorphism in central northern Portugal. Bol. geol. min. España, 81(2/3): 271-298. Reavy, R. J., 1987. An investigation into the controls of granite plutonism in the Serra da Freita region, Northern Portugal. Dissert. doutoramento não publicada. Universidade de St. Andrews, 210 p. Reavy, R. J., 1989. Structural controls on metamorphism and syn-tectonic magmatism: the Portuguese Hercynian collision belt. J. Geol. Soc. London, 146: 649-657.
Ribeiro, M. A., Dória, A. & Sant’Ovaia, H., 2008. Relações entre deformação, magmatismo e metamorfismo na região oriental do maciço do Porto. In Sant’Ovaia, H., Dória, A. & Ribeiro, M. A. (eds), “GGET’08 – 8ª Conferência Anual, 24-25 de Julho 2008” – Resumos alargados, Memórias Univ. Porto, Faculdade de Ciências, Depº Geologia 13, 39-43. Schermerhorn, L. J. G., 1956. Igneous, metamorphic and ore geology of the Castro Daire – São Pedro do Sul – Sátão region (Northern Portugal). Comun. Serv. Geol. Portugal, 37: 5-617. Teixeira, C., 1962. Carta Geológica de Portugal à escala 1/50 000, Folha 13-A, Espinho, Dir. Ger. Minas e Serv. Geol., Lisboa. Valle Aguado, B., 1992. Geología structural de la Zona de Cizalla de Porto-tomar en la region de Oliveira de Azeméis – Serra da Arada (Norte de Portugal). Dissert. Doutoramento não publicada, Universidade de Aveiro, 254 p. Valle Aguado, B., Arenas, R. & Martínez Catalán, J. R., 1993.Evolución metamórfica hercínica en la región de la Serra de Arada (Norte de Portugal). Comunicações Instituto Geológico e Mineiro, 79: 41-61.
geonovas n.º 27: 39 a 46, 2014 39
associação portuguesa de geólogos
Caracterização de terraços marinhos entre Cascais e o Cabo da Roca, com recurso a elementos cartográficos e de detecção remota. Implicações Neotectónicas D. Duarte, K. Volochay, R. Magalhães, S. Amaro & J. Cabral* Universidade de Lisboa, Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências, Campo Grande, 1749-016 Lisboa; dbr_duarte@hotmail.com; kateryna.volochay@hotmail.com; rita.magalhaes@outlook.com; sandra.lourenco.amaro@gmail.com; jcabral@fc.ul.pt; *autor correspondente.
Resumo Na região litoral entre Cascais e a serra de Sintra a topografia evidencia diversos níveis de terraços marinhos escalonados a diferentes altitudes. Neste trabalho, de carácter preliminar, pretende-se identificar alguns desses terraços, determinar as cotas dos respectivos rebordos internos e correlacioná-los com uma curva eustática global de modo a poder avaliar as taxas de levantamento que caracterizam este litoral. Da análise dos dados e correlação com a curva eustática global obtêm-se taxas de levantamento de cerca de 0,03 a 0,1 mm.ano-1 no período correspondente à idade dos terraços, embora com elevada incerteza devido à fraca precisão na determinação da cota dos respectivos rebordos internos, à incerteza inerente à curva eustática utilizada e à idade dos terraços identificados. Estes valores são compatíveis com taxas de levantamento previamente estimadas para o território continental português no Plio-Quaternário. Palavras-chave: Terraços marinhos; curva eustática; taxas de levantamento neotectónico; Cascais. Abstract In the coastal area between Cascais and Sintra the morphology indicates the presence of several levels of marine terraces. The aim of this work was to identify some of these terraces, determine the elevation of their inner edges and correlate them with a global eustatic sea level curve in order to evaluate the uplift rates that characterize this region. From the data analysis and correlation with the eustatic global curve, an uplift rate of the order of 0.03 to 0.1 mm/year was obtained, though with high uncertainty due to the poor characterization of the elevation of the inner edges, the uncertainty inherent to the eustatic curve that was used, and the uncertainty in the terraces age. These values are coherent with uplift rates previously estimated for the Portuguese mainland in the Plio-Quaternary. Keywords: Marine terraces; eustatic sea level; neotectonic uplift rates; Cascais.
1. Introdução Na área costeira entre Cascais e o Cabo da Roca (a oeste de Lisboa, Portugal) observam-se indícios da presença de terraços marinhos escalonados a diferentes altitudes. O objectivo deste trabalho, realizado no âmbito da Disciplina de Projecto da Licenciatura em Geologia da Faculdade de Ciências de Lisboa, e como tal, de carácter preliminar, foi a identificação e caracterização de alguns desses terraços com base na análise de características geomorfológicas e sedimentares indicadoras de antigas linhas de costa e plataformas de abrasão marinha nesta região (Fig. 1). Na região estudada afloram, maioritariamente, calcários e alguns arenitos do Cretácico Inferior e
calcários compactos e margosos do Jurássico Superior, conforme explicitado na Carta Geológica de Portugal à escala 1:50 000 Folha 34-C Cascais, (IGM, 2001; Ramalho et al., 2001). Toda a região sofreu deformação, devida principalmente à instalação do maciço intrusivo de Sintra durante o Cretácico Superior, (Kullberg et al., 2006), gerando-se um sinclinal anelar que bordeja o maciço. Consequentemente, a estrutura dominante na área em estudo corresponde a um sinclinal assimétrico vergente para S, cuja zona axial se situa entre a praia do Guincho e a praia da Crismina, com direcção próxima de E-W. Reflectindo a vergência mencionada, o flanco setentrional, mergulhante para sul, apresenta-se mais inclinado que o flanco meridional, que mergulha para norte. A inclinação das ca-
40 Caracterização de terraços marinhos entre Cascais e o Cabo da Roca
madas calcárias cretácicas neste flanco reduz-se progressivamente para sul acabando por inverter-se o sentido do mergulho, que passa a ser muito suave nesta direcção. Esta estrutura pouco inclinada para sul favorece o desenvolvimento de uma topografia aplanada próxima de uma morfologia estrutural, conhecida por plataforma do Cabo Raso ou, mais genericamente, por plataforma de Cascais. As unidades do Jurássico afloram apenas no flanco N do sinclinal periférico, que margina o maciço intrusivo de Sintra. O principal critério utilizado para a identificação dos vários terraços marinhos foi o reconhecimento de áreas aplanadas de fraco declive, compreendidas entre zonas com incremento significativo de inclinação, tanto quanto possível corroborado pela presença de sedimentos marinhos costeiros preservados nesses elementos aplanados. Esta metodologia baseou-se, essencialmente, em análise morfológica sobre cartografia à escala 1:25 000 (Folha 429 – Cascais; IGeoE), cartografia detalhada em formato digital, com equidistância de 1 m, e imagens de detecção remota (Google Earth e fotografia aérea), recorrendo-se a ferramentas SIG para esta análise, nomeadamente na execução de
perfis topográficos. O estudo sobre as bases cartográficas e de detecção remota foram complementados por reconhecimentos de campo. 2. Identificação de terraços Para facilitar a descrição e interpretação dos dados, a área em estudo foi dividida em duas zonas com morfologias algo distintas: Zona Norte, do sopé da serra de Sintra até à praia do Guincho, com relevo mais acentuado e escalonamento de formas mais nítido, e Zona Sul, da praia do Guincho até a E do Cabo Raso, com relevo mais suave e escalonamento de formas menos evidente (Fig. 1). Salienta-se que a metodologia utilizada e os dados recolhidos estão afectados por incertezas significativas, devidas, essencialmente, ao facto das evidências morfológicas estarem mascaradas pela erosão posterior e/ou sedimentação de materiais de cobertura (eólica e/ou coluvial), e ao facto dos instrumentos utilizados para o posicionamento no terreno – GPS portátil, terem uma incerteza intrínseca, particularmente no que refere à altimetria. O posicionamento horizontal teve um erro de 3 m em todas as estações, sendo
Figura 1 – Localização da zona de estudo (a sombreado; adaptado de imagem Google Earth), no litoral oeste e noroeste da região de Cascais. As áreas assinaladas a vermelho correspondem à divisão em Zona Norte e Zona Sul, efectuada para facilitar a descrição das observações. Figure 1 – Location of the study zone (shaded area; adapted from Google Earth image), on the west and northwest coast of Cascais region. A subdivision in North and South Zones, for easier characterization, is shown.
associação portuguesa de geólogos
D. Duarte, K. Volochay, R. Magalhães, S. Amaro & J. Cabral 41
o erro no posicionamento vertical (altitude) superior àquele valor. Na figura 2, adaptada de uma imagem Google Earth da área estudada em que se inseriram curvas de nível equidistantes de 5 m, indica-se a localização de estações referenciadas seguidamente, bem como a localização de perfis topográficos realizados sobre a correspondente base cartográfica digital (equidistância de 1 m (Fig. 3), com o objectivo de suportar a identificação dos diferentes terraços marinhos (T1 a T4). 2.1 Zona Norte As observações realizadas no terreno, em locais onde foram reconhecidas características morfológicas e/ou registo sedimentar correlativo, complementadas pela análise de gabinete efectuada sobre os mapas topográficos, a fotografia aérea em visão estereoscópica e as imagens Google Earth, permitiram diferenciar di-
Figura 2 – Imagem Bing Maps da área estudada, com curvas de nível equidistantes de 5 m; assinala-se ainda a localização de estações referenciadas no texto (E1 a E7), o traçado de perfis topográficos realizados sobre a correspondente base cartográfica digital e os terraços marinhos identificados (T1 a T4). Figure 2 – Bing Maps image of the study area with inserted contour lines (5 m interval); the locations of the sites referenced in the text (E1 to E7), the profiles constructed from the digital cartography data (Profile 1 to 5) and the marine terraces that were identified (T1 to T4) are shown.
Figura 3 – Perfis topográficos da área estudada (localização na figura 2) realizados a partir de curvas de nível digitais com equidistância de 1 m; nos perfis assinalam-se os terraços marinhos intersectados. Figure 3 – Topographic profiles of the study area (location in figure 2) constructed from digital cartography data with 1 m contour interval; the intersected marine terraces are referenced in the profiles.
42 Caracterização de terraços marinhos entre Cascais e o Cabo da Roca
versos terraços marinhos. Estes foram agrupados em 4 níveis de acordo com as cotas definidas para os respectivos rebordos internos, de T1 a T4. O terraço T1 (mais antigo) está escassamente representado, tendo sido identificado apenas em duas áreas muito restritas, com o rebordo interno à cota de ~40 m. A identificação no terreno baseou-se no reconhecimento de estreita zona de superfície rochosa aplanada limitada por um aumento brusco de declive a este (rebordo interno), e que passa a oeste (no sentido da linha de costa) a uma superfície a cotas um pouco inferiores, com vestígios de sedimentos marinhos costeiros (essencialmente calhaus rolados dispersos sobre o substrato calcário jurássico) (estações E3 e E4, Fig. 2). O terraço T2 está melhor representado, existindo diferentes aspectos que suportam a sua identificação, nomeadamente a morfologia aplanada talhada no substrato calcário e a presença de sedimentos arenosos e de cascalheira de calhaus rolados, típicos de praia, subjacentes a coluviões, observados na zona das estações E1 e E2 (Fig. 4). Em estudos anteriores realizados no local da estação E1, a uma altitude de aproximadamente 35 m, foram recolhidas amostras de sedimento arenoso para datação por OSL (Optically Stimulated Luminescence). Segundo comunicação pessoal de Cunha (2013), o método
aplicado em grãos de quartzo saturou a cerca de 100 ka, pelo que os sedimentos terão uma idade mínima correspondente àquele valor. Verificou-se que o rebordo interno do terraço T2 apresenta pequenas variações de cota nas áreas onde se identificou, pelo que se assume um valor médio para a altitude. Atendendo a que a estação E1 se localiza, inequivocamente, muito próximo do rebordo interno do terraço, considera-se que este se encontra a cota de aproximadamente 35 m. Como se referiu atrás acerca da caracterização do terraço T1, ligeira quebra de declive e a ocorrência de sedimentos de praia no local da estação E4 (Fig. 2) suportam a presença do terraço T2 nesta zona, escassamente embutido no terraço T1. O terraço T3 encontra-se relativamente bem preservado a sul do anterior e é facilmente identificado na morfologia, uma vez que, tanto no terreno, como na informação cartográfica e de detecção remota, se observa uma vasta área aplanada limitada por um incremento brusco de declive a este, correspondente a uma vertente íngreme que limita interiormente a aplanação. Embora o respectivo rebordo interno não esteja marcado por uma quebra de declive nítida, as observações de campo indicam que este se situa a uma altitude de cerca de 26 a 28 m, tomando-se o segundo valor como referência.
Figura 4 – Talude na arriba expondo sedimentos de praia correlativos do terraço marinho T2 (depósitos com calhaus rolados e areia), assentando numa plataforma de abrasão talhada em formações calcárias jurássicas, a uma cota de cerca de 30 m, com coluviões sobrejacentes. Figure 4 – Outcrop at the top of the present sea cliff showing beach sediments correlative of the T2 marine terrace (rounded pebbles and sand) laying over an abrasion platform cut in Jurassic limestone at a height of approximately 30 m, and covered by colluvial deposits.
associação portuguesa de geólogos
No que respeita ao rebordo externo do terraço T3, verificou-se uma elevada indeterminação no seu posicionamento, consequência da presença de outro terraço, T4, embutido no anterior, a cotas inferiores, mas cujo rebordo interno se mostrou difícil de determinar, estimando-se que se situa a uma cota de ~20 m. Assim, a análise morfológica efectuada sugere a ocorrência nesta região de um terraço T4 abaixo do terraço T3, embora a delimitação dos respectivos rebordos interno e externo se tenha mostrado muito imprecisa. Os principais aspectos a favor são a presença de vestígios de sedimentos marinhos costeiros (calhaus rolados) na estação E5 (Fig. 2) e, a sul desta estação, uma quebra de declive evidenciada nos perfis 3 e 4 (Fig. 3) que suporta o ligeiro rebaixamento topográfico reconhecível no terreno. 2.2 Zona Sul A sul da praia do Guincho a análise morfológica, nomeadamente a identificação de variações de declive que permitissem diferenciar os terraços marinhos, mostrou-se mais difícil devido à região apresentar morfologia mais aplanada. Esta deve-se, aparentemente, à presença de uma superfície de erosão anterior, disposta em rampa inclinando suavemente para o litoral, pelo que, quando se formaram os terraços, o declive já seria reduzido não sendo geradas rupturas de pendor abruptas. A cobertura de dunas móveis e consolidadas que ocorre nesta região também dificulta a identificação dos terraços marinhos, cobrindo o substrato mesozóico bem como a morfologia nele talhada.
D. Duarte, K. Volochay, R. Magalhães, S. Amaro & J. Cabral 43
Os estudos realizados a sul da praia do Guincho permitiram identificar dois terraços marinhos com rebordos internos aproximadamente a 20 m e 28 m. Sendo estas cotas semelhantes às dos rebordos internos dos terraços T4 e T3 identificados a norte, assumiu-se corresponderem aos mesmos níveis. Nesta área é possível cartografar estes terraços de modo quase contínuo, desde a zona da Guia, a oeste de Cascais, pela plataforma do Cabo Raso até à praia do Guincho, dispondo-se com um traçado sub-paralelo à actual linha de costa em toda a sua extensão (Fig. 2). O terraço T3 encontra-se em grande parte coberto pelos corpos dunares já referidos e é de difícil reconhecimento por ocorrer em terrenos privados, pelo que o estudo foi realizado com muitas limitações. A presença de um caminho pedonal na área do complexo dunar da Crismina (estação E6, Fig. 2) permitiu observar uma pequena variação de declive, a cerca de 28 m de altitude, que se considerou corresponder ao rebordo interno deste terraço, corroborando a sua localização e cota. Em toda a restante área entre a Cresmina e a duna de Oitavos, o rebordo interno do terraço T3 foi inferido com auxílio da cartografia disponível e das fotografias aéreas, para além de observações no terreno, embora à distância, sendo a sua ocorrência comprovada por mudanças de declive notadas no perfil topográfico 5 (Fig. 3). O terraço T4 é bem evidente na morfologia, correspondendo a uma plataforma de erosão bem preservada, nomeadamente a sul do Cabo Raso, onde é reconhecido a truncar as camadas de calcário cretácico, que se encontram suavemente inclinadas para SW (Fig. 5). Esta plataforma apresenta-
Figura 5 – Aspecto da plataforma de abrasão correspondente ao terraço marinho T4 truncando as camadas de calcário cretácico suavemente inclinadas para SW, a sul do Cabo Raso. Figure 5 – View of the abrasion platform of the marine terrace T4 truncating the cretaceous limestone beds dipping gently towards SW, south of Cabo Raso.
44 Caracterização de terraços marinhos entre Cascais e o Cabo da Roca
-se progressivamente mais degradada em direcção à linha de costa, onde é interrompida pela arriba actual. Nas zonas em que está mais degradada pela erosão apresenta um lapiás razoavelmente desenvolvido, caracterizado por locais em que o rebaixamento da plataforma se processa por remoção progressiva de camadas calcárias, pouco inclinadas, desenvolvendo-se, assim, áreas planas a cotas mais baixas que correspondem a superfícies estruturais. A duna consolidada de Oitavos (E7, Fig. 2) assenta, parcialmente, na superfície dos terraços T3 e T4. Monge Soares et al. (2006) e Prudêncio et al. (2007) dataram os sedimentos que formam esta duna consolidada, assim como um paleossolo desenvolvido num nível arenoso maciço que se situa por baixo desta. Para essas datações Prudêncio et al. (2007) utilizaram o método de OSL sobre grãos de quartzo, tendo obtido valores compreendidos entre aproximadamente 15 000 anos, para o sedimento correspondente ao topo do paleossolo, e aproximadamente 12 000 anos para os níveis superiores da duna. Aqueles autores, bem como Monge Soares et al. (2006), dataram matéria orgânica contida no paleossolo, e conchas de gastrópodes do género Helix disseminadas no sedimento, pelo método do radiocarbono (C14), obtendo idades significativamente mais antigas, de cerca de 30 000 anos. Assim, considerando a idade do paleossolo e dos gastrópodes presentes no nível arenoso subjacente à duna de Oitavos, que se sobrepõe à plataforma talhada nos calcários cretácicos presente na área, podemos inferir que a morfologia de erosão sobre a qual a duna assenta, correspondente às plataformas dos terraços T3 e T4 (Fig. 2), tem mais de 30 000 anos. Imediatamente a sul dos actuais vestígios preservados da duna de Oitavos, o substrato calcário da plataforma T4 apresenta-se marcado por ventifactos, provavelmente correlativos da fase de intensa deflação que precedeu o soterramento pelo corpo dunar. A identificação do rebordo interno do terraço T4, localizado a uma cota de cerca de 20 m, mostrou-se difícil, fundamentando-se em observações de campo, para além da análise cartográfica e de fotointerpretação, reconhecendo-se no perfil 5 (Fig. 3). Na área da Guia (extremo SE da região de estudo), encontram-se preservados escassos testemunhos do terraço T4, que se apresentam aqui claramente embutido numa morfologia mais elevada. 3. Discussão e conclusão Os terraços identificados na região estudada são do tipo erosivo, não tendo sido detectados indícios
de elementos construtivos (como estruturas biogénicas edificadas), verificando-se a presença, indiscutível, de superfícies de erosão sobre as quais se encontra apenas cobertura dunar, maioritariamente na Zona Sul, ou coluvionar sobrejacente a escassos testemunhos de sedimentos de praia, na Zona Norte. As plataformas que caracterizam cada terraço estão, de modo geral, mal preservadas, uma vez que os terraços se encontram bastante erodidos, exceptuando-se a plataforma correspondente ao terraço T4, melhor conservada nas imediações do Cabo Raso. Determinada a cota dos rebordos internos de cada terraço, procurou-se estabelecer correlação entre estes terraços e níveis eustáticos do mar correlativos de “estádios isotópicos marinhos” (Marine Isotopic Stages – MIS), tomando-se como referência as curvas eustáticas e sua discussão expostas em Bintanja et al., 2005) e Siddall et al., 2007) (Fig. 6). As plataformas formadas durante níveis do mar baixos (lowstands) são submersas devido à elevação eustática do nível do mar que acompanha a deglaciação. Estas plataformas encontram-se expostas apenas em regiões de tectónica activa sujeitas a taxas de levantamento elevadas. A área estudada, localizada no litoral oeste-ibérico, encontra-se numa situação intraplaca, em que as taxas de levantamento expectáveis são relativamente baixas. Os terraços marinhos identificados neste trabalho ter-se-ão desenvolvido, assim, em períodos de nível alto do mar (highstands). O terraço T4, bem desenvolvido, a cotas mais baixas, é assumido como correspondendo ao último interglaciário MIS 5, possivelmente ao sub-estádio 5e, estimando-se que o respectivo nível médio do mar (n.m.m.) estaria um pouco acima do actual (4 a 6 m, Bintanja et al., 2005; Siddall et. al., 2007). Admite-se assim que o terraço T4 foi gerado a uma cota de cerca de +4 m durante o MIS 5e, cujo pico ocorreu aproximadamente há 120 ka, pelo que se calcula uma taxa de levantamento para esta área de cerca de 0,13 mm.a-1 [(20-4)/120], com intervalo de variação de 0,09 a 0,17 mm.a-1, considerando uma incerteza de ±2 m no nível eustático e de ±3 m na cota de 20 m do rebordo interno. A correlação proposta entre o MIS 5e e o T4 é tomada como referência para os restantes terraços (mais antigos), que são correlacionados com os MIS anteriores correspondentes a períodos interglaciários, nomeadamente o terraço T3 com o MIS 7, o T2 como MIS 9, e o T1 com o MIS 11 (Fig. 5). As respectivas idades e os correspondentes níveis eustáticos são progressivamente mais incertos quanto mais antigos são os MIS. Os valores seguintes fun-
associação portuguesa de geólogos
damentam-se, essencialmente, no trabalho de síntese de Siddall et al. (2007) e devem ser considerados como valores estimados com elevada incerteza. O MIS 7, com uma duração total de cerca de 40 ka, compreende três picos de nível alto do mar (highstands), designados respectivamente por 7a (201193 ka; n.m.m. -10 m), 7c (220-212 ka; n.m.m. -5 m) e 7e (235-230 ka; n.m.m. -5 m). O MIS
D. Duarte, K. Volochay, R. Magalhães, S. Amaro & J. Cabral 45
9 apresenta um highstand principal correspondente ao sub-estádio 9c, que ocorreu há cerca de 330 ka (334-318 ka), em que o nível do mar terá estado próximo do nível actual (0 m), enquanto o MIS 11 corresponde a um highstand de idade compreendida entre cerca de 415 e 395 ka, em que o nível do mar terá estado, também, próximo do actual (0 m), embora a incerteza seja elevada (-10 m a +10 m).
Figura 6 – Diagrama representando curvas eustáticas inferidas por diversos autores com base na variação da razão O/16O em conchas de foraminíferos preservadas em sedimentos marinhos. Assinalam-se as cotas dos terraços marinhos identificados na região estudada e a correlação proposta com highstands de diferentes MIS (adaptado da figura 7.1, Siddall et al., 2007). Os rectângulos a negro representam margens de incerteza nos valores dos níveis eustáticos e das respectivas idades referidas em Siddall et al. (op. cit.) considerados no presente estudo. Figure 6 – Diagram showing eustatic sea-level estimates from a variety of sources, based on oceanic oxygen isotope (18O/16O) ratios recorded by calcareous foraminifera in marine sediments (adapted from figure 7.1, Siddall et al., 2007). The height of the inner edges of the terraces recognized in the present study and the proposed correlations with MIS highstands are shown. The black rectangles represent the uncertainties in the eustatic sea levels and ages as referred in Siddall et al. (op. cit.), which were considered in this study. 18
46 Caracterização de terraços marinhos entre Cascais e o Cabo da Roca
Considerando as correlações propostas, e tendo em conta a incerteza associada às observações e estimativas efectuadas, bem como a incerteza subjacente às idades dos MIS e respectivos níveis eustáticos apresentados em Bintanja et al. (2005) e Siddall et al. (2007), propõe-se um modelo de levantamento crustal para a região do Guincho e Cascais a uma taxa de cerca de 0,03 mm.a-1 entre o MIS 11 e o MIS 7, que se acelera para um valor de 0,13 mm.a-1 nos últimos 230 ka (do MIS 7 à actualidade). As velocidades de levantamento inferidas correspondem aos declives das rectas assinaladas na figura 5. O valor da velocidade de levantamento inferida para o período mais recente é compatível com taxas de levantamento já estimadas para o território continental português no Plio-Quaternário (Cabral, 2012), o que suporta, de alguma forma, as correlações e idades aproximadas propostas, embora a taxa de levantamento obtida para o período do MIS 11 ao MIS 7 seja uma ordem de grandeza inferior ao valor médio da velocidade de levantamento proposto por Cabral (2012), de 0,2 a 0,3 mm.a-1 nos últimos cerca de 3 milhões de anos. Considerando as taxas de levantamento propostas, pode inferir-se que a elaboração do terraço marinho correspondente ao MIS7 terá sido longa e multifaseada. Deverá ter-se iniciado no sub-estádio 7e, sendo o terraço depois abandonado no lowstand correspondente ao sub-estádio 7d, voltando a ser sensivelmente reocupado (embutimento de apenas cerca de 2 m, ou inferior?) durante o highstand correspondente ao sub-estádio 7c. O terraço foi retrabalhado ao longo deste sub-estádio e também do sub-estádio 7a, que ocorrem quase em continuidade eustática ao longo de um período de cerca de 30 ka. O terraço foi abandonado pelo mar durante todo o MIS6, correspondente a um nível eustático baixo, voltando a ser aproximadamente reocupado durante o highstand correspondente ao sub-estádio 5e. Esta evolução multifaseada, policíclica, poderá explicar a morfologia aplanada, disposta em rampa, que se observa na área litoral situada aproximadamente entre a praia do Guincho e a duna de Oitavos/Guia, onde, como se referiu, se mostrou difícil definir o rebordo interno do terraço T4, ou seja, diferenciá-lo do terraço T3, constatando-se uma situação semelhante na zona a este daquela praia. Como se referiu acima, o terraço inferior, T4, na generalidade talhado em unidades calcárias, caracteristicamente está mais degradado no sentido da arriba que define a actual linha de costa. A plataforma onde assenta o terraço T4 apresenta erosão por dissolução, desenvolvendo-se, neste caso, um
lapiás litoral, e/ou erosão mecânica, em que o rebaixamento erosivo progride em diversos locais por remoção de blocos de estratificação, gerando-se uma superfície estrutural que inclina suavemente para o quadrante SW ou S. No contexto desta topografia rebaixada, não se descarta a possibilidade de ocorrerem alguns testemunhos de um terraço erosivo embutido no nível T4, cuja identificação e caracterização implica estudos adicionais. A confirmação da presença desses testemunhos (como a W do Forte da Crismina) implicará uma revisão da cronologia proposta neste trabalho para os diferentes terraços identificados, cuja idade, nesse caso, se encontrará subestimada. Bibliografia Bintanja, R., van de Wal, R. S. W. & Oerlemans, J., 2005. Modelled atmospheric temperatures and global sea level over the past million years. Nature, 437: 125–128. Cabral, J., 2012. Neotectonics of mainland Portugal: state of the art and future perspectives. Journal of Iberian Geology, 38(1): 71-84. Kullberg, J. C., Terrinha, P., Pais, J., Reis, J. P. & Legoinha P., 2006. Arrábida e Sintra: dois exemplos de tectónica pós-rifting da Bacia Lusitaniana. In Dias, R., Araújo, A., Terrinha, P. & Kullberg, J. C. (edit.), Geologia de Portugal no contexto da Ibéria, Universidade de Évora, 369-396. Monge Soares, A. M., Moniz., C. & Cabral, J., 2006. A duna consolidada de Oitavos (a Oeste de Cascais – região de Lisboa) – a sua datação pelo método do radiocarbono. Comunicações Geológicas, 93: 105-118. Prudêncio, M. I., Marques, R., Rebelo, L., Cook, G. T., Cardoso, G. O., Naysmith, P., Freeman, S. T., Franco, D., Brito, P. & Dias, M. I., 2007. Radiocarbon and blue optically stimulated luminescence chronologies of the Oitavos consolidated dune (Western Portugal). Radiocarbon, 49(2): 1145 – 1151. Ramalho, M. M., Rey, J., Zbyszwski, G., Alves, C. A. M., Costa, C. & Kullberg, M. C., 2001. Notícia Explicativa da Carta Geológica de Portugal da Folha 34-C Cascais. Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa. 104 p. Siddall, M., Chappell, J. & Potter, E.-K., 2007. Eustatic Sea Level During Past Interglacials. The Climate of Past Interglacials, 7. Edited by Frank Sirocko, Martin Claussen, María Fernanda Sánchez Goñi and Thomas Litt, p. 75-92. Este artigo encontra-se redigido segundo o antigo Acordo Ortográfico.
associação portuguesa de geólogos
geonovas n.º 27: 47 a 56, 2014 47
Estruturação dos dados da Cartografia Geológica à luz da Diretiva INSPIRE Proposta para futura implementação A. Pereira*, G. Luís, P. Patinha & J. T. Oliveira Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P., Estrada da Portela, Bairro do Zambujal, Alfragide, Apartado 7586, 2720-866 Amadora; aurete.pereira@lneg.pt; gabriel.luis@lneg.pt; pedro.patinha@lneg.pt; tomas.oliveira@lneg.pt; *autora correspondente.
Resumo Para promover a disponibilização e reutilização da informação espacial essencial na definição e avaliação de políticas ambientais e/ou de atividades ligadas à área ambiental, a Comissão Europeia fez aprovar a Diretiva INSPIRE a 14 de março de 2007, que fixou as regras gerais para o estabelecimento da Infraestrutura de Informação Espacial na Europa (Comissão Europeia, 2007). Neste âmbito, o acesso aos dados espaciais será, preferencialmente, efetuado através de uma rede de serviços implementada na Internet (e.g. pesquisa, visualização, descarregamento). Embora a Diretiva INSPIRE não exija o levantamento de novos dados, obriga as autoridades públicas a cumprir com a implementação faseada dos modelos de dados dos temas dos seus anexos I, II e III. O Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) contribui, de forma ativa, na resolução de múltiplos problemas ambientais, graças ao vasto espólio de dados que detém, de que se destacam os da cartografia geológica. Estes dados fazem parte do tema Geologia do anexo II da Diretiva INSPIRE, devendo o LNEG garantir a criação dos respetivos metadados, e a sua harmonização e disponibilização. Futuramente, terá de passar a produzir em simultâneo a cartografia geológica e os respetivos metadados segundo procedimentos normalizados que a tornem interoperável a nível europeu. A harmonização dos dados da cartografia geológica implica a adoção do modelo de dados geológicos da Diretiva INSPIRE (INSPIRE GE), sendo para isso necessário reformular as atuais estruturas que suportam a sua gestão e disponibilização. O presente trabalho apresenta uma metodologia de implementação do INSPIRE GE na produção de cartografia geológica e sua integração no Sistema Nacional de Informação Geocientífica do LNEG, contribuindo para a estruturação e harmonização da futura base de dados (BD) institucional. A metodologia adotada consistiu na modelação de uma Geodatabase e respetiva aplicação à cartografia geológica da Antiforma do Rosário, da Faixa Piritosa Ibérica, tendo permitido verificar a viabilidade na produção de cartografia geológica oficial e ainda definir novo fluxo de trabalho na produção de cartas temáticas. A título de exemplo descreve-se o processo utilizado para obter o mapa litológico da Antiforma do Rosário. Palavras chave: LNEG; Cartografia geológica; Diretiva INSPIRE; harmonização; interoperabilidade. Abstract In order to promote the availability and reuse of spatial information essential for the definition and evaluation of environmental policies and/or activities related to the environment, the European Commission did approve the INSPIRE Directive on March 14th, 2007. This Directive has the purpose of setting general rules aimed at the establishment of the Infrastructure for Spatial Information in Europe. INSPIRE Directive aims to provide the users access to spatial datasets through network services, typically via Internet (e.g. discover, view, download). Although INSPIRE does not require collection of new spatial data it obliges public authorities to comply with the phased implementation of data models of the themes as described in annexes I, II and III. Geological map datasets held by the National Laboratory for Energy and Geology (LNEG) plays an important role in the resolution of several environmental issues. The present work deals essentially with one theme – Geology, as described in annex II of the Directive. To comply with the INSPIRE “obligations” LNEG must proceed with the creation of metadata and, in the near future, harmonize these datasets so as to be coherently and easily accessed through the Internet. Harmonization in this context means the transformation of data from source schemas or data models to the target INSPIRE data models. This work describes the use of the INSPIRE Geology data model (INSPIRE GE) for creating a new geological database (Geodatabase), aiming at building a more efficient, interoperable and harmonized data management. This Geodatabase has been successfully tested in LNEG’s geological map production process with data collected from the Rosario Antiform, a geologic structure that belongs to the Portuguese section of the Iberian Pyrite Belt, as well as including a newly defined automated workflow for creating different types of thematic maps. A lithological map concerning the Rosário Antiform is given as an example. Keywords: LNEG; Geological mapping; INSPIRE Directive; harmonization; interoperability.
48 Estruturação dos dados da Cartografia Geológica à luz da INSPIRE
1. Introducão Os recentes avanços das tecnologias de informação e comunicação e o aparecimento de ferramentas web como o Google Earth têm motivado uma mudança de atitude dos utilizadores de informação geocientífica. Hoje, já é possível aceder a grandes quantidades de informação no domínio das geociências, bastando para isso uma ligação à Internet. Mas será fácil encontrá-la e combiná-la de forma coerente, com layers de geoinformação provenientes de variadas fontes? Mais, será possível partilhá-la entre vários utilizadores e aplicações? E obter resultados adequados ao objetivo em vista? Estas questões de disponibilidade, qualidade, acessibilidade e partilha da informação espacial são comuns e sentidas a vários níveis da autoridade pública (Comissão Europeia, 2007). A Comissão Europeia, ciente da importância deste tipo de informação na sociedade, fez aprovar a Diretiva INSPIRE (INfrastructure for SPatial InfoRmation in Europe), a 14 de março de 2007 (Comissão Europeia, 2007), que fixa as regras gerais para o estabelecimento da Infraestrutura de Informação Geográfica na Europa, promovendo a disponibilização de informação espacial (utilizável na formulação, implementação e avaliação de políticas ambientais). A sua entrada em vigor constituiu um marco extremamente importante no campo da interoperabilidade, ao obrigar os Estados Membros a gerirem e a disponibilizarem a informação de acordo com princípios e regras comuns, fomentando a partilha de dados harmonizados através de um conjunto de serviços de dados geográficos. Ao criar as condições necessárias ao desenvolvimento e implementação de uma plataforma distribuída por servidores europeus, para permitir a pesquisa e manuseamento da informação espacial via Internet, esta Diretiva desempenha ainda o papel fundamental de garantir o acesso dos utilizadores a este tipo de informação. A Diretiva INSPIRE não requer a recolha de novos dados espaciais, cingindo-se apenas aos existentes em formato digital, da responsabilidade das autoridades públicas e referentes a um conjunto de temas distribuídos por três anexos. O LNEG participa no anexo II, com o tema Geologia, e no anexo III com os temas Recursos Minerais, Recursos Energéticos e Zonas de Risco Natural. No presente trabalho irá apenas ser focado o tema da Geologia, tendo sido selecionado um caso de estudo - a Antiforma do Rosário - que compreende uma área de aproximadamente 100 Km2 de cartografia geológica situada numa das principais províncias metalogénicas da Europa – a Faixa Piritosa Ibérica.
Os detalhes técnicos para a implementação da Diretiva INSPIRE são fornecidos sob a forma de regras de implementação, que tomam a forma de disposições legais, de cumprimento obrigatório por todos os Estados Membros, após consulta às instituições registadas no site da INSPIRE e aprovação pela Comissão Europeia. As disposições legais em vigor estabelecem as modalidades de aplicação da Diretiva INSPIRE em termos de: metadados; especificações de dados relativas aos temas do anexo I; serviços de rede; partilha de dados; monitorização e reporte. A entrada em vigor das disposições legais relativas às especificações de dados para os temas dos anexos II e III está prevista para finais de 2013, devendo o LNEG proceder à harmonização dos seus dados espaciais num futuro próximo (os novos dados até 2015 e os restantes até 2020). Após esta calendarização, os dados obtidos devem ser disponibilizados no Geoportal INSPIRE, que pode ser acedido através do endereço http://inspire-geoportal.ec.europa.eu/. A elaboração das especificações da Diretiva INSPIRE para a Geologia (inclui modelo INSPIRE GE) foi efetuada por um conjunto de especialistas de diversos Serviços Geológicos europeus e empresas de relevo na área das geociências (públicas e privadas), com a participação de todos os interessados incluindo o público em geral (INSPIRE Thematic Working Group Geology, 2013). Para fornecer dados de cartografia geológica harmonizada é necessário reformular as atuais estruturas de acordo com o modelo de dados INSPIRE GE ou criar serviços de transformação dos dados existentes. A opção pela implementação de serviços de transformação não foi considerada pelos seguintes motivos: • ser necessário reestruturar o atual modelo de gestão dos dados da cartografia geológica de forma a facilitar a sua reutilização; • dificuldades em criar os automatismos necessários à implementação dos serviços de transformação; • inexistência de técnicos informáticos com o conhecimento necessário ao desenvolvimento e implementação destes serviços de transformação. 2. A Diretiva INSPIRE nas atividades do LNEG O LNEG nomeou um grupo de trabalho, onde estão representadas todas as Unidades de Investigação da área da Geologia, que tem trabalhado para cumprir as disposições legais em vigor. O seu plano de ação tem seguido uma abordagem por fases, em consonância com o esquema da figura 1.
associação portuguesa de geólogos
A. Pereira, G. Luís, P. Patinha & J. T. Oliveira 49
A primeira fase deste plano de trabalhos consistiu em identificar, junto da Direção Geral do Território (DGT) (Ponto Nacional de Contato para a Diretiva INSPIRE), todos os conjuntos de dados espaciais existentes no LNEG, que reúnem as condições adequadas para a aplicação da Diretiva INSPIRE, representados na tabela 1. É desejável que esta lista inclua já as novas car-
• • • • • •
Metadata Discovery Service Data Policies Licensing Framework Coordinating Structures ...
• • • • • •
tas geológicas publicadas nos últimos anos. Numa segunda fase procedeu-se à criação dos respetivos metadados, utilizando o software MIG (editor de Metadados de Informação Geográfica Nacional) e à sua publicação no SNIG - Sistema Nacional de Informação Geográfica. A Diretiva INSPIRE obrigou ainda à reformulação do Sistema Nacional de Informação Geocien-
Geodetic Framework Seamless data Quality insurance Certification Data model ...
• • • • • • •
Catalog Services View Service Query Service Object Access Service Generalisation Services Geo-Processing services ...
Figura 1 – Fases para a criação de uma Infraestrutura de Dados Espaciais (INSPIRE Architecture and Standards Working Group, 2002). Figure 1 – Towards an Infrastructure for Spatial Information (INSPIRE Architecture and Standards Working Group, 2002). Tabela 1 – Conjuntos de dados espaciais e serviços propostos pelo LNEG para a aplicação da Diretiva INSPIRE. Table 1 – Spatial data sets and services presented by LNEG for INSPIRE Directive application.
Anexo III
Anexo II
Conjuntos de dados geográficos II.4 Geologia Recursos Hidrogeológicos Cartas Hidrogeológicas de Portugal à escala 1:200 000 Carta das Fontes e do Risco de Contaminação da Região de Entre-Douro-e-Minho Cartografia Geológica e Temática Carta Geológica de Portugal Continental à escala 1:2 000 000 Carta Geológica de Portugal à escala 1:1 000 000 Carta Geológica de Portugal à escala 1:500 000 Cartas Geológicas de Portugal à escala 1:200 000 Cartas Geológicas de Portugal à escala 1:50 000 Carta Geológica da Região do Algarve à escala 1:100 000 Carta Geológica Simplificada do Parque Arqueológico Vale do Côa à escala 1:80 000 Carta Geológica do Parque de Natureza de Noudar (Herdade da Coitadinha - Barrancos) à escala 1:10 000 Carta Geológica Simplificada do Parque Natural da Ria Formosa, Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António e Região Envolvente à escala 1:100 000 Carta Geológica Simplificada do Parque Natural da Serra da Estrela à escala 1:75 000
Serviços
Geoportal do LNEG Carta Geológica de Portugal à escala 1:500 000 (WMS) Carta Geológica de Portugal à escala 1:1 000 000 (WMS) Base de Dados dos Recursos Hidrogeológicos (WMS)
III.12 Zonas de risco natural Carta Neotectónica de Portugal, à escala 1:1 000 000
Geoportal do LNEG
III.21 Recursos minerais Cartas de Ocorrências Minerais à escala 1:250 000 Carta de Ocorrências Minerais de Portugal à escala 1:500 000 Carta de Áreas de Exploração Mineira de Portugal à escala 1:500 000 Sistema de Informação de Ocorrências e Recursos Minerais Portugueses
Geoportal do LNEG Sistema de Informação de Ocorrências e Recursos Minerais Portugueses SIORMINP (WMS)
50 Estruturação dos dados da Cartografia Geológica à luz da INSPIRE
tífica do LNEG, de modo a satisfazer os requisitos de disponibilização da informação geográfica emanados pela Diretiva. Deste modo, foi criado o geoPortal do LNEG (Fig. 2) que é a infraestrutura de suporte à gestão e disponibilização integrada de dados espaciais na web. Nesta plataforma estão disponibilizados todos os metadados e serviços de dados espaciais institucionais, permitindo aos utilizadores pesquisar, visualizar e descarregar alguma da informação disponível. De referir ainda que esta aplicação foi totalmente desenvolvida no contexto da INSPIRE, encontrando-se assim em conformidade com os seus princípios e regras. Com a recente aprovação das disposições legais relativas aos temas dos anexos II e III, a 21 de Outubro de 2013, estão criadas as condições para se proceder à fase de harmonização dos dados, que envolve pelo menos três níveis: estrutura, semântica e representação. Neste contexto, este trabalho surge da necessidade de harmonizar as estruturas que suportam a produção de cartografia geológica em conformidade com as especificações INSPIRE da Geologia, disponíveis em http://inspire.jrc.ec.europa.eu/documents/ Data_Specifications/INSPIRE_DataSpecification_GE_v3.0rc3.pdf. A metodologia seguida consistiu no desenho de uma Geodatabase, com a finalidade de armazenar as entidades nucleares na produção de cartografia geológica, que depois de modelada foi testada no caso em estudo, o que permitiu aferir a sua viabilidade e ainda definir um novo fluxo de trabalho para a produção de cartas temáticas.
3. Objetivo A atual estrutura de armazenamento dos dados de cartografia geológica foi concebida essencialmente para cumprir com a publicação de cartas em papel, não tendo existido por isso necessidade de definição de políticas concretas para a normalização e disponibilização online. Para cada carta geológica é criada uma File Geodatabase, independente das restantes, que é normalmente reproduzida (em parte ou no seu todo) sempre que há necessidade de a reutilizar. Esta forma de gerir os dados acarreta problemas de integridade, comprometendo a segurança e dificultando o desenvolvimento de sistemas de informação consistentes. A abordagem usada neste trabalho difere da atual em termos de filosofia e estruturação dos dados, uma vez que reporta o desenvolvimento de uma nova Geodatabase para toda a cartografia geológica (que cumpre com as especificações de dados INSPIRE) e sua integração no Sistema Nacional de Informação Geocientífica do LNEG. A opção pelo desenvolvimento desta Geodatabase tem as seguintes vantagens, relativamente ao modelo existente: • contribui para a estruturação e implementação de uma infraestrutura única para armazenar os dados geológicos nacionais; • contribui para a integridade dos dados; • facilita a obtenção de outros produtos derivados da informação geológica de base, como por exemplo cartas litológicas e cronológicas; • contribui para a harmonização dos dados geológicos nacionais, conforme as especificações INSPIRE, permitindo a sua interoperabilidade a nível europeu. 4. Metodologia
Figura 2 – Página inicial do geoPortal do LNEG (http://geoportal.lneg.pt/). Figure 2 – Geoportal LNEG’s homepage (http://geoportal.lneg.pt/).
O facto de atualmente, a produção de cartografia geológica no LNEG ser realizada com software ArcGis Desktop, levou à opção pelo formato Geodatabase (formato de BD proprietário da ESRI). O modelo de dados INSPIRE GE, disponível em http://inspire.jrc.ec.europa.eu/index.cfm/pageid /2/list/datamodels, serviu de base ao desenho da Geodatabase com o software Enterprise Architect e Perfil UML (Unified Modelling Language) para ArcGis da Sparx Systems (Sparx Systems, 2012). Esta Geodatabase, representada na figura 3, foi posteriormente importada para ArcGis e implementada em SQL Server 2008, que é o Sistema de Gestão de Bases de Dados (SGBD) utilizado na disponibilização da informação geocientífica do LNEG.
associação portuguesa de geólogos
O sistema de referência de coordenadas adotado foi o «ETRS 1989 Portugal TM06», cumprindo assim com os requisitos relativos a sistemas de referência de coordenadas (Comissão Europeia, 2010). Todas as classes espaciais contêm o campo do identificador único INSPIRE (inspireId), para referenciar externamente os objetos espaciais e ainda um campo para o identificador interno (Id) que funciona como chave-primária. Foram adotadas as convenções UpperCamelCase para designar as classes e as respetivas associações e lowerCamelCase para os atributos e os papéis das classes nas associações. Assim, por exemplo, o nome da classe Geologic Unit é constituída por duas palavras que aparecem juntas com a primeira letra de cada palavra em maiúsculas (GeologicUnit). Aos nomes dos domínios foi adicionado o sufixo «Value».
A. Pereira, G. Luís, P. Patinha & J. T. Oliveira 51
Para armazenar os dados relativos a Portugal Continental, foi criada uma Feature Dataset (Geology) com quatro classes espaciais: • unidade cartografada (MapUnit); • unidade geomorfológica (GeomorphologicUnit); • falha (ShearDisplacementStructure); • dobra (Fold). Foi ainda criada uma classe (GeologicUnit), que permite armazenar os dados não espaciais associados às unidades cartografadas, nomeadamente o nome (name), o tipo de unidade geológica (geologicUnitType), a regra de representação cartográfica (unitRuleId) e o respetivo identificador uniforme do recurso (URI - Uniform Resource Identifier). O URI constitui um identificador único, que permite estabelecer a ligação a um vocabulário na Internet, que contém mais informação sobre o termo geológico, nomeadamente
Figura 3 – Diagrama da Geodatabase (adaptado de Pereira, A., 2012). Figure 3 – Geodatabase diagram (adapted from Pereira, A., 2012).
52 Estruturação dos dados da Cartografia Geológica à luz da INSPIRE
Figura 4 – Um único URI para vários idiomas de pesquisa (adaptado de Pereira et al., 2011). Figure 4 – Unique multilingual identifier URI (adapted from Pereira et al., 2011).
Figura 5 – Página de acesso ao serviço de registos INSPIRE para os valores da litologia (http://inspire. ec.europa.eu/codelist/ LithologyValue). Figure 5 – INPIRE registry service web page for lithology values (http://inspire.ec.europa.eu/codelist/ LithologyValue).
Figura 6 – Vocabulário das idades disponível na Internet. Pesquisa do termo ‘Holocénico’ através do seu URI=http:// resource.geosciml.org/classifier/ics/ischart/Holocene. Figure 6 – Spatial Information Services Stack Vocabulary Service. Searching the term ‘Holocene’ through its URI=http://resource.geosciml.org/classifier/ics/ischart/Holocene.
a sua definição e referência bibliográfica. Este identificador é independente do idioma de pesquisa, assegurando assim a harmonização semântica entre os termos portugueses e os standards europeus (Fig. 4). Entre as unidades geológicas e as unidades cartografadas foi estabelecida uma associação de um para muitos, uma vez que uma unidade geológica pode ter várias representações gráficas mapeadas (polígonos). Esta associação é definida pelo identificador da unidade geológica (geologicUnitId). Para a caracterização das unidades geológicas, procedeu-se à criação das classes Litologia (CompositionPart) e Idade (GeologicEvent). A classe Litologia contém um campo descritivo dos constituintes rochosos de cada unidade geológica (material), um URI e um campo identificador da regra de representação cartográfica (lithologyRuleId). Esta classe contém ainda o papel (role) das litologias na unidade (e.g. componente único, parcial) e a sua proporção relativa (proportion). Entre as unidades geológicas e as litologias foi estabelecida uma associação compósita de um para muitos. Os constituintes rochosos são controlados por um domínio (LithologyValue) cujos valores são geridos através do serviço de registos INSPIRE (Fig. 5). Este domínio é do tipo aberto o que quer dizer que pode ser alargado caso o valor proposto não exista no registo. Tais valores adicionais devem ser publicados no registo INSPIRE e não devem substituir ou redefinir qualquer valor já especificado. A hierarquia entre as litologias é representada pela associação Pai (Father), que relaciona uma litologia ao nível hierárquico superior (fatherId). Por exemplo, uma “Areia” que é uma “Rocha Sedimentar” tem no atributo fatherId, o valor correspondente ao identificador da “Rocha Sedimentar”. Esta hierarquização é fundamental para a realização de pesquisas com base nestes critérios. A classe Idade contém campos para registar as idades da base (olderNamedAge) e do topo (youngerNamedAge) de uma unidade geológica, os URI e as regras de representação cartográfica da idade da base (ageRuleId). As idades foram associadas ao domínio GeochronologicEraValue, cujos valores são geridos pela Comissão Internacional de Estratigrafia da União Internacional das Ciências Geológicas (Fig. 6). Os valores permitidos para este domínio compreendem os termos especificados na Tabela Estratigráfica Internacional (International Union of Geological Sciences, 2013), mais os que foram adicionados no âmbito do projeto OneGeology-Europe (Asch et al., 2010). Os campos unitRuleId, lithologyRuleId e ageRuleId foram adicionados para permitir o cálculo automático das regras de representação cartográfica essenciais à produção dos mapas geológico, litológico e cro-
associação portuguesa de geólogos
nológico da Antiforma do Rosário (procedimento explicado no ponto 5.2 tomando como exemplo a obtenção do mapa litológico). À classe das falhas foram adicionados três atributos: o tipo de falha (faultType), o tipo e o sentido do movimento (movementType e movementSense). A classe Unidade Geomorfológica foi dividida em dois subtipos: natural (NaturalGeomorphologicFeature) e antropogénica (AnthropogenicGeomorphologicFeature), para distinguir as formas do relevo originadas por processos naturais das que tiveram também intervenção humana. Na figura 3 estão representadas somente as unidades geomorfológicas do tipo polígono, mas existem outras do tipo linha e ponto que poderão ser modeladas futuramente. Normalmente a geomorfologia não é representada nas cartas geológicas portuguesas, no entanto ela é obrigatória segundo as especificações da Diretiva INSPIRE para a Geologia (INSPIRE Thematic Working Group, 2013). 5. Caso de estudo Uma vez implementado o modelo de dados e estruturado o Sistema de Informação Geográfica (SIG), foi necessário proceder ao seu carregamento com dados reais e efetuar as operações de geoprocessamento necessárias à obtenção dos mapas geológicos, o que permitiu avaliar a sua capacidade de resposta. Este procedimento possibilitou, tam-
A. Pereira, G. Luís, P. Patinha & J. T. Oliveira 53
bém, a verificação de “lapsos” e identificação das principais dificuldades encontradas na implementação da metodologia proposta. Para este efeito, foram utilizados dados de cartografia geológica à escala 1:25 000, da Antiforma do Rosário (Oliveira et al., 2013), que é uma estrutura geológica pertencente à Faixa Piritosa Ibérica, localizada no concelho de Castro Verde, Alentejo (Fig. 7). A escolha desta cartografia específica deveu-se principalmente às seguintes razões: • ser uma área bem estudada devido ao elevado potencial mineiro, já que na extremidade SE desta Antiforma está situada a mina de Neves Corvo, uma das principais minas produtoras de cobre do mundo; • possuir cartografia geológica disponível em formato shapefile, reunindo assim as condições adequadas para a aplicação da Diretiva INSPIRE; • pertencer à Folha 46-C Almodôvar, da Carta Geológica de Portugal à escala 1:50 000, cuja produção está em curso. A aplicação do modelo de dados ao caso em estudo permitiu obter três mapas temáticos distintos da Antiforma do Rosário mas complementares, nomeadamente o geológico, o litológico e o cronológico. 5.1 Harmonização dos dados Na atual estrutura de armazenamento dos dados da cartografia geológica, a informação das litologias
Figura 7 – Localização da Antiforma do Rosário. Geologia adaptada da Carta Geológica de Portugal à escala 1:1 000 000, LNEG, edição de 2010. Figure 7 – Rosário Antiform location. Geology adapted from the Geological Map of Portugal scale 1:1 000 000, LNEG, 2010.
54 Estruturação dos dados da Cartografia Geológica à luz da INSPIRE
e das idades está descrita numa mesma tabela que é associada a cada uma das unidades cartografadas, através de uma operação de Join. No modelo proposto neste trabalho, foram definidas duas classes distintas: uma para descrever as idades e outra para descrever as litologias, sendo a associação a cada unidade geológica realizada através de associações de um para muitos. Na figura 8 pode observar-se a associação entre as unidades geológicas e as litologias. Em relação aos termos litológicos utilizados, foi estabelecida a correspondência entre os conceitos portugueses e ingleses. Este processo foi mais ou menos direto, havendo apenas a salientar a necessidade de adaptar alguns termos litológicos ao termo mais geral do vocabulário de litologias INSPIRE, uma vez que este não tem o detalhe necessário para a cartografia geológica à escala 1:25 000. Por exemplo, o jaspe e o cherte, dois litótipos que ocorrem na área, foram classificados como “Rocha sedimentar siliciosa não detrítica”, por não existirem os termos correspondentes no vocabulário de litologias INSPIRE. Alguns campos não puderam ser preenchidos por ainda não terem sido definidos, como por exemplo os URI das unidades geológicas. Esta ação passa pela formalização de um dicionário de Formações Geológicas. Os troços de falha tiveram de ser agregados em segmentos de falha, tendo sido inferido o tipo e o sentido do movimento. 5.2 Resultados Para a produção dos mapas geológico, litológico e cronológico da Antiforma do Rosário foram desenvolvidos três modelos, em ModelBuilder do ArcGis Desktop, com as operações de geoprocessamento necessárias ao cálculo automático das regras de representação cartográfica, definidas para cada tipo de mapa. A ESRI disponibiliza esta ferramenta para a criação da simbologia (cores, padrões, etc.) essencial à representação dos elementos gráficos do tipo ponto, linha e polígono que compõem um mapa. A associação de múltiplas representações cartográficas à Geodatabase constitui a principal vantagem desta ferramenta, sendo por isso muito útil na produção temática de mapas geológicos. Neste trabalho, e a título de exemplo, optou-se por descrever apenas o processo seguido para a obtenção do mapa litológico da Antiforma do Rosário, dado que o processo de obtenção dos restantes mapas é muito idêntico. A escolha da simbologia para representar as diferentes litologias baseou-se nas especificações INSPIRE da Geologia (INSPIRE Thematic Working Group Geology, 2013). Com base neste
documento foram criadas e implementadas as respetivas regras de representação cartográfica e posteriormente executadas as seguintes operações: • preenchimento do campo identificador da regra de representação cartográfica para cada uma das litologias (lithologyRuleId); • associação das litologias às unidades cartografadas através de operações de Join; • cálculo das regras de representação cartográfica de cada uma das litologias no mapa através da operação Field Calculator. Na figura 9 é apresentado o mapa litológico da Antiforma do Rosário, resultante da aplicação da metodologia anteriormente descrita, onde estão representadas as principais litologias aflorantes obtidas através de uma pesquisa efetuada ao campo “proportion” para os termos ‘all’, ‘dominant’, ‘major’ e ‘predominant’. 6. Conclusões O principal resultado deste trabalho consistiu na obtenção de uma Geodatabase, que responde eficazmente ao objetivo proposto, pelo que a sua implementação futura na produção da cartografia geológica oficial irá certamente reformular os procedimentos e formas de trabalho, beneficiando quem produz e utiliza os dados da cartografia geológica. A utilização do software Enterprise Architect, para além de permitir gerar, automaticamente, a estrutura de dados pretendida em ArcGis, possibilita também efetuar as iterações necessárias ao seu aperfeiçoamento e desenvolvimento, num ambiente de modelação open standard e universal, com acesso aos normativos e requisitos da Diretiva INSPIRE. A Geodatabase obtida apresenta numerosas vantagens, das quais se enumeram as seguintes: • é compatível com o SIG que suporta a produção de cartografia geológica; • não existe necessidade de duplicar a informação por vários ficheiros, contribuindo assim para a sua integridade, uma vez que os dados assentam em ambiente de gestão centralizado; • poderá contribuir para a reestruturação dos dados da cartografia geológica, uma vez implementada em ambiente de produção; • facilita a implementação de operações de geoprocessamento; • contribui efetivamente para a interoperabilidade e reutilização dos dados da cartografia geológica. A aplicação da metodologia proposta ao caso em estudo permitiu constatar a viabilidade na produção de cartografia geológica e ainda definir um novo fluxo de trabalho para a obtenção de cartas temáticas. Este trabalho constitui, também, um primeiro
associação portuguesa de geólogos
A. Pereira, G. Luís, P. Patinha & J. T. Oliveira 55
Figura 8 – Associação de um para muitos entre as unidades geológicas e as litologias. Figure 8 – One to many association between geological units and lithologies.
Figura 9 – Mapa das principais litologias da Antiforma do Rosário. Figure 9 – Map of Rosário Antiform’s main lithologies.
56 Estruturação dos dados da Cartografia Geológica à luz da INSPIRE
contributo para a harmonização semântica dos dados, embora simplificado, por se tratar de pequena área de estudo. A aplicação à totalidade dos dados da cartografia geológica irá certamente levantar problemas mais complexos a este nível, cuja resolução poderá passar pelo desenvolvimento de ontologias (ver os trabalhos de Ludascher et al., 2003; Woodcock et al., 2010; Ma et al., 2012). Num futuro próximo será necessário acautelar o registo dos termos específicos da geologia portuguesa nas listas de valores INSPIRE e criar os identificadores de objeto externo (inspireId) e garantir a consistência dos dados da cartografia geológica a todas as escalas de representação e nas regiões fronteiriças (INSPIRE Drafting Team Data Specifications, 2013). Por fim, deverão ser criados os respetivos serviços de visualização e descarregamento para permitir o acesso aos dados da cartografia geológica, através do geoPortal do LNEG. Estes serviços podem ser sujeitos à cobrança de taxas, de acordo com a política institucional de cedência de dados, devendo nestes casos, ser também disponibilizados serviços de comércio eletrónico. Agradecimentos Os autores agradecem ao LNEG a disponibilização dos condições necessárias à realização deste trabalho e à Sparx Systems pela cedência da licença do software Enterprise Architect 9.3, utilizado no desenho do diagrama da Geodatabase. Bibliografia Asch, K., Bavec, M., Bergman, S., Perez Cerdan, F., Declercq, P. Y., Janjou, D., Kacer, S., Klicker, M., Nironen, M., Pantaloni, M. & Schubert, C., 2010. OneGeology-Europe Scientific/Semantic Data Specification and - Generic Specification for Spatial Geological Data in Europe. ECP-2007-GEO-317001. Carta Geológica de Portugal à escala 1:1 000 000, edição de 2010, LNEG-LGM, Lisboa, ISNB: 978989-675-005-3. Comissão Europeia, 2007. Diretiva 2007/2/EC do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Março. Jornal Oficial da União Europeia. L 108 de 25.04.2007. [estabelece uma infraestrutura de informação geográfica na Comunidade Europeia (INSPIRE)], 1-14. Comissão Europeia, 2010. Regulamento Nº 1089/2010, Jornal Oficial da União Europeia, L 323 de 23.11.2010 [estabelece as disposições de execução da Diretiva 2007/2/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativamente à interoperabilidade dos
conjuntos e serviços de dados geográficos], 11-102. INSPIRE Architecture and Standards Working Group, 2002. INSPIRE Architecture and Standards Position Paper: Ispra, JRC-Institute for Environment and Sustainability, 64 p. INSPIRE Drafting Team Data Specifications, 2013. D2.5: Generic Conceptual Model, Version 3.3. http://inspire.jrc.ec.europa.eu/documents/Data_Specifications/ D2.5_v3.4rc3.pdf [consulta em Outubro, 2013]. INSPIRE Thematic Working Group Geology, 2013. D2.8.II.4 INSPIRE Data Specification on Geology - Draft Guidelines, version 3.0rc3. http://inspire. jrc.ec.europa.eu/documents/Data_Specifications/ INSPIRE_DataSpecification_GE_v3.0rc3.pdf [consulta em Outubro, 2013]. International Union of Geological Sciences, 2013. International Chronostratigraphic Chart. http:// w w w. s t r a t i g r a p h y. o r g / I C S c h a r t / C h r o n o s tratChart2013-01.pdf [consulta em Outubro 2013]. Ludascher, B., Lin, K., Brodaric, B. & Baru, C., 2003. GEON: Toward a Cyberinfrastructure for the Geosciences - A Prototype for Geologic Map Integration via Domain Ontologies. In Soller, D. R., (ed.), Digital mapping techniques ‘03, workshop proceedings. June 1-4, 2003, Millersville, Pennsylvania: Reston, Va., U.S. Dept. of the Interior, U.S. Geological Survey. Ma, X., Carranza, E. J. M., Wu, C. & Van Der Meer, F. D., 2012. Ontology-aided annotation, visualization, and generalization of geological time-scale information from online geological map services: Computers & Geosciences, 40: 107-119. Oliveira, J. T., Rosa, C., Pereira, Z., Rosa, D., Matos, J., Inverno,C. & Andersen, T., 2013. Geology of the Rosário-Neves Corvo antiform, Iberian Pyrite Belt, Portugal: new insights from physical volcanology, palynostratigraphy and isotope geochronology studies. Mineralium Deposita, v. 48(6): 749-766. DOI 10.1007/s00126-012-0453-0. Pereira, A., 2012. Implementação da Diretiva INSPIRE na produção de cartografia geológica: O caso de estudo da Antiforma do Rosário, Faixa Piritosa Ibérica. Tese de mestrado em Ciência e SIG, ISEGI-Universidade Nova de Lisboa, 131 p. Pereira, A., Antunes, C. & Almeida, P., 2011. SIG nas Organizações: O Caso do LNEG. Trabalho da Unidade Curricular de SIG nas Organizações do Curso de Mestrado em C&SIG, ISEGI-UNL, Lisboa. Sparx Systems, 2012. Sparx Systems Releases Profile for Esri® ArcGIS™ in Enterprise Architect: Australia. http://www.sparxsystems.com.au/press/articles/ pdf/ArcGIS-Profile-Release.pdf [consulta em Abril, 2012]. Woodcock, R., Simons, B., Duclaux, G. & Cox, S., 2010. AuScope’s use of Standards to Deliver Earth Resource Data, Geophysical Research Abstracts, v. 12, European Geosciences Union General Assembly 2010.
geonovas n.º 27: 57 a 63, 2014 57
associação portuguesa de geólogos
Transformação de coordenadas cartográficas O exemplo da região de Granja (NW do Ceará, Brasil) A. J. F. Silva1,*, A. C. Teodoro2,3, L. Duarte2,3, J. A. Gonçalves2, J. A. Nogueira Neto4, M. R. Azevedo1 & B. Valle Aguado1 Universidade de Aveiro, Departamento de Geociências, GeoBioTec, Campus de Santiago, 3810-193, Aveiro, Portugal; Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território; 3 Centro de Investigação em Ciências Geo-Espaciais, Rua do Campo Alegre 687, 4169-007, Porto, Portugal; 4 niversidade Federal do Ceará, Departamento de Geologia, Recursos Minerais e Geodinâmica, Campus do Pici, Bloco 912, 60.455-760, Fortaleza - CE, Brasil; *antoniojsilva@ua.pt; autor correspondente. 1
2
Resumo Este estudo tem como principal objetivo mostrar a importância de se efetuar a análise metódica da cartografia de base que suporta a produção de Cartografia Geológica, antes de iniciar o trabalho de campo. Em certas regiões, as cartas base publicadas estão ainda associadas a redes geodésicas clássicas, o que obriga a proceder à transformação de coordenadas para assegurar que todos os dados geo-espaciais são definidos no mesmo sistema de referência espacial. Neste estudo, selecionaram-se 8 pontos localizados sobre as cartas publicadas na região de Granja (NW do Ceará, Brasil), determinaram-se as coordenadas no Datum topocêntrico das cartas (CA 70-72) e procedeu-se à sua transformação para os Data geocêntricos WGS84 e SIRGAS2000. As diferenças entre as coordenadas obtidas nos três sistemas são residuais, indicando que erros introduzidos quando se desconsideram parâmetros essenciais como o Datum Geodésico são, neste caso, mínimos para efeitos de Cartografia Geológica. Palavras-chave: Sistemas de Referência Espaciais; Transformação de Coordenadas; Datum SIRGAS2000. Abstract This study draws attention to the importance of conducting a detailed analysis of cartographic products that sustain the Geological Mapping before starting the field work. In some regions, the published base maps are still related to classical geodetic networks. Therefore, it is fundamental to perform the adequate coordinate transformation to ensure that all spatial data are defined relatively to the same spatial reference system. This is particularly relevant when GPS and GIS are used to obtain and plot spatial data. The present study involved the selection of 8 points located on the published maps for the Granja region (NW Ceará, Brazil), the determination of their coordinates in the CA 70-72 topocentric map Datum and their subsequent transformation to the geocentric Data WGS84 and SIRGAS2000. The differences between coordinates are residual, indicating that the error introduced when essential parameters such as the Geodetic Datum are disregarded are, in this case, minimum. Keywords: Spatial Reference Systems; Coordinate Transformations; Datum SIRGAS2000.
Introdução A cartografia, como ciência, tenta representar no plano a dificilmente concebível superfície curva da Terra, a que chamamos geoide (Catalão, 2010). Define-se geoide como a superfície equipotencial do campo gravítico terrestre que melhor se ajusta ao nível médio das águas do mar (Fig. 1). A sua forma é bastante próxima da superfície de um elipsoide de revolução achatado, designado em cartografia como elipsoide de referência (Fig. 1). O geoide é determinado através de métodos gravimétricos e astro-geodésicos e, mais recentemente, recorrendo a tecnologias espaciais. A sua inclinação
em relação ao elipsoide de referência é dada pelo ângulo formado pela vertical do lugar (normal ao geoide) e a normal ao elipsoide (normal). A forma e a dimensão do elipsoide de referência são definidas pelos seguintes parâmetros geométricos: a – dimensão do semi-eixo maior; b – dimensão do semi-eixo menor; f – achatamento, em que f = (a-b/a) e; e – excentricidade, em que e = (2 f - f 2). Quando se pretendem representar zonas extensas da superfície terrestre numa superfície plana, é necessário adotar sistemas de representação plana do elipsoide. Como este não é planificável, qualquer que seja o método de representação usado,
58 Transformação de coordenadas cartográficas
haverá sempre distorções. Existem diferentes tipos de projeção cartográfica, dependendo dos métodos de projeção aplicados (e.g. planas/azimutais, cónicas, cilíndricas), da sua coincidência (tangente, secante e poli-superficial), da posição da superfície de projeção (normal, transversa, oblíqua) e das suas propriedades cartográficas, i.e., se representam corretamente as áreas, distâncias ou formas (equivalentes, equidistantes e conformes, respetivamente), de acordo com Catalão (2010). O conjunto de transformações analíticas que permitem relacionar as coordenadas geodésicas dos pontos sobre o elipsoide e as correspondentes coordenadas cartesianas na carta constitui um sistema de projeção. A sua caracterização completa requer a definição do Datum Geodésico, das coordenadas geodésicas do ponto central da projeção, da origem das coordenadas cartográficas, do fator de escala e da expressão analítica da projeção. Os Data geodésicos podem ser agrupados em duas categorias: locais e globais. Um Datum local, ou topocêntrico, é constituído por um elipsoide de referência, posicionado num ponto terrestre de coordenadas astronómicas conhecidas, de tal forma que as coordenadas elipsoidais desse ponto coincidam com as coordenadas astronómicas. Em contrapartida, um Datum global, ou geocêntrico, é definido por um elipsoide de referência, posicionado de modo a que o seu centro coincida com o centro de massa da Terra e o eixo polar, com a posição média do eixo de rotação da Terra (Fig. 2). As redes geodésicas
construídas por triangulação sobre o elipsoide de referência constituem a base para a materialização das representações cartográficas bidimensionais. As vantagens resultantes da adoção de uma cartografia mundial única e uniforme são universalmente conhecidas. No entanto, isto implica três condições fundamentais: (a) escolha de um elipsoide internacional, que se adapte às necessidades de todos os países; (b) seleção de um Datum comum para todas as triangulações e (c) escolha de um sistema comum de representação plana conforme (Catalão, 2010). No Brasil, o referencial geodésico em que se baseia a cartografia de base passou por grandes transformações ao longo do tempo: Criciúma/Itararé, Córrego Alegre 1961, Córrego Alegre 1970 + 1972, PSAD56, Astro Chuá, SAD 69, SAD 69/96 e SIRGAS2000 (Marotta & Rodrigues, 2011). Recentemente, o Brasil aderiu ao Sistema Geocêntrico de Referência para a América do Sul (SIRGAS2000), criado com vista a promover a definição e estabelecimento de um referencial único compatível, em termos de precisão, com as tecnologias modernas de posicionamento (GPS). Este sistema foi oficialmente adotado em 2005, embora se encontre em fase de transição até 2014, com a recomendação de que a nova cartografia publicada aplique o SIRGAS2000. Ao Datum Geodésico SIRGAS são aplicados os parâmetros do Elipsoide GRS80 (Geodetic Reference System 1980), com características muito semelhantes às do WGS84 (World-
Figura 1 – Relação entre o elipsoide e o geoide com a topografia; N - ondulação do geoide; h - altitude elipsoidal ou geométrica; H - altitude ortométrica. Figure 1 – Relationships between the ellipsoid and the geoid with the topography, N - geoid undulation; h - ellipsoidal or geometric height, H - orthometric height.
Figura 2 – Representação esquemática de um Datum local e um Datum global quanto ao posicionamento do elipsoide de referência com o geoide (Extraído de Gaspar, 2005). Figure 2 – Schematic representation of a local and global Datum regarding the positioning of the reference ellipsoid with the geoid (From Gaspar, 2005).
associação portuguesa de geólogos
A. Silva, A. Teodoro, L. Duarte, J. Gonçalves, J. Neto, M. Azevedo & B. V. Aguado 59
Geodetic System 1984), sendo por isso praticamente equivalente ao sistema WGS84 para efeitos práticos de cartografia (Tabela 1). No entanto, tal como noutras regiões do mundo, muitos dos produtos cartográficos publicados no Brasil ainda estão associados a redes geodésicas clássicas, o que causa problemas quando se pretende compatibilizar informações geográficas de diferentes origens (Gonçalves, 2008). A transformação de coordenadas torna-se, por isso, uma etapa fundamental no processo de preparação de mapas para o trabalho de campo e posterior georreferenciação nos SIG. No caso em estudo, as três cartas topográficas disponíveis (escala 1:100 000) baseiam-se no referencial geodésico topocêntrico Córrego Alegre (CA 70-72), tendo o ponto Córrego Alegre como vértice, o Elipsoide de Hayford de 1924 como superfície de referência (Tabela 1) e a projeção conforme e cilíndrica UTM (Universal Transversa Mercator) como sistema de representação. No sistema UTM, a superfície da Terra compreendida entre os paralelos 84º N e 80º S é dividida em fusos por uma série de meridianos, regularmente intervalados de 6º (Fig. 3). Para cada fuso, utiliza-se um cilindro secante, minimizando assim as deformações. Constituem-se, assim, 60 fusos, numerados de 1 a 60, a partir do anti-meridiano de Greenwich (longitude 180º) que vão crescendo para Leste. Cada fuso é segmentado em zonas através de paralelos regularmente espaçados de 8º, dando origem a uma rede de zonas de 6º x 8º, identificadas por uma letra, desde C a X, com exceção do I e do O. Os eixos de referência de cada fuso são constituídos pelo meridiano central do fuso e pelo equador. Por convenção, atribuiu-se ao meridiano central do fuso uma distância fictícia à meridiana de 500 000 metros (False Easting) para evitar coordenadas negativas para os pontos situados a oeste deste. Por razões semelhantes, atribuiu-se ao equador uma distância fictícia à perpendicular de 0 ou 10 000 000 metros (False Northing), conforme se trate de pontos localizados nos hemisférios Norte ou Sul (cf. Gaspar, 2005; Catalão, 2010) (Fig. 3).
O sistema completa-se com a criação de uma malha de quadrados que constitui a quadrícula de referenciação UTM. Para referenciar as posições de um ponto no sistema UTM usam-se as suas coordenadas False Easting e False Northing, sendo o metro a unidade de comprimento. Cobertura topográfica da região de Granja Com a crescente utilização dos sistemas de posicionamento GPS (Global Positioning System) e dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG), torna-se cada vez mais importante ter em atenção o Datum Geodésico usado na elaboração de mapas topográficos e geológicos de base para evitar desfasamentos de posicionamento entre dados geo-espaciais com diferentes origens. A região de Granja (NW do Ceará) é coberta por três cartas topográficas (Granja, Camocim e Chaval), na escala 1:100 000, com coordenadas
Figura 3 – Esquematização da Projeção Universal Transversa de Mercator indicando os principais dados relativos à Zona 24 do Hemisfério Sul (Extraído e modificado de Gaspar, 2005). Figure 3 – Schematic diagram of the Universal Transverse Mercator Projection showing the key data concerning Zone 24 in the Southern Hemisphere (Modified from Gaspar, 2005).
Tabela 1 – Principais parâmetros dos elipsoides de Hayford, GRS80 e WGS84. Table 1 – Main parameters of the Hayford, GRS80 and WGS84 ellipsoids. ELIPSOIDE
a (m)
b (m)
f
Hayford (1924)
6378388
6356911,9000
1/297,0000000
GRS80
6378137
6356752,3141
1/298,2572221
WGS84
6378137
6356752,3142
1/298,2572235
60 Transformação de coordenadas cartográficas
retangulares UTM, que ainda estão referenciadas ao Datum Córrego Alegre 1970 + 1972 (CA 7072). O ponto de fixação de coordenadas, λ = 19° 50’ 14,91” S, ϕ = 48° 57’ 41,98” W e H = 683,81 metros, está situado no Estado de Minas Gerais. A região faz parte da Zona 24 (Hemisfério Sul), meridiano central 39º W. O valor do coeficiente de deformação dos comprimentos (k) é de 0,9996. Para avaliar os desvios de posicionamento entre este referencial geodésico e os sistemas WGS84 e SIRGAS2000 foi elaborado um estudo a partir das coordenadas geográficas (longitude e latitude) de 8 pontos localizados nos vértices das três cartas (Fig. 4).
Metodologia Para efeitos de comparação de coordenadas seguiu-se uma metodologia que envolveu os seguintes passos: 1. Partindo das coordenadas geográficas projetadas dos vértices das três cartas, procedeu-se ao cálculo das respetivas coordenadas cartesianas UTM (E - False Easting, N - False Northing) através da aplicação PROJ (PROJ.4 Cartographic Projections Library), com o código: proj +ellps=intl +proj=utm +zone=24 +south (Fig. 5). Originalmente desenvolvido no USGS (United States Geological Survey), o PROJ é atualmente uma ferramenta standard, de código aberto e associada ao projecto OSGeo (Open Source Geospatial Foundation);
Figura 4 – Cobertura topográfica do NW do Ceará (escala 1:100 000), mostrando as cartas e os respetivos vértices utilizados nas transformações de coordenadas. Figure 4 – Topographic coverage of NW Ceará (1:100 000 scale), showing the maps and their vertices used in coordinate transformations.
Figura 5 – Imagem da aplicação PROJ mostrando os resultados do cálculo das coordenadas cartesianas projetadas (X, Y) a partir das coordenadas geográficas (Long, Lat) para os vértices das cartas topográficas do NW do Ceará. Figure 5 – Program PROJ image showing the calculation results of the projected Cartesian coordinates (X, Y) from the geographic coordinates (Long, Lat) on 8 vertices of the Northwestern Ceará topographic maps.
associação portuguesa de geólogos
A. Silva, A. Teodoro, L. Duarte, J. Gonçalves, J. Neto, M. Azevedo & B. V. Aguado 61
2. Em seguida, efetuou-se a conversão das coordenadas geográficas no Datum CA 70-72 para coordenadas geográficas no Datum WGS84, recorrendo à aplicação cs2cs (PROJ.4 Cartographic Coordinate System Filter), com o código: cs2cs +init=epsg:4225 +to +init=epsg:4326 (Fig. 6). A aplicação cs2cs permite realizar transformações entre o sistema cartográfico fonte e o sistema cartográfico de destino a partir de um conjunto de pontos de entrada, associando códigos numéricos aos parâmetros dos sistemas de coordenadas (identificadores EPSG - European Petroleum Survey Group);
3. Seguiu-se a conversão das coordenadas geográficas no Datum WGS84 para coordenadas cartesianas UTM (E, N) no mesmo Datum, através da aplicação PROJ (proj +ellps=WGS84 +proj=utm +zone=24 +south), como se pode ver na Fig. 7; 4. Em paralelo, procedeu-se, igualmente, à transformação das coordenadas cartesianas UTM no Datum CA 70-72, obtidas previamente através da aplicação PROJ (ponto 1), para o Datum SIRGAS2000. Para o efeito, utilizou-se o software ProGriD, desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Figura 6 – Transformação de coordenadas geográficas do Datum Córrego Alegre (1970 + 1972; EPSG:4225) para coordenadas geográficas no Datum WGS84 (EPSG:4326) usando a aplicação cs2cs. Figure 6 – Transformation of geographic coordinates in Córrego Alegre Datum (1970 + 1972; EPSG: 4225) to geographic coordinates in WGS84 Datum (EPSG: 4326) using the cs2cs application.
Figura 7 – Conversão de coordenadas geográficas no Datum WGS84 (input: Long, Lat) para coordenadas cartesianas no mesmo Datum (output: X, Y). Figure 7 – Conversion of geographic coordinates in WGS84 Datum (input: Long, Lat) to Cartesian coordinates in the same Datum (output: X, Y).
62 Transformação de coordenadas cartográficas
Com base nos resultados obtidos, compilaram-se os valores das coordenadas cartesianas UTM (E, N) nos diferentes Data e verificou-se que os desvios encontrados são relativamente pequenos (Tabelas 2 e 3). Resultados e conclusões As diferenças entre os valores das coordenadas UTM nos Data CA 70-72, SIRGAS2000 e WGS84 obtidas para os 8 pontos são residuais, indicando que erros introduzidos quando se desconsidera o Datum Geodésico são, neste caso, mínimos. As ligeiras diferenças entre as coordenadas UTM Easting e Northing (Tabelas 2 e 3) nos três sistemas estudados, podem ser atribuídas a variações na forma e dimensão dos elipsoides de referência adotados em cada um dos sistemas, assim como, às distintas redes geodésicas (Datum local vs. Datum global) sobre as quais foram determinadas.
Para efeitos de cartografia geológica, a escalas compreendidas entre 1:25 000 a 1:250 000, os desvios observados são praticamente irrelevantes, até porque a precisão associada à informação de geoposicionamento fornecida pelos dispositivos GPS é de aproximadamente 10 metros. De qualquer modo, é sempre recomendável que os mapas topográficos em que se baseia a cartografia geológica e os dados de geoposicionamento adquiridos durante o levantamento geológico estejam referidos ao mesmo Datum. Através da aplicação ArcGIS 10.1 é possível georreferenciar a cartografia topográfica e/ou geológica publicada ao Datum em que se obtêm os dados geo-espaciais que se pretendem projetar. Assim, numa fase subsequente, procedeu-se à georreferenciação das cartas de Granja, Camocim e Chaval (Datum CA 70-72) no Datum SIRGAS2000, usando os valores das coordenadas cartesianas obtidas previamente (ponto 4) para os vértices das três cartas. Tendo em conta
Tabela 2 – Valores da coordenada cartesiana X (False Easting) para os 8 pontos nos diferentes Data geodésicos. Table 2 – The Cartesian coordinate X values (False Easting) for the 8 points in the different geodetic Data. Ponto
Córrego Alegre | (λ , ϕ)
Córrego Alegre
WGS84
SIRGAS2000
X (m)
X (m)
X (m)
1 “-41dW; -2d30’S”
277606,42
277609,85
277606.35
2 “-40d30’W; -2d30’S”
333219,68
333223,26
333219.62
3 “-41d30’W; -3dS”
222092,04
222095,32
222091.32
4 “-41dW; -3dS”
277699,07
277702,51
277698.93
5 “-40d30’W; -3dS”
333289,14
333292,73
333289.41
6 “-41d30’W; -3d30’S”
222228,97
222232,26
222228.52
7 “-41dW; -3d30’S”
277808,56
277812,00
277808.57
8 “-40d30’W; -3d30’S”
333371,22
333374,81
333371.89
Tabela 3 – Valores da coordenada cartesiana Y (False Northing) para os 8 pontos nos diferentes Data geodésicos. Table 3 – The Cartesian coordinate Y values (False Northing) for the 8 points in the different geodetic Data. Ponto
Córrego Alegre | (λ , ϕ)
Córrego Alegre
WGS84
SIRGAS2000
Y (m)
Y (m)
Y (m)
1 “-41dW; -2d30’S”
9723500,75
9723493,99
9723492,86
2 “-40d30’W; -2d30’S”
9723574,87
9723568,11
9723566,79
3 “-41d30’W; -3dS”
9668085,74
9668078,84
9668078,47
4 “-41dW; -3dS”
9668200,08
9668193,19
9668192,50
5 “-40d30’W; -3dS”
9668288,97
9668282,09
9668281,45
6 “-41d30’W; -3d30’S”
9612765,65
9612758,59
9612758,19
7 “-41dW; -3d30’S”
9612898,97
9612891,92
9612891,55
8 “-40d30’W; -3d30’S”
9613002,60
9612995,56
9612995,35
associação portuguesa de geólogos
A. Silva, A. Teodoro, L. Duarte, J. Gonçalves, J. Neto, M. Azevedo & B. V. Aguado 63
que o erro de graficismo de 0,2 mm numa carta na escala de 1:100 000 corresponde a 20 metros, os erros associados ao processo de georreferenciação não devem exceder esse valor. Quando se finaliza a georreferenciação de uma carta em ambiente ArcGIS, a aplicação fornece automaticamente o valor do erro associado, expresso através do parâmetro RMS (valor quadrático médio ou valor eficaz). No caso presente, os erros associados à georreferenciação das três cartas são inferiores a 20 metros (Granja: 7,65 metros; Camocim: 16,40 metros; Chaval: 18,78 metros), validando assim o procedimento usado. Agradecimentos O autor A. J. F. Silva agradece à Fundação para Ciência e Tecnologia a Bolsa de Investigação concedida (SFRH/BD/85292/2012) e às unidades de Investigação GeoBioTec (PEst-C/CTE/ UI4035/2011) e Centro de Investigação em Ciências Geo-Espaciais (PEst-OE/CTE/UI0190/2011).
Bibliografia Catalão, J., 2010. Projecções Cartográficas. Departamento de Engenharia Geográfica, Geofísica e Energia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 79 p. Gaspar, J. A., 2005. Cartas e Projecções Cartográficas. LIDEL edições técnicas, 3ª edição, Mafra, Portugal, 331 p. Gonçalves, J. A., 2008. Adopção de Sistemas de Referenciação Geográfica Globais. Actas do X ESIG, Lisboa, 877-887. Marotta, G. S. & Rodrigues, D. D., 2011. Atualização de Parâmetros na Transformação em Referenciais Geodésicos Históricos. Revista Brasileira de Cartografia, 63/5: 609-617.
Inspectorate Portugal S.A Integridade e Excelência ao serviço da Industria ■ Amostragem e preparação de amostras ■ Rede internacional de laboratórios acreditados ■ Pre-Shipment & Inspecção de conformidade ■ Controlo Quantitativo & Qualitativo ■ Emissão de Certificados Internacionais Para mais informações, por favor contacte Divisão Metais & Minerais Tel: +351 210 938 621 E-Mail: barreiro.lab@inspectorate.pt Web: www.inspectorate.com
geonovas n.º 27: 65 a 75, 2014 65
associação portuguesa de geólogos
A geologia prática em mineração de pequena escala Desenvolvimentos em territórios Lusófonos C. L. Gomes Universidade do Minho, Departamento de Ciências da Terra, Gualtar, 4710-057 Braga; caal.gomes@gmail.com.
Resumo Apresentam-se incidências de Países Lusófonos e discute-se a diversidade e amplitude da intervenção geológica em mineração de pequena escala e a importância decisiva que lhe é atribuída por organizações internacionais. O âmbito e as perspectivas possíveis estendem-se do estudo dos factores favoráveis ao incremento e sustentabilidade desta actividade até à evidência de reservas e definição de procedimentos extractivos. Neste tipo de mineração a necessidade de utilização de mão-de-obra intensiva, as imposições governamentais e as moratórias internacionais incrementam a demanda de uma prática geológica também intensiva. Palavras-chave: mineração de pequena escala; aplicação geológica intensiva. Abstract Over-viewing some mining incidences of Portuguese-speaking countries, the amplitude of practical geology assessment in small-scale mining, justifies the decisive importance given by several international organizations. The scope and possible perspectives of practical geology range from the study of favourable growth and sustainability factors for this activity to the evidence of reserves and the definition of mining procedures. The strong engagement of labour-intensive work and growing restrictiveness of governmental and international directives are correlated with the need of an increasing involvement of an also intensive practical geology. Keywords: small-scale mining; intensive geology.
Introdução A mineração de pequena escala - “Small Scale Mining” (SSM) – é uma actividade económica para a qual não existe uma definição única e consensual mas que se dispersa por todo o mundo. Na versão mais rudimentar, o garimpo, concentra-se em países em vias de desenvolvimento. Os garimpeiros são homens, mulheres e crianças provenientes de meios rurais e pobres. Actualmente estima-se que na actividade extractiva de garimpo estejam envolvidos directamente 13 milhões de pessoas. No entanto, indirectamente mais de 80 a 100 milhões de pessoas dependem do garimpo para a sua sobrevivência (Sandbrok et al., 2002). Mas a SSM não inclui exclusivamente o garimpo. Também pequenas unidades extractivas não mecanizadas, ou com mecanização incipiente, e pequeno número de assalariados, podem ser in-
cluídas neste conceito. Nessa acepção, mesmo países industrializados, como os Estados Unidos da América, o Canadá e a Austrália, devem uma parte significativa da sua produção mineira à SSM. Os organismos governamentais que tutelam a mineração em países industrializados, tal como o United States Geological Survey, reconhecem a importância social e a sustentabilidade ambiental das práticas mineiras de pequena escala, as quais, incluem num âmbito mais alargado da sistemática de intervenções extractivas. Aqui, a funcionalidade da classificação SSM e as implicações jurídicas consequentes justificam-se pois consagram de forma consistente, regular e legal, o aproveitamento integral e integrado dos recursos minerais ocorrentes em jazidas de pequenas dimensões, num quadro sustentável de ordenamento territorial e conservação da Natureza. Estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1999) sugerem que o conceito de
66 A geologia prática em mineração de pequena escala
mineração de pequena escala varia em função dos critérios diferenciados que são adoptados para a caracterização regional da actividade extractiva nos diferentes territórios com apetência mineira. É, por isso, um conceito de alcance qualitativo e bastante subjectivo nos seus atributos, que invoca, muitas vezes, as menções, operação artesanal e operação a céu aberto, utilizando equipamentos simples com baixos níveis de mecanização. As Nações Unidas – United Nations (UN) – sugeriram vários critérios de incidência quantitativa para a definição de uma unidade extractiva de SSM: • processamento de tout-venant, em rotina, inferior a 50 000 toneladas por ano ou 200 toneladas por dia; • investimento de capital inferior a um milhão de dólares americanos; • facturação anual inferior a um milhão e meio de dólares americanos; • número de trabalhadores inferior a 40; • vida útil inferior a cinco anos. Outros atributos a ter em conta na mineração em pequena escala, agora de incidência mais conceptual, são os seguintes: localização geológica e geográfica das jazidas, tipo de mineralização e paragénese, morfologia, morfoscopia e morfometria dos depósitos minerais, métodos de desmonte e beneficiação, importância e valor das infra-estruturas de apoio, valor unitário e global dos produtos extraídos e potenciais, taxas de processamento e articulação em eventuais fileiras, integração e ajuste a cadeias de valor, grau de mecanização, distâncias de escoamento de produtos, inserção em zonografias de ordenamento, “pegada” mineira e as condicionantes ambientais. Excluindo o garimpo insurgente, que é indefensável do ponto de vista ambiental, sanitário, legal, social e económico, à SSM regular atribuem-se alguns impactos negativos, sobretudo do ponto de vista ambiental e económico. Não obstante, através dela, é extraída uma grande variedade de minerais classificáveis nos diversos grupos de incidência económica e legislativa (minérios, minerais industriais e rochas e massas minerais) que em outras circunstâncias não poderiam ser aproveitados (Drechsler, 2001). A nível global, e particularmente em países de língua portuguesa, as unidades de SSM mais frequentes dedicam-se à extracção de rochas e minerais industriais e ao aproveitamento do ouro e gemas devido ao mais fácil processamento e/ou comercialização destes produtos. Em articulação com as UN, o Banco Mundial (WB) associa os conceitos de SSM (small-scale mining)
e ASM (artisanal and small-scale mining) incluindo-as no conjunto dos vectores essenciais que podem contribuir de forma sustentável para o alívio da pobreza em países em vias de desenvolvimento – conceito SLA (sustainable livelihoods approach). No entanto, chamam a atenção para os problemas de insurgência e conflito que podem estar relacionados com algumas práticas de garimpo em territórios sem jurisdição ou fiscalização estatal e sem controlo policial. Para o horizonte de 2015, entre os objectivos para o desenvolvimento no milénio – Millennium Development Goals (MDG) – do plano de desenvolvimento das Nações Unidas - UN Development Program (UNDP) – conta-se a erradicação da pobreza e da fome em articulação com a promoção da sustentabilidade ambiental e de uma parceria global para o desenvolvimento. De acordo com o UNDP é sobre estes 3 objectivos do MDG que a SSM e a ASM podem ser decisivas e expressam-se ou incluem-se nas directivas políticas, sociais, económicas, administrativas, tecnológicas e científicas, que actualmente balizam os sistemas de criação de riqueza a partir dos recursos minerais. De acordo com as duas organizações internacionais referidas, UN e WB, a SSM e a ASM são consideradas viáveis e sustentáveis e particularmente adequadas às unidades territoriais mais fortemente deprimidas do ponto de vista económico e mais afastadas de acessibilidades infra-estruturais de incidência nacional. Esta acepção também se justifica a respeito da inclusão das unidades de SSM e ASM nos planos estratégicos regionais e planos directores municipais em países industrializados. Parceria global - interlocutores, agentes e promotores No que respeita ao objectivo MDG – promoção de parcerias globais para o desenvolvimento – plasmado na máxima das UN, “investir no Sul em nome da segurança no Norte”, a assistência oficial ao desenvolvimento a partir de países industrializados, de 2000 a 2012, caracterizou-se por um aumento progressivo, de pequena magnitude mas consistente, nos investimentos bilaterais em projectos e programas de desenvolvimento e de cooperação técnica subsidiários da Parceria Global sobre Terra, Recursos Naturais e Conflitos – MDG, UNDP. Não obstante, os fundos disponibilizados por estes programas, não subvencionam praticamente as pequenas unidades nas suas acções individualizadas e os apoios das diferentes organizações raramente se dispersam até aos intervenientes locais de menores dimensões.
associação portuguesa de geólogos
No âmbito global do Ordenamento da Actividade Extractiva, as UN reconhecem à ASM uma dimensão e potencial de desenvolvimento capaz de fazer intervir de forma mais empenhada e responsável as organizações baseadas na comunidade (CBO – community-based organizations) bem como as CSO (civil society organizations) e NGO (non-governmental organizations). Isto não acontece com a mineração em larga escala, pelo facto de esta se articular entre os Governos Centrais e algumas Companhias Multinacionais, com um forte alheamento em relação à sociedade civil e envolvendo muito pouco as comunidades locais. Também implica uma logística complexa cujos eixos de escoamento dependem de grandes obras de engenharia ou de infra-estruturas já consolidadas e de importância nacional ou internacional, mas com planos de utilização quase sempre saturados. Financiamentos, indicadores de viabilidade e perspectivas O financiamento de unidades de SSM, especialmente nos países em desenvolvimento, recorre pouco à banca institucional e na maior parte dos casos não existe investimento inicial. Quando se verifica financiamento de partida ele inclui, por ordem decrescente de importância, as seguintes proveniências (relatórios MDG – UNDP): 1 – pequenas poupanças pessoais; 2 – recursos provenientes da força de trabalho aplicada em outras actividades; 3 – heranças familiares; 4 – empréstimos familiares; 5 – produtos de venda de propriedade pessoal; 6 – empréstimos pessoais; 7 – fundos de pensões; 8 – contributos diversos de outros indivíduos das mesmas comunidades. O facto de não haver endividamento de partida, perante a banca institucional, representa um argumento favorável à sustentabilidade económica das pequenas intervenções extractivas, em contextos económicos tão caracterizados por baixos índices de investimento público e deficiente acesso a fontes de financiamento. Ao nível do garimpo informal, entre os indicadores de viabilidade contam-se os bens que os mineiros declaram possuir em resultado directo da actividade extractiva e também os meios a que têm acesso para optimizar as suas rotinas de laboração. Relativamente aos bens que são declarados como alcançados através de dividendos provenientes da SSM, os relatórios UNDP listam por ordem decrescente de frequência, os seguintes: 1 – rádio; 2 – telefone celular; 3 – frigorífico doméstico; 4
C. L. Gomes 67
– aparelho de televisão; 5 – veículo motorizado; 6 – bicicleta. Quanto à acessibilidade a equipamentos de interesse mineiro, encarada como um melhoramento das condições de laboração, as mesmas fontes apresentam a seguinte ordem decrescente de frequência de declarações: 1 – veículo motorizado; 2 – transporte de tracção animal; 3 – tractor; 4 – escavadora mecânica; 5 – ferramentas não tradicionais. Estes indicadores são utilizados para a aferição do progresso e do sucesso mais difuso da actividade de SSM em meios rurais pobres. Assiste-se actualmente a uma crescente conjugação de factores favoráveis ao incremento generalizado das actividades de SSM e ASM em unidades regulares e licenciadas. Os mais importantes são os seguintes: 1) incremento da atractividade económica das pequenas e médias empresas; 2) melhoramento generalizado das diversas infra-estruturas e logísticas, regionais e locais; 3) incremento do número e da eficiência dos programas de apoio e financiamento à SSM – existem alguns departamentos estatais e empresas públicas especializadas nestas tarefas; 4) diversificação e incremento do valor unitário das matérias primas que se podem obter em instalações com este estatuto; 5) boom dos investimentos dedicados a minerais industriais por indução do incremento da procura; 6) aumento consistente das cotações e dos valores unitários do ouro, concentrados de coltan e gemas coloridas; 7) advento de novas aplicações para os produtos minerais; 8) o facto de alguns elementos críticos só poderem ser obtidos de forma viável em unidades de SSM. Panoramas nacionais No espaço lusófono os estatutos SSM são diversificados e também é variada a amplitude de aplicação da geologia a pequenas unidades extractivas. Excluindo casos, que ainda se observam, de garimpo insurgente, em Angola e Moçambique as realidades são similares (Mauvilo, 2011) e incluem contextos de garimpo, mineração artesanal e mineração de pequena escala em que a mão-de-obra intensiva, coadjuvada ou não por geologia intensiva (empírica ou formal), sustentam a maioria das explorações. Nestes casos as próprias unidades extractivas mais informais e as cooperativas e associações de mineiros - o regime cooperativo é encorajado pela prática e pela le-
68 A geologia prática em mineração de pequena escala
gislação – recorrem às vezes ao apoio geológico proporcionado por CBO, CSO e NGO e também, quando possível, ao apoio das delegações provinciais e locais das direcções governamentais de geologia e minas. O problema do garimpo insurgente tem-se agudizado em territórios sujeitos à recolecção de gemas (não tanto no caso dos diamantes), com influência difusa no impacte ambiental associado à actividade extractiva, segurança das populações e das unidades extractivas licenciadas, criminalidade, abandono escolar, trabalho infantil, fuga aos impostos, imigração ilegal, incremento da prevalência de doenças infecto-contagiosas e outras relacionadas com a sanidade ou o aumento da toxicodependência. O caso brasileiro é o mais complexo, pois é afectado por directivas de ordenamento, protecção ambiental e conservação da natureza, que condicionam fortemente as intervenções regulares de mineração artesanal. O quadro legislativo para atribuições de exploração ou pesquisa é mais restritivo. Subsiste, no entanto, o garimpo informal, embora altamente condicionado pela fiscalização mineira e, neste caso, a componente de decisão geológica sobre o ordenamento extractivo é insignificante (Barreto, 2000; MMSD, 2001) – no Anuário Mineral Brasileiro de 2006, a distribuição de frequências de porte (escala) das minas é a seguinte: grande porte = 4,4%; médio porte = 22,9%; pequeno porte = 72,7%; a actividade de garimpo insurgente é considerada insignificante. Em Portugal, a ASM depende pouco de mão-de-obra intensiva e não inclui o conceito de garimpo. Apesar de tudo, permanecem em lavra algumas micro-explorações individuais e informais de rocha industrial e ornamental, não licenciadas. As pequenas explorações licenciadas privilegiam a aproximação técnica e tecnológica, com ocasionais desmontes subcontratados, e são escassas as rotinas de monitorização geológica, verificando-se, por isso, disfunções qualitativas do aproveitamento das jazidas e mesmo subaproveitamento de reservas disponíveis e acessíveis. Constatações Invariavelmente, para as diferentes organizações internacionais que se dedicam à problemática da mineração de pequena escala, a prospecção e o planeamento de intervenções extractivas, é fortemente dependente de aproximações geológicas em sentido estrito.
No quadro de McKelvey (citado em Rudawsky, 1986), a função explorabilidade, é mais sustentada pela complexidade das acções que visam estabelecer a certeza geológica das ocorrências. As tarefas de prospecção dependem da aplicação intensiva de aproximações geológicas, desde análise distanciada e detecção remota (estratégica e táctica) até à monitorização mineira. A prospecção geofísica é quase sempre subcontratada por iniciativas governamentais de larga escala e o recurso à geoquímica é apenas considerado, em casos de maior disponibilidade de financiamento, para a pesquisa táctica. As aplicações de geologia mais vezes invocadas em SSM fundamentam-se na análise estrutural e paragenética de jazidas mas também se podem situar a outras escalas e níveis de organização. Podem mesmo estar na origem da própria demanda industrial de matérias-primas e influenciar o planeamento, regional e estratégico. A experiência no terreno em países em vias de desenvolvimento e economias emergentes mostra que a geologia prática intervém tanto em contexto macroeconómico como microeconómico. As matérias-primas minerais obtidas em unidades de SSM e ASM, consideradas tanto em relatórios nacionais como internacionais, são as seguintes (Barreto, 2003; Gomes, 2004): ágata, ametista, quartzo róseo, quartzo hialino, água-marinha, esmeralda, granada, rubi, safira, turmalina, topázio, opala, argila, caulino, vermiculite, mica , berilo, feldspato, corindo, cromite, bauxite, fosfatos, estroncianite, fluorite, coltan, cassiterite, minerais de Ti, minerais de TR, minerais de U, zircão, granito, sienito, rocha ígnea básica, calcário, rocha industrial e agregados e areias. São mais frequentes e têm mais peso no cômputo da produção mineira a partir de SSM, os seguintes padrões de laboração: • pedra natural em maciços rochosos e areias em sistemas fluviais e litorais; • gemas, ouro, coltan (concentrados de columbite-tantalite) e minerais de terras raras, zircónio e titânio em pláceres; • gemas coloridas em pegmatitos e zonas de cisalhamento; • coltan e minerais de estanho e bismuto em pegmatitos; • minerais industriais no geral e, especialmente, minerais cerâmicos em maciços e seus produtos de alteração em depósitos sedimentares; • diamantes em kimberlitos, nos horizontes yellow ground; • gemas coloridas em rochas calcossilicatadas (skarns).
associação portuguesa de geólogos
A geologia aplicada à SSM, desde a pesquisa à exploração, dedica-se preferencialmente a maciços rochosos aflorantes e pláceres, pegmatitos e skarns ou outros jazigos de natureza geoquímica calcossilicatada em complexos orogénicos exumados, carbonatitos e, ocasionalmente, kimberlitos, em ambientes extensionais. É também constatação prevalecente que os jazigos afectados por SSM são mais susceptíveis de um melhoramento das práticas de lavra e gestão por efeito da assistência geológica, entendida como uma monitorização regular, efectuada, quer por consultores visitantes assíduos, quer por geólogos residentes.
C. L. Gomes 69
Geologia aplicada à SSM numa perspectiva macroeconómica A respeito da diversidade de posicionamentos tectonogénicos dos conjuntos de explorações em modo ASM, surge o conceito de prática geológica na perspectiva macroeconómica. A prospecção estratégica atende a indícios lineamentares definidos em análise distanciada e detecção remota, os quais costumam ser os mais utilizados, dado o custo relativamente baixo dos documentos que os proporcionam e dado que dependem essencialmente de interpretação geológica. Dois ambientes tectónicos essenciais absorvem a grande maioria das intervenções de SSM em territórios lusófonos (Fig. 1):
Figura 1 – Territórios lusófonos afectados por SSM no espaço Gondwânico e sua correlação espacial com ambientes tectonogénicos convergentes e divergentes. Figure 1 – Portuguese-speaking territories affected by SSM in the Gondwanic space and its spatial correlation with convergent and divergent tectonogenic environments.
70 A geologia prática em mineração de pequena escala
• ambientes divergentes – predominam depósitos relacionados com erosão, exumação, adelgaçamento crustal, rifting incipiente, sedimentação endorreica e colmatação aulacogénica – especialmente, em espaço Gondwânico em Angola e Brasil; • ambientes convergentes – predominam depósitos relacionados com transporte tectónico, espessamento crustal, intrusão, metamorfismo/ metassomatismo, alteração, erosão e exumação de complexos orogénicos – no Noroeste de Portugal, Brasil, no litoral de Angola e nos Cinturões Móveis do Norte de Moçambique. Na perspectiva macroeconómica a geologia aplicada a SSM intervém ao nível dos estudos de caracterização regional, necessários para fundamentar o ordenamento da actividade extractiva, e para a classificação, zonografia, e atribuição de condicionantes aos terrenos susceptíveis de albergarem jazigos minerais diferenciados. As unidades de divisão regional para agrupamentos de jazigos, que são significantes nesta abordagem, incluem os conjuntos: Província Metalogénica, Cintura Metalífera, Distrito Mineiro e Campo Mineiro. Têm vocação para intervir a este nível de organização os Serviços públicos de Geologia e entidades por eles subcontratadas, bem como CBO, CSO e NGO. A solução de problemas relacionados com garimpo insurgente e a defesa da ASM em prática regular, licenciada e legal depende desta escala de intervenção geológica. A gestão de conflitos, e a própria intervenção de forças públicas na solução de litígios entre ASM regular e garimpo insurgente, também deveriam recorrer sistematicamente à intervenção da geologia aplicada. As principais incidências de um debate abrangente sobre prática geológica em SSM, incluem: • adequação de tipologias e modelos, o que tem como consequência a reformulação e actualização conceptual dos procedimentos de planeamento e avanço mineiro; • capacitação para estabelecer limites de teor ou tonelagem que possam ser geologicamente e mineralogicamente deduzidos através de indícios estruturais e paragenéticos; • apuramento de técnicas de análise distanciada e detecção remota em conjuntos de jazigos, capazes de determinarem metalotectos geológicos em sentido estrito que, por sua vez, sejam funcionais no que respeita à SSM, com aplicação ao ordenamento da actividade extractiva e ao estudo da sociologia do garimpo nas componentes caracterizáveis do ponto de vista geológico.
Geologia aplicada à SSM numa perspectiva microeconómica Numa perspectiva microeconómica a prática geológica adequada impõe a monitorização do avanço mineiro, quer por geólogo mineiro residente, situação ideal em ASM, que se verifica em países como o Brasil e Angola e esporadicamente, em Portugal quer por consultores governamentais, não-governamentais e empresariais, que acedem periodicamente ou sazonalmente às jazidas – situação generalizada a todos os países lusófonos onde se verificam práticas de ASM. São objectivos essenciais da prática geológica em perspectiva microeconómica: • reavaliar a apetência de jazidas (redefinição dos produtos e objectos de exploração) – qualificação de recursos, cálculo de reservas e avaliação mineira; • evidenciar replicações de compartimentos úteis de jazidas, em extensão e em profundidade – prospecção mineira típica; • optimizar especificações de produtos à boca da mina e em circuitos de beneficiação – ensaio materialográfico, de beneficiação e de compostagem (blending); • optimizar especificações de produtos em circuitos de comercialização e contribuir para a normalização e certificação. Nesta perspectiva a geologia intervém ainda na solução de problemas de rotina, surgidos no decurso da ASM e no planeamento e relato da lavra de pequeno porte. As metodologias de trabalho mais praticadas são a análise estrutural detalhada, intimamente combinada com a análise paragenética, procurando enunciar soluções, tanto quanto possível, reprodutíveis e ajustadas a momentos críticos de decisão, em prospecção pontual e no progresso da mineração. A unidade territorial significante na abordagem microeconómica é o jazigo, ou área de concessão, eventualmente, compartimentado em sectores com identidade estrutural e paragenética individualizável e também com relações, teor/tonelagem típicas. No âmbito de uma prática abrangente de monitorização da lavra, os jazigos de pequena dimensão têm o seu valor muito dependente do conhecimento pormenorizado das condicionantes paragenéticas e estruturais que incidem sobre as razões de teor/tonelagem, especialmente no caso dos pegmatitos graníticos, skarns e carbonatitos, muito complexos do ponto de vista da estrutura interna e onde a distribuição das substâncias úteis segue tendências não convencionais, teóricas ou empiricamente consolidadas.
associação portuguesa de geólogos
Nestes casos a concepção e definição de ore-shoots ou gem-shoots assumem particular importância. A explicação cinemática e geoquímica da sua existência é a chave para a atribuição de viabilidade económica a um compartimento de jazida, via, a sua aplicação como indicadores de concentração mineralógica. Atendendo a que a lavra em SSM depende frequentemente de mão-de-obra intensiva a assistência geológica pode também assumir um carácter intensivo, em especial, no decurso das primeiras etapas do progresso da mineração, buscando o reconhecimento de padrões geométricos na organização interna das concentrações de minerais úteis. Um exemplo típico, que ilustra esta concepção,
C. L. Gomes 71
extrai-se da monitorização geológica da actividade extractiva no distrito pegmatítico do Alto Ligonha (Fig. 2A), Cintura Pegmatítica Monapo – Mocuba (margem do Cinturão Móvel Moçambicano) na Província Pegmatítica Zambeziana (Moçambique) (Leal Gomes et al., 2008) e diz respeito ao campo pegmatítico de Naipa-Muiane (Fig. 2B). A prática de geologia intensiva, em articulação com a ASM dependente de mão-de-obra intensiva, nos diferentes sectores dos grupos e corpos pegmatíticos de Naipa, Naquissupa, Namiali, Nahia, Maridge e Muiane, permitiu reconhecer a existência de ore-shoots tantalíferos e gem-shoots turmalínicos e berilíferos, cujos elementos geométricos são caracterizados por certo grau de inva-
Figura 2 – Divisões regionais dos conjuntos de pegmatitos de Moçambique sujeitos a SSM e ASM. A – sistemática tectono-metamórfica e intrusiva dos distritos pegmatíticos da Província Zambeziana (originada e modificada por eventos orogénicos Kibarianos a Pan-Africanos); B – discriminação de campos pegmatíticos da mesma província, incluindo os de Naipa e Muiane, com indicação da área do distrito Sul Zambeziano, definida, recentemente, com base em atributos geológicos individualizados (Leal Gomes et al., 2008). Figure 2 – Regional setting of Mozambique pegmatites subject to SSM and ASM. A - tectono-metamorphic and intrusive systematic of the Zambezian Pegmatite Province (originated and modified by Kibarian to Pan-African orogenic events), B - discrimination of pegmatite fields in the same province, including the Naipa and Muiane field and the Zambezian South District recently established, based on geological attributes (Leal Gomes et al., 2008).
72 A geologia prática em mineração de pequena escala
riância escalar (Fig. 3) (Leal Gomes, 1998, 1999, 2001, 2004). Neste caso ideal, as relações geométricas entre ambientes dilatacionais associados a transpressão (em transporte tangencial) e associados a cristalização/fraccionação, sin-cinemática de transtensão (decomponível a partir de um deslocamento transcorrente), permitem diagnosticar sítios de acolhimento preferencial de gemas (gem-shoots) e locais adequados para a concentração hidrotermal de Nb-tantalatos (ore-shoots). O progresso da deformação induziu geometrias que são típicas e discerníveis nos contextos mais penetrativos e nas relações entre foliação e distribuição de veios das rochas gnaissico-migmatíticas encaixantes. Na fraccionação interna dos pegma-
titos, estruturas com as mesmas relações angulares intersectam-se em volumes expansivos, com crescimento cristalino interno de tipo centrípeto que materializam gem-spots. Esta estruturação, invariante do ponto de vista escalar, e os ritmos da sua replicação nas diferentes jazidas, são tão constantes que adquirem importância crítica tanto como guias de prospecção pontual como na orientação das escavações manuais, especialmente, no caso dos gem-shoots dos pegmatitos do campo Muiane – Naipa. Num período recente de cerca de 15 anos de acompanhamento da lavra nestas jazidas, tem-se confirmado, repetidamente, a validade destes indicadores estruturais e paragenéticos.
Figura 3 – Constatação geológica da invariância escalar e persistência de relações angulares entre estruturas que acolhem mineralizações de gemas e nióbio-tantalatos na região de Naipa-Muiane. A – escala cartográfica - cartografia dos spots de gemas (a vermelho) na planta dos desmontes da Mina de Naipa (localização na Fig. 2B) (SSW – sector SW, SV8 – sector do vértice 8, SN – sector Norte, SCT – sector Central, SCM – sector Cume); B – escala do afloramento - fotografia de migmatitos do Alto Ligonha em exposição sub-horizontal; C – escala do desmonte mineiro - fotografia de um antigo talude vertical de exploração num pegmatito de Muiane; D – escala da amostra - macro-imagem do ortognaisse de Naipa - Sector SW da mina (exposição sub-horizontal e lado maior da foto com 120 cm). Figure 3 – Geological observations of the scalar invariance and persistence of angular relationships between structures holding gemstone mineralizations and niobium-tantalate concentrations in the Naipa-Muiane Area. A – cartographic scale - map of gem-spots (red) at Naipa mine (see Naipa location in figure 2B) (SW - SW sector, SV8 - sector of landmark 8, SN - Northern sector, SCT - Central sector, SCM - Hilltop sector); B – outcrop scale - photo of Alto Ligonha migmatites (sub-horizontal view); C – mine slope scale - photo of a vertical mining exposure in a Muiane pegmatite; D – rock sample scale - macro image of Naipa Orthogneiss - SW sector of Naipa mine (sub-horizontal exposure - larger side of the picture - 120 cm).
associação portuguesa de geólogos
C. L. Gomes 73
A geologia intensiva em contexto microeconómico impõe a conjugação e o ajuste funcional/empírico de métodos de análise emanados da mineroquímica, cristalografia, petrologia de minérios, crystal size distribution e do equilíbrio de fases minerais em condições de cristalização fraccionada, cristalização em equilíbrio e substituição/precipitação.
sos de licenciamento das unidades de ASM com actividade legal e regular. A importância da geologia integrativa envolvendo a generalização de procedimentos e a extrapolação de resultados a partir de práticas localizadas de geologia intensiva, revelou-se de grande importância no passado em algumas situações paradigmáticas:
Outros desenvolvimentos da geologia em SSM
a) Campos pegmatíticos de Angola 1) mineralizações de mica industrial a NE de Luanda - a procura dos melhores “livros” da variedade mica rubi de alto rank baseava-se na assumpção de que, na zonalidade interna dos pegmatitos, a transição entre a zona intermédia externa e a zona intermédia interna era favorável à concentração desta variedade de moscovite nos jazigos do Campo Pegmatítico do Dande (Bebiano, 1946); 2) mineralizações de Be a NE do Namibe – a detecção de jazigos pegmatíticos portadores de berilo industrial, e a sua cartografia temática (Fig. 4),
No conjunto das aplicações à SSM, a prática geológica aborda também a avaliação do impacte ambiental associado à actividade extractiva, nas aproximações, geologia, mineralogia e geoquímica ambiental (Roosbroeck et al., 2006). Como exemplos citam-se, o estudo de áreas afectadas por uma grande dispersão do garimpo informal penalizante (caso da amalgamação do ouro em sistemas fluviais) (Sá et al., 2006) e os estudos de impacte ambiental que acompanham os proces-
Figura 4 – Exemplo de trabalhos pioneiros de geologia aplicada a SSM em Angola – o caso dos pegmatitos do Giraúl junto do Namibe. A - trajectórias estruturais correspondentes ao alongamento cartográfico de conjuntos pegmatíticos do litoral de Angola e indicações das mineralizações que lhes correspondem, com localização do conjunto pegmatítico situado entre os rios Girául e Bero representado em 4 B (π – pegmatito; π LCT – pegmatitos mineralizados com Li, Cs e Ta onde predomina a lepidolite); B - fac-simile de um mapa de Korpershoek (1960) para a Companhia Mineira do Lobito, baseado na fotointerpretação do conjunto pegmatítico do Giraúl – no fac-simile são discerníveis os contornos dos filões pegmatíticos concordantes com as foliações regionais. Figure 4 – Example of the pioneering works of geology applied to SSM in Angola – the case of Giraúl pegmatites near Namibe. A - Structural trajectories of pegmatite fields of Angola’s seaside and indications of the correspondent mineralizations, together with the location of pegmatites situated between the rivers Giraul and Bero, represented in 4 B (π - pegmatite; π LCT - mineralized pegmatites Li, Cs and Ta – rich with lepidolite); B - “facsimile” of a Korpershoek map (1960) for the Lobito Mining Company, based on the photo-interpretation of Giraúl pegmatites – at the facsimile reproduction the outline of major pegmatite outcrops are visible, following regional foliation.
74 A geologia prática em mineração de pequena escala
resultou em grande medida da fotointerpretação, após levantamento pormenorizado de algumas ocorrências chave (Korpershoek, 1960), prática que se generalizou, dadas as condições climáticas, geomorfológicas e geológicas, típicas do deserto do Namibe, as quais são extraordinariamente favoráveis à análise distanciada e detecção remota. b) Brasil, Minas Gerais 1) a utilização de prospecção geofísica muito localizada, por exemplo através de ground penetrating radar (GPR), aplicada à detecção de gemas em cavidades miarolíticas (“bolsadas” e “caldeirões”), situadas no interior dos pegmatitos graníticos (Patterson & Cook, 2002), embora se tenha revelado proveitosa em algumas situações de SSM – por exemplo, nos trabalhos subterrâneos da mina de Santa Rosa – gera numerosos indícios do tipo falso positivo e, por isso, não dispensa nem substitui a funcionalidade indiciadora dos guias estruturais e paragenéticos obtidos em contexto de aplicação de geologia intensiva; 2) nas jazidas aluvionares, em terraços e em leitos vivos fluviais, sujeitos a dragagem para recuperação do ouro, a localização dos melhores paleocanais e spots de concentração, dependia, e em larga medida continua a depender, da aplicação empírica de constatações, explicáveis do ponto de vista sedimentológico, que podem ser posteriormente generalizadas. c) Moçambique Sendo o país lusófono com maior percentagem populacional dedicada ao garimpo, em 2012, só nas províncias da Niassa, Cabo Delgado, Zambézia e Nampula, existiriam cerca de 50 000 indivíduos envolvidos, directa ou indirectamente e sazonalmente, em actividades mineiras não regulares, ocupando-se da produção difusa de ouro e gemas. No passado a actividade legal e regular de ASM foi objecto de uma abordagem exemplar no que respeita à prática de geologia intensiva, associada à exploração por mão-de-obra intensiva, em vários jazigos pegmatíticos que produziam, berilo, mica, gemas e Nb-tantalatos (Betencourt Dias, 2001, 2004). Tal como já se antevê da leitura dos textos de Betencourt Dias (op. cit.), seria desejável que as práticas de garimpo ilegal fossem progressivamente substituídas por práticas legais de ASM, acompanhadas de monitorização geológica, para que se verificasse um conveniente registo para estudo subsequente do carácter extraordinário, ou mesmo irrepetível, de alguns
aspectos estruturais e paragenéticos que são atravessados no decurso das escavações mineiras. Em especial no caso de Moçambique, tem-se verificado também o desenvolvimento de métodos de prospecção específicos, adaptados às condições locais, baratos e baseados em mão-de-obra intensiva. É o caso da prospecção com recurso a termiteiras – “muchém” – usando a mineralometria, e a análise estrutural da distribuição das edificações de termitidae (Dias Pereira & Leal Gomes, 2010a, b). Incidências conclusivas de um debate abrangente sobre prática geológica em SSM Alguns factos a deduzir e aduzir a esta discussão são os seguintes: • em países lusófonos a produção de gemas está essencialmente dependente de SSM; • a produção de coltan também depende de SSM e no caso particular de Moçambique, a maior parte da produção dos últimos anos, deve-se essencialmente ao garimpo e é escoada através de circuitos de comercialização mais ou menos informais; • em SSM a produção depende muito de mão-de-obra intensiva; • após alguns anos de experiência constata-se que, regularmente, a certificação de produtos e a segurança na comercialização (tendo como fonte o garimpo), depende da análise paragenética e (em termos gerais) a produção e produtividade regional e local crescem com a aplicação de geologia intensiva. Em ASM, especialmente quando predomina a utilização de mão-de-obra intensiva, a monitorização geológica também intensiva é sem dúvida um factor determinante do sucesso e da validação de pressupostos e um guia do planeamento mineiro e da lavra lucrativa. Agradecimentos Aos revisores designados pela edição da Revista Geonovas pelo minucioso e efectivo contributo que prestaram ao melhoramento do texto. Ao Dr. Bernardo Reis por ter proporcionado a cópia primitiva do mapa geológico temático do Distrito Pegmatítico do Girául, para a Companhia Mineira do Lobito, o qual foi fac-similado para este artigo. Bibliografia Barreto, M.L., 2000. Garimpo de ouro no Brasil: desafios da legalização. Dissertação de Doutoramento, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 180 p.
associação portuguesa de geólogos
Barreto, M. L., 2003. Formalização da Mineração a Pequena Escala (Mpe) na América Latina e Caribe. Estudo Financiado pelo Programa Mineria Artesanal Y En Pequeña Escala (Mpe) do IDRC/CRDI/MPRI/IIPM. Acesso em: www.idrc.ca/uploads/user-S/11177213001form_ barreto.pdf. Bebiano, J. B., 1946. Jazigos de mica de Angola. J. Mis. Geogr. Inv. Col. Mem. Ser. Geol. Econ., 1: 69 p. Betencourt Dias, M., 2001. An African Carrer. I Universe, Lincoln, USA, 249p. Betencourt Dias, M., 2004. An African Chalenge. I Universe, Lincoln, USA, 129 p. Dias Pereira, C. & Leal Gomes, C., 2010a. Localização de cavidades subsuperficiais em rególitos subjacentes de termiteiras da Zambézia - aplicação à prospecção de cavidades miarolíticas em pegmatitos. VIII Congresso Nacional de Geologia, e-Terra, Volume 20, nº 7, 4 p., ISSN 1645-0388. Dias Pereira, C. & Leal Gomes, C., 2010b. Mineralometria em termiteiras da Zambézia – composição da fracção detrítica e utilidade da sua determinação. VIII Congresso Nacional de Geologia, e-Terra, Volume 20, nº 6, 4 p., ISSN 1645-0388. Drechsler, B., 2001. Small-scale mining & Sustainable Development within the SADC - Practical answers to poverty. Santren/ITDG, nº 84, report of International Institute for Environment and Development, GB, 165 p. Gomes, S., 2004. Estudo de Base: impactes de apanha e extracção de inertes em Cabo Verde (Relatório inédito). Korpershoek, H. R., 1960. Geology and mineral occurrences of Giraúl pegmatite area (Moçâmedes). Companhia Mineira do Lobito (Relatório inédito). Leal Gomes, C., 1998. Caracterização do Jazigo Pegmatítico de Naípa - Fundamentos do Plano de Pesquisa, Preparação e Exploração do Jazigo. Relatório Inédito, 26p+10 Folios (destinado à Empresa Euroexport Lda, sediada em Nampula - Arquivado na Direcção Nacional de Minas de Moçambique). Leal Gomes, C., 1999. Notícia da Prospecção Geológica e Lavra Mineira na Área da Concessão Naipa – Zambézia – Moçambique (Concessão Nº 23/C/96). Relatório Elaborado no Âmbito do Protocolo de Cooperação com Euroexport Lda (Exploração Mineira) com sede em Nampula. Submetido e Aprovado pela Direcção Nacional de Minas de Moçambique, 52 p (incluindo Folios e Mapas Anexos). Leal Gomes, C., 2001. Investigação e prospecção geológica na área de Nahia, província da Zambézia – notícia de progresso da prospecção e pesquisa. Relatório elaborado no âmbito do protocolo de cooperação com Euroexport lda (exploração mineira) com sede em Nampula. Submetido e aprovado pela Direcção Nacional de Minas de Moçambique, 14 p.
C. L. Gomes 75
Leal Gomes, C., 2004. Diagnóstico de Potencialidades para a Valorização das concessões sob gestão da Euroexport (Exploração Mineira); Aproximação à viabilidade de um novo ciclo extractivo de 10 anos. Relatório Inédito para Euroexport - Nampula (Exploração Mineira), Arquivado na Direcção Nacional de Minas em Maputo, Moçambique, 12 p. Leal Gomes, C., Marques, J., Dias, P. & Costa, J. C., 2008. Análise descritiva das unidades portadoras de mineralização tantalífera em pegmatitos do sul da província Zambeziana (Moçambique). 5º Congresso Luso-Moçambicano de Engenharia, 2º Congresso de Engenharia de Moçambique, Maputo, 1-23. Mauvilo, A., 2011. Impactos da Organização e Formalização da Mineração Artesanal e de Pequena Escala no Desenvolvimento Local: O Caso do Posto Administrativo de Nguzene, Distrito de Mandlakaze. Diss. de Mestrado em Desenvolvimento Agrário - Especialização em Desenvolvimento Rural, Universidade Eduardo Mondlane - Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal, 145 p. MMSD, 2001. Mineração, Minerais e Desenvolvimento Sustentável. Relatório da Equipe MMSD do Brasil. Rio de Janeiro: IIED/CIPMA/IIPM/CETEM, 215 p. OIT, 1999. Os problemas sociais e laborais nas explorações mineiras pequenas. Organização Internacional do Trabalho. Programa de Actividades Sectoriais. Genebra (tradução do castelhano). Patterson, J. E., & Cook, F. A., 2002. Successful application of ground-penetrating radar in the exploration of gem tourmaline pegmatites of southern California. Geophysical Prospecting, 50, 2: 107-117, (http:// www.pegmatite.com/Gem-Star-GPR.pdf). Roosbroeck, P., Bettencourt, J. & Huongo, A., 2006. Actualização do perfil ambiental de Angola (Relatório inédito). (ec.europa.eu/development/icenter/repository/ angola_CEP_2006.pdf). Rudawsky, O., 1986. Mineral economics – Development and Management of Natural Resourses. Elsevier Science Publishers B. V., Amsterdam, 192 p. Sá, A., Herculano, A., Pinheiro, M., Silveira, L., Nascimento, J. & Crespo-López, M., 2006. Exposição humana ao mercúrio na região oeste do estado do Pará (scielo.iec. pa.gov.br/pdf/rpm/v20n1/v20n1a04.pdf). Sandbrook, R., Danielson, L., Digby, C., Lee, B., Mcshane, F., Wood, E., Starke, L., Henson, S., Brain-Gabbott, L., Savage, Tonia., Zavala, G.; Collis, G., Sandbrook, B. & Steel, A., 2002. Mineração, Minerais e Desenvolvimento Sustentável. Tradução brasileira a partir de pubs.iied.org/pdfs/ G00710.pdf, 30 p. Este artigo encontra-se redigido segundo o antigo Acordo Ortográfico.
Investigação para a Sustentabilidade www.lneg.pt geoportal.lneg.pt
Investigação e Desenvolvimento no domínio da Energia e Geologia, promovendo a Inovação Tecnológica
Missão O Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG) é um Laboratório do Estado, no Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, que faz investigação, demonstração e desenvolvimento tecnológico orientados para responder às neces-sidades da sociedade e das empresas. Apostando numa investigação sustentável, a par das melhores práticas internacionais, garante que as suas áreas de competência permitem uma resposta adequada às necessidades do setor empresarial. O LNEG tem consciência de que só o trabalho cooperativo e em rede poderá otimizar as competências de que é detentor, pelo que é parceiro ativo das principais redes e plataformas colaborativas em Energia e Geologia. O LNEG tem por missão promover a inovação tecnológica orientando a ciência e tecnologia para o desenvolvimento da economia, contribuindo para o aumento da competitividade dos agentes económicos no quadro de um progresso sustentável da economia Portuguesa.
Atividades Como instituição de I&D o LNEG assume, como primeiro objetivo, fazer investigação para as necessidades da sociedade, para o apoio às políticas públicas e para o desenvolvimento económico. No âmbito das atribuições decorrentes da estratégia e da política de desenvolvimento económico e social do governo português, funciona como interface de integração de tecnologia e resultados de I&DT junto do tecido empresarial. As diversas parcerias internacionais posicionam o LNEG como parceiro dinamizador da internacionalização e fonte de informação privilegiada nas suas áreas de intervenção. Colabora como consultor para as políticas públicas em diversas áreas, nomeadamente as da Energia e Geologia. A natureza das atividades do LNEG materializa-se em três tipos: • Projectos de I&DT financiados, • Prestação de serviços e contratos com o tecido empresarial, • Apoio ao Estado nas vertentes de representação internacional, na prestação ao Governo de fundamentação de Ciência e Tecnologia adequada às políticas setoriais, problemáticas transversais e de interface em problemas societais emergentes.
Áreas de I&D O LNEG desenvolve atividades de I&D nas seguintes áreas de intervenção: • • • • • • •
Sistemas de Produção de Energia Eficiência Energética Análise Energética Tecnologias Inovadoras Estratégicas Recursos Endógenos Riscos Geológicos e Ambiente Geologia para a Valorização do Território
O LNEG dispõe de uma rede de Laboratórios acreditados constituída por: • • • •
Laboratório de Biocombustíveis e Ambiente Laboratório de Ciência e Tecnologia Mineral Laboratório de Energia Solar Laboratório de Materiais e Revestimentos
geonovas n.º 27: 77 a 82, 2014 77
associação portuguesa de geólogos
Relevo no âmbito da inventariação do património geológico português D. I. Pereira* & P. Pereira Centro de Geologia da Universidade do Porto, Departamento de Ciências da Terra da Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga; insuad@dct.uminho.pt; paolo@dct.uminho.pt; *autor correspondente. Texto elaborado no âmbito do 33.º Curso de Atualização de Professores (APG), Caldas da Rainha - 11 a 13 de Julho de 2013.
Resumo A inventariação das geoformas e dos processos geomorfológicos foi realizada no âmbito do inventário do património geológico português. Este levantamento realizado com base no valor científico, constitui um instrumento fundamental para a adopção de medidas objectivas de Geoconservação. Os geossítios seleccionados possuem um valor didáctico associado e muitos deles revelam, igualmente, valor ecológico e cénico. Das 27 frameworks consideradas neste processo de inventariação, os temas “Relevo e Drenagem Fluvial no Maciço Ibérico Português”, “Sistemas Cársicos”, “Arribas Actuais e Fósseis do Litoral Português”, “Costas Baixas” e “Vestígios das glaciações Plistocénicas”, são totalmente dedicadas ao relevo. Os temas “Vulcanismo do Arquipélago dos Açores” e “Vulcanismo do Arquipélago da Madeira” identificam também um número significativo de geomorfossítios. No processo de inventariação do tema “Relevo e Drenagem Fluvial no Maciço Ibérico Português” foi adoptada a mesma metodologia de frameworks, procedimento que conduziu à definição de 5 temas e 20 subtemas. Este procedimento resultou na selecção de 37 geomorfossítios representativos da diversidade geomorfológica do Maciço Ibérico. Palavras-chave: Património geológico; geossítio; geomorfossítio; geoforma; Maciço Ibérico. Abstract A list of geomorphosites resulting from the Portuguese geological heritage inventory is presented. This inventory was based exclusively on the geosites’ scientific value and it constitutes a fundamental tool for the implementation of geoconservation measures. The selected geomorphosites may also have educational value and many of them reveal ecological and aesthetic values. 27 geological frameworks were considered in the entire inventory. From these, “Landforms and river network of the Portuguese Iberian Massif”, “Karst systems”, “Active and fossil coastal cliffs”, “Low coasts”, and “Vestiges of Pleistocene glaciations” are frameworks fully related with landforms and geomorphological processes. The frameworks “Volcanism of the Azores Archipelago” and “Volcanism of the Madeira Archipelago” also contain a significant number of geomorphosites. 5 themes and 20 sub-themes were defined in the inventory of the “Landforms and river network of the Portuguese Iberian Massif” framework. This procedure resulted in the selection of 37 geomorphosites that represent the geomorphological diversity in the Iberian Massif. Keywords: Geoheritage; geosite; geomorphosite; landform; Iberian Massif.
1. Introdução Em Portugal, como em muitos outros países, é dominante uma visão científica acerca da origem, idade e evolução do universo, da Terra e da vida, pensamento transposto para ensino. Contudo, em contradição, observa-se frequentemente uma visão quase dogmática, baseada nas ideias e dados que constam de manuais escolares e livros, perdendo-se frequentemente a relação com os dados que resultaram da leitura das rochas, do relevo e de outros elementos da natureza.
É pois desejável que o ensino das Ciências da Terra tenha maior qualidade e uma contínua ligação dos modelos ensinados aos locais que fornecem os dados científicos, atribuindo a esses locais (geossítios e outros locais de interesse geológico) o valor científico e didáctico que merecem. A valorização e a divulgação dos geossítios são fundamentais, enfatizando a sua importância para o avanço e suporte do conhecimento científico. Em seguida efectua-se uma breve e simplificada abordagem aos diferentes valores do património geológico em Portugal, de relevância nacional e in-
78 O relevo no âmbito da inventariação do património geológico português
ternacional. Apresentam-se os dados gerais relativos aos geossítios relacionados com o tema Geomorfologia e em particular com o tema Relevo e Drenagem do Maciço Ibérico em Portugal. Estes geossítios constituem excelentes locais para a abordagem de diversos conteúdos programáticos no âmbito das Ciências da Terra. Muitos desses locais têm também elevado valor estético e permitem abordar e relacionar diversos temas. 2. Valor e inventariação do património geológico O valor científico constitui o valor fundamental que justifica a geoconservação e no qual se deve basear a classificação legal de áreas protegidas. Da mesma forma que se protegem espécies biológicas raras ou em perigo, também locais geológicos seleccionados por critérios como raridade, representatividade e/ou vulnerabilidade, urgem medidas de protecção. Tal como a beleza de um animal não deve constituir um critério para uma maior atenção de conservação, também a beleza do objecto geológico não deve constituir um critério científico em processo de geoconservação. Contudo, este facto não impede que também sejam tomadas medidas legais e técnicas de conservação de locais de inegável beleza, quer pelo seu valor cénico quer pelo consequente valor turístico e valor didáctico. Nos casos em que está em causa o valor estético de um local ou área, é fundamental reclamar a importância da Geologia e em particular da Geomorfologia, como elementos estruturantes da paisagem. A paisagem constitui um conceito ambíguo que se aplica, desde os locais mais naturais até ao meio urbano. Quando é reconhecido o valor estético de um local, ele não deve ser tratado como um jardim. A geoconservação deve garantir não só a conservação dos valores naturais, mas também a sua valorização e divulgação. Garantidas as medidas fundamentais de geoconservação, as áreas naturais de forte apelo estético têm enorme potencial para o desenvolvimento do geoturismo e consequentemente de actividades didácticas não formais. Aí, a Geomorfologia desempenha um papel fundamental, na medida em que a paisagem e as geoformas são, na maioria dos casos, os motivos de maior atractividade. Em síntese, o património geológico (s.l.), constituído pelo conjunto de geossítios inventariados numa dada área ou região (Brilha, 2005), pode ser visto sob diferentes perspectivas de acordo com o seu valor. Diz-se que um geossítio tem valor científico quando é o melhor exemplo ou constitui uma ocorrência rara ou representativa de determinado processo geológico ou geomorfológico. Um geossítio tem valor ecológico quando a característica geológica ou geomorfológica constitui o factor fundamental para
a fixação de um ecossistema. O valor estético está dependente dos avaliadores, embora seja comum o reconhecimento generalizado da beleza de muitos locais. O valor didáctico está sempre associado aos valores referidos anteriormente. A constituição de Áreas Protegidas tem como objectivo fundamental garantir a conservação de valores naturais. Diferentes tipologias de Áreas Protegidas pretendem alcançar objectivos mais específicos, como bons exemplos de harmonia entre valores naturais e culturais. Contudo, no essencial, deverá estar em causa a conservação da natureza e em especial a geoconservação. Muitas das Áreas Protegidas em Portugal constituem casos de património geológico ou integram importantes geossítios (Pereira et al., 2010a). A geoconservação é a vertente da conservação da natureza dedicada à conservação do património geológico. Atendendo à necessidade de exploração de recursos e à actividade humana, não é possível manter intacto o registo geológico e as formas do relevo em todo o planeta. Assim, é fundamental salvaguardar os melhores e mais valiosos exemplos do registo de materiais, formas e processos geológicos. A conservação e valoração patrimonial deve constituir objectivo de âmbito global, nacional, estatal ou local, de acordo com a relevância dos geossítios. Este processo deve atender essencialmente ao valor patrimonial do geossítio, independentemente do seu potencial económico ou turístico. A legislação constitui um instrumento fundamental de suporte às acções de geoconservação, pelo que é recomendável um forte empenho de investigadores e técnicos das áreas das Ciências da Terra no sentido da introdução ou reforço da geoconservação na legislação. Seguindo bons exemplos como o observado, por exemplo em Inglaterra, países como Espanha e Portugal viram reconhecida nas leis de conservação da natureza conceitos como geoconservação, património geológico e geossítio. Tal como na lei espanhola datada de 2007, em Portugal o Decreto-Lei 142/2008 reconhece a necessidade de inventariar e proteger geossítios a par das preocupações com a biodiversidade. 3. A Geomorfologia no âmbito do património geológico português O inventário do património geomorfológico foi efectuado no âmbito do projecto “Identificação, caracterização e conservação do património geológico: uma estratégia de geoconservação para Portugal”, financiado pela FCT (PTDC/CTE-GEX/64966/2006). Este projecto produziu um inventário de 322 geossítios de relevância internacional e nacional seleccionados com base no valor científico (Brilha et al., 2008). Aten-
associação portuguesa de geólogos
dendo ao facto de estar em causa o valor científico, a inventariação recorreu ao princípio da definição de categorias ou contextos geológicos (frameworks) representativos da geodiversidade portuguesa, abrangendo diferentes tipos de património geológico (Brilha et al., 2008). A definição das 27 categorias temáticas de relevância internacional e nacional, sucedeu a uma primeira e importante etapa de definição das frameworks de relevância internacional (Brilha, 2005) e resultou de uma discussão aberta à comunidade científica. As 27 frameworks reúnem temas variados como por exemplo a estratigrafia e bacias sedimentares (e.g. Neoproterozóico superior e Câmbrico da Zona Centro-Ibérica, Registo Jurássico na Bacia Lusitaniana, Bacias Terciárias da Margem Ocidental Ibérica), paleontologia (e.g. Pegadas de Dinossauros no Oeste da Península Ibéria), mineralizações e metalogenia (e.g. Geologia e metalogenia da Faixa Piritosa Ibérica, Mineralizações auríferas em Portugal). Este inventário constitui uma base fundamental para apoiar iniciativas de conservação da natureza e integra o Sistema de Informação do Património Natural (SIPNAT), sob a responsabilidade do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), como indicado na legislação sobre conservação da natureza (DL 142/2008). No referido processo de inventariação foram seleccionados 144 geossítios de âmbito geomorfológico (também designados geomorfossítios), integrados em 5 categorias, nomeadamente (Pereira et al., 2013): “Relevo e drenagem fluvial no Maciço Ibérico português” (37 geossítios), “Sistemas cársicos” (38 geossítios), “Arribas actuais e fósseis do litoral português” (7 geossítios), “Costas baixas” (7 geossítios), “Geoformas e depósitos glaciários e periglaciários”(16 geossítios), “Vulcanismo do arquipélago dos Açores” (29 geossítios) e “Vulcanismo do arquipélago da Madeira” (10 geossítios). Essa selecção foi baseada em critérios como representatividade, raridade, diversidade, integridade e conhecimento científico. Embora muitos dos geomorfossítios inventariados estejam localizados, total ou parcialmente, em áreas protegidas e alguns tenham também um estatuto de área protegida, é essencial assegurar a sua protecção e gestão adequada atendendo às suas especificidades como dimensão, estética e dinâmica, bem como ao seu elevado potencial geoturístico. 4. Relevo e Drenagem Fluvial no Maciço Ibérico Português A categoria temática Relevo e drenagem fluvial no Maciço Ibérico português foi definida com relevância internacional (Brilha et al., 2008) após uma framework semelhante ter sido eleita em Espanha com a mesma relevância (García-Cortés et al., 2001). O Maciço Ibérico é a maior unidade morfo-tectónica da Península Ibérica e corresponde a cerca
D. I. Pereira & P. Pereira 79
de 70% do território continental português. Esta unidade, constituída por rochas metassedimentares proterozóicas e paleozóicas e abundantes granitóides afectados pela deformação cadomiana, varisca e alpina, constitui o núcleo mais antigo e rígido da Península Ibérica. Desde a orogenia varisca, o Maciço Ibérico tem sofrido erosão, gerando, em alguns sectores, um relevo com declives suaves. A denudação envolveu uma sucessão de ciclos de erosão e meteorização, que deram origem a superfícies de aplanamento e níveis embutidos genericamente designados por Meseta Ibérica. Devido às diferenças de resistência à meteorização e erosão do soco varisco, desenvolveu-se no Maciço Ibérico um relevo de tipo apalachiano, caracterizado por cristas quartzíticas com orientação predominante NW-SE, que se destacam das amplas superfícies desenvolvidas em granitóides, xistos e metagrauvaques (Pereira, 2010b). Durante o Cenozóico desenvolveram-se sobre o Maciço Ibérico sistemas fluviais, drenando quer para ocidente (Atlântico) quer para oriente que contribuíram para o enchimento de bacias endorreicas. Nos sectores interiores do país é possível observar testemunhos que permitem a reconstituição da evolução dos modelos aluviais. Em alguns momentos, observaram-se mudanças paleogeográficas significativas devido a importantes soerguimentos tectónicos em sectores específicos, como na Cordilheira Central e nas Montanhas Ocidentais, bem como ao longo dos desligamentos tectónicos NNE-SSW de Vérin-Penacova e Bragança-Vilariça-Manteigas (Pereira, 2010b). No Plistocénico, a rede hidrográfica desenvolveu um progressivo encaixe, particularmente profundo no vale do Douro. Durante esta etapa de incisão a evolução dos vales fluviais foi controlada pelos factores litológicos, eustáticos, climáticos e tectónicos (Pereira, 2010b). No âmbito da categoria temática - Relevo e Drenagem Fluvial no Maciço Ibérico Português - a selecção dos geossítios teve como objectivo a conservação de locais representativos de aspectos diversos do relevo e da evolução e complexidade da rede de drenagem do Maciço Ibérico. Atendendo a esta diversidade, consideram-se 5 temas e 20 subtemas para enquadrar os geossítios com relevância científica nacional ou internacional, representando os aspectos geomorfológicos fundamentais da paisagem (Pereira et al., 2010b). Macro-geoformas residuais O registo litológico e estrutural do ciclo varisco tem forte implicação na espessura dos mantos de alteração, na actuação diferencial dos agentes
80 O relevo no âmbito da inventariação do património geológico português
erosivos e no rumo das geoformas residuais que se traduzem nos seguintes subtemas (Pereira et al., 2010b): • Cristas quartzíticas, representativas de um relevo de tipo apalachiano, com geossítios localizados em Marvão, Penha Garcia, Buçaco-Góis e Marofa; • Inselbergs, representados pelo inselberg de Monsanto (Fig. 1); • Superfícies de aplanamento desenvolvidas em fases de maior estabilidade tectónica e de drenagem com fraco declive, visíveis nos geossítios panorâmicos seleccionados no âmbito dos subtemas anteriores. Geoformas graníticas Os granitóides ocupam uma parte significativa do Maciço Ibérico, revelando uma elevada variedade de geoformas de escala distinta, nomeadamente (Pereira et al., 2010b): • Macro-geoformas graníticas, representadas pelo Inselberg de Monsanto (Fig. 1); • Geoformas graníticas de média dimensão, representadas pelos bornhardt de Penameda e Rocalva nas Serras da Peneda e do Gerês, respectivamente; • Geoformas graníticas de pormenor, relacionadas com o processo de meteorização e aspectos mineralógicos, geoquímicos e estruturais, bem representados no sector de Cheira da Noiva na Serra de Montesinho.
soerguidos a partir do Tortoniano. No Maciço Ibérico, a tectónica alpina ficou particularmente impressa em (Pereira et al., 2010b): • Maciços soerguidos do tipo pop-up, representados pela Serra da Estrela; • Compartimentos soerguidos do tipo push-up associados a desligamentos tectónicos de rumo NNE-SSW e NE-SW, representados pelas Serras de Alvão e Bornes; • Depressões tectónicas, como as depressões da Vilariça (Fig. 2), Longroiva e Miranda do Corvo; • Escarpas de falha como as da Vilariça, Lousã e Ponsul; • Vales de fractura como o vale do rio Gerês. Sedimentos cenozóicos
O regime compressivo que se iniciou a partir de final do Cretácico provocou a diferenciação do relevo em compartimentos tectónicos, intensamente
As unidades sedimentares cenozóicas são correlativas das diversas fases tectónicas alpinas que reavivaram o relevo do Maciço Ibérico; estão conservadas em depressões tectónicas ou, na Meseta, e dispõem-se com reduzida espessura sobre o soco. O registo sedimentar e geomorfológico é fundamental para datar os eventos tectono-sedimentares, caracterizar a evolução da paisagem e da drenagem, bem como para interpretar a interacção da tectónica, do clima e do eustatismo no controlo da deposição (e.g. Cunha, 1992; Cabral, 1995; Cunha et al., 2000). Foram definidas como subtemas (Pereira et al., 2010b): • Cretácico, com melhor expressão nas imediações de Coimbra; • Paleogénico, representado em bacias como Nave de Haver, Longroiva e Castelo Branco; • Neogénico, com áreas-chave nas imediações de Coimbra e de Miranda do Douro.
Figura 1 – Geossítio de Monsanto, seleccionado como mais representativo das geoformas do tipo Inserberg/Monte-ilha. Figure 1 – Monsanto geosite, the most representative landform of the Inserberg type.
Figura 2 – Geossítio Vale da Vilariça, um dos locais mais notáveis para análise e compreensão do relevo do Maciço Ibérico. Destacam-se a bacia com sedimentos cenozóicos, a escarpa tectónica ativa, a superfície aplanada da Meseta e em último plano a crista quartzítica da Serra de Reboredo. Figure 2 – Vilariça Valley geosite, one of the most notable sites to interpret and understand the Iberian Massif landscape. It includes the Cenozoic sediments and the active tectonic scarp. Furthermore, the Meseta plateau and the Reboredo quartzite ridge can be perceived from there.
Geoformas tectónicas
associação portuguesa de geólogos
Geoformas fluviais As características e organização da rede fluvial actual resultaram da conjugação de múltiplos aspectos, essencialmente relacionados com a herança varisca, a tectónica alpina e a evolução climática cenozóica. A progressiva incisão da rede fluvial deu origem a diferentes tipos de geoformas (Pereira et al., 2010b): • Gargantas, com geossítios definidos no vale do Douro, entre Miranda do Douro e Pocinho (Fig. 3); • Vales epigénicos, representados pelas Portas de Rodão; • Cascatas, representadas pelas Fisgas do Ermelo (rio Olo), Frecha da Mizarela (rio Caima, Fig. 4), Faia da Água Alta (Douro) e Pulo do Lobo (Guadiana); • Meandros encaixados, representados pelo meandro de Vale Meão (rio Douro), meandros do Alva e meandros do Zêzere em Oleiros;
Figura 3 – Geossítio São João das Arribas (Aldeia Nova, Miranda do Douro), um miradouro sobre o canhão fluvial no sector do Douro Internacional. Figure 3 – São João das Arribas geosite (Aldeia Nova, Miranda do Douro), a viewpoint above the Douro river canyon in the International Douro Natural Park.
Figura 5 – Geossítio Pulo do Lobo no rio Guadiana, um caso notável de terraço rochoso e de knick-point que evidencia o processo de erosão remontante controlado pelas oscilações eustáticas. Figure 5 – Pulo do Lobo geosite, a strath terrace and knick-point in the Guadiana River, remarkable example of headward erosion processes controlled by eustatic oscillations.
D. I. Pereira & P. Pereira 81
• Terraços rochosos representado pelo terraço do Pulo do Lobo (rio Guadiana, Fig. 5); • Terraços fluviais, com geossítios nos vales dos rios Minho (V. N. De Cerveira), Douro (Pocinho) e Tejo (Vila Velha de Rodão). No Maciço Ibérico encontram-se igualmente inventariados diversos geossítios seleccionados no âmbito da categoria “Sistemas cársicos”, bem como 16 geossítios representativos da categoria temática “Vestígios de glaciações plistocénicas” (Pereira et al., 2010; 2013). Em Portugal, embora ocorram vestígios de processos periglaciários a baixa altitude, as mais relevantes geoformas e depósitos relacionados com o frio encontram-se nas montanhas mais altas, nomeadamente na Serra da Estrela (Fig. 6) e nas montanhas do Minho. Estes aspectos traduzem-se principalmente por geoformas glaciárias de erosão (vales em
Figura 4 – Geossítio Frecha da Mizarela (Arouca), knick-point no rio Caima, em resposta ao levantamento tectónico da Serra da Freita e ao contraste de resistência à erosão no contacto xisto-granito. Figure 4 – Frecha da Mizarela geosite (Arouca), a knick-point in the Caima River induced by the tectonic uplift of the Freita Mountain and the local schist-granite contact.
Figura 6 – Geossítio Vale Glaciário do Zêzere apoiado por painel interpretativo, no Parque Natural da Serra da Estrela. Figure 6 – Zêzere Glacial Valley geosite in the Serra da Estrela Natural Park, with an interpretive panel.
82 O relevo no âmbito da inventariação do património geológico português
U, vales suspensos, circos, estrias, polimentos), geoformas glaciárias de acumulação (moreias), depósitos glaciários (tills glaciários e subglaciários) e depósitos periglaciários (acumulação de crioclastos). A importância destes vestígios em Portugal tem sido reconhecida como de elevado valor científico, testemunhando condições específicas para a ocorrência de uma dinâmica glaciária de baixa altitude, no contexto das glaciações quaternárias das montanhas mediterrâneas. 5. Conclusões Portugal dispõe de um inventário de geossítios derivado de um projecto que contou com o envolvimento de um elevado número de especialistas e que adoptou uma metodologia cientificamente reconhecida. Os geossítios são representativos dos temas fundamentais da Geologia de Portugal, e entre eles, os geomorfossítios são representativos das diferentes formas de relevo e dos processos geomorfológicos. Estes geossítios, para além do valor científico que justificou a sua selecção, possuem um elevado valor didáctico. No sentido do melhor aproveitamento deste valor urge desenvolver medidas para a sua divulgação e valorização. No que respeita à temática do Relevo e drenagem fluvial do Maciço Ibérico português, a aplicação de uma metodologia de definição de temas e subtemas permitiu sistematizar as geoformas e os processos geomorfológicos, bem como seleccionar geossítios representativos dos diferentes aspectos que compõem o relevo. A divulgação e valorização destes geossítios deverão constituir passos determinantes no sentido de promover a sua conservação e o seu uso didáctico. Bibliografia Brilha, J., 2005. Património Geológico e Geoconservação: a Conservação da Natureza na sua Vertente Geológica. Palimage Editores, Viseu, 190 p. Brilha, J., Andrade, C., Azerêdo, A., Barriga, F. J. A. S., Cachão, M., Couto, H., Cunha, P. P., Crispim, J. A., Dantas, P., Duarte, L. V., Freitas, M. C., Granja, M. H., Henriques, M. H., Henriques, P., Lopes, L., Madeira, J., Matos, J. M. X., Noronha, F., Pais, J., Piçarra, J., Ramalho, M. M., Relvas, J. M. R. S., Ribeiro, A., Santos, A., Santos, V. & Terrinha, P., 2005. Definition of the Portuguese frameworks with international relevance as an input for the European geo-logical heritage characterisation. Episodes. 28(3): 177-186.
Brilha, J., Barriga, F., Cachão, M., Couto, M. H., Dias, R., Henriques, M. H., Kullberg, J. C., Medina, J., Moura, D., Nunes, J. C., Pereira, D., Pereira, P., Prada, S. & Sá, A., 2008. Geological heritage inventory in Portugal: implementing geological frameworks. 5th International Symposium ProGEO on the Conservation of the Geological Heritage Abstracts, Rab, Croatia, October 1-5, 93. Cabral, J., 1995. Neotectónica em Portugal Continental. Mem. Inst. Geol. e Min., Lisboa, 31, 265 p. Cunha, P. P., 1992. Estratigrafia e sedimentologia dos depósitos do Cretácico Superior e Terciário de Portugal Central, a leste de Coimbra. PhD thesis, Univ. Coimbra, 262 p. Cunha, P. P., Pimentel, N. L. & Pereira, D. I., 2000. Assinatura tectono-sedimentar do auge da compressão bética em Portugal - a descontinuidade sedimentar intra-Valesiano terminal. Ciências da Terra (UNL), 14: 61-72. García-Cortés, A., Rábano, I., Locutura, J., Bellido, F., Fernández-Gianotti, J., Martín-Serrano, A., Quesada, C., Barnolas, A. & Durán, J. J., 2001. First Spanish contribution to the Geosites Project: list of the geological frameworks established by consensus. Episodes, 24(2): 79-92. Pereira, D., 2010. Características e Evolução do Relevo e da Drenagem no Norte de Portugal. In Neiva, J. M. C., Ribeiro, A., Victor, L. M., Noronha, F. & Ramalho, M. (edit.), Ciências Geológicas - Ensino e Investigação e sua História. Associação Portuguesa de Geólogos e Sociedade Geológica de Portugal, I, Capítulo V, 491-500. Pereira, D., Pereira, P. & Ferreira, N., 2010a. Património Geológico e Geoconservação em Áreas Protegidas de Portugal Continental. In Neiva, J. M. C., Ribeiro, A., Victor, L. M., Noronha, F. & Ramalho, M. (edit.) Ciências Geológicas - Ensino e Investigação e sua História. Associação Portuguesa de Geólogos e Sociedade Geológica de Portugal, II, Capítulo IV, 451-463. Pereira, D., Cunha, P. P., Pereira, P. & Brilha, J., 2010b. Relevo e Rede Fluvial do Maciço Ibérico, uma das categorias temáticas para a inventariação do património geológico português. E-Terra, 18(3), 4 p., http://e-terra.geopor.pt. Pereira, P., Pereira, D. & Brilha, J., 2010. Geoformas e depósitos glaciários e periglaciários, uma das categorias temáticas para a inventariação do património geológico português. E-Terra, 18(2), 4 p., http://e-terra.geopor.pt. Pereira P., Pereira D., Crispim J., Nunes J. C. & Brum da Silveira A., 2013. Geomorphosites within the inventory of geosites with national and international relevance in Portugal. Abstrats IAG, Paris 2013, 554. Este artigo encontra-se redigido segundo o antigo Acordo Ortográfico.
geonovas n.º 27: 83 a 94, 2014 83
associação portuguesa de geólogos
Janelas sobre mundos extintos Reflexões sobre comunicação em Paleontologia J. M. Brandão1,*, P. M. Callapez2,3, V. F. Santos3,4 & N. P. C. Rodrigues4 Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência, Universidade de Évora, Palácio do Vimioso, Largo Marquês do Marialva, 8, 7000-554 Évora / Rede HetSci; 2 Departamento de Ciências da Terra, Universidade de Coimbra; 3 Centro de Geofísica da Universidade de Coimbra; 4 Museu Nacional de História Natural e da Ciência, Universidade de Lisboa; *josembrandao@gmail.com; autor correspondente.
1
Resumo Pela curiosidade despertada, os fósseis cedo se tornaram objetos colecionáveis e motivo de discussões filosóficas sobre a história da Terra e da vida. A importância naturalística crescente desencadeou, sobretudo a partir do século XVIII, a formação de grandes coleções que serviram de base aos trabalhos que impulsionaram a Paleontologia e a Estratigrafia, durante o século seguinte. A sua representação figurativa, tornada ferramenta nas obras impressas de História Natural, foi também adotada nas exposições a partir de finais do século XIX. Este contributo conduziu a alterações substanciais no discurso museológico tradicional, até então centrado na observação massiva de exemplares dispostos segundo critérios taxonómicos ou estratigráficos, adicionando aos espécimes a sua representação pictórica em contexto paleoambiental. Através desta contextualização, os fósseis emergiram como verdadeiras “janelas de Magritte” sobre os mundos extintos, em cenários que a Paleontologia procura recriar numa aceção científica e iconográfica. Palavras-chave: Paleontologia; fósseis; museus; coleções; transposição museográfica. Abstract As a subject of curiosity, fossils soon become collectibles and a motive of philosophical discussions about the history of Earth and life. Especially from the XVIII century onwards, their growing naturalistic importance resulted on the formation of large collections, which established a basis for the work that put forward the XIX century Palaeontology and Stratigraphy. Their figurative representation in printed works of Natural History was used as a resource and adopted in exhibitions since the end of that century. This contribution led to substantial changes in the customary museological discourse, previously focused on the massive observation of specimens arranged by taxonomic or stratigraphic criteria, and adding to them a pictorial representation of their paleoenvironmental context. Through these criteria fossils emerged as true “Magritte’s windows” over the extinct worlds, in scenarios for which Paleontology recreates a scientific and iconographic meaning. Keywords: Palaeontology; fossils; museums; collections; museographic transposition.
A exposição, composta de forma artística converte-se, em sentido estrito, numa criação cultural que actua não só através do seu conteúdo científico como também da sua eloquência estética. Swiecimski, 1987. Introdução Durante milénios, as petrificações naturais com formas de seres vivos foram associadas a crenças e lendas, servindo como ornamentos, fetiches ou talismãs (Torrens, 1985) e só em meados do século XVIII, se consolidou a ideia da sua origem biológica. Os “petrefactos” ou fósseis tal como hoje en-
tendemos, constituem o único registo tangível da evolução dos organismos expressa em contexto estratigráfico e geográfico e são considerados como a mais simples e fundamental das ferramentas de investigação em Paleontologia, constituindo, para os cientistas e para os não especialistas, uma espécie de janela para os mundos extintos. Independentemente das interpretações de que foram alvo estas “mineralizações de mundos defuntos”, como lhe chama Jacques Barrau (1985), pela grande curiosidade que despertavam, cedo se tornaram objetos colecionáveis; encontram-se desde as jazidas pré-históricas às prateleiras da Naturalia dos gabinetes de curiosidades seiscentistas e setecentistas e, posterior-
84 Janelas sobre mundos extintos. Reflexões sobre comunicação em Paleontologia
mente, organizados com fins científicos em acervos museológicos. Estima-se que existam atualmente no mundo cerca de 275 milhões de exemplares conservados em coleções públicas e privadas (Allmon, 1997)1, com fins científicos, culturais ou mesmo lúdicos. Considerando a importância destas coleções para a difusão do conhecimento em Paleontologia, os autores refletem, no presente texto, sobre a sua apresentação em contexto museológico e sobre a sua interpretação mediante ilustrações e representações pictóricas. De curiosidade natural a documento científico Os filósofos gregos terão sido os primeiros a referirem-se aos fósseis como sendo restos de seres vivos que não tinham sobrevivido, falhas da gestação no ventre da “mãe Natureza”, admitindo-se, por então, a tese de que a vida brotava espontaneamente da Terra. Durante a Idade Média, grande parte do conhecimento que se possuía sobre os objetos geológicos era ainda a herdado das escolas helénicas de Aristóteles (384-322 a.C.) e Plínio (o Velho) (23-79 d.C.); não se efetuava a distinção entre minerais, rochas e fósseis, considerados como produtos naturais e genericamente designados por fossilis (tudo o que está enterrado no solo). Propalada pelo viajante e médico islâmico Avicena (980-1037) e reelaborada durante o século XIV, vingava a teoria que perdurou durante vários séculos - de que os fósseis se deviam a uma “virtude” (vis plastica) ou fluido petrificante (succus lapidificatus) que os formaria acidentalmente no solo. Na realidade, esta crença na “geração espontânea” apenas foi refutada em definitivo graças às experimentações científicas de Louis Pasteur (1862). Após a revolução da tipografia proporcionada pela invenção de Gutenberg (1398-1468), começaram a circular na Europa diversos tratados conhecidos genericamente como lapidários, dedicados aos minerais e gemas, onde se enfatizavam, sobretudo, as propriedades mágicas e medicinais que se supunha estes possuírem. Das diversas obras de maior divulgação disponíveis nas universidades europeias da época, merece referência particular a do naturalista suíço Conrad Gesner (1516-1565), “De rerum fossilium, lapidum et gemmarum maxime, fuguris et similitudinis liber…”2. Embora as ilustrações já fossem amplamente usadas noutras áreas da História Natural, esta obra é apontada como pioneira no uso de xilogravuras elaboradas por gravadores a partir de desenhos e aguarelas (Fig. 1), para complementar as descrições de fósseis (Rudwick, 1987)3.
A interpretação mágica das petrificações perdeu importância durante a Renascença, quando a observação metódica e a dedução lógica, precursoras do pensamento cartesiano substituíram, pouco a pouco, um ideário secular baseado na crença. Cético quanto a antigas teorias impostas pela doutrina vigente, Leonardo da Vinci (1452-1519), aquando da descoberta de conchas de moluscos marinhos na abertura de canais do rio Pó (Itália), cerca de 1508, não hesitou em reconhecer àqueles restos petrificados uma natureza orgânica, dada a sua semelhança morfológica com species mediterrânicas atuais, o que vindo de um dos mais reconhecidos espíritos dedicados às artes e à ciência, mereceu a maior credibilidade. Georgius Bauer [Agricola] (1494-1555), especialista em Mineralogia e Arte de Minas, também admitia que os fósseis resultavam de seres vivos, embora postulasse que a sua formação resultaria da ação de um suco lapidificante (succus lapidescens), que emergia da terra e petrificava os organismos. Nas décadas seguintes, as ideias sobre a origem biológica dos fósseis difundiram-se através da Europa, porém, enquanto se esbatia o seu carácter he-
Figura 1 – Página ilustrada da obra de Conrad Gesner publicada em 1565. Rep. de Fejfar, 1989. Figure 1 – Illustrated page of the work of Conrad Gesner published in 1565. Rep. from Fejfar’s, 1989.
associação portuguesa de geólogos
rético, acentuava-se a convicção de que os fósseis representavam restos de organismos transportados e depositados com os sedimentos ao tempo do cataclismo diluviano, salvaguardando-se assim a cronologia bíblica numa perspetiva criacionista. Durante o século XVII o valor dos fósseis enquanto documento científico sofreu novo impulso, dada a necessidade de se reinterpretar convincentemente a descoberta de ossadas de grandes dimensões, até então atribuídas a colossos mitológicos (Fig. 2)4. “Laicizados [e] desumanizados no século XVIII”, como sublinha Margaret Lopes (2005), es-
J. M. Brandão, P. M. Callapez, V. F. Santos & N. P. C. Rodrigues 85
tes ossos de “gigantes fósseis” ver-se-iam transformados em restos de quadrúpedes desconhecidos, à medida que se desenvolvia a anatomia comparada. Os trabalhos do médico e anatomista Niels Stensen [Nicolaus Steno] (1638-1686) resultaram noutro impulso considerável para este progresso de saberes relativos aos fósseis e aos processos de fossilização. Com efeito, ao dissecar a cabeça de um grande tubarão branco, constatara que os dentes desse animal eram análogos aos glossopetrae, designação atribuída aos dentes fósseis isolados, que até então se pensava serem línguas de serpente petri-
Figura 2 – Interpretações das ossadas fósseis de grandes mamíferos, representadas pelo jesuíta Athanasius Kircher (1601-1680), no seu Mundus subterraneus (1664-1678). Sublinhe-se que Kircher manifestava sérias reservas sobre as proporções dos supostos “gigantes” (Buffétaut, 1991; Lopes, 2005). Acessível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ficheiro:MundusSubterraneus.jpg, 20/09/2013. Figure 2 – Interpretations of the fossil bones of large mammals figured by the Jesuit Athanasius Kircher (1601-1680) in his Mundus subterraneus (1664-1678). It should add up that Kircher had many doubts about the proportions of these “giants”. Available in: http://pt.wikipedia.org/ wiki/Ficheiro:MundusSubterraneus.jpg, 20/09/2013.
86 Janelas sobre mundos extintos. Reflexões sobre comunicação em Paleontologia
ficadas. Steno não só demonstrou assim, de forma convincente, a origem orgânica dos fósseis, como também evidenciou que os estratos onde estes se encontravam aprisionados se tinham formado pela deposição dos materiais em suspensão nas águas, retomando algumas das ideias já aventadas por Da Vinci ao admitir que as pedras estratificadas das montanhas eram todas camadas de argila, depositadas umas sobre as outras pelas cheias dos rios. Esta e outras das suas observações constituem uma antevisão do “princípio da sobreposição das camadas” que Leonardo terá então compreendido. O Litofilácio (Lithophylacii Britannici Ichnographia) de Edward Lhuyd (1660-1709), colecionador de fósseis e curador do Ashmolean Museum em Oxford5, porventura menos divulgado, é considerado como o mais antigo catálogo de fósseis do Reino Unido. Publicado em 1699 graças ao suporte financeiro de um grupo de amigos do naturalista, entre os quais Isaac Newton (1643-1727) e Hans Sloane (1660-1753), o Litofilácio cumpria a dupla função de catálogo das coleções reunidas sobretudo graças ao seu empenho pessoal, e de guia de campo destinado aos naturalistas amadores que quisessem determinar rapidamente os seus achados (Hellyer, 1996). Para isso, lado a lado com as descrições, Lhuyd disponibilizou um elevado número de estampas, em que figurou um vasto lote de exemplares de fósseis animais e vegetais incorporados no acervo do museu (Fig. 3). A partir do século XVIII, numa época em que as primeiras tabelas cronostratigráficas ainda se encontravam por definir e a génese dos fósseis era lida à escala humana e reportada ao Dilúvio, começou finalmente a ser compreendida a sua importância para a história da Terra e da vida, apesar de subsistir alguma relutância em atribuir uma natureza orgânica a formas muito diferentes das atuais. Em paralelo, ganhava consistência o colecionismo científico, alargado no contexto do Iluminismo e do Enciclopedismo pelo recurso crescente a correspondentes, viajantes e marchands especializados, assim como pelo acesso a publicações de grande impacto, profusamente ilustradas, que testemunham os esforços dos naturalistas da altura, na descrição e classificação das produções naturais. Destacam-se apenas, de entre muitas outras obras em que se fundamenta o edifício epistemológico da História Natural, o Systema Naturae de Carl von Linné [Lineu] (1707-1778)6, editado desde 1735, e a Histoire Naturelle de Georges Leclerc [Conde de Buffon] (1707-1788), publicada entre 1749 e 1788. Este último, contrariando a doutrina vigente, especulou sobre a idade da Terra, a que atribuía mais do que os 6.000 anos sugeridos pela Bíblia.
No domínio mais restrito da Paleontologia, é incontornável a referência à obra de James Sowerby (1757-1822), naturalista, autor, entre outros trabalhos por si ilustrados e coloridos, da Mineral Conchology of Great Britain (1812)7, catálogo exaustivo em vários volumes, dos invertebrados fósseis de Inglaterra, publicado ao longo da longa carreira e continuado pelos filhos, também naturalistas. Esta obra terá sido certamente, um dos grandes suportes aos trabalhos pioneiros de William Smith (17691839), no estabelecimento da correlação de estratos sedimentares com base no mesmo conteúdo fossilífero, pilar fundamental da Estratigrafia. Em França, Jean-Baptiste de Monet [Chevalier de Lamarck] (1744-1829) elevou a Botânica, a Zoologia e a Paleontologia ao estatuto de ciências modernas, preconizando o transformismo na sua Philosophie Zoologique (1809) e descrevendo e figurando centenas de novas espécies em trabalhos monumentais, de que é exemplo a Histoire naturelle des animaux sans vertèbres (1815-1824). Por sua vez, Geor-
Figura 3 – Estampa do Litofilácio do naturalista galês Edward Lhuyd (1660-1709). Figure 3 – Plate from Edward Lhuyd’s (1660-1709) Lithophylacii.
associação portuguesa de geólogos
ges Cuvier (1769-1832) e Alexandre Brongniart (1770-1847), adeptos da doutrina do imutabilismo das espécies, cujo desaparecimento explicavam como consequência de grandes catástrofes geológicas, contribuíam para os fundamentos da Zoologia e Paleontologia de vertebrados e sua importância estratigráfica. Cuvier destacou-se por ter demonstrado a possibilidade de reconstituição de animais completos a partir do achado de peças esqueléticas isoladas, através da comparação funcional com o observado em espécies similares e contemporâneas. Este é um processo de suma importância para o estudo dos fósseis, que lançou as bases da anatomia comparada e o método de figuração ilustrada e recriação dos achados fósseis. Sublinhe-se, por exemplo, a contribuição na determinação de um fragmento cranial descoberto em Maastricht, em 1764, atribuído a um crocodilo, mas pertencente, afinal, a nova espécie de grande “lagarto marinho”, posteriormente designado por Mosasaurus (Fig. 4). Também ficou famoso o estudo do esqueleto do emblemático “animal do Paraguai” (megatério), descoberto em 1788 nos arredores de Buenos Aires e enviado para Espanha, onde foi incorporado nas coleções do Real Gabinete de Historia Natural, em Madrid8. Este esqueleto, alvo da atenção de diversos naturalistas até ao estudo de Cuvier, terá sido um dos primeiros a ser montado na posição que se supunha ter podido ter em vida (Buffetaut, 1991). A aproximação às modernas interpretações da história geológica chegou com Charles Lyell (17971875), ao universalizar o Uniformitarismo de James Hutton (1726-1797) nos Principles of Geology (18321834). Com a publicação, em 1859, dos fundamentos basilares do evolucionismo em “A origem das espécies”, de Charles Darwin (1809-1882), a “ordem
Figura 4 – Descoberta do crânio de Mosassauro na pedreira St. Pietersberg (Maastritch). Acessível em: http://en.wikipedia.org/wiki/File:MosasaurDiscovery. jpg, 20/09/2013. Figure 4 – Discovery of the Mosasaur skull in St. Pietersberg quarry (Maastritch). Available in: http://en.wikipedia.org/wiki/ File:MosasaurDiscovery.jpg, 20/09/2013.
J. M. Brandão, P. M. Callapez, V. F. Santos & N. P. C. Rodrigues 87
da criação” e o catastrofismo associado ao Dilúvio acabaram por ser refutados pela generalidade da comunidade científica e destronados, passando os fósseis a ser definitivamente encarados como testemunhos da evolução e com elevado valor científico. O conhecimento em Paleontologia progrediu, também, de forma notável, com os trabalhos metódicos de Alcide d’Orbigny (1802-1857) sobre os fósseis de França, descritos e agrupados em obras notáveis e de grande difusão internacional, como o foram, entre outras, a Paléontologie Française (publicada desde 1840, em parte póstuma), o Prodrome de Paléontologie Stratigraphique (1850) e o Cours élémentaire [de Paléontologie] (1849), publicado aquando da sua nomeação para o Museu de História Natural de Paris. Verdadeiro repositório da Paleontologia sistemática e estratigráfica, a Salle d’Orbigny do Museu de História Natural de Paris ainda hoje conserva as suas coleções, naquele que é um dos locais de culto para esta área da ciência. Da abundância à relevância O estudo e o ensino da Filosofia Natural foram desde sempre apoiados pela manipulação de coleções de exemplares naturalizados, herbários e amostras geológicas, constituídas no seio dos gabinetes universitários e museus que se multiplicaram por todo o mundo durante a segunda metade do século XIX. O principal objetivo desses museus era, por conseguinte, a representação exaustiva da diversidade das produções dos três Reinos lineanos da Natureza, evidenciando ligações e dissemelhanças, tópicos que constituíam – em paralelo com a problemática da origem dos fósseis – uma das principais preocupações dos naturalistas, aguçada pelas viagens de exploração nos novos mundos. Tais propósitos levaram à constituição de enormes coleções, sem as quais, sublinhe-se, seria difícil imaginar a construção do conhecimento em Taxonomia e Sistemática, domínios aos quais a abundância de espécimes era de importância crucial. Este propósito persistiu ao longo de todo o século XIX, à medida que a descoberta geográfica e subsequente colonização das ilhas da Oceania e do interior de África e da Austrália prosseguia. Embora desde os Gabinetes de Curiosidades seiscentistas, as produções naturais fossem já merecedoras de seções próprias, a apresentação dos exemplares fazia-se, em regra, sem que se procurasse um princípio natural orientador, seguindo apenas as preferências pessoais –estéticas ou de outra ordem – dos seus organizadores, ou os condicionalismos de espaço e mobiliário. A organização
88 Janelas sobre mundos extintos. Reflexões sobre comunicação em Paleontologia
dos exemplares segundo lógicas científicas decorreu dos trabalhos de Lineu e subsequentes, os quais permitiram sistematizar os espécimes segundo matrizes baseadas na subordinação das características anatómicas internas e externas, padrões de organização revistos na sequência da difusão das teorias evolucionistas. Refletia-se assim a “nova concepção do mundo natural” (Alberch 1995). O fulcro das apresentações de base taxonómica residia no testemunho individualizado do espécime, acompanhado apenas por uma etiqueta com o nome científico, algumas vezes também com a procedência ou a unidade estratigráfica correspondente no caso dos fósseis, transmitindo assim uma visão muito limitada do mundo natural (Hernández, 1998), consonante, porém, com os paradigmas científicos vigentes. Em consequência destes modelos de organização, profundamente vinculados à investigação e ao ensino da História Natural que vingaram até meados da segunda metade do século XX, muitos museus mantiveram, até há poucos anos, exposições muito densas e estáticas, por assim dizer, verdadeiros depósitos de materiais etiquetados, onde a abundância superava quaisquer outros desígnios. Miles et al, 1982) referiam-se-lhes dizendo que “… enquanto o especialista devia deliciar-se com esta abundância, o leigo […] incapaz de apreciar demasiadas diferenças subtis entre uma razoável massa de objetos semelhantes, acharia a exposição perplexa e visualmente monótona”. Contudo, desde finais de setecentos que se esboçavam tentativas para conferir um papel educativo às exposições; refira-se, como passo importante nesse (novo) entendimento, a exposição das coleções de Hans Sloane em Montagu House, Bloomsbury, Grã-Bretanha, desde 17599; no entanto, a consolidação da ideia de museus ao serviço da “instrução pública” só se afirmaria na esteira da criação do Museu de História Natural de Paris (1793) e do Conservatoire des Arts et Métiers de Paris (1794)10, no contexto da democratização republicana. Para Richard Owen (1802-1892), o eminente anatomista e paleontólogo britânico que orientou a instalação das coleções de História Natural do “British” no edifício de South Kensington, a “função pública” do museu cumpria-se com um grande estabelecimento onde todas as espécies e variedades estivessem reunidas e a sua comparação fosse possível, através do treino da observação de exemplares expostos e convenientemente identificados; contudo, esta postura, de resto comum a outros naturalistas contemporâneos, fez emergir a discussão sobre a utilidade de expor, ou não, toda a coleção (Thackray
& Press, 2001). Outros naturalistas ousavam propor a separação das coleções destinadas à investigação, das destinadas à instrução do público não especialista, devendo estas reunir apenas um número restrito de espécimes para que cada objeto pudesse ser claramente visto, em expositores cientificamente corretos, atrativos e fáceis de entender (id. ibid.). A generalidade dos museus contemporâneos assume intencionalmente esta dualidade funcional, por razões que se prendem, por um lado, com a sua função social e de mediador cultural, questão central ligada à acessibilidade intelectual dos materiais disponibilizados e, por outro, com o papel de repositório científico destinado a um grupo específico de utentes11. O recurso a reconstituições desenhadas e a modelos elaborados a partir da interpretação dos achados paleontológicos, processo que, em regra, acompanha a investigação, teve o melhor acolhimento por parte de alguns artistas que contribuíram para a realização das grandes exposições universais iniciadas em Londres, em 185112 (Fig. 5). Nos museus em que as preocupações educativas se acentuaram de forma mais vincada, foi sentida a necessidade de proporcionar outros documentos ilustrativos da Natureza capazes de captar e prender a atenção dos visitantes, ao mesmo tempo que, de forma subliminar, pudessem condicionar e dirigir os modos de ver e apreender. Proporcionava-se, então, a observação de esqueletos montados de dinossauros, mamíferos e outros animais extintos, na posição anatómica que
Figura 5 – Gravura da época com uma vista do ateliê do escultor Benjamin Waterhouse Hawkins (1807-1894), aquando da preparação das réplicas de dinossauros exibidas no Palácio de Cristal, na exposição universal de Londres (1851). Acessível em: http://pt.wikipedia.org/ wiki/Ficheiro:Central_Park_studio.jpg, 20/09/2013. Figure 5 – Contemporary engraving with a view from the studio of the sculptor Benjamin Waterhouse Hawkins (1807-1894) during the preparation of dinosaur replicas displayed in the Crystal Palace at the Universal Exhibition of London in 1851. Available in: http:// pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Central_Park_studio.jpg, 20/09/2013.
associação portuguesa de geólogos
se assumia ser correta (Fig. 6), ou de reconstituições de cenas vivas, mediante o recurso a representações pictóricas, atividade que tem vindo, desde há alguns anos, a consolidar-se e ser designada por paleoarte13 e que, de certa forma, culmina a investigação (Correia, 2012). Sublinhe-se que estas reconstituições supõem uma responsabilidade partilhada entre cientistas e artistas, tendo os fósseis como base estrutural “e o conhecimento científico enquanto elemento modelador da realidade passada” (id. ibid.). O sentido estético do grafismo foi sendo apurado pouco a pouco, tendo em vista a potenciação do discurso museológico, tendendo nalguns casos, se bem que numa partilha de responsabilidades entre os profissionais da área da Ciência e os designers e ilustradores, “para uma certa espécie de criação artística” (Stránski, 1978). Esta tendência foi particularmente sentida na ilustração de divulgação, representando ambiências e comunidades paleobiológicas. Contudo, uma leitura diacrónica destas reconstituições, bem como das representações figurativas concebidas para exposições, permite concluir que muitas vão ficando desatualizadas ao longo do tempo, ao ritmo das (novas) descobertas;
J. M. Brandão, P. M. Callapez, V. F. Santos & N. P. C. Rodrigues 89
são disso inúmeros testemunhos, sobretudo no que respeita aos vertebrados14. Neste contexto, delineado o discurso expositivo, são em regra selecionados por entre os exemplares bem preservados e sem problemas de conservação, aqueles que conciliem simultaneamente os necessários requisitos taxonómicos, estratigráficos ou de relevância histórica, e possam contribuir, de alguma forma, para o desenvolvimento da linguagem plástica da exposição (Hernández, 1998) ou, como refere Bergeron (1994), sem que certas peças, “embora mostradas enquanto objetos científicos sejam privadas das suas características de beleza ou raridade”. A observação do comportamento dos públicos na exposições mostra que, apesar de tudo, o que acaba por sobressair são as peças que se destacam pelas suas peculiaridades e cujo poder de atração, não raras vezes, constitui, por si só, a justificação da visita. Estão nestas circunstâncias certos “grupos faróis”, como os dinossauros, os grandes mamíferos e os hominídeos, potenciados pela mediatização de que têm sido objeto. Este fenómeno fora já constatado em finais do século XIX por Francisco Moreno (1852-1919), naturalista, explorador e diretor do Museu de La Plata (Buenos Aires) – já então detentor de um considerável acervo da megafauna plistocénica das pampas argentinas – , que chegou a defender que o poder de atracção de certos objetos deveria ser um critério prioritário na organização das exposições, além de que a sua disposição nas salas deveria realizar-se de forma a poderem ser plenamente apreciados pelo público (Francisco Moreno, 1891, apud. Lopes & Murriello, 2005). Apresentação e transposição
Figura 6 – Reconstituição do esqueleto da tartaruga gigante Archelon ischyros descoberta em 1895 na formação de Pierre Shale (South Dakota, E.U.A.). Yale Peabody Museum. Acessível em: http://www.oceansofkansas. com/Turtles/ArchelonYPM3000.jpg, 20/09/2012. Figure 6 – Skeleton reconstitution of the giant turtle Archelon Ischyros discovered in 1895, in the Pierre Shale Formation (South Dakota, USA). Yale Peabody Museum. Available in: http://www. oceansofkansas.com/Turtles/ArchelonYPM3000.jpg, 20/09/2012.
Na generalidade, os museus lidam com objetos retirados do seu contexto original, aos quais se procura dar um novo sentido e significado, aliando ao seu valor material e científico, um valor imaterial que permita a sua transposição para os contextos originais, ou seja, situá-los no domínio da interpretação do mundo natural. O veículo para tal desiderato é a apresentação das coleções - a exposição -, que embora não esgote a comunicação em ambiente museal, continua a ser, como enfatizava Georges Henri Rivière (1897-1985), “a mais adequada via para estabelecer o diálogo entre o museu e o público” (Rivière, 1989). A exposição é um processo criativo que recorre a uma linguagem multimodal, cujo objectivo é a produção de uma narrativa ou discurso museológico, que comunica uma ou mais mensagens (cognitivas, afetivas ou ambas) em torno de objetos, realidades
90 Janelas sobre mundos extintos. Reflexões sobre comunicação em Paleontologia
ou conceitos. Os objetos podem ser parte da narrativa ou desempenharem o papel de “semióforos” i.e., o papel de intermediários entre os utentes dos museus e um “mundo invisível” (Pomian, 1997). Isto significa que o valor das coleções decorre do facto de representarem mundos inexistentes no momento e no lugar onde podem ser contempladas, e onde se destinam a estabelecer uma comunicação entre o mundo real, com o mundo donde vêm os objetos que as preenchem, pertencentes a um espaço e a um tempo diferentes, “invisível” no presente. Deste modo, objetos reais ou réplicas, ou combinações de ambos, associados às suas representações figurativas (ilustrações, fotografias ou animações multimédia) asseguram o estabelecimento de uma ligação visível e tangível com mundos desconhecidos, recriando os seus espaços e ecossistemas, povoados de seres extintos há milhões de anos (Fig. 7)15. Passos decisivos no sentido de aumentar a eficácia da comunicação foram trilhados nas primeiras décadas do século XX, pelo recurso aos dioramas, técnica que rapidamente se alargou da Zoologia, o domínio tradicional, à Paleontologia. Consistia na representação ou recriação de peças e ambientes naturais, cujos elementos, exemplares reais e/ ou réplicas, eram apresentados em posição de vida e conexão ecológica, num contexto paleoambiental. Esta forma de apresentação que marcou o início da rotura com as exposições exaustivas, baseadas na sistemática e na evolução, “predominantemente um fenómeno do século XIX” (Mason, 1994), continua a utilizar-se com grande aceitação.
Enquanto dispositivo museográfico, o diorama consegue reunir e fundir visualmente a representação gráfica (ilustração do ambiente e ilustração analítica de taxa) com a figuração dimensional (modelação de taxa e do substrato), reforçando-se a mediação da interpretação pela apresentação dos espécimes em contexto de integração sinergética, recorrendo a uma gama alargada de emissores sensoriais, de percepção táctil e auditiva. Porém, tenha-se em boa nota que o propósito da transposição museográfica não é propriamente o de apresentar a realidade nas suas múltiplas dimensões, mas sim, como referia Jean-François Lyotard (L. apud. Thomson, 2002) o de “inventar alusões representativas do que não pode ser apresentado”. Não obstante estas limitações, existe sempre uma fundamentação científica subjacente ao acto de recriar “janelas de Magritte”16 sobre um passado tornado irreversível pela dimensão tempo. Esta advém da aplicação do paradigma do uniformitarismo, assim como de critérios próprios da analogia e da convergência morfológica, entre outros. Monstros, interpretação e (geo)conservação A par de outras produções naturais, os fósseis tiveram, desde cedo, lugar de relevo nos museus constituídos em Portugal a partir da segunda metade do século XVIII, na esfera do erário público e eclesiástico. Atestam-no, por exemplo, as remessas de restos de grandes vertebrados destinados ao Real Gabinete de História Natural e Jardim Botânico
Figura 7. A – Montagem didática combinando peças esqueléticas de dinossauro Iguanodontídeo (Museu do Instituto Real de Ciências Naturais da Bélgica, Bruxelas). Foto dos autores, 2011; B – Réplica do esqueleto do dinossauro Miragaia longicollum, peça emblemática da exposição de longa duração do Museu da Lourinhã. Foto O. Mateus / Museu da Lourinhã. Figure 7. A – Didactic assemblage combining skeleton parts of an Iguanodontid dinossaur (Museum of the Royal Belgium Institute of Natural Sciences, Brussels). Authors’ photo, 2011; B – Skeleton replica of the dinossaur Miragaia longicollum, emblematic part of long-term exhibition of the Museum of Lourinhã. Photo by O. Mateus / Museum of Lourinhã.
associação portuguesa de geólogos
da Ajuda, em Lisboa (fundado ca. de 1768), entre as quais a de diversos “pedaços de ossos monstruosos”, testemunhos da megafauna plistocénica do Ceará enviados pelo capitão-mor Coutinho de Amaury (?-1810) ao Secretário dos Negócios da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro (1716-1795), bem como os restos esqueléticos do mítico “Monstro de Prados”, descoberto em 1785 em Minas Gerais, acompanhado pelo relatório do naturalista brasileiro Simão Pires Sardinha (17511808), sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa (Fernandes et al., 2012, 2013; Lopes, 2005). Lamentavelmente perdeu-se o rasto destes materiais nas transferências de que foi alvo o acervo do museu da Ajuda, em parte expedido por Domenico Vandelli (1735-1818) para o Gabinete de História Natural da Universidade de Coimbra (criado através da reforma pombalina de 1772), mas também espoliado durante a invasão de Junot (1807-1808) e, na maior parte, confiado à Academia Real das Ciências de Lisboa, quando foi extinto em 1836. As coleções reais juntaram-se aí aos materiais reunidos por Frei José Mayne (17231792), nomeadamente inúmeras peças de História Natural, bem como as doações de académicos e de outros contributos para formar o Museu Nacional de Lisboa (Antunes, 1986), posteriormente transferido para a Escola Politécnica de Lisboa (1858). No seio da Academia das Ciências, por influência do Duque de Saldanha (1790-1876), viria a ser criada a 1ª Comissão Geológica (1848) que, reformulada e sob a orientação científica de Pereira da Costa (1809-1889) e Carlos Ribeiro (1813-1882), haveria de constituir, a partir de 1859, no segundo piso do edifício da Academia, o museu onde se preservam as coleções de paleontologia e estratigrafia portuguesas, reunidas durante os levantamentos para a Carta Geológica de Portugal, desde a década de 1860. Nelas estão representados os principais “cortes” históricos que permitiram definir e caracterizar as principais unidades estratigráficas presentes em território nacional, representados através das faunas fósseis usadas no seu ordenamento cronológico. Os grupos fósseis mais representativos deste acervo foram alvo de estudos monográficos publicados desde 1865, assinados pelos membros da Comissão e dos organismos que lhe sucederam, e por diversos colaboradores graciosos estrangeiros, convidados de entre os grandes especialistas da época (Brandão, 2008). Do ponto de vista da ilustração, deve sublinhar-se a grande preocupação e qualidade das litogravuras incluídas nestes trabalhos, até ao uso generalizado da fotografia, gravadas
J. M. Brandão, P. M. Callapez, V. F. Santos & N. P. C. Rodrigues 91
e impressas por técnicos ao serviço da Comissão ou por estúdios europeus de referência (Fig. 8). Fósseis, materiais “conchiológicos” e minerais faziam igualmente parte das coleções de curiosidades naturais reunidas por Frei Manuel do Cenáculo (1724-1814), bispo de Beja, apresentadas no “seu” Museu Sisenando Cenaculano Pacence, aberto aos fiéis da Diocese sob o mote “O estudo do Museo he huma disposição para qualquer homem ser completamente Sabio” (Vasconcelos, 1898) 17. Seria injusto não referir, mesmo que de modo fugaz, as coleções que atualmente se encontram na esfera dos museus universitários, as quais conciliam muitas centenas de exemplares estrangeiros adquiridos com finalidades didáticas e de comparação a marchands de referência, sobretudo nas últimas décadas do século XIX (Dr. Auguste Krantz e sucessores, Louis Sæmann, Émile Deyrolle e tantos outros). Estas, embora sem perderem valor enquanto referentes taxonómicos (mesmo carentes de revisão), são hoje em dia passíveis de novos olhares enquanto contributos para a História das Geociências, em contexto nacional e internacional. Estes acervos universitários são também repositórios de espécimes recolhidos em formações portuguesas, no decurso de trabalhos de investigação centrados nessas instituições. Parte destas coleções permanece exposta no presente em condições que procuram romper com os
Figura 8 – Original de Angelino Castro, desenhador da Comissão Geológica, com ilustrações de espécimes miocénicos da região de Lisboa para as estampas da monografia de Pereira da Costa sobre os gastrópodes fósseis portugueses. Ca. 1866. Arquivo Histórico Geológico-Mineiro do LNEG. Figure 8 – Original of Angelino Castro, designer of the Portuguese Geological Survey, showing illustrations of Miocenic specimens of Lisbon region destined to the preparation of plates for Pereira da Costa’s monograph on Portuguese fossil gastropods. About 1866. Geological-Mining Historic Archive, LNEG.
92 Janelas sobre mundos extintos. Reflexões sobre comunicação em Paleontologia
padrões científicos tradicionais, em nome de uma nova eficácia comunicacional ao ritmo das dinâmicas institucionais. Uma última palavra é devida às diversas coleções que têm vindo a constituir-se na esfera autárquica e do movimento associativo científico, que reúnem atualmente acervos de grande interesse científico (citem-se como exemplos os do Museu da Lourinhã e da Sociedade de História Natural, Torres Vedras) ou relevância pedagógica como são, entre outros exemplos possíveis, os do Museu de História Natural de Sintra, onde se exibe uma parte da diversificada “Coleção Miguel Barbosa” (Brandão, 2006), do Museu da Pedra (Cantanhede), ou o do Parque Paleozóico de Valongo. Notas finais Henri Rivière (1989) referia a grande diversidade de formas que ao longo do tempo foram encontradas para a apropriação e apresentação da Natureza, desde a ménagerie de Alexandria no antigo Egito, aos hortos botânicos e Gabinetes de Curiosidades, dos jardins zoológicos aos vivarium e aos parques naturais, sem omitir, é claro, as “galerias científicas” novecentistas. Para o grande vulto da Museologia contemporânea, as sucessivas e múltiplas fórmulas de apresentação da História Natural conferiram aos respetivos museus um carácter “espectacularmente evolutivo” e até de avant-garde no universo dos museus (id. ibid.). Estas modificações encontram explicação nas novas e permanentes descobertas em todos os ramos da História Natural, incluindo a Paleontologia, mas também na interiorização da necessidade de modificar os discursos museológicos, adequando-os às novas realidades e aos interesses de utentes cada vez mais exigentes e apetrechados culturalmente. É notável o esforço feito por muitos museus e pela nova geração de “centros de ciência” no sentido de se distanciarem da tradicional abordagem ontológica, centrada nos objetos, para novas formas de comunicação em Ciência que incorporam perspetivas históricas sobre a construção do conhecimento e a evolução das metodologias de investigação, para chegar a outro nível de abordagem, epistemológica, centrada na demonstração e na experiência, envolvendo o utente no processo de descoberta e interpretação científicas (Montpetit, 1998). Este desafio tem de ser sido assumido em paralelo com a melhoria do acesso da comunidade científica às coleções, de forma a garantir o desenvolvimento da tradicional vocação científica deste grande grupo de museus. É hoje consensual a aceitação de que a mudança
na filosofia da apresentação passa pela constituição de equipas multidisciplinares que conciliem cientistas e profissionais da comunicação e educação, repartindo entre si a responsabilidade da conceção, design e desenvolvimento de módulos expositivos, com recurso a novas tecnologias e materiais de suporte. Pretende-se que estes interajam com os utentes e promovam a reflexão sobre as questões da paleoecologia, da paleobiogeografia, da evolução e da extinção - objetivos que estão para além dos pretendidos aquando da mera disponibilização de informação taxonómica nas exposições tradicionais. Trata-se, dir-se-ia, de desígnios que decorrem dos recentes esforços de interpretação, valorização e conservação do património geológico em todas as suas expressões (geoconservação), metas supremas do paradigma ambiental. Se, como afirmam Antunes & Balbino (2010), a Paleontologia não é ciência “nem velha nem obsoleta – ao contrário, com excelentes possibilidades de desenvolvimento”, então augura-se à sua apresentação e divulgação, enquanto contributo para a elevação dos níveis de literacia científica da sociedade, um longo (e paralelo) caminho, reinventando o processo de transposição museográfica com recurso massivo às novas tecnologias de comunicação e à conceção de dispositivos interativos, de que carecem ainda os equipamentos atuais. Bibliografia Alberch, P., 1995. Inventaires des musées, des collections et de la biodiversité. La Lettre de l’OCIM, Dijon, 37: 9-14. Allmon, W. D., 1997. Collections in Paleontology. Paleontology in the 21st Century Workshop. In Lane, H. R., Lipps, J., Steininger, F. & Ziegler, W. (Edit), International Senckenberg Conference, Frankfurt, 155-159. Antunes, M. T., 1986. Sobre a história da Paleontologia em Portugal. In História e desenvolvimento da ciência em Portugal, Lisboa. Publ. do II centenário da Academia das Ciências de Lisboa, 2: 773-814. Antunes, M. T. & Balbino, A., 2010. Fósseis de Portugal. In Paleontologia: conceitos e métodos. Edit. Interciência, Ltda, Rio de Janeiro, 1: 633-659. Barrau, J., 1985. Fóssil. Enciclopedia Einaudi, Imprensa Nacional Casa Moeda, 1: 87-94. Bergeron, L., 1994. Les collections de géologie des muséums, une chance pour les sciences de la Terre. La Lettre de l’OCIM, Dijon, 36: 16-19. Brandão, J. M., 2006. O futuro Museu de História Natural de Sintra na divulgação e ensino das Geociências. VII Congresso Nacional de Geologia. Livro de Resumos, 3: 821-824. Brandão, J. M., 2008. Para uma historiografia dos colaboradores estrangeiros das antigas “Comissões
associação portuguesa de geólogos
Geológicas”. In Callapez, P., Rocha, R., Marques J. & Dinis, P. (edit.), A Terra: conflitos e ordem. Museu Min. Geol. da Universidade de Coimbra, 419-427. Buffétaut, E., 1991. Fósiles y hombres. Barcelona. RBA Editores. 337 p. Correia, F., 2012. Paleoarte: fósseis que ganham vida. UTAD. 64 p. Fejfar, O., 1989. Zkamenelá minulost. Praha. Albatros. 303 p. Fernandes, A. C., Antunes, M. T., Brandão, J. M. & Ramos, R. C., 2012. O Monstro de Prados e Simão Pires Sardinha: considerações sobre o primeiro relatório de registro de um fóssil brasileiro. Filosofia e História da Biologia, 7(1): 1-22. Fernandes, A. C., Ximenes, C. & Antunes, M. T., 2013. Na Ribeira do Acaraú: João Batista de Azevedo Coutinho de Montaury e a descoberta documentada de megafauna no Ceará em 1784. Filosofia e História da Biologia, 8(1): 21-37. Hellyer, M., 1996. The pocket museum: Edward Lhwyd’s Lithophylacium. Archives of Natural History, 23(1): 43-60. Hernandez, F., 1998. El museo como espacio de comunicación. Gijón. Ediciones Trea. 325 p. Lopes, M., 2005. “Raras petrificações”: registros e considerações sobre os fósseis na América Portuguesa. Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades. Lisboa, IICT, 17 p. Lopes, M. & Murriello, S., 2005. Ciências e educação em museus no final do século XIX. História Ciências, Saúde – Manguinhos, 12 (supl): 13-30. Mason, P., 1994. From presentation to representation. Journal of the History of Collections, 6(1): 1-20. Miles, R. [coord.], 1982. The design of educational exhibits. London. Allen & Unwin. 140 p. Montpetit, R., 1998. La muséologie des sciences, ses institutions et leurs objets. In B. Schiele & E. Koster (coord.). La révolution de la muséologie des sciences. Presses Universitaires de Lyon,176-186. Pomian, K., 1997. Colecção. In: Enciclopédia EINAUDI, 1, Imprensa Nacional, 1: 51-86. [Rivière, J. H.], 1989. La Muséologie selon Georges Henri de Rivière. Cours de Muséologie / Textes et témoignages. Paris. Dunod Edit. Rudwick, M., 1987. The meaning of fossils: episodes in the history of Paleontology. Chicago University Press. 287 p. Stránski, Z., 1978. Museological principles of museum exhibitions. In: Proceedings of the International Museological Seminar “The problems of contents, didactics and aesthetics of modern museums”, Budapest, 71-94. Swiecimski, J., 1987. Museum exhibitions as an object of theoretical investigation. Museum News, 10: 211-217. Thackray, J. & Press, B., 2001. Nature’s Treasurehouse. The Natural History Museum, London. 144 p.
J. M. Brandão, P. M. Callapez, V. F. Santos & N. P. C. Rodrigues 93
Thomson, K., 2002. Treasures on Earth. Museums, Collections and Paradoxes. London Faber & Faber Editors. 114 p. Torrens, H., 1985. Early collecting in the field of Geology. In: The origins of museums. Claredon Press, 204-213. Vasconcelos, J. L., 1898. Discurso de inauguração do Museu do Cenáculo em Beja em 1791. O Archeologo Portugues, 4: 10-12. notas
Este número peca certamente por defeito, dada a impossibilidade prática de conhecer os contornos do colecionismo amador, estimulado desde há algumas décadas, pela evolução dos currículos escolares e pelo crescente interesse pela Natureza nas suas diferentes expressões, estimulado pelos media, pelas “feiras de minerais e fósseis” e por exposições espectáculo de impacto internacional (blockbusters), ligados a certos grupos há muito desaparecidos, como os dinossauros e os mamíferos “da Idade do Gelo”. 2 Gesner, Conrad, 1565. De rerum fossilium, lapidum et gemmarum maxime, figuris & similitudinibus liber: non solum medicis, sed omnibus rerum naturae ac philologiae studiosis, utilis & iucundus futurus (Das coisas fósseis, principalmente pedras e gemas, as suas formas e semelhanças, não só para os médicos, mas também para os estudiosos de filologia, por ser útil e agradável. Trad. livre). Zurich: [Jacob Gesner]. 3 Gesner não estava alheado nem do valor medicinal dos “fósseis” e tal como a maioria dos seus contemporâneos, acreditava na existência do succus lapidificatus. 4 Tenha-se também presente que, durante este período, era considerável a quantidade de marfim fóssil comercializado na Europa, proveniente de jazidas siberianas, facto que, mais tarde, foi explorado por Buffon na obra Les époques de la nature (1778). 5 O Ashmolean Museum, inicialmente dedicado às Artes e Arqueologia, é considerado o mais antigo museu público do Reino Unido e o mais antigo museu universitário. Abriu em 1683 disponibilizando as coleções de Elias Ashmole (1617-1692), oferecidas à Universidade de Oxford em 1677. 6 Lineu, além de autor da classificação binomial, foi um dos primeiros naturalistas a estabelecer um critério de agrupamento das produções minerais em Petrae (rochas), Minerae (minerais) e Fossilia (fósseis). 7 Sowerby, James; Sowerby, James de Carle; Farey, John.. The mineral conchology of Great Britain; or, Coloured figures and descriptions of those remains of testaceous animals or shells, which have been preserved at various times and depths in the earth. London. Ed. B. Meredith. 1812, 1st edition. 8 Criado em 1771 por Carlos III, que muito se interessava pela História Natural e por isso apoiava as expedições e o colecionismo científico, antecedeu o atual Museo Nacional de Ciencias Naturales. 1
94 Janelas sobre mundos extintos. Reflexões sobre comunicação em Paleontologia
Estas coleções constituíram o núcleo fundador do British Museum (Natural History), em Londres. 10 Atual Musée des Arts et Métiers/ cnam. 11 Embora as coleções de fósseis sejam a principal fonte de informação em Paleontologia e por isso essenciais à investigação nos vários domínios desta ciência e à formação de novos investigadores, o seu valor científico é com frequência questionado, pelo facto daquelas terem sido constituídas sobretudo por razões ligadas aos estudos de Taxonomia e, por isso, serem formadas por exemplares isolados, desprovidos do seu contexto estratigráfico e paleoecológico. 12 Great Exhibition of the Works of Industry of all Nations, Palácio de Cristal, Londres, 1851. 13 A “Paleoarte” recorre a várias técnicas de expressão plástica, obedecendo a critérios de natureza interpretativa, tendo em vista a reconstrução, reconstituição ou modelação figurativa de elementos esqueléticos ou outros restos orgânicos, bem como marcas de atividade de seres pretéritos (icnofósseis) designadamente ninhos, pegadas, perfurações, coprólitos, etc… (Correia, 2012). 14 No caso dos museus existem algumas representações que perdurarão pela excelência do trabalho e en9
quanto documento histórico, tendo-se tornado, elas próprias, motivo de atração. Demonstram-no, por exemplo, os murais de Charles Robert Knight (1874-1953) e de Rudolph Zallinger (1919-1995) no Field Museum of Natural History, Chicago, EUA e Yale Peabody Museum of Natural History, New Haven, EUA, respetivamente, importantes marcos na interpretação artística dos progressos das ciências da Terra e da Vida e, simultaneamente, imagens de marca do museu. Acessíveis em linha em: http:// www.charlesrknight.com/FMNH.htm e http://peabody.yale.edu/exhibits/age-reptiles-mural. 15 Deve enfatizar-se o valor destes suportes para a divulgação em Paleontologia, atendendo a que em grande parte dos casos a preservação e/ou o modo de fossilização dos exemplares nem sempre propiciarem uma rápida compreensão da morfologia do original, nem tão pouco a sua extrapolação para o ser vivo de que resultaram. 16 Evocação do pintor belga René Magritte (1898-1967). 17 O remanescente das coleções de Frei Manuel do Cenáculo reparte-se atualmente entre a Biblioteca Pública e o Museu de Évora, cidade para onde o clérigo foi transferido em 1802, como arcebispo.
geonovas n.º 27: 95 a 100, 2014 95
associação portuguesa de geólogos
Visões filosóficas da Natureza A Geologia no contexto cultural da Idade Média N. Pimentel Departamento de Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Campo Grande, C-6, 4º, 1749-016 Lisboa; pimentel@fc.ul.pt.
Resumo Apresenta-se uma síntese comentada das principais ideias existentes na Idade Média acerca do funcionamento da Terra. Essas ideias são enquadradas no contexto histórico e cultural, procurando evidenciar o modo como os sucessivos eventos e fases históricas influenciaram a transmissão e evolução das mesmas. Constata-se uma continuada tensão entre as observações naturalistas e a procura de interpretações conformes à doutrina vigente em cada momento. Ainda assim, constata-se, também, que já na Idade Média, muito antes da chamada “Revolução Científica”, diversos pensadores procuraram olhar, conhecer e explicar as características e processos do planeta em que habitamos. Palavras-Chave: Idade Média; Geologia; Filosofia Natural. Abstract This work presents a synthesis of the main medieval ideas about the behaviour of planet Earth. Those ideas are discussed within their historical and cultural framework, showing how historical events and movements controlled their transmission and evolution. A continuous tension, between naturalistic observations and doctrine constrained interpretations, may be detected. However, it is clear how long before the so-called “Scientific Revolution”, several intellectuals tried to look, understand and explain planet Earth’s characteristics and behaviours. Keywords: Middle Ages; Geology; Natural Philosophy.
1. Introdução Vivemos actualmente imersos em Ciência, rodeados de tecnologia, estatísticas, modelos e discursos racionais, com quase toda a informação filtrada por crivos científicos. Dificilmente concebemos, por isso, que uma sociedade possa não ter como primado estes conceitos, que não procure e discuta incessantemente as explicações mais lógicas para o que acontece e para o que faz acontecer. Mas, para que necessitam realmente as civilizações de descobrir, de explicar, de inventar? Uma sociedade apenas gere, em cada momento, aquilo com que lida correntemente; e a Ciência, como tudo o resto, é feita por quem dela necessita e só quando necessita, não antes nem de outro modo. Em tempos mais recuados, as prioridades não seriam as mesmas de hoje, e só descentrando-nos da realidade em que vivemos poderemos aceder ao âmbito intelectual das teorias que ao longo da História foram surgindo para relatar, transmitir
ou inventar o mundo que nos envolve e a Terra em que nos movemos. O mundo medieval era certamente muito diferente deste em que vivemos, e por isso outras eram as ideias de então acerca da Terra, de como era e do que a faria funcionar. 2. Novos ideais com antigas ideias As teorias desenvolvidas pelos pensadores da Antiguidade acerca da Natureza visavam, sobretudo, gerir princípios religiosos, espirituais, filosóficos e morais para a sociedade em que viviam, e não tanto estabelecer teorias científicas rigorosas, cujo alcance social seria quase nulo. Apesar da distância mantida entre o mundo terreno e o mundo filosófico (de que a alegoria da caverna de Platão constitui um paradigma), foi nesse quadro que nasceram as primeiras grandes ideias acerca da Terra e do seu funcionamento. Procurando integrar a Natureza num quadro filosófico, os pensadores clássicos foram assim levados a expli-
96 Visões filosóficas da Natureza. A Geologia no contexto cultural da Idade Média
car alguns fenómenos naturais, teorizando sobre terras e mares, sismos e vulcões, rochas e fósseis. Um modelo terrestre global? Claro que ainda não, apenas peças isoladas que suavemente se encaixavam e suportavam a Filosofia dominante. Nos primeiros séculos da era cristã, toda essa reflexão recolhida pelo Império Romano começou a definhar, acompanhando o esvaziamento de ideais das civilizações em queda. Multiplicavam-se então as antologias, as enciclopédias e edições críticas, sem que nada se criasse de realmente novo. Neste ambiente de estagnação, ganharam terreno os misticismos, surgiu a alquimia e renasceram os simbolismos e ocultismos próprios das etapas de indefinição civilizacional. Como única alternativa a esta tendência dissipativa surgiu, no Ocidente, o poder da Igreja católica, procurando pôr o dogmatismo bíblico acima de todas as ideias, interditando as escolas filosóficas “helenizantes” e obrigando os membros destas a migrarem para Oriente, vindo a refugiar-se na Síria e na Pérsia. A derrota militar do Império Romano no séc. V, com a consequente reorganização de forças e de influências na região, iria criar condições para o surgimento de uma nova civilização mais a oriente. Em três séculos, os recursos e as riquezas crescentes excederam as necessidades básicas e permitiram o desenvolvimento de elites aptas a disputar o poder. Surgiu assim um novo grupo político-religioso, dissidente de uma importante seita judaico-cristã, o qual estaria na base do Islão. Num século apenas, o Islão alastra desde o actual Irão pela Síria, Egipto e África do Norte até à Península Ibérica, tolerando as convicções dos povos conquistados e fornecendo-lhes uma língua unificadora. Este enorme Império soube conciliar e absorver os conhecimentos detidos pelos refugiados do antigo império romano, oferecendo-lhes ainda condições para o seu desenvolvimento. Aproveitou-se assim uma “fuga de cérebros” para expandir uma civilização emergente, situação que a História várias vezes veio a repetir. Bagdad tornou-se então o ponto de confluência de judeus e cristãos, persas e indianos, todos eles assimilados pelo Islão, promovendo a tradução dos textos clássicos do grego para persa e árabe, enquanto no extremo oposto do império, Córdoba se desenvolvia como centro intelectual do Ocidente islâmico. No séc. IX já quase toda a obra de Aristóteles se encontrava traduzida para árabe, frequentemente com subtis alterações, tornando-se uma referência obrigatória para todos os pensadores islâmicos, atraídos pela concepção coerente de um Universo estável, contínuo e eterno, muito conveniente para apropriações religiosas e monoteístas, apresentando um Deus supremo criador e protector da Terra, sem a intervenção de catástrofes ou forças ocultas.
No séc. X os escritos aristotélicos dos “Meteoros” são “islamizados” por uma seita de Bassorah (”Os Irmãos da Pureza e da Verdade”), procurando integrar os diversos processos terrestres aí descritos numa primeira tentativa de teoria global. “Nós queremos mostrar como se formam as montanhas e os mares, como a argila mole se torna pedra, como as pedras se quebram e formam areias, como as chuvas e os rios as transportam para o mar e como, a partir daí, a areia e a argila se transformam em rochas e montanhas, no fundo dos mares“ (traduzido de Ellenberger, 1988, p. 79). Com este propósito, desenvolveram as suas ideias e difundiram-nas por todo o mundo islâmico. “Sabe tu, meu irmão, que pela intensidade dos raios do Sol, Lua e estrelas sobre as montanhas e colinas, ao longo do tempo a humidade diminui, aumentando a sua secura e dureza. Então, quebram-se e formam seixos e areia, que as chuvas levam para os rios cuja força tudo transporta para os lagos e mares. Depois, a força das ondas e o borbulhar das águas depositam esses seixos, areias e argilas no seu fundo, camada sobre camada ao longo das épocas. Por fim, essas camadas sobrepõem-se e assim se formam e se elevam no fundo dos mares as colinas e montanhas, tal como nos desertos o vento molda os montes de areia. E cada vez que o fundo do mar se enche com essas montanhas, a água sobe e transborda para as áridas planícies, cobrindo-as e transformando-as em lagos e mares (...). As montanhas vão assim sendo destruídas, enquanto no mar as areias e argilas expulsam as águas deixando aparecer ilhas, colinas e montanhas”(ib. idem). Como se vê, tudo funciona em contínua perfeição, sem cataclismos nem limitações temporais, apenas numa lenta e natural evolução. É a geodinâmica externa totalmente intuída, faltando no entanto um aspecto essencial: o motor do levantamento das montanhas, ou seja, da orogénese. Para explicar então que desde sempre existam áreas levantadas e outras imersas, introduziram como elemento inovador o papel da Sabedoria Divina, cuja “boa vontade quis que as duas esferas (a terrestre e a oceânica) tivessem centros distintos, para que uma parte das Terras esteja fora de água para habitat dos animais e das pastagens que os alimentam” (ib. idem). Quando é necessário, o homem sonha, Deus quer e o equilíbrio nasce. E assim, a terrena geodinâmica interna, continuava ausente das ideias islâmicas medievais. A partir daqueles textos essenciais, outros pensadores islâmicos propuseram aperfeiçoamento pontuais e tentaram incluir abordagens empíricas naquele modelo tão perfeito. Sobre as questões da natureza terrestre se debruçou também Avicena (Ibn Sina, 980-1037), um dos mais conhecidos pensadores da sua época, nascido em Samarkanda. No texto “De Mineralibus” enuncia pela primeira vez as bases do Princípio da Sobreposição, ou seja, que a sucessão vertical de camadas representa a sucessão de acontecimentos no tempo: “É possível que o mar tenha gradualmente inundado as planícies e montanhas e depois recuado. E que cada vez que a terra assim emergia o mar deixava atrás dele
associação portuguesa de geólogos
uma camada, pois nós vemos que certas montanhas parecem ter sido empilhadas, camada sobre camada. Primeiro formou-se uma e depois a seguinte, sobre cada camada ficou uma outra substância, de origem terrestre, separando-a da seguinte; aquando da petrificação das camadas aquela substância desintegrou-se e assim ao longo dos tempos” (traduzido de Ellenberger, 1988, p. 82). À parte a ideia errónea de que cada camada representa um depósito marinho, separada da seguinte por um nível continental, havendo assim tantas transgressões e regressões quantas as camadas, cabe a Avicena o enorme mérito de ter começado a vislumbrar na sucessão das rochas a história dos acontecimentos na Terra, conceito basilar de toda a Geologia. Avicena descreve também o modo de ocorrência das conchas nas rochas antigas, procurando integrá-lo na visão global antes apresentada. “A argila do fundo do mar é exposta ao ar, aglutinando-se e tornando-se pedra; os animais marinhos aparecem por isso no interior de certas pedras, ao quebrarem-se” (ib. idem). Quanto ao processo de fossilização, descreve-o do seguinte modo: “Alguns animais e plantas podem ser convertidos em pedra por uma virtude petrificadora (Vis Lapidificativa) que existe nas rochas e é libertada pelos tremores de terra, ou que até a partir da água pode coagular” (ib. idem). Um século mais tarde, o pensador Averróis (Ibn Rushd, 1126-1198) foi nomeado pelo califa de Córdoba para dirigente espiritual da comunidade islâmica local, sendo-lhe encomendada a tradução e comentário de toda a obra de Aristóteles, com a intenção expressa de a expurgar das numerosas interpretações entretanto sofridas e de lhe conferir maior modernidade e universalidade. Fatalmente, o resultado dessa “purificação” foi a introdução das suas próprias interpretações, mais convenientes aos poderes então vigentes. Averróis aproveita mesmo para apresentar ideias contrárias às de Avicena e propõe uma “Teoria das formas substanciais” que aplica também à formação dos fósseis: “Os corpos materiais têm qualidade activas para gerar formas próprias nos materiais que assim transformam, não sendo necessária uma Virtude ou Inteligência externas” (traduzido de Ellenberger, 1988, p. 84). Por outras palavras, as conchas conteriam em si mesmas as virtudes necessárias para se transformarem em fósseis, o que até corresponde à realidade na medida em que a sua mineralização apenas depende de uma série de lentíssimos processos naturais; mas o tempo geológico era um conceito que ainda estava longe de ser compreendido. O conceito temporal surge de novo algo distorcido quando Averróis procura explicar as movimentações relativas das terras e dos mares, eterna questão a deslindar por quem encontra fósseis no cimo das montanhas. Baseando-se na influência da Lua e do ciclo anual sobre as marés, e procurando um apoio convincente na evoluída astronomia islâmica, afirma que seriam os ciclos e configurações astrais a comandar lá do alto as enormes oscilações
N. Pimentel 97
do nível do mar, supondo que tudo seria uma questão de alguns milhares de anos. Ficava assim explicado pelos astros o que na Terra não encontrava explicação, remetendo a questão para a arquitectura cósmica, de origem divina e forçosamente perfeita. No entanto, esta ideia algo rebuscada poderá encontrar um certo paralelismo na actual teoria dos Ciclos de Milankovitch, a qual procura relacionar a ciclicidade dos fenómenos geológicos com a dos astronómicos a diversas escalas temporais, sugerindo que a mente humana talvez tenha apelos que estão para além dos simples conhecimentos acumulados. A partir do início do segundo milénio, o poder político centralizado do Islão foi perdendo influência, levando ao seu desmembramento em múltiplos impérios autónomos, os califados e emirados. Paralelamente, iniciavam-se a ocidente as Cruzadas cristãs (conquista de Toledo em 1085 e de Córdoba em 1236), enquanto a oriente as invasões mongóis (tomada de Bagdad em 1258) enfraqueciam o Islão e o empurravam progressivamente para a Península Arábica, onde nascera. Neste contexto histórico, os meios disponíveis para o desenvolvimento das escolas corânicas e dos centros de ensino e pensamento islâmicos foram desaparecendo, levando ao seu declínio e progressivo apagamento como centro intelectual euro-asiático. 3. A procura do equilíbrio A europa ocidental seguia então um caminho inverso, no sentido da sua construção territorial e cultural. Na sequência das invasões nórdicas pelos povos “bárbaros”, apenas os francos haviam resistido e, comandados por Carlos Magno, expandiram-se até à península italiana, ligando-se ao poder papal romano e fundado uma segunda versão do império romano do ocidente (éc. IX). Criaram-se, assim, as condições para o florescimento da civilização cristã e da sua cultura, promovida essencialmente nos mosteiros (e mais tarde nas Universidades) das diversas Ordens entretanto criadas: beneditinas (séc. IX), cistercienses (séc. XI), dominicanas e franciscanas (séc. XIII). Toda esta regeneração e fortalecimento religioso levou ao lançamento das Cruzadas a partir do séc. XI, tendo como objectivo oficial e derradeiro a conquista de cidade sagrada de Jerusalém ao Islão, destruindo pelo caminho e por razões económicas os impérios islâmicos. Estes eram, por sua vez, os herdeiros do legado intelectual helenístico, processando-se deste modo a apropriação do saber do Islão para o Ocidente cristão e trazendo à Europa uma lufada de renovação. É na cidade de Toledo recém-conquistada que um grupo de tradutores sob ordens do bispo Raimundo irá traduzir para latim as obras de Aristóteles e de outros filósofos gregos,
98 Visões filosóficas da Natureza. A Geologia no contexto cultural da Idade Média
a partir das versões árabes aí deixadas pelos vencidos. Esses conhecimentos foram então rapidamente absorvidos pelos eruditos da época, reunidos nas ordens religiosas em desenvolvimento. Deste modo bastante indirecto, os cristãos europeus retomavam a sabedoria helénica, já filtrada mas também desenvolvida, por séculos de civilização islâmica. Aliás, por desconhecimento ou talvez mais por renegação dessa contribuição “infiel”, frequentemente os eruditos ocidentais atribuíram aos autores gregos (em especial a Aristóteles) afirmações e teorias que não pertenciam àqueles, mas sim aos pensadores islâmicos que as desenvolveram. Assim actuava o purismo religioso, filtrando caridosamente as fontes para que a água não faltasse aos seus fiéis. No início do séc. XIII o poder religioso é fortalecido, surge a Inquisição, são apoiadas as Ordens e centralizadas em Paris as Faculdades. “A inteligência teológica deve exercer o seu poder sobre todas as Faculdades, como o espírito sobre a carne, dirigindo na via recta, segundo as tradições dos santos”, afirmava então Inocêncio III, do alto da sua autoridade papal. Como paradigma deste ambiente, poderá referir-se a proibição do ensino da “Physica” e da “Metaphysica” de Aristóteles na Universidade de Paris em 1211, decretada por aquele papa, temeroso da força daquelas teorias pagãs, totalmente exteriores aos dogmas bíblicos. Mas logo em 1255, perante o imparável interesse pelas teorias aristotélicas, a Igreja é forçada a recusar apenas as interpretações que sejam explicitamente contrárias à ortodoxia cristã, sempre validada pela Inquisição. Aliás, a validação, recusa e renovação das teorias acerca da Natureza acompanhavam intimamente os movimentos teológicos que, ao longo de toda a Idade Média, ora apoiavam ora refutavam as ideias de Aristóteles, de Platão, de Avicena ou Averróis. As ideias naturalistas difundidas não eram portanto o simples resultado de raciocínios lógicos, tendo estes que se adaptar às correntes mais em voga e aceites pelas autoridades religiosas em cada momento. As ideias de Aristóteles são retomadas por um dominicano da Universidade de Pádua (Alberto Magno, 1206-1280) no seu “Tratado dos Meteoros” (clara alusão à obra aristotélica que o inspirou), sendo-lhes adicionadas observações e críticas pessoais, como era habitual. A sua principal contribuição epistemológica consistiu em considerar que a Natureza funciona autonomamente e que só pela experiência se lhe poderá aceder, não se devendo nela procurar a manifestação da inteligência divina, já que esta apenas por Revelação se transmite ao ser humano. Retomando as questões geológicas clássicas da época, debruça-se sobre a génese das montanhas, invocando causas internas na linha das ideias de Avicena (que certamente conheceria),
secundarizando a aristotélica origem por simples erosão diferencial de terrenos heterogéneos. “A causa essencial e universal são os ventos violentos que frequentemente se geram no interior da terra e que levantam o solo, formando as montanhas” (traduzido de Ellenberger, 1988, p. 88). Os abalos sísmicos libertariam os vapores aprisionados no sub-solo, originando sob as montanhas uma enorme cavidade que se encheria com as águas das chuvas e da qual brotariam as fontes. Este processo seria particularmente violento junto ao litoral, onde as águas do mar tapariam os poros da terra, explicando-se assim a abundância de relevos litorais. Estas ideias poderão vir das viagens e observações directas de Alberto Magno, que cruzou as cadeias alpinas levantadas e dobradas, para leccionar em Pádua, Paris e Colónia, mas inserem-se também na ideia clássica de que o Ar tende naturalmente a libertar-se do interior da Terra para se unir à (atmo)esfera que a rodeia. Esta ideia explicaria igualmente a ausência do Fogo, dado que esse Elemento é ainda mais externo (materializado no Sol) e por isso não faria sentido que se situasse no subsolo. Para a génese dos fósseis, este autor retoma as ideias de Avicena, considerando que os animais se transmutam em minerais por acção de exalações telúricas e de uma força petrificadora. “O corpo dos animais encontra-se em locais onde é exalada uma “vis lapidificativa”, transformando-os por inteiro em pedras calcárias com o contorno externo desse animal; quando se quebram encontra-se nelas as suas partes internas” (traduzido de Ellenberger, 1988, p. 89). Porém, para os gasterópodes invoca processos bastante próximos da geração espontânea: ”a humidade é exalada e retida no meio da rocha, enrolando-se sobre si própria, recebendo o sopro vital” (ib. idem). Ainda no séc. XIII, o naturalista Ristoro d’Arezzo, adepto dos escritos de Averróis e com sólidos conhecimentos de astronomia, reintroduz a questão do controlo astral sobre a Terra. No seu tratado “Composizione del Mondo” (c. 1282), defende que a acção de uma “virtude sêca” das estrelas sobre a Terra geraria as terras emersas, as quais abundam no hemisfério Norte devido à proliferação de estrelas e constelações nesse hemisfério celeste. Seriam também as estrelas a moldar o relevo terrestre – sob uma estrela próxima um vale, numa estrela longínqua uma colina, por simples transcrição terrena do “relevo” sideral. De igual modo, o Dilúvio bíblico teria sido o resultado de uma configuração astral única, deixando vestígios claros: “subimos a uma montanha cujo topo era uma laje de pedra ferruginosa que parecia ter sido ali colocada por alguém; sob ela, terra deixada pelo mar, areia, seixos rolados e peixes, o que mostra que foi originada pelo Dilúvio” (traduzido de Ellenberger, 1988, p. 93.) A importância dos astros é de novo invocada por Pietro d’Abanno (c. 1257-1316), médico em Pádua, para explicar a génese tão perfeita dos cristais e de
associação portuguesa de geólogos
pedras com formas orgânicas. “A virtude dos astros engendra um germe que se reveste de uma ideia e forma específicas. Em certas pedras encontram-se figuras maravilhosas, testemunhos de corpos celestes; as estrelas apresentam cinco raios a partir dum centro, numa escultura de tal modo admirável que nenhuma inteligência poderia fazê-la” (traduzido de Ellenberger, 1988, p. 97), referindo-se provavelmente a “estrelas-do-mar” fossilizadas. No início do séc. XIV, as ideias sobre a Terra iriam estar fortemente subordinadas à procura de uma ordem global, consubstanciada na recuperação e actualização do conceito helénico de organização dos Elementos em Esferas, imagem da perfeição divina e mística do círculo. Nas esferas encontram-se os elementos presentes no nosso meio terreno, a Terra no centro e coberta pela Água, com o Ar e o Fogo (o Sol) nas alturas, tal como em sete esferas se dispõem os planetas entre a Terra e as estrelas. As leis que regeriam o funcionamento dos Elementos seriam tão-só “a busca da sua natureza ideal”, ou seja, o percurso até atingirem os seus lugares naturais na respectiva esfera. Todas as noções mecanicistas modernas de gravidade, força, velocidade fundem-se assim no simples desejo que cada elemento tem, de retornar a si mesmo, levando-o a realizar a sua própria essência: um pedaço de terra que procura o centro da Terra, um curso de água que procura o Oceano, esta é a única dinâmica da Natureza até se atingir a estática perfeição na obra de Deus concluída. É neste quadro misto de metafísica e de empirismo que se deve encarar o conjunto de teorias e raciocínios avançados por Jean Buridan (13001358), filósofo e naturalista na Faculdade de Artes de Paris. Na sua obra “Questões acerca do Tratado dos Meteoros” parte das ideias aristotélicas ainda vigentes para propôr uma verdadeira teoria global da Terra, considerando a paisagem como o balanço entre acções naturais construtivas e destrutivas, numa visão bem geodinâmica, se bem que ainda apenas externa. “Em muitos locais a terra apresenta disposições muito diferentes: argilosa aqui, arenosa ou pedregosa ali. Enquanto a terra emersa se levanta sem fim, as partes da superfície que são menos reistentes são levadas pelas chuvas e rios para os locais mais baixos, enquanto com as outras partes não acontece assim, permanecendo intactas e continuando a ser levantadas. Assim vemos nós que existem mais rochas e pedras duras no cimo das montanhas que nas planícies” (traduzido de Ellenberger, 1988, p. 100). Este levantamento e erosão contínuos tenderiam, no extremo, a trazer rochas do interior da Terra à superfície, “onde serão postas em contacto com os elementos que lhes são contrários e que as poderão destruir”(ib. idem), ou seja, a sugestão do Ar e Água como agentes destruidores da Terra, num processo que hoje se designaria por alteração química. Como evidência deste facto, Buridan aponta para a ocorrência de cristais e metais que não se vêem
N. Pimentel 99
formar à superfície e que só poderiam vir das profundezas da Terra, que ele supunha serem gélidas de modo a “coagularem” tais substâncias. Raciocínio lógico mas que troca o papel do frio com o do calor, pela única razão de que nunca poderia supôr ou aceitar que o Fogo se encontrasse, na realidade, no interior profundo da Terra. Seria aliás o Fogo, o mais enérgico dos elementos, a estar na origem do levantamento continuado que Buridan concebia, mas teria que ser um fogo externo, nomeadamente o calor solar e os seus raios incidentes sobre a Terra. “A terra coberta pelo mar não recebe a luz do Sol, arrefece e perde leveza; pelo contrário a terra que emerge torna-se mais leve sob a acção do Sol e do ar. Assim, a terra mais leve vai-se levantando, forçando o mar a retirar-se e a invadir novas terras que assim se afundam” (traduzido de Ellenberger, 1988, p.103) Este engenhoso movimento contínuo é de lógica ao “reajustamento isostático” moderno, já que se trata de um mecanismo puramente físico e auto-sustentado. Assim se explicariam os avanços e recuos dos mares, a existência de mar onde antes havia terra e vice-versa. “O oceano pode, por este meio, progredir dez léguas para oriente em dez mil anos, podendo acontecer que em outro tempo igual vá outro tanto para oriente (...) e que assim suceda até que o oceano tenha dado a volta à Terra” (ib. idem). Se fizermos as contas com o perímetro conhecido desde a determinação de Eratóstenes, chegaremos a um valor próximo de 10 milhões de anos, o que está para além de tudo o que na época se concebia mas que se insere bem na sua convicção de “tempo infinito”. A principal contribuição de Buridan é a sua visão global da Terra como um corpo esférico sujeito às “leis gerais dos elementos”. Tal como os pensadores árabes do séc. X, afirma que a Terra e a Água se dispõem segundo duas superfícies esféricas mas descentradas entre si, de tal modo que exista um hemisfério emerso e habitado (o ocidental, naturalmente) e outro imerso e desconhecido (o oceano oriental). Porém, em vez de uma magnânime origem divina, este facto é atribuído ao diferente peso das terras emersas e submersas (mais pesadas), sendo estas mais fortemente chamadas para o centro da Terra, coincidente com o centro da homogénea esfera oceânica. Neste modelo global, perfeitamente coerente, integra então as suas teorias sobre os movimentos das terras e dos mares, numa lenta evolução da Terra ao longo dos tempos. Os pedaços de terra arrancados às montanhas e levados para o fundo dos mares tornam o hemisfério oceânico mais pesado, fazendo deslocar o centro da Terra nesse sentido e provocando o avanço dos oceanos sobre os continentes. Novos terrenos vão assim sendo progressivamente cobertos pelo mar, enquanto outros se elevam, razão pela qual nos fundos oceânico há vestígios topográficos de antigas montanhas. “É ló-
100 Visões filosóficas da Natureza. A Geologia no contexto cultural da Idade Média
gico que do mar emerjam montanhas e ilhas, já que nesse lugar a terra era antes montanhosa. Mas é também lógico que apenas junto à costa existam ilhas, porque a excentricidade da Terra torna a profundidade tão elevada no meio dos oceanos que nenhuma montanha das que se erguem na superfície terrestre (constituindo agora o fundo oceânico) poderia ultrapassar a superfície das águas”(ib. idem). Como se vê, as imperfeições topográficas do mundo terreno integram-se perfeitamente nas esferas divinas, situação que só os novos conhecimentos trazidos pelas Descobertas viriam ajudar a transformar, quase dois séculos mais tarde. No entanto o Dilúvio, a total cobertura da Terra pela Água, não fazia sentido neste modelo excêntrico tão bem elaborado, colocando Buridan em dificuldades de ordem teológica que ele teve de resolver com o mais simples dos atalhos: “Por via natural é impossível produzir-se um Dilúvio universal, se bem que Deus o possa fazer por via sobrenatural” (ib. idem). E se porventura assim tivesse sido, facto que ninguém poderia ter contrariado, “Deus permitiria então que a água escorresse e ela não cessaria de escorrer da parte que está agora a descoberto para a outra parte, até ao momento em que se encontrasse reunida no sítio em que hoje está” (ib. idem). Ou seja, para Buridan o mundo é físico e ele assim o explica, se bem que em qualquer momento a acção divina possa contrariar o que é natural, ficando então fora de qualquer teoria e modelo. Eis uma forma eficaz de se escapar à contradição entre as observações naturalistas e os dogmas religiosos, colocando-os em níveis independentes. Talvez por não conseguir comprovar a presença de Deus no mundo natural, os manuscritos de Buridan tiveram reduzida divulgação durante a sua vida, sendo um seu colega e discípulo, Albert de Saxe (1316-1390) a receber esse legado teórico. Porém, ao mesmo tempo que resumia e divulgava as ideias inovadoras de Buridan, adicionava-lhe frequentemente corolários pessoais e bem mais conformes ao espírito ortodoxo da época. Infelizmente, seriam os seus tratados que viriam a ser reproduzidos no séc. XV pela recém-inventada imprensa, conferindo-lhe assim uma muito maior divulgação e influência nas mentalidades renascentistas. Para explicar a constante erosão das montanhas sem que o futuro terrível fosse o total arrasamento dos relevos e a submersão total da terra, é levado a invocar outras forças para além do mundo físico terreno. “Quando as partículas terrestres são levadas para o outro lado da Terra, esse lado torna-se mais pesado, empurrando-o para cima. E será sempre assim, graças à eterna dissimetria da Terra, regulada por Deus para todo o sempre, pela saúde dos animais e das plantas” (ib. idem). É a providencial sabedoria divina a ser de novo invocada como o haviam feito os eruditos islâmicos séculos atrás. Mudam-se os tempos, mudam-se os deuses, mas as vontades permanecem para que o mundo mantenha as suas qualidades.
4. O legado medieval Os tempos medievais, quase um milénio, mostram, acima de tudo, a força das ideias da Antiguidade clássica, atravessando sociedades e religiões com as quais quase nada tinham em comum, a não ser talvez a busca intelectual e o reduzido conhecimento do globo terrestre. Foi um Islão conquistador e teocrático que recolheu, digeriu e difundiu os conceitos geognósticos de Aristóteles, e foi depois um Ocidente cristão a recolher dos considerados “mouros infiéis” esses mesmos conceitos, já reelaborados e desenvolvidos, utilizando-os nos grupos escolásticos e monásticos. As grandes questões em discussão permaneceram em torno das relações entre os mares e as terras, entre erosão e sedimentação, procurando sentir como os processos se desenrolam e como a Terra funciona em cada lugar. Assiste-se porém a uma crescente integração dos conceitos e, principalmente, das observações, em modelos mais amplos e até mesmo idealmente globais. Procurou-se acima de tudo uma ordem universal e eterna, um funcionamento compreensível e explicável, pressentindo-se sempre alguma tensão entre a ideia de um mundo eternamente renovado por vontade de um Deus magnânime e um mundo em progressiva decadência até ao caos prenunciador do Juízo Final. E se as ideias andaram muito a reboque dos movimentos religiosos, também é verdade que se assistiu a um esforço para explicar o mundo físico por si mesmo, chegando-se ao ponto de aceitar excluir o papel de Deus ou a invocá-lo apenas para vir cumprir os inexplicáveis ditames bíblicos, quando o mundo por si mesmo já não era capaz de funcionar. Este texto baseou-se na consulta das seguintes obras: Adams, F. D., 1954. The birth and development of the geological sciences. The Williams and Wilkins Company, Baltimore, U.S.A., 506 p. Ellenberger, F., 1988. Histoire de la Géologie, T. 1. Ed. Tec. Doc. Lavoisier., Paris, 352 p. Gohau, G., 1987. História da Geologia. Ed. Europa-América, Lisboa, 204 p. Holder, H., 1992. Une brève histoire de la Géologie et de la Paléontologie. Springer-Verlag, Paris, 280 p. Kinder, H. & Hilgeman, W., 1992. Atlas of World History. Penguin Books, London, 299 p. Este artigo encontra-se redigido segundo o antigo Acordo Ortográfico.
geonovas n.º 27: 101 a 110, 2014 101
associação portuguesa de geólogos
Inventário de locais e atividades com interesse geológico no ensino das Geociências Importância e aspetos a melhorar A. Vilão1,* & J. Simão1,2 Departamento de Ciências da Terra, F.C.T. – U.N.L, 2829-516 Caparica, Portugal; Centro de Investigação em Ciências e Engenharia Geológica, F.C.T. – U.N.L., 2829-516 Caparica, Portugal; *andreiavil@gmail.com; autora correspondente. 1
2
Resumo O presente trabalho aborda uma vertente das Geociências que se dedica ao Património Geológico e ao aproveitamento do mesmo no ensino. Um dos objetivos principais é reforçar a importância do ensino da Geologia e, para além disso, da utilização dos demais recursos geológicos disponíveis. Pretende-se ainda informar sobre a diversidade dos meios que existem atualmente no ensino das Geociências, em particular na temática dos Georrecursos. Deste modo, procedeu-se a uma pesquisa histórica sobre as primeiras coleções de geociências e o aparecimento dos primeiros museus, até se chegar à atualidade, onde se inventariam locais de particular interesse para o ensino das Geociências. Estes locais consideram-se de significativa relevância para o ensino, contudo são pouco representativos da aplicabilidade da Geologia no quotidiano, mais especificamente dos Georrecursos. Neste artigo demonstra-se que estes materiais, para além de serem uma determinante fonte de matéria-prima, podem constituir excelentes recursos para o ensino. Palavras-chave: Ensino das Geociências; Georrecursos; Geodiversidade; Património Geológico. Abstract This paper approaches an area of Geosciences dedicated to the geological heritage and its use in education. The main objective is to reinforce the importance of geology and the use of the available geological resources. Moreover, the diversity of methodologies in Geosciences teaching is discussed in particular in the geological resources field. Thus, historical research about the early collections of geosciences and its appearance on the first museums until nowadays was accomplished. Many sites that are particularly interesting for the education of Geosciences were inventoried. Their locations are very important for teaching but they are not representative of daily applicability of Geology, more specifically the geo-resources. In this paper, it is shown that geological resources, in addition to being important sources of raw material, can be excellent didactical resources. Keywords: Teaching Geosciences; Georesources; Geodiversity; Geological Heritage.
Introdução A preocupação sobre a relação do Homem com a natureza abiótica, assim como a sua preservação, e o valor cultural das paisagens tem aumentado de forma significativa, em particular a partir do século XXI. Anteriormente a investigação em Geologia desenvolvia temáticas de âmbito científico ou técnico e dava pouca ênfase ao valor patrimonial e social que determinados aspectos geológicos têm para a Humanidade. No início do século XXI, os geocientistas começaram a sensibilizar-se e trouxeram para a comunidade nova visão sobre esta temática (Mantesso-Neto, 2010). A cultura científica é uma das várias designações usadas para descrever a relação entre a ciência e o
público ou, mais especificamente, o que a população em geral sabe da ciência e o que pensa dela (Delicado, 2006). Acerca dos recursos geológicos pode-se afirmar que são “laboratórios autênticos” não no sentido da utilização dos mesmos como atividades experimentais, mas sim no sentido da visualização, em dimensões reais, da estrutura, permitindo que se possa compreender em simultâneo conceitos, tais como, a génese, dimensão e importância. Os recursos geológicos podem, portanto, fornecer informação e conhecimento de forma mais abrangente e ao mesmo tempo mais específica. Quer isto dizer que, in situ se podem observar fenómenos, identificar estruturas, rochas, formações, minerais, etc., e por
102 Inventário de locais e atividades com interesse geológico no ensino das Geociências
outro lado, identificar processos muito específicos relativamente à importância desse recurso, à extração e ao processamento. Pode dizer-se que existe uma “ponte” entre o conhecimento científico e a sua aplicação e implicação no mundo real. Contudo, apesar de se terem feito grandes progressos, o que existe na realidade é um grande número de recursos geológicos em Portugal, que se considera estarem subaproveitados como recursos didáticos. O ensino das geociências atualmente não fornece suficiente trabalho de campo como base do conhecimento geológico e trabalho experimental aplicado aos processos geológicos que decorrem em grandes unidades de espaço e tempo (Bolacha & Mateus, 2008a,b). Deste modo, o conhecimento acerca da formação de recursos geológicos, tais como os recursos minerais, torna-se difícil, impercetível e inimaginável, o que poderá tornar o processo de ensino e aprendizagem frustrante. Desenvolvimento A Geologia tem tido um desenvolvimento e uma evolução ao longo dos tempos, similar às outras ciências, tendo ultrapassado obstáculos iniciais ligados a fatores como a religião. Tal como as outras ciências, a Geologia, também foi sendo divulgada no meio científico e não só, tendo as coleções e os museus tido um papel preponderante. As primeiras coleções de materiais geológicos, designadas de Gabinetes, estão associadas a classes sociais como a aristocracia e o clero e foram criadas pela raridade dos objetos que as compunham. Os Gabinetes eram na sua essência, coleções enciclopédicas (…) e reuniam uma mistura heteróclita de obras de arte, moedas, pedras preciosas, corais, fósseis e objetos “extravagantes” trazidos de terras longínquas por navegantes e viajantes (Brandão, 2008). O conhecimento perpetuava-se nas Universidades e surgem assim os primeiros museus. Em 1683 é estabelecido em Oxford, o primeiro museu universitário de História Natural, o Ashmolean Museaum; em 1745 abre-se ao público, em Paris, o Cabinet d’Histoire Naturelle du Roi, em que se salientam as coleções de minerais (…) (Brandão, 2008). O número de museus aumentou significativamente durante o século XIX, cujas principais finalidades consistiam na apresentação e na investigação e as atividades proporcionadas seriam a observação e a comparação (Brandão, 2008). Os museus permitiram documentar e fornecer informação sobre imensos factos científicos, onde se inserem as Geociências. A evolução das Ciências Naturais e a plena assunção do carácter educativo dos museus levaram, gradualmente, no decurso do século XX, à perda de importância das exposições baseadas na sistemática e na teoria da evolução, dando lugar a exposições
temáticas de carácter didático, visando favorecer o diálogo e a comunicação entre o museu e o público (Carvalho, 1997). Neste sentido, a divulgação da Geologia passou a ser feita noutros moldes e em inúmeros locais, que estão representados no inventário desenvolvido por esta comunicação. Museus em Portugal Portugal caracteriza-se por uma enorme Geodiversidade sendo inúmeras as unidades geológicas com características muito diferenciadas quer na constituição quer na estrutura, em tempos distintos. De facto, é marcado por grande heterogeneidade de fenómenos geológicos, que se traduzem em numerosos georrecursos que são ou já foram explorados. A Geodiversidade é constituída não só pelas formações rochosas mas também por ocorrências minerais, fósseis, geoformas, solos, aquíferos, entre outros elementos de natureza geológica. Portugal tem boa representação dos diferentes tipos de georrecursos e das técnicas de como estes são explorados. Recorde-se que existem minas, pedreiras a céu aberto, pedreiras subterrâneas, areeiros, aquíferos, entre outros, a partir da qual e são extraídos e processados (em alguns casos) materiais muitas vezes desconhecidos para a generalidade da população. Este aspeto, para além de uma cultura e tradição mineira incutida em muitas regiões do país, fez com que surgissem coleções de georrecursos patentes nos museus mais importantes a nível nacional (veja-se na tabela 1, o Museu de Ciência da Universidade de Lisboa, o Museu Geológico e o Museu de Ciência da Universidade de Coimbra, como exemplos) e, num nível mais local, museus regionais ou etnográficos onde estão patentes aspectos relacionados com os georrecursos (…) encontram-se também, em menor quantidade, em museus de âmbito local ou regional, de carácter pluridisciplinar ou monográfico (museus mineralógicos, paleontológicos ou mineiros), por vezes instalados em antigas explorações mineiras ou junto das ocorrências naturais de particular significado (Brandão, 2008). Sobre os museus pode afirmar-se que constituem locais de interesse geológico, com exposições, mais ou menos interativas, que contemplam as mais diversas áreas da geologia, nomeadamente aquela de mais interesse para este trabalho, a dos georrecursos. Contudo pode aferir-se que, em determinados museus, existe elevada panóplia de elementos expostos, o que representa grande diversidade de temas expostos no mesmo local. Veja-se o caso do Museu de História Natural (Lisboa) ou do Museu Carlos Machado (Açores) que contêm coleções das áreas da Biologia, da Botânica, da Química, da Etnografia e da Geologia. Tal facto não se considera inoportuno,
associação portuguesa de geólogos
uma vez que os museus são locais de aquisição e aprofundamento de conhecimentos. De acordo com Delicado (2008), os museus científicos são fundamentalmente espaços onde a Ciência é exibida e disseminada a um público que não tem necessariamente que ter formação em determinada área do conhecimento. No mesmo sentido, a autora refere que os museus de temática científica são fundamentalmente vistos como espaços onde a Ciência é mostrada ao público, com a finalidade primordial de difundir conhecimento científico e gerar uma atitude positiva face à Ciência. Pressupõe-se que existe enorme diversidade no público que visita os museus e, portanto, a existência de várias coleções pode potencializar a curiosidade por parte de indivíduos com interesses distintos. No entanto, ao analisar-se a oferta de museus e a sua importância para o ensino das Geociências verifica-se que esta diversidade em determinados contextos, pode constituir uma objeção. A falta de especificidade dilui o conhecimento, ou seja, quando se trata de um museu com coleções referentes a diversas áreas, incorre-se no erro que a informação seja de conhecimento básico, ou que seja vista por esse aspeto. Existem, no entanto, alguns museus mais específicos, como é o caso do Museu do Mármore (Vila Viçosa), do Museu do Quartzo (Viseu), do Museu do Canteiro (Cantanhede) ou do Museu do Ferro (Moncorvo) que são específicos para a área dos Georrecursos. É possível observarem-se coleções de minerais, maquetes, reconstituições da história da Terra, aplicações dos demais recursos geológicos, a relação entre um determinado recurso geológico e a sociedade envolvente, entre outros, nos museus anteriormente referidos. Estas exposições têm uma enorme importância para o conhecimento das geociências, enriquecem o saber mais generalizado e são boas ferramentas para o estudo e compreensão da importância das geociências e dos georrecursos para as sociedades. Contudo, acredita-se que existe uma sobreposição das temáticas abordadas em cada uma das unidades museológicas, ou seja, alguns museus podem incorrer no erro de serem repetitivos nas suas coleções e, por outro lado, a relação entre as exposições e a sua aplicação prática é, em alguns casos, quase inexistente. Centros de Ciência Viva Na mesma sequência dos museus, no final do século XX, surgiram em Portugal, locais representativos das várias áreas da ciência, nomeadamente da Geologia. Esses locais são designados de Centros de Ciência Viva, e trouxeram inovação no que se refere à forma como se expõem e transmitem conteúdos científicos.
A. Vilão & J. Simão 103
A origem dos Centros de Ciência Viva está relacionada com a necessidade da existência de um caráter dinâmico no conhecimento da ciência, neste caso das geociências, que são patentes numa grande parte dos Centros de Ciência Viva. De acordo com a Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, “os Centros de Ciência Viva são espaços interactivos de divulgação científica e tecnológica, distribuídos pelo território nacional, funcionando como plataformas de desenvolvimento regional – científico, cultural e económico – através da dinamização de atores regionais mais ativos nestas áreas.” Os Centros de Ciência Viva inventariados na tabela 2 permitem a aquisição de conhecimentos e a compreensão de fenómenos através da experimentação, da visualização e do manuseamento. São efetivamente mais dinâmicos que os museus tradicionais e, em quase todos os casos, representam uma forte interligação com o meio envolvente, veja-se o exemplo do Centro de Ciência Viva de Estremoz. Este último centro tem patente exposições de caráter geológico e mineiro e está inserido numa região com uma forte tradição na exploração de rochas ornamentais. O Centro de Ciência Viva do Lousal, inserido numa antiga área mineira requalificada, pretende recriar o conhecimento relativo à exploração e processamento de recursos minerais. O Centro de Ciência Viva do Alviela tem como intenção, recriar através da tecnologia, as origens da nascente do rio Alviela, para além disso, abrange uma série de atividades, exposições e simuladores sobre o modelado cársico, estrutura geológica presente na região. Os Centros de Ciência Viva são essenciais para o conhecimento, para a motivação no ensino das ciências, para a sensibilização para as questões de sustentabilidade e ambientais- e também para a perpetuação de tradições e fenómenos culturais das sociedades envolventes. Estes vão mais além, quando comparados com os tradicionais museus porque permitem a estimulação dos vários sentidos, a interação entre o conhecimento e o conhecedor, a construção do saber por experimentação. Contudo, será que a relação entre o conhecimento e a sua aplicação, bem como a implicação no quotidiano serão suficientemente claras? O facto é que a presença no campo e a aprendizagem in situ não podem ser descuradas, pelo que o desenvolvimento deste artigo se centra nesta problemática. Programa Ciência Viva De uma outra forma, e na sequência do aparecimento dos Centros de Ciência Viva, surge o Programa Ciência Viva. O programa de investimento da FCT “Ciência Viva – Promoção da Cultura Cientí-
104 Inventário de locais e atividades com interesse geológico no ensino das Geociências
fica e Tecnológica” foi iniciado em 1999, na sequência do programa de investimento “Apoio ao Ensino e Divulgação da Ciência e Tecnologia” de 1996. O programa Ciência Viva abrange um considerável número de projetos que se encontram em execução e/ou já foram concluídos. Os projetos contemplam diversas áreas da ciência e propõem-se ao desenvolvimento de competências como a pesquisa e o rigor científico, a aplicação de conhecimentos, a motivação para o ensino e aprendizagem da ciência, a promoção do ensino experimental, a cooperação, o desenvolvimento do espírito crítico, a preservação e as políticas de desenvolvimento sustentável, entre outros. Em rigor, no que se refere à Ciência Viva no Verão, existem várias atividades, no âmbito da área da Geologia, que abrangem, de uma forma mais ou menos
igualitária, todo o território nacional (figura 1). As atividades contemplam saídas de campo para todas as vertentes da Geologia, por exemplo a Paleontologia ou a Geologia Estrutural, e mais especificamente os Georrecursos como é o caso, entre outras, da ação de “Mármores de Estremoz: geologia e tecnologia de exploração de mármores” (Vila Viçosa) e da “Mina Radical” (Lousal – Grândola). O programa Ciência Viva pretende, inequivocamente, atingir o maior número de interessados e permite que todas as regiões do país sejam contempladas. A mais-valia deste Programa, quer ao nível dos projetos, quer na Geologia de Verão, é permitir um contacto direto com a Geologia em atividades e saídas de campo. Este aspeto parece ser fundamental e determinante, uma vez que a participação tem sido massiva com grande adesão de público de diferentes faixas etárias. De acordo com o jornal o “Público” do dia 5 de Julho de 2013, as inscrições no Programa Ciência Viva no Verão, a decorrer entre 15 de Julho e 15 de Setembro, assim que abriram, inscreveram-se logo nos primeiros 15 minutos 4000 pessoas. Citado pela mesma fonte, este programa de divulgação científica é “o mais aguardado” do Verão. Ao todo nestes três meses, vai haver 1700 eventos gratuitos em todo o país sobre biologia, geologia, engenharia, castelos e faróis. As ações são guiadas por especialistas de cada área. Noticiado pela Agência Lusa, em 15 de Julho de 2013, cerca de 16500 pessoas estão já inscritas no programa de divulgação científica Ciência Viva no Verão. Este facto indica que a Geologia atualmente é uma ciência com grande interesse e importância e, para além disso, a possibilidade de observar fenómenos in situ estimula a motivação pelo conhecimento das Geociências. O bom aproveitamento das estruturas geológicas, em consonância com Centros de Ciência Viva, Institutos e/ou Universidades, reflete-se no elevado número de atividades da Geologia de Verão. Deve-se salientar também, como aspeto muito positivo o facto de empresas da indústria extrativa (como é o caso da Mina de Sal-Gema em Loulé) se disponibilizarem para o aproveitamento daquele Georrecurso, como um recurso didático. Geoparques
Figura 1 – Distribuição geográfica das atividades de Geologia no âmbito da Ciência Viva no Verão 2013. Figure 1 – Geographic distribution of Geology activities under the 2013 “Ciência Viva no Verão”.
A entrada no século XXI exponenciou o envolvimento e interesse da comunidade científica por questões relacionadas com o património geológico, nomeadamente com potenciais locais de interesse geológico. Para além da inovação dos museus ou da criação dos Centros de Ciência Viva e dos Programas de Ciência Viva, surgiram ainda, os Geoparques (tabela 3).
associação portuguesa de geólogos
Um Geoparque é definido como um território com património geológico de importância internacional, raridade ou apelativo esteticamente, no qual foi desenvolvido como parte de um conceito integrado de conservação, educação e desenvolvimento económico local (UNESCO; Rede Global de Geoparques, 2006; in Azman et al., 2010). O conceito de Geoparque surgiu na Europa no final do século XX, sendo a sua definição, assim como os seus requisitos de tal forma abrangentes, que se remetem a uma determinada área geográfica que abrange locais com interesse geológico relevante, nomeadamente formações geológicas e/ou estruturas com particular importância, pela sua raridade, espetacularidade, beleza e/ou interesse científico. Por outro lado, representam e caracterizam uma região, e permitem a interação entre os mais variados domínios da ciência e do conhecimento, sejam eles a ecologia, a botânica, a zoologia, a cultura, a etnografia, a história, entre outros. Um Geoparque corresponde a um território bem delimitado geograficamente, com uma estratégia de desenvolvimento sustentado, baseada na conservação do património geológico, em associação com os restantes elementos do património natural e cultural, com vista à melhoria das condições de vida das populações que habitam no seu interior (Brilha, 2009). Um Geoparque deverá ter um papel ativo no desenvolvimento económico do espaço territorial através da valorização da paisagem, enquanto herança geológica e do geoturismo. Nele identificam-se “geossítios”, que são locais geológicos de particular importância, raridade ou beleza, que funcionam como núcleos de atração para atividades turísticas e afins, sendo o conjunto regido por um projeto de desenvolvimento económico e social sustentável. São os propósitos de um Geoparque fomentar a Geoconservação, a educação para o desenvolvimento sustentável e o turismo. De acordo com Brilha (2009), a criação de Geoparques veio revolucionar o modo como se divulga as Geociências. Integrando na estratégia de gestão de um Geoparque, não só o património geológico, como também a biodiversidade, a arqueologia e outros aspetos da herança cultural, de facto as Geociências ganharam visibilidade pública. Os 3 Geoparques em Portugal, nomeadamente o Geoparque de Arouca, o Geoparque Naturtejo e o Geoparque Açores (tabela 3), e atualmente o Aspiring Geoparque Terras de Cavaleiros têm como principais finalidades a divulgação e o ensino das Geociências, a perpetuação do património geológico, a sensibilização para a exploração sustentável dos recursos naturais, o ordenamento do território e a interação entre as comunidades locais, permitindo um desenvolvimento regional. Constituem um veí-
A. Vilão & J. Simão 105
culo de ensino imprescindível para professores e alunos, para além de fomentarem a curiosidade e o gosto pela geologia. Os geoparques, inventariando e conservando geossítios no seu território, contribuem para a promoção do ensino das Geociências. O simples facto de serem identificados geossítios de valor educativo já é contribuição relevante para o ensino da Geologia, facilitando a atividade dos professores que, por vezes, se sentem inseguros na realização de aulas de campo (Brilha, 2009). O desenvolvimento de estratégias de promoção educativa recorrendo ao património geológico da região, com a disponibilização de guias devidamente treinados e de recursos educativos apropriados, tem-se revelado como um fator essencial para incentivar os professores a promoverem aulas de campo com os alunos, de diversos graus de ensino, particularmente pré-universitário (Brilha, 2009). Paralelamente à criação de Geoparques, atualmente, estão inventariados 350 geossítios disponíveis na base de dados do Grupo Português The European Association for the Conservation of Geological Heritage. Alguns destes sítios inventariados estão incluídos na rede nacional de Geoparques, como é o caso das Portas de Rodão (Geoparque Naturtejo), das Dobras da Serra da Freita e das Pedras Parideiras de Castanheira (Geoparque Arouca) e também o caso do Algar do Carvão ou da Caldeira das Furnas, ambos no Geoparque Açores. A classificação de locais em geossítios é importante porque, para além destes constituírem bons locais de exemplificação para o ensino das Geociências, permite a geoconservação deste património. Os Geoparques e respetivos geossítios surgem numa área delimitada, onde estão reunidas as condições necessárias para o desenvolvimento de várias atividades que permitam atingir as finalidades acima referidas. Contudo, apesar da importância confinada aos Geoparques e Geossítios acima mencionados, existem outros locais com grande pertinência no ensino das geociências, e que representam locais de antigas ou atuais explorações de georrecursos, como é o caso das Minas da Borralha, O Fojo das Pombas, a Pedreira António Mocho, a Rota da Pirite (constituída, de acordo com Matos et al., 2008, pelos sítios mineiros da Faixa Piritosa Ibérica, como Aljustrel, São Domingos, Lousal e Caveira, e que pretende dar continuidade à valorização do conhecimento geológico e mineiros das minas sobrescritas). Estes locais representam apenas uma pequena parcela da indústria extrativa em Portugal. Por outro lado, embora existam geossítios associados à exploração de georrecursos, estes não constituem evidências entre a estrutura geológica, a sua extração e a sua aplicação na sociedade. Ou seja, não se
106 Inventário de locais e atividades com interesse geológico no ensino das Geociências
conhecem visitas orientadas para os diferentes graus de ensino, em que se expliquem e se observem em tempo real, as fases de extração, de processamento e de aplicação de um determinado georrecurso. Outros locais com interesse geológico Pela grande geodiversidade existente em Portugal, existem outros locais com elevado interesse geológico, que da mesma forma têm contribuído para o enriquecimento do ensino da Geologia e compreensão da mesma. São alguns exemplos: Centro Interpretativo do Complexo Mineiro de Tresminas, Mina de Castromil, Parque Paleozóico de Valongo, o Centro de Interpretação Científica das Grutas da Moeda e o Trilho Geológico de Beja. Reflexão sobre lacunas no ensino das Geociências Embora seja evidente a crescente preocupação com o Património Geológico português, no que se refere à sua conservação e utilidade pedagógica e social, existem aspetos a ter em conta. Considera-se que, apesar de existirem locais com património mineralógico já preservado e com associação à indústria extrativa, a sua compreensão não se processa na totalidade. Existe alguma dificuldade na relação entre a formação de estruturas geológicas (potenciais georrecursos), a sua extração e a sua aplicação na sociedade atual. Como exemplo, o Museu do Mármore de Vila Viçosa, que contempla diferentes componentes, desde a transformação do mármore em produto histórico-cultural de expressão artística a sócio-económica, através da realização de exposições temporárias, com temáticas relativas ao âmbito em que se insere o museu (in Roteiro de Minas, www.roteirodeminas.pt). No entanto, entende-se que, para o visitante, continua a ser difícil, face a esta informação, relacionar uma estrutura geológica com a sua exploração e aplicação. Por outro lado, todos os locais referenciados, em boa parte, carecem de orientação específica para os diferentes ciclos de escolaridade. Deste modo, poderia existir um roteiro adequado às necessidades de cada grau de ensino. Este aspeto, em muitos casos de difícil conceção, prende-se com o fato do objetivo da existência de museus, de Centros de Ciência Viva, de Geoparques e outros locais ser mais amplo, e visar atingir toda a população de forma generalizada. Embora recebam visitas de estudo, não existe um enquadramento nos conteúdos teóricos da disciplina que se pretende abordar com a visita. De outra forma, existe uma relação necessária entre o ensino das Geociências e a necessidade de praticá-
-lo no campo. A perceção de fenómenos geológicos, da sua grandeza em escala temporal e espacial, passa pela observação, análise e compreensão in situ. A Geologia começa no campo sendo imprescindíveis as saídas, enquanto que os materiais de apoio como vídeos e diapositivos devem servir apenas para colmatar algumas falhas (Antunes, 1991). No início do século XXI, a Geologia, cuja evolução esteve quase sempre associada à identificação, à classificação e à exploração de recursos oriundos da geosfera, precisa de conciliar o desenvolvimento económico a que as sociedades legitimamente aspiram, com formas sustentáveis de exploração e de utilização dos referidos recursos naturais. Em simultâneo, deve ainda preocupar-se com o desenvolvimento de atitudes de valorização do património natural que visem a sua conservação (Amador, 2010). É, porém, necessário ter em consideração que, por exemplo, em paleontologia e em mineralogia, o património material está muito mais dependente dos objetos recolhidos e conservados nas coleções do que dos seus jazigos completos, in situ, aos quais poucas vezes se tem acesso fácil (Brandão, 2008). Os locais referidos, com interesse e importância para o ensino das Geociências, são de igual forma essenciais porque abordam a Geologia e os Georrecursos através de inúmeras perspetivas, que podem passar pela visita a Museus ou Centros de Ciência Viva, pela classificação de Geossítios e até pela oferta do Programa Ciência Viva. Deste modo. o presente trabalho tenta colmatar essa lacuna de interligação entre temas tentando conjugar o valor material de um determinado georrecurso, com o seu valor patrimonial e didático. Conclusão Relativamente às formas de divulgação das Geociências, onde se incluem os Georrecursos pode afirmar-se que, atualmente, Portugal dispõe de considerável rede de museus, Centros de Ciência Viva e onde se incluem, também, as atividades organizadas no âmbito do Programa Ciência Viva, Geoparques, entre outros. Estes locais e/ou atividades desenvolvidas neste sentido, são da maior importância para a divulgação das Geociências e podem ser bons instrumentos no ensino da Geologia, uma vez que a informação é disseminada de forma clara, concisa e percetível. Em Portugal houve preocupação crescente, a partir do final do século XX início do século XXI, com a preservação e manutenção do Património Geológico, bem como com a sua divulgação. Contudo, considera-se que existem lacunas, nomea-
associação portuguesa de geólogos
A. Vilão & J. Simão 107
damente ao nível específico da importância dos Georrecursos nas sociedades. A falta de relação entre o conhecimento de fenómenos geológicos e a sua importância real para Homem é notória. Para colmatar esta falta de interação, será importante um esforço da comunidade científica com o apoio de empresas e outras entidades, para a elaboração de roteiros pedagógicos adequados a diferentes níveis de ensino. Procurar-se-ia, por um lado, acompanhar de forma mais eficaz os alunos numa saída de campo e, por outro, dar a conhecer todos os processos inerentes a este tipo de indústrias, que exploram e comercializam georrecursos, estabelecendo uma relação entre as mesmas e a sociedade. Bibliografia Amador F., 2010. Contribuições da História da Ciência para os processos de desenho curricular. Revista da Educação, XVII(1): 9-30. Antunes, M., 1991. Ensino da Geologia, perspectivas científicas. Universidade Aberta, Lisboa, 147 p. Azman, N., Halim, S., Liu, O., Saidin, S. & Komoo, I., 2010. Public Education in Heritage Conservation for Geopark Community. International Conference on Learner Diversity. Procedia Social and Behavioral Sciences 7(C): 504-511.
Bolacha, E. & Mateus, A., 2008a. Evolução recente do Ensino Secundário em Portugal e suas implicações nos currículos de Geologia; a perspectiva da Associação Portuguesa de Geólogos. Geonovas, 21: 67-74. Bolacha, E. & Mateus, A., 2008b. Novos currículos de Geologia no Ensino Secundário português: contributos da Associação Portuguesa de Geólogos. Geonovas, 21: 75-86. Brandão, J., 2008. Colecções e exposições de Geociências: velhas ferramentas, novos olhares. Geonovas, 21: 31-39. Brilha, J., 2009. A Importância dos Geoparques no Ensino e Divulgação das Geociências. Revista do Instituto de Geociências – USP, 5: 27-33. Brilha, J. & Pereira, P., 2012. Património Geológico. Porto Editora, 137 p. Carvalho, D., 1997). Aspectos gerais da geopolítica dos recursos minerais. Geonovas, 12: 1-22. Delicado, A., 2006. Os museus e a promoção da cultura científica em Portugal. Sociologia, Problemas e Práticas, 51: 53-72. Delicado, A., 2008. Produção e reprodução da ciência nos museus portugueses. Análise Social XIII (1.º): 55-77. Mantesso-Neto, V., 2010. Geodiversidade, Geoconservação, Geoturismo, Património Geológico, Geoparque: Novos conceitos nas Geociências do século XXI. VI Congreso Uruguayo de Geologia. Parque de Ute Minas-Lavalleja. 6 p. Programa Ciência Viva. http://www.cienciaviva.pt/
Tabela 1 – Inventariação dos Museus com interesse geológico em Portugal. Table 1 – Inventory of museums with geological interest in Portugal. Nome
Exposições - Principais Temas
Localização
Museu Nacional de História Natural/ Museu de Ciência da Universidade de Lisboa
- Aventura na Terra; - Allosaurus; - Coleções de Naturalista; - Minerais – Identificar e Classificar; - O minério da Panasqueira.
Lisboa
Museu Geológico
- Geologia de Lisboa; - Paleontologia; - Arqueologia; - Mineralogia; - Cartografia Geológica.
Lisboa
Museus de Geociências do Instituto Superior Técnico
- Museu Alfredo Bensaúde – mineralogia, cristalografia e petrologia; - Museu Décio Thadeu – geologia e jazigos minerais.
Lisboa
Museu da Água
- Abrange 4 núcleos constituídos por monumentos e edifícios relacionados com a história do abastecimento de água de Lisboa nos séculos XVIII e XIX.
Lisboa
Museu de Ciência da Faculdade de Ciências – Universidade do Porto
- Museu de História Natural; - Jardim Botânico; - Instituto Geofísico; - Observatório Astronómico.
Porto
Museu de História Natural da Faculdade de Ciências – Universidade do Porto
- Museu de Mineralogia Montenegro de Andrade; - Museu de Antropologia e Pré-História Mendes Corrêa; - Museu de Paleontologia Wenceslau de Lima; - Museu de Zoologia Augusto Nobre.
Porto
108 Inventário de locais e atividades com interesse geológico no ensino das Geociências
Tabela 1 – Inventariação dos Museus com interesse geológico em Portugal (cont.). Table 1 – Inventory of museums with geological interest in Portugal (cont.). Museu da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP)
- Núcleo museológico constituído por coleções de objectos que testemunham o ensino experimental e a investigação desenvolvidos pela instituição desde a sua criação, salientando-se as coleções do Departamento de Engenharia de Minas.
Porto
Museu do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP)
- História dos últimos 160 anos de engenharia (Áreas da Engenharia: Civil, Química, Mecânica, Física, Eletrotécnica, Minas e Metalurgia).
Porto
Museu de Jazigos Minerais Portugueses
- Minérios de explorações portuguesas; - Artefactos arqueológicos relacionados com a exploração mineira em Portugal.
S. Mamede de Infesta (Porto)
Museu Mineralógico e Geológico da Universidade de Coimbra
- Mineralogia; - Petrologia; - Cartografia Geológica.
Coimbra
Museu da Ciência da Universidade de Coimbra
- Física; - Astronomia; - Química; - História Natural; - Ciências Médicas.
Coimbra
Museu do Quartzo
- Mineralogia; - Geologia regional e o quartzo no contexto geológico e mineralógico.
Viseu
Museu de Geologia da Universidade de Trás-osMontes e Alto Douro
- Coleções de rochas e minerais; - Coleções de fósseis; - Exemplos de aplicações de rochas e minerais.
Vila Real
Museu do Ferro e da Região de Moncorvo
- Oficina do conhecimento sobre os ofícios; - Sala do Ferro.
Torre de Moncorvo
Museu da Pedra do Município de Cantanhede
- Estatuaria antiga e outros ornamentos em pedra de Ançã; - Processamento e exploração da pedra; - Geologia do concelho; - Artefactos arqueológicos; - Fósseis; - Exposições temporárias de escultura contemporânea.
Cantanhede
Museu da Pedra do Marco de Canaveses
- Granito – relação do Homem com a pedra, a pedra com a arte, com o Marco de património e a sua história. Canaveses
Museu da Lousa
- Casa do Mineiro; - Espólio e documentação ligados à ardósia.
Valongo
Casa da Malta/Museu Mineiro
- Secção Geológica (Fósseis e Carvão); - Tradição mineira.
S. Pedro da Cova (Gondomar)
Museu do Canteiro
- Exposição permanente dedicada ao labor do canteiro.
Alcains (Castelo Branco)
Museu da Fábrica Maceira-Liz
- Património histórico e cultural da Fábrica Maceira-Liz (Indústria Cimenteira).
Maceira (Leiria)
Museu da Lourinhã
- Paleontologia; - Arqueologia; - Etnografia.
Lourinhã
Museu Mineiro do Lousal
- Arqueologia industrial mineira.
Lousal
Museu Municipal de Aljustrel
- Arqueologia ligada à Indústria mineira da região.
Aljustrel
Museu da Lucerna
- Coleção de Lucernas de época romana.
Castro Verde
Museu do Mármore de Vila Viçosa
- Extração e transformação do mármore.
Vila Viçosa
Museu de História Natural do Funchal
- Rochas e minerais do Arquipélago da Madeira; - Fósseis marinhos de Porto Santo; - Jardim de Plantas Aromáticas e Medicinais.
Funchal (Madeira)
Museu Carlos Machado
- Exposição permanente de minerais e rochas vulcânicas.
Ilha de S. Miguel (Açores)
Museu da Horta (Núcleo Museológico dos Capelinhos)
- Relato fotográfico da erupção do Vulcão dos Capelinhos em 1957; - Exposição de escórias provenientes da erupção.
Ilha do Faial (Açores)
associação portuguesa de geólogos
A. Vilão & J. Simão 109
Tabela 2 – Inventariação de Centros de Ciência Viva em Portugal. Table 2 – Inventorying Science Centres in Portugal. Nome
Principais temas
Localização
Centro de Ciência Viva de Bragança
- Energia e Ambiente; - Sustentabilidade.
Bragança
Centro de Ciência Viva – Planetário do Porto
- Astronomia.
Porto
Centro de Ciência Viva de Vila do Conde
- Corpo Humano e o Sangue.
Vila do Conde
Centro de Ciência Viva Visionarium
- Exposições permanentes sobre os temas: Terra, Matéria, Universo, Vida, Odisseia Virtual.
Santa Maria da Feira
Centro de Ciência Viva de Aveiro – A Fábrica
- Atividades distintas: uma cozinha, onde as receitas se transformam Aveiro em protocolos científicos, duas atividades de robótica, uma fábrica que guarda informações inesperadas e ainda um laboratório com paredes de vidro.
Centro de Ciência Viva Rómulo - Física; de Carvalho - Centro de recursos para o ensino e aprendizagem das ciências e difusão da cultura científica.
Coimbra
Centro de Ciência Viva de - Atividades distintas: descobrir as várias formas de comunicar do Coimbra – Exploratório Infante mundo animal, dar a volta a Portugal de rocha em rocha, saltar na Lua, D. Henrique deixar a silhueta numa parede, usar um vegetal para ver as horas ou construir uma Europa a quatro cores.
Coimbra
Centro de Ciência Viva de Proença-a-Nova
- Floresta.
Proença-a-Nova
Centro de Ciência Viva de Constância – Parque de Astronomia
- Universo e Sistema Solar.
Constância
Centro de Ciência Viva do Alviela - Carsoscópio
- Aquíferos.
Alcanena
Centro de Ciência Viva de Sintra
- A água, o Homem e o Meio Ambiente.
Sintra
Centro de Ciência Viva – - Astronomia. Planetário Calouste Gulbenkian
Lisboa
Pavilhão do Conhecimento – Ciência Viva
- Física; - Matemática; - Tecnologia; - Outras áreas do conhecimento.
Lisboa
Centro de Ciência Viva de Estremoz
- Exposições relacionadas com os temas: Terra, um planeta dinâmico, e Estremoz Sistema Solar.
Centro de Ciência Viva do Lousal
- Conteúdos relacionados com a época em que a mina do Lousal se encontrava ativa, onde minérios formados há milhões de anos foram explorados por milhares de mineiros.
Lousal
Centro de Ciência Viva de Tavira
- Água e Energia.
Tavira
Centro de Ciência Viva do Algarve
- O Sol e a sua influência sobre a Terra e os seres vivos.
Faro
Centro de Ciência Viva de Lagos
- Instrumentos de orientação e navegação, a vida a bordo de um navio e Lagos a comunicação à distância.
Centro de Ciência Viva de Porto - Floresta Laurissilva. Moniz
Porto Moniz (Madeira)
Expolab – Centro de Ciência Viva dos Açores
Lagoa (Ilha de S. Miguel – Açores)
- Biologia; - Física.
110 Inventário de locais e atividades com interesse geológico no ensino das Geociências
Tabela 3 – Inventariação dos Geoparques em Portugal. Table 3 – Inventory of Geoparks in Portugal. Nome
Principais temas
Localização
Geoparque Arouca
No Geoparque de Arouca estão referenciados 41 geossítios que se destacam pela sua singularidade e notável valor do ponto de vista científico, didático e/ou turístico, com particular destaque para as Trilobites Gigantes de Canelas, para as Pedras Parideiras de Castanheira e para os Icnofósseis do Vale do Paiva. Estão referenciados quatro geossítios de importância internacional.
Área administrativa do concelho de Arouca
Geoparque Naturtejo
O vasto património geomorfológico, geológico, paleontológico e geomineiro, apresenta elementos de relevância nacional e internacional, de que são exemplo os icnofósseis de Penha Garcia, os canhões fluviais de Penha Garcia, as Portas do Ródão e de Almourão, a mina de ouro romana do Conhal do Arneiro e as morfologias graníticas da Serra da Gardunha e Monsanto. Para além dos geossítios, o Geopark Naturtejo conta com o Parque Natural do Tejo Internacional e com áreas protegidas no âmbito da Rede Natura 2000 (sítios Gardunha, Nisa e S. Mamede) e das Important Bird Areas (Penha Garcia - Toulões e as serranias quartzíticas do Ródão), que testemunham a sua riqueza ecológica.
Corresponde a um território de 4616 km2, nos concelhos de Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Proença-a-Nova, Nisa, Oleiros e Vila Velha de Ródão
Geoparque Açores
O arquipélago dos Açores apresenta uma rica e vasta geodiversidade e um importante património geológico, composto por diversos locais de interesse científico, pedagógico e turístico. O Geoparque Açores assenta numa rede de geossítios, dispersos pelas nove ilhas e zona marinha envolvente que; - Garante a representatividade da geodiversidade que caracteriza o território açoriano; - Traduz a sua história geológica eruptiva; - Possui estratégias de conservação e promoção comuns; - É baseada numa estrutura de gestão descentralizada e com apoio em todas as ilhas.
As 9 ilhas do Arquipélago dos Açores
Tabela 4 – Outros parques com interesse geológico e mineiro em Portugal. Table 4 – Other parks with geological and mining interest in Portugal. Nome
Principais temas
Localização
Parque Paleozóico de Valongo
- Preservação de fósseis de Trilobites e outros organismos da Era Paleozóica; - Preservação de um conjunto de características geológicas que fazem com que a Serra de Valongo se torne um laboratório vivo sobre a História da Terra.
Valongo
Passeio Geológico da Foz do Douro
- Visita guiada ao “Complexo Metamórfico da Foz do Douro”.
Porto
Trilho Geológico
- Mostra permanente da Geologia do Alentejo (minério de cobre de Neves Corvo, mármore de Trigaches, xisto de Barrancos, arenito de Alfundão com fósseis de ostras, gabro de Beja).
Beja
Mina do Lousal
- Espaço requalificado e valorizado onde as infraestruturas físicas, os equipamentos e o acervo associados ao património mineiro do Lousal foram ou estão a ser intervencionados.
Lousal
Mina de Aljustrel
- Malacate do Poço Viana; - Núcleo da Central de Compressores.
Aljustrel
Mina de Castromil
- Percurso pedestre (com materiais didáticos) onde são referidos aspectos mineiros e geológicos; - Visita aos trabalhos subterrâneos, com explicação sobre as técnicas aplicadas na antiguidade para a exploração e extração do ouro; - Geologia local (fenómenos responsáveis pela ocorrência de mineralização de ouro).
Castromil (Paredes)
Ecomuseu Salinas de Rio Maior
- Atendimento, visitas guiadas; serviços educativos e interpretação do Rio Maior meio natural e cultural no tempo e no espaço, da área do Vale Diapírico da Fonte da Bica.
Centro Interpretativo do Complexo Mineiro de Tresminas
- Mineração Romana; - Património Natural; - Visita às galerias subterrâneas do complexo mineiro.
Vila Pouca de Aguiar
Centro de Interpretação Científica das Grutas da Moeda
- Espaço interativo destinado a questões relacionadas com as Ciências da Terra (interação com equipamentos e exposições que facilitam o entendimento dos fenómenos geológicos e ambientais do Maciço Calcário Estremenho).
Batalha (Leiria)
Instruções aos Autores 113
geonovas instruções aos autores A – Estatuto editorial da GEONOVAS GEONOVAS é a revista anual publicada pela APG – Associação Portuguesa de Geólogos. Publicada desde 1981, é o principal agente de comunicação com os sócios e edita artigos originais de investigação científica e de divulgação no âmbito da geologia. A revista poderá publicar artigos científicos originais, artigos de divulgação, artigos de autores especialmente convidados que desenvolvam temas no âmbito acima referido ou, ainda, notícias de carácter informativo com interesse para a Comunidade Geocientífica. B – Informação geral Os autores devem seguir as normas aqui estabelecidas e publicadas no final da revista. A submissão de artigos à GEONOVAS implica a aceitação destas normas. Cada artigo será avaliado por um dos membros da Comissão Editorial e por dois revisores anónimos, podendo ser recusada a sua publicação. Os nomes dos revisores não anónimos e respetiva instituição poderão ser incluídos nos agradecimentos dos respetivos artigos, caso autores e revisores estejam de acordo. O conjunto dos revisores de cada número da revista constituem a respetiva Comissão Científica. Os artigos submetidos a publicação não podem ser enviados a outras revistas. C – Preparação do artigo O último número da revista GEONOVAS deve ser consultado para mais fácil preparação do artigo. Os manuscritos que não sigam as instruções que se seguem poderão ser reenviados aos autores para procederem às alterações necessárias. 1. Submissão Todos os artigos deverão ser submetidos pelo e-mail da APG ( info@apgeologos.pt). Todos os artigos submetidos deverão conter os seguintes ficheiros: a) Manuscrito (documento Word) que deverá incluir as seguintes partes: i) páginas iniciais com Título(s), Autor(es), Afiliação e Contactos, Título(s) curto(s), Resumo(s) e Palavras-Chave; ii) Texto principal; iii) Agradecimentos; iv) Bibliografia; b) Legendas das Figuras e Tabelas (Documento Word); c) Figuras enviadas em ficheiros JPEG ou TIFF à
parte com resolução de pelo menos 300 dpi (não inseridas no manuscrito); d) Tabelas enviadas à parte num documento Word; e) Lista com três possíveis revisores para o artigo (documento Word) com nomes, afiliações e contactos de e-mail. A comissão executiva não garante que qualquer dos nomes propostos seja escolhido para rever o artigo. Todos os ficheiros deverão ser submetidos com um nome razoável que indique claramente o que esse ficheiro contém e numa ordem sequencial lógica, como por exemplo: - título do trabalho.doc - Legendas.doc - Figura1.jpg - Figura2.jpg - Figura3.jpg - Tabelas.doc - Anexo1.tiff - Revisores.doc (Este exemplo é meramente ilustrativo). 2. Informação adicional a) Os manuscritos deverão incluir numeração de páginas e linhas. b) Os manuscritos deverão ser preparados usando um tipo de letra comum e tamanho adequado (exemplo Times 12 ou Arial 12) e dactilografados a dois espaços, coluna única, formato de papel A4. c) Os artigos devem ser originais e compreender dados, interpretações ou sínteses não publicados previamente. d) Os artigos e os resumos devem ser escritos em português, devendo ser sempre apresentado um resumo em inglês e em português. Os resumos na língua original do artigo não podem conter mais de 150 palavras. e) Todos os manuscritos deverão conter palavras-chave a seguir aos resumos. Tanto para o resumo em inglês como na língua original do manuscrito não poderão ter mais de 5 palavras-chave. f) Os artigos recebidos pela Comissão Editorial serão revistos pelo editor e por dois ou mais revisores científicos. h) Para artigos em co-autoria, o manuscrito deverá mencionar o autor correspondente. Se a mesma não for providenciada, o autor que submeteu o artigo será considerado o autor correspondente. A submissão de artigos em co-autoria implica que o autor correspondente tem o acordo dos restantes autores para submeter e publicar o artigo.
114 Instruções aos Autores
3. Preparação do Manuscrito a) A primeira página do manuscrito deverá conter o título do artigo em tamanho 16, o(s) nome(s) do(s) autor(es) em tamanho 12, a afiliação do(s) autor(es) com endereços institucionais, os telefones (ou faxes) e e-mails em tamanho 9, bem como a indicação a que autor deverá ser enviada a correspondência. b) A segunda página deverá conter o(s) resumo(s) em português e em inglês seguido(s) de até cinco palavras-chave, em tamanho 10. Cada resumo deverá ser inteligível sem referência ao artigo e deverá ser uma compilação objetiva das informações e interpretações originais do artigo, e não apenas uma referência aos assuntos abordados. c) O texto principal, em tamanho 12, deverá seguir-se e poderá ser dividido em secções. d) Os agradecimentos deverão seguir o texto principal e deverão ser reunidos numa secção denominada por Agradecimentos. e) Todas as referências citadas no texto deverão ser organizadas por ordem alfabética no fim do texto (a seguir aos agradecimentos) e deverão estar numa secção denominada Bibliografia. No texto, as referências deverão ser citadas pelo(s) nome(s) do(s) autor(es), e pela data da edição (entre parêntesis) como os exemplos seguintes: Dias & Cabral (1989) Cabral (1995) (Cunha, 1987, 1992, 1996) (Raposo, 1987, 1995a, 1995b; Cunha et al., 2008). As referências a livros devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação, o título da obra em itálico, entidade editora, local de publicação e paginação. As referências a artigos devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação (entre parêntesis), o título do artigo, o título do periódico em itálico, o volume, o número ou fascículo e a paginação. Os autores deverão consultar o último número das GEONOVAS para correta listagem das referências. Exemplos: Cunha, P. P., 1987. Evolução tectono-sedimentar terciária da região de Sarzedas (Portugal). Comun. Serv. Geol. Portugal, Lisboa, 73(1/2): 67-84. Cunha, P. P., Martins, A. A., Huot, S., Murray, A. & Raposo, L., 2008. Dating the Tejo river lower terraces in the Ródão area (Portugal) to assess the role of tectonics and uplift. Geomorphology, 102: 43– 54. Reis, R. Pena dos & Cunha, P. P., 1989. Comparación de los rellenos terciarios en dos regiones del borde occidental del Macizo Hespérico (Portugal Central). Paleogeografía de la Meseta norte durante el Terciario. (C.J. Dabrio, Editor), Stv. Geol. Salman., Ediciones Univ. Salamanca, vol. esp. 5: 253-272.
Ribeiro, O., Teixeira, C. & Ferreira, C. R., 1967. Carta Geológica de Portugal na escala 1/50 000 (folha 24D – Castelo Branco) e respectiva notícia explicativa. Serv. Geol. de Portugal, Lisboa, 24 p. Romão, J., 2000. Estudo tectono-estratigráfico de um segmento do bordo SW da Zona Centro-Ibérica (ZCI) e suas relações com a Zona Ossa-Morena (ZOM). Diss. Doutoramento, Univ. Lisboa, 322 p. f) Todas as ilustrações deverão ser designadas figuras. No início da frase devem ser referidas escritas por extenso (ex: Figura 1). Dentro da frase devem ser escritas de forma abreviada (ex: Fig. 1). Os anexos deverão ser mencionados no texto, referindo-se a estes como Anexo 1, etc. g) Cabeçalhos ou rodapés não poderão ser usados em qualquer circunstância. h) Fórmulas matemáticas/equações são geralmente introduzidas como parte de frases, requerendo pontuação. Os autores deverão providenciar todos os símbolos a constar na publicação. 4. Ilustrações Todas as ilustrações (figuras, gráficos, mapas, fotos, etc…) são figuras e devem ser referidas como tal. As figuras deverão estar numeradas sequencialmente com numerais arábicos e devem ser providenciadas em ficheiros separados com resolução adequada para publicação (no mínimo 300 dpi, submissão eletrónica apenas) que não poderá exceder os 4Mb cada. As figuras deverão ser enviadas com os tipos de letra a usar (Times, Arial, Helvetica, Symbol ou Courier). As partes de uma figura devem estar indicadas como (a), (b), (c), etc., e devem ser referidas como tal nas legendas (ex: Fig. 5 – (a)), mas como a, b, c, etc. no texto (ex. Fig. 5d). 5. Tabelas As tabelas devem ser enviadas num documento Word em separado. As unidades deverão ser referidas uma vez nas colunas ou na legenda e não ao longo da tabela. 6. Legendas As legendas das figuras e tabelas devem ser apresentadas com espaçamento duplo e devem ser enviadas num documento Word em separado. As legendas devem ser providenciadas na língua original do artigo e em inglês, descrevendo brevemente o conteúdo das figuras e/ ou tabelas. 7. Separatas Serão fornecidas aos autores ficheiros pdf dos trabalhos publicados.
Associação Portuguesa de Geólogos
A Associação Portuguesa de Geólogos foi fundada em 1976. É uma associação sócio-profissional, sem fins lucrativos, que congrega profissionais da Geologia que se dedicam a domínios diversificados no âmbito das Ciências da Terra. É membro fundador da Federação Europeia de Geólogos. É também membro da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Científicas (FEPASC).
Quer receber informações sobre as atividades desenvolvidas pela APG? Envie-nos o seu endereço eletrónico para info@apgeologos.pt solicitando a inclusão na nossa lista de divulgação. Consulte como se inscrever como sócio em www.apgeologos.pt.
Os objetivos da Associação Portuguesa de Geólogos são os seguintes: • Representar a profissão de Geólogo junto dos poderes públicos e privados; • Promover a elevação, independência e prestígio da profissão; • Defender os interesses dos Geólogos e da Geologia; • Promover o desenvolvimento científico e técnico dos seus associados; • Cooperar na preparação de leis e regulamentos relativos ao título e ao exercício da profissão; • Aprovar um código português de deontologia profissional (Código Deontológico); • Intervir no planeamento do ensino da Geologia.
Associação Portuguesa de Geólogos Endereço postal Apartado 2109, 1103-001 Lisboa Morada social Museu Geológico,Rua da Academia das Ciências, nº19 - 2º 1249-280 Lisboa Telefone +351 213 477 695 Fax +351 213 429 285 info@apgeologos.pt www.apgeologos.pt
Comissão Diretiva António Gomes Coelho José Mário C. Branco José Romão Carlos Almeida Margarida Silva Mónica Sousa Vítor Correia
Execução gráfica J.M.G. - Art. Pap., Artes Gráficas e Publicidade, Lda Alameda das Figueiras, 13, 3B 2665-501 Venda do Pinheiro
Comissão Editorial João Pais (FCT/UNL) José Romão (LNEG) Rúben Dias (LNEG) Zélia Pereira (LNEG)
ISSN 0870-7375
Foto da Capa Geossítio Pulo do Lobo no rio Guadiana. Foto de Diamantino Insua Pereira.
Depósito Legal 183140/02
Tiragem 250 exemplares Periodicidade Anual