Geonovas Nº 29

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Nº 29 • 2016 • ISSN 0870-7375 • ANUAL

Pág. 1 Editorial José Manuel Correia Romão Pág. 3 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal - análise paragenética. Leal Gomes Pág. 43 Geologia económica dos metais básicos e dos metais ferrosos- uma síntese. António Moura

REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

ÍNDICE

Pág. 53 O carvão do Cabo Mondego e os Caminhos de Ferro do Estado: cinco perguntas e um parecer. J. M. Brandão, P. M. Callapez & J. M. Soares Pinto

REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

RECURSOS GEOLÓGICOS

Pág. 71 Palinostratigrafia e maturação orgânica do Karoo Inferior nas sondagens ETA 15 e ETA 71 da Bacia de Moatize-Minjova, província de Tete (Moçambique). M. Costa, L. Castro, P. Fernandes, Z. Pereira, J. Marques

PALEONTOLOGIA

Pág. 81 Paleo-tarot: estratégia lúdica sobre a utilidade dos fósseis. Mário Cachão Pág. 87 Uma breve história da reactivação tectónica da Margem Continental Portuguesa. João Duarte

TECTÓNICA GE NOVAS

Pág. 95 Águas subterrâneas e gestão do solo e do subsolo. José Martins de Carvalho

GE NOVAS

Pág. 103 Síntese hidrogeomorfológica do Anticlinal de Valongo. Eduardo Gonçalves Pág. 125 Modelação e comparação de perfis GPR no desenvolvimento de metodologias eficazes de Prospeção Geofísica em Arqueologia. R. J. Oliveira, B. Caldeira, T. Teixidó & J. F. Borges

29

GEOFÍSICA


Nº 29 • 2016 • ISSN 0870-7375 • ANUAL


1

Geonovas a crescer A Geonovas tem crescido muito significativamente nos últimos anos, quer pela oferta de numerosos artigos para serem divulgados e disseminados pela comunidade geocientífica, quer pela forte procura de trabalhos aí publicados. Saliento com agrado a participação ativa dos patrocinadores na elaboração da revista, em particular dos que anunciam na Geonovas desde sempre; de facto, são eles que têm suportado financeiramente a sua edição e publicação. A política editorial encetada, de abertura aos jovens geocientistas para publicação dos seus trabalhos de investigação junto com artigos de divulgação sobre temas da área das geociências elaborados por geólogos seniores, possibilitaram a retoma da sua publicação com periocidade anual e, consequentemente, aumento global da produção científica difundida. De facto, a intenção da comunidade técnico-científica das Ciências da Terra em publicar os seus trabalhos na Geonovas, em particular, sínteses de dissertações de mestrado e doutoramento, demonstrou-se relevante, como pode ser confirmado pelo número de artigos (15) ao longo das 226 páginas do volume 28, publicado em 2015. O interesse dos geocientistas em publicar na Geonovas em 2016 manteve-se, tendo o volume nº 29 sido concluído para edição com 9 artigos, totalizando a revista 135 páginas. Entretanto, já foram submetidos outros artigos, e a confirmar-se o ritmo de submissão de novos trabalhos nos próximos meses, admite-se que o número seguinte possa ser publicado no início do segundo trimestre do próximo ano. A disponibilização gratuita da Geonovas no Website da Associação Portuguesa de Geólogos e a sua distribuição pelas bibliotecas das principais instituições públicas de ensino e de investigação das Ciências da Terra em Portugal, permitiram um incremento consistente da sua visibilidade. Como consequência, o interesse e a procura da Geonovas aumentou como se pode confirmar pelo número de leituras, impressões e partilhas dos últimos números publicados(1) e pela constante procura internacional que tem tido, em particular nos países lusófonos, onde sobressai o Brasil. Outro testemunho do particular interesse da Geonovas, em especial para a comunidade dos professores de graus de ensino não universitário, reside no facto de extratos de alguns dos artigos publicados nos seus volumes terem sido utilizados em textos introdutórios de questões nos exames nacionais de Biologia e Geologia do Ensino Secundário. Atendendo à pouca visibilidade e interesse que a sociedade em geral tem pelos diversos domínios das Geociências, a relevância dos resultados obtidos, reforça e fortalece o nosso ânimo para continuar a lutar pelo engrandecimento da Geonovas, procurando-se todos os anos superar as metas já atingidas. No próximo ano será publicado o trigésimo número da Geonovas. Como forma de comemorar este número, a Comissão Diretiva da APG propõe a publicação de dois volumes, um regular e outro especial, subordinado ao tema “A profissão de geólogo”. A ideia subjacente será que o Número Especial destaque abordagens históricas, conceitos, especificidades e metodologias relativas à nossa profissão nas diversas áreas em que intervimos na sociedade, nomeadamente na Cartografia Geológica, Hidrogeologia, Recursos Geológicos, Geologia de Engenharia, Geoquímica, Geofísica, Tectónica, Sistemas de Informação Geográfica, Ensino, Património Geológico e Mineiro, etc. Conto convosco!

José Manuel Correia Romão Presidente da Associação Portuguesa de Geólogos

(1)

A título de exemplo, a versão digital da Geonovas nº 27, publicada em 2014, alcançou 2627 leituras, 14569 impressões e 17 partilhas. Mais, nos últimos 30 dias, os exemplares da Geonovas que se encontram disponibilizados foram impressos e lidos, respetivamente, 2032 e 308 vezes. E, nos últimos 7 dias, foram impressos 611 e lidos 99 números.



GEONOVAS N.º

ASSOCiAçãO PORTUGUESA DE GEóLOGOS

29: 03 a 42, 2016 3

Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética Carlos Augusto Alves Leal Gomes Universidade do Minho, EC-DCT, Gualtar, 4710-057 BRAGA-P – caal.gomes@gmail.com

Resumo À escala dos mercados globais o Ta é um metal cujo aprovisionamento pode ser considerado errático, sujeito a oscilações importantes. Um primeiro imperativo de optimização para a valorização de concentrados de Ta é a proporção de “pentóxido” que o produto transacionável deve comportar para que possa ser comercializado aos mais altos valores unitários: Ta2O5>30%. Esta proporção tem como factor limitante natural a grande diversidade mineroquímica das fases portadoras que ocorrem em depósitos primários, o que suscita muitas vezes a adopção pós – mineralúrgica de correcções de teor (“blending”), procurando, com lotes de diferentes cargas tantalíferas, valorizar os minérios. No N de Portugal, a maioria dos depósitos primários de Ta, essencialmente pegmatíticos, dispõe-se segundo uma faixa NW – SE que segue aproximadamente as trajectórias de estruturação orogénica, Varisca, atribuídas às 2ª e 3ª fases de deformação. A localização das jazidas de tipo placer, acompanha esta tendência, reflectindo a relação proximal com as jazidas primárias. Destacam-se deste padrão as mineralizações situadas em fácies apograníticas (leucogranitos de cúpula) por vezes estruturadas em complexos exo-granito / endo-granito com “stock – sheider”, como é o caso das mineralizações de Montesinho e Seixigal, a que correspondem os mais baixos teores mas, potencialmente, as tonelagens mais elevadas. Entre os placeres, parece ser em aluviões da Cumieira e Ribeiro Salgueiro, na Serra de Arga, e em aluviões da Ribeira da Gaia em Belmonte, Guarda que se podem obter os minérios de melhor qualidade. Quanto aos depósitos primários, os concentrados de mais alto valor podem ser apurados em fácies aplito-pegmatíticas LCT, lepidolíticas, das regiões da Régua e da Guarda e ainda nas unidades tardias de tipo brecha hidrotemal ou de colapso em pegmatitos intra-graníticos como os do Grupo de Senhora de Assunção. Valores de 150-200 ppm de Ta podem ser considerados um padrão aceitável para considerar as jazidas como potencialmente interessantes prevendo que alguns conteúdos em “ore-shoots” possam variar de forma consistente entre 300 e 1500 ppm. No que diz respeito aos pegmatitos graníticos, parece iniciar-se agora um novo ciclo de procura, evidência de reservas e eventual exploração que tem como objectivo o Li metálico (como Li2CO3). É pois de considerar com seriedade a possibilidade de obtenção sucedânea de concentrados de Ta até porque no caso das jazidas lepidolíticas existe uma associação muito marcada entre concentrações de Li e Ta, o que justifica equacionar o aproveitamento integrado dos dois minérios. Palavras-chave: Tântalo, paragénese, minérios, teores, depósitos, Varisco, pegmatito, Portugal. Abstract Tantalum global supply may be considered erratic submitted to major price oscillations in time. A first imperative for the value attribution to Ta concentrates is the Ta2O5 proportion, which must be superior to 30% to achieve the highest values in the market. This proportion is determined by the diversity of ore minerals present in the concentrates, which may implicate some grade correction in a post treatment stage of enhancement of the obtained ores. In Northern Portugal the majority of Ta-deposits, belong to the pegmatite type and follow a Variscan Orogenic trend, NW-SE, which main megastructures are attributed to 2nd and 3rd folding phases. Placer deposits accompany these trend thought they are proximal to the primary ones. A few apogranite type concentrations do not follow the same spatial arrangement, occurring in isolated cupola leucogranites and stock-sheiders, as in Montesinho and Seixigal. Here Ta grades are low, however large tonnages can be expected.


4 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

The more interesting placers, producing higher grade concentrates, are located in Cumieira and Salgueiro Stream at Serra de Arga and also in Gaia Stream alluvial deposits in Guarda region. In what concerns primary deposits, the highest valuable concentrates are obtained in aplite-pegmatites of LCT - lepidilite type from Régua and Guarda regions, and also in late inner-units of breccia type, from inner-granite hybrid pegmatites such as those from Senhora de Assunção in Viseu. Values of 150-220 ppm Ta are am acceptable standard to consider the potentiality of a given Ta target considering the possibility that some inner ore-shoots may achieve a consistent threshold of 300 to 1500 ppm. In what concerns Portuguese granite pegmatites recent exploration programs are dedicated to lithium mineralizations corresponding to a new cycle of market demand. The possibility of recuperation of Ta ores as by-products should be considered and should condition the exploration programs, given the fact that higher Li contents are intimately and positively correlated with the highest Ta grades of the deposits and its potential products. Keywords: Tantalum, paragenesis, ores, grades, deposits, Variscan, pegmatite, Portugal

Introdução À escala dos mercados globais o Ta é um metal cujo aprovisionamento pode ser considerado errático, sujeito a oscilações importantes, uma vez que grande parte da produção é proveniente de regiões em conflito ou económica e socialmente degradadas e também pela instabilidade do seu apuramento em contextos naturais e industriais múltiplos correspondentes a diferentes tipos genéticos de jazigos minerais, diferentes estados e condições de processamento dos minérios e diferentes quadros de valorização de subprodutos. Um primeiro imperativo de optimização para a valorização de concentrados de Ta é a proporção de “pentóxido” que o produto transacionável deve comportar para que possa ser comercializado aos mais altos valores unitários: Ta2O5>30%. Outras condições de mercado incluem a imposição de barreiras muito restritivas aos conteúdos de componentes contaminantes e penalizantes, tolerados nos circuitos de comercialização (U3O8, Sb2O3, TiO2, SnO2, SiO2). Nestas condições a sustentabilidade do aprovisionamento organiza-se em quatro eixos estratégicos principais: – evidência de jazidas ou reavaliação de regiões mineiras dos países industrializados e redimensionamento de jazidas conhecidas, no sentido da detecção de fontes específicas destes concentrados (mesmo que essas fontes sejam de pequena dimensão ou o Ta seja considerando como mero subproduto da lavra dirigida a outras substâncias); – optimização da lavra mineira, via monitorização geológica, em países em vias de desenvolvimento, onde a mão de obra intensiva é responsável pela maior parte da produção; – certificação de proveniência, procurando obstar ao aprovisionamento a partir de regiões em conflito; – desenvolvimento da mineralogia e análise paragenética, aplicadas ao apuramento de concentrados em subprodutos mineiros e à manipulação de concentrados (“blending” de base

mineralógica e paragenética para o incremento das cotações e depuração de penalizantes). No que respeita aos recursos mundiais, a América do Sul comporta os maiores quantitativos de reservas calculadas, na ordem das centenas de milhares de toneladas, que perfazem cerca de 40% do total de recursos globais conhecidos. À Austrália são atribuídos, aproximadamente, 21% dos recursos conhecidos seguindo-se a China e o Sudoeste Asiático, com 10%, a Rússia e o Médio Oriente, com 10% e a África Central, com 10% também. O resto da África, a América do Norte e a Europa, com um somatório pouco menor que 10% completam o total de recursos conhecidos. Considerando a procura crescente e os altos valores unitários que os concentrados de Ta podem atingir, o território de Portugal conta com potencialidades discretas, mas viáveis, tanto em termos de jazidas polimetálicas com Ta como de produtos tantalíferos sucedâneos da lavra e beneficiação dirigidas a outras substâncias. Os principais tipos de depósitos minerais são os placeres que acolhem detritos pegmatíticos e, tipicamente, os pegmatitos primários relacionados com a fraccionação residual dos granitos Variscos, e ainda algumas fácies apograníticas que culminam a evolução primária e deutérica desses mesmos granitos. Neste estudo, para ilustrar a diversidade das jazidas e mineralizações, recorre-se à análise estrutural e paragenética das concentrações e à mineroquímica de fases portadoras de Nb e Ta, em trabalhos que têm sido efectuados sobre numerosos pequenos depósitos do N de Portugal, com especial relevo para os depósitos pegmatíticos (Cotelo Neiva, 1954; Leal Gomes, 1991; Leal Gomes, 1994; Leal Gomes, 1995; Moura et al., 2010; Ferreira et al., 2014). São seleccionados alguns dados de geoquímica e imagens obtidas em microscópio electrónico de varrimento (MEV), em modo electrões retrodifundidos (ER) e


ASSOCiAçãO PORTUGUESA DE GEóLOGOS

também resultados de difractometria de raios X sobre pós (DRX), especialmente, no caso das identificações de fases portadoras de Ta e minerais relacionados. Desta aproximação emana a proposta de síntese e também a sistematização sobre a diversidade de modos de jazida de minerais de Ta e sobre o seu eventual estatuto no computo de recursos base de metais estratégicos e críticos de Portugal. Metodologicamente, abordam-se a diversidade e a distribuição regional dos depósitos e campos mineiros que os incluem, a síntese sobre os conhecimentos actuais relativos às condições de mineralização tantalífera em contexto pegmatítico Varisco, a análise descritiva e anatomia de alguns destes depósitos, que se consideram mais significativos do ponto de vista das concentrações atingidas, a sistemática da diversidade de fases portadoras de Ta e uma discussão sobre os teores e tonelagens que são alcançados em alguns depósitos mais relevantes. Distribuição Regional de Jazidas e sua Tipologia Na figura 1 encontra-se um esboço da distribuição regional dos depósitos minerais conhecidos que apresentam concentrações significativas de Ta,

Carlos Augusto Alves Leal Gomes 5

reflectindo a sua classificação essencial: pegmatitos, apogranitos e placeres. A maioria dos depósitos pegmatíticos relevantes dispõe-se segundo uma faixa NW – SE que segue aproximadamente as trajectórias de estruturação megaescalar da Cintura Pegmatítica Centro-ibérica tal como está definida em Leal Gomes (1994) – especialmente dependente da deformação e metamorfismo atribuídos às 2ª e 3ª fases Variscas de deformação (D2-D3). Também a localização das jazidas secundárias, de tipo placer, acompanha esta tendência geográfica, reflectindo a íntima relação de proximidade com as jazidas primárias. Destacam-se deste padrão as mineralizações situadas em fácies apograníticas (leucogranitos de cúpula) por vezes estruturadas em complexos exogranito / endo-granito com “stock – sheider”, como é o caso das mineralizações de Montesinho e Seixigal, a que correspondem certamente os mais baixos teores mas, potencialmente, as tonelagens mais elevadas. Na tabela 1 distinguem-se os tipos principais de pegmatitos Variscos que representam a diversidade observada no N de Portugal, aludindo às mineralizações que os mesmos comportam e salientando os casos em que a mineralização tantalífera é significativa. Além das rúbricas intuitivas são termos de discrimi-

Figura 1 – Distribuição regional dos recursos e depósitos minerais de Ta – indicam-se alguns lineamentos que estruturam aquela distribuição. Figure 1 – Regional distribution of Ta resources and ore deposits – the major structural lineaments controlling the distribution are presented.


Vieira do Minho

Vieira do Minho

exo-G

endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

exo-G a endo-G, transicional

exo-G a endo-G, transicional

endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

Taião

Felgueira

Tourém

Pala

Paredes

V. Furnas

Carvalheira

Covide

Dornas

Muro Alto 1

Muro Alto 2

Seixas

Penedo do Filho

Mata da Galinheira

Pedra da Moura

TIPO

ATRIBUTO

zonado, complexo

zonado, complexo

zonado, complexo

zonado, complexo

Terras de Bouro – híbrido Ponte da Barca

Terras de Bouro – híbrido Ponte da Barca

Terras de Bouro – híbrido Ponte da Barca

Terras de Bouro – híbrido Ponte da Barca

2 m (bi) – porfiróide

2 m (bi) – porfiróide

2 m (bi) – porfiróide

2 m (bi) – porfiróide

305

305

305

305

310

305

LCT – lepidolite, zonado, complexo 2 m (anatexia) turmalina

2 m (bi) – porfiróide 330

zonado, complexo zonado, complexo 2 m (anatexia)

LCT – berilo, ambligonite

Terras de Bouro – híbrido (Be) Ponte da Barca

zonado, bandado

280

NYF – hiperalcalino – K, Fe

Gerês - Terras do Bouro biot. (subalcalino)

305

2 m (bi) – porfiróide

híbrido

Terras do Bouro zonado

280

biot. (subalcalino)

280

280

280

NYF – simples zonado hiperalcalino - Na

biot. (subalcalino)

biot. (subalcalino)

280

280

280

biot. (subalcalino)

simples zonado

simples zonado

biot. (subalcalino)

biot. (subalcalino)

biot. (subalcalino)

350

ID. (MA)

simples zonado

NYF

Gerês

NYF

NYF

Gerês

simples zonado

simples zonado

simples zonado

2 m (anatexia)

GRANITO P.

Gerês -Terras do Bouro Gerês - Terras do Bouro

NYF

NYF

NYF

MOSCOVÍTiCO simples

Valença

Valença

Valença

endo-G

Alto dos Teares 2

Valença

CAMPO

exo-G

POSIÇÃO

Alto dos Teares 1

LOCAL (paradigmático)

Be >Ta=Nb>Cs

Be, Nb, Ta, Zr (Be > Nb>Ta)

U, Th, Nb, Ti, T.R., Y, Sc (T.R. > Nb)

U, Th, Nb, Y, Be Ti, T.R.

U, Th, Nb, Y, Be Ti

quartzo róseo nuclear

U. perinucleares a) fosfática – Li, Ti, Li quartzo róseo nuMn, Fe, Mg clear, fosfatos (inc. b) F-apatite/pirite Ti, (Nb), T.R. ximengite), sulfossais gráfica e sulfuretos e berilo c) blenda/ quartzo Ti, Pb, Bi, Ag gráfica

“mingling” com expansão apical e “balloning”

“mingling” com expansão apical e “balloning”

Fe, Cu, Zn, Bi, Ag

andaluzite, apatite, ilmenite, Nb-rutilo, esfena, cassiterite

“mingling” com expansão apical e “balloning”

brecha Li >Ta>Cs hidrotermal Núcleo de quartzo com cavidades Mn, Fe miarolíticas U. precoce com andaluzite Sn, Al (Nb,Ta) U. tardia com cassiterite

U. Tardia micácea

U. Tardia micácea

ZM bandada

Zi andaluzítica

Zi peristerítica

Fosfatos de Fe, Mn

apatite, clinocloro, epídoto andaluzite, pirite, pirrotite, ilmenite, apatite, turmalina monazite, xenotima, escorlite, sulfuretos, euclase, F-apatite, berilo, fluorite berilo, zircão e columbite – quartzo róseo nuclear mica, berilo, zircão, columbite, ambligonite elbaite, lepidolite, microlite

quartzo fumado

Be, (Sn)

U, Th, Nb, Y, Be, (Sn)

cavidades miarolíticas nucleares cavidades miarolíticas nucleares

topázio, fluorite

U, Th, Nb, Y, Be

Zi amazonítica

fluorite, aragonite, zeólitos

U, Th, Nb, Y, B

U, Th, Nb, Y, Be

U, Th, Nb, Y, Be

Fe, Mn

ASSOCIAÇÃO METALÍFERA

Zi amazonítica

Zi amazonítica

Zi amazonítica

UNIDADES TIPOMÓRFICAS

“clorite”

turmalina. berilo

turmalina, fluorite

granada, silimanite

PARAGÉNESE TIPOMÓRFICA

“balloning” em cúpula

junção de cisalhamentos

junção de cisalhamentos

chaminé aracniforme

descompressão apical

“mingling” com expansão apical e “balloning”

relaxação/delaminação

relaxação/delaminação

”bubbling”

“degasing”

“degasing”/”bubbling”

delaminação

delaminação

migmatitização

ESTRUTURA DE ACOLHIMENTO

Tabela 1 – Tipos pegmatíticos variscos – anatomia e classificação para o N de Portugal. Table 1 – Variscan pegmatite types - anatomy and classification for Northern Portugal.

6 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética


endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

exo-G/endo-G com “stock-sheider”

endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

transição

Arreigada D1

Arreigada D5

Arreigada D6

Castelinho

Castilho

Seixigal

Senhora de Assunção

Fraga

Cumo

Vila Longa

Real

Queiriga

POSIÇÃO

Vergaço

LOCAL (paradigmático)

305 305 305

2 m (bi) – porfiróide 2 m (bi) – porfiróide 2 m (bi) – porfiróide

híbrido

LCT

Sátão – Aguiar da Beira

híbrido

híbrido =>NYF

relaxação de cúpula

transição G – peg. “sill” enraizado – sector proximal

ap-peg bandado, “mingling” 2 m + 2 zonado, metasso310 m (bi) – porfiróide mático, complexo

2 m (bi) – porfiróide

cisalhamento e “mingling”

relaxação

leucogranito “bubbling”

“mingling” de cúpula com expansão apical e “balloning, colapso de cúpula e fracturação hidráulica

colapso de cúpula, “stock-sheider”

colapso de cúpula

colapso de cúpula

“mingling” de cúpula com expansão apical e “balloning” “mingling” de cúpula com expansão apical e “balloning”

“mingling” de cúpula com expansão apical e “balloning”

junção de cisalhamentos

ESTRUTURA DE ACOLHIMENTO

305

zonado, complexo

híbrido (c/ berilo) zonado, complex

2 m (bi) – porfiróide em 305 corredor de “mingling” e “bubbling” 2 m (bi) zonado, complexo 305 – porfiróide 2 m (bi) zonado, complexo 305 – porfiróide

305

290

305

305

300

ID. (MA)

2 m (bi) – porfiróide

bandado, zonado, biot. (subalcalino) com brecha – “mingling” hidráulica

complexo

zonado, complexo

zonado, complexo

zonado, complexo

2 m (bi – porfiróide

2 m (bi) – porfiróide

GRANITO P.

2 m (bi) bandado, zonado, – porfiróide híbrido (c/ berilo) complexo, miaro- em corredor de lítico, brechóide “mingling” e “bubbling”

NYF

híbrido

híbrido

híbrido

híbrido

Sátão – Aguiar da Beira

Sátão – Aguiar da Beira Sátão – Aguiar da Beira

Sátão – Aguiar da Beira

Sátão – Aguiar da Beira

Seixigal

Paços de Ferreira, Penafiel, Marco de Canavezes Paços de Ferreira, Penafiel, Marco de Canavezes Paços de Ferreira, Penafiel, Marco de Canavezes Paços de Ferreira, Penafiel, Marco de Canavezes

zonado, complexo

Paços de Ferreira, Penafiel, Marco híbrido de Canavezes

ATRIBUTO

zonado, complexo

TIPO

híbrido

Terras de Bouro

CAMPO

ASSOCIAÇÃO METALÍFERA

Al, Ti, Fe, Nb, Be

gigaberilos e fosfatos nas transições de zonas, núcelo miarolítico, brecha hidráulica, e de colapso, ZM bandada <=> “line-rock”

berilo, columbitetantalite, pirocloros, ixiolites, zircão, monazite, bertrandite, fenacite, molibdenite, fosfatos de Ca, (Li, Al), (Li, Mn, Fe) e (Mn, Fe, Mg), fluorite, oligonite

Nb,Ta>Be>Li>W>> Mo>Cu,U>Zn c/segregações schliereníticas de Bi por digestão de “roof-pendents”

Be, Sn, Nb, Ta

F-apatite, bertrandite, mica, cassiterite, OH-herderite fosfatos, sulfuretos, carbonatos, Nb-tantalatos, tungstatos, aluminossilicatos de Li, aluminossilicatos de Be

clorites + mica (Fe)

Li, Be, Ta, Nb, W, U. substituição e Sn, Bi, Cu, Pb, de digestão interna Zn, Fe (similares a endosLi>Sn>W>Ta>Nb> karns) Be

Núcleo miarolítico Sn, U, Be

Fosfatos Ca, Fe, Fe Mn Núcleo de quartzo hialino tendencialmente

sulfuretos, turmalina, bolhas miarolíticas Fe, Ca fosfatos

brecha hidráulica, “stock-sheider”

Núcleo de quartzo miarolítico, As, Fe, Bi hialino a fumado U. substituição micácea cavernosa Fe, Be, Nb com fosfatos

Núcleo de quartzo Nb miarolítico

Zi andaluzítica

Núcleo de quartzo miarolítico, hiaFe, Bi, Pb lino a fumado e ametista

W, As, Bi, Nb, U. substituição, Ti, Ta brecha hidrotermal W>>Ti>Bi>Nb

UNIDADES TIPOMÓRFICAS

apatite, escorlite, cassiterite, tantaites, fenacite, bertrandite

F-apatite, berilo

arsenopirite, lolingite

topázio

schceelite, voframite wodginite, rútilo, sulfuretos e sulfossais e Bi nativo quartzo nuclear com sulfossais de Bi e Pb, escorlite nas transições de zonas andaluzite, ilmenite, esfena, monazite, Nb-rútilo

PARAGÉNESE TIPOMÓRFICA

Tabela 1 – Tipos pegmatíticos variscos – anatomia e classificação para o N de Portugal (cont.). Table 1 – Variscan pegmatite types - anatomy and classification for Northern Portugal (cont.).

ASSOCiAçãO PORTUGUESA DE GEóLOGOS

Carlos Augusto Alves Leal Gomes 7


exo-G

exo-G

exo-G

exo-G

exo-G

exo-G

exo-G

transição

exo-G

endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

endo-G

Balouca N

Balouca S

Formigoso

Verdes

Cabração

Picoto do Carvalho

Lourinhal

Covelinhas

Afife 1

Afife 2

Vela

Portomé

Melo

POSIÇÃO

Santa Cristina

LOCAL (paradigmático) ATRIBUTO

325

bandado zonado, complexo

Guarda

Guarda

LCT- berilo, ambligonite

LCT-lepidolite, elbaite

2 m (bi) porfiróide 310 / 2m

LCT- berilo, ambligonite

Guarda

2m

LCT-espodumena bandado

Litoral N 310

310

zonado

2 m (bi) porfiróide 310 / 2m

bandado a 2 m (bi) porfiróide 305 zonado, complexo / 2m

2m

310

LCT-espodumena bandado

2m

Litoral N

bandado

LCT-lepidolite

Régua

2m

320

310

315

315

bandado a zonado, 2m milonítico

bandado a zonado 2 m

bandado a zonado 2 m

bandado a zonado 2 m

290

310

335

ID. (MA)

hibrido (NYF)

LCT – petalite/ espodumena

LCT - petalite

2m

2m

2 m (anatexi autóctone)

GRANITO P.

Serra de Arga

Serra de Arga

Serra de Arga

Serra de Arga

Serra de Arga

LCT – lepidolite, zonado complexo elbaite

Serra de Arga

bandado

LCT – turmalina

zonado com salNYF banda micácea - hiperaluminoso deformado

TIPO

Serra de Arga

Serra de Arga

CAMPO tapiolite, Ta-rútilo, ixiolite, crisoberilo, anatase, lazulite – scorzalite

PARAGÉNESE TIPOMÓRFICA U. substituição micáceas e de fosfatização

UNIDADES TIPOMÓRFICAS Ta>Nb>Be>Al

ASSOCIAÇÃO METALÍFERA

“sill” proximal

“sill” distal

“sill” proximal

“sill”

“sill”

“sill”

corpo helicoidal em delaminação apical

Zona de cisalhamento D2-D3

“sill” distal

berilo, bertrandite

topázio, ambligonitemontebrasite lepidolite, topázio, elbaite-lidicoatite, albligonite-montebrasite, microlite, tantalite, simpsonite

espodumena

espodumena, turmalina

lepidolite, tantalite, ambligonite

fosfatos, berilo, escorlite

espodumena, ambligonite, tantalite, casiterite e micas (in V-moscovite)

elbaite (Fe), olenite nodular

Li, Ta, Nb, Be Li>Ta>Nb

Be, Fe, Al

Li>Ta>Nb>Sn> Be>Al

Li, Sn, Ta, Nb, W

U. substituição e cavidades miarolíticas nucleares com preenchimento cookeítico cavidades miarolíticas em feldspato com zinwladite

Zi albítica

estrutura “comb” cataclástica

Be, Ca, Fe, Li

Li, Ta, Nb, Cs, Be, Ca, Sn Li>Ta>Nb>Cs

Be, Nb, Ta, Li

Li, As

estruturas de fluxo Li, As

células ocelares e bandas com espodumena, cataclasito, filonito, milonito Unidades bandadas “comb” bandas de composição variável ritmicamente

aplito nodular, Li, Sn, As, Ta, Nb, corôas sobre Ba, Sr, Be, T.R. gigafeldspatos Ta>Nb>Be>Al (texturas em septo) Li, Ta, Nb, Sn, Cs, filão “cruzador” em ci- lidicoatite, lepidolite, U. substituição Fe, Be salhamento tardio tantalite micácea múltipla Ta>Nb>Be>Al junção de petalite, FK, cavalgamentos cassiterite, tantalite, bandas “com” Li, Sn, Nb, Ta, As D2=>D3, “sill” lolingite petalite=>espoducélulas ocelares e D2=>D3, “sill” mena ambligonitebandas com espo- Li, Sn, Ta, Nb montebrasite dumena

cisalhamentos comjungados

ESTRUTURA DE ACOLHIMENTO

Tabela 1 – Tipos pegmatíticos variscos – anatomia e classificação para o N de Portugal (cont.). Table 1 – Variscan pegmatite types - anatomy and classification for Northern Portugal (cont.).

8 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética


ASSOCiAçãO PORTUGUESA DE GEóLOGOS

nação das classes e famílias pegmatíticas, organizadas segundo a dicotomia de assinaturas e linhagens geoquímicas Li, Cs e Ta ou Nb, Y e F (LCT/NYF), os seguintes elementos descritivos: • campo – divisão regional de 4ª ordem segundo Cerny (1982), na qual se inclui a unidade elementar pegmatito; • atributo – atende à estrutura interna (homogénea em contraponto de heterogénea, zonada ou bandada e, eventualmente, complexa, quando existem unidades de substituição; • granito parental (P) – atende à discriminação macroscópica de fácies, que também é convencionalmente utilizada em cartografia sistemática e ilustra a situação orogénica e as correspondentes fontes magmáticas; • idade (iD) – é apresentada uma idade de referência, equivalente à inclusão num grupo de idades para os granitos usando as sínteses funcionais de Pinto (1985) e Ferreira et al. (1987); • estrutura de acolhimento – reflecte a geometria e a cinemática das estruturações orogénicas de acolhimento, mais ou menos permissivas e as condições de mistura e ascenção de magmas graníticos (Leal Gomes & Lopes Nunes, 2003); • paragéneses e unidades tipomórficas – são estes os termos que permitem refinar a tipologia indiciando filiações e a produtividade metalogénica; • associação metalífera – é nesta rúbrica descritiva que se distinguem os pegmatitos que apresentam manisfesta apetência tantalífera. As especializações LCT e NYF dos pegmatitos Variscos Portugueses (expressas em elementos e minerais) podem ser consideradas como assinaturas do controlo tectónico da sua implantação e da filiação (Leal Gomes, 2005): • a assinatura NYF, é típica de pegmatóides hiperaluminosos possivelmente gerados por segregação metamórfica ou anatexia directa; posteriormente, ocorre em pegmatitos amazoníticos relacionados com granitos epizonais, pós - tectónicos de tipo i e subalcalinos; • a assinatura NYF tem maior amplitude de expressão espacial e a respectiva implantação está relacionada com a evolução das 2ª e 3ª fases Variscas de deformação (D2 e D3) e com granitos sincolisionais, de tipo S, de duas micas, metaluminosos a peraluminosos.

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as assinaturas intermédias a tardias relativamente a D3 são de tipo híbrido LCT – NYF, em coerência com os fenómenos de mistura magmática que caracterizam os magmas percursores dos granitos essencialmente biotíticos e frequentemente porfiróides em que se alojam estes pegmatitos. Características e Condições de Mineralização Tantalífera dm Pegmatitos Cotelo Neiva (1954) descreve as mineralizações de Sn, Nb e Ta nos pegmatitos das minas de Cabração, no flanco oriental da Serra de Arga, e constata a existência de “ore-shoots” que materializam a distribuição espacial heterogénea da cassiterite e columbite tantalite no seio das massas pegmatíticas que são aproximadamente homogéneas. Esta constatação é uma primeira indicação do carácter errático e mesmo imprevisível de algumas das distribuições das mineralizações de Ta que por vezes têm que ser enfrentadas na prospecção e mineração, especialmente quando os minérios são finamente granulares e disseminados em massas pegmatíticas ou apograníticas de estrutura homogénea. Tal como no caso da Cabração, onde um fenómeno de albitização muito discreto e pervasivo parece estar na origem da definição dos “gem-shots” tantalíferos, a compreensão detalhada da paragénese que comporta as mineralizações é essencial para orientar a procura das concentrações mais altas e dos compartimentos de depósito de aproveitamento viável.

Mineralizações percursoras – pegmatóides Entre as mineralizações de Ta mais precoces que se conhecem no N de Portugal, incluem-se alguns óxidos com altos conteúdos de Ta que ocorrem no interior de veios aplito-pegmatíticos precoces da região da Serra de Arga no Minho (Fig.1) (Leal Gomes et al., 2009). Estes têm carácter hiperaluminoso a ultra-aluminoso (apresentam altas percentagens de corindo modal e virtual, calculado normativamente a partir de análises químicas de rocha total) e a sua génese relaciona-se com situações de fusão parcial localizada em níveis Silúricos, vulcanogénicos a exalativos, enriquecidos em constituintes depressores de “liquidus” magmático. São por isso referidos como pegmatóides. Segundo Dias (2012) estes veios dependem de segregação metamórfica localizada e a presença sistemática de turmalinitos de remobilização, também precoces, na sua vizinhança imediata, sugere que o boro é o principal agente


10 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

fundente, fluxante e fluidificante, capaz de promover a mobilização de tais leucossomas muito aluminosos, espacialmente alojados em protoformações de carácter sedimentar - exalativo. Nos casos de deformação sobreposta mais extrema os veios de composição hiperaluminosa são tão estreitos e as suas litologias encontram-se tão deformadas e transformadas (cataclásticas a miloníticas) que aparentam o aspecto de meros leitos de micaxisto moscovítico. A análise paragenética e a minero-química dos óxidos de Nb-Ta revelam sequências de fraccionação onde os termos principais são, rútilo, anatase, ilmenite, Nb, Ta-rútilos, Ti-ixiolite, Fe-columbite e tapiolite. A evolução paragenética segue uma tendência com baixo conteúdo de Mn que não é típica dos pegmatitos mais comuns, mas aqui pode ser justificada pela existência de ciclos de “annealling-recovery” relacionados com o metamorfismo e a deformação da 2ª e 3ª fases Variscas (D2-D3) quando elas afectam fases primárias ricas em Ti e os níveis estratigráficos que as incluem (Leal Gomes et al., 2009).

A evolução, a alto Ta, dos óxidos que daí derivam dirige-se ao pólo tapiolite do quadrilátero dos Nb-tantalatos, sendo incrementada pela segmentação e deformação intracristalina dos cristais e clastos de minerais precoces com Ti, e é condicionada pelo comportamento geoquimicamente diferenciado do Ta relativamente ao Nb, especialmente, porque este último é mais estático e compatível. Virtualmente todos os veios deste tipo mostram a mesma associação de minerais acessórios característica, com: andaluzite, lazulite-scorzalite, por vezes berilo e crisoberilo e óxidos com Fe, Ti, Ta, Nb (raramente Sn), em cristais singulares a compósitos. Estes mostram as suas texturas mais complexas nas fácies mais metamorfizadas, metassomatizadas e mais deformadas (Figs. 2 e 3). Neste caso, hipoteticamente, a diversidade dos óxidos de Nb-Ta é atribuída a reorganizações estruturais e ao ordenamento cristalino em “subsolvus – subsolidus” e não se relaciona com a cristalização e fraccionação magmática a hidrotermal (Leal Gomes et al., 2009). A análise cinemática regional (Leal Gomes, 1994) sugere que os veios hospedeiros destes óxidos

Figura 2 – Mineralizações tantalíferas precoces em pegmatóides ultra-aluminosos empobrecidos em feldspatos e portadores de andaluzite e corindo – a textura cataclástica a milonítica é perceptível. Figure 2 – Early tantalum mineralizations in ultra-aluminous, feldspar-poor pegmatoids with andaluzite and corundum – cataclastic to mylonitic structure is perceptible.


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Figura 3 – Mineralizações tantalíferas precoces de pegmatóides hiperaluminosos com crisoberilo, corindo e lazulite-scorzalite. Figure 3 – Early tantalum mineralizations in hiperaluminous pegmatoids with chrysoberyl corundum and lazulite-scorzalite.

representam uma primeira implantação de pegmatóides Variscos de diferenciação precoce e dependentes de fusão parcial. O correspondente neossoma ultra-alumionoso, é colhido em ambientes dilatacionais gerados ao longo de estruturas da fase Varisca D2 e nas suas subsequentes reactivações por cisalhamento. A presença de xenotima e

de Fe-columbite e a ausência de minerais ou con teúdos significativos de Li e Cs sugerem a inclusão destes veios na classe pegmatítica NYF, de elementos raros. À sua génese primitiva e dife renciação paragenética, Dias (2012) atribuiu uma sequência sistemática, escalonada em quatro estádios principais:


12 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

1º - segregação mais ou menos difusa em protólito favorável; 2º - colheita de leucossoma em estruturas de D2 e cristalização controlada por incipiente fraccionação interna; 3º - mobilização espacial dos leucossomas para domínios espaciais quase migmatíticos; 4º - eventual coalescência em corpos maiores tendentes para uma feição granular do tipo granito de duas micas ou pegmatito cogenético. Conceptualmente, a mineralização e fraccionação dos Nb-tantalatos observada pode explicar-se pelo facto da estrutura do rútilo ser frequentemente considerada como a principal portadora primordial de Ta e Nb, embora em situações de baixa profundidade crustal seja previsível uma tendência para a libertação da carga tantalífera (Barth et al., 2000). Também a geoquímica das sequências aplitopegmatíticas sugere um carácter muito mais compatível do Nb, relativamente ao Ta – na partilha entre magmas e fluidos o Ta favorece a fase fluida (Leal Gomes, 1994). Nos pegmatóides hiperaluminosos que foram estudados, as fases com a estrutura de tri-rútilo, tais como tapiolite tetragonal e as estruturas a-PbO2, tais como a columbite ortorrômbica, podem coexistir e exibir uma consanguinidade paragenética entre rútilo simples (estádios paragenéticos primitivos) e fases ricas em Nb e Ta geradas por reequilíbrios cristaloquímicos tardios. Tal como seria de prever, a libertação de Ta a partir de “locci” Ti para formar tapiolite precede a libertação de Nb (mais estático e compatível). Portanto a mobilização Ta/Nb, relacionada com transições metamórficas a metassomáticas é atribuída a ajustes cristalinos, a altos conteúdos de Ta em “subsolvus” a "subsolidus” e decorre de uma sucessão de ciclos de “annealing-recovery”, diferindo por isso das tendências de cristalização primária magmático-hidrotermais. No quadrilátero columbite-tantalite/tapiolite, a variação de Ta/Nb mostra uma maior magnitude do que Mn/Fe e uma tendência de deriva localizada a baixos valores de Mn. As tendências de evolução paragenética que atravessam o hiato geométrico do diagrama, entre columbite-tantalite e tapiolite, estão representadas por fases desordenadas com Ti (Fe-columbite desordenada, Ti-ixiolite e Ta, Nbrútilo) que se projectam no interior dessa lacuna correspondente à inversão estrutural. Do ponto de vista cristalográfico, as condições de transição de tapiolite – (columbite-tantalite), são

ainda mal conhecidas, especialmente no que respeita aos ambientes subcrustais. Não obstante, ela foi verificada experimentalmente em condições de alta pressão. Por outro lado, o trabalho percursor de Turnock (1966), sugere um incremento da estabilidade da tapiolite, a alta temperatura. Aparentemente, aquela transição pode ser considerada parte de uma sequência mais abrangente, face ao incremento de pressão e decréscimo de temperatura – rútilo (tetragonal) => a-PbO2 (ortorrômbico) => badeleite (monoclínico). Tal sequência também respeita a geometria do hiato columbite – tapiolite no referido quadrilátero (columbite-tantalite) / tapiolite. Na evolução dos pegmatóides Variscos precoces, a análise paragenética e a mineroquímica, parecem registar a seguinte sucessão de estruturas cristalinas metaestáveis, dependendo da variação multifásica de pressão e temperatura: rútilo => outros óxidos de Ti (Nb,Ta-rútilo – o Ta-rútilo predomina dada a libertação prefencial de Ta) => tri-rútilo como tapiolite => a-PbO2 como columbite-tantalite. O contexto orogénico Varisco, do ponto de vista metamórfico e deformacional, promove o “annealling” e a libertação preferencial do Ta a partir dos percursores titaníferos (possivelmente, ilmenite, rútilo ou anatase) no decurso da recuperação cristalina subsequente. A sucessão paragenética que expressa a remobilização do Ta acompanha de forma bastante nítida a deformação progressiva (Leal Gomes et al., 2009). A exsudação de moléculas de alto conteúdo tantalífero materializa rastos deltóides, franjas sigmoidais e microbandas aciculares estilolíticas, formuladas por rotação, cisalhamento simples dúctil - frágil e estiramento. Uma vez estabilizadas, todas estas fases com Nb-Ta permanecem em equilíbrio, mesmo em condições de aumento do calor irradiante a partir de focos térmicos relacionados com a implantação de granitos e a sua consolidação e evolução.

Mineralizações tardias – aplito-pegmatíticas típicas Os óxidos de Ta mais tipicamente magmáticos podem ocorrer disseminados em fácies bandadas aplítico-albíticas. A solubilidade da tantalite em magmas graníticos depende da temperatura, da relação entre alcalis e alumínio no líquido (Linnen & Cuney, 2005) e da abundância de constituintes fluxantes/fludificantes (Bartels et al., 2010). A nível mundial, e na maior parte dos depósitos explorados, os teores de Ta variam entre algumas centenas e poucos milhares de ppm. Para atingir


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estas concentrações, a partir de dados experimentais sobre a solubilidade da molécula Mn-tantalítica, percebe-se que este Nb-tantalato ou cristaliza a baixa temperatura (< 500ºC) ou então as concentrações de Ta em misturas magmáticas muito evoluídas terão que se situar acima das dezenas de ppm. A prevalência de baixas temperaturas no decurso da cristalização é plausível devido às elevadas concentrações de componentes fluidificantes com capacidade depressora do liquidus magmático sendo possivel que a diminuição destes constituintes (F, B, Li, e Na, essencialmente) possa desencadear a cristalização dos óxidos de Ta, Nb e Sn. Em Leal Gomes (1994) é dada esta explicação para o carácter satélite dos intercrescimentos de tantalite e cassiterite em relação a nódulos de turmalina olenite no pegmatito da Balouca Norte na Serra de Arga (Figs. 4 e 5A). No mesmo trabalho, a análise paragenética das associações mineralógicas com Nb-tantalatos sugere que a solubilidade da molécula columbítica terá que ser menor que a da Mn-tantalite, o que é coerente com o comportamento mais compatível do Nb quando comparado com o Sn e o Ta. Consequentemente, pode explicar-se assim o decréscimo generalizado do quociente Nb/Ta, que se observa a várias escalas e níveis de organização, desde a zonalidade composicional em cristais individuais até à zonalidade paragenética e geoquímica em campos pegmatíticos. Esta variação pode, portanto, ser atribuída à cristalização fraccionada de minerais com Nb e Ta e, eventualmente, pode ser generalizada a muitos dos aplito-pegmatitos da Serra de Arga, como indicadora das tendências evolutivas primárias. Uma outra feição da mineralização tantalífera está relacionada com as unidades tardias de substituição, em especial, as fácies enriquecidas em albite e micas. A substituição ou alteração deutérica composta é possivelmente responsável pela materialização dos “ore-shoots” descritos por Cotelo Neiva (1954) na mina da Cabração. Van Lichtervelde et al. (2007) propuseram que o metassomatismo, que é significativo neste caso, implica compósitos magmáticos enriquecidos em elementos fluxantes e fluidificantes em lugar de fluidos hidrotermais típicos. Sustentam esta suposição nos seguintes pressupostos: • o Ta possui alta solubilidade nas misturas magmáticas mais fluidas que, por sua vez, são capazes de transportar conteúdos elevados deste elemento (Bartels et al., 2010);

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• o Ta é pouco solúvel em fluidos aquosos típicos. Em análise paragenética, várias texturas são compatíveis com estes pressupostos: a) frequentemente, os Nb-tantalatos distribuem-se por frentes de mineralização que acompanham o termo do avanço metassomático, especialmente quando este envolve neoformação de albite ou micas mais potássicas e/ou litínicas (Fig. 5 B e C). Texturas como estas denotam que a deposição dos Nb-tantalatos acontece quando cessa a aptidão reaccional matassomática. As misturas magmáticas enriquecidas em elementos fluidificantes são capazes de transportar altos conteúdos de Ta e, sendo caracterizadas por baixas viscosidades, têm também uma grande mobilidade, podendo levar os Nb-tantalatos a uma disseminação pervasiva no seio de um protólito inicialmente feldspático e quase estéril, partindo de zonas de enriquecimento, inicialmente também, circunscritas a frentes metassomáticas mais definidas; b) sistematicamente, como documenta Leal Gomes (1994), quando os pares paragenéticos cassiterite + columbite-tantalite, são afectados por greisenização, verifica-se a evidência petrográfica da corrosão da cassiterite, mantendo-se em equilíbrio a columbite-tantalite coexistente e isto acontece sistematicamente para qualquer expressão textural dos diferentes estádios de progresso da greisenização (greisenização selectiva para a cassiterite) (Fig. 6). Esta constatação de Leal Gomes (1994) é compatível com um comportamento diferenciado do Ta e do Nb relativamente ao Sn no que concerne à solubilidade em fluidos aquosos típicos – muito mais elevada no caso do Sn. Não obstante o que ficou exposto os fluidos hidrotermais típicos podem mesmo assim influenciar a mineralização tardia de Nb-Ta adicionando aos diferenciados compósitos pegmatíticos alguns catiões divalentes, especialmente, o Mn e o Ca que incorporam fases parageneticamente tardias tais como a Mn-tantalite e as microlites. Depósitos Minerais Tantalíferos e suas Paragéneses De um conjunto vasto de ocorrências de minerais portadores de Ta foi feita a selecção daqueles que de forma mais consistente pudessem proporcionar um


14 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

Figura 4 – Anatomia do pegmatito da Balouca Norte, descrito em Leal Gomes (1994) e em Pereira & Leal Gomes (2014). Figure 4 – Anatomy of North Balouca Pegmatite (Leal Gomes, 1994; Pereira & Leal Gomes, 2014).


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Figura 5 – Distribuição de óxidos de Sn, Nb e Ta condicionada pela acção de componentes complexantes dos metais em meio aquoso e /ou magmático (macro-imagens). A – aspectos da dependência de deposição primária entre turmalina olenítica e conjuntos, cassiterite / tantalite expressos na ocorrência Balouca – Serra de Arga. B – frente de Mn-tantalite estabelecida no decurso do avanço de uma frente metassomática albítica (região da Vela – Guarda); C – frente de tantalite estabelecida no decurso do avanço de uma frente de polilitionite (mica ii) que substitui feldspatos primários (região da Vela - Guarda). Figure 5 – Distribution of Sn, Nb and Ta oxides conditioned by the activity and mineral expression of metal complexing agents in magma plus fluid flux composites. A – textural features representing interdependent primary deposition of olenite plus tantalite / twined cassiterite assemblages – Balouca aplite-pegmatite, Serra de Arga. B – Mn-tantalite front established during progressive albitization (Vela pegmatite swarm - Guarda); C – tantalite front associated with the progressive secondary polithionite replacement of earlier feldspars (Vela pegmatite swarm - Guarda).

produto mineiro tantalífero sob a forma de concentrado de Nb-tantalatos. A algumas dessas jazidas foi feita alusão anteriormente a propósito das condições de mineralização de Ta em pegmatitos. A apetência tantalífera é definida quando as jazidas podem proporcionar concentrados de Ta como produtos principais ou quando esses concentrados podem ser obtidos como subprodutos da lavra dirigida a outras substâncias. No caso dos pegmatitos graníticos esta aproximação significou reduzir o universo de pegmatitos discriminados na tabela 1 àqueles que constam da tabala 2. Além dos pegmatitos, são também considerados como depósitos relevantes, e conhecidos no que respeita à produção ou potencial produção de Ta, os placeres e apogranitos / “stocksheiders” que já

estavam localizados na figura 1 (tabs. 3 e 4, respectivamente). Os conteúdos de Ta, em amostras de rocha total e em concentrados de bateia de sedimentos e concentrados densos de produtos de cominuição de leucogranitos e pegmatitos friáveis, foram obtidos por iCP-MS e FRX. As composições dos minerais de Ta e alguns dados de litogeoquímica estão publicadas em Cotelo Neiva (1944), Leal Gomes (1991), Leal Gomes (1994), Bravo Silva et al. (2006), Leal Gomes et al. (2009), Dias (2012) e Ferreira et al. (2014).

Montesinho, apogranito – mineralização Sn, Be, Ta, Nb Pereira et al. (1984) descreveram a jazida de Montesinho como um conjunto venular dilatacional


16 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

Figura 6 – Greisenização selectiva da cassiterite com permanência em equilíbrio de texturas fantasma da tantalite que estava inclusa na cassiterite – imagens de microscópio óptico de luz transmitida em nicóis paralelos. Figure 6 – Selective cassiterite corrosion, during greisenization where tantalite included in previous cassiterite remains in equilibrium.

Tabela 2 – Mineralogia e conteúdos de Ta em grupos pegmatíticos potencialmente produtivos e unidades internas tantalíferas. Table 2 – Mineralogy and Ta contents into pematite groups potentially productive and Ta-rich inner units. Pegmatito

mineralogia e conteúdo médio de Ta2O5 em concentrados de minerais densos de unidades produtivas

teores calculados média - unidade produtiva (UP) ou corpo total (CT (em ppm)

Covide

ZONA iNTERMÉDiA FELDSPÁTiCA Fe-columbite, monazite, xenotima, ilmenite, rútilo, alanite, gadolinite Ta2O5= 18%

Ta(UP)=108

Dornas

UNiDADE MiCÁCEA DE SUBSTiTUiçãO Fe-columbite, zircão, bazzite, Ti,Sc-ixiolite - Ta2O5= 33%

Ta(UP)=891

Muro Alto 1

UNiDADE MiCÁCEA DE SUBSTiTUiçãO Fe-columbite, zircão, Ti,Sc-ixiolite, microlite - Ta2O5= 35%

Ta(UP)=776

Muro Alto 2

MATRiZ COM LEPiDOLiTE E ELBAiTE EM BRECHA HiDROTERMAL Ta(UP)=843; (Ta2O5=55) COM CLASTOS DE MiCROCLiNA Fe-columbite, Mn-tantalite, U,Pb-microlite, Na, F-microlite, elbaite, ambligonite - Ta2O5= 55%

Vergaço

UNiDADE MiCÁCEA DE SUBSTiTUiçãO W,Ti-wodginite, Nb, Ta - rútilo, rútilo, Fe-columbite, scheelite, volframite, ferberite, ilmenite, arsenopirite, Bi nativo, pirite - Ta2O5= 10%

Ta(UP)=140


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Tabela 2 – Mineralogia e conteúdos de Ta em grupos pegmatíticos potencialmente produtivos e unidades internas tantalíferas (cont.). Table 2 – Mineralogy and Ta contents into pematite groups potentially productive and Ta-rich inner units (cont.). Pegmatito

mineralogia e conteúdo médio de Ta2O5 em concentrados de minerais densos de unidades produtivas

teores calculados média - unidade produtiva (UP) ou corpo total (CT (em ppm)

Senhora de Assunção

FRENTE MiNERALóGiCA (camada limite): 1 - FOSFÁTiCA (Zi/NQZ) – Fe-columbite, Mn-Tantalite - Ta2O5=31% 2 - BER (Zi/NQZ) – ixiolites, pirocloro, zircão, uranofana - Ta2O5=35% 3 - Micácea (MO/AB) – Fe-columbite, tantalite-columbite - Ta2O5=26% BRECHA DE COLAPSO – Fe-tapiolite, Mn-columbite; badeleite; florencite, zircão; autunite; thorbernite - Ta2O5=61

Ta (UP1)=320 Ta (UP2)=456 Ta (UP3)=1020 Ta (UP4) =925

Queiriga

ZONA iNTERMÉDiA PRiMÁRiA COM PETALiTE – Fe-columbite, Mn-tantalite - Ta2O5=23% UNiDADE EMDOMETASSOMÁTiCA (similar a endoskarn) - fosfatos, sulfuretos, carbonatos, Nb-tantalatos, tungstatos - Ta2O5=12% UNiDADE MiCÁCEA DE SUBSTiTUiçãO – Fe-columbite, cassiterite e aluminossilicatos de Be - Ta2O5=22% UNiDADE ALBÍTiCA DE SUBSTiTUiçãO – Mn-tantalite, Na - microlite - Ta2O5=32% UNiDADE LEPiDOLÍTiCA DE SUBSTiTUiçãO – Mn-tantalite, Na,F - microlite - Ta2O5=33%

Ta (UP1)=125 Ta (UP2)=110

Santa Cristina

tapiolite, Ta-rútilo, ixiolites, crisoberilo, anatase, lazulite – scorzalite TaTa2O5=41%

Ta (CT)=320

Balouca N

Fe-columbite, Mn-tantalite, Ba-microlite, Ca-microlite, cassiterite, thortveitite, elbaite (Fe), olenite nodular, gorceixite, svambergite Ta2O5=26%

Ta (CT)=211

Balouca S

Mn-tantalite, Na,F-microlite, lidicoatite, elbaite, polucite, ambligonite montebrasite, lepidolite, polilitionite, cassiterite - Ta2O5=43%

Ta (CT)=1102

Picoto do Carvalho

Fe-columbite, Mn-tantalite, ixiolite, petalite-espodumena, ambligonitemontebrasite, cassiterite e micas (inc. V-moscovite) - Ta2O5=38%

Ta (CT)=450

Covelinhas

Mn-tantalite, microlites, lepidolite, ambligonite - Ta2O5=30%

Ta (CT)=553

Portomé

microlite, tantalite, simpsonite, lepidolite, topázio, elbaite - lidicoatite, amlbligonite - montebrasite - Ta2O5=61%

Ta (CT)=1024

Ta (UP3)=206 Ta (UP4)=647 Ta (UP5)=323

Tabela 3 – Características mineralógicas e conteúdos de Ta dos placeres tantalíferos. Table 3 – Mineralogy and Ta contents of Ta-rich placers. placere

tipo mineralogia e conteúdo médio de Ta predominante em concentrados de minerais densos de unidades produtivas

teores calculados média - unidade produtiva

Estuário do rio Coura

aluvião

cascalheira com 1-5 m de possança: Mn-tantalite, cassiterite, Ta = 39 ouro, granada, turmalina, andaluzite, corindo, diásporo, ilmenite - Ta2O5= 23%

Planalto e retenção endorreica da Cumieira, Junqueira e Ribeiro do Salgueiro

coluvião a aluvião

níveis indiferenciados de cascalho - heterogéneos a arenosos e Ta = 101 com remobilizações de regolito pegmatítico: Fe-columbite, Mn-Tantalite, monazite, xenotima, zircão, ilmenite, rútilo, anatase, alanite, ganite, scheelite, volframite, ouro, crisoberilo, nigerite, topázio, granada e turmalina - Ta2O5= 26%


18 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

Tabela 3 – Características mineralógicas e conteúdos de Ta dos placeres tantalíferos (cont.). Table 3 – Mineralogy and Ta contents of Ta-rich placers (cont.). placere

tipo mineralogia e conteúdo médio de Ta predominante em concentrados de minerais densos de unidades produtivas

teores calculados média - unidade produtiva

Plataformas elevadas do Lousado e do Chelo

eluvião

níveis de saibro, de cascalho e areno-argilosos: Fe-columbite, zircão, Ti,Sc-ixiolite, tapiolite, Nb,Ta-rútilo - Ta2O5= 31%

Ta =91

Veigas de Bertiandos e Correlhã

aluvião

niveis de Fe-columbite, ixiolites, tapiolite, rútilo, andaluzite, diásporo - Ta2O5= 24%

Ta =89

Várzeas do Alto eluvião Vouga

níveis descontínuos de seixos heterogranulares: Fe-columbite, zircão, tapiolite, volframite - Ta2O5= 15%

Ta =77

Várzeas da aluvião Ribeira da Gaia

cascalheira em paleocanal - zona não perturbada do jazigo: Mn-tantalite, microlites, cassiterite, topázio - Ta2O5= 34%

Ta =129

Tabela 4 – Características mineralógicas e conteúdos de Ta de fácies apograníticas. Table 4 – Mineralogy and Ta contents of some apogranites. apogranito

estruturas

mineralogia e conteúdo médio de Ta2O5 em concentrados de minerais densos de unidades produtivas

teores calculados média - unidade produtiva

Montesinho

“stocksheider” + enxame venular

DiSSEMiNAçãO EM FÁCiES GRANULAR FiNA: Fe-columbite, monazite, xenotima, ilmenite, rútilo - Ta2O5= 26%

Ta =108

Seixigal

horizonte filítico albítico com turmalina em “stocksheider”

UNiDADE iNTERBANDADA ESTREiTA COM CLORiTE, TURMALiNA E MiCA: Fe-columbite, Ti,Sc-ixiolite, alumotantite, natrotantite, molibdenite, fenacite, F-apatite, zircão, bazzite, cassiterite Ta2O5= 21%

Ta=181

associado a cisalhamento, com mineralizações de cassiterite e berilo em ganga quartzosa, geneticamente ou espacialmente relacionadas com um leucogranito e um aparelho de tipo “stock-sheider”. Embora não existam referências significativas a mineralizações de Ta nesta jazida, foi possível identi ficar columbites-tantalites e sobretudo Mn-tantalites, tanto associadas ao berilo e cassiterite dos veios e “stock-sheider”, como também em disseminação nas fácies leucograníticas. Apogranitos tantalíferos também foram referidos por Arribas (1979) na mina de Penouta em Espanha não muito longe de Montesinho (ver Fig. 1). Os minérios de Ta com composições mais reprodutíveis encontram-se em disseminação nas fácies mais finas e homogéneas, leucograníticas (Fig. 7). Em análise química de rocha total não foram encontrados teores superiores a 150 ppm, mas os concentrados finamente granulares obtidos de fácies

apograníticas estão enriquecidos em Mn-tantalite e são bastante homogéneos, proporcionando conteúdos de Ta2O5 claramente superiores a 30%. O interesse das ocorrências deste tipo reside no facto de poderem existir massas apograníticas de grande dimensão com mineralização de Ta disseminada.

Seixigal, “stock-sheider” – mineralização Be, Sn, Nb, Ta, Mo A jazida de Seixigal, Pereira de Selão, Vidago, foi explorada para minerais cerâmicos pegmatíticos até aos primeiros anos deste século. Corresponde-lhe um grande corpo com bandas de composição granítica residual e estrutura interna pegmatítica, bandada, organizada num complexo exo-granito/endo-granito com “stock-sheider” (Pereira et al., 1998). Aparentemente, as mineralizações mais persistentes nas bandas primárias compreendem


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Figura 7 – ilustração mesoescalar do modo de ocorrência de minerais de Ta e Nb em paragéneses do campo mineiro de Montesinho. Figure 7 – Images of the occurrence of Ta-Nb oxides in mineral assemblages from Montesinho ore-field.

cassiterite e molibdenite mas são também relevantes as mineralizações de Be sob a forma de fenacite e bertrandite nas unidades tardias miarolíticas e em brechas hidrotermais (Fig. 8). Em qualquer caso estes minerais devem ser encarados como acessórios raros. No que respeita a Nb-tantalatos dois tipos de Unidades que se repetem no empilhamento de bandas pegmatíticas mostram um conteúdo significativo embora distribuído de forma heterogénea: • unidade de substituição ferromagnesiana com tapiolite e magnocolumbite disseminadas e, com carácter raro, tantite e alumotantite; • unidade brechóide hidrotermal com tapiolite, columbite-tantlite e muito rara microlite.

Pegmatóides hiperaluminosos do tipo Santa Cristina – mineralizações de Ti, Ta, Nb, Be, Sn Nas figuras 2 e 3, atrás, é ilustrada a estrutura interna deste tipo de veios que podem ser considera-

dos como microdepósitos, apenas economicamente relevantes se organizados em feixes de veios lenticulares paralelos, em corredores de encaixante metassedimentar a metavulcânico que do ponto de vista metamórfico e deformacional sejam propícios à sua proliferação. Dois tipos de feições venulares proporcionam conteúdos significativos de Nb e Ta. São interessantes do ponto de vista metalogénico pois representam a primeira individualização em “subsolvus” a “subsolidus” de moléculas tantalíferas de alto conteúdo nos primeiros episódios de espessamento crustal em contexto colisional Varisco (Dias, 2012): • veios ultra-aluminosos sobremicáceos com corindo, diásporo, crisoberilo e andaluzite (quase sem feldspatos) – entre os Nb-tantalatos e óxidos associados, identificam-se ilmenite rica em Ta, Ta-rútilo e tapiolite; tal como se mostra na figura 9 e no diagrama 9D, composições situadas no domínio da ilmenite e do Ta-rútilo, tal


20 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

Figura 8 – Complexo exogranito/endogranito com stock-sheider do Seixigal com distribuição heterogénea de Nb-tantalatos concentrados em unidades tardias de pequena expressão – brechas hidrotermais e massas de substituição ferromagnesianas. Figure 8 – Outer granite/inner granite complex with stock – scheider at Seixigal with heterogeneous distribution of Nb-Ta mineral concentrates located at minor later units – hydrothermal breccias and Fe-Mg-rich replacement units.


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Figura 9 – Paragénese de tantalatos dos veios ultra-aluminosos sobremicáceos – imagens MEV-ER: A – intercrescimentos precoces entre ilmenite e Ta-rútilo (Ta-rut); B – intercrescimentos epitáxicos de tapiolite (tap) sobre Ta – rut; C – crescimento multifásico ou zonamento sectorial entre columbite-tantalite até Mn-tantalite (Mn-tan) com tapiolite associada – mineralizações tardias; D – diagrama ternário Ti4+, Ta5+, Fe2+ (catiões por fórmula) para análises pontuais em diferentes conjuntos cristalinos compósitos, cujas projecções se distinguem pelos símbolos diferentes. Figure 9 – Tantalum bearing mineral assemblages from ultra-aluminous mica-rich veinlets – SEM - BSE images: A – earlier intergrowths between ilmenite and Ta – rutile (Ta-rut); B – epitatic overgrowths of tapiolite (tap) over Ta-rut; C – multistage growth or sector zoning of columbite-tantalite to Mn-tantalite (Mn-tan) with associated tapiolite - latest mineralizations; D – ternary diagram Ti4+, Ta5+, Fe2+ (in atoms per formula unit) for EMPB analysis in different composite crystals, distinguished by the different plotted symbols.


22 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

como sugerem Leal Gomes et al. (2009) e Dias (2012), convergem para um domínio columbite - tantalite / tapiolite a cerca de 30% de Ti4+; os hiatos composicionais no mesmo diagrama correspondem a fase titanadas desordenadas, resultantes de inércia de acomodação dos constituintes químicos às transições de estrutura e à variação das taxas de crescimento cristalino – a ilmenite e o Ta-rútilo representam estruturas cristalinas originais das quais o Ta foi libertado; a evolução composicional referida mostra frequentes texturas típicas de deformação não coaxial com crescimentos helicoidais deltóides ou helicíticos em “snow-ball” registados em “fabrics” de secções basais dos cristais prismáticos, compostos de Ta-rútilo e tapiolite (Fig. 10); este facto chama a atenção para a importância da libertação precoce de moléculas tantalíferas a partir de fases precoces titanadas sujeitas a "anneallingre covery”, concomitantes da deformação cisalhante e do metamorfismo em corpos venulares que podem ser considerados como de segregação metamórfica (Dias, 2012); • veios hiperaluminosos sódicos com lazulitescorzalite – ao contrário dos veios anteriores estes manifestam uma estrutura interna zonada, com salbandas micáceas, zona intermédia plagioclásica e núcleo de quartzo e apresentam conteúdos elevados de plagioclase albítica rica em fósforo na zona intermédia (Dias, 2012); os minerais acessórios são diversificados sugerindo a feição metalogénica NYF pela presença de columbite, alguma xenotima e rara gadolinite; o flúor está expresso em micas e algum topázio muito raro; entre os acessórios mais ubíquos contam-se zircão, anatase, berilo, crisoberilo e alguns Nb-tantalatos com alto Ta, especialmente, tapiolite; o mineral tipomórfico destes veios, quase sempre cristalizado em posição tardia da paragénese, é a lazulite-scorzalite (ver Fig. 3); na figura 11 ilustram-se diversos intercrescimentos entre Nb-tantalatos com razões de conteúdo catiónico Mn/(Mn+Fe) muito baixas – no diagrama columbite-tantalite/tapiolite as derivas composicionais evoluem junto do eixo FeNb2O6 – FeTa2O6, o que é bastante característico destes veios hiperaluminosos; também é característica a homogenenidade composicional destes minerais a qual prevalece nas imagens de electrões retrodifundidos de muitas das suas secções (Fig. 11A, E e F).

Pegmatitos LCT com turmalina nodular da Balouca – mineralizações de Li, Sn, Nb, Ta, Be, T.R., Ba, Sr A estrutura interna dos aplito-pegmatitos da Balouca foi abordada antes, tendo sido ilustrada na figura 4. Tipicamente, trata-se de pegmatitos LCT turmalínicos com diferentes gerações de turmalina, berilo e óxidos de Sn, Nb e Ta e corresponde-lhes um dos tipos de pegmatitos da Serra de Arga mais enriquecidos em Nb-tantalatos, expressos em diferentes associações mineralógicas, por sua vez típicas de estádios paragenéticos muito diferenciados (Fig. 12), discriminados em seguida: 1 – Mn-columbites e Mn-tantalites ocorrem disseminadas em fácies aplíticas de muro em paragénese com a cassiterite, ou então formando, também com a cassiterite, conjuntos paragenéticos satélites dos nódulos de turmalina olenite, que predomina em dispersão na matriz aplito-albítica mural (ver Fig. 5A anterior); 2 – tantalites lamelares e Mn-tantalites encontram-se intercrescidas com mica e quartzo nas corôas pegmatíticas que rodeiam os gigafeldspatos baveno mais ou menos pertíticos (ver Fig. 4, texturas 1 e 2); estas tantalites, que não têm cassiterite nas proximidades, tendem a ser mais homogéneas que as restantes; 3 – tantalatos reaccionais e produtos de sobrecrescimento, denotando equilíbrios paragenéticos tardios, após Nb-tantalatos primários, situados em unidades de estruturação precoce.

Pegmatitos LCT do Muro Alto – mineralizações de Li, Be, Ta, Nb, Cs, Zr Na figura 13 encontra-se uma ilustração da estrutura interna deste grupo pegmatítico constituído por dois corpos de génese diferenciada mas provavelmente cogenéticos. O maior é refrido na figura 13 como corpo nº 1, sendo extraordinariamente enriquecido em ambligonite-montebrasite e em berilo em estruturas de tipo ceptro a coroníticas; o menor, referido na mesma figura como nº 2, é uma brecha hidrotermal consituída por lepidolite matricial, microclina clástica e elbaite na frente de equilíbrio entre clastos e matriz. A columbite-tantalite predomina no corpo 1 enquanto que a Mntantalite e microlite predominam no corpo 2. Na figura 14 ilustram-se texturas e modos de ocorrência dos Nb-tantalatos e bem assim alguns


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Figura 10 – imagens MEV-ER de secções basais de cristais de Nb-tantalatos provenientes de veios ultra-aluminosos sobremicáceos com matriz cataclástica a milonítica; A – secção assimérica sigmoidal comrasto periférico rico em Nb – evolução, columbite-tantalite => Fe-columbite; B – secção assimétrica sigmoidal com rasto periférico rico em Ta – evolução, Fe-columbite => tapiolite; C – texturas helicíticas de tapiolite no seio de Ta-rútilo; D – halos deltóides helicoidais de Fe-columbite em volta da tapiolite (Leal Gomes et al., 2009). Figure 10 – SEM - BSE images of basal sections from crystals of Nb-Ta minerals obtained from micaceous veins with cataclastic to mylonitic matrix: A – sygmoidal asymmetric section with Nb rich peripheric trails – columbite-tantalite to Fe-columbite evolution; B – sygmoidal asymmetric section with Ta rich peripheric trails - Fe-columbite to tapiolite evolution ; C – helycitic to textures of tapiolite inside Ta-rutile ; D – helycoidal deltoid halos of Fe-columbite around tapiolite (Leal Gomes et al., 2009).

aspectos da zonalidade típica dos cristais e da sua mineroquímica. É de realçar que os intercrescimentos em ceptro, ou corôas de mica em volta dos gigaberilos patentes na figura 14, secções A, B e C representam secções orientadas nos gigaberilos e suas corôas micáceas, assinaladas com as mesmas letras. O conjunto esquematizado ilustra o desenvolvimento centrípeto dos Nb-tantalatos, a cuja zonalidade interna, correspondem as tendência evolutivas presentes no diagrama columbite-tantalite/tapiolite. Na figura 14D a imagem de MEV-ER revela um

padrão textural em farrapos onde está presente microlite que é tardia e mais típica de paragéneses como a do corpo 2.

Pegmatito híbrido das Dornas, Amares – mineralizações de Be, Nb, Ta, Zr A paragénese e estrutura interna do pegmatito das Dornas, ilustradas na figura 15, no seu aspecto anatómico assemelham-se bastante às do Corpo 1


24 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

Figura 11 – imagens MEV-ER de Nb-tantalatos típicos dos veios de Santa Cristina – hiperaluminosos sódicos com lazulite-scorzalite; A – tapiolite encurvada por deformação coaxial; B – tantalite-columbite intercrescida com albite rica em P, apresentando crescimento em pente; C – tantalite-columbite intercrescida com mica em salbanda na transição para zona intermédia feldspática (lamelas com ruptura mediana própria de deformação coaxial posterior ao zonamento); zonamento em retalhos motivado por reacção tardia no decurso da deformação das lamelas de columbite com incremento da molécula tantalífera; E e F – secções ortogonais entre si de Ta-rútilo a tapiolite com numerosas inclusões de silimanite. Figure 11 – SEM-BSE images of Nb-Ta minerals from the Santa Cristina Na,Al – rich veins with lazulite-scorzalite; A – bent tapiolite resulting from coaxial deformation; B – tantalite-columbite intergrown with P-rich albite in comb-structure; C – tantalite-columbite intergrown with mica in savage at the transition to feldspar intermediate zone (sheets with median rupture are typical of coaxial deformation post-dating inner pegmatite zoning); D – patch zoning resulting from late reaction accompanied by progressive deformation of columbite tablets with growing Ta content; E e F – Ta-rutile and tapiolite orthogonal sections with abundant sillimanite inclusions.


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Figura 12 – Nb-tantalatos típicos da Balouca – (Corpo N) – imagens de MEV-ER para secções de cristais. A – textura reaccional (zonamento em retalhos) de columbite-tantalite/microlite; B – pormenor da secção A com melhor evidência de Ba-microlite de deposição tardia epitáxica; C – textura em “snow-ball” de cassiterite (geminação cíclica) contendo inclusões de albite e de Mn-tantalite; D – pormenor da secção C com discriminação de Mn-tantalite inclusa a qual é bastante homogénea; E– columbite-tantalite com domínios desordenados ixiolíticos com sobrecrescimento de Ba-microlite; F – num pormenor da secção E percebe-se que a Ba-microlite não é homogénea apresentando veios finos de plumbo-microlite. Figure 12 – Nb-tantalates from Balouca (northern body) SEM-BSE images for some crystal sections. A – reaccional texture (patchy zoning) of columbite-tantalite/microlite; B – detail of section A with high resolution for late and epitaxic Ba-microlite; C – snow-ball texture of cassiterite (cyclic twinning) with inclusions of albite and Mn-tantalite; D – detail of section C discriminating included Mn-tantalite, which is homogeneous; E– columbite-tantalite with desordered ixiolitic domains and with Ba-microlite overgrowth; F – a detail of section E shows that Ba-microlite is not homogeneous presenting thin veilets of Pb-microlite.


26 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

Figura 13 – Grupo pegmatítico do Muro Alto, Vieira do Minho, em perfil transversal. Figure 13 – Crosscuting profile of the Muro Alto Pegmatite group, Vieira do Minho.

do Muro Alto, no entanto, não apresentam a concentração de ambligonite-montebrasite e outros minerais de Li que são característicos do Muro Alto. Em ambos os pegmatitos, as corôas micáceas irradiantes dos gigaberilos são portadoras preferenciais de columbite-tantalite, pelo que estas unidades filíticas, com (001) disposto em pente e perpendicular à base de nucleação, muitas vezes, uma face prismática de um gigaberilo, podem ser consideradas favoráveis à ocorrência de Nb-tantalatos, adquirindo o estatuto de ore-shoots para este tipo de jazidas.

Pegmatito híbrido intra-granítico de Vergaço, Terras de Bouro – mineralizações de Ti, Nb, Ta, Sc, W, As, Bi, Ag O pegmatito de Vergaço apresenta uma das paragéneses mais invulgares que foram identificadas em pegmatitos intra-graníticos. Além das associações primárias que na bordadura transitam gradualmente para uma fácies leucogranítica hospedeira, mostra unidades tardias de substituição e de fracturação hidráulica (brechas) que estão enriquecidas em minérios de Ta, Nb, Ti e sobretudo, W.

O estádio hidrotermal de mineralização tem grande expressão volumétrica relativa, em unidades de substituição micáceas, vários preenchimentos quartzosos nucleares em episódios de fracturação e selagem sucessivos e uma brecha hidrotermal quartzo turmalínica (Fig. 16). Os minerais acessórios predominantes nas unidades hidrotermais são a scheelite e a volframite. Nas zonas mais periféricas onde ocorre feldspato potássico argilizado, observa-se abundante arsenopirite + lolingite + pirite + Bi nativo e sulfossais de Bi, Ag e Pb. Na figura 17 ilustram-se alguns aspectos peculiares das texturas e zonalidades dos Nb-tantalatos de Vergaço que ocorrem preferencialmente disseminados nas unidades tardias de substituição filítica. Composicionalmente, predominam as W, Ti – wodginites e as Sc, W – ixiolites além de rútilos puros ou mais ou menos enriquecidos em Ta, Nb e W. A volframite e a scheelite tendem a ocorrer nestas mesmas unidades, mas na sua periferia, juntas com pirite e arsenopirite, não se misturando com óxidos de Ti, Nb e Ta. Estes ocorrem em disseminação fina intimamente associados às micas. Aparentemente, segundo uma sucessão conven-


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Figura 14 – intercrescimentos, berilo, mica, columbite-tantalite, zircão; associação típica de unidades tardias berilíferas de pegmatitos intra-graníticos do N de Portugal, LCT a híbridos (ocorrência do Muro Alto - LCT). BE – berilo, MO – mica branca, provavelmente moscovite, QZ – quartzo, FN – ferro-columbite, MT – mangano-tantalite, Hf-ZR – zircão rico em háfnio, MC – microlite, TN – taeneolite, ZN – zinwaldite. Figure 14 – Beryl, mica, columbite-tantalite, zircon intergrowths; assemblages typical of late Be-rich units in inner-granite pegmatites from Norther Portugal, hybrid to LCT family (Muro Alto – LCT occurrence). BE – beryl, MO – white mica, probably muscovite, QZ – quartz, FN – ferro-columbite, MT – mangano-tantalite, Hf-ZR – Hf-rich zircon, MC – microlite, TN – taneolite, ZN – zinwaldite.

cional de pneumatolítica a hidrotermal, os óxidos de Ti-Nb-Ta antecedem a deposição dos tungstatos. As unidades micáceas podem ser consideradas ore-shoots para a generalidade dos minérios e em especial para os Nb-tantalatos.

Pegmatito NYF intra-granítico de Covide, Terras de Bouro – mineralizações de Nb, Ta, Sc, Y, T.R., Ti, Be, Pb, U, Th O pegmatito de Covide pode ser considerado como uma diferenciação interna, formada “in situ” a


28 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

Figura 15 – Morfologia e estrutura interna em perfil transversal do pegmatito das Dornas. Figure 15 – Traverse showing shape and inner structure of Dornas pegmatite.

partir da fraccionação do granito do Gerês, essen cialmente biotítico, pós-tectónico relativamente à fase Varisca D3. Faz parte de um grupo de bolsadas pegmatíticas com forma de gota invertida, considerados resultantes de implantação por balloning (contraste de densidade e viscosidade entre diferenciados pegmatíticos e magma granítico contíguo) num domínio extensional situado nas proximidades da junção tripla de plutonitos, um dos quais é o granito hospedeiro e neste caso, parental, do Gerês. A estrutura interna deste pegmatito é heterogénea e o seu carácter alcalino é muito marcado (OR>>AB>QZ) em concordância com a assinatura subalcalina própria do granito parental do Gerês que se pode considerar de tipo i (Fig. 18). Do ponto de vista tipológico é um verdadeiro pegmatito NYF, revelando as mais baixas relações Ta/Nb que é possível encontrar em nos Nb-tantalatos que potencilamente se podem obter em Portugal. Em contrapartida é em pegmatitos como estes que ocorrem as mineralizações mais relevantes de Terras Raras, em monazite, xenotima e thortveitite. Algumas

cavidades miarolíticas nucleares apresentam fluorite, topázio e gadolinite que embora sejam minerais raros, completam os indícios de uma verdadeira assinatura geoquímica de tipo NYF.

Pegmatitos híbridos intra-graníticos de Senhora de Assunção, Sátão – mineralizações de Be, Nb, Ta, Li, W, Mo, Zn, Cu, U, As, Bi O grupo pegmatítico de Senhora de Assunção representa um conjunto vasto de corpos internos de diferenciação “in situ” situados em zona de cúpula de um plutão granítico de fácies porfiróide, tardi-D3, essencialmente biotítica de grão médio (Ferreira et al., 2014). O conteúdo de Nb-tantalatos em algumas unidades de fraccionação interna e substituição pode ser bastante elevado (Fig. 19). É de equacionar o aproveitamento de Ta e Nb a partir dessas unidades. Na figura 19 é apresentada a expressão geométrica das zonas tantalíferas correspondentes à estrutura interna deste grupo tal como está descrita em Ferreira et al. (2014).


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Figura 16 – Morfologia e estrutura interna em perfil transversal do Pegmatito de Vergaço. Figure 16 – Traverse showing shape and inner structure of Vergaço pegmatite.

Pegmatitos LCT e híbridos da Queiriga – mineralizações de Li, Sn, W, Be, Ta, Nb, Zn, Cu, As Os pegmatitos da Queiriga, V. N. de Paiva, constituem um grupo de “sills” enraizados numa zona de mistura de granitos, situada no bordo do maciço de Aguiar da Beira. Aqui ao longo de um corredor de “mingling” caracterizado, por um enxame de encraves granulares a sobremicáceos e na proximidade de um pequeno “stock” de granodiorito intrusivo no granito porfiróide, essencialmente biotítico, de Aguiar da Beira, ocorre um conjunto de pegmatitos LCT, um dos quais, o mais possante, atravessa o contacto do granito com os terrenos metassedimentares e propaga-se para zonas mais distais relativamente ao contacto. Este grande “sill” deu lugar no passado a uma exploração mineira dedicada ao Sn (Lagares) e mais recentemente foi objecto de lavra dirigida a minerais cerâmicos (Puga et al., 2003). O facto de a zona de enraizamento do “sill” principal ser uma zona de mistura de magmas graníticos poderá ter estado na origem da diversidade de mineralizações que é típica destes pegmatitos. Prevalece a mineralização LCT expressa em diferentes estádios paragenéticos desde a deposição precoce de gigacristais euédricos de petalite até

paragéneses complexas, com berilo rico em Cs, columbite-tantalite e lepidolite em unidades de substituição e venulares tardias. Os maiores conteúdos de Nb-tantalatos ocorrem nas frentes de fraccionação entre zonas intermédias feldspáticas e núcleos de quartzo nas porções zonadas mais possantes (Fig. 20) e também em unidades de substituição por contaminação associada à digestão intra-pegmatítica de massas encaixantes. Estas últimas unidades têm uma mineralogia diversificada, que as torna similçares a “endoskarns” (com abundante apatite, olenite e rodocrosite). Aí, além dos Nb-tantalatos identificam-se, volframite e vários fosfatos raros e sulfuretos (calcopirite, arsenopirite, lolingite, estanite, kesterite, blenda, galena e bismutinite). Os Nb-tantalatos encontram-se disseminados e inclusos nos minerais essenciais, sobretudo em micas e albite, particularmente, quando são finamente granulares, mas podem aparecer mais grosseiros junto do berilo e dos silicatos de Li.

Aplito-Pegmatito LCT cataclástico a milonítico do Picoto do Carvalho, Serra de Arga – mineralizações de Ta, Nb, Sn, Li O corpo filoniano do Picoto do Carvalho representa um “sill” fortemente deformado (cisalhado)


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Figura 17 – Aspectos texturais típicos dos Nb-tantalatos de Vergaço em imagens de MEV-ER. A – Sc, W - ixiolites com epitaxias de tapiolte, B – W, Ti-wodginites com zonamento sectorial e por vezes também epitaxias de tapiolite. Barras de escala equivalem a 100µm. Figure 17 – Typical textures of Vergaço Nb-Ta minerals in SEM-BSE images: A – Sc, W- ixiolites with tapiolite epitaxies; B – W, Ti-wodginites with sectorial zoning and also tapiolite epitaxies.

onde, protocristais de petalite, após metamorfismo e deformaçã D3 Varisca deram lugar a células ocelares espoduménicas (Leal Gomes, 1994) envolvidas numa matriz cataclástica fina por vezes com verdadeira feição milonítica (Fig. 21). É nesta matriz que se observa a mineralização de Ta sob a forma de tantalite, notando-se uma homogeneização composicional dos cristais a altos conteúdos de Ta. A figura 22 ilustra esta evolução zonal dos cristais individuais em imagens de MEV-ER. A zonalidade sectorial e em retalhos reflecte a complexidade multifásica da deformação e do metamorfismo. Da observação da figura 22 depreende-se que nos sucessivos reequilíbrios texturais, de ordenamento cristalino e de composição, os fenómenos de

reorganização tenderam para a estabilização do Nbtantalato a altos conteúdos de Ta – as zonas mais claras estão menos perturbadas e observa-se redistribuição das proporções de molécula tantalítica e columbítica, pela similitude, nas diferentes imagens, dos padões de brilho intermédio. Assim, parece ter resultado da sobreposição deformacional e metamórfica em contexto cisalhante, uma homogeneização granulométrica dos cristais e uma homogenenização composicional e do ordenamento a conteúdos elevados de molécula tantalífera, produzindo uma disseminação tantalífera nas fácies miloníticas que pode tornar-se interessante do ponto de vista económico.


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Figura 18 – Morfologia e estrutura interna em perfil transversal do Pegmatito de Covide. Figure 18 – Traverse showing shape and inner structure of Covide pegmatite.

Aplito-Pegmatito LCT lepidolito-turmalínico de Portomé, Guarda – mineralizações de Li, Cs, Ta, Be, Sn, Bi, Ga, ge, Sc, Zr Os aplito-pegmatitos que ocorrem em Portomé contam-se entre os que apresentam os mais altos teores que podem ser encontrados em análises de rocha total. Excluindo o caso das tantites do Seixigal e das microlites da Balouca, também é nestes pegmatitos que se enconttram algumas das fases portadoras mais ricas em Ta – as microlites ocorrem com alguma frequência e também ocorre simpsonite (Bravo Silva et al., 2006). Na figura 23 ilustram-se as texturas bandadas enriquecidas em Nb-tantalatos sob a forma de disseminações. As paragéneses mais evoluídas, que são portadoras de mineralização tantalífera, apresentam os maiores conteúdos de minerais típicos de paroxismo evolutivo, em ambientes miarolíticos ou então nas transições entre bandas predominante-

mente lepidolíticas e bandas albíticas, em correspondência com as condições de mineralização referidas anteriormente. A granularidade dos óxidos acessórios varia também em coerência com a granularidade dos minerais essenciais hospedeiros.

Placeres Já da observação da figura 1 se deduzia que os placeres tantalíferos tendem a ser proximais localizando-se junto aos depósitos primários, especialmente, daqueles que se situam em campos pegmatíticos com especialização LCT. Alguns exemplos de placeres representativos dos maiores teores e das maiores concentrações detríticas de fases ricas em Ta encontram-se nos locais discriminados em seguida: a) Aluviões da Ribeira da Gaia – as concentrações mais interessantes ocorrem nas várzeas da


32 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

Figura 19 – Morfologia e estrutura interna em Perfil transversal do grupo pegmatítico de Senhora de Assunção, Sátão, – alcance e distribuição das mineralizações de Nb e Ta. Figure 19 – Traverse showing shape and inner structure of Senhora de Assunção pegmatite group – grade and distribution of Nb-Ta mineralization.


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Figura 20 – Frente de transição entre zona intermédia e núcleo de quartzo com mineralização grosseira de berilo alcalino e mineralização fina de Nb-tantalatos – zona de enraizamento proximal do “sill” da Queiriga. Figure 20 – Transition between inner intermediate zone and quartz core with coarse alkaline beryl and fine grained Nb-Ta mineralization - inner granite root and proximal zone of Queiriga sill.

ribeira próximas dos domínios espaciais do campo pegmatítico LCT que, por sua vez, apresentam um maior enriquecimento tantalífero primário, na região da Vela e Seixo Amarelo.

viais nas várzeas do Rio Vouga, no seu curso alto, relacionadas com a proximidade de pegmatitos intra-graníticos híbridos portadores de unidades enriquecidas em columbite-tantalite.

b) Aluvio-eluviões da Cumieira, Ribeiro do Salgueiro e Chelo – as concentrações de cariz aluvial ocorrem em depósitos detríticos quaternários e actuais derivados dos depósitos primários atribuídos ao campo aplito-pegmatítico da Serra de Arga; os depósitos detríticos neste caso são típicamente proximais.

Os aluviões da Ribeira da Gaia e da Cumieira são os mais especializados e com mais altos valores da razão Ta/Nb.

c) Aluviões e terraços elevados de Bertiandos, Amonde e Correlhã – depósitos de terraço com concentrações em paleocanais e aluviões, onde a carga tantalífera assume uma posição mais distal que no caso anterior, relativamente às concentrações primárias originais, atribuídas, uma vez mais ao campo aplito-pegmatítico da Serra de Arga. d) Aluviões do Alto Vouga – concentrações alu-

Minérios e Concentrados de Tântalo As percentagens de Ta2O5 presentes nos concentrados tantalíferos têm como factor limitante natural a diversidade mineroquímica das fases portadoras de Ta que ocorrem em depósitos primários. Concentrados com Ta2O5 acima de 30% alcançam preços unitários 5 a 10 vezes superiores aos que se obtêm abaixo deste limiar composicional. Este facto suscita muitas vezes a adopção de correcções de teor (“blending”) procurando, com lotes de diferentes cargas tantalíferas, corrigir preços colocando-os acima da


34 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

Figura 21 – imagem macro (lado maior da imagem, 15 cm) de fácies cataclástica a milonítica do aplito-pegmatito do Picoto do Carvalho com disseminação fina de Nb-tantalatos. Figure 21 – Macro image of cataclastic to mylonitic facies in Picoto do Carvalho aplite-pegmatite with disseminated fine-grained Nb-tantalates.

Figura 22 – imagem MEV-Er de secções (hkl) em cristais de Nb-tantalatos do Picoto do Carvalho. Figure 22 – SEM-BSE imagery of (hkl) sections in Nb-tantalate crystals from Picoto do Carvalho.


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Figura 23 – Morfologia e estrutura interna dos aplito-pegmatitos de Portomé e localização interna das mineralizações tantalíferas. Figure 23 – Shape and inner structure of Portomé aplite-pegmatites and location of Ta mineralizations.

barreira de cotação alta. Este procedimento também pode contribuir para fazer decrescer nos produtos finais os conteúdos de contaminantes / penalizantes, tais como, U, Si e Sb. Utilizando para discriminação tipológica o quadrilátero columbite-tantalite / tapiolite e recorrendo a estudos mineroquímicos anteriores, existem condições para a definição de 5 categorias principais de concentrados (Fig. 24): a) Concentrados do tipo Serra de Arga – podem ser obtidos a partir de aplito-pegmatitos deformados até à milonitização e mostram uma grande diversidade composicional, consoante a sua proveniência a partir de veios hiperaluminosos NYF precoces ou aplito-pegmatitos LCT tardios.

b) Concentrados do tipo pegmatito intra-granítico – são heterogéneos e obtidos em unidades definidas de pegmatitos intra-graníticos a perigraníticos; tendem a ser mais homogéneosaos a mais baixos valores de Ta, indiciados pela presença de gigacristais de berilo. c) Concentrados do tipo Covelinhas e Portomé – apresentam os mais altos conteúdos de Ta e frequentemente incluem microlite; junto das massas finamente granulares de lepidolite predominam Mn-tantalite com altos conteúdos de Ta. d) Concentrados de tipo Covide – em coerência com o carácter típico NYF do pegmatito, são concentrados pobres em Ta, mas enriquecidos


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em minerais de terras raras. Também por isso apresentam contaminações não negligenciáveis de U e Th que os penalizam do ponto de vista metalúrgico. e) Concentrados de tipo apogranítico – incluem-se aqui os concentrados apurados em leucogranitos e “stock-sheiders” apicais (disseminações em rocha primária e em unidades filíticas moscovitocloríticas ou albíticas de substituição); algumas podem apresentar tores muito altos de Ta em tantites, mas estes minerais são extremamente raros, na maioria dos casos as disseminações correspondem a pequenos cristais de columbite-tantalite com conteúdos bastante constantes e relativamente altos de Ta; é de realçar que os teores globais em rocha total nos apogranitos são muito baixos mas as tonelagens podem ser significativas. Separaram-se por bateia concentrados de minerais densos obtidos após cominuição e crivagem entre 1,5 cm e 0,5 mm. Considera-se que neste intervalo granulométrico estão libertos não menos de 30% dos cristais de fases portadoras específicas de Ta da maioria das litologias estudadas. Na figura 25 estão ilustrados alguns dos produtos reais obtidos em imagens MEV-ER de concentrados efectivamente apurados por separação hidrogravítica. Os produtos de placeres são bastante heterogéneos e, em análise química, apresentam baixos conteúdos de Ta2O5. Os conteúdos mis reprodutíveis e mais altos ocorrem em aluviões da Cumieira e Ribeiro Salgueiro, na Serra de Arga, e em aluviões da Ribeira da Gaia em Belmonte, Guarda. Entre os placeres parece ser aqui que se podem obter os minérios de melhor qualidade. Quanto aos concentrados de depósitos primários, na mesma figura 25 percebe-se que existe qualidade compatível com a comercialização ao mais alto valor unitário no caso dos concentrados apurados em fácies finas de Covelinhas, em filões que se alojam na envolvência de Portomé e ainda nas unidades tardias de tipo brecha hidrotemal ou de colapso em pegmatitos graníticos similares aos do Grupo Senhora de Assunção. As percentagens de Ta2O5 nos concentrados podem atingir valores de cerca de 60% em columbite-tantalite pura ± Mn-tantalite ± ixiolites ± wodginite ± microlites (LCT, NYF e pegmatitos híbridos e placeres relacionados), 84% em microlites puras (pegmatitos LCT) ou 60% em concentrados

enriquecidos em tapiolites (pegmatitos NYF hiperaluminosos). Estes valores apenas podem considerar-se frequentes no caso dos pegmatitos de feição LCT. Os minérios de teores mais baixos e mais frequentes na generalidade das ocorrências estudadas podem ainda assim conter mais de 20-25% Ta2O5, o que constitui um bom ponto de partida para o incremento do conteúdo de Ta nos materiais sujeitos a beneficiação e nos concentrados sujeitos a correcção por mesclagem. Discussão e Conclusões Nos procedimentos que podem potenciar a produção mineira tantalífera em Portugal incluem-se: • análise estrutural e paragenética das frentes, em jazidas cerâmicas pegmatíticas, com vista ao apuramento seletivo de unidades internas com carga tantalífera; • estudo mineralógico sobre as rotinas de beneficiação estabelecidas, considerando como subprodutos os resíduos de desferrilização de mesclas cerâmicas, muitos dos quais justificam uma depuração específica com vista ao apuramento de concentrados de Ta; • estudo mineralógico da compostagem de minérios com diferentes proveniências com vista à normalização de especificações a Ta2O5 > 30% e a baixos valores de penalizantes. A correção da carga tantalífera dos concentrados e a sua depuração decorrem de uma intervenção mineralógica específica, com ensaios de mescla ajustados a cada caso ou lote de minério – raramente se aplicam protocolos de procedimento padrão. Alguns minérios de Ta disseminados ocorrem em rochas leucograníticas a aplíticas resultantes de fraccionação granítica primária, afectadas ou não pervasivamente por episódios de alteração metassomática, como acontece em Montesinho ou em grandes corpos aplito-pegmatíticos albitizados e greisenizados de Dem no flanco ocidental da Serra de Arga. Na história da mineração portuguesa os trabalhos mineiros significativos dedicados ao Ta concluíram-se a teores muito baixos mas os concentrados apurados atingiam valores de Ta2O5, bem acima da barreira de cotação alta – 30% de Ta2O5. Estes conteúdos altos de Ta em concentrados ainda são recuperados em procedimentos experimentais dedicados a massas pegmatíticas extraídas de corpos pegmatíticos, aqui considerados como depósitos de Ta paradigmáticos. Pela observação da figura 26 percebe-se que os lim-


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Figura 24 – Tipologia composicional dos concentrados de Nb-tantalatos – síntese da diversidade observada. A – campo pegmatítico NYF hiperaluminoso a LCT petalítico, espoduménico, lepidolítico e turmalínico (Serra de Arga); B – pegmatitos de Senhora de Assunção, Dornas e Muro Alto; C – aplito-pegmatito de Portomé, LCT lepidolítico, turmalínico; D – Covide – grupo pegmatítico NYF; E – disseminações em apogranitos a "stock-sheiders". Figure 24 – Compositional systematics of Nb-Ta concentrates: A – pegmatite field of NYF type to LCT petalite, spodumene, lepidolite or tourmaline enrich types; B – Senhora de Assunção, Dornas and Muro Alto pegmatites; C – Portomé aplite-pegmatite, LCT lepidolite to tourmaline enrich; D – Covide NYF pegmatite group; E – disseminated Nb-Ta oxide minerals occurring in Montesinho and Seixigal stock-scheiders.

iares de teor viável de 150-200 ppm, para rocha total hospedeira, podem ser considerados um padrão aceitável para considerar os pegmatitos como economicamente interessantes prevendo que alguns conteúdos em “ore-shoots” possam variar de forma consistente entre os teores de 300 e 1500 ppm em rocha total (estes últimos bastante raros). Com estes tores e conteúdos por concentrado vale a pena considerar a apetência tantalífera dos pegmatitos, se não como objecto essencial da prospecção, pesquisa e exploração, pelo menos como

potencial subproduto da lavra dirigida a outras substâncias. Neste caso, e no actual cilo extractivo dedicado a mesclas cerâmicas aplito-pegmatíticas, estão documentadas ou sugeridas várias situações de menosprezo ou subaproveitamento das cargas tantalíferas em pegmatitos. Parece iniciar-se agora um novo ciclo de procura, evidência de reservas e eventual exploração que tem como objectivo o Li metálico (como Li2CO3) em diversos contextos pegmatíticos. É, por isso, altura de também começar a considerar com


38 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal – análise paragenética

Figura 25 – Concentrados densos obtidos em placeres e pegmatitos triturados – observações em MEV-ER: 1 – concentrado de aluvião da Serra de Arga essencialmente magnetítico (MT) com algumas ixiolites assinaladas com círculos; 2 – concentrado essencialmente granatífero de aluvião da Correlhã (várzea do Rio Lima) com alguma Mn-tantalite; 3 – concentrado de uma zona não intervencionada dos aluviões da Ribeira da Gaia com grande diversidade de portadores específicos de Ta; 4 – concentrado homogéneo de Mn-tantalite com alto teor de Ta (>30% Ta2O5) obtido em triturados de fácies aplito-pegmatítica LCT, lepidolito-albítica da região de Vela, Guarda; 5 – concentrado heterogéneo com alto conteúdo de Ta (>30% Ta2O5) obtido em triturado de unidade micácea tardia, com berilo, dos pegmatitos de Muro Alto; 6 – imagem de ER e reprodução em FALSA COR do produto bastante homogéneo de um triturado da matriz de caulino ± calcedónia da brecha de colapso do Pegmatito Sul do Grupo de Senhora de Assunção, Sátão; 7 – imagem de ER e reprodução em FALSA COR do produto heterogéneo de um triturado de aplito-pegmatito bandado, LCT com lepidolite, de Covelinhas, Peso da Régua. Acrónimos: Mn-Ta – mangano-tantalite; Fe-Nb – ferro-columbite; MC – microlite; TP – topázio; ZR – zircão; GR – granada; MT – magnetite; CS – cassiterite; iX – ixiolites; Pi – pirocloro; CT – columbite-tantalite. Figure 25 – Heavy mineral concentrates from placer sediments and crushed pegmatite samples – SEM-BSE imagery: 1 – Serra de Arga placers - magnetiterich with some ixiolite (circles); 2 – placers from meadowlands and river banks of Correlhã (Rio Lima) - garnet-rich with some Mn-tantalite; 3 – alluvial deposits of Ribeira da Gaia Valey - large mineralogical diversity in what concerns Ta minerals; 4 – homogeneous Mn-tantalite ore with high Ta (Ta2O5>30%) obtained from a crushed sample of an LCT lepidolite zone in one of the Vela (Guarda) pegmatites; 5 – heterogeneous high Ta concentrate (Ta2O5>30%) obtained from a crushed sample of a mica-beryl late unit from Muro Alto pegmatite; 6 – BSE image and false color reproduction for an highly homogeneous product separated from a kaolin+chalcedony matrix of the collapse breccia of Senhora de Assunção South pegmatite (Sátão); 7 – BSE image and false color reproduction for a heterogeneous product separated from a layered aplite-pegmatite of lepidolite LCT type from Covelinhas, Peso da Régua. Acronyms: Mn-Ta – mangano-tantalite; Fe-Nb – ferro-columbite; MC – microlite; TP – topaz; ZR – zircon; GR – garnet; MT – magnetite; CS – cassiterite; IX – ixiolites; PI – pyrochlore; CT – columbite-tantalite.


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Figura 26 – Síntese sobre a diversidade de depósitos de Ta portugueses e propriedades das respectivas cargas tantalíferas – mineralometria, teor e recursos. Figure 26 – Diversity of Portuguese tantalum deposits and its Ta contents – mineralogy, grade and resources.


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seriedade a possibilidade de obtenção sucedânea de concentrados de Ta assente em vários pressupostos essenciais: a) previsivelmente, as fases tantalíferas farão parte dos produtos a regeitar na depuração de concentrados litiníferos; o seu aproveitamento poderá ser um complemento tendente para o aproveitamento integral das jazidas; b) no caso das jazidas de espodumena e petalite, os Nb-tantalatos podem não estar intimamente associados com as unidades internas produtivas para Li, mas ainda assim, podem existir em unidades independentes susceptíveis de desmonte concomitante; c) no caso das jazidas lepidolíticas existe uma associação muito marcada entre concentrações de Li e Ta e os teores de Ta podem ser extraordinariamente altos, o que justifica equacionar o aproveitamento integrado dos dois minérios. Bibliografia Arribas, A., 1979. Mineral paragenesis in the Variscan metallogeny of Spain. Stud. Geol., 14: 223-60. Bartels, A., Holtz, F. & Linnen, R. L, 2010. Solubility of manganotantalite and manganocolumbite in pegmatitic melts. American Mineralogist, 95: 537-544. Barth, M., Mc Donnough, W. & Rudnik, P., 2000. Tracking the budget of Nb and Ta in the continental crust. Chem. Geol., 165: 197-213. Bravo Silva, P., Leal Gomes, C. & Neiva, A.M.R. , 2006. Complex and oscillatory fractionation trends in Nb-Ta oxide minerals form Gouveia granite – pegmatites, Central Portugal. VII Congresso Nacional de Geologia, livro de resumos, vol.III, 1199-1201. Cotelo Neiva J. M., 1954. Pegmatitos com cassiterite e tantalite-columbite da Cabração, Ponte do Lima, Serra de Arga. Memórias e Notícias 36, 61. Cotelo Neiva, J. M., 1944. Tantalite-columbite de la “Serra de Arga”. Estudos, Notas e Trabalhos, SFM, 9: 111-113. Dias, P., 2012. Análise Estrutural e Paragenética de Produtos litológicos e mineralizações de segregação metamórfica – Estudo dos veios hiperaluminosos e protólitos poligénicos Silúricos da Região da Serra de Arga (Minho). Tese de Doutoramento, Univ. Minho, 475 p. Ferreira J., Araújo P., Guimarães F., Pereira M. & Leal Gomes C., 2014. Geoquímica do Ta e estrutura da sua distribuição no Grupo Pegmatítico Granítico de Senhora da Assunção, Sátão, Centro de Portugal. Comunicações Geológicas, 101, Especial II: 781-785. Ferreira, N., iglésias, M., Noronha, F., Pereira, E., Ribeiro, A. & Ribeiro, M. L., 1987. Granitóides da

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GEOnOvAs n.º

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Geologia económica dos metais básicos e dos metais ferrosos – uma síntese António Moura1 Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Instituto Ciências da Terra. Rua do Campo Alegre 678, Porto – ajmoura@fc.up.pt

Resumo Os metais básicos e os metais ferrosos constituem um grupo de treze elementos de enorme importância nas nossas vidas. Este artigo constitui uma síntese de um livro publicado em 2016 sobre a geologia económica destes metais. Dá-se relevo ao tipo de jazigo onde ocorrem, à génese dos diferentes tipos de jazigos, à descrição de vários dos principais jazigos presentemente em exploração no planeta, e a jazigos que não estando em exploração ou estando exauridos, constituem referências importantes do ponto de vista histórico ou metalogenético. As aplicações, a mineralogia com interesse económico, as produções (atuais e históricas) anuais e o seu valor, a idade dos jazigos, a data da sua descoberta ou início da produção, os teores dos minérios, os principais países produtores, as reservas e os recursos de cada um destes metais, são também abordados. Palavras-chave: Geologia económica, metais básicos, metais ferrosos, tipo de jazigos, minas. Abstract The base metals and the ferrous metals are a group of thirteen elements of enormous importance in our lives. This article is a summary of a book published in 2016 on the Economic Geology of these metals. Give up relief to the type of deposit in which they occur, the genesis of the different types of deposits, the description of several major deposits currently in operation on the planet, but also deposits that are important from an historical or metallogenic point of view. Applications, mineralogy of economic interest, annual productions (current and historical) and its value, the age of the deposits, the date of discovery or early production, the ores grades, the main producing countries, reserves and the resources of each of these metals are also covered. Keywords: Economic geology, base metals, ferrous metals, ore deposit types, mines.

Introdução Os metais básicos (chumbo, cobre, estanho e zinco) e os metais ferrosos (ferro, manganês, cobalto, níquel, crómio, vanádio, nióbio, molibdénio e tungsténio) constituem um grupo de elementos químicos (Fig. 1) de enorme importância na economia global. são usados maioritariamente não na forma elementar mas em ligas metálicas e têm aplicações muito diversificadas (Fig. 2). O cidadão comum, em geral, desconhece onde e como ocorrem os minérios a partir dos quais vão ser extraídos estes elementos, apesar da mineração de vários destes metais remontar à Pré-história. De

facto a Humanidade explora consecutivamente, e há milhares de anos, o ferro e os quatro metais básicos. Os outros oito metais apesar de serem explorados há menos tempo são metais imprescindíveis a milhares de aplicações quotidianas. não admira, pois, que o Homem com o nível de necessidades atual seja completamente dependente destes recursos, em particular. Um recurso só é recurso porque a Humanidade dele necessita. Daí que seja muito importante ter uma ideia do valor do minério e do metal, bem como das quantidades produzidas. na figura 3 mostramse em gráfico as tonelagens anuais dos concentrados mineiros e o respetivo valor anual.


44 Geologia económica dos metais básicos e dos metais ferrosos - uma síntese

Figura 1 – Posição dos metais básicos e dos metais ferrosos na tabela periódica dos elementos químicos. Figure 1 – Location of base metals and ferrous metals in the periodic table of the chemical elements.

A prospeção de novos jazigos tem por base o conhecimento metalogenético, bem como conhecimentos da Geologia dos jazigos, e em particular a dos mais importantes, pelo que é de interesse que se saiba o modo como estes metais e os seus (principais) jazigos se formaram. HComo disse, há mais de dois séculos, o notável naturalista lineu “O primeiro passo da sabedoria consiste em conhecer as coisas em si mesmas”. Jazigos e distritos mineiros como a província magmática de Bushveld, o jazigo IOCG de Olympic Dam, o distrito MVT de viburnum Trend, o nível sedimentar Kupferschiefer, os placers de estanho do sudeste asiático, o jazigo magmático de noril’sk-Talnakh, a província de minério de ferro do tipo BIF de Hamersley, a laterite do carbonatito rico em nióbio de Araxá, o stockwork de tungsténio de verkhnee-Qairaqty ou as laterites de ni-Co da nova Caledónia, apenas para referir dez, devem constituir uma referência para quem estuda ou trabalha em recursos geológicos. A figura 4 apresenta a variedade de tipos de jazigos para os metais referidos. Pode ver-se que alguns metais (caso do crómio) só se exploram num tipo de jazigo, outros praticamente em dois (caso do níquel ou do vanádio) mas outros (o cobre, por exemplo) exploram-se numa grande variedade de tipos de jazigos. Para se perceber a metalogénese de um ja-

zigo torna-se necessário ter um bom entendimento sobre a génese de cada um dos diferentes tipos de jazigos (ver Mini-glossário). vejamos, muito sinteticamente, algumas das principais caraterísticas dos recursos de cada um destes metais. Chumbo Os jazigos de chumbo ocorrem sobretudo em jazigos do tipo Mississippi Valley e em jazigos sedimentares-exalativos (sEDEX) e, em menor escala, em jazigos de sulfuretos maciços vulcanogénicos (vMs). Mais raramente em jazigos sedimentares, metamórficos (derivados de jazigos sEDEX) e filonianos (muitas vezes com prata como metal principal). Anualmente produzem-se ~5 Mt de chumbo, mais de metade na China. As reservas mundiais estão estimadas em 87 Mt e os recursos em 2000 Mt. Alguns dos maiores produtores de chumbo estão em lavra há muito tempo: santa Eulalia (México) desde o século XXvII, o distrito de viburnum (Missouri, EUA) desde 1720 e Broken Hill (Austrália) desde 1883. Os jazigos de chumbo podem ser antigos (1600 Ma- Gorevskoe, Rússia) ou recentes (<15 Majazigos MvT em Touissit-Bou Beker-El Abed, norte de África).


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Figura 2 – Composição com um mineral (ou minério) e uma aplicação para os quatro metais básicos e oito metais ferrosos: Pb- minério de galena e esfalerite de mina Polaca/bateria; Cu- minério de cobre do tipo sulfureto maciço (mina de neves Corvo) / fio elétrico; sn- cristal de cassiterite encontrado na serra do Gerês/estatueta em estanho; Zn- esfalerite / apanhador de lixo em chapa galvanizada; Co- cristais de cobaltite de mina de Marrocos/terrina pintada com tinta azul-cobalto; Cr- minério de cromite de Bragança / jante cromada; Fe- minério do tipo Banded Iron Formation da Austrália/viga em aço para construção; Mn- cristais de pirolusite de mina no Cercal / carris (aço rico em Mn); Mo- molibdenite sobre quartzo / lata de óleo rico em Mos2; ni- minério do tipo brecha de mina de sudbury (Canadá) / garfo (peça em aço inox. com 10 % ni); W- volframite da mina da Panasqueira / filamento de lâmpada observado no microscópio eletrónico; v- cristais de vanadinite / ferramenta em aço rico em vanádio. Figure 2 – Composition with a mineral (or ORE) and an application to the four basic metals and eight ferrous metals: Pb- galena and sphalerite-rich ore from a MVT Polish mine /battery; Cu- massive sulphide copper ore from the Neves Corvo mine/electric wire; Sn- cassiterite crystal from Serra do Gerês/figurine in tin; Zn- sphalerite/garbage picker in galvanized sheet; Co- cobaltite crystals from a mine in Morocco/bowl painted with cobalt blue ink; Cr-ore chromite from Bragança/chrome wheel rim; Fe- Banded Iron Formation ore type from Australia/bar construction steel; Mn- pyrolusite crystals from a mine in Cercal/rails (Mn- rich steel); Mo- molybdenite on quartz/oil can MoS2-rich; Ni- ore from a mine in Sudbury (Canada)/Fork (piece stainless steel with 10 % Ni); W- wolframite from the Panasqueira mine/lamp filament observed in the electron microscope; V- vanadinite crystals/vanadium-rich steel tool.


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Mini glossário “Tipo de Recursos Geológicos” Aplitopegmatitos- jazigos formados em aplitos e em pegmatitos, geralmente de caracter lCT (ricos em sn, li, Cs, Ta-nb); frequentemente são jazigos filonianos; Evaporitos- jazigos formados em rochas constituídas por sais, habitualmente ricos em naCl (naCl, KCl); Filonianos- Jazigos hidrotermais em filões, geralmente ricos em quartzo e/ou carbonatos (Au, sn, W), IOCG (iron oxide copper-gold)- jazigos de cobre e ouro ricos em óxidos de ferro (magnetite e/ou hematite; laterites-caso particular de jazigos supergénicos formados em ambiente tropical (ni-Co, Mn, Ti, v, REE, Au); Magmatismo alcalino- jazigos formados em resultado de magmas alcalinos muito fraccionados (Zr-Hf, REE, Y, sc); Magmáticos básicos ou ultrabásicos- jazigos que se formam em resultado de magmatismo básico ou ultrabásico (ni-Cu-PGE-v-Fe); Magmatismo félsico- jazigos formados em resultado de magmas ácidos que sofreram acentuada cristalização fraccionada (sn-W); Metamórficos- jazigos formados durante o metamorfismo (Zn, Ag, ni), por vezes atuante sobre jazigos preexistentes; MvT- jazigos Mississippi Valley formados por fluidos orogénicos que percolaram grandes extensões da crusta superior antes de depositarem os minerais de interesse económico (Pb-Zn-Ag); Orogénicos- jazigos resultantes de fluidos gerados durante uma orogénese, podendo ser de múltipla proveniência; muitas vezes ocasionam jazigos filonianos (Au-Ag, sn-W); Placers- jazigos de sedimentação detrítica ricos em minerais pesados (sn, Au, Ti, Zr-Hf, Ta-nb); salmouras- jazigos que constituem níveis de águas muito salinas que ocorrem à superfície ou em aquíferos subsuperficiais ou profundos. (naCl, K, Br, I, Mg); sedimentares- jazigos associados à sedimentação e/ou a processos diagenéticos (Cu, sn, Pb, Zn); sEDEX- jazigos formados por exalações vulcanogénicas em forte associação com sedimentação (Zn-Cu-Pb-Ag); skarns- jazigos formados em resultado de metassomatismo ocasionado pela ação de uma fonte magmática em litologias carbonatadas (W, Cu, Zn); Stockworks- jazigos consistindo numa trama de vénulas e filonetes mineralizados (Au, W); Stratabound- jazigos hidrotermais com o minério em níveis estratigráficos ou limitados por níveis estratigráficos (W, F, Pb); supergénicos- jazigos formados por ação de fluidos hidrotermais meteóricos sobre rochas já enriquecidas (Cu, Au); vMs- jazigos vulcano-sedimentares formados no fundo ou perto do fundo oceânico (Cu-Zn-Pb); Mas, como escreveram Guilbert & Park em 1997, “… Even yet, no universally acceptable classification of ore deposits has been proposed,…”

Cobre O cobre, a par do ouro e do urânio, é dos metais que se extrai no maior número de tipos de jazigos: pórfiros, sedimentares, vMs, sEDEX, jazigos supergénicos, jazigos magmáticos básicos (com ni), jazigos IOCG e, mais raramente, em jazigos filonianos. Anualmente extraem-se ~18 Mt. Existem minas de cobre em mais de 60 países, no entanto, o Chile domina largamente a produção mundial do metal. As reservas mundiais rondam as 720 Mt e os recursos em terra cerca de 2 000 Mt (dos quais 1 800 Mt em jazigos do tipo pórfiro). Muitos distritos mineiros de cobre estão ativos há milhares de anos. A mina

de skouriotissa no Chipre é, provavelmente, a mais antiga mina em laboração no planeta (http://www. euromines.org/news/newsletters/2-2012/mininghistory-cyprus-copper-mines). A idade deste tipo de jazigos pode ser muito variada. Kidd Creek, no Canada, (jazigo vMs com 2709 Ma) é um dos mais antigos, enquanto os jazigos de Kuroko (Japão) serão dos mais recentes. Estanho A produção mundial de estanho ronda as 290 000 t/ano, sendo 40% da produção oriunda


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Figura 3 – Tonelagem e valor dos recursos de metais básicos e metais ferrosos no ano 2014. A tonelagem diz respeito ao metal contido nos concentrados produzidos pelas minas. Fonte: UsGs. Figure 3 – Tonnage and value of base metals resources and ferrous metals in 2014. The tonnage relates to metal contained in concentrates produced by mines. Source: USGS.

Figura 4 – Tipo de jazigos para cada um dos metais básicos e metais ferrosos. Figure 4 – Deposits types for each of the base metals and ferrous metals.


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Figura 5 – Capa do livro “Geologia económica dos metais básicos e dos metais ferrosos”. Figure 5 – Cover of the book "Economic Geology of basic metals and ferrous metals".

da China. As reservas estão contabilizadas em ~5 Mt e os recursos em 11 Mt. Os minérios extraem-se sobretudo em placers e em jazigos filonianos pegmatíticos. Em menor escala há minas em granitos alcalinos, em greisens, em skarns e até em pórfiros e jazigos vMs. Os jazigos em aluviões do sudeste asiático (Malásia, Indonésia, Myanmar) estão activos, desde a Antiguidade. A Cornualha (Grã-Bretanha) e Erzgebirge-Krusné Hory (Alemanha/ /República Checa) tiveram explorações durante mais de 1000 anos.

jazigos do tipo skarn, sedimentares e filonianos. Anualmente são produzidos ~13 Mt Zn em concentrados, cerca de metade proveniente de três países: China, Austrália e Peru; no entanto, a produção faz-se em cerca de 40 países. na Alta silésia (Polónia) o zinco é extraído desde o séc. XI, em jazigos do tipo MvT com cerca de 135 Ma. Em termos de idade o minério de zinco pode ser tão antigo quanto 1650 Ma (jazigos sEDEX australianos) ou tão recentes quanto 10 Ma (skarn de Antamina, no Peru). Cobalto

Zinco Os jazigos de zinco são sobretudo do tipo MvT, sEDEX e vMs, havendo ainda grandes minas em

Desde 1890 que a maioria do minério de cobalto se extrai na República do Congo e na Zâmbia, em minério sedimentar com 880-735 Ma (afetado por


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fluidos orogénicos muito posteriores). Outra importante fonte de cobalto são os jazigos de níquel-cobalto em laterites. Minério do tipo skarn, na Cornwall (Pensilvânia, EUA), e em xistos negros em Modum (noruega) foram explorados entre 1732-1973 e 1776-1898, respetivamente, constituído dois tipos de jazigos que hoje não são fonte de cobalto. Em Cobalt (Canadá) e no Idaho (EUA) já foram explorados jazigos de cobalto em filões do Proterozoico; atualmente este tipo de jazi gos é explorado nas montanhas do Atlas em Marrocos, em depósitos muito mais recentes (383-257 Ma).

junto à costa alentejana). Os maiores depósitos de manganês ocorrem no Kalahari (África do sul), em Moanda (Gabão), Molango (México) e em várias minas no Brasil, datadas do Arcaico (o minério da mina do Azul, na serra dos Carajás, tem 2800-2500 Ma). no séc. XIX existiam grandes minas em redor do mar negro, em minério sedimentar recente em termos geológicos (34-23 Ma). Anualmente produzem-se ~18 Mt de Mn. As reservas estimadas em 2014 eram de 620 Mt. Os recursos em terra ascendem a ~9,2x109 t e os recursos no oceano (em nódulos e crustas) são ~17,9x109 t.

Crómio

Molibdénio

Este metal ocorre, em grande abundância, em algumas grandes províncias mineiras de classe mundial, onde é explorado desde há muito tempo (Bushveld, África do sul: desde 1900; Grande Dique do Zimbabué: desde 1867; Kempirsai, Cazaquistão desde 1937). Os minérios são sempre de quimismo ultrabásico, ocorrendo em grandes estruturas magmáticas estratificadas, em diques ou em bolsadas (cromites podiformes). A produção mundial ronda as 28 Mt de cromite sendo a África do sul responsável por cerca de metade da produção. Os recursos são vastos, pelo menos 12 000 Mt, 90% dos quais em dois países: África do sul e Cazaquistão.

O prospetor que descobriu o jazigo de Climax no Colorado (EUA) em 1879 demorou 15 anos a encontrar quem lhe identificasse o mineral que aí ocorria abundantemente (a molibdenite), tendo morrido pobre, nitidamente por ter feito uma descoberta “antes do tempo”. Climax é um jazigo do tipo pórfiro, descoberto em 1879 no Colorado, EUA formado a partir de quatro intrusões de composição riolítica, três das quais segregaram um fluido hipersilicioso rico em Mo, e também em F, li, Cs, nb e Ta. A mina iniciou a produção em 1914. Em 1957 era a mina subterrânea maior do mundo. Depois de vários períodos de inatividade ainda hoje produz molibdénio. Há ainda molibdénio em pórfiros cupríferos, em skarns e em filões. Em 2104 a produção mundial foi de 281 000 t Mo, das quais 104 000 t na China. nesse ano, as reservas estimadas eram de 11 Mt e os recursos ~14 Mt.

Ferro É o recurso de maior valor global (324 000 milhões de dólares, em 2013) e o de maior produção de entre os metais (> 2000 Mt/ano). Ocorre fundamentalmente em minérios sedimentares bandados do Proterozoico e, mais raramente, em minérios do tipo ironstone (também sedimentares, mas não bandados e muito mais recentes), também há minérios magmáticos cuja génese ainda não está cabalmente explicada (Kiruna, suécia), minérios skarn e IOCG. As grandes províncias mundiais encontram-se na América do norte (EUA e Canadá), Hamersley (Austrália), Carajás (Brasil); há ainda grandes minas na suécia, no Peru (Marcona) e no distrito de Krivoy Rog (Ucrânia), onde se extrai desde 1781. Em 2013 os recursos mundiais ascendiam a 800 000 Mt. Manganês Atualmente só se extrai minério de manganês em formações sedimentares (no passado eram comuns os jazigos filonianos, como os da região do Cercal,

Níquel Este metal é explorado em praticamente dois tipos de jazigos: magmáticos, de quimismo básico, quase sempre com cobre como coproduto e e, por vezes, com platinóides como subproduto, e em laterites (com cobalto como coproduto). Há ainda uma mina (Talvivaara, na Finlândia) explora níquel em xistos negros. As laterites da nova Caledónia são exploradas desde 1875 e os minérios magmáticos de sudbury desde 1856. As laterites são exploradas sobretudo no Brasil, Austrália, Cuba e Colômbia, e os jazigos magmáticos na Rússia, EUA, África do sul e China. Anualmente são extraídos ~2 Mt/ni. Os recursos de níquel são vastos, cerca de 12 600 Mt em laterites e 10 500 Mt em minérios magmáticos. Há vestígios que colocam o início da mineração em noril’sk-Talnakh (Rússia) na idade do Bronze,


50 Geologia económica dos metais básicos e dos metais ferrosos - uma síntese

ainda que certamente o metal de interesse não fosse o níquel, mas provavelmente o cobre. Alguns jazigos de níquel magmáticos são do Arcaico (mais antigos que 2 500 Ma) e praticamente todos os do tipo laterítico são do Cenozoico.

Nióbio na atualidade este metal explora-se em carbonatitos e suas laterites. O Brasil possui a maior mina (Araxá) e as maiores reservas (a maioria no jazigo virgem de seis lagos). Os carbonatitos (rochas magmáticas exóticas compostas em mais do que 50% por carbonatos) são raros (conhecem-se pouco mais do que 500) mas cerca de 60 já foram ou estão a ser explorados, sendo uma das principais fontes de terras raras. se bem que em geral os carbonatitos sejam do Paleozoico, há exemplos do Precâmbrico (Mount Weld, Austrália, com 2025 Ma) e do Mesozoico (Tapira, Brasil, com 70 Ma). Conhecem-se recursos para vários séculos e as reservas, só na mina de Araxá, darão para 400 anos. A única mina de nióbio subterrânea, Oka, no Canadá, é também uma das explorações ativas mais antigas (iniciou a lavra em 1961).

Tungsténio Conhecido como o “metal da Guerra” por ter tido muita procura no período da Grandes Guerras Mundiais (onde era utilizado no fabrico de ferramentas de corte para o fabrico de armas) foi também, durante todo o séc. XX, o metal que iluminou as nossas casas (através dos filamentos das lâmpadas de incandescência). na atualidade, as suas maiores aplicações continuam a ser o fabrico de WC (carboneto de tungsténio) e aços duros. Extrai-se principalmente em jazigos filonianos hidrotermais, e em skarns, mas também em pórfiros, jazigos dos tipos stockwork, brecha e stratabound. A China domi na, com 84% da produção mundial, sendo esta ~80 000 t/ano. As reservas mundiais estão estimadas em 3,3 Mt. A mina da Panasqueira, cuja lavra se iniciou em 1896, é uma das é uma das explorações mais produtivas deste metal, sendo ainda uma das minas há mais tempo ativas. O skarn de King Island na Tasmânia (Austrália) é, talvez, a mina de volfrâmio mais antiga já que iniciou a lavra em 1875; atualmente, o jazigo está sendo reavaliado, tendo em vista a reativação da mina.

Vanádio O grande incremento para o uso deste metal deu-se com o advento da indústria automóvel, e deveu-se em grande parte à perspicácia de Henri Ford ao reconhecer que pequenas quantidades de vanádio no aço conferiam aos carros um bom desempenho estrutural. O metal é extraído em jazigos magmáticos e em jazigos sedimentares associados a matéria orgânica. no primeiro caso, o elemento metálico vanádio substitui o ião Fe3+, e no segundo caso, a estrutura da clorofila admite com alguma facilidade a substituição do magnésio por vanádio dando origem a porfirinas ricas no metal. Anualmente produzem-se no mundo ~80 000 t e ~8 000 de vanádio, respectivamente, compostos e como metal. Os recursos são superiores a 63 Mt e as reservas são ~15 Mt. O metal é explorado em no Bushveld (África do sul) desde 1900. Os jazigos de vanádio variam em idade, do Arcaico (2800 Ma, no jazigo magmático-laterítico de Windimurra na Austrália) ao Cenozoico (grande parte dos jazigos sedimentares). Considerações finais Um desenvolvimento maior sobre a Geologia Económica destes metais pode ser lida no livro “Geologia económica dos metais básicos e dos metais ferrosos” (Fig. 5) que recentemente foi editado pela Palimage (http://www.palimage.pt/). O livro está estruturado em treze capítulos, cada um deles dividido em cinco temas: aplicações, mineralogia, génese, principais jazigos mundiais e produções e reservas mundiais. na parte referente à génese elaborou-se uma síntese dos aspetos mais importantes que ocasionaram a génese dos principais tipos de mineralização de cada metal. visto que algumas mineralizações comportam mais do que um metal com interesse económico (ex. Cu-Co, Cu-Zn, W-sn) por vezes a explicação relativa à génese de um tipo de jazigos encontra-se no capítulo referente a outro metal. na parte referente aos principais jazigos procurou-se mencionar pelo menos um, para cada tipo de jazigo. As produções e reservas mundiais são, salvo indicação em contrário, as referentes ao ano 2014, publicadas no início de 2016 pelos serviços Geológicos dos EUA (UsGs). As produções históricas provêm de dados publicados em Kelley & Matos (2013). Com o intuito do leitor poder aferir a real importância dos recursos abordados no livro, no início de cada capítulo encontram-se referências à tonelagem e ao valor dos concentrados produzidos


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a nível mundial num ano (2013), bem como idênticos valores para os metais, básicos e ferrosos, mais próximos em tonelagem extraída e valor económico. Pretendeu-se um livro escrito numa linguagem acessível a cidadãos com conhecimentos ao nível da atual escolaridade obrigatória. As 166 figuras (mapas ou perfis geológicos, planisférios com a localização dos principais jazigos, histogramas com as produções anuais mundiais e o valor do metal), as 48 tabelas e as 39 fotografias, foram inseridas com o intuito de tornar o livro mais legível e completo. Tanto quanto possível procurou-se “descodificar” a linguagem técnica. Quando tal se revelou difícil, por vezes, fez-se uso de notas infrapaginais (117, ao todo) de modo a explicar ou completar a informação. Os cerca de 140 jazigos, minas, distritos ou província metalogenéticas abordados no livro constituem um conjunto emblemático da totalidade da variedade dos recursos destes metais conhecidos na Terra. O livro tem ainda dois anexos. O primeiro é uma lista com todos os jazigos/distritos mineiros/províncias metalogenéticas referidas, com informação para todos eles, do tipo de jazigo, do ano da descoberta ou início da produção e da idade geológica. O segundo anexo localiza em seis mapas a grande maioria dos jazigos referidos, assinalando o seu metal mais importante e o tipo de jazigo. As mais de 400 refe-

rências citadas ao longo do texto constituem uma “porta” para o leitor que desejar aprofundar os temas a que se referem. Agradecimentos À Comissão Directiva da APG agradeço o convite para a elaboração deste artigo. À Professora Helena Couto (FCUP) agradeço a leitura crítica do manuscrito. Bibliografia Guilbert, J. M. Park, C. F. Jr., 1986. Ore Deposits. 4th edn, Freeman, p 985. IsBn 978-1577664956. Kelly, T. D. & Matos, G. R., 2013, Historical statistics for mineral and material commodities in the United states: U.s. Geological survey Data series 140. Acedido em fevereiro de 2016, em http://minerals.usgs.gov/ minerals/pubs/historical-statistics/. Moura, A., 2016. Geologia económica dos metais básicos e dos metais ferrosos. Edições Palimage, Coimbra, 363. IsBn: 978-989-703-145-8. U.s. Geological survey, 2016. Mineral commodity summaries. U.s. Geological survey, 202. Acedido em fevereiro de 2016 em http://dx.doi.org/10.3133/70140094.



GEONOVAS N.º

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O carvão do Cabo Mondego e os Caminhos de Ferro do Estado: cinco perguntas e um parecer J. M. Brandão1*, P. M. Callapez2 & J. M. Soares Pinto3 1

Instituto de História Contemporânea – CEHFCi, UE.

FCSH, Universidade Nova de Lisboa, Av. Berna, 26 C, 1069-061 Lisboa 2

CITEUC, Centro de Investigação da Terra e do Espaço da Universidade de Coimbra e DCT,Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra. Rua Sílvio Lima, Pólo II da Universidade de Coimbra, 3030-790 Coimbra 3

Escola Secundária Dr. Bernardino Machado,

Rua Visconde da Marinha Grande, 15, 3081-997 Figueira da Foz * autor correspondente: josembrandao@gmail.com

Resumo Em meados de 1900, perfilava-se a possibilidade dos Caminhos de Ferro do Estado virem a comprar carvão à mina do Cabo Mondego, dada a sua localização estratégica junto da Figueira da Foz. Esta cidade era servida por um porto marítimo e por dois dos grandes eixos ferroviários do país, ficando sensivelmente a meia distância das suas principais sedes de exploração: as linhas do “Minho e Douro” e as do “Sul e Sueste”. A proposta de contrato foi escrutinada pelos técnicos do Estado, que emitiram um parecer favorável. Todavia, a frágil situação financeira da empresa mineira não permitiu corresponder às condições contratadas com a Administração dos Caminhos de Ferro, apesar dos adiantamentos de capital que aquela lhe fizera nesse sentido. O arrastamento dos incumprimentos, bem como os contornos do negócio, tiveram um ponto final aquando da implantação do regime republicano. Palavras-chave: Carvão; Cabo Mondego; Caminhos de Ferro do Estado; Figueira da Foz; contrato. Abstract In the mid-1900s there was the possibility of the State Railways come to buy coal in the Cape Mondego mine, given its strategic location near Figueira da Foz. This city was served by a sea port and two of the major railways lines of the country. Besides, it was halfway of its main headquarters of exploitation: the railway lines of “Minho and Douro” and “South and Southeast”. The contract proposal was scrutinized by State technicians, who issued a favourable opinion. However, the fragile financial situation of the mining company did not allow to match the agreed conditions with the State Railways, despite capital advances already made to help the Company. The continued non-compliance, as well as the contours of the deal, had an end when the republican regime was deployed. Keywords: Coal; Cape Mondego mine; State Railways; Figueira da Foz (Portugal); contract agreement.

1. Introdução Na viragem do século XIX, numa convergência de interesses entre a recém-criada Administração dos Caminhos de Ferro do Estado1, doravante referida abreviadamente por Administração ou por CFE, e a empresa então detentora, por arrendamento, da concessão da mina de carvão do Cabo Mondego (Fig. 1), Guimarães & Bracourt, perfilava-se a possibilidade da

1 A Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado, mais conhecida como Caminhos de Ferro do Estado foi criada por diploma de 14 de julho de 1899, na sequência dos sucessivos desaires financeiros resultantes da construção de vários troços de caminho de ferro na metade sul do país, que obrigaram à constante intervenção do Estado. Pretendia-se uma organização que, embora sob tutela do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, gozasse de autonomia e liderasse a gestão e construção da rede ferroviária, a qual chamou a si a gestão das linhas do Sul e Sueste (Alentejo e Algarve), e do Minho e Douro (Torres, 1958). Os CFE foram extintos em maio de 1927, quando o III Governo da Ditadura Militar, presidido pelo general Óscar Carmona, determinou que as linhas do Estado fossem arrendadas à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses (CP).


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primeira vir a comprar carvão extraído pela empresa mineira, com vista a abastecer o parque de locomotivas a vapor em serviço nas suas linhas. Nessa época, em território português, apenas as minas de S. Pedro da Cova (Gondomar) e do Cabo Mondego constituíam polos de exploração carbonífera de alguma dimensão, não obstante, os seus carvões não conseguirem competir, em qualidade e preço, com os importados do Reino Unido (Cardiff e Newcastle). Como resultado da conjugação de vários fatores relacionados com a estrutura e dimensão desses jazigos, a escassa mecanização da lavra e a fraca qualidade do carvão que quase não compensava os custos de extração e comercialização, a produção era bastante limitada, restringindo-se, praticamente, ao consumo local. Por conseguinte, os caminhos de ferro portugueses recorriam quase exclusivamente a carvões estrangeiros, cujo preço era tendencialmente crescente, fruto da evolução do mercado internacional e da desvalorização quase constante da moeda portuguesa. Neste sentido, a opção estratégica pela compra e consumo de carvões nacionais, mais do que um imperativo patriótico, afigurava-se como uma medida urgente com vista a minimizar a saída de divisas dos cofres públicos, já por si tão depauperados.

A proximidade da mina do Cabo Mondego à cidade portuária da Figueira da Foz, à qual estava ligada por um “americano” (Fig. 2), conferia-lhe indubitavelmente um interesse acrescido, dado que aí também convergiam dois importantes eixos ferroviários, a Linha do Oeste e a Linha da Beira Alta, ligada pelo ramal da Pampilhosa. Neste quadro logístico aparentemente favorável, as condições da proposta de venda de carvão apresentada pelos arrendatários da exploração do Cabo Mondego aos CFE, em março de 1900, pressupunha que estes financiassem, à cabeça, a remodelação das instalações da mina, a fim de que esta pudesse vir a garantir as necessidades futuras da ferroviária, sob a forma de um “adiantamento” amortizável nos anos subsequentes. Contudo, esta proposta levantou dúvidas quanto à sustentabilidade e garantias do negócio, motivo pelo qual foi solicitado ao Conselho Técnico de Minas (adiante abreviadamente referido por Conselho ou por CTM), órgão consultivo do Ministério das Obras Públicas Comércio e Indústria (MOPCI), que emitisse um parecer, objeto central do presente estudo. Apresentadas sob a forma de cinco perguntas, as dúvidas da ferroviária nacional traduziam, por um lado, a falta de informação que havia sobre a mina

Figura 1 – Perspetiva das instalações exteriores da mina de carvão do Cabo Mondego e indústrias associadas, na viragem do século XIX. Postal ilustrado. Col. particular, P. Callapez. Figure 1 – Overview of the outdoor facilities of the Cape Mondego coal mine and associated industries at the turn of the nineteenth century. Illustrated postcard. Private collection, P. Callapez.


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J. M. Brandão1, P. M. Callapez2 & J. M. Soares Pinto 55

Figura 2 – Construído pela empresa mineira, em 1874, o “americano” percorria os cerca de 6 km entre a mina e a estação de caminho de ferro da Figueira da Foz, transportando carvão e fazendo serviço de passageiros Postal ilustrado. Col. particular, P. Calapez. Figure 2 – Built in 1874, by the mining company, the horse-drawn tram ran about 6 km between the mine and the railway station of Figueira da Foz, carrying coal and making passenger services. Illustrated postcard. Private collection, P. Callapez.

do Cabo Mondego e o clima de desconfiança quanto ao seu futuro próximo; por outro, levantavam a questão da viabilidade da mina enquanto potencial fornecedora dos CFE, questionando-se, embora indiretamente, o volume das suas reservas, a qualidade do carvão e a capacidade de extração, de modo a que as necessidades anuais em combustível fossem supridas. De um ponto de vista estritamente mineiro, o parecer do Conselho foi globalmente favorável, vindo o contrato, embora reformulado, a ser assinado dois anos depois. No entanto, os fornecimentos ficaram, muito aquém do expectável, em consequência, sobretudo, da fraca capacidade económica da empresa. A dispersão resultante de sucessivas transferências de fundos documentais impossibilitou o acesso a elementos certamente pertinentes para que alguns contornos deste assunto se tornassem mais claros. O recurso a relatórios publicados, apesar do seu interesse como fonte primária, peca por estes tenderem a traduzir a visão dos relatores, não se podendo, na falta dos documentos originais, confirmar factos ou afirmações. Esta situação pressupõe

a continuação da investigação noutras frentes, em busca de factos ainda inéditos, mas que contribuíram para o progresso do grande complexo mineiro que foi o Cabo Mondego. 2. Os problemas, as propostas Aquando da nomeação da Administração, a questão do carvão foi, desde logo, assumida como prioritária. Por um lado, era necessário repensar a forma pela qual era feito o aprovisionamento, uma prática que vinha de anos antes, das linhas do Estado receberem, em cada mês, o carvão necessário para o consumo no mês seguinte, sem que houvesse depósitos que permitissem rejeitar carvão de má qualidade, ou que cobrissem falhas súbitas de abastecimento, sem pôr em risco a regularidade da circulação (Caminhos de Ferro do Estado, 1911); por outro, tinha de conferir-se particular atenção à tendência de subida dos preços dos carvões ingleses, adquiridos através de importadores de Lisboa e do Porto. As soluções possíveis poderiam passar pela espera de uma baixa de preços, ou então, por se tentar abastecer


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os caminhos de ferro com combustíveis nacionais, reduzindo os custos de exploração, com a vantagem acrescida de se diminuírem as importações, privilegiando a indústria nacional. Não tardou uma decisão neste sentido, cabendo a iniciativa ao vogal Tavares Trigueiros2 que, sabendo que o carvão da mina do Cabo Mondego fora ensaiado em 1898, nas linhas do Minho e Douro e nas do Sul e Sueste, com bom resultado, endossou um convite à Guimarães & Bracourt, para que esta formulasse uma proposta para base de negociações (Caminhos de Ferro do Estado, 1911). Sublinhe-se que, embora os fornecimentos ao Estado estivessem sujeitos a concurso, a Administração gozava da prerrogativa de poder dispensá-los “por interesse do Estado, ou por urgências comprovadas”, mediante proposta aprovada pelo Governo (Base 2.ª §5.º da Carta de Lei de 14 de julho de 1899). A escolha da mina do Cabo Mondego em detrimento da de S. Pedro da Cova, foi tomada, seguramente, tendo em consideração a proximidade da primeira à Figueira da Foz, situada a meia distancia entre as suas sedes de exploração dos CFE (Porto e Barreiro), cidade servida por um porto de mar, que permitia a fácil colocação dos carvões nos portos do Douro e do Tejo, e pelas linhas de caminho de ferro da Companhia da Beira Alta e da Companhia Real (Fig. 3), ligações estratégicas aos principais eixos ferroviários e centros de consumo do centro e norte do país, bem como à vizinha Espanha. A consulta mereceu da parte de Antoine Bracourt Fils (1853-1922)3, sócio gerente da empresa, a apresentação de uma desenvolvida proposta, que estabelecia as bases de um contrato de fornecimento de 25 000 t anuais de “carvão de pedra” e briquetes (consumo estimado das ca. de 30 locomotivas ao serviço dos CFE, durante uma década. Todavia, condicionava o cumprimento destas metas à ampliação da mina e à renovação das instalações de superfície, trabalhos para os quais, porém, não dispunha do capital necessário. Aliás, a empresa já declarara este handicap, dois anos antes, aquando da realização das referidas experiências de tração, problema agravado pelos elevados preços praticados no transporte marítimo do carvão a partir do porto da Figueira da Foz. Por isso, solicitava um adiantamento de 100 000 reis

Figura 3 – Rede ferroviária nacional em 1900 (Rep. de Caminhos de Ferro do Estado, 1912). Figure 3 – National rail network in 1900 (Reproduced from State Railways, 1912).

aos CFE – declarando desde logo, e para tal, sujeitar-se à fiscalização do Estado —, valor certamente baseado nas estimativas do engenheiro Jacinto Pedro Gomes (1844-1916), naturalista do Museu Nacional de Lisboa, sedeado na Faculdade de Ciências, que assegurava o aconselhamento técnico da mina, tarefa em que, conforme sublinhou Paul Choffat (1916), demonstrou a maior imparcialidade, sobretudo quando a empresa passou por dias difíceis. Este financiamento venceria um juro de 5 % ao ano e seria amortizado no prazo máximo de 10 anos, por dedução no preço da tonelada do carvão. Propunha-se, ainda, que o adiantamento fosse entregue

2 João Pedro Tavares Trigueiros (1831-1902), general, engenheiro, fez parte a comissão técnica responsável pela elaboração do Plano da Rede Complementar ao Sul do Tejo, tendo exercido as funções vogal do Conselho Superior de Obras Públicas e Minas e de vogal do Conselho de Administração dos CFE. (“João Pedro…”, 1902). 3 Antoine Bracourt Fils chegou a Portugal em 1881 vindo de Lyon, para dirigir uma das fábricas de vidro da Marinha Grande. Em 1883, passou para a fábrica de vidros do Cabo Mondego, associando-se a António da Silva Guimarães para exploração do complexo minero-industrial (O Figueirense, 218).


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de modo faseado: 25 contos de réis com a assinatura do contrato, 45 contos faseados nos três meses seguintes sendo o remanescente pago em cinco prestações mensais. Pela sua parte, a empresa obrigava-se a fornecer 6000 t de carvão em pedra e em briquetes, no 1º ano de vigência do contrato, 18 000 t no segundo ano, passando a entregar as 25 000 t em cada um dos anos seguintes, até se completarem os 10 anos (Conselho, 1901). A qualidade do carvão e dos briquetes seria acordada previamente, fixando-se o poder de vaporização (poder calorífico) e o teor máximo de cinzas e de enxofre de forma análoga à que já se utilizava nos contratos para o fornecimento de carvão inglês. O preço por tonelada posta sobre vagão na estação da Figueira da Foz, ou a bordo, seria indexado ao do carvão de Newcastle, flutuando o seu valor entre 4000 reis e um máximo de 8000 reis. Embora a Administração dos CFE gozasse de autonomia para decidir sobre o contrato, nomeadamente no que respeitava aos horizontes financeiro e temporal nele envolvidos, o desconhecimento das reais potencialidades da mina do Cabo Mondego, eivada que estava de uma aura de insucessos ligados à má qualidade do carvão, recomendavam o envio da proposta para apreciação externa, antes de poder ser apresentada à consideração superior. Aliás, a proposta de Antoine Bracourt levantara também uma série de dúvidas, que o Conselho de Administração dos CFE concatenou sob a forma de cinco perguntas pertinentes, esperando adequada resposta por parte dos serviços do MOPCI. O processo baixou em março de 1900, para apreciação e parecer, ao Conselho (CTM), na altura, constituído, pelos engenheiros Pedro Victor da Costa Sequeira, que presidia, Francisco Ferreira Roquette e Severiano Augusto Monteiro, vogais.

3. Reunindo elementos Tratando-se de um parecer de grande responsabilidade, que carecia de sólidos fundamentos que o CTM entretanto reconhecia não possuir, entendeu solicitar aos CFE a realização de novas experiências para determinar as condições de combustão, bem como os teores em cinzas e enxofre, do carvão do Cabo Mondego e do carvão inglês usualmente consumido nas linhas do Estado, tendo em vista a sua utilização nas locomotivas. Em paralelo, solicitou à Direção Geral de Minas que fizesse inspecionar a mina e os respetivos anexos, para apurar as condições

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de lavra e a quantidade e qualidade do carvão extraído e preparado anualmente, satisfazendo um rol de quesitos direcionados para a preparação da resposta as CFE, de que respigam: “Qual a quantidade de carvão existente na parte do jazigo situada a cota inferior à da galeria Stª Bárbara e até à profundidade em que está reconhecido? Quais os trabalhos de reconhecimento necessários? Com que produção poderá contar-se? Qual o custo da lavra e da beneficiação do carvão, bem como dos briquetes por tonelada de combustível, funcionando as novas instalações? Qual o capital necessário para as novas instalações e adoção dos novos processos, bem como o tempo necessários para a sua realização?” (Conselho, 1900a).

3.1. O carvão do Cabo Mondego Conhecido desde a época pombalina e explorado ativamente desde finais do século XVIII, naquilo que constitui a mais antiga exploração carbonífera em Portugal, o carvão da mina do Cabo Mondego ocorre num maciço calcário de idade jurássica, integrando o escasso grupo de jazigos sedimentares desta natureza e idade existentes em território nacional, mantevese em lavra contínua até à década de 1960 (Fig. 4). Quanto ao seu grau de incarbonização, este posiciona-o além das lignites pliocénicas e de alguns outros carvões mesozoicos da Estremadura. Neste sentido, em estudo de 1858 sobre as minas dos distritos de Leiria e Coimbra, Carlos Ribeiro (1813-1882) considerava o carvão do Cabo Mondego como estando mais próximo do tipo hulha, do que da lignite, cuja qualidade era enaltecida pelo conhecido naturalista do Porto, António Rocha Peixoto (1866-1909): A mina do Cabo Mondego [...] possue o melhor carvão de Portugal, uma hulha jurássica inferior à ingleza, mas tendo, para a produção do gaz illuminante e outros usos, vantagens sobre elle. O carvão que existe é muito, e o melhor nem se extrahe por inundada a parte do jazigo em que se mostra (Peixoto, 1897). Também Manuel Roldan y Pego (1912), Diretor Geral de Minas, se referia a este carvão como “(…) hulha de fratura conchoidal, que arde com chama branca e brilhante [...], devendo ser classificada como hulha betuminosa, aproximando-se do boghead da Escocia”, classificação corroborada pelos engenheiros da mina, nomeadamente, por Cardoso Pinto (1921): “O carvão desta mina apresenta todas as características de Hulha, dado as citadas proporções de carbono e hydrogenio e eguais á da Hulha de New Castle”. Mais recentemente, em estudo sobre os carvões portugueses, também Lemos de Sousa et al. (2012)


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Figura 4 – Aspeto da sucessão de calcários margosos e margas de idade jurássica (Oxfordiano), enquadrante das camadas de carvão do Cabo Mondego e expostas na enseada contígua à antiga exploração. (A) – Panorâmica do local; (B) – Detalhe da camada de carvão. Fotografias de J. S. Pinto. Figure 4 – Aspect of the Jurassic (Oxfordian) lagoonal succession of marly limestones and marls where the coal beds of Cape Mondego are interbedded, showing a wide exposure in the bay cliffs close to the old mine. (A) – Site overview; (B) - Detail of the main coal bed. Photos by J. S. Pinto.

classificam as ocorrências da mina do Cabo Mondego na categoria dos carvões betuminosos. Era do conhecimento dos técnicos dos serviços de minas encarregues do processo de vistoria da exploração, que o carvão do Cabo Mondego, em muitos sectores do jazigo, possuía uma certa percentagem de pirite, por vezes bastante elevada (Cabral, 1862). Com efeito, este mineral típico do ambiente lagunar redutor em que se concentraram os restos vegetais geradores do carvão, tende formar aglomerados de nódulos, pequenos filonetes e plagas, nas margas xistentas carboníferas a que os mineiros chamavam “cascão”, e que separam as camadas de carvão do jazigo, contribuindo para elevados os teores de enxofre obtidos nos ensaios e na queima deste combustível. Porém, na falta de carvão de melhor qualidade, a exploração prosseguia e muito do volume extraído acabava por ser consumido na fileira industrial que, entretanto, se foi desenvolvendo à boca da mina. Em meados da segunda metade do século XIX, quando o arranque industrial subjacente à Regeneração reavivou a lavra do jazigo, esta efetuava-se de um modo bastante simples, dividindo-se o maciço a desmontar em pilares de 7,7 m de lado, através de galerias e de avanços ascendentes e de nível, sobre o plano de máxima inclinação da camada, com uma largura de 4,4 m (Ribeiro, 1858). À medida que se processava o avanço, os pilares situados a montante correspondiam aos vazios posicionados a jusante da mesma galeria. Estas estruturas eram, então, entulhadas com 2,6 m de estéril, ficando o restante entivado para a deslocação dos mineiros, transporte de carvão e material (Pinto et al., 2015).

A partir de finais do século XIX, quando se colocou a possibilidade da compra de carvão pelos CFE, a lavra já havia evoluído para um método de “exploração por maciços longos”, em que a traçagem se dispunha segundo a inclinação da camada, através de talhas ascendentes (Santos, 1982). Esta técnica permitia que o carvão extraído pudesse fluir por gravidade através de calhas colocadas na base da camada (muro), em direção a vagonetes posicionadas na galeria do nível inferior, facilitando-se assim o trabalho do “picador” e rentabilizando-se o processo dos enchimentos (Fig. 5).

Figura 5 – Trabalhos numa frente de desmonte, em inícios do século XX. Autor desconhecido. Col. particular de J. S. Pinto. Figure 5 – Mining in a room, in the early twentieth century. Unknown author. Private collection, J. S. Pinto.


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3.2. A missão de Frederico d’Orey Da inspeção da mina encarregou-se Frederico Mouzinho de Albuquerque d’Orey (1860-1951), engenheiro de minas e chefe da Circunscrição Mineira do Sul, que se fez acompanhar, na primeira visita, por Manuel Roldan y Pego. As observações efetuadas por aquele técnico e as considerações daí resultantes constam de duas extensas “informações” de maio e junho de 1900, as quais, embora ricas de detalhes, se mostraram, contudo, pouco conclusivas. Com efeito, a parte do jazigo com maior potencial, servida pelos poços Mondego e Ajuda e respetivas galerias e estaleiros de desmonte, encontrava-se inundada desde há algum tempo, não sendo, por isso, possível aceder-lhe. No entanto, era sua convicção que a camada útil de carvão, reconhecida numa extensão próxima de 2500 m acima da cota da galeria de rolagem St.ª Bárbara, onde, por ser a lavra mais fácil e mais económica, se tinha até então, desmontado a maior parte do carvão extraído da mina, estaria a caminho do esgotamento. Em consequência, o setor do jazigo que mais interessava estudar e explorar, correspondia ao que se encontrava abaixo dela, acessível por aqueles poços e pelo denominado poço Auxílio, onde os trabalhos em curso pareciam indiciar uma tendência para o enriquecimento dos leitos de carvão em profundidade. No entanto, seria muito arriscado, dizia, “senão mesmo impossível, ajuizar, apenas pela observação deste poço a forma como se comportaria a camada de carvão e qual a quantidade de carvão nos seus mais de 2000 m de extensão” (Orey, 1900a). Pelo conhecimento que tinha da mina, resultado de anteriores visitas, e com base em elementos fornecidos pelo concessionário, este técnico admitia a possibilidade de existirem cerca de 420 000 t de carvão nesta zona do jazigo, o que poderia significar o desmonte de 40 a 50 mil t/ano, entre carvão grosso (o mais procurado) e miúdo, numa proporção de cerca de 40 % do primeiro, para 60 % do segundo, sendo este usado no fabrico de briquetes e consumido nos fornos de vidro e cal locais (Fig. 6). Por aqui se

Figura 6 – Escolha de carvão na mina do Cabo Mondego, em inícios do século XX. A importância do trabalho feminino. Autor desconhecido. Col. particular de J. S. Pinto. Figure 6 – Choosing the coal in Cape Mondego mine at the early twentieth century. The importance of women's work. Unknown author. Private collection, J. S. Pinto.

deduzia que, sendo fiável o cálculo, as necessidades dos CFE estariam suficientemente garantidas, remanescendo ainda um excedente para consumo local, nas indústrias associadas, ou destinado a outros clientes. Contudo, e sublinhava-o bem (op. cit.), para que estas estimativas pudessem ser credíveis era absolutamente necessário abrir novos poços a partir da galeria de rolagem St.ª Bárbara, e instalar aparelhos apropriados para extração e esgoto, na medida em que, até àquela data, a produção anual mal chegava às 13 000 t (Tab. 1). Já no respeitante a custos, Frederico d’Orey supunha que, mantendo-se em profundidade a espessura da camada aproveitável de carvão (ca. de 1 metro) e não havendo infiltrações de água em excesso, o custo por tonelada do carvão preparado para o mercado não deveria exceder os 3000 reis, montadas que estivessem todas as instalações e equipamentos auxiliares, segundo o plano de lavra esboçado. Tendo ainda de pronunciar-se sobre o capital julgado necessário para renovar a exploração mineira,

Tabela 1 – Produções por tipos de carvão e custo da lavra segundo Frederico d’Orey (1900). Table 1 – Production by types of coal and cost of mining according to Frederico d'Orey (1900). Ano

Carvão de 1ª

1899

3.880 t

1898

3916 t

Carvão de 2ª

Carvão de 3ª 6389 t

4594 t

Custo da lavra/t 2700 reis

3781 t

1850 reis


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o mesmo mostrou-se bastante cauteloso, referindo que o montante seria muito variável conforme se optasse por tentar o máximo de economia, o que seria “custoso”, ou por uma lavra “mais expedita”, sem deixar de promover uma exploração racional para obter as metas fixadas. “Julgo porém que com menos capital se pode montar as instalações convenientes com o fim de obter 40 000 a 50 000 t/ano” (idem). Numa coisa, todavia, diretor técnico da mina e inspetor do Estado concordavam, a da necessidade de eliminar a tração animal nos trabalhos subterrâneos, operação que, segundo o primeiro, deveria estender-se também à linha do “americano” que conduzia à estação ferroviária da Figueira da Foz (Fig. 7), opinião não secundada por Frederico d’Orey: “A tração a vapor na linha da mina de Buarcos deverá produzir economia sobre a tração animal mas não a julgo necessária em absoluto, para se poder transportar o carvão que atualmente por ela transita” (idem). Para além da proposta de instalação de novos equipamentos a vapor, o projeto de lavra de Jacinto Pedro Gomes trazia também inovação e modernidade – ou não fosse ele um distinto discípulo da

Academia de Minas de Freiberg –, o reforço da mecanização com e a instalação de “força elétrica”. A transmissão da energia elétrica da superfície para o interior da mina, para os serviços de tração horizontal e inclinada, para esgoto e ventilação em diversos pontos na mina, para iluminação para o transporte da mina à Figueira e outros serviços (…), estaria perfeitamente indicada se a empresa dispusesse do avultado capital necessário à sua instalação (Gomes, 1900). Até então, nenhuma mina portuguesa dispunha destes equipamentos, apesar do seu uso se vir generalizando no estrangeiro, nomeadamente em Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. A proposta apontava para a montagem de uma poderosa máquina a vapor à superfície, a qual acionaria um gerador elétrico que poria em movimento, “á distancia que mais convier, cada um dos dynamos receptores adaptados aos diferentes serviços”, designadamente para extração e esgoto e para ventilação e iluminação, alargando-se a serventia à preparação mecânica e à fabricação de briquetes, uma vez instalados os equipamentos necessários. Esta proposta mereceu franco acolhi-

Figura 7 – A estação ferroviária da Figueira da Foz, cerca de 1910. Postal ilustrado. Col. particular, P. Callapez. Figure 7 – The railway station of Figueira da Foz, circa 1910. Illustrated postcard. Private collection, P. Callapez.


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mais complicada e demorada, calculando Francisco d’Orey que ali estivesse retido um volume de água que deveria rondar os 20 000 m3,devendo contar-se com uma nova entrada permanente de água na ordem dos 7 m3/hora. Estes volumes poderiam corresponder a uns 120 dias de trabalho, já contando com a aquisição de um sistema de bombagem mais potente do que o equipamento que ali estivera instalado. Ficava, porém, por esclarecer, o custo efetivo da reparação do poço e das respetivas galerias de avanço, uma vez que não se podia descer ao local inundado.

mento do inspetor de minas que referia, na sua informação, que a energia elétrica era simples e mais vantajosa do que as máquinas a vapor e que poderia também vir a ser usada na galeria de rolagem St.ª Bárbara. Chamava, no entanto, a atenção para a necessidade de um estrito cumprimento de regras de segurança, incontornáveis numa mina de carvão. Um mês depois, por solicitação da Direção Geral e na convicção de que se teriam já realizado alguns trabalhos de preparação, Frederico d’Orey voltou a inspecionar a mina, apetrechado com uma nova lista de quesitos preparada pelos engenheiros do CTM, direcionados, em particular, para a parte do jazigo abaixo da galeria de rolagem Sta. Bárbara, entre a boca e a sua extremidade, na profundidade de 100 m segundo a vertical (aproximadamente, 160 m segundo a inclinação da camada), acessível pelo poço Mondego, que deveria ser reconstruído e aprofundado. Pedia-se-lhe uma informação “prestada com todos os detalhes essenciais, como sejam a natureza e situação dos trabalhos de reconhecimento, dimensões custo, etc.” (Conselho,1900b), uma base sólida, portanto, para um cálculo de reservas e uma previsão do capital necessário, fidedignos. Já anteriormente Frederico d’Orey informara que, para reconhecer o jazigo nesta região, seria necessário abrir poços de reconhecimento a partir da galeria St.ª Bárbara, os quais poderiam ser levados à profundidade indicada pelos técnicos do MOPCI; porém, considerava esses trabalhos caros e morosos e para os quais seria necessário adquirir, pelo menos, uma nova caldeira a vapor, para extração e esgoto. A alternativa, porventura mais exequível, consistiria no alargamento e aprofundamento dos poços já existentes (Auxílio, Ajuda e Mestre), a equipar com duas vias para posterior utilização para desmonte e extração dos respetivos campos de lavra, cujo custo estimava em cerca de 20.500.000$000 reis, incluindo a aquisição e instalação de uma nova caldeira. Já o esgotamento do poço Mondego e dos respetivos trabalhos afigurava-se uma tarefa bem

3.3. Novos testes de tração Entretanto haviam chegado, também, ao Conselho os resultados das experiências de queima e tração mandadas realizar pela Administração nas linhas do Minho e Douro, com o carvão do Cabo Mondego e com carvão inglês, conduzidas sob a direção do engenheiro diretor dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste, Luís Albuquerque d’Orey, irmão de Frederico d ‘Orey (Câmara, 2005). Em paralelo, terão sido também enviados certificados de análises do carvão nacional realizadas no estrangeiro, apresentados por A. Bracourt, sendo estas as únicas que continham indicações sobre os teores em enxofre (Tab. 2), que, segundo o engenheiro que dirigira as experiências de tração, não deveriam andar longe da realidade (Caminhos de Ferro do Estado, 1911). Provava-se assim, através desses documentos, que o carvão do Cabo Mondego era “um pouco inferior ao carvão inglez não só no que respeita ao theor em cinzas e enxofre mas ainda no poder da vaporização e effeito util, sem, por isso, deixar de ser adaptavel aos caminhos de ferro” (Conselho, 1901). Tinha, porém, o carvão português o inconveniente de produzir muito fumo que incomodava o pessoal e os passageiros “impedindo muitas vezes o maquinista de ver, durante a marcha, a cauda do comboio e sinais que se fizessem nas estações, a plataforma e o seu pessoal” (Ministério

Tabela 2 – Resultados das experiências solicitadas pelos serviços do MOPCI. Table 2 – Results of the experiments requested by MOPCI services. Parâmetros

Carvão de Cardiff 2ª qualidade

Carvão do Cabo Mondego

Coeficiente de vaporização (%)

8,3

7,3 (ca. de 8.000 cal)

Percentagem de cinzas (%)

8,0

9,6

não indicado

0,5 a 0,6

Enxofre (%)


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do Fomento, 1911). Contudo, a Administração parecia considerar estes resultados como globalmente satisfatórios, corroborando os que se tinham deduzido dos ensaios feitos em 1898, em ambas as direções dos CFE. Quanto ao fumo, esse era um problema que o engenheiro chefe de tração julgava “fácil de remediar”, colocando, por exemplo, pares de defletores na parte dianteira das locomotivas, operação pouco onerosa (Caminhos de Ferro do Estado, 1911). 3.4. As vistorias decisivas Embora os elementos chegados ao CTM apontassem para uma possível resposta positiva à celebração do contrato entre a Guimarães & Bracourt e os CFE, a prudência e as informações do Chefe da Circunscrição Mineira não permitiam concluir senão da necessidade de proceder a trabalhos de reconhecimento, para se obterem bases seguras para responder às questões iniciais da Administração. Para isso, a empresa mineira teria de ampliar os trabalhos existentes, procedendo segundo o plano de lavra e de acordo com as sugestões de Frederico d’Orey e, quando concluídos, de novo inspecionados. Assim foi a conclusão da consulta interlocutória do CTM, de 24 de julho de 1900. Frederico d’Orey voltou ao Cabo Mondego em 10 de novembro desse ano e, muito possivelmente, no início de janeiro seguinte, após o que declarou achar-se o jazigo suficientemente reconhecido. As suas observações no terreno foram completadas com informações sobre o cálculo dos custos de produção, compilados na tabela 3, chamando a atenção para o facto de, à data das visitas, a produção decorrer em condições bastante onerosas, uma vez que o carvão provinha quase todo dos avanços e não de desmontes (Orey, 1901). A estes valores acresciam os custos de transporte até à estação da Figueira da Foz (400 reis/t), ou de colocação a bordo de navios surtos no porto comercial (500 reis/t). 4. “Parece a este Conselho…” Em fevereiro de 1901, na posse destas informações, o CTM estava em condições de poder emitir o parecer solicitado em março do ano anterior, pela Administração dos Caminhos de Ferro do Estado. Para este efeito, entendeu dever redigi-lo segundo as perguntas que lhe haviam sido dirigidas, conforme se resume nos parágrafos seguintes.

4.1. Primeira pergunta: “Que valor têm as garantias oferecidas pela empresa mineira?” Na sua aparente simplicidade esta era, no entanto, uma questão de sobeja importância, já que o Estado, se o contrato fosse firmado nas condições sugeridas por Antoine Bracourt, tinha de avançar uma soma avultada. Ao oferecer como garantia todos os seus “bens e haveres”, asseverando que o Governo ficaria com o direito de explorar a mina por sua conta, até ao cabal cumprimento do contrato, caso se demonstrasse má-fé por parte da empresa no seu cumprimento, isso implicava não só a avaliação do património da Guimarães & Bracourt, conferindo se este seria, ou não, suficiente para cobrir os 100 contos de reis pedidos adiantadamente, como também a indicação de como se deveria proceder caso este cenário se tornasse realidade. Para o Conselho, por “bens e haveres” devia de entender-se, além de tudo o que estava diretamente relacionado com a exploração mineira, i.e., edifícios, maquinismos e material circulante, sobretudo o “valor líquido” do carvão que poderia ser extraído durante a vigência do contrato, em sua opinião a principal garantia, já que, pelos elementos recolhidos, os bens materiais pareciam representar um valor muito inferior ao do adiantamento, mais a mais se desligados da sua função original. Daí, a necessidade dos elementos detalhados que haviam sido pedidos a Frederico d’Orey, norteando as suas observações segundo três aspetos principais: a quantidade de carvão contida na parte conhecida do jazigo; os custos da lavra da beneficiação e do transporte até à Figueira da Foz, e o preço de venda do combustível nesta localidade. Relativamente à quantidade de carvão explorável no interior da mina, Frederico d’Orey estimara as reservas acima da galeria de rolagem St.ª Bárbara, em cerca de 40 000 t, alertando, no entanto, para que o desmonte deste maciço não poderia fazer-se, em simultâneo, com a abertura ou aprofundamento dos poços já existentes, pois a galeria St.ª Bárbara não daria vazão ao acréscimo de materiais extraídos (Orey, 1900b). Perante estes números, o Conselho chamava a atenção para que, ao ritmo a que se trabalhava, umas 13 000 t/ano, quando o contrato fosse celebrado, esta reserva representaria, apenas, uma pequena fração da quantia pedida em adiantamento pela mineira. Atendendo a que não é possível fixar a priori qual será o número de toneladas a que estará reduzida a quantidade de


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Tabela 3 – Custos de produção por tonelada segundo Frederico d’Orey (1900/1901). Table 3 – Production costs per ton according to Frederico d'Orey (1900/1901). Rubricas / materiais

Carvão grosso (em reis)

Desmonte e enchimento

$750

Transporte até à Figueira

$620

Escolha e crivagem

$320

Vias, galerias de avanço, entivação

$260

Esgoto

$060

Máquinas e ferramentas

$210

Material fixo

$120

Material circulante

$125

Moagem e lavagem de carvão

$160

Trabalhos novos e pesquisas

$050

Administração e direção técnica

Briquetes (em reis)

(a)

Despesas gerais e imprevistos

$401

Carvão do Cabo Mondego 82 % a 3$076 / t

2$522

Antracite, 15 % a 4$500 / t (b)

$675

Breu, 3 % a 15.000 / ton

$450

Fabricação

$300 Total

3$076

3$947

(a) Não indicado. (b) O autor não especifica a proveniência, que tanto poderia ser S. Pedro da Cova, com que se fizeram experiências, como “inglesa”.

carvão ainda, porventura, restante na região do jazigo sobrejacente à galeria Stª Barbara na ocasião de se efetuar o contrato proposto, por se não saber quando este de efetuará, parece a este Conselho que […] não convém contar senão com a região do jazigo situado abaixo da galeria St.ª Bárbara… (Conselho, 1901). Nesta zona do jazigo, segundo Frederico d’Orey, a camada útil de carvão encontrava-se reconhecida em todo o seu comprimento (2500 m), até uma profundidade de ca. de 180 m segundo a inclinação da camada no poço Mondego, o que lhe permitira estimar a tonelagem disponível. Sem desmerecer o valor estas indicações, o CTM entendeu refazer o cálculo de uma forma mais prudente, descontando ao comprimento reconhecido os estrangulamentos da camada, que a tornavam inaproveitável, as escavações e os maciços de sustentação e, embora parecesse que a possança dos estratos carbonosos aumentasse

em profundidade, adotando, para espessura média em carvão utilizável, o valor de 0,85 m, um pouco inferior à média das três espessuras médias medidas nos poços Mondego, Mestre e Auxílio. Parece a este Conselho ser lícito admitir-se, como muito provável, que o jazigo se continue regularmente por toda a extensão da galeria Stª Bárbara até à profundidade atingida pelo poço Mondego […] podendo arbitrar-se […] que a correspondente quantidade de carvão será de 306.000 metros cúbicos ou, supondo a densidade do carvão do Cabo Mondego igual a 1,20 que é o valor indicado pelos autores franceses como o que deve ser adotado em cálculos desta ordem, 367.200 toneladas métricas (Conselho, 1901). Com esta estimativa e a proporção relativa de carvão grosso / miúdo indicada por Frederico d’Orey (40 % do primeiro para 60 % do segundo) poderia então apontar-se, de um forma segura para


64 O carvão do Cabo Mondego e os Caminhos de Ferro do Estado: cinco perguntas e um parecer

qualquer coisa como 146 800 t, de carvão grosso diretamente utilizável, e 220 200 t de carvão miúdo. Nesta ótica, avaliados os custos de produção e de beneficiação, por tonelada, em 3$076 (Tab. 3) – valor que poderia ser inferior, quando a mina, devidamente organizada, permitisse uma lavra em mais larga escala –, o carvão grosso representaria cerca de 136 contos de reis, valor superior à verba pedida como adiantamento, a que deveria acrescentar-se o do carvão miúdo, transformado em briquetes, embora o seu custo só pudesse determinar-se depois de se fixar a sua composição, o que pressupunha a realização de novos ensaios de tração, já que não havia experiência de produção destes combustíveis. Assim, (…) é este Conselho de parecer que pode admitir-se como sumamente provado que o valor liquido do combustível, contido na região reconhecida do jazigo, e que pode considerar-se como devendo representar a principal garantia oferecida, seja suficiente para reembolsar a Administração dos Caminhos de Ferro do Estado do adiantamento de 100:000$000 reis que lhe é pedido pela empresa mineira do Cabo Mondego (Conselho, 1901). 4.2. Segunda pergunta: “Pode a empresa tomar o compromisso de fornecer às linhas do Estado durante 10 anos, 25.000 toneladas de bom carvão? Comporta a possança do jazigo esse compromisso?” Computadas as reservas em carvão em mais de 367 000 t parecia fora de dúvida a possibilidade de garantir o fornecimento pedido no horizonte dos 10 anos (250 000 t). Mesmo assim, entendeu o CTM chamar a atenção para o facto da proposta de Antoine Bracourt apontar que aquele valor só poderia ser atingido depois de prontas as instalações projetadas, o que levaria uns dois anos a concretizar-se, segundo a previsão de Frederico d’Orey. Além disso, sublinhava que a proposta, ao apontar para a entrega de 6000 t no primeiro ano, 18 000 t no segundo e, só depois passar às 25 000 t /ano previstas no contrato, estava, de facto, a oferecer uma entrega inferior, de apenas 224 000 t. 4.3. Terceira pergunta: “É justificada a exigência do adiantamento de 100:000$000 reis para organizar devidamente a lavra, e resulta o seu cômputo de um plano de lavra credor de aprovação?” O plano de lavra esboçado por Jacinto Pedro Gomes propunha que a exploração se fizesse por

poços inclinados segundo a linha de maior declive das camadas, aos quais corresponderiam outros tantos campos de lavra, desmontados por talhas laterais subdivididas em degraus invertidos, continuando a galeria de rolagem St.ª Bárbara a servir para o transporte geral de carvão e condução das águas para o exterior (Fig. 8).

Figura 8 – Esboço ilustrativo dos desmontes por talhas laterais por degraus invertidos, ensaiado na mina do Cabo Mondego, no início do século XX. Desenho de J. S. Pinto baseado em informação oral de J. Moreira dos Santos (), antigo diretor do Complexo Industrial do Cabo Mondego. Figure 8 – Illustrative model of slope mining exploration, tested in Cape Mondego, at the early twentieth century. Drawn by J. S. Pinto based on oral information of J. Moreira dos Santos (), former director of the Industrial Complex of Cape Mondego.

Embora o CTM fosse de opinião que um poço aberto na vertical e bem organizado seria em geral preferível, não teve, porém, dúvidas em considerar este sistema como “clássico” e recomendado para as camadas que, como as do Cabo Mondego, apresentavam pequena possança e uma inclinação superior a 25º. Tal obstaria às dificuldades que certamente se ofereceriam à abertura de um único poço vertical que, até atingir o jazigo, atravessaria camadas grés aquíferos muito possantes, que obrigariam a grandes dispêndios de capital e tempo para a sua completa realização. (…) em vista das dificuldades técnicas que nas condições especiais da mina oferecia a abertura de um poço vertical, […] que pelo emprego dos poços inclinados nem se impede que a produção atinja a cifra requerida, pois que para isso bastará multiplicar na devida proporção o número de poços e respetivos


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campos de lavra, nem se compromete o futuro aproveitamento do jazigo, parece a este Conselho poder ser, nestas circunstancias excecionais, aprovada a adoção de poços inclinados para o serviço de extração e desague, como propõe a empresa (Conselho, 1901). Mais sensível era, porém, a questão da “força motriz” para os trabalhos subterrâneos, já que o sistema de poços inclinados implicava instalar, em cada um deles, a sua própria máquina de extração. Neste domínio, a proposta de eletrificação dos trabalhos de lavra colhia total simpatia por parte do CTM, ao sublinhar que, do ponto de vista técnico e económico, era um processo superior a todos os outros até então adotados, pelo grande número de vantagens, nomeadamente a facilidade de transmissão a distâncias consideráveis, as menores despesas de instalação e sua adaptabilidade a todos os trabalhos subterrâneos, por mais sinuosos e irregulares que estes fossem. Ficava apenas a recomendação expressa de se procurar o máximo de cuidado com os equipamentos, de forma a evitar a produção de faíscas, para que não houvesse riscos de inflamação do grisu, presença constante nas minas de carvão. A implementação deste plano implicava, tal tinha sido estimado por Jacinto Pedro Gomes, o emprego de um capital estimado em 115:000$000 reis, necessário não só para a lavra, mas também para a preparação mecânica, fabricação das briquetes e transporte dos produtos até à Figueira da Foz. Por isso, o valor pedido não pareceu exagerado aos técnicos do MOPCI, os quais, pelo contrário, o achavam até inferior ao que provavelmente seria necessário despender. (…) é este Conselho de parecer que o plano proposto se pode aceitar nas suas linhas gerais, não só por se adequar às condições do andamento do jazigo, mas ainda por poder dar lugar a uma produção superior […] não [ser] exagerado o adiantamento de 100:000$000 reis pedido pela Empresa […] parecendo a este Conselho que a empresa poderá, como propõe, fornecer aos Caminhos de Ferro do Estado 6.000 t no primeiro desses dois anos, pois que a produção atual da mina é de 13.000 t, e 18.000 t no segundo ano, porque a esse tempo já em parte poderá servir-se das novas instalações (Conselho, 1901).

4.4. Quarta pergunta: “Quais as garantias eficazes que à face da nossa legislação mineira convém exigir para pôr o Estado ao abrigo de prejuízos, e que possam responder pelo capital adiantado?”

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Embora se reconheça a pertinência da questão, querendo a Administração deixar salvaguardada qualquer eventualidade, o CTM não hesitou em referir que a legislação mineira em vigor, não continha, nem esse era seu mister, quaisquer disposições nesse sentido, por isso se exigia aos candidatos a concessionários, individuais ou companhias, que provassem possuir os capitais necessários à lavra. Aliás, sublinhava, a lei contrariava até a realização de contratos como o que se pretendia fazer. Porém, no entendimento dos técnicos do MOPCI, a lei também não impedia que ao Estado fosse lícito celebrá-los quando, como no caso vertente, da sua realização resultassem vantagens importantes para o país. O CTM chamava ainda a atenção para um outro aspeto da proposta de Bracourt, ao recordar que os recursos do subsolo eram pertença do Estado que os dava a explorar por concessão, não podendo esta ser transmitida sem prévia autorização do Governo. Portanto, o jazigo não podia ser usado como garantia, tal como se oferecia na proposta de contrato. Se fosse necessário atuar judicialmente sobre a empresa, a ação, teria de ser regulada pela legislação civil ordinária, e só poderia incidir sobre os valores que aquela possuísse à superfície, e nunca sobre a propriedade do jazigo. 4.5. Quinta pergunta: “Como podem as garantias propostas tornar-se efetivas no caso em que, por má administração ou malogro do plano de lavra, a empresa mineira falte ao fornecimento do carvão contratado?” A minuta de contrato enviada aos CFE estipulava que, em caso de incumprimento, a exploração do complexo mineiro passaria para o Governo. Contudo, esta situação não era linear, na medida em que a Guimarães & Bracourt era apenas uma subarrendatária dos direitos de lavra pertencentes ao concessionário, a Empresa Exploradora das Minas e Indústrias do Cabo Mondego, propriedade do Conde de Duparchy, não podendo, em consequência, oferecer como garantia, bens que não lhe pertenciam, além do jazigo ser propriedade do Estado. Assim, o CTM era de parecer que (…) a clausula que se pode estabelecer é a de se obrigar a empresa mineira, caso não cumpra as condições do contrato, a transferir o arrendamento para a administração dos Caminhos de Ferro do Estado ou para pessoa por esta julgada idonea, independentemente de se ter de entregar, bem entendido, á mesma Administração, todas as instalações, maquinismos, edificios, material, etc. (Conselho, 1901).


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O Conselho deixava ainda outra sugestão ao recordar que o concessionário, representado, neste caso, pelo subarrendatário da mina, podia incorrer em falta de cumprimento das disposições legais à luz das quais fora atribuída a concessão, entre as quais a de abandono da mina. “É natural que feito este contrato a Administração se garanta contra esta eventualidade, estipulando a cláusula de que substituirá a empresa mineira em tudo e por tudo na lavra do jazigo” (idem), evitando que ela incorresse em tal penalidade. Mais recomendava que fosse feita uma rigorosa fiscalização sobre a aplicação das quantias adiantadas à empresa mineira e sobre a execução de todos os trabalhos e operações na mina e nos diversos estabelecimentos anexos, mediante a colocação no local, a título permanente, de um engenheiro do Estado que reportasse à Circunscrição Mineira, o qual visitaria a mina pelo menos uma vez por mês, enviando ao Ministério informações minuciosas.

5. Preços, contrato e contingências Embora a questão dos preços do carvão do Cabo Mondego não constasse do rol de perguntas dos CFE, o Conselho não se coibiu de se pronunciar sobre as regras a que entendia dever subordinar-se a sua determinação, uma vez que aquele valor seria indexado ao do carvão de Newcastle e, consequentemente, as suas variações, implicavam diretamente com a amortização do adiantamento. A Guimarães & Bracourt propunha que o preço de venda do seu combustível fosse regulado pela média dos preços do carvão de Newcastle, registada no mês anterior à respetiva remessa, na praça de Lisboa para as aquisições com destino às linha do Sul e Sueste e, na praça do Porto para as linhas do Minho e Douro, tendo por base as médias de preços indicados por três casas importadoras de cada destas cidades, e escolhidas em comum acordo pela empresa mineira e pela Administração dos CFE. Ao valor obtido far-se-ia um desconto, variável no mesmo sentido, não podendo, no entanto, o preço do carvão do Cabo Mondego ficar inferior a 4$000 reis nem superior a 8$000 reis por tonelada, posta na Figueira da Foz, a bordo de embarcação ou em vagão. O CTM era de parecer que seria de aceitar o valor de 4$000 reis por tonelada como preço mínimo a pagar à empresa, na presunção de que os preços do carvão estrangeiro importado nunca baixassem para além de um limiar que obrigasse o carvão

nacional, para fazer-lhe concorrência, a descer a um preço inferior àquele; quanto ao valor do carvão inglês, entendia preferível que em vez de recorrer “a informações de quaisquer casas importadoras“, se tomasse como base o preço no próprio mercado inglês, acrescido dos custos do transporte e baldeações até Lisboa ou ao Porto, para se obterem os preços nestas localidades. Sem o afirmar de forma explícita, o CTM tentava assim evitar futuras manobras de especulação, certamente tentadas por alguns comerciantes. Já quanto ao desconto a praticar no preço do carvão inglês, para se obter o correspondente valor para o carvão nacional, era necessário ter bem presentes os resultados das experiências de tração, os quais permitiam estabelecer as quantidades relativas de carvão nacional e inglês, necessárias para produzirem um mesmo efeito útil. Recomendava, por isso, a determinação rigorosa, e comparação, dos respetivos poderes de vaporização, para só então se determinar o valor desse desconto, chamando a atenção para que tal valor nunca fosse inferior à diferença de preços dos dois combustíveis, em efeito útil, sem o que a Administração ficaria prejudicada comprando o carvão do Cabo Mondego, em vez de continuar a comprar carvão estrangeiro. Já no que respeitava à amortização, prevista num prazo máximo de 10 anos, mediante um desconto feito no preço da tonelada estabelecido segundo as sugestões do CTM, pagando ainda, a empresa, em cada ano, um juro de 5 % pelo capital em dívida, o CTM fazia notar que não se podia assegurar, a priori, que por tal forma aquela se pudesse realizar totalmente no prazo previsto, porque para certos preços do combustível e para um fornecimento de 25 000 t/ ano, os valores dos descontos propostos não produziriam, em cada ano, a quota suficiente para garantir a amortização total. Era, por isso, o Conselho de parecer que fosse fixado um valor mínimo de amortização por ano, crescente durante os primeiros quatro anos, conservando-se daí em diante constante, tendo em conta que seria com certeza conveniente à empresa mineira que as amortizações nos primeiros anos fossem mais suaves do que as dos anos seguintes. Tendo em conta as recomendações do CTM, em 26 de julho a Administração enviou à empresa mineira uma proposta “indiscutivelmente vantajosa”, mostrando interesse em adquirir anualmente uma quantidade elevada de carvão, desde que este satisfizesse às condições necessárias para ser aplicado nas locomotivas. Contudo, certamente por razões financeiras, nada avançou quanto ao adiantamento, razão pela qual a proposta não teve seguimento,


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motivando, mais tarde, uma queixa da Guimarães & Bracourt ao MOPCI, alegando que fizera todos os esforços para cumprir as condições que lhe haviam sido impostas e o negócio não se concretizara (Ministério do Fomento, 1911). O assunto terá entretanto esfriado, até que, em junho de 1903, os CFE reataram os contactos, tendo o então Ministro das Obras Públicas, Conde de Paçô-Vieira, “certamente imbuído de um genuíno espírito patriótico, se interessava por desenvolver a indústria carvoeira nacional” (idem), autorizado a preparação de um acordo para fornecimento de 25 000 t anuais de carvão “em boas condições de preço e qualidade” (Paçô-Vieira 1905). No contrato fixava-se a regulação do preço do carvão, indexado ao tipo Newport Colliery screened, em 5/6 deste, acrescido dos fretes até ao Tejo ou ao Douro e dos direitos aduaneiros, de modo que abatendo ao preço o custo do frete da Figueira da Foz ao Barreiro ou ao Porto, por mar, ou por terra até Vendas Novas ou Campanhã, aquele não poderia ser superior a 7$000 nem inferior a 3$800 reis, limite abaixo do qual a empresa mineira já não seria obrigada a fornecer (Caminhos de Ferro do Estado, 1912). Contudo, não se estipulava o preço dos briquetes a produzir com o carvão miúdo, o qual seria posteriormente determinado em função dos resultados das experiências que viessem a ser feitas, sessando o seu fornecimento se houvesse três rejeições. O contrato válido por 10 anos, prorrogável por mais cinco, foi celebrado em 3 de julho de 1903, retomando-se a anterior proposta do CTM de nomeação de um delegado da Administração junto da empresa mineira, lugar para o qual foi indigitado o engenheiro de minas António Maria da Silva (1872-1950)4, então subalterno do quadro do MOPCI. A situação económica da mineira não era, porém, de molde a grandes investimentos para aumentar a produção, pelo que os CFE continuaram a abastecer-se de carvão inglês, comprado diretamente através dos cônsules portugueses em Cardiff, para as linhas do Minho e Douro, e de Newport para o Sul e Sueste (Caminhos de Ferro do Estado, 1912), e importado através da reputada Pinto Basto & C.ª Lda. (carvão Lewis Merthyr). Em abril do ano seguinte, alegando necessidade de adquirir mais equipamento e, assim, poder dar

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maior desenvolvimento aos trabalhos de lavra, Antoine Bracourt pediu aos CFE que lhe adiantassem 80:000$000 reis por conta do carvão a fornecer, verba a reembolsar pelo desconto de 30 % sobre o preço acordado. A Administração, coadjuvada pelo engenheiro Severiano Monteiro, entendeu estudar o assunto, já que se lhe afigurava vantajoso auxiliar a exploração de um importante jazigo carbonífero nacional, desde que os interesses do Estado fossem acautelados (Ministério do Fomento, 1911). Na prática, tratava-se de uma reformulação do pedido feito em 1900, ao qual tinha sido negado provimento pelos CFE. Neste âmbito, foi o Conselho novamente solicitado a emitir parecer e, vistas as garantias oferecidas pela empresa mineira, avaliadas pelos engenheiros Estevão Torres e Flávio Pais, computadas em 220:000$000 reis, “consultou favoravelmente propondo a operação e indicando as clausulas que deveriam ser estabelecidas no contrato” (Paçô-Vieira, 1905). Foi fixado um juro de 5,5 %, baixando-se os preços de venda, mínimo e máximo, para 3$400 e 6$250, respetivamente, comprometendo a empresa a entregar um plano de lavra definitivo, garantindo-se o Estado com a posse de todo o património da concessionária em caso de rescisão, bem como com a totalidade das verbas pendentes de recebimento (Portaria de 18 de maio de 1904). Esta operação, que mereceu mais tarde o epíteto de “aleatória” (Caminhos de Ferro do Estado, 1912), não configurava, sublinhe-se, nem um empréstimo nem uma hipoteca, não obstante vencer juros e ser caucionada por todo o material circulante da via-férrea, para além de máquinas, engenhos, aparelhos e utensílios da mina e das instalações industriais anexas, matérias primas e fabricadas existentes na fábrica de vidros e a cessão dos direitos de exploração da mina e industrias anexas. Realizado o adiantamento aprovado por portaria de 14 de maio de 1904, pagos em três tranches (Caminhos de Ferro do Estado, 1904), ter-se-ão intensificado, de imediato os trabalhos, possivelmente graças à instalação de ar comprimido adquirida com aquele dinheiro, cujo rendimento seria mais tarde criticado pelo delegado dos CFE junto da mineira. Contudo, os fornecimentos subsequentes pautaram-se pela irregularidade, que a empresa justificava com dificuldades na lavra motivadas por razões geológicas adversas e pela ocorrência de grisu ou de inundações, factos em parte comprovados por

4 António Maria da Silva notabilizou-se pelo percurso político, após a breve passagem pelos quadros do MOPCI, tendo ocupado, praticamente, todas as pastas ministeriais nos sucessivos Governos da 1.ª República, designadamente Fomento, Trabalho, Finanças, Educação, Agricultura e Guerra, presidindo ao Ministério, em quatro Governos (Mónica, 2006).


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António Maria da Silva. O fabrico de briquetes, para o qual Bracourt pedira também, sem sucesso, um novo empréstimo, dera maus resultados por ser a escolha do carvão mal feita ou quando se tentara usar, apenas, carvão refinado do Cabo Mondego, acabando por o fabrico ser abandonado (Silva, 1907). Colocava-se, assim, no horizonte a rescisão do contrato pelos CFE.

Creio ter prestado um bom serviço à economia do país, tornando possível o aproveitamento em larga escala do carvão nacional. Todos os indícios eram de melhoria da sua qualidade à medida que se atingisse maior profundidade. Os outros países procuraram valorizar e aproveitar os seus jazigos de combustível, ainda quando de qualidade inferior. Entendi que devíamos fazer o mesmo (Paçô-Vieira, 1905). Agradecimentos

6. Notas finais Se bem que este contrato constitua um mero detalhe, nos mais de 200 anos de história da mina do Cabo Mondego, não deixa, porém, de configurar um caso exemplar de cruzamento de opções e intencionalidades, políticas, económicas e técnicas, num quadro em que, em paralelo, se apostava no desenvolvimento da indústria e na diminuição da (crónica) dependência energética do país. Olhado à distância, o parecer emitido pelos serviços do Estado, sobre o contrato de abastecimento de carvão aos CFE, parece ter cumprido dois propósitos: um meramente técnico, ao insistir no reconhecimento da mina, na introdução de melhorias na lavra e na beneficiação dos carvões; outro, o de acautelar os interesses do Estado, alertando os CFE para alguns problemas que se poderiam levantar ao assinarem o contrato. Faltou-lhe, porventura, maior fôlego jurídico, de molde a remover os contornos mais dúbios do negócio. Se bem que, no entender de António Maria da Silva (1907), a Administração tivesse sido cautelosa no clausulado “superiormente aprovado”, o facto é que o arrastado incumprimento das tonelagens estipuladas, decorrente da irregularidade do jazigo e da fragilidade económica da empresa, a compra adiantada de um fornecimento sem preço claro do produto, e sem garantia de entrega, em completa violação das regras da contabilidade pública, não evitaram o duro ataque do novel regime Republicano saído da revolução de 5 de outubro de 1910, o qual não perdeu tempo a instaurar uma sindicância, clamando a imediata rescisão do contrato que considerava ruinoso. Fique claro, no entanto, como os próprios fizeram questão de vincar, que o intuito da Administração dos CFE, ao celebrar este contrato, era o de obter carvão para as suas locomotivas e não o de fazer simplesmente um empréstimo, muito menos uma hipoteca. Acrescente-se que a este processo subjazia uma convicção firme e patriótica, imune às farpas deste período conturbado da história política portuguesa:

Os autores estão gratos ao LNEG pelas facilidades concedidas na consulta da documentação de arquivo e à colega Ana Paula Pires, pela leitura crítica do original. Este trabalho teve apoio financeiro por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto UID/HIS/04209/2013. Fontes e bibliografia Documentação não impressa Arquivo Histórico da Direção Geral de Energia e Geologia (em depósito no LNEG): Caminhos de Ferro do Estado, 1904. [Ofício ao Diretor Geral de Minas], 30/07/1904. Conselho Técnico de Minas, 1900a. [Ofício ao Diretor Geral Obras Públicas], 4/04/1900. Conselho Técnico de Minas, 1900b. [Ofício ao Diretor Geral Obras Públicas], 18/05/1900. Conselho Técnico de Minas, 1901. [Contrato da mina de carvão do Cabo Mondego para fornecimentos aos CFE], 23/02/1901, 35 fls. Gomes, J. P., 1900. [Exploração da mina de Buarcos durante o ano de 1899]. Orey, F. d’, 1900a. [Informação à Dir. Geral de Minas], 7/05/1900. Orey, F. d’, 1900b. [Informação à Dir. Geral de Minas], 4/06/1900. Orey, F. d’, 1901. [Informação à Dir. Geral de Minas], 8/01/1901. Processos mineiros: mina nº 7 (Cabo Mondego); Couto Mineiro nº 22. Silva, A. M., 1907. [Relatório da visita para informação das condições alegadas pela empresa], 4/04/1907, 3 fls. Coleção particular de J. S. Pinto: Pego, M. R., 1912. Relatório sobre a Mina de Carvão do Cabo Mondego e indústrias anexas. Companhia Mineira e Industrial do Cabo Mondego, Figueira da Foz, 67 fls. Pinto, A. C., 1921. Relatório sobre a mina de carvão do Cabo Mondego. Documento interno datilografado, Companhia industrial e Mineira de Portugal, Figueira da Foz, [Datado de maio de 1921], 123 fls..


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Mónica, M. F. (Coord.), 2006. Dicionário Biográfico Parlamentar 1834-1910. Assembleia da República e Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 3: 1081-1084. Pinto, J. M. S., Callapez, P. M., Brandão, J. M., Santos, V. F, & Pinto, R., 2015. A mina de carvão do Cabo Mondego: 200 anos de exploração. In Brandão, J. M. & Nunes, M. F., Memórias do carvão, 235-258. Paçô-Vieira, C., 1905. Os caminhos de ferro portuguezes. Subsidios para a sua história. Lisboa. Livraria Clássica Editora, 586 p. Evocação. Resenha sobre a vinda para Portugal de uma família de emigrantes franceses. In: http://figueira.com/ /ofigueirense/2000/Fevereiro/ed000218/ffjfevocacao.html, consultado em 18/01/2006, O Figueirense, 218. Ribeiro, C., 1858. Memórias sobre as minas de carvão dos districtos do Porto e Coimbra, e de carvão e ferro do districto de Leiria. V. I (II). Academia Real das Sciencias, Lisboa, 328. Rocha Peixoto., A., 1897. A Terra Portuguesa. Chronicas Scientíficas. Livraria Chardron, Porto, 293. Santos, J. M., 1982. Complexo Industrial do Cabo Mondego. Sua evolução através dos tempos. Cadernos Municipais 10, Câmara Municipal da Figueira da Foz, 109. Torres, C. M., 1958. A evolução das linhas portuguesas e o seu significado ferroviário. Gazeta dos Caminhos de Ferro, 1683: 75-78.



GEONOVAS N.º

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Palinostratigrafia e maturação orgânica do Karoo Inferior nas sondagens ETA 15 e ETA 71 da Bacia de Moatize-Minjova, província de Tete (Moçambique) M. Costa1*, L. Castro2, P. Fernandes3, Z. Pereira4, J. Marques5 1

Universidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Dpto. Ciências de Terra (UNL/FCT/DCT) Quinta da Torre 2829-516 Caparica 2

Universidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Dpto. Ciências de Terra, GeoBioTec Quinta da Torre 2829-516 Caparica

3

Universidade do Algarve, Centro de Investigação Marinha e Ambiental (UALG/CIMA), Campus de Gambelas, 8005-139 Faro 4

Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), Rua da Amieira, Ap. 1089, 4466-901 S. Mamede Infesta

5

Gondwana Empreendimentos e Consultorias, Limitada, Rua B, n.º 233, Bairro da COOP, Caixa Postal 832, Maputo, Moçambique *autor correspondente: ms.costa@campus.fct.unl.pt

Resumo Neste trabalho foram estudadas 12 amostras, obtidas de duas sondagens, ETA 15 e ETA 71 (com cerca de 30 m de profundidade total), realizadas na Bacia de Moatize-Minjova (Província de Tete, Moçambique). Nesta bacia encontram-se as formações do Supergrupo Karoo (SGK), que têm vindo a ser estudadas sobretudo pelas suas reservas de carvão. A idade dos sedimentos foi determinada por análise palinológica de 2173 especímenes e o grau de maturação orgânica pela medição do poder refletor aleatório da vitrinite (e em menor extensão pela análise da fluorescência e cor dos esporos). Os resultados palinológicos indicam que esta formação pertence ao Pérmico Superior e os valores do poder refletor da vitrinite, que variam entre 1,39-1,50 %Rr, correspondem a um rank de carvões betuminosos de médios a baixos voláteis. Os resultados obtidos neste estudo são comparados com informação palinológica e dados de maturação já existentes, que resultaram de sondagens realizadas na mesma bacia. Estes dados permitem inferir que os sedimentos pertencerão à base da Formação Matinde ou ao topo da Formação Moatize. Palavras-chave: Palinologia, refletância da vitrinite, Karoo, Bacia de Moatize-Minjova, Moçambique. Abstract The 12 samples analyzed in this work were obtained from two boreholes, ETA 15 and ETA 71 (ca. 30 m total depth), drilled in the MoatizeMinjova Basin (Tete Province, Mozambique). In this basin the Karoo Supergroup (KSG) formations are well represented and have been studied mainly due to their coal reserves. The age of the strata was determined by means of palynological dating, using 2173 specimens and organic maturation of the two boreholes was determined by means of random vitrinite reflectance (supported by the study of spore fluorescence and colour). Palynological results indicated a latest Permian age and vitrinite reflectance values measured ranged from 1.39 to 1.5 %Rr, corresponding to bituminous coals with low to medium volatiles in terms of coal rank. The results of this study are compared with existing palynological and maturation data obtained from other boreholes studied in the same basin. These data allow to infer that the sediments belong to the base of Matinde Formation or to the top of Moatize Formation. Keywords: Palynology, vitrinite reflectance, Karoo, Moatize-Minjova Basin, Mozambique.


72 Palinostratigrafia e maturação orgânica do Karoo Inferior nas sondagens ETA 15 e ETA 71 da Bacia de Moatize-Minjova, província de Tete (Moçambique)

Introdução As amostras analisadas neste estudo provêm de duas sondagens ETA 15 e ETA 71, realizadas na sequência de trabalhos de prospeção de carvão na Bacia de Moatize-Minjova, a cerca de 55 km da cidade de Tete, a SE de Moatize (Fig. 1). Com este trabalho pretendeu-se determinar a idade dos estratos intersectados pelas sondagens, recorrendo ao estudo palinostratigráfico dos mesmos. Paralelamente foi avaliada a maturação orgânica dos sedimentos através da medição do valor do poder refletor aleatório da vitrinite, que permite melhorar o conhecimento relativo à história térmica da região. Estes dados são um contributo para o conhecimento da sucessão estratigráfica do Karoo Inferior em profundidade, sobretudo do topo da Formação Moatize e/ou da Formação Matinde, complementando a informação estratigráfica da bacia. Este trabalho poderá igualmente contribuir para a definição preliminar da extensão das jazidas de carvão (que poderão ocorrer a profundidades superiores a 30 m, na área estudada), e/ou para avaliação do potencial de geração de Gás de Argilito (shale gas) de sucessões que apresentem condições favoráveis à geração de gás e que se encontrem a profundidades superiores a 1000 m ou de metano em Camada de Carvão (Coal Bed Methane), das formações que contenham camadas de carvão. Enquadramento Geológico As unidades litostratigráficas constituintes do território moçambicano podem ser divididas de forma simplificadas, em dois grupos: formações ígneas e metamórficas do soco antigo ou soco cristalino (Arcaico-Câmbrico, 3800-490 M.a.), que ocupam cerca de dois terços do território e a cobertura sedimentar fanerozóica (Carbonífero-Recente), onde estão englobadas as formações do Supergrupo Karoo (SGK), que são contemporâneas do supercontinente Gondwana, e as formações ígneas incluídas no SGK, tal como as relacionadas com a abertura do Rift Este-Africano (Vasconcelos & Achimo, 2010). O supercontinente Gondwana formou-se durante o Pré-Câmbrico por acreção em sucessivas orogenias, sendo constituído pelos continentes do hemisfério sul, incluindo a América do Sul, África, Madagáscar, Arábia, Índia, Austrália e Antártida (Scheffler, 2004; Kröner & Stern, 2005). O SGK engloba um conjunto de formações sedimentares continentais, marinhas e ígneas de

espessura considerável (podendo atingir cerca de 7000 m em algumas bacias estudadas em Moçambique) (Carvalho, 1977). Os sedimentos do SGK são geralmente divididos em duas séries sedimentares, cobertas por uma unidade litológica de natureza ígnea: Karoo Inferior, Karoo Superior e as formações vulcano-sedimentares, constituídas por rochas vulcânicas (basaltos e riolitos) e rochas plutónicas (doleritos, gabros e sienitos), que marcam o início da fragmentação do Gondwana (Modie, 2007). Do ponto de vista litológico, o Grupo Karoo Inferior em Moçambique, compreende, a sequência sedimentar depositada durante o Carbonífero Superior-Triásico Inferior (Lopes et al., 2014a), caracterizada pela ocorrência de depósitos glaciares e peri-glaciares na base, sobrepostos por sedimentos flúvio-glaciares, seguidos de sedimentos flúvio-limínicos (carbonosos e areníticos) (Paulino et al., 2010 in Mussa, 2014). As formações que registam estes diferentes ambientes deposicionais são as seguintes, da mais antiga para a mais recente: Formação (Tilítica) de Vúzi; Formação (Gresosa) de Moatize e Formação (Margo-Gresosa) de Matinde (Pereira et al., 2015; Fernandes et al., 2015). O Grupo do Karoo Superior, mais recente que o anterior, é caracterizado pela continuação do preenchimento das bacias, mas em ambiente essencialmente fluvial e com muitas oscilações tectónicas durante o Triásico Superior e o Jurássico Inferior (Paulino et al., 2010 in Mussa, 2014), estando presentes rochas magmáticas plutónicas e vulcânicas do Jurássico Inferior, que constituem a Grande Província Ígnea do Karoo (GTK Consortium, 2006). O Karoo Superior é representado por formações que diferem entre bacias, sendo a formação comum a todas, a Formação (Gresosa) de Cádzi (Vasconcelos & Achimo, 2010; GTK Consortium, 2006). Em Moçambique diferenciam-se seis grandes bacias sedimentares, definidas segundo a sua relação temporal com a fragmentação do Supercontinente Gondwana. A abertura do rift gerou diversas fases tectónicas extensionais que originaram vários grabens (Vasconcelos & Achimo, 2010). Nestes formaram-se as sub-bacias do vale do rio Zambeze, as quais se encontram separadas por um dos principais blocos tipo horst presentes na província de Tete. Estas sub-bacias sedimentares foram ainda subdivididas nas seguintes bacias menores: Bacia Chicôa-Mecúcoè; Bacia Sanângoè-Mefidézi e Bacia de Moatize-Minjova (Fernandes et al., 2014b). A Bacia de Moatize-Minjova, tal como as outras duas referidas, desenvolveram-se nas margens ou no interior de cratões do Protero-


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Figura 1 – Localização geográfica da área de estudo (adaptado de Google Earth, 2.09.2015) e mapa geológico simplificado da Bacia de Moatize, na região de Tete, com a localização das sondagens, ETA 15 e ETA 71 (adaptado de GTK Consortium, 2006, folha nº 1633, Tete, Série Geológica 1:250 000, Direcção Nacional de Geologia, Maputo, 2006 in Fernandes et al., 2015). Figure 1 – Geographic location of the study area (adapted from Google Earth, 2.09.2015) and general geological map of the Moatize-Minjova Basin in the Tete region, showing the location of the boreholes ETA 15 and ETA 71 (adapted from GTK Consortium, 2006, sheet nº 1633, Tete, Geological Series 1/250000, Direcção Nacional de Geologia, Maputo, 2006 in Fernandes et al., 2015).


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zóico, sendo designadas de bacias intra-cratónicas (graben e semi-graben), separadas por horst constituídos por rochas do Pré-Câmbrico. Os espessos depósitos continentais que constituem o Karoo sedimentar, estão assim confinados a esta faixa tectónica, não se apresentando metamorfizados e praticamente não dobrados, sendo apenas afetados pela fraturação (Carvalho, 1969).

Metodologia e materiais As sondagens estudadas neste trabalho, ETA 15 e ETA 71, foram realizadas no âmbito de uma campanha de prospeção de carvão na Bacia de Moatize-Minjova, realizada pela empresa ETA STAR Moçambique S.A. Estas localizam-se no vale do rio Muarádzi e distam cerca de 1 km uma da outra, num alinhamento NE-SW (Figs. 1 e 2). A sondagem ETA 15, que se encontra próxima de uma falha com direcção NE-SW, atingiu a profundidade máxima de 30,35 m. Na sua base apresenta

uma camada de conglomerados matriz suportados (diamictitos) intercalados com níveis centimétricos de argilitos com 5,2 m de espessura. Sobre esta camada assentam 21 m de argilitos carbonosos e argilitos cinzentos, ao longo dos quais foram recolhidas 8 amostras. Estes encontram-se intercalados com três leitos de carvão (cuja espessura é inferior a 3 m) e duas pequenas camadas de arenitos. A sondagem ETA 71 apresenta uma organização litológica e profundidade semelhante à anterior, com 33,36 m de profundidade máxima, intersectando uma camada de conglomerados matriz suportados (diamictitos) intercalados com argilitos e siltitos, desde a profundidade máxima até aos 27,4 m, nos quais foram recolhidas 5 amostras. Superiormente existe 24,5 m de argilitos carbonosos e cinzentos, ao longo dos quais foram recolhidas 4 amostras. Intercalados nesta camada, encontram-se dois pequenos leitos de carvão (<1 m) e duas finas camadas de arenitos. Na sondagem ETA 15 foram analisadas 4 das 8 amostras recolhidas e na sondagem ETA 71 foram estudadas 8 amostras, pois as restantes não

Figura 2 – Perfis litológicos das sondagens ETA 15 e ETA 71 com a posição das amostras (amostras positivas assinaladas a preto). Figure 2 – Lithological logs of boreholes ETA 15 and ETA 71 with the position of collected samples (positive palynological samples highlighted in black).


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apresentavam o mesmo grau de preservação ou não continham material palinológico suficiente para o estudo palinostratigráfico (Fig. 2). Para a realização destes trabalhos e dos estudos de maturação orgânica, as amostras foram submetidas a procedimentos laboratoriais padronizados, nos quais o resíduo orgânico é extraído da matriz rochosa, recorrendo ao tratamento com os ácidos clorídrico e fluorídrico. Nas amostras utilizadas para a Palinologia, o resíduo orgânico foi oxidado utilizando ácido nítrico fumante, tendo esta preparação das amostras sido realizada no Laboratório de Palinologia do LNEG, em S. Mamede de Infesta. O estudo palinológico qualitativo e quantitativo das amostras recolhidas em ambas as sondagens procurou identificar e classificar as associações palinológicas presentes na bacia, com base na análise visual da morfologia dos palinomorfos, tendo em conta os carateres distintos de cada táxon, através de microscopia de luz transmitida. Para cada amostra foi estabelecido um valor máximo de contagem de 250 palinomorfos, pois é considerado representativo do conjunto total de palinomorfos, tendo-se determinado um total de 2173 especímenes distribuídos por 40 géneros e 48 espécies. A cronostratigrafia estabelecida foi definida por comparação com esquemas biozonais propostos para a Bacia do Karoo por Nyambe & Utting (1997, Zâmbia, Vale do Zambeze); Falcon (1975, Zimbabwe, Bacia do Médio Zambeze); Wright & Askin (1987, Madagáscar); Balme (1970, Paquistão); Jha (2006, Índia); Steiner et al. (2003, África do Sul) e Kemp (1969/98, in Pereira et al., 2015, Antártida). Relativamente à história térmica de uma bacia sedimentar, esta pode ser inferida recorrendo ao estudo da matéria orgânica (MO) presente nas suas rochas (Tissot & Welte, 1984). A MO é sujeita a alterações progressivas ao nível da sua composição e estrutura, podendo essas alterações ser caracterizadas e interpretadas recorrendo a inúmeras técnicas, que depois de correlacionadas darão indicações mais seguras sobre a maturação térmica da bacia. Entre essas técnicas destaca-se a medição do poder refletor da vitrinite (%Rm), a fluorescência e cor dos esporos. Para a análise do poder refletor aleatório da vitrinite, foram selecionadas duas amostras de cada sondagem, pois considerando o comprimento destas (cerca de 30 m de profundidade), é expetável que a variação de valores seja reduzida e nestas foram medidos 100 valores do poder refletor aleatório da vitrinite. A utilização da microscopia de luz transmitida permitiu avaliar a fluorescência dos palinomorfos,

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tal como a sua cor. A fluorescência foi analisada em 10 das 17 amostras de ambas as sondagens. De forma a complementar este estudo, foram observadas palinofácies de 14 amostras não-oxidadas, tendo sido contabilizadas 300 partículas em cada, as quais representam estatisticamente o conjunto total da MO. Para esta contabilização foi utilizada a classificação definida por Tyson (1995) e Mendonça Filho et al. (2010a) in Mendonça Filho (2012) tendo sido considerados os seguintes grupos morfológicos principais: fitoclastos (opacos, não-opacos, membranas e hifas de fungos), matéria orgânica amorfa e palinomorfos (esporos, pólenes e palinomorfos indeterminados). Resultados No estudo palinostratigráfico foram identificados 250 especímenes na maioria das amostras, tendo sido possível identificar e descrever associações de microflora características do Pérmico Superior em ambas as sondagens, onde se destacam os esporos triletes Osmundacidites senectus, os esporos monolete Laevigatosporites spp., Polypodiisporites sp. e Reticuloidosporites warchianus, os pólenes dissacados estriados Protohaploxypinus spp. (nomeadamente P. diagonalis, P. goraiensis e P. limpidus), Striatopodocarpites spp. (S. cancellatus, S. fusus, S. gondwanensis e S. pantii), Corisaccites alutas, Guttulapollenites hannonicus e Lueckisporites virkkiai, tal como os pólenes dissacados não-estriados Alisporites spp. (A. landianus, A. plicatus, A. potoniei e A. ovatus) e ainda os pólenes colpados Praecolpatites sinuosus, Vittatina spp., Weylandites lucifer e Weylandites magmus. Foram igualmente registadas “Algas Verdes”, nomeadamente Prasinófitas Leiosphaeridia sp. e Zignematófitas Peltacystia venosa e Tetraporina gigantea (Fig. 3). Os especímenes identificados demonstram que os sedimentos analisados são mais recentes que os sedimentos da Formação de Moatize estudados em outros trabalhos (Pereira et al., 2015; Fernandes et al., 2015), sendo possível inferir que as sondagens intersectaram a Formação de Matinde. As características litológicas de ambas as sondagens corroboram esta interpretação, pois existem fortes semelhanças relativamente a outras duas sondagens, DW 123 e DW 132 da mesma bacia, recentemente estudadas (Pereira et al., 2015; Fernandes et al., 2015). No entanto, a presença de níveis carboníferos deixam em aberto a hipótese dos sedimentos analisados pertencerem ao topo da Formação de Moatize. As amostras selecionadas para a análise do poder refletor apresentam diferentes litologias, sendo bastante semelhantes do ponto de vista microscópico, verifi-


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Figura 3 – Alguns dos especímenes de esporos e pólenes selecionados das sondagens ETA 15 e ETA 71 (cada exemplar é identificado pelo nome, sondagem, número da amostra, número da lâmina e coordenadas de microscópio): 1 – Osmundacidites senectus, Balme, 1970, ETA 71; amostra M52; lâmina 1 (18,2-103,9); 2 – Laevigatosporites colliensis (Balme & Hennelly) Venkatachala & Kar 1968, ETA71; amostra M46; lâmina 1 (34,7-99,1); 3 – Polypodiisporites mutabilis Balme 1970, ETA 71; amostra M52; lâmina 1 (27,5-101,4 4); 4 – Reticuloidosporites cf. warchianus, ETA 71; amostra M52; lâmina 1 (24,4-96,0); 5 – Protohaploxypinus limpidus (Balme & Hennelly), Balme & Playford, 1968, ETA 71; amostra M52; lâmina 1 (18,5-99,1); 6 – Striatopodocarpites fusus (Balme & Hennelly) Potonié, 1958, ETA71; amostra M49; lâmina 1 (23,2-99,0); 7 – Corisaccites cf. alutas Venkatachala & Kar, 1966, ETA 71, amostra M44; lâmina 1 (16,6-103,6); 8 – Guttulapollenites hannonicus Goubin, 1965, ETA 71; amostra M44; lâmina 1 (26,7-101,1); 9 – Alisporites potoniei (Lakhanpal, Sah e Dube) Somers 1968, ETA 71; amostra M46; lâmina 1 (34,3-100,3); 10 – Weylandites lucifer (Bharadwaj & Salujha) Foster 1975, ETA 71; amostra M44; lâmina 1 (32,5-96,9). Figure 3 – Selected spores and pollen grains from ETA 15 and ETA 71 boreholes followed by name, borehole, sample number, slide number and microscopic coordinates: 1 – Osmundacidites senectus, Balme, 1970, ETA 71; sample M52; slide 1 (18,2-103,9); 2 – Laevigatosporites colliensis (Balme & Hennelly) Venkatachala & Kar 1968, ETA71; sample M46; slide 1 (34,7-99,1); 3 – Polypodiisporites mutabilis Balme 1970, ETA 71; sample M52; slide 1 (27,5-101,4 4); 4 – Reticuloidosporites cf. warchianus, ETA 71; sample M52; slide 1 (24,4-96,0); 5 – Protohaploxypinus limpidus (Balme & Hennelly), Balme & Playford, 1968, ETA 71; sample M52; slide 1 (18,5-99,1); 6 – Striatopodocarpites fusus (Balme & Hennelly) Potonié, 1958, ETA71; sample M49; slide 1 (23,2-99,0); 7 – Corisaccites cf. alutas Venkatachala & Kar, 1966, ETA 71, sample M44; slide 1 (16,6-103,6); 8 – Guttulapollenites hannonicus Goubin, 1965, ETA 71; sample M44; slide 1 (26,7-101,1); 9 – Alisporites potoniei (Lakhanpal, Sah e Dube) Somers 1968, ETA 71; sample M46; slide 1 (34,3-100,3); 10 – Weylandites lucifer (Bharadwaj & Salujha) Foster 1975, ETA 71; sample M44; slide 1 (32,5-96,9).


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cando-se a presença de MO abundante e em geral bem preservada. As partículas orgânicas são maioritariamente constituídas por macerais do grupo da vitrinite, com dimensão média, observando-se ocasionalmente partículas do grupo da exinite e inertinite. Os valores do poder refletor da vitrinite na sondagem ETA 15 varia entre 1,39 e 1,42 % aos 9,6 e 16,47 m de profundidade, respetivamente. Na sondagem ETA 71 o intervalo de valores do poder refletor está entre 1,50 % e 1,44 %, aos 24,29 e 33,23 m respetivamente. Com base nestes valores, foram calculadas as paleotemperaturas máximas para cada sondagem, utilizando a equação empírica descrita por Barker em 1988 (Fernandes, 2000), verificando-se que estas variam entre 190,2 e 185,9 °C na sondagem ETA 71 e na ETA 15 oscilam entre 182,2 e 184,5 °C. Os estudos de maturação orgânica foram complementados pela análise da cor dos esporos e pela fluorescência dos mesmos, tendo-se observado a cor da esporinite, que no geral é pouco intensa, variando entre o laranja escuro e o vermelho. Em todas as amostras de ambas as sondagens, as cores observadas nos esporos aproximam-se da tonalidade castanha escura, a que corresponde o valor 3+, tendo em conta a escala TAI (Thermal Alteration Index). A análise de palinofácies permitiu concluir que o grupo dos fitoclastos é o grupo com maior representatividade nas amostras de ambas as sondagens, cujas quantidades relativas variam entre 85 e 97 % na sondagem ETA 15 e na sondagem ETA 71 entre 74 e 97 % (Fig. 4). Esta análise permite interpretar o ambiente deposicional, como ainda avaliar a qualidade da matéria orgânica em termos do seu potencial de geração de hidrocarbonetos (petróleo ou gás natural). A partir destas observações foi possível determinar que a matéria orgânica corresponde a um querogénio tipo III, no qual poderá existir algum potencial de geração de gás húmido e condensado. Os graus de maturação avaliados nas sondagens ETA 15 e ETA 71 são compatíveis com o final da janela do petróleo (aproximadamente 1,35 – 1,4 %Rr) e um rank de carvões betuminosos de médios a baixos voláteis. Conclusões Este trabalho complementa os estudos palinológicos da região, pela identificação e descrição das associações de microflora características do Pérmico Superior, entre as quais se destacam as espécies Alisporites spp.; Corisaccites alutas; Guttulapolenites hannonicus; Laevigatosporites spp.; Lueckisporites virkkiae; Osmundacidites

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senectus; Polypodiisporites mutabilis; Praecolpatites sinuosus; Protohaploxypinus spp.; Reticuloidosporites warchianus; Striatopodocarpites spp.; Weylandites lucifer, entre outros. Considerando a idade identificada neste trabalho e conhecendo, de estudos anteriores (Pereira et al., 2016, 2014a, 2014b; Lopes et al., 2014a, 2014b ), que a base da Formação Moatize pertence ao Pérmico Inferior–Pérmico Médio, é possível inferir que os sedimentos pós-glaciogénicos intersetados pelas sondagens ETA 15 e ETA 71, pertencerão à Formação Matinde, que na estratigrafia do Karoo Inferior é mais recente que a Formação Moatize. Mediante a presença de três níveis de carvão na sondagem ETA 15 e dois na sondagem ETA 71, foi considerada a hipótese dos estratos intersetados pertencerem ao topo da Formação Moatize, a qual está largamente documentada pelos seus depósitos de carvão. A presença de algas, sobretudo nas amostras da sondagem ETA 71, sugerem a existência de acumulações de água, possivelmente associadas a lagos resultantes da fase de degelo, num período pós-glaciar, marcando a passagem de temperaturas mais frias (fácies glaciogénica) a moderadamente mais quentes e húmidas (fácies de sequências de argilitos negros carbonosos e de argilitos cinzentos) (Pereira et al., 2016, 2014a, 2014b; Lopes et al., 2014a, 2014b). Esta interpretação paleoambiental é corroborada pela análise de palinofácies, na qual se observa o predomínio do grupo dos fitoclastos, tendência que pode estar relacionada com deposição em ambiente lacustre a pantanoso. A presença de argilitos e siltitos com intercalações de finas camadas de carvão e camadas pouco espessas de arenitos ao longo da sequência litostratigráfica, sugere igualmente um ambiente lacustre de baixa energia, favorável à acumulação de matéria orgânica, entre o qual surgem sedimentos fluviais intermitentes. Tendo em conta todos estes dados, o ambiente de sedimentação dos sedimentos analisados possivelmente terá sido lacustre a pantanoso, alimentado por via fluvial ou glaciária. Dada a equivalência litostratigráfica e biostratigráfica observada em sondagens realizadas na mesma bacia (DW 123 e DW 132 apresentadas por Fernandes et al. (2015) e Pereira et al. (2015)), os dados relativos à história térmica dessas sondagens (localizadas a cerca de 30 km da cidade de Moatize, junto ao rio Muarádzi e a cerca de 11,8 e 12,7 km das ETA 15 e ETA 71, respetivamente), podem ser comparados com os do presente trabalho. A partir dos valores do poder refletor da vitrinite, obtidos nas sondagens DW 123 e DW 132, foi possível calcular as tempera-


78 Palinostratigrafia e maturação orgânica do Karoo Inferior nas sondagens ETA 15 e ETA 71 da Bacia de Moatize-Minjova, província de Tete (Moçambique)

turas máximas atingidas por aqueles depósitos e consequentemente inferir o gradiente paleogeotérmico da Bacia de Moatize-Minjova. Comparando os valores de refletância das sondagens deste estudo com os obtidos na sondagem DW 132 , verifica-se que os mesmos valores encontram-se entre 100 e 250 m de profundidade (Fernandes et al., 2015). Nesta sondagem as temperaturas máximas atingidas permitiram calcular o gradiente paleogeotérmico regional de 40 °C/km. Considerando que as sondagens ETA 15 e ETA 71 possuem idade e grau de maturação semelhante a esta sondagem, é possível deduzir que já estiveram à mesma profundidade, tendo existido sobre os sedimentos das sondagens ETA 15 e ETA 71 uma cobertura sedimentar de cerca de 4700 m, a qual começou a ser erodida a partir do Pérmico Superior (Fernandes et al., 2015). A esta profundidade, os sedimentos de ambas as sondagens atingiram temperaturas máximas de 182,2 °C e 190,2 °C, na sondagem ETA 15 e ETA 71, respetivamente. Esta informação é essencial para o conhecimento da geologia e da estrutura da bacia em profundidade, permitindo inferir sobre a localização das jazidas carboníferas e caracterizar a bacia em termos do potencial de rocha geradora de hidrocarbonetos. Relativamente aos níveis de carvão, a sua extensão e profundidade na bacia é definida pelos limites da Formação Moatize. Na área estudada, esta formação deverá encontrar-se a profundidades superiores a 30 m. Esta profundidade é estabelecida com base no comprimento das sondagens estudadas, pois estas apresentam idades mais recente que a definida para a base da Formação Moatize, existindo a possibilidade da formação se encontar a uma profundidade superior. Pela análise de palinofácies, verifica-se que a MO das amostras é sobretudo composta por material ligno-celulósico proveniente de plantas terrestres superiores, podendo tratar-se de um querogénio do tipo III (Tissot & Welte, 1984), com potencial para geração de gás. Os dados obtidos pelos métodos de avaliação da maturação orgânica sugerem que a matéria orgânica se encontra matura relativamente à produção de hidrocarbonetos líquidos, podendo indicar potencial de produção de hidrocarbonetos condensados e gás húmido, com grau de incarbonização compreendido entre os carvões betuminosos de baixa a média volatilidade. Existe portanto a possibilidade de exploração de gás natural não convencional, designadamente gás de argilito (Shale gas) e Coal Bed Methane (CBM). A capacidade de geração de gás nos argilitos é corroborada pelos valores de

COT das várias sondagens anteriormente mencionadas (Fernandes et al., 2013; 2015), cuja média é semelhante aos registados em formações da Bacia Principal do Karoo de África do Sul, onde existem fortes indícios da presença de volumes significativos deste recurso. Os resultados apresentados reforçam o conhecimento da estratigrafia da bacia, sendo um contributo para a prospeção e pesquisa de recursos energéticos convencionais e não-convencionais na Bacia de Moatize-Minjova.

Agradecimentos Os autores agradecem ao Dr. João Marques e às empresas ETA STAR Moçambique, S.A. e Gondwana Empreendimentos e Consultorias, Limitada, pela gentil cedência das sondagens amostradas e da informação relativa a estas. Por último Marta Costa, agradece à FCT/UNL, UALG/CIMA e LNEG o apoio técnicocientífico e material. Bibliografia Balme, B. E., 1970. Palynology of Permian and Triassic strata in the Salt Range and Surghar Range, West Pakistan. Kummel, B. & Teichert, C. (Eds.), Stratigraphic Boundary Problems: Permian and Triassic of West Pakistan. The University Press of Kansas, Lawrence, KS, 305-453. Carvalho, L., 1969. Nascentes termais de Carinde. Revista de Ciências Geológicas, Moçambique, 2, A: 9-45. Carvalho, L., 1977. Formações Vulcânicas de Carinde, (Tete-Moçambique). Diss. Doutoramento, Instituto Superior Técnico, 213. Falcon, R., 1975. Palynostratigraphy of the Lower Karroo sequence in the central Sebungwe District, Mid-Zambezi Basin, Rhodesia. Palaeontologica Africana, 18: 1-29. Fernandes, P., 2000. Investigation of the stratigraphy, maturation and source-rock potential of Carboniferous black shales in the Dublin Basin. Dissertação Doutoramento, Univ. Dublin, Trinity College, 287. Fernandes, P., Rodrigues, B., Jorge, R. C. G. S. & Marques, J., 2013. Potencial gerador de hidrocarbonetos dos argilitos carbonosos do Karoo Inferior (Pérmico) da Bacia de Moatize – Minjova, Província de Tete, Moçambique. Pacheco, F. A. L., Coke, C. J. M., Lourenço, J. M. M., Costa, M. R. M. & Vaz, N. M. O. C. M. (Eds.). Livro de Actas do VII Seminário Recursos Geológicos, Ambiente e Ordenamento do Território, 17-24. ISBN: 978-989-704-153-2. Fernandes, P., Cogné, Chew, D., Rodrigues, B., Jorge, R., Marques, J., Jamal, D. & Vasconcelos, L., 2015. The thermal history of the Karoo Moatize-Minjova


ASSOCIAçãO PORTUGUESA DE GEóLOGOS

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GeOnOvAs n.º

AssOCIAçãO POrtUGUesA De GeóLOGOs

29: 81 a 86, 2016 81

Paleo-tarot: estratégia lúdica sobre a utilidade dos fósseis Mário Cachão 1

Dep. Geologia, Fac. Ciências, Univ. de Lisboa, Instituto Dom Luiz, Campo Grande 1749-016 Lisboa mcachao@ciencias.ulisboa.pt; mcachao@fc.ul.pt

Resumo O Paleo-tarot é uma atividade de carácter lúdico que se apresenta na forma dum jogo de cartas e tem por objectivo simular a atividade dum paleontólogo que inicia o estudo de uma região. Ilustra/ensina como é que a partir dum conjunto de fósseis se consegue determinar qual o menor número (Princípio da Parcimónia) de formações que podem ser definidas e qual(is) a(s) sua(s) idade(s) biostratigráfica(s), assim como a evolução paleoambiental, sequências sedimentares transgressivas/regressivas e a própria estrutura geológica dessa região. Palavras-chave: Atividade lúdico-pedagógica, fósseis, datação, interpretação paleoambiental, estrutura geológica. Abstract Paleo-tarot is a card game based on the two main paleontological attributes, age and paleoenvironment. Each fossil taxon is represented by a card that contains the age interval and additional information on the fossil producer paleoecology. These fossils may be selected by several criteria, for instance: i) the collection available for teaching at the school; ii) the most common fossils in the region; iii) the better-known fossils according to the students age/degree. The activity aims to illustrate how the paleontologist use fossils from in situ observations, in the (theoretical) absence of additional geological information, trying to address a number of very important conclusions, namely: i) the minimum number (Ockham's razor) of geological formations that can bear the assemblage of (five, as in most traditional card games) fossils; ii) the most precise age of each formation; iii) the number of transgression and regression sedimentary sequences that occurred in the region (for higher grades) and, for college grades, iv) the geological structure of the region, considered with a flattened surface to better illustrate the usefulness of all the information a fossil can retrieve. Keywords: Fossils, game of cards, age determination, paleoenvironmental interpretation, structural framework of a region.

Introdução Os fósseis são objecto de grande interesse mas, na grande maioria dos casos, ainda são entendidos mais como objetos de colecionismo do que como entidades portadoras de informação científica, a vários níveis. sendo matéria frequentemente leccionada ao nível dos ensinos Básico e secundário é ainda reduzido o conjunto de atividades que procuram extrair todos os vários níveis de informação paleontológica que os fósseis comportam, sendo na maioria dos casos utilizados apenas como exemplos de processos de fossilização ou enquadramento temporal individual, fóssil a fóssil, e não de modo integrado. Menos ainda são as atividades pedagógicas que utilizando apenas fósseis se demonstra como

eles são utilizados pelo Paleontólogo profissional para definir o número de formações, a sua idade, a evolução paleoambiental e a estrutura geológica duma determinada região. A designação Paleo-tarot é composta de dois termos, paleo e tarot. O primeiro significa antigo (do grego παλαιοσ) e é um prefixo comum em vários contextos relacionados com Paleontologia, em geral, e com fósseis, em particular. tarot, por seu lado, é um termo associado a jogos de cartas medievais, como o homónimo utilizado na corte francesa, e renascentistas como o italiano tarocchino (Dummett, 1980). Ultimamente tem assumido uma conotação cada vez maior com actividades de adivinhação e pseudo-ciência. esta associação de ideias, à primeira vista, contraproducente, na realidade,


82 Paleo-tarot: estratégia lúdica sobre a utilidade dos fósseis

gera interesse e desperta a atenção predispondo para procurar saber em que consiste o jogo. O paleo-tarot pretende ser uma atividade de cariz lúdico-pedagógico que pode ser realizada tanto em contexto de sala de aula como noutro de carácter mais lúdico (e.g. Clube de Ciências, divulgação científica). na sua essência é um jogo de cartas e é uma das estratégias desenvolvidas no âmbito do programa pedagógico rocha Amiga (Cachão et al., 2008). esta atividade foi pensada como complemento de formação a alunos universitários mas pode ser realizada noutros contextos, tendo por base uma seleção de cartas de jogar representando fósseis criteriosamente selecionados em função do escalão etário e dos objectivos a atingir.

Descrição O jogo recria uma situação hipotética onde se pretende analisar/cartografar uma determinada região, de topografia plana (para facilitar a interpretação da estrutura geológica). na região ocorrem 5 afloramentos isolados, sem conexão litostratigráfica evidente, para melhor ilustrar a utilidade da utilização estrita de fósseis. O jogador/aluno retira cinco cartas de um baralho, aleatoriamente. Cada uma delas simula ter encontrado um ou mais exemplares do grupo taxonómico indicado. no caso que temos utilizado o baralho é constituído por 126 cartas, cada uma representando um dos taxa representados por exemplares fósseis na coleção pedagógica que serve de apoio às aulas práticas de Paleontologia do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, atualmente ministrada ao 2º ano do Curso de Geologia. Cada uma das cartas retiradas é colocada pela ordem de extração num tabuleiro ou no quadro magnético (através de pequenas molas com íman), de modo previamente acordado, uma por cada afloramento, por exemplo, no sentido dextrógiro, a primeira no afloramento mais setentrional, e sucessivamente, as seguintes nos afloramentos oriental, meridional, ocidental e central (Fig. 1). numa primeira fase pretende-se dar resposta à seguinte questão: Aplicando o Princípio Científico

da Parcimónia, qual o menor número de formações geológicas distintas que tem de se invocar existirem na região que possam comportar os cinco fósseis encontrados? esta pergunta dará início a uma das tarefas a realizar: a produção da tabela de distribuição vertical dos fósseis encontrados no sentido de determinar quais deles (se algum) são temporal e paleoambientalmente compatíveis e, com esses, definir o intervalo de tempo que lhes é comum (Fig. 2). Após se ter determinado quantas e que idade têm as formações geológicas necessárias para comportar o registo fóssil encontrado na região, proceder-se à respectiva interpretação paleoambiental em função do que se conhece sobre os modos de vida dos grupos representados. nessa sequência serão também definidos potenciais hiatos deposicionais e/ou erosivos e as respectivas sequências sedimentares transgressivas e regressivas (Fig. 3). Por último, tendo em conta a idade e o posicionamento geográfico da ocorrência de cada fóssil e da respectiva formação que o comporta é possível ainda propor uma determinada estrutura geológica (e.g. monoclinais, dobras, falhas) para a região. Como anteriormente referido esta atividade visa explicitar, exclusivamente, o papel e importância da ocorrência de fósseis numa dada região. Obviamente que ela poderá ser complementada com informação geológica variada no sentido de tornar o exercício mais completo. Com um tão elevado número de cartas (unidades taxonómicas distintas) as possibilidades de combinações são muitas e as situações bastante variadas o que torna este um exercício que, nas aulas de Paleontologia, geralmente dura mais de uma hora. na situação mais simples, pode ser necessário invocar apenas uma única formação, com a idade igual ao denominador comum às distribuições estratigráficas de todos os cinco fósseis escolhidos. na situação mais complexa pode ser necessário invocar a presença de cinco formações, uma para cada fóssil encontrado o que aumenta o número de sequências sedimentares e o registo de episódios transgressivos/regressivos. O respectivo padrão de estrutura tectónica também pode ser mais complexo, necessitando invocar a presença de falhas, dobras, discordâncias, etc., tornando o exercício muito mais completo.


AssOCIAçãO POrtUGUesA De GeóLOGOs

Mário Cachão 83

Figura 1 – Ilustração dum possível cenário em que 5 cartas foram retiradas aleatoriamente do baralho e distribuídas por 5 afloramentos cada, numa sequência pré-determinada, por exemplo: 1º setentrional, 2º oriental, 3º meridional, 4º ocidental e 5º central. Figure 1 – A possible scenario for each one of the 5 cards, randomly extracted and distributed in a pre-determined sequence, for instance, the first indicating what fossil was found (clockwise) on the most northern outcrop, the second on the eastern outcrop, the third on the southernmost, the fourth on the westernmost and the fifth on the central area of the map.

Considerações finais Através da actividade Paleo-Tarot pretende-se que o aluno realize várias das funções do Paleontólogo profissional tendo por base, exclusivamente, o conteúdo fóssil encontrado numa região, nomeadamente a determinação de: i) o número de formações

geológicas necessárias invocar; ii) a idade de cada uma dessas formações; iii) a interpretação da evolução paleoambiental sofrida pela região e iv) uma proposta de estrutura geológica compatível com a distribuição geográfica e idade dos afloramentos.


84 Paleo-tarot: estratégia lúdica sobre a utilidade dos fósseis

Figura 2 – tabela de distribuição vertical (estratigráfica) dos 5 géneros de fósseis encontrados. A tabela de unidades cronostratigráficas foi retirada da que serve de base às aulas de Paleontologia da Faculdade de Ciências UL: http://paleoviva.fc.ul.pt/Paleogeofcul/Apoio/Cronogeofcul1.pdf. Figure 2 – Range chart of the five fossils recovered in the region.

Figura 3 – Interpretação paleoambiental e de estratigrafia sequêncial. neste exemplo, os fósseis encontrados em cada uma das formações indicam que os seus paleoambientes seriam todos marinhos, de pequena profundidade. entre cada uma das formações houve um importante hiato de sedimentação/erosão. Cada formação foi depositada na sequência de uma tendência deposicional transgressiva (t) e terminou por uma sequência deposicional regressiva (r). Figure 3 – Paleoenvironmental interpretation and interpretation of the sedimentary sequences. In this example all fossils indicate that paleoenvironments of all shallow marine. Between each of the formations there are an important hiatus. Each formation testifies a transgressive event (T) and ended due to a regressive (and erosional) event.


AssOCIAçãO POrtUGUesA De GeóLOGOs

Mário Cachão 85

Figura 4 – Interpretação da estrutura tectónica. no caso deste exemplo a estrutura mais provável corresponderá a um monoclinal, inclinando para sudoeste. Figure 4 – Structural interpretation of the region based on the previous analysis. In this case the most probable structure is a monocline dipping southwest.

Bibliografia Cachão, M., Brilha, J., Matias, L., sá, A. & Lopes, P., 2008. rocha Amiga – Projecto Pedagógico integrado no Ano Internacional do Planeta terra. Memórias e Notícias, 3 (nova série), 293-300. Dummett, M. 1980. The Game of Tarot. Duckworth & Co., London, 600. IsBn 0 7156 1014 7.



GEONOvAS N.º

ASSOCIAçãO POrTUGUESA DE GEóLOGOS

29: 87 a 94, 2016 87

Uma breve história da reactivação tectónica da Margem Continental Portuguesa João C. Duarte 1

Instituto Dom Luiz e Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade

de Lisboa & School of Earth, Atmosphere and Environment, Monash University, Australia; jdduarte@fc.ul.pt; joao.duarte@monash.edu

Resumo No dia 1 de novembro de 1755 um sismo de grande magnitude e subsequente tsunami atingiram Portugal. Em 1969, um outro sismo de grande magnitude voltou a ocorrer na Margem Continental Portuguesa. Estes dois fenómenos naturais desencadearam uma série de eventos que iriam contribuir para o desenvolvimento da Teoria da Tectónica de Placas. De acordo com esta teoria, existem margens passivas (Tipo Atlântico), que se geram quando os supercontinentes se fragmentam e nascem novos oceanos, e margens activas (Tipo Pacífico), que levam ao fecho destes oceanos. O processo cíclico de formação e destruição de oceanos denomina-se de Ciclo de Wilson. Um dos enigmas actuais da Teoria da Tectónica de Placas é o de saber como se processa a transformação de uma margem passiva numa margem activa. A Margem Continental Portuguesa parece estar a passar por este processo de transformação. Este trabalho procura sintetizar a história por detrás desta ideia. Palavras-chave: Grande Sismo de Lisboa de 1755, Margem Continental Portuguesa, ciclo de Wilson, início de subducção. Abstract On the 1st of November of 1755 a major earthquake and consequent tsunami struck Portugal. In 1969, another major high magnitude earthquake hit the Portuguese Continental Margin. These phenomena triggered a series of events that contributed to the development of the Theory of Plate Tectonics. According to this theory, there are passive margins (Atlantic Type) that form when supercontinents disperse and new oceans are born, and active margins (Pacific Type) that lead to the closure of the oceans. The cyclical creation and destruction of oceans is called Wilson cycle. One of the major enigmas of the Theory of Plate Tectonics is show the process of transformation of a passive margin in an active margin occurs. The Continental Margin of Portugal seems to be precisely undergoing this process of transformation. This work presents a brief synthesis of the history behind this idea. Keywords: 1755 Great Lisbon Earthquake, Portuguese Continental Margin, Wilson cycle, subduction initiation.

No dia de Todos-os-Santos de 1755 ocorreu um dos maiores eventos sísmicos de que há registo à escala do nosso planeta. Com uma magnitude estimada de 8,5 a 9 (MW), o sismo de 1 de novembro arrasou Lisboa às 9:40h da manhã quando a população se encontrava a celebrar o dia santo no interior de igrejas (Martinez-Solares & Arroyo, 2004; Gutscher et al., 2006; Oliveira, 2008). O terramoto foi tão poderoso que foi sentido pelas pessoas quase simultaneamente na Alemanha e em Cabo verde. Alguns minutos depois do abalo principal, um gigantesco tsunami entrou pelo estuário do rio Tejo e varreu a

baixa da cidade (Batista et al., 1998). Pensa-se que o sismo e o tsunami sejam responsáveis pela morte de cerca de 100 mil pessoas. A magnitude deste fenómeno criou ondas de choque em todo o mundo ocidental, tendo despertado o interesse dos filósofos da época, e esta era a época do Iluminismo. Filósofos como Kant, rousseau e voltaire, entre outros escreveram vários textos acerca do fenómeno. Há mesmo quem refira este momento da história como o nascimento da geologia e sismologia modernas. Este terramoto é hoje conhecido como o Grande Sismo de Lisboa de 1755.


88 Uma breve história da reactivação tectónica da Margem Continental Portuguesa

De especial interesse são os trabalhos publicados pelo filósofo prussiano Immanuel Kant em 1756, apenas um ano após o sismo de Lisboa, nos quais reflecte acerca das causas dos sismos (e.g. Kant, 1756a,b). Kant, fortemente influenciado pela “nova” física de Isaac Newton, percebe que os terramotos são originados causas naturais e que a sua vibração era causada pelo movimento da superfície da Terra, que no caso de 1755 corresponderia à superfície do fundo do mar. Kant percebeu ainda que o tsunami tinha sido gerado por um movimento brusco do fundo e, com base nos tempos de chegada e intensidade da onda, fez um cálculo da área do mar que terá sido posta em movimento para gerar tal efeito. Ora, isto é extraordinário, visto que nesta época predominava uma visão imobilista da Terra. O chão era firme! Mas Kant estava muito além do seu tempo e é possivel encontrar nos seus trabalhos vários elementos do que hoje conhecemos como a Teoria da Tectónica de Placas. Em particular, Kant reconheceu que grande parte dos sismos se dispõem de forma quase linear ao longo das margens dos continentes, mas não de todas, e associa-os à formação de montanhas. Por exemplo, percebeu que havia mais sismos ao longo das margens do Mediterrâneo e do Chile do que ao longo das margens do que é hoje a Alemanha. Kant propõe ainda que estes sismos se geravam no interior de cavernas, devido

ao movimento de gases, e que estas se interligavam ao longo de uma rede que existiria no interior da Terra. E vai mais longe propondo que as cavernas presentes na margem portuguesa se ligariam às que existiam na Islândia, visto que nesse dia de 1755 tinham ocorrido sismos nestas duas regiões do globo. No entanto, tiveram de passar quase dois séculos para que a imobilidade da superfície da Terra voltasse a ser fortemente posta em causa, dando origem a quase meio século de discussões. Começou com a Deriva Continental de Wegener no início do século XX e culminou com a hipótese do alastramento dos fundos oceânicos de vine–Matthews–Morley no ínicio dos anos 60 (e.g. vine and Matthews, 1963). Como se não bastasse o mistério em torno da origem do sismo de 1755, na madrugada de 28 de Fevereiro de 1969, um novo sismo de grande magnitude (~8 Mw) voltou a ser sentido em Lisboa. E, apesar de ainda hoje não se saber o local de origem do sismo de 1755 (algures no fundo do mar a cerca de 200 km da costa entre Sines e o Estreito de Gibraltar), sabemos com alguma precisão a localização do sismo de 1969. Para acentuar o mistério, o epicentro deste último evento localizou-se numa zona relativamente plana, Planície Abissal da Ferradura, a cerca de 200 km a Sudoeste do Cabo de São vicente, mas relativamente longe dos traçados das maiores falhas conhecidas (figura 1).

Figura 1 – Mapa tectónico do Golfo de Cádis (modificado de Duarte et al., 2013). Figure 1 – Tectonic map of the Gulf of Cadiz (modified from Duarte et al., 2013).


ASSOCIAçãO POrTUGUESA DE GEóLOGOS

O sismo de 1969 ocorreu num outro momento marcante da história das geociências, o momento do nascimento da Teoria da Tectónica de Placas - o esquema conceptual que veio unificar as ciêncas da Terra. O termo “placa” aparece pela primeira vez num artigo do geofísico canadiano Tuzo Wilson (1965). De acordo com o esquema conceptual desta teoria, a superfície do planeta é constituída por um conjunto de placas litosféricas que incorporam a crosta e uma porção do manto superior (mais rígida) que se movem umas em relação às outras sobre a astenosfera (a parte mais dúctil do manto superior), de modo que a maior parte da deformação (incluindo a deformação sísmica) se concentra nos limites das placas. Estas placas podem ser constituídas por litosfera continental e/ou oceânica. O movimento relativo das cerca de 15 placas que constituiem a superfície do planeta pode ser convergente, divergente e transformante, sendo que este movimento se correlaciona com os principais tipos de mecanismos focais que ocorrem em cada tipo de fronteiras de placas. No âmbito da Teoria da Tectónica de Placas foi também possível compreender que há dois tipos de margens continentais (ou seja, das margens das porções litosféricas continentais que correspondem aproximadamente às áreas emersas da superfície do planeta). Estas margens podem ser passivas ou activas. No primeiro caso, o bordo da porção continental da placa não corresponde a um limite de placas (isto é, há um continuidade entre a parte continental e a parte oceânica da placa). A maior parte das margens do Oceâno Atlântico são margens passivas e por isso estas são por vezes denominadas margens de Tipo Atlântico. No caso das margens activas, o limite do continente emerso corresponde a uma zona de fronteira de placas. Este é o caso de praticamente toda a margem do Oceânico Pacífico e, por isso, estas são por vezes denominadas margens de Tipo Pacífico. Ao contrário das margens passivas, as margens activas são caracterizadas por elevada actividade sísmica e vulcânica. Os sismos de maior magnitude, muitas vezes com tsunamis associados, ocorrem nas zonas de subducção - os locais onde uma placa (normalmente oceânica) mergulha sob outra (oceânica ou continental). Nexte contexto, os sismos de 1755 e 1969 foram uma anomalia, pois exibiram as características típicas de sismos de zonas de subducção que ocorrem predominantemente no Pacífico, mas estes sucederam no Atlântico. No entanto, é preciso notar que ambos os sismos foram gerados junto a um segmento transfor-

João C. Duarte 89

mante (com uma componente transpressiva) da fronteira entre as placas Africana e Euroasiática que se estende desde os Açores até ao Arco de Gibraltar (figura 2).

Figura 2 – Mapa tectónico da fronteira de placas Açores-Gibraltar. A estruturas a amarelo correspondem à reativação da Margem Sudoeste Ibérica. Prisma acrecionário do Golfo de Cádis marcado a cinzento (modificado de Duarte et al., 2013). Figure 2 – Tectonic map of the Azores-Gibraltar plate boundary. The strutures in yellow correspond to the reactivation of the Southwest Iberian Margin. The Gulf of Cadiz accretionary wedge is marked in grey (modificado de Duarte et al., 2013).

O sismo de 1969 revelou-se enigmático e desde logo suscitou o interesse da comunidade geocientífica internacional. Fukao (1973) estudou o seu mecanismo focal e concluiu que se tratava de um sismo produzido por uma falha com movimento cavalgante típico de zona de subducção. Purdy (1975) publicou um conjunto de dados de sísmica de reflexão sobre esta região após a realização de uma campanha geofísica que terá decorrido no início dos anos 70. Este geocientista sugeriu que esta área corresponderia a uma zona de transição, na qual uma porção da placa Africana estaria a mergulhar sob a placa Euroasiática e designou o processo de “consumo transiente de litosfera”. Pouco tempo depois Mckenzie (1977) propôs explicitamente que nesta região estariam a ocorrer processos relacionados com o início de uma nova zona de subducção. É de salientar que estes três geocientistas trabalhavam juntos no histórico Departamento de Geodesia e Geofísica da Universidade de Cambridge. O processo de início de subducção tem um papel fulcral no âmbito da Teoria da Tectónica de Placas. vamos ver porquê. Também nesse periodo e com base num outro trabalho de Wilson (1966), começou a desenvolver-se a ideia de que os oceanos tinham uma espécie de tempo de vida. Isto é, os oceanos nasciam a partir da fragmentação de supercontinentes,


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cresciam e ao fim de um certo tempo as suas margens passivas tornavam-se activas. Ou seja, geravam-se novas zonas de subducção, e assim que estas se iniciavam a litosfera começava a ser consumida e os oceanos poderiam voltar a fechar levando a que as massas continentais voltassem a colidir formando assim novos supercontinentes. Este processo é hoje conhecido como Ciclo de Wilson e permite explicar porque é que a litosfera oceânica actualmente existente é relativamente recente (<200 Ma) e justifica o facto da maioria das margens passivas que existiram ao longo da história de Terra terem uma idade média inferior a 200 Ma (Bradley, 2008). Estudos sobre a evolução geodinâmica do nosso planeta sugerem que os ciclos de Wilson se repetem e decorrem ao longo de escalas de tempo desta ordem de magnitude. Neste contexto, o processo de início de subducção constitui o momento fulcral na vida dos oceanos. No entanto, desde logo Mckenzie (1977) percebeu, e, mais tarde, Mueller & Phillips (1991) mostraram, que as forças necessárias para transformar uma margem passiva numa margem activa são extremamente elevadas e que nas margens passivas dificilmente se geram forças com esta magnitude. Este é um dos maiores problemas ainda não solucionados no âmbito da Teoria da Tectónica de Placas. Como transformar uma margem passiva numa margem activa? No final da década de 80, Cabral & ribeiro (1989) propuseram que a margem Oeste Portuguesa estaria a ser reactivada, isto é, que esta margem passiva estaria a transformar-se numa margem activa; e que tal fenómeno poderia ser o prenúncio de um processo de início de subducção. Note-se que enquanto Purdy, Fukao e Mckenzie propunham que uma zona de subducção incipiente se estaria a formar em consequência do mergulho para norte da placa Africana sob a placa Euroasiática (ou seja ao longo de um limite de placas Este-Oeste), a ideia de Cabral e ribeiro (1989) era fundamentalmente diferente, pois propunha a formação de um novo limite de placas convergente completamente novo com uma direção Norte-Sul ao longo da margem Oeste Portuguesa. Nesta concepção, a placa Euroasiática estaria a partir-se em duas, com a porção oceânica a ser forçada a mergulhar sob a porção continental. Esta hipótese ficou a maturar mais uns anos apesar de ter sido revisitada diversas vezes nas décadas subsequentes (ribeiro et al., 1996; Mueller & Phillips, 1991; royden, 1993; Terrinha et al., 2003, 2009). Para complicar ainda mais as coisas, Gutscher et al. (2002) publicaram um artigo onde mostraram evidências para a existência de uma zona de subducção

mergulhante para Este sob o Arco de Gibraltar (também conhecido como arco Bético-rifanho; ver figura 1 e 2). Entre estas evidências, incluíram-se a presença de um prisma accrecionário na zona do Golfo de Cádis, a visualização através de imagens de tomografia sismica de um slab sob o Arco de Gibraltar até uma profundidade de ~660 km, a sismicidade muito profunda (a cerca de 650 km) e o vulcanismo calco-alcalino na zona do mar de Alborão (na zona do arco vulcânico); todas estas características são típicas de zonas de subducção. Apesar de muito polémica na década subsequente, a discussão hoje em dia não é tanto se existe ou não uma zona de subducção em Gibraltar, mas sim se esta está activa ou não (ver por exemplo, Zitellini et al., 2009). De qualquer das formas, se tal slab existe, a dinâmica relacionada com o seu afundamento no manto irá fazer sentir-se ao longo dos próximos milhões de anos, mesmo que este já não esteja completamente ligado à superfície. No entanto, dados recentes de GPS parecem mostrar que o slab ainda estará ligado à superfície (Koulali et al., 2011) e que este poderá dar origem a forças à escala da listosfera na zona do Golfo de Cádis e a Sudoeste da Ibéria. Ora, isto é crucial porque Muller & Phillips (1991) propuseram que o principal processo geodinâmico que produz forças capazes de iniciar novas zonas de subducção é precisamente o processo de subdução. veremos o que isto significa de seguida. Apesar do Oceano Atlântico conter essencialmente margens passivas, existem atualmente duas zonas de subducção já completamente desenvolvidas no Atlântico: o Arco da Escócia e o Arco das Antilhas (Fig. 3). É de notar que estas zonas de subducção não se geraram nos locais onde existe litosfera oceânica mais antiga (na margem Oeste de Marrocos e na margem Este da América do Norte), o que põe em causa a ideia clássica de que as zonas de subducção se originam espontaneamente nos locais onde a litosfera oceânica é mais antiga. vários autores já tinham notado que, apesar de nestes locais haver um gradiente de densidade propício ao inicio de subducção, a litosfera mais antiga é extremamente resistente o que torna o processo de subducção espontânea muito pouco provável (Muller & Phillips, 1991). Um modelo alternativo sugere que, em vez de se formarem espontaneamente novas zonas de subducção em oceanos do Tipo Atlântico, de modo a estes poderem iniciar o seu fecho, estas poderiam migrar ou ser transmitidas de oceanos do Tipo Pacífico (com zonas de subducção) para oceanos do Tipo Atlântico (sem zonas de subducção). Ora, é


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Figura 3 – Mapa tectónico simplificado do Oceano Altântico evidênciado os três arcos Atlântico (modificado de Duarte et al., 2013). Figure 3 – Simplified tectonic map of the Atlantic showing the three Atlantic arcs: Scotia, Antilles and Gibraltar (modified from Duarte et al., 2013). .

precisamente isto que parece ter acontecido nos casos dos arcos da Escócia e das Antilhas. De acordo com esta perspectiva, as zonas de subducção podem ser vistas como uma espécie de “doença” que se transmite de oceano para oceano (Muller & Phillips, 1991). Isto é, as zonas de subdução podem-se propagar pelos oceanos, invadindo-os. Se olharmos para o mapa da figura 3, vemos que existe um terceiro arco que parece estar a entrar no Atlântico: o Arco de Gibraltar. No entanto, este parece estar num estado mais inicial de propagação. Por isso mesmo, este local poderá ser único no planeta Terra, pois permite-nos hoje perceber melhor como é que este processo se poderá desenrolar. Note-se que o Arco de Gibraltar faz parte de um conjunto de arcos e bacias retro-arco que se desenvolveram no contexto do fecho do Oceano Tétis e que terão migrado no seu interior (ver por exemplo, rosebaum et al., 2002), tendo já royden (1993) proposto que um destes arcos (Gibraltar) poderia estar a entrar no Atlântico. No entanto, não havia dados disponíveis na altura que permitissem testar esta hipótese. Nas duas últimas décadas houve um grande e concertado esforço de equipas nacionais e interna-

cionais para recolher novos dados de batimetria de alta resolução e sísmica de reflexão (por exemplo, os projectos MATESPrO, SWIM e NErEST). Grande parte desse esforço concentrou-se na procura da fonte do Grande Sismo de Lisboa de 1755. Estes dados permitiram mapear com enorme detalhe as principais estruturas tectónicas existentes na região, em particular a Falha da Ferradura, a Falha do Marquês de Pombal, a Falha da Planície Abissal do Tejo e o cavalgamento do Gorringe. ver, por exemplo o trabalho seminal de Terrinha et al. (2009) entre outros (Gràcia et al., 2003; Zitellini et al., 2009). recentemente, Duarte et al. (2013) mostraram que o Arco de Gibraltar, em conjunto com a convergência local oblíqua entre África e Eurásia, poderiam estar a forçar a reactivação da margem Sudoeste Ibérica (ver estruturas amarelas na figura 2). Esta reactivação expressar-se-ia pela presença de um conjunto de cavalgamentos activos com direcção NE-SW (as falhas referidas em cima) que rejeitam o fundo do mar com escarpas quilométricas e que se desenvolvem ao longo da margem Oeste Portuguesa. Os mesmos autores propuseram dois cenários para a evolução geodinâmica desta zona particular


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do globo. O primeiro corresponde à migração do Arco de Gibraltar para Oeste e consequente propagação da zona de subducção ao longo das margens Atlânticas passivas. Num segundo cenário, a subducção de Gibraltar não se irá propagar devido ao constragimento imposto pela aproximação de África à Ibéria, mas a presença da zona de subducção de Gibraltar poderá ter auxiliado a reactivação da margem Oeste Portuguesa desde a chegada do arco, no Miocénico. Neste cenário, uma zona de subdução completamente nova poderá vir a desenvolver-se ao longo da margem. Apesar de estes cenários à primeira vista se parecerem mais com um exercício de futurologia, uma nova geração de modelos numéricos emergentes, tridimensionais e dinâmicos, permitirá testar tais hipóteses. Esse trabalho está a ser iniciado neste momento. Apesar das incertezas ainda existentes acerca do que está a acontecer na margem Sudoeste portuguesa, nos últimos anos foi percorrido um longo e fascinante caminho que levou a uma compreensão completamente nova dos fenómenos que aqui se apresentaram. No entanto, há ainda questões fundamentais que se levantam. Será de facto a margem continental Portuguesa um caso único da transformação de uma margem de tipo Atlântico numa margem de tipo Pacífico? Será esta a explicação para existência de sismos de grande magnitude como os que ocorreram em 1775 e em 1969? Serão as duas subducções já existentes no outro lado do Atlântico e possivelmente uma terceira em desenvolvimento na margem Portuguesa o prenúncio do fecho do Altântico? E se o Atlântico começar a fechar, o que irá acontecer ao Pacífico? Poderão fechar os dois? Há ainda muito trabalho por fazer e um longo caminho para percorrer mas uma coisa é certa, a investigação nesta área ainda tem muitos mistérios por desvendar. Agradecimentos O autor agradece ao projecto FCT UID/GEO/ /50019/2013 - Instituto Dom Luiz. Referências Bibliográficas Baptista, M. A., Miranda, P. M. A., Miranda, J. M. & Mendes victor, L., 1998. Constraints on the source of the 1755 Lisbon tsunami inferred from numerical modelling of historical data on the source of the 1755 Lisbon tsunami. Journal of Geodynamics, 25: 159-174.

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Águas subterrâneas e gestão do solo e do subsolo José Martins Carvalho1,2 1

Instituto Superior de Engenharia do Porto

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TARH-Terra, Ambiente e Recursos Hídricos, Lda – jmc@tarh.pt

Resumo As águas subterrâneas, para além de desempenharem importante papel nos usos consumptivos quer urbanos quer rurais, são determinantes na gestão do solo e do subsolo integrando a geologia, a hidrogeologia e as ciências do ambiente e da engenharia. A resolução das questões colocadas (água a mais ou água a menos) passa obrigatoriamente pela elaboração de modelos conceptuais hidrogeológicos para apoiar as práticas de prospecção, de pesquisa e de captação e de construção das obras, para além da gestão sustentada dos recursos. A complexidade associada à resolução de problemas obriga a abordagens científico-tecnológicas multidisciplinares capazes de romper com as intervenções rotineiras. Palavras-chave: Águas subterrâneas, engenharia geotécnica, geologia de engenharia, modelo conceptual hidrogeológico. Abstract Groundwater plays an important role in consumptive uses either urban or rural, and is determinant in soil and subsoil management, integrating geology, hydrogeology and environmental and engineering sciences. Solving human related water questions necessarily involves the preparation of conceptual hydrogeological models to support the practice of exploration and exploitation works, construction and sustainable resource management. The complexity of problem solving requires multidisciplinary scientific and technological approaches that break with routine interventions. . Keywords: Groundwater, geotechnical engineering, engineering geology, hydrogeological conceptual modeling.

Águas subterrâneas e actividades humanas o aparecimento das primeiras grandes concentrações humanas – junto aos grandes rios ou das grandes descargas naturais de água subterrânea – ditou o início de uma visão antropocêntrica da evolução e da apropriação dos recursos da Terra. Foi com o surgimento da revolução industrial que, pela primeira vez na história da Terra, os processos geológicos foram afectados de forma sistemática pela actividade antrópica. o recurso geológico água tem um papel determinante nos processos geológicos, na vida, na actividade humana, na gestão do solo e subsolo e na prática da engenharia geotécnica e da geoengenharia (driscoll, 1986; Fetter, 2001; Bock, 2006).

Praticamente todas as actividades humanas interferem com o ciclo da água e mais concretamente com as águas subterrâneas (Fig. 1). A água subterrânea tem um papel muito importante nos processos construtivos das obras e nos respectivos impactes e está presente na maioria das questões ligadas aos riscos geológicos, naturais e induzidos. Por isso, os problemas de águas subterrâneas em obras de engenharia, potenciadas pelos desafios das mudanças climáticas, podem resumir-se duma forma simples: água a mais ou água a menos em trabalhos superficiais ou em trabalhos profundos (Letourneur & Michel, 1971). nos trabalhos superficiais de engenharia incluem-se a pesquisa, a captação e a exploração de águas subterrâneas, os trabalhos de fundação, as vias


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Figura 1 – A água e as actividades humanas. Figure 1 – Water and human activities.

de comunicação, as condutas enterradas, as pontes, a reconfiguração de linhas de água, os canais, as barragens e os açudes e as obras marítimas e fluviais. nos trabalhos profundos são realizados, tipicamente, os poços, os túneis, as galerias e as grandes cavidades e armazenamentos subterrâneos. os riscos induzidos (ou riscos geotécnicos sensu lato) incluem a sobrexploração de águas subterrâneas, o avanço da cunha salina nas zonas litorais, a rotura de barragens, a subsidência, a expansividade, o colapso e a liquefacção de solos, a erosão acelerada e os acidentes de poluição. Estão incluídos, também, fenómenos bem actuais, como o da subida dos níveis de água nas grandes metrópoles por diminuição das extracções de água subterrânea e/ou devido a infiltração e recarga de aquíferos por águas residuais. Aos problemas sucessivamente colocados às ciências da Terra no âmbito dos recursos hídricos subterrâneos foram surgindo especializações como a geologia aplicada (desio, 1949; Letourneur & Michel 1971), a hidrogeologia aplicada (Fetter, 2001), a geologia de engenharia (Krynine & Judd, 1957; gonzález de vallejo et al., 2002) e a hidrogeologia ambiental (Soliman et al., 1998; Younger, 2007). do ponto de vista da engenharia a aproximação ocorreu através da mecânica dos solos (Terzaghi, 1936; Terzaghi et al., 1996; Matos Fernandes, 2008), pela mecânica das rochas (Muller, 1963,

1976; Rocha, 1964; Hoek, 1994) e pela geotecnia ambiental (dinis da gama, 2000). Hoje é difícil estabelecer diferenças significativas entre a engenharia geológica e a engenharia geotécnica (gonzallez de vallejo et al., 2002). Actualmente, o padrão básico das intervenções nestas áreas é o da engenharia geotécnica e da geologia de engenharia ao serviço das soluções geotécnicas para a mitigação de perigos (derivados de processos geológicos) e de impactes ambientais e para a execução de projectos e obras de engenharia (gonzález de vallejo et al., 2002). de facto, a água subterrânea pode ser um problema temporário, durante a fase de construção das obras de engenharia, ou a longo prazo, se as estruturas interagirem com os regimes de escoamento (de percolação na linguagem do geotécnico). deficiente prospecção ou monitorização podem conduzir a atrasos, sobrecustos e problemas operacionais e de manutenção durante a vida útil das obras. Para o hidrogeólogo, a água subterrânea é o recurso que alimenta as nascentes, as linhas de água e as zonas húmidas e está disponível para extracção e utilização nas mais variadas actividades humanas. Em contraste, para o engenheiro geotécnico, engenheiro civil ou de minas, a água subterrânea é sistematicamente um problema potencial que requer uma abordagem para a resolução do problema.


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na generalidade, projectos com fundações na zona saturada têm mais problemas construtivos ou de exploração que os fundados na zona vadosa ou em formações geológicas de muito baixa permeabilidade. A engenharia geotécnica e a geologia de engenharia relacionam os problemas de engenharia civil com os recursos e os processos geológicos, designadamente os recursos hídricos. A consciência ambiental acrescida da sociedade veio gerar novas preocupações a nível do projecto e execução das obras. Por isso, os projectos são, dia a dia, cada vez mais interdisciplinares e complexos mobilizando equipas vastas que, com diferentes olhares sobre a água e o seu papel nas obras e na envolvente, têm de encontrar soluções técnico-económicas, consensuais e ambientalmente sustentadas. Modelos conceptuais hidrogeológicos: uma ferramenta de gestão uma visão pluridisciplinar que leve à identificação dos principais problemas pode ajudar a controlar os riscos técnico-económicos sempre envolvidos em obras de engenharia. Por isso, a elaboração de modelos de funcionamento dos sistemas hidrogeológicas (modelos conceptuais hidrogeológicos), assume-se como relevante e fundamental para o apoio à prospecção geotécnica e à gestão do sub-solo. Por outro lado, os resultados da prospecção servem para refinar e quantificar muitos dos parâmetros

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que posteriormente serão usados em eventual modelação matemática. o conhecimento do modelo conceptual hidrogeológico é a charneira para as intervenções que são necessárias realizar para a resolução de questões concretas ao nível da gestão do solo e do subsolo (Lerner, 1986, 1990, 1997, 2002; Foster et al., 1994; grischek et al., 1996; Howard, 2002). os modelos conceptuais hidrogeológicos constituem ferramentas que devem incorporar a dinâmica dos processos geológicos. os modelos conceptuais hidrogeológicos (Fig. 2) correspondem a cenarizações do funcionamento dos aquíferos (ou sistemas hidrogeológicos) num determinado espaço territorial, onde uma dada obra vai ser realizada e se procura entender o respetivo funcionamento e as relações com os restantes ramos do ciclo da água e com os ecossistemas que habitam no referido espaço (e.g., Beven 2001; Fetter, 2001; Fitts, 2002). Para o seu estabelecimento organiza-se e estrutura-se uma combinação de imagens (frequentemente secções e visualizações em 2d e 3d) e palavras para descrever as geometrias e estruturas geológicas, as fronteiras (limites) hidrogeológicas e as condições hidrológicas, meteorológicas, hidroquímicas, entre outras, que afectam o movimento da água subterrânea e, consequentemente, dos seus constituintes químicos. o modelo conceptual é a estrutura base para o estabelecimento dos modelos matemáticos (e.g.,

Figura 2 – o modelo conceptual hidrogeológico (adaptado de Fitts, 2002). Figure 2 – Hydrogeological conceptual model (adapted from Fitts, 2002).


98 Águas subterrâneas e gestão do solo e do subsolo

nAP, 2001), hoje ferramentas de rotina, sempre que a dimensão e a complexidade do problema tenham necessidades deles; é, portanto, crucial na formulação de decisões em relação à gestão do espaço subterrâneo, bem como da relação deste com a superfície, pois ao apoiarem a realização de modelos matemáticos (feflow, modflow, visualbalan, entre outros) irão permitir a simulação de funcionamento de sistemas complexos. o processo de conceptualização implica a compreensão global da natureza do sistema hidrológico, das suas características genéricas (tais como a litologia, o tipo de solo, o relevo, a variabilidade espacial dos parâmetros hidráulicos, a hidrogeoquímica, as características geológicas e geométricas dos limites do sistema, etc.) e dos processos físicos e químicos envolvidos. o modelo matemático vai procurar, por seu turno, simular o modelo conceptual. Este por sua vez resulta da percepção do investigador em relação ao funcionamento do sistema, a qual depende muito, da sua experiência, com destaque para a de terreno no campo (nAP, 2001; Espinha Marques et al., 2006a, 2006b, 2008; chaminé et al., 2013; chaminé et al., 2015; chaminé et al., 2016). o grau de detalhe do modelo conceptual depende da sua escala e do fim a que se destina. na fase inicial dos estudos, a disponibilidade de dados pode ainda não ser suficiente para permitir a elaboração de um modelo conceptual que nos satisfaça. A colheita de dados adicionais no terreno e, posteriormente, a confrontação com os resultados da aplicação de outros tipos de modelação, especialmente a matemática, poderá contribuir para o aperfeiçoamento do modelo inicial. Exige-se de facto um processo iterativo: os resultados da modelação matemática contribuem para o aperfeiçoamento do modelo conceptual e vice-versa, de modo encadeado (Espinha Marques, 2007; Espinha Marques et al., 2008). A definição do modelo conceptual hidrogeológico é a estrutura base, e a etapa mais importante no processo de elaboração de um modelo hidrogeológico computacional para qualquer utilização do espaço a três dimensões (profundidade) ou quatro, neste caso incorporando o tempo. Sendo o modelo conceptual uma representação espacial simplificada das características essenciais de um dado sistema hidrogeológico e do seu comportamento hidráulico, deve ser estabelecido com o nível de detalhe adequado (necessário e suficiente) ao fim em vista. É, por definição, uma esquematização da interpretação que o especialista em águas subter-

râneas pensa do funcionamento do sistema hidrogeológico em análise e, nessa medida, a sua fiabilidade está directamente relacionada com a interpretação de toda a informação disponível. É legítimo afirmar-se que a credibilidade de um modelo computacional (analítico ou numérico) é função da fiabilidade do modelo conceptual, por conseguinte, da capacidade que o especialista em águas subterrâneas tem de sintetizar todo o conhecimento geológico e hidrogeológico sobre a zona em estudo. Assim, é o modelo conceptual que estabelece as premissas e pressupostos físicos que fundamentam a construção de um modelo computacional. A figura 2 procura mostrar que as investigações à escala local devem ser integradas numa perspetiva global de forma a permitir a avaliação das incidências hidrológicas regionais nos circuitos hidrogeológicos que ocorrem no local da obra e na zona envolvente. A figura 2 evidencia ainda que o modelo conceptual deve ser entendido como a centralidade em que se inserem as investigações hidrogeológicas quer a nível regional quer local e os condicionalismos institucionais e logísticos, constituindo, por isso, o núcleo duro para a resolução da questão técnica formulada. A conceptualização, para ser efetivamente representativa e útil, não pode quedar-se por ideias gerais, apesar de quantificadas e/ou apoiadas em modelos sofisticados, tectónico-estruturais ou de hidrologia isotópica sobre circulação da água em todo o ciclo subaéreo. A sorte dos projetos de pesquisa e captação, em que o objetivo é a satisfação concreta de uma procura, joga-se no terreno, nas cartografias geológica e hidrogeológica a diferentes escalas, isto é, na concretização de um modelo conceptual para o local. A figura 3 mostra um exemplo do estabelecimento de um modelo conceptual hidrogeológico, após modelação analítica, numa zona de informação hidrogeológica escassa, para o desenvolvimento de um projecto de recarga induzida de aquíferos (MAR) na Serra de Monchique (Sul de Portugal). nesta figura manifesta-se a necessidade de o modelo integrar dados da estrutura geológica, da hidrodinâmica e da hidroquímica, os pilares básicos da caracterização de aquíferos (carvalho, 2006; carvalho, 2016; carvalho et al., 2016). A simplicidade (normalmente o melhor modelo é o mais simples) é a palavra de ordem, mas não pode ser iludida a questão do conhecimento da recarga e da permeabilidade dos maciços e das formações geológicas, base indispensável para o estabelecimento de caudais de exploração e das afluências às obras.


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Figura 3 – vista de perfil de um modelo conceptual para uma operação de recarga induzida (MAR) do projecto SoWAMo em Monchique, Sul de Portugal (carvalho et al., 2016). Figure 3 – Profile section of a conceptual model for an induced recharge operation (MAR) of SOWAMO project in Monchique, south of Portugal (Carvalho et al., 2016).

As tarefas de prospeção e pesquisa, a qualquer escala, são condicionadas pelo modelo conceptual hidrogeológico que é o fio condutor para as investigações a realizar e para as decisões a tomar. da mesma forma, existe a seguinte relação de reciprocidade: os resultados da prospeção vão sistematicamente permitir adaptar o modelo conceptual às condições encontradas. grave lacuna é a incapacidade de modificar o modelo conceptual perante as evidências encontradas quando se está em obra; de facto, uma atitude dogmática na gestão da prospeção e dos seus resultados é uma relevante inimiga do sucesso e da economia dos projectos. As implicações do modelo hidrogeológico na construção da obra de captação, ou obra puramente geotécnica, devem abarcar as dificuldades construtivas, os impactes ambientais expectáveis e a evolução previsível durante o período de vida útil do empreendimento. Algumas obras quedam-se pela zona não saturada onde, do ponto de vista geotécnico, se reconhece, geralmente, haver menos problemas construtivos. dado que em muitos espaços territoriais as oscilações sazonais de nível piezométrico são significativas, é de todo recomendável estudar hidrogeologicamente essas áreas.

no entanto, dado que a hidrogeologia clássica tende a abordar, preferencialmente, o problema da captação de água subterrânea, como consequência o estudo da zona não saturada foi, tradicionalmente, algo descurado. de facto, tal como nielsen et al. (1986) observaram, nenhuma disciplina científica tem dedicado suficiente atenção à zona não saturada, no que respeita ao seu uso, conservação e gestão. daqui resulta evidente a forte necessidade de os estudos hidrogeológicos e hidrogeotécnicos contemplarem o fluxo hídrico e, eventualmente, o transporte de massa na zona não saturada, conclusão que é particularmente relevante em problemas de geotecnia ambiental. contribuições para o estudo dessa zona podem ser encontradas em Espinha Marques (2007) e em Espinha Marques et al. (2006b, 2007). Conclusões A gestão do solo e do subsolo é uma tarefa multidisciplinar (Fig. 4) na qual geólogos, hidrogeólogos e outros profissionais das ciências da Terra desempenham um papel fulcral, não exclusivo, mas de charneira.


100 Águas subterrâneas e gestão do solo e do subsolo

Figura 4 – Hidrogeologia, geologia de engenharia e modelo conceptual hidrogeológico (adaptado de Bock, 2006). Figure 4 – Hydrogeology, engineering geology and hydrogeological conceptual model (adapted from Bock, 2006).

os técnicos envolvidos na gestão do subsolo, geólogos e profissionais afins, porque contribuem para a gestão dos recursos geológicos, dos ecossistemas e do património construído, por vezes, nos limites da sustentabilidade ambiental, são obrigados a pautar as respectivas intervenções por elevados padrões éticos e morais (Suarez & Regueiro, 1997; Brandl, 2004). Esta circunstância é agravada pela conflitualidade latente nos diversos níveis societais, às escalas local e regional, bem como nacional e transnacional. Agradecimentos o autor agradece a leitura crítica de revisão efectuada pelo colega doutor José Romão. Bibliografia Beven, K. J., 2001. Rainfall-runoff modelling: The Premier. John Wiley & Sons, chichester, 360. Bock, H., 2006. common ground in engineering geology, soil mechanics and rock mechanics: past, present and future. Bull. Eng. Geol. Env., 65: 209–216. doi: 10.1007/s10064-005-0020-3. Brandl, H., 2004. The civil and geotechnical engineer in society: ethical and philosophical thoughts; challenges and recommendations. deep Foundations Institute, 24. carvalho, J. M., 2006. Prospecção e pesquisa de recursos hídricos subterrâneos no Maciço Antigo Português: linhas metodológicas.

Tese de doutoramento, universidade de Aveiro, 292 p, carta hidrogeológica, anexos. carvalho, T., 2016. Hydrogeological characteristics of the Aquifer Recharge System. SOWAMO Workshop on Climate Change Adaptation - Water and Forests. As, September 9th, 2016 (apresentação powerpoint), Arquivo TARH. carvalho, T., Agostinho, R., carvalho, R., Sousa, R., gil, S., Teodósio A. & clarke, n., 2016. SoWAMo - Sowing water in Monchique Mountain, in Algarve. Adapting Portugal to climate change. 43rd IAH International Congress “Groundwater and society: 60 years of IAH”. Abstract 1624 (versão em revisão). chaminé H. I., carvalho, J. M., Afonso, M. J., Teixeira, J. & Freitas, L., 2013. on a dialogue between hardrock aquifer mapping and hydrogeological conceptual models: insights into groundwater exploration. European Geologist Journal, 35: 26-31. chaminé H. I., carvalho J. M., Teixeira J. & Freitas L., 2015. Role of hydrogeological mapping in groundwater practice: back to basics. European Geologist Journal, 40: 34-42. chaminé, H. I., Teixeira, J., Freitas L., Pires A., Silva R. S., Pinho T., Monteiro R., costa A. L., Abreu T., Trigo J. F., Afonso M. J. & carvalho J. M., 2016. From engineering geosciences mapping towards sustainable urban planning. European Geologist Journal, 41: 16-25. desio, A., 1949. Geologia Applicata all’Ingegneria. Editore ulrico Hoepli, 851. dinis da gama, c., 2000. geotecnia ambiental: perspectivas e aplicações. Geotecnia, Lisboa, 90: 9-47.


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José Martins carvalho 101

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GeOnOVAS n.º

ASSOCIAçãO PORTUGUeSA de GeólOGOS

29: 103 a 124, 2016 103

Síntese hidrogeomorfológica do Anticlinal de Valongo Eduardo Gonçalves Instituto de Ciências Terra – Polo da Universidade do Porto (CGUP) Rua do Campo Alegre, 687, 4169-007 Porto Portugal, e-mail: eduardo.goncalves@fc.up.pt, seara.geres@iol.pt

Resumo O estudo hidrogeológico realizado no Anticlinal de Valongo assentou em diferentes vertentes, como: hidrogeomorfologia, estratigrafia, tectónica, hidrodinâmica e hidroquímica. Tratou-se de uma ampla abordagem que abriu caminho à caracterização hidrogeológica da região. O estudo hidrogeomorfológico, que foi sustentado em ferramentas de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), revelou-se um dos pilares fundamentais do trabalho desenvolvido, pois lançou as bases para a cartografia hidrogeológica e para o modelo hidrogeológico conceptual. Tratou-se de uma abordagem que visou, em grande medida, uma caracterização geomorfológica, orientada para a hidrogeologia, a qual assentou em seis parâmetros fundamentais: litologia, estrutura e grau de alteração; densidade dos lineamentos tectónicos; ocupação de superfície; densidade das linhas de drenagem; declive; e precipitação. A compilação destes seis parâmetros possibilitou a definição de mapas representativos da variação espacial do potencial de infiltração, e mapas hidrogeomorfológicos, para as áreas de Valongo, de Paredes e de Arouca. Palavras-chave: Hidrogeomorfologia, potencial de infiltração, mapas hidrogeomorfológicos, Anticlinal de Valongo. Abstract The hydrogeological study of Valongo Anticline was based on several different subjects, such as: hidrogeomorphology, stratigraphy, tectonics, hydrodynamics and hydrochemistry. It was a wide approach that allowed the hydrogeological characterization of the region. In the scope of hydrogeomorphology were used the tools of Geographic Information Systems (GIS). This line of study became one of main foundations

of research, because allowed the development of tools for the hydrogeological mapping and conceptual hydrogeologic model. It was an approach that has become largely a geomorphological characterization, focused on hydrogeology, which was based on six key parameters: lithology, structure and weathering degree; density of tectonic features; surface occupation; linear runoff density; land slope; and rain rates. The compilation of these six parameters allows the definition of representative maps of potential infiltration rates, and hydrogeomorphological maps for the areas of Valongo, Paredes and Arouca. Keywords: Hydrogeomorphology, potential infiltration, hydrogeomorphological mapping, Valongo Anticline.

1. Introdução As áreas de Valongo, de Paredes e de Arouca (localizadas no noroeste de Portugal Continental) fazem parte de um importante estrutura tectónica, o Anticlinal de Valongo (Fig. 1). Trata-se efetivamente de uma região de enorme relevância no contexto geológico português e peninsular, sendo constituída por formações metassedimentares de idade essencialmente (ou exclusivamente) paleozóica.

A região em apreço merece também especial relevo em virtude de estar localizada numa importante região mineira, o “distrito Mineiro dúrico-Beirão” cujos primórdios de exploração se iniciaram no decurso do período romano. neste contexto histórico de exploração mineira merecem especial referência as mineralizações de antimónio (Sb) e ouro (Au). Todavia a região é também conhecida, em Portugal e internacionalmente, pelas suas explorações de lousas


104 Síntese hidrogeomorfológica do Anticlinal de Valongo

Figura 1 – enquadramento geológico da região estudada (Construído a partir de: Carta Geológica de Portugal, na escala 1:50 000, Folhas 9-A, 9-B, 9-C, 9-d, 13-A e 13-B. Serviços Geológicos de Portugal) (Medeiros et al., 1964). Figure 1 – Geological setting of the study region (Produced from: Carta Geológica de Portugal, na escala 1/50,000, Sheets 9-A, 9-B, 9-C, 9-D, 13-A e 13-B. Serviços Geológicos de Portugal) (Medeiros et al., 1964).

(ardósias), sendo que algumas delas ainda laboram na atualidade. efetivamente, o interesse geológico da região é bastante vasto, como aliás se pode também constatar nas variadas campanhas geológicas (documentadas em termos bibliográficos) onde se incluem: a pros peção mineira, a cartografia geológica, a paleontologia e a estratigrafia, a geomorfologia, a hidrogeologia, etc.

Com o presente estudo, que foi desenvolvido no âmbito de uma tese de doutoramento – Hidrogeologia das áreas de Valongo, de Paredes e de Arouca, no contexto do Anticlinal de Valongo, pretende-se explorar e demonstrar as valências da associação entre a hidrogeologia e a geomorfologia no âmbito da caracterização da hidrogeologia física da região. efetivamente trata-se de um estudo hidrogeomorfológico suportado em cartografia SIG (Sistemas de Informação Geográfica).


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2. Estudo hidrogeomorfológico A hidrogeomorfologia constitui um domínio científico emergente no seio das geociências, que se baseia em conceitos de outras ciências, nomeadamente a geomorfologia, a hidrologia e a hidrogeologia (Babar, 2005). no entanto, existem outras ciências que se enquadram nos campos de ação da hidrogeomorfologia, como (Teixeira et al., 2010; Teixeira et al., 2013): a geofísica aplicada, a geotecnia, a deteção remota, a topografia, a climatologia, entre outras. Com base neste paradigma subentende-se que as pesquisas hidrogeomorfológicas, nas áreas onde se localiza o Anticlinal de Valongo, assentaram em diversas variáveis, ou seja, atenderam a aspetos de terreno, dados de cartas militares, cartografia geológica de base, fotografia aérea e imagens de satélite. em meios cristalinos fissurados, como o Anticlinal de Valongo, existem inúmeros fatores que exercem

eduardo Gonçalves 105

influência nos processo hídricos subterrâneos. Aliás, a grande complexidade hidrogeológica destes meios advém disso mesmo, mais concretamente: topografia, litologia, estrutura, extensão das fraturas, índices de alteração, relevo, declive, permeabilidade, contexto climático, padrões de drenagem, uso do solo e/ou cobertura superficial (Jaiswal et al., 2003; Surrete et al., 2008; Yeh et al., 2008; Teixeira et al., 2010). A metodologia implementada abrangeu os parâmetros acima mencionados, de um modo quantitativo, procurando sempre a objetividade. A representatividade espacial dos mesmos parâmetros pode ser potenciada através do uso de ferramentas SIG. Segundo Teixeira et al. (2010) as ferramentas SIG têm vindo, gradualmente, a assumir um papel preponderante na inventariação hidrogeológica. A implementação desta metodologia multicriteriosa (Fig. 2) envolve a conceção de um conjunto de mapas geotemáticos intermédios, os quais (no final)

Figura 2 – Fluxograma conceptual representativo da metodologia SIG envolvida na cartografia hidrogeomorfológica (Teixeira et al., 2010). Figure 2 – Representative conceptual diagram of GIS methodology involved in hydrogeomorphological mapping (Teixeira et al, 2010).


106 Síntese hidrogeomorfológica do Anticlinal de Valongo

irão desencadear mapas hidrogeomorfológicos. Os mapas intermédios são realizados numa base cartográfica georreferenciada (em ambiente SIG), que na prática representam layers de dados geológicos, cobertura superficial, drenagem, declive, densidade de lineamentos tectónicos e precipitação. A sobreposição dos diferentes mapas de informação (layers) obedece a critérios de ponderação, pois os dados que contêm exercem diferentes graus de influência ao nível hidrológico e hidrogeológico. efetivamente procede-se à atribuição de pesos relativos (quantificados) a parâmetros qualitativos. A sobreposição dos mapas desses parâmetros permite a geração de mapas temáticos que contribuem para a obtenção de uma rede integrada das áreas em estudo, e a avaliação de zonas com diferentes índices de infiltração potencial (Teixeira et al., 2010; Teixeira et al., 2013). A compilação ponderada dos diferentes fatores que exercem influência na dinâmica hidrogeológica (litologia, estrutura, tectónica, ocupação de superfície, precipitação, declive e drenagem superficial) não deve resumir-se a uma simples operação matemática ou gráfica. na realidade, são aconselháveis readaptações e revisões, consoante os avanços nas campanhas de campo e mesmo em novas pesquisas bibliográficas. Teixeira et al. (2010) estabeleceram que são seis os mapas temáticos fundamentais que devem ser definidos para a determinação dos índices de infiltração potencial. esses mapas, que na realidade correspondem a bases de dados georreferenciadas (onde constam fatores com pesos específicos), agrupam-se do seguinte modo (Teixeira et al., 2010; Teixeira et al., 2013): - litologia, estrutura e grau de alteração; - densidade dos lineamentos tectónicos; - Ocupação de superfície; - densidade das linhas de drenagem; - declive; - Precipitação. Conforme já foi supracitado, o esboço final, resultante da sobreposição das bases de dados georreferenciadas, corresponde a um mapa que reflete os índices de infiltração potencial, sendo que os seus valores podem oscilar entre zero e cem. Segundo Teixeira et al. (2010), o valor máximo é alcançado em áreas em que todos os fatores (que interferem nos padrões de fluxo hídrico subterrâneo) obtêm classificações parciais máximas. Contudo, o esboço final, onde constam os índices de infiltração potencial ainda não corres-

ponde a um mapa final definitivo. de acordo com Teixeira et al. (2010), a este esboço deverá sobreporse um mapa geomorfológico e um inventário (georreferenciado) de dados hidrogeológicos de campo. de acordo com os mesmos autores, só assim se poderá obter um mapa hidrogeomorfológico final. 2.1. Litologia, estrutura e grau de alteração As variações de fatores como a litologia, a estrutura e do grau de alteração desencadeiam variações significativas em parâmetros como: a condutividade hidráulica, a transmissividade, o coeficiente de armazenamento e a porosidade. A influência destes fatores na hidrogeologia também se verifica ao nível da infiltração subterrânea (Baz & Himida, 1995; CFCFF, 1996; Shahan et al., 2006; Jha et al., 2007; Yeh et al., 2008, in. Teixeira et al., 2010). Por outras palavras, os mesmos fatores são determinantes no auxílio ao zoneamento do potencial de infiltração. A diversidade litológica do Anticlinal de Valongo potencia o desenvolvimento de diferentes graus de alteração superficial. Contudo, no seio de uma dada unidade litoestratigráfica podem verificar-se diferentes graus de alteração. As litologias quartzíticas do Ordovícico Inferior e do Ordovícico Médio são as que evidenciam maior resistência aos processos erosivos, pelo que se demarcam topograficamente das demais litologias paleozóicas, e desse modo materializam áreas de maior infiltração potencial. A estrutura e a disposição geométrica das unidades litoestratigráficas são também um fator a considerar ao nível da avaliação dos índices de infiltração, na medida em que se está na presença de uma mega estrutura tectónica. nas Figuras 3 e 4, foi possível efetuar um esboço tridimensional da estrutura e disposição geométrica das principais unidades litoestratigráficas. O princípio do uso do fator “litologia, estrutura e grau de alteração” baseia-se na atribuição de valores para diferentes litologias, com base nas características geológicas e hidrogeológicas. O seu peso relativo, na ponderação final, é de vinte (Tabela 1.). Segundo Teixeira et al. (2010) esta opção pode sustentar-se em estudos e observações de campo. Contudo, os mesmos autores sugerem pesquisas bibliográficas seletivas em publicações e reuniões científicas de entidades como: - ISRM – International Society for Rock Mechanics (1978, 1981);


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eduardo Gonçalves 107

Figura 3 – Perspetiva tridimensional da geologia e relevo da região de Valongo e de Paredes, com a identificação das principais fronteiras hidráulicas (Construído a partir de: Carta Geológica de Portugal – Folha 9-d na escala 1:50.000. Serviços Geológicos de Portugal). Figure 3 – Three-dimensional outlook of geology and relief for Valongo and Paredes region, identifying the main hydraulic boundaries (Produced from: Carta Geológica de Portugal na escala 1/50,000, Sheet 9-D. Serviços Geológicos de Portugal).


108 Síntese hidrogeomorfológica do Anticlinal de Valongo

Figura 4 – Perspetiva tridimensional da geologia e relevo da região de Arouca, com a identificação das principais fronteiras hidráulicas (Construído a partir de: Carta Geológica de Portugal – Folha 13-B na escala 1:50.000, Serviços Geológicos de Portugal). Figure 4 – Three-dimensional outlook of geology and relief for Arouca region, identifying the main hydraulic boundaries (Produced from: Carta Geológica de Portugal na escala 1/50,000, Sheet 13-B. Serviços Geológicos de Portugal).


eduardo Gonçalves 109

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Precipitação

Declive

Rede de drenagem

Cobertura de superfície

Densidade dos lineamentos tectónicos

Litologia, estrutura e índice de alteração

Tabela 1 – Pesos e valores dos fatores que afetam o potencial de infiltração (Teixeira et al., 2010). Table 1 – Weights and values of the factors that affect the infiltration potential (Teixeira et al., 2010). Características espaciais

Valor

Terraços aluvionares, planícies aluviais

20

Peso máximo

Explicação

Referências

locais favoráveis ao armazenamento hídrico subterrâneo

Rochas graníticas frescas a alteradas

5

Potencial de infiltração reduzido

Rochas graníticas moderadamente alteradas

10

Rochas graníticas fortemente alteradas

18

Potencial de infiltração elevado

Massas e estruturas filonianas

15

Potencial de infiltração elevado

elevada densidade de lineamentos (> 21/km2)

20

Potencial de infiltração elevado

Moderada densidade de lineamentos (14 – 21/km2)

15

Potencial de infiltração moderado

Baixa densidade de lineamentos (7 – 14/km2)

10

Potencial de infiltração reduzido

Muito baixa densidade de lineamentos (< 7/km2)

5

Potencial de infiltração bastante reduzido

estradas

0

Áreas impermeáveis

Aldeias / áreas urbanas

0

Áreas impermeáveis

Afloramentos rochosos

5

Potencial de infiltração reduzido

Floresta

15

Agricultura (condições de sequeiro)

12

Potencial de infiltração moderado

erva e vegetação rasteira

10

Potencial de infiltração moderado

Muito baixa densidade de drenagem (< 3,5/km2)

15

Potencial de infiltração elevado

Baixa densidade de drenagem (3,5 – 7/km2)

13

Potencial de infiltração moderado

Moderada densidade de drenagem (7 – 10,5/km2)

10

Potencial de infiltração reduzido

elevada densidade de drenagem (> 10,5/km2)

8

Potencial de infiltração muito reduzido

Muito baixos valores de inclinação (0º - 5º)

20

Potencial de infiltração elevado

Baixos valores de inclinação (5º - 15º)

15

Moderados valores de inclinação (15º - 25º)

10

Potencial de infiltração reduzido

Moderados valores de inclinação (> 25º)

5

Potencial de infiltração muito reduzido

> 1200 mm/ano

10

Potencial de infiltração elevado

1100 – 1200 mm/ano

8

Potencial de infiltração moderado

1000 – 1100 mm/ano

6

< 1000 mm/ano

4

20

Potencial de infiltração moderado

20

15

Potencial de infiltração elevado

15

20

10

Potencial de infiltração moderado

Potencial de infiltração reduzido Potencial de infiltração muito reduzido

ISRM (1978, 1981) GSe (1995); Jhe et al (2008)

CFCFF (1996); Sener et al (2005); Sreedevi et al (2005); Sander (2007); Yeh et al (2008)

Sanford (2002); Shaba et al (2006); Jha et al (2007); Yeh et al (2008)

Sener et al (2005); Sreedevi et al (2005); Jha et al (2007); Sander (2007)

Sener et al (2005); Sreedevi et al (2005); Jha et al (2007); Sander (2007); Yeh et al (2008)

Sener et al (2005); Jha et al (2007); Sander (2007); Yeh et al (2008)


110 Síntese hidrogeomorfológica do Anticlinal de Valongo

- GSe – Geological Society Engineering Group Working Party Report (1995); - CFCFF – Committee on Fracture Characterization and Fluid Flow (1996).

2.2. Densidade dos lineamentos tectónicos em estudos hidrogeológicos de ambientes cristalinos fissurados, reveste-se de grande utilidade a análise dos padrões de distribuição dos lineamentos tectónicos a diferentes escalas. efetivamente destacam-se vários aspetos, respeitantes aos lineamentos tectónicos, que exercem significativa influência nas condições de fluxo e armazenamento hídrico subterrâneos. Um desses aspetos corresponde ao índice (ou densidade) de lineamentos tectónicos. num meio cristalino, quanto maior for o índice de lineamentos tectónicos maior é o grau de interconectividades hidráulicas, favorecendo o desenvolvimento da permeabilidade, do coeficiente de armazenamento, da condutividade hidráulica, entre outros parâmetros. As rochas cristalinas são caracterizadas por vários tipos de descontinuidades, em várias escalas, as quais variam desde diaclases de tamanhos milimétricos (ou mesmo microscópicos), até falhas maiores e grandes lineamentos regionais. As principais descontinuidades das rochas são a foliação, as diaclases, as falhas e os lineamentos (Singhal, 2008). Segundo autores como Singhal & Gupta (1999), Carvalho (2006) e Singhal (2008), existe um conjunto de fatores que interferem e controlam diretamente o fluxo hídrico subterrâneo através das fraturas e outras estruturas tectónicas, como a pressão, a geometria, a temperatura, a alteração, etc. Por exemplo, a abertura das fraturas e a condutividade hidráulica estão diretamente relacionadas. Os lineamentos tectónicos regionais e sub-regionais, em hidrogeologia são frequentemente designados por estruturas macroscópicas, enquanto que as pequenas falhas, pequenos filões e diaclases são assinalados como estruturas mesoscópicas, na medida em que se reportam a uma escala local, de afloramento (Barker, 2001). As falhas e os demais lineamentos tectónicos podem ser analisados em afloramento e em cartas geológicas, mas também através de fotografias aéreas, ortofotos e deteção remota. A relação existente entre as principais direções das linhas de água, a tipicidade de vegetação e outros aspetos de terreno é explicado por Fetter (2001)

com o recurso ao conceito de “fraturas-traço”. Segundo este autor, a análise de fraturas-traço, com base em dados recolhidos no terreno, fotografias aéreas ou de satélite, pode constituir uma importante ferramenta em trabalhos de hidrogeologia. O mesmo autor refere em concreto que os aspetos lineares se podem traduzir na forma de: variações de tonalidade de solos; alinhamentos de padrões de vegetação; segmentos retilíneos de linhas de água e vales; alinhamentos de depressões de superfície; ou outros aspetos evidenciadores de orientações lineares. nas áreas de Valongo, de Paredes e de Arouca, seguindo os princípios e orientações acima enunciadas procedeu-se à elaboração de mapas com a representação de fraturas-traço. nas duas áreas, as ferramentas de base foram ortofotos recolhidos no site de internet – www.bing.maps.com, os quais, após ampliados permitiram identificar aspetos lineares como: linhas de água, alinhamentos de padrões de vegetação, vales e depressões de superfície, etc. efetuando um cruzamento de dados entre os principais lineamentos tectónicos regionais e sub-regionais, com os dados obtidos da elaboração de fraturas-traço, foi possível obter mapas com uma maior densidade de fraturas macroscópicas (Fig. 5). A obtenção destes mapas constitui um ponto de partida que se sustenta na “equiparação” das fraturas-traço a grandes lineamentos tectónicos. A partir da análise dos respetivos mapas, é realmente possível constatar um considerável grau de paralelismo entre as fraturas traço e os principais lineamentos tectónicos. Foi com base nesta informação que se realizou a análise da densidade dos lineamentos tectónicos. Para o caso concreto das áreas de Valongo, de Paredes e de Arouca, a metodologia adotada para a definição da densidade de lineamentos tectónicos centrou-se na análise dos lineamentos tectónicos em áreas circulares de um quilómetro quadrado. Para esse efeito o recurso aos “mapas representativos do cruzamento dos principais lineamentos tectónicos regionais com as fraturas-traço” (Gonçalves, 2013) como base de trabalho, veio a revelar-se determinante. Seguindo os procedimentos adotados por Teixeira et al. (2010) e Teixeira et al. (2013), os lineamentos tectónicos foram analisados em software apropriado, que no caso concreto correspondeu ao programa Arcgis 9.3 (versão 9.3.1. do ArcMap). esta ferramenta dispõe de uma ferramenta (spatial analyst) que permite, entre outras valências, efetuar a análise da densidade de lineamentos tectónicos numa área circular de um quilómetro quadrado.


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Figura 5 – Mapa representativo do cruzamento dos principais alinhamentos tectónicos regionais com as fraturas-traço de Valongo e Paredes (Construído a partir de: folha nº1 da Carta Geológica de Portugal na escala 1:200.000 e na folha nº 13-B da Carta Geológica de Portugal na escala 1:50.000. Serviços Geológicos de Portugal; e em dados do site bing.maps.com). Figure 5 – Maps showing the intersection of the main regional tectonic alignments with trace fractures of studied areas (Produced from: Carta Geológica de Portugal na escala 1/200,000, Sheet 1; and Carta Geológica de Portugal na escala 1/50,000, Sheet 13-B. Serviços Geológicos de Portugal).

A extensão da porção de cada lineamento que se assinale por área, é multiplicada por um valor da população de campo. esses valores são somados, sendo o total dividido pela área considerada através da seguinte expressão (Teixeira et al., 2010): Densidade =

(l1⫻V1) + (l2⫻V2) (área considerada)

(2.1)

onde L1 e L2 representam a extensão da porção de cada lineamento detetado na área considerada. Os valores de campo correspondentes da população são V1 e V2. O resultado da análise da densidade dos lineamentos tectónicos revelou importantes variações laterais nas duas áreas estudadas (Fig. 6). no entanto, é possível verificar que este parâmetro é mais acentuado na região de Arouca.

2.3. Cobertura de superfície A cobertura de superfície é também um importante fator que exerce uma forte influência nos processos

de infiltração de águas subterrâneas (Teixeira et al, 2010; Teixeira et al., 2013). Sobre o conceito cobertura de superfície, de modo genérico, deve entender-se que se está a fazer referência a aspetos como cobertura vegetal, malha urbana ou malha industrial. em estudos hidrogeológicos, especialmente aqueles que se focalizam na recarga hídrica subterrânea, a cobertura vegetal (áreas florestais ou áreas agrícolas) é assumida como um aspeto fundamental a considerar. Para as áreas em apreço, um pouco à semelhança do parâmetro anterior, a metodologia adotada para a recolha de dados para a representação dos principais padrões de cobertura superficial foi a análise ortofotos disponíveis no site de internet – www.bing.maps.com. Com base neste processo foi possível definir tipologias de ocupação de superfície bastante distintas (Fig. 7 e 8): áreas florestais, matas, áreas agrícolas, áreas urbanizadas, áreas industriais e áreas com rocha aflorante. A influência da cobertura vegetal é percetível no processo de infiltração de águas subterrâneas, através de diferentes vias (Yeh et al., 2008, in. Teixeira et al., 2010): (i) desintegração do solo, relacionada com


112 Síntese hidrogeomorfológica do Anticlinal de Valongo

Figura 6 – Mapas representativos da variação espacial da densidade de lineamentos tectónicos (Gonçalves, 2013): a) Valongo e Paredes; b) Arouca. Figure 6 – Representative maps of spatial variation of tectonic features density (Gonçalves, 2013): a) Valongo e Paredes; b) Arouca.

Figura 7 – Mapa representativo dos diferentes tipos de ocupação de superfície para a região de Valongo e de Paredes (Construído a partir de: Folha nº1 da Carta Geológica de Portugal na escala 1:200.000. Serviços Geológicos de Portugal e site http://www.bing.com/maps/). Figure 7 – Representative map of different kinds of surface occupation for areas of Valongo and Paredes (Produced from: Sheet nº 1 of Carta Geológica de Portugal na escala 1/200,000. Serviços Geológicos de Portugal and site http://www.bing.com/maps/).


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Figura 8 – Mapa representativo dos diferentes tipos de ocupação de superfície para a região de Arouca Superior (Construído a partir de: Folha nº 13-B da Carta Geológica de Portugal na escala 1:50.000. Serviços Geológicos de Portugal, e fotografias do site bing.maps.com). Figure 8 – Representative map of different kinds of surface occupation for areas of Arouca (Produced from: Sheet nº 13-B of Carta Geológica de Portugal in the scale 1/50,000. Serviços Geológicos de Portugal and site http://www.bing.com/maps/).

a decomposição orgânica das raízes, favorecendo o processo de percolação de águas; (ii) a presença de fração orgânica no solo promove a formação de agregados estruturais, que favorecem incrementos significativos na condutividade hidráulica; (iii) a vegetação previne a evaporação direta da água do solo; (iv) as plantas absorvem a maior parte da sua água através das raízes, prevenindo assim as perdas de água (v) a vegetação retarda o escoamento direto, aumentando assim as possibilidades de infiltração. O peso relativo considerado (Tabela 1) para o fator “cobertura de superfície” é de quinze, sendo que o valor mais elevado normalmente é atribuído às áreas florestais e às áreas agrícolas (Teixeira et al., 2010).

2.4. Densidade das linhas de água Segundo Teixeira et al. (2010) as análises estruturais da rede de drenagem constituem uma boa ferramenta de apoio à avaliação das características das zonas de infiltração de águas subterrâneas. Os mesmos autores referem que o cálculo da densidade

das linhas de água pode ser efetuado do mesmo modo da estimativa da densidade dos lineamentos tectónicos, ou seja, em unidades de extensão por unidade de área. Com efeito, em Gonçalves (2013), houve lugar à elaboração de mapas de base, para as regiões de Valongo, de Paredes e de Arouca, com a distribuição das linhas de drenagem principais e secundárias. Conforme se pode verificar pela análise da figura 9, realizada com base na recolha de informação disponibilizada nas cartas militares nº 123, 134 e 145 do Instituto Geográfico do exército, assiste-se genericamente a uma grande densidade de linhas de água nas áreas estudadas. Como a água de circulação superficial pode ser considerada uma função inversa da água de circulação subterrânea, é conferido o valor máximo (quinze) para o mais baixo índice de densidade de drenagem (Tabela 1). À semelhança do que foi efetuado para os lineamentos tectónicos, a análise da densidade das linhas de água também foi processada com o recurso ao programa informático ArcGIS 9.3. (Fig. 10).


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Figura 9 – Mapas de base, definidos para o cálculo da densidade das linhas de drenagem: a) Valongo e Paredes; b) Arouca (Construído a partir de: cartas militares nº 123, nº 134 e nº 145 do Instituto Geográfico do exército, escala 1:25.000). Figure 9 – Basic maps used for calculating of linear runoff density: a) Valongo and Paredes; b) Arouca (Produced from: military charts nº 123, 134 and 145 of Instituto Geográfico do Exército, in the scale 1/25,000).

Figura 10 – Mapas representativos da variação espacial da densidade de linhas de drenagem (Gonçalves, 2013): a) Valongo e Paredes; b) Arouca. Figure 10 – Representative maps of lateral variation of linear runoff density (Gonçalves, 2013): a)Valongo and Paredes; b) Arouca.


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2.5. Declive O declive dos terrenos constitui um dos mais importantes fatores a considerar ao nível da caracterização dos processos intervenientes na infiltração de águas subterrâneas. na verdade, o declive constitui um fator que interfere diretamente no tempo de residência das águas (provenientes da precipitação) em níveis superficiais. O fator declive é reconhecido por Custodio & llamas (1983) como uma das principais variáveis de terreno que intervém no processo de infiltração de águas subterrâneas. Os mesmos autores sustentam que o declive corresponde a um agente determinante na interseção da água proveniente da precipitação atmosférica. Com efeito, o tempo de residência das águas superficiais numa determinada área é inversamente proporcional aos valores de declive, ou seja, quanto mais acentuada for a inclinação do terreno, menor será o tempo disponível para que ocorra infiltração. daqui resulta um efeito de interceção mais significativo. A determinação das classes de declive em Gonçalves (2013) foi efetuada diretamente sobre a informação hipsométrica disponibilizada nas cartas

militares nº 123, 134 e 145 do Instituto Geográfico do exército. deste modo, ao longo das áreas consideradas em cada uma das cartas, foi realizado o cálculo rigoroso do declive numa estreita rede de pontos definida para o efeito. O resultado desta operação permitiu a definição de mapas de declives (Fig. 11 e 12). Uma das primeiras considerações que discorre da análise das Fig. 11 e 12 diz respeito ao facto de a região de Arouca evidenciar declives genericamente mais acentuados do que a região de Valongo e de Paredes. em relação ao fator declive, Teixeira et al. (2010) atribuem um peso parcial de vinte, estando os valores mais elevados associados às áreas que apresentem mais aplanadas. 2.6. Precipitação no conjunto das variáveis naturais que exercem influência nos processos de infiltração das águas subterrâneas, o fator precipitação é de todos o que se reveste de maior importância. Aliás, a sua relevância não é apenas sensível ao nível da infiltração, mas em todo o ciclo hidrológico. Contudo, os índices de precipitação para uma região com características climáticas atlânticas, nor-

Figura 11 – Mapa de declives, definido para a região de Valongo e de Paredes (Construído a partir de: cartas militares nº 123 e 134 do Instituto Geográfico do exército, escala 1:25.000). Figure 11 – Slopes maps defined for areas of Valongo and Paredes (Produced from: military charts nº 123 and 134 of Instituto Geográfico do Exército, in the scale 1/25,000).


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Figura 12 – Mapa de declives definido para a região de Arouca (Construído a partir de: carta militar nº 145 do Instituto Geográfico do exército, escala 1:25.000). Figure 12 – Slopes maps defined for areas of Arouca (Produced from: military chart nº 145 of Instituto Geográfico do Exército, in the scale 1/25,000).

malmente evidenciam fortes oscilações anuais, pelo que se está perante uma variável discreta. neste sentido, Teixeira et al. (2010) atribuem um peso máximo de dez, sendo que os valores mais elevados estão associados às áreas com mais elevados índices de precipitação. A análise do parâmetro – precipitação, envolveu o método da projeção de isoietas com base nos valores médios anuais de precipitação das dezasseis estações meteorológicas (Fig. 13) consideradas. Poderiam ser usados outros métodos, nomeadamente o método dos polígonos de Thiessen, no entanto o número e a distribuição das estações meteorológicas no terreno facultaram a projeção de isoietas de igual precipitação. 3. Potencial de infiltração Ao longo do Anticlinal de Valongo assiste-se a uma enorme heterogeneidade litológica. este cenário, para além de induzir uma considerável influência nos parâmetros hidráulicos, favorece o desenvolvimento de importantes oscilações laterais nos índices de infiltração de águas subterrâneas. A reconhecível heterogeneidade litológica desen cadeia, necessariamente, a ocorrência de

diferentes graus de alteração superficial. A partir da análise das cartas geológicas da região (Serviços Geológicos de Portugal), complementada com estudos de campo, pode facilmente concluir-se que as formações quartzíticas são as mais resistentes aos mecanismos de erosão. As formações quartzíticas, normalmente, são reconhecidas por também evidenciarem maiores porosidades e permeabilidades do que as formações xistentas e demais formações metassedimentares (Carvalho, 2006). este fenómeno parece estar relacionado com a existência de espaços intergranulares (porosidade primária), mas também ser complementado com a fraturação, em diferentes escalas de grandeza, e com a dissolução de sulfuretos (permeabilidade vesicular). As demais unidades litoestratigráficas, embora tendencialmente evidenciem mais elevados índices de alteração, não demonstram as mesmas potencialidades hidráulicas das formações quartzíticas (pelo menos ao nível das porosidades e permeabilidades primárias). este aspeto reflete-se nas condições de infiltração das águas subterrâneas. A tudo isto acresce o facto de, nas formações xistentas, se terem detetado extensos níveis argilosos,


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Figura 13 – Mapa de isoietas representativo da variação regional dos valores médios anuais de precipitação, realizadas com base em dezasseis estacões meteorológicas (Fonte: SnIRH – Sistema nacional de Informação de Recursos Hídricos). Figure 13 – Map of isohyets (Source: SNIRH – Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos).

mesmo em zonas de fratura. este fenómeno, que é quase inexistente nas formações essencialmente quartzíticas, é responsável pela impermeabilização dos níveis superficiais e sub-superficiais. efetivamente, se por um lado, ao longo das formações quartzíticas os processos de alteração favorecem os mecanismos de infiltração de águas subterrâneas, na generalidade das restantes formações metassedimentares do Anticlinal de Valongo, os mesmos processos promovem um efeito contrário (ver Fig. 14). esta conjetura baseia-se em dados de campo, ou seja, os efeitos de meteorização nos níveis quartzíticos expressam-se essencialmente sob a forma de impregnações de óxidos de ferro, e não na forma de minerais secundários de argila (Tabela 1). A disposição tectónica da mega-estrutura principal, também deve ser considerada, na medida em que normalmente é mais fácil a infiltração em camadas verticais (ou subverticais) do que em camadas horizontais (ou subhorizontais). neste sentido, no flanco inverso do Anticlinal de Valongo, devido à maior tendência à verticalidade dos estratos, existirá uma maior predisposição à infiltração de águas subterrâneas. Contudo, não devem ser tidos apenas em consideração dados geomorfológicos, tectónicos e litológicos.

O panorama relativo às formações metassedimentares (não quartzíticas) é, de certo modo, contrariado nalguns níveis carboníferos da Bacia Carbonífera do douro. na verdade, alguns desses níveis merecem uma abordagem ligeiramente diferente da generalidade dos níveis metassedimentares do Anticlinal de Valongo. Como já foi referido, na generalidade das unidades litoestratigráficas do Anticlinal de Valongo, assiste-se a uma assinalável heterogeneidade litológica. esta heterogeneidade vai também implicar oscilações nos índices de infiltração de águas, numa mesma unidade litoestratigráfica. A Bacia Carbonífera do douro (BCd) constitui um típico exemplo de unidade litoestratigráfica onde a heterogeneidade litológica é uma realidade inexorável, na qual pontificam metassedimentos de fácies continental, como (Pinto de Jesus 2003): conglomerados, arenitos, arcoses, carbonatos, etc. Mesmo assim, atribuiu-se um potencial de infiltração semelhante aos restantes metassedimentos paleozóicos, pois as litologias pertencentes à BCd não parecem evidenciar as mesmas propriedades hidráulicas das formações essencialmente quartzíticas (Ordovícico Inferior). Aliás, Santos (2008) determinou valores de permeabilidade e de transmissividade, para lito-


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Figura 14 – Potenciais de infiltração baseados na litologia, estrutura e grau de alteração: a) Valongo e Paredes; b) Arouca (Construído a partir de: Folha nº1 da Carta Geológica de Portugal na escala 1:200.000, e Folha nº 13-B da Carta Geológica de Portugal na escala 1:50.000. Serviços Geológicos de Portugal). Figure 14 – Potential of infiltration based on lithology, structure and weathering: a) Valongo and Paredes; b) Arouca (Produced from: Sheet nº 1 of Carta Geológica de Portugal in the scale 1/200,000; and Sheet nº 13-B of Carta Geológica de Portugal in the scale 1/50,000. Serviços Geológicos de Portugal).

lógicas da BCd, inferiores aos demais metassedimentos paleozoicos. Conforme se verifica nas Figuras 7 e 8, existe uma considerável variação de tipologias de ocupação de superfície, pelo que são também variados os valores parciais a atribuir. O mesmo será dizer que o fator – Cobertura de Superfície exerce diferentes níveis de influência na definição de áreas de infiltração potenciais. Com base na análise da distribuição das linhas de drenagem superficiais, também é possível identificar facilmente áreas com diferentes densidades, as quais refletem, em grande medida, a litologia dominante, a densidade de lineamentos tectónicos e o relevo. no que concerne ao parâmetro relevo, particularmente a variação local e regional dos declives, uma ideia geral que se pode reter, tem que ver com o facto de a região de Arouca evidenciar declives genericamente mais acentuados do que na região de Valongo e de Paredes. este dado constitui um indicador de que nas áreas de Valongo e de Paredes o fator declive exerce uma maior influência nos mecanismos de infiltração de águas subterrâneas.

Com base na informação disponibilizada no mapa de isolinhas (Fig. 13) de precipitação (isoietas) foi possível identificar “regiões” com grandes oscilações. Contudo nas áreas de Valongo, de Paredes e de Arouca as variações de pluviosidade não são muito significativas (Fig. 13). A sobreposição dos pesos dos diferentes fatores (apresentados nos mapas anteriores) que afetam o potencial de infiltração subterrânea, não corresponde a um processo propriamente simples. neste estudo, a metodologia adotada baseou-se na definição de uma rede de pontos representativos, distribuídos ao longo das duas áreas consideradas. Os valores atribuídos a cada um dos pontos, para os diferentes fatores cartografados, refletiu o valor dos parâmetros definidos na vizinhança desses mesmos pontos (Tabela 1). no final, após o somatório dos valores parciais atribuídos a cada um dos pontos, com o recurso ao programa Surfer10 (algoritmo krigagem), foi possível definir mapas de isolinhas representativos da variação lateral do zonamento do potencial de infiltração hídrica subterrânea (Fig. 15 e 16).


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Figura 15 – Mapa representativo do potencial de infiltração definido para a região de Valongo e de Paredes (Gonçalves, 2013). Figure 15 – Representative map of infiltration potential defined for areas of Valongo and Arouca (Gonçalves, 2013).

Figura 16 – Mapa representativo do potencial de infiltração definido para a região de Arouca (Gonçalves, 2013). Figure 16 – Representative map of infiltration potential defined for areas of Arouca (Gonçalves, 2013).


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A zonação do potencial de infiltração subterrânea constitui efetivamente o resultado da sobreposição de todos os fatores atrás explanados: litologia, estrutura e grau de alteração; densidade de lineamentos tectónicos; ocupação de superfície; densidade de linhas de água (drenagem superficial); declive e pluviosidade. Com base na análise das duas figuras anteriores, é possível constatar significativas oscilações nos valores do potencial de infiltração. no entanto, em qualquer das situações pode concluir-se que esses valores oscilam entre o alto e muito alto potencial de infiltração (Teixeira et al., 2010; Teixeira et al., 2013). 4. Mapas hidrogeomorfológicos desde há várias décadas que os estudos geomorfológicos se têm vindo a implementar em hidrogeologia como instrumentos de apoio à modelação conceptual e à cartografia hidrogeológica (Babar 2005). A realização de um mapa hidrogeomorfológico corresponde ao corolário final da sobreposição de um mapa representativo das áreas favoráveis à infiltração subterrânea, com um mapa geomorfológico.

neste propósito, tornou-se necessário realizar mapas geomorfológicos para as duas áreas em apreço, os quais incluem distribuições espaciais simplificadas de variáveis físicas (naturais) com interesse hidrogeológico (Fig. 17). existem vários tipos de mapas geomorfológicos, uns de caráter mais simples e outros mais complexos, dependendo do objetivo e/ou aplicabilidade dos mesmos (Cárdenas, 2006). Um outro fator determinante na escolha da tipologia dos mapas geomorfológicos constitui a escola técnico-científica seguida na sua elaboração. neste estudo, foi seguida a escola francesa, mais concretamente a adotada por Tricart (1978), na qual estão incluídos os mapas geomorfológicos simplificados que encerram variáveis físicas como: os principais padrões litológicos, a inclinação (ou declive), as principais linhas de cume e de crista, e as zonas de escarpa. numa primeira fase, o inventário hidrogeológico, também necessário para a realização do mapa hidrogeomorfológico final, foi realizado com base nas folhas 123, 134 e 145 da Carta Militar (escala 1:25000) do Instituto Geográfico do exército. no entanto, foi em grande medida complementado por meio do levantamento hidrogeológico em campanhas de campo.

Figura 17 – Mapas geomorfológicos simplificados relativos às áreas consideradas (Gonçalves, 2013): a) Valongo e Paredes, b) Arouca. Figure 17 – Simplified geomorphological maps designed for studied areas (Gonçalves, 2013).


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Todos os pontos de água considerados, da rede definida por Gonçalves (2013), foram alvo de registos de parâmetros físico-químicos (caudal, pH, temperatura e condutividade elétrica), pelo que

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também foram inseridos nos mapas hidrogeomorfológicos finais (Fig. 18 e 19). As análises hidrogeomorfológicas, baseadas em técnicas de cartografia SIG, em virtude de permiti-

Figura 18 – Mapa hidrogeomorfológico relativo à região de Valongo e de Paredes (Gonçalves, 2013). Figure 18 – Hydrogeomorphological map designed for areas of Valongo and Paredes (Gonçalves, 2013).

Figura 19 – Mapa hidrogeomorfológico relativo à região de Arouca (Gonçalves, 2013). Figure 19 – Hydrogeomorphological map designed for areas of Arouca (Gonçalves, 2013).


122 Síntese hidrogeomorfológica do Anticlinal de Valongo

rem a avaliação variação espacial do potencial de infiltração, constituem importantes ferramentas de caracterização hidrogeológica e, por conseguinte, modelação hidrogeológica conceptual. no caso concreto das regiões de Valongo, de Paredes e de Arouca, as referidas ferramentas permitiram criar uma geo-base de dados, organizada em diferentes layers, ou mapas geotemáticos. 3. Observações finais e conclusões O método multicriterioso apresentado para a realização dos mapas com diferentes índices de potencial de infiltração e mapas hidrogeomorfológicos não constitui uma inovação em Portugal. Como ficou bem patenteado a aplicação do mesmo baseou-se essencialmente nos procedimentos adotados por Teixeira et al. (2010). A principal diferença reside no facto do presente estudo não se debruçar sobre águas minerais mas sobre águas subterrâneas de circulação profunda ou subsuperficial. de um modo geral, pode considerar-se que o estudo hidrogeomorfológico adotado revelou-se determinante para síntese e caracterização hidrogeológica e abriu caminho à cartografia hidrogeológica e modelação conceptual. A análise hidrogeomorfológica de uma determinada região, complementada com estudos de caráter hidrodinâmico, representa um importante incremento ao conhecimento da sua hidrogeologia física. Paralelamente, estes estudos revestem-se de interesse social e ambiental. Um aspeto particular que merece ainda ser salientado relaciona-se com a acentuada expansão das áreas urbanas que nas últimas duas décadas se tem verificado na região de Valongo e de Paredes. A este nível, o desenvolvimento de estudos hidrogeomorfológicos pode constituir um instrumento de apoio à tomada de decisões de ordenamento do território e à previsão de possíveis impactos sobre a interação – águas superficiais/águas subterrâneas.

Agradecimentos existe um conjunto de pessoas e de instituições que contribuíram em grande medida para a realização deste manuscrito (que foi realizado essencialmente com base na tese de doutoramento do autor): – Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Correspondeu à instituição que financiou integralmente a bolsa de doutoramento;

– Centro de Geologia da Universidade do Porto (CGUP). Correspondeu à instituição de acolhimento do projeto de doutoramento; – Prof. Helena Macedo Couto e Prof. José Martins Carvalho, enquanto orientadores da tese de doutoramento; – A todas as entidades/empresas colaboradoras nos trabalhos de campo, quero também deixar os sinceros agradecimentos: empresa das lousas de Valongo, SA; Pereira Gomes & Carvalho, lda. e Ardósias Valério & Figueiredo, lda. Bibliografia Babar, M., 2005. Hydrogeomorphology: Fundamentals, Applications and Techniques. New India Publishing: 1-288. Cárdenas, e. G., 2006. Mapas Geomorfológicos. departamento de Geografia y Ordenación del Território. Universidad de Castilha-lamancha: 1-26. Carvalho, J. M., 2006. Prospecção e pesquisa de recursos hídricos subterrâneos no Maciço Antigo Português: linhas metodológicas. dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de doutor em Geociências (Hidrogeologia Aplicada), sob a sua exclusiva responsabilidade. Universidade de Aveiro, 292 p. Custodio, e. & llamas, M. R., 1983. Hidrología Subterránea. ediciones Omega, 2 tomos. Barcelona, 2359. Gonçalves, e., 2013. Hidrogeologia das áreas de Valongo, de Paredes e de Arouca no contexto do Anticlinal de Valongo. dissertação de doutoramento, Universidade do Porto, 355. Instituto Geográfico do exército (2013), Carta Militar de Portugal – Folhas 111, 123, 134, 135, 144, 145 (escala 1:25000). localização web: https://www.igeoe.pt/index.php (consultado em2015). Medeiros, A. C., 1964. Carta geológica de Portugal na escala de 1/50.000, folha 13-B (Castelo de Paiva). Serviços Geológicos de Portugal. lisboa. Medeiros, A. C., 1964. noticia explicativa da folha 13-B (Castelo de Paiva). Serviços Geológicos de Portugal, lisboa, 50. Medeiros, A. C., Pereira, e. & Moreira, A., 1980. notícia explicativa da Folha 9-d (Penafiel), da Carta Geológica de Portugal na escala 1:50000. Serviços Geológicos de Portugal, lisboa, 43. Pinto de Jesus, A., 2003. evolução sedimentar e tectónica da Bacia Sedimentar Carbonífera do douro (estefaniano C inferior nW de Portugal). Cadernos lab. Xeolóxico de Laxe, Coruña, 28: 107-125.


eduardo Gonçalves 123

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Santos, R. M., 2008. Caracterização Hidrogeológica e Hidrogeoquímica da Área Mineira de Germunde, Pejão. dissertação de doutoramento, Instituto Superior Técnico, lisboa, 355. Serviços Geológicos de Portugal, 1957. Folha 9 – C da Carta Geológica de Portugal (Porto), na escala 1:50.000. Serviços Geológicos de Portugal, 1962. Folha 13 – A da Carta Geológica de Portugal (espinho), na escala 1:50.000. Serviços Geológicos de Portugal, 1964. Folha 13 – B da Carta Geológica de Portugal (Castelo de Paiva), na escala 1:50.000. Serviços Geológicos de Portugal, 1965. Folha 9 – A da Carta Geológica de Portugal (Póvoa de Varzim), na escala 1:50.000. Serviços Geológicos de Portugal, 1980. Folha 9 – d da Carta Geológica de Portugal (Penafiel), na escala 1:50.000. Serviços Geológicos de Portugal, 1986. Folha 9 – B da Carta Geológica de Portugal (Guimarães), na escala 1:50.000. Serviços Geológicos de Portugal, 1992. Folha 1 da Carta Geológica de Portugal, na escala 1:200.000. Teixeira, J., Chaminé, H. I., espinha Marques, J., Gomes, A., Carvalho, J. M., Pérez Albertí, A. &

Rocha, F. T., 2010. Integrated Approach of Hydrogeomorphology and GIS Mapping to the evaluation of Groundwater Resources: an exemple from the Hydromineral System of Caldas da Cavaca, nW Portugal. Selected Papers from the 33rd International Geological Congress. General Symposium: Hydrogeology, Oslo (norway) B. S. Paliwal: 227-249. Teixeira, J., Chaminé, H. I., Gomes, A., Carvalho, J. M., Pérez Albertí, A. & Rocha, F. T., 2013. Hydrogeomorphological mapping as a tool in groundwater exploration. Journal of Maps. dOI:10.1080/17445647.2013.776506. Maps, 9 (Issue 2): 263-273. Tricart, J., 1978. Géomorphologie Applicable. Collection de géographie applicable, Masson, 204.

Webgrafia http://www.bing.com/maps/ https://www.igeoe.pt http://snirh.pt/



GEONOvAS N.º

ASSOCIAçãO PORTUGUESA DE GEólOGOS

29: 125 a 134, 2016 125

Modelação e comparação de perfis GPR no desenvolvimento de metodologias eficazes de Prospeção Geofísica em Arqueologia R. J. Oliveira1*, B. Caldeira1,2, T. Teixidó3 & J. F. Borges1,2 1

Universidade de Évora, Instituto de Ciências da Terra, Rua Romão Ramalho, 59 – 7000-671 Évora - Portugal 2

3

Departamento de Física, Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora

Universidade de Granada, Instituto Andaluz de Geofísica, Campus Universitário de Cartuja – 18071 Granada – Espanha *autor correspondente: ruio@uevora.pt

Resumo Neste trabalho apresentam-se os resultados dos primeiros testes de modelação realizados com o objetivo de desenvolver um esquema de inversão capaz de reproduzir a imagem da subsuperfície a partir de radargramas adquiridos em sítios arqueológicos. O procedimento envolve a modelação de radargramas sintéticos por forma a que se assemelhem o melhor possível com os correspondentes reais, também considerados nos ensaios. Para isso foi preciso ter em conta os valores dos parâmetros físicos dos materiais envolvidos (constante dielétrica e condutividade) e as suas geometrias. O objetivo desta primeira fase do estudo consistiu em avaliar a sensibilidade dos radargramas teóricos a cada um dos parâmetros do modelo sintético. Os testes foram efetuados não apenas considerando situações laboratoriais, mas também situações em ambiente arqueológico real. Para a comparação de radargramas, foram experimentadas duas técnicas: uma visual, que envolve a representação conjunta dos radargramas sintéticos, reais e as suas diferenças, e outra, quantitativa, que consiste no cálculo do desvio quadrático médio normalizado (NRMSD). Os resultados deste estudo serão incorporados numa segunda fase do projeto, para o desenvolvimento de técnicas de reconhecimento automático de diferenças para poder ser aplicado em inversão. Palavras-chave: Georradar, radargramas sintéticos, modelação por diferenças finitas no domínio do tempo. Abstract This paper presents the results of the first modelling tests in order to develop an inversion scheme capable of reproducing the image of the subsurface from radargrams acquired in archaeological sites. The procedure involves an estimation of the physical parameters of the materials and their geometries, from which synthetic radargrams are modelled so that they resemble the best way possible the corresponding real data also considered in the tests. The goal of this first phase of the study is to evaluate the sensitivity of the theoretical radargrams to each of the synthetic model parameters. The tests were performed not only in laboratory situations, but also situations in real archaeological environment. Two techniques have been tried for the radargrams comparison: a visual one, which involves the representation of the synthetic radargrams, the acquired one and their differences; and another quantitative, by calculating the normalized root mean square deviation (NRMSD). The conclusions drawn from this study will be incorporated in the second phase of the project, which will involve the development a procedure for an automatic recognition of technical differences to be applied in an inversion. Keywords: GPR, synthetic radargrams, finite differences in time domain modelling.


126 Modelação e comparação de perfis GPR no desenvolvimento de metodologias eficazes de Prospeção Geofísica em Arqueologia

Introdução: Modelação de radargramas sintéticos e abordagem experimental A modelação de radargramas sintéticos de um local cujas caraterísticas físicas e geométricas são bem conhecidas e a sua comparação com os correspondentes radargramas observados, é a abordagem que sustenta o estudo de metodologias eficazes de prospeção geofísica em ambiente arqueológico que se pretende empreender. O conhecimento exato de como os parâmetros físicos influenciam os radargramas e vice-versa está na base do método de inversão de GPR que se pretende desenvolver para aplicação em meio arqueológico, por forma a conseguir interpretações mais confiáveis dos vestígios arqueológicos enterrados, nomeadamente no que respeita à localização e identificação da sua natureza. Todo o procedimento de inversão consta de três etapas fundamentais que precisam ser concretizadas: i) o cálculo dos dados sintéticos (problema direto), que no presente caso são a geração de radargramas sintéticos; ii) a quantificação da comparação das diferenças entre os dados observados e sintéticos, isto é, radargrama real versus radargrama equivalente sintético; e iii) a modificação do modelo sintético inicial com base nas diferenças (problema inverso) para gerar de novo outros dados sintéticos. Assim, é estabelecido um sistema iterativo que termina quando as diferenças entre os dois radargramas forem inferiores a um determinado valor limiar. Este trabalho é uma fase inicial do estudo, cujo objetivo consistiu em analisar de que forma o problema direto (passo i) é sensível aos parâmetros físicos, à geometria dos corpos enterrados e à discretização da malha regular usada para o definir. Nesse contexto, foram quantificadas as semelhanças e diferenças entre os dados sintéticos e os dados observados (passo ii) em duas experiências diferentes, de modo a avaliar o comportamento do modelo sintético e assim poder-se, no futuro, desenvolver uma metodologia de inversão mais potente (passo iii). Para a geração do modelo sintético e cálculo dos radargramas correspondentes usou-se o programa matGPR R.3 (Tzanis, 2013), nas duas primeiras etapas do método de inversão: a criação do modelo sintético do subsolo, em que se definem as geometrias e os parâmetros físicos de cada material numa malha regular (permitividade elétrica relativa, resistividade elétrica e permeabilidade magnética relativa), e posteriormente, a geração de radargramas sintéticos. Na criação do modelo sintético começa por se definir as dimensões (x, z) do modelo e os valores dos três parâmetros físicos de cada um dos corpos

implicados. Antes de se iniciar a simulação da propagação da onda eletromagnética por este meio definido, é necessário dimensionar uma malha regular (dx, dz), onde cada célula tem definidos os três parâmetros, em que as diferenças entre os valores estabelecem a morfologia dos corpos. O parâmetro fundamental que estabelece as dimensões da célula é a frequência central da antena GPR que se está a considerar na modelação. Uma vez estabelecida esta frequência é calculada a velocidade mínima não dispersiva para o modelo (Bano, 1996), dando origem a uma discretização inicial para o espaçamento vertical (dz), o espaçamento horizontal (dx) e o espaçamento entre traços (scans). O valor de dz deve também assegurar uma discretização adequada das áreas do modelo em que a velocidade será mais alta, onde a onda se propagará mais rapidamente e em que é requerida uma resolução maior. Portanto, a seguir à discretização inicial, são estimados os valores máximos permitidos para a taxa de amostragem (dz e/ou dt) e para o alcance temporal dos radargramas (janela temporal ou tempo total de registo). Uma vez estabelecidas as dimensões da malha (dx, dz) e os valores dt, procede-se à modelação dos radargramas, usando um algoritmo baseado no método das diferenças finitas no domínio do tempo, proposto por Irving & Knight (2006). Neste passo, os radargramas resultantes podem demorar bastante tempo a ser obtidos, especialmente quando se usam modelos de grande dimensão ou com frequências muito altas. Esta metodologia foi usada para testar o problema direto em dois contextos diferentes, que serão descritos de seguida: um teste de simulação em laboratório, portanto muito bem controlado, e um teste utilizando dados de uma escavação arqueológica estudada, na villa Romana de Horta da Torre (Fronteira).

Modelos desenvolvidos Modelo laboratorial O modelo laboratorial (Fig. 1a) está limitado por um molde em acrílico onde foram introduzidos dois taludes e uma base, de argamassa de cimento com agregados britados, preenchido com solo da villa Romana de Horta da Torre (Fronteira), local estudado pela equipa de trabalho (Oliveira et al., 2015). No volume de terra foram enterrados objetos com caraterísticas físicas e geométricas distintas: prisma de granito, cilindro oco de plástico e prisma


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R. J. Oliveira, B. Caldeira, T. Teixidó & J. F. Borges 127

Figura 1 – (a) Modelo real, criado em laboratório, durante a execução de um ensaio complementar para determinação da resistividade elétrica. (b) Modelo sintético laboratorial usado para parametrizar a modelação de radargramas sintéticos. legenda: 1 – taludes e base de argamassa de cimento com agregados britados; 2 – solo de Horta da Torre; 3 – prisma de granito; 4 – cilindro de plástico (oco); 5 – prisma de metal (oco). Figure 2 – (a) Real model, created in the laboratory, during the execution of a supplementary test for determining the electrical resistivity. (b) Laboratory synthetic model used to parameterize the modelling of synthetic radargrams. Legend: 1 - slopes and base of cement mortar with crushed aggregates; 2 - Horta da Torre soil; 3 - granite prism; 4 - plastic cylinder (hollow); 5 - metal prism (hollow).

oco de metal. As suas localizações estão bem definidas de modo a que o modelo real possa ser replicado sinteticamente. Na figura 1b está representado o modelo sintético 2D, em que a sua criação envolve a definição da geometria dos contornos de cada elemento do modelo e os respetivos parâmetros físicos. Assim, para cada elemento da estrutura, cuja localização e geometria foram estabelecidas, atribuíram-se os

valores da permitividade elétrica relativa (constante dielétrica relativa), da resistividade elétrica e da permeabilidade magnética relativa. De acordo com a relação entre suscetibilidade magnética (χm) e permeabilidade magnética (mr) (Eq. 1) e atendendo a que os valores típicos de suscetibilidade magnética dos materiais são da ordem de 10-1 a 10-9, então, os valores de permeabilidade tendem para um.


128 Modelação e comparação de perfis GPR no desenvolvimento de metodologias eficazes de Prospeção Geofísica em Arqueologia

mr = χm + 1

(1)

medição da intensidade da corrente elétrica injetada e pela diferença de potencial entre os elétrodos (Eq. 4).

A constante dielétrica relativa (er) foi determinada pela análise do perfil GPR observado, a partir da localização exata de um objeto e da sua espessura, através do cálculo da velocidade de propagação das ondas eletromagnéticas no meio (Eq. 2). ν=

2h t

Em que k é o fator geométrico, que varia com a configuração do circuito elétrico do dispositivo (para a configuração de Wenner, k = 2pa, em que a é a distância entre elétrodos), V a diferença de potencial medida entre os elétrodos e I a intensidade da corrente injetada (Morris et al., 1996). Os valores dos três parâmetros físicos determinados pelos ensaios adicionais, através da metodologia acima referida, estão representados na Tabela 1. Sobre esse modelo sintético resultante foi calculado um radargrama sintético (Fig. 3b) e paralelamente fez-se, no modelo laboratorial real, uma aquisição de um perfil GPR com uma antena de 1,6 GHz (Fig. 3a).

(2)

Em que v é o valor da velocidade de propagação das ondas eletromagnéticas no meio, h é a espessura para a qual se quer determinar a velocidade e t o tempo de propagação da onda, desde o transmissor à superfície refletora e o seu retorno ao recetor (também chamado tempo duplo). Aplicando o valor da velocidade obtido pela Eq. 2, na Eq. 3, obtémse a constante dielétrica relativa. ν= c √er

(4)

ρa = k V I

(3)

Modelo arqueológico Em que c é a velocidade da luz. Os valores de resistividade elétrica (Fig. 1a) foram determinados no modelo real do laboratório usando um dispositivo Wenner (Wenner, 1915), que consiste em colocar quatro elétrodos igualmente espaçados no solo, injetar uma corrente elétrica nos elétrodos exteriores e medir a diferença de potencial entre os dois elétrodos interiores (Edlefsen & Anderson, 1941; Rhoades & Ingvalson, 1971). Para impedir a polarização dos elétrodos foi utilizado um gerador de sinais elétricos, tendo-se injetado uma onda quadrada de 14 Hz de frequência. A resistividade elétrica aparente (ρa) foi calculada a partir da

Este segundo teste está baseado numa situação real, onde o modelo sintético foi criado a partir de uma estrutura da villa Romana da Horta da Torre, exposta por escavações arqueológicas, após uma campanha de GPR da qual há registos. Na figura 2a está representada uma imagem de um muro e um pavimento revelados pela escavação realizada após a campanha geofísica (Oliveira et al., 2015) e na figura 2b está representado o modelo 2D desta situação. Os três parâmetros físicos calculados para os materiais implicados neste caso estão apresentados na Tabela 2.

Tabela 1 – Parâmetros físicos dos materiais a serem considerados na modelação do caso laboratorial. Table 1 – Physical parameters of materials to be considered for modelling laboratory case. Referência (Fig. 2)

Material

Resistividade elétrica (Ω.m)

Constante dielétrica relativa

Permeabilidade magnética relativa

1

Argamassa de cimento

3 000

5

1

2

Solo de Horta da Torre

300

4

1

3

Prisma de granito

3 000

7

1

4

Cilindro de plástico (oco)

100 000

5

1

5

Prisma de metal (oco)

0

100.000

1

Ar (partes ocas)

1 000 000

1

1


R. J. Oliveira, B. Caldeira, T. Teixidó & J. F. Borges 129

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Figura 2 – (a) Muro e pavimento descobertos em escavação arqueológica na villa Romana de Horta da Torre, realizada após a execução de prospeção geofísica no local. (b) Representação 2D do modelo sintético do caso de Horta da Torre. legenda: 1 - solo; 2 - muro; 3 - pavimento. Figure 2 – (a) Wall and floor discovered in archaeological excavation in the Roman Villa of Horta da Torre, conducted after the execution of geophysical prospection on site. (b) 2D synthetic model representation of the case of Horta da Torre. Legend: 1 - soil; 2 - wall; 3 - floor.

Tabela 2 – Parâmetros físicos dos materiais a serem considerados na modelação do caso Horta da Torre. Table 2 – Physical parameters of materials to be considered for modelling Horta da Torre case. Referência (Fig. 3)

Material

Resistividade elétrica (Ω.m)

Constante dielétrica relativa

Permeabilidade magnética relativa

1

Solo de Horta da Torre

300

4

1

2

Muro

3 000

7

1

3

Pavimento

3 000

7

1


130 Modelação e comparação de perfis GPR no desenvolvimento de metodologias eficazes de Prospeção Geofísica em Arqueologia

Resultados A figura 3 mostra os radargramas, observado e sintético, obtidos para o modelo laboratorial. As amplitudes foram normalizadas para ser possível estabelecer a comparação entre os dois conjuntos de dados. Uma análise visual permite constatar que os dois conjuntos de dados, radargramas sintético e observado, apresentam muitas semelhanças, isto é, as reflexões representadas pelas hipérboles correspondem aos objetos enterrados, nos mesmos locais, com o mesmo comprimento de abertura. Na figura 3c está representado o quadrado das diferenças entre os dois radargramas,

de modo a realçar as diferenças que possam existir, onde se observa que a hipérbole produzida pelo corpo metálico é a que apresenta mais diferenças. Foi também calculado o desvio quadrático médio normalizado (NRMSD), cujo valor de 31% indica que existe uma diferença apreciável entre os radargramas, que pode ser devido a três fatores: a) ausência de ruído de fundo no modelo sintético e a presença deste no modelo de laboratório provocado pelas heterogeneidades do solo real, b) a possível existência, no modelo de laboratório, de bandas de transição entre as superfícies de contacto do solo e dos corpos; os parâmetros físicos nestas bandas de

Figura 3 – (a) Radargrama adquirido com uma antena de 1,6 MHz no modelo laboratorial; (b) radargrama sintético; e (c) diferença ao quadrado entre os dados sintéticos e os observados. Nota: A escala vertical está exagerada em relação à escala horizontal. Figure 3 –(a) Acquired radargram with a 1,6 MHz antenna on laboratory model; (b) Synthetic radargrama; and (c) squared difference between the synthetic data and the observed. Note: The vertical scale is exaggerated relative to the horizontal scale.


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transição podem ser ligeiramente diferentes, não estando definidos no modelo sintético (neste, os materiais que compõem a subsuperfície são considerados uniformes com parâmetros fixos). Observa-se que este efeito é maior quanto maior é o contraste entre os três parâmetros físicos dos corpos e do meio encaixante, como se pode observar no caso em que a amplitude aumenta drasticamente quando o meio possui uma velocidade de propagação mais alta (caso do ar), ou quando se está perante materiais metálicos. E finalmente, (c) as diferenças das formas da onda devido ao efeito da diminuição da frequência no caso real, comparado com o caso sintético em que se usa uma onda (wavelet) em forma de delta de Dirac (spike) quando se convulsiona o sinal sobre o

R. J. Oliveira, B. Caldeira, T. Teixidó & J. F. Borges 131

modelo sintético (Tzanis, 2013), e uma diminuição das amplitudes devido à contribuição da elipse de radiação da antena de 1,6 GHz (caraterística do GPR). No caso real, as reflexões ocorrem sobre um elemento do volume determinado por uma zona de Fresnel (Daniels, 2004) e no caso sintético as reflexões são geradas sobre uma malha 2D. Para o caso da vila Romana de Horta da Torre usou-se a mesma metodologia para simular os radargramas sintéticos e os radargramas reais que foram adquiridos antes da escavação arqueológica da figura 2a (Oliveira et al., 2015). A comparação entre os dois conjuntos de dados (Fig. 4) mostra claramente uma diferença significativa no ruído de fundo do radargrama real, onde o material encai-

Figura 4 – (a) Radargrama observado; (b) radargrama sintético. As setas indicam as zonas das reflexões comuns entre os dois radargramas. Figure 4 –(a) Observed radargram; (b) synthetic radargram. The arrows indicate the areas of common reflections between the two radargrams.


132 Modelação e comparação de perfis GPR no desenvolvimento de metodologias eficazes de Prospeção Geofísica em Arqueologia

xante é altamente heterogéneo (contém restos cerâmicos e conglomerados), produzindo reflexões caóticas, enquanto no modelo sintético se considerou que o meio é homogéneo. Se não se considerar o ruído de fundo, é possível distinguir no radargrama real a presença do muro e do pavimento que se observa na escavação (Fig. 2a), possuindo uma correspondência perfeita com o radargrama sintético. verifica-se, todavia, um desfasamento vertical nas reflexões do muro e do pavimento (indicadas com setas na Fig. 4 e apresentadas na Tabela 3). Se se tiver em conta que o modelo sintético foi construído considerando as dimensões reais do muro e do pavimento da escavação, e que posteriormente se atribuiu a cada material os correspondentes parâmetros físicos de forma uniforme, as discordâncias temporais observadas poderão ser atribuídas novamente a variações internas da constante dielétrica; no solo do meio encaixante, as variações produzidas são da ordem dos 13% nos níveis superficiais, e dos 35% nos mais profundos (Tabela 3), mas também no interior de cada corpo; observa-se que o pavimento apresenta uma variação maior (Tabela 3), indicando que o opus caementicium de que é formado possui uma zona de alteração interna que afeta o aumento da constante dielétrica interna. Assim, estas variações dos parâmetros físicos internos dos materiais estão caraterizadas pelas reflexões que se produzem no interior do muro e do pavimento, não ocorrendo no radargrama sintético. Além disso, uma análise mais minuciosa do radargrama real indica que é no contacto lateral muro-pavimento onde se observam maiores heterogeneidades (mais reflexões), o que equivale a supor que é onde existe maior variação da constante dielétrica e, portanto, a zona onde o pavimento está mais alterado (observa-se que no extremo final o pavimento é

mais transparente, homogéneo). No que diz respeito às formas de onda das reflexões, volta-se a constatar o efeito de diminuição de frequências devido ao wavelet usado no cálculo de radargramas sintéticos (spike) e a diminuição das amplitudes devido ao volume de Fresnel. Conclusões Neste trabalho foram desenvolvidos esforços para avaliar a potencialidade do método de diferenças finitas para produzir radargramas sintéticos próximos dos radargramas reais. Nesta fase, o estudo envolveu dois conjuntos de ensaios: a) para comparação dos radargramas calculados a partir de um modelo estrutural criado em laboratório, com os correspondentes radargramas registados sobre o equivalente real; b) para comparação dos dados reais, registados em contexto arqueológico, antes da escavação, com os correspondentes radargramas sintéticos, calculados a partir do modelo de estrutura conhecido após a escavação. Este estudo permite concluir que, para o caso real, a existência do ruído de fundo provocado pelas pequenas heterogeneidades do solo, se sobrepõe e camufla o sinal produzido pelas grandes estruturas. Este efeito dificulta o estabelecimento de comparações entre os dados reais e os dados sintéticos. Devido a isso torna-se necessário desenvolver rotinas de tratamento de sinal capazes de eliminar, na medida do possível, o efeito dessas pequenas heterogeneidades. Também foi possível concluir que, para o cálculo dos radargramas sintéticos, é necessário que o modelo físico-matemático admita variações dos parâmetros físicos que definem os materiais enterrados, em

Tabela 3 – Desfasamentos temporais entre os refletores dos radargramas sintético e observado no caso de Horta da Torre. Table 3 – Temporal lags between the reflectors of synthetic and observed radargrams, in Horta da Torre case. Contato entre meios diferentes

Localização temporal no radargrama real (ns)

Localização temporal no radargrama sintético (ns)

Diferença (ns)

Variação da constante dielétrica relativa*

Solo - Topo do muro

7,5

7

0,5

13 % (er =4)

Solo - Topo do pavimento

14

20

6

35 % (er =4)

Base do muro - Solo

22 (-7,5)

25 (-7)

3

23 % (er =7)

Base do pavimento - Solo

22 (-14)

27 (-18)

5

34 % (er =7)

*Foi usada a relação: er1 = 冢 t1 冣 er2 t2

2


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particular a constante dielétrica, o que irá permitir incorporar bandas de transição entre os corpos refletores e o material encaixante, de forma a que seja possível uma melhor reprodução das reflexões. Por fim, existem mais dois aspetos que terão que ser estudados mais aprofundadamente: a introdução do efeito das amplitudes no radargramas sintéticos, devido ao volume de Fresnel e a geração de formas de onda que permitam a introdução de baixas frequências (Yilmaz, 2001). As conclusões aqui apresentadas remetem este estudo para uma segunda fase do trabalho onde está previsto, também, a incorporação de metodologias automáticas de comparação entre radargramas sintéticos e observados. Todas as questões mencionadas são pontos básicos do problema direto que determinam qualquer técnica de inversão de dados de GPR que se queira implementar. Agradecimentos Este trabalho foi financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do programa INAlENTEJO, no âmbito dos projetos IMAGOS e APOllO (AlENT-07-0224-FEDER001760), da Universidade de Évora, e teve o apoio do Instituto de Ciências da Terra e do laboratório HERCUlES. Bibliografia Bano, M. (1996). Constant dielectric losses of groundpenetrating radar waves. Geophysical Journal Int., 124: 279-288.

R. J. Oliveira, B. Caldeira, T. Teixidó & J. F. Borges 133

Daniels, D. J. (2004). Ground-penetrating radar. The Institution of Electrical Engineers, 726. Edlefsen, N. E. & Andreson, A. B. C. (1941). The fourelectrode resistance method for measuring soilmoisture content under field conditions. Soil Sci., 51:367-376. Irving, J. & Knight, R. (2006). Numerical modelling of ground-penetrating radar in 2-D using MATlAB. Computers & Geosciences, 32: 1247-1258. McCorkle, W. H. (1931). Determination of soil moisture by the method of multiple electrodes. Tex. Agr. Exp. Sta. Bul. 426. Morris, W., Moreno, E. I. & Sagues, A. A. (1996). Practical Evaluation of Resistivity of Concrete in Test Cylinders using a Wenner Array Probe. Cement and Concrete Research, 26 (12): 1779-1787. Oliveira, R., Neves, S., Caldeira, B., Borges, J. F. & Teixidó, T. (2015). Desenvolvimento de metodologias eficazes de prospecção geofísica aplicadas a diferentes ambientes arqueológicos: o caso de Horta da Torre (resultados preliminares). Workshop de Ciências da Terra e do Espaço 2015, 107-114. Yilmaz, O. (2001). Seismic data analysis: processing, inversion, and interpretation of seismic data. Society of Exploration Geophysicists. Rhoades, J. D. & Ingvalson, R. D. (1971). Determining salinity in field soils with soil resistance measurements. Soil Sci. Soc. Amer. Proc., 35:54-60. Tzanis, A. (2013). MATGPR R.3. Manual and Technical Reference. University of Athens. Wenner, F. (1915). A method of measuring earth resistivity. US. Dept. Com. Bur. Standards Sci. Paper 258.



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GEONOVAS INSTRUÇÕES AOS AUTORES

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a) Os manuscritos deverão incluir numeração de páginas e linhas. b) Os manuscritos deverão ser preparados usando um tipo de letra comum e tamanho adequado (exemplo Times 12 ou Arial 12) e dactilografados a dois espaços, coluna única, formato de papel A4. c) Os artigos devem ser originais e compreender dados, interpretações ou sínteses não publicados previamente. d) Os artigos e os resumos devem ser escritos em português, devendo ser sempre apresentado um resumo em inglês e em português. Os resumos na língua original do artigo não podem conter mais de 150 palavras.


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e) Todos os manuscritos deverão conter palavras-chave a seguir aos resumos. Tanto para o resumo em inglês como na língua original do manuscrito não poderão ter mais de 5 palavras-chave. f) Os artigos recebidos pela Comissão Editorial serão revistos pelo editor e por dois ou mais revisores científicos. g) Para artigos em coautoria, o manuscrito deverá mencionar o autor correspondente. Se a mesma não for providenciada, o autor que submeteu o artigo será considerado o autor correspondente. A submissão de artigos em coautoria implica que o autor correspondente tem o acordo dos restantes autores para submeter e publicar o artigo. 3. Preparação do Manuscrito a) A primeira página do manuscrito deverá conter o título do artigo em tamanho 16, o(s) nome(s) do(s) autor(es) em tamanho 12, a afiliação do(s) autor(es) com endereços institucionais, os telefones (ou faxes) e e-mails em tamanho 9, bem como a indicação a que autor deverá ser enviada a correspondência. b) A segunda página deverá conter o(s) resumo(s) em português e em inglês seguido(s) de até cinco palavras-chave, em tamanho 10. Cada resumo deverá ser inteligível sem referência ao artigo e deverá ser uma compilação objetiva das informações e interpretações originais do artigo, e não apenas uma referência aos assuntos abordados. c) O texto principal, em tamanho 12, deverá seguir-se e poderá ser dividido em secções. d) Os agradecimentos deverão seguir o texto principal e deverão ser reunidos numa secção denominada por Agradecimentos. e) Todas as referências citadas no texto deverão ser organizadas por ordem alfabética no fim do texto (a seguir aos agradecimentos) e deverão estar numa secção denominada Bibliografia. No texto, as referências deverão ser citadas pelo(s) nome(s) do(s) autor(es), e pela data da edição (entre parêntesis) como os exemplos seguintes: Dias & Cabral (1989) Cabral (1995) (Cunha, 1987, 1992, 1996) (Raposo, 1987, 1995a, 1995b; Cunha et al., 2008; Oosterbeck et al., 2010).

As referências a livros devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação, o título da obra em itálico, entidade editora, local de publicação e paginação. As referências a artigos devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação (entre parêntesis), o título do artigo, o título do periódico em itálico, o volume, o número ou fascículo e a paginação. As referências a artigos consultados online devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação (entre parêntesis), o título do artigo, o nome do website em itálico e a data e URL em que foi consultado. Os autores deverão consultar o último número das GEONOVAS para correta listagem das referências. Exemplos: Dias Neto, C., 2001. Evolução tectono-termal do complexo costeiro faixa de dobramentos Ribeira em São Paulo. Unpublished PhD Thesis, Universidade de São Paulo, São Paulo, 160. Faure, G., 1977. Principles of Isotope Geology. John Willey & Sons, New York, 589. Roedder, E., 1984. Fluid Inclusions. Mineralogical Society of America. Reviews in Mineralogy, 12, 644. Crawford, M. L., Hollister, L. S., 1986. Metamorphic fluids: the evidence from fluid inclusions. In: Walther, J. V., Wood, B. J. (Eds) Fluid rock interaction during metamorphism. Springer, New York, 1-35. Bea, F., 1996. Residence of REE, Y, Th and U in granites and crustal protoliths; implications for the chemistry of crustal melts. Journal of Petrology, 37, 521-552. Sabri, K., Ntarmouchant, A., Marrero-Diaz, R., Ismaili, H., Ribeiro, M.L., Bento dos Santos, T., Benslimane, A., Padrón, E., Melián, G.V., Asensio-Ramos, M., Pérez, N.M., Carreira, P.M., 2016. Géochimie des sources thermales du Maroc: contribution à l’amélioration du cadre hydrogéologique. Abstracts of the Journées Géologiques du Maroc, Rabat, Marrocos, 1, 129-129. Bento dos Santos, T., Munhá, J., Fonseca, P., Tassinari, C., 2009a. Petrological cooling rates from central Ribeira Belt (SE Brazil): new breakthroughs and developments. 2009 Goldschmidt Conference, Geochimica et Cosmochimica Acta, 73, 11, 1, A80. Ferreira, N., Castro, P., Godinho, M., Neves, L., Pereira, A., Ferreira Pinto, A., Simões, L., Silva, F.G., Aguado, B., Azevedo, M.R., Esteves, F., Sequeira, A., Meireles, C., Bento


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dos Santos, T., 2009. Folha 17-A Viseu da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50 000. Laboratório de Geologia e Minas, Laboratório Nacional de Energia e Geologia, Lisboa. Wimmenauer, W., Brynhi, I., 2007. 6. Migmatites and related rocks. A proposal on behalf of the IUGS Subcommission on the Systematics of Metamorphic Rocks. Web Version of 01.02.07, 1-5 (http://www.bgs.ac.uk/scmr/docs/papers/paper_ 6.pdf). f) Todas as ilustrações deverão ser designadas figuras. No início da frase devem ser referidas escritas por extenso (ex: Figura 1). Dentro da frase devem ser escritas de forma abreviada (ex: Fig. 1). Os anexos deverão ser mencionados no texto, referindo-se a estes como Anexo 1, etc. g) Cabeçalhos ou rodapés não poderão ser usados em qualquer circunstância. h) Fórmulas matemáticas. As equações são geralmente introduzidas como parte de frases, requerendo pontuação. Os autores deverão providenciar todos os símbolos a constar na publicação. 4. Ilustrações Todas as ilustrações (figuras, gráficos, mapas, fotos, etc…) são figuras e devem ser referidas como tal. As figuras deverão estar numeradas sequencialmente com numerais arábicos e devem ser providenciadas em ficheiros separados com resolução

adequada para publicação (no mínimo 300 dpi) (submissão eletrónica apenas) que não poderá exceder os 4Mb cada. As figuras deverão ser enviadas com os tipos de letra a usar (Times, Arial, Helvetica, Symbol ou Courier). As partes de uma figura devem estar indicadas como (a), (b), (c), etc., e devem ser referidas como tal nas legendas (ex: Fig. 5 – (a)), mas como a, b, c, etc. no texto (ex. Fig. 5d). 5. Tabelas As tabelas devem ser enviadas num documento Word em separado. As unidades deverão ser referidas uma vez nas colunas ou na legenda e não ao longo da tabela. 6. Legendas As legendas das figuras e tabelas devem ser apresentadas com espaçamento duplo e devem ser enviadas num documento Word em separado. As legendas devem ser providenciadas na língua original do artigo e em inglês, descrevendo brevemente o conteúdo das figuras e/ou tabelas. 7. Separatas Serão fornecidos aos autores ficheiros pdf dos trabalhos publicados.



Associação Portuguesa de Geólogos

A Associação Portuguesa de Geólogos foi fundada em 1976. É uma associação sócio-profissional, sem fins lucrativos, que congrega profissionais da Geologia que se dedicam a domínios diversificados no âmbito das Ciências da Terra. É membro fundador da Federação Europeia de Geólogos. É também membro da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Ciêntíficas (FEPASC). Os objectivos da Associação Portuguesa de Geólogos são os seguintes: - Representar a profissão de Geólogo junto dos poderes públicos e privados; - Promover a elevação, independência e prestígio da profissão; - Defender os interesses dos Geólogos e da Geologia; - Promover o desenvolvimento científico e técnico dos seus associados; - Cooperar na preparação de leis e regulamentos relativos ao título e ao exercício da profissão; - Aprovar um código português de deontologia profissional (Código Deontológico); - Intervir no planeamento do ensino da Geologia. Quer receber informações sobre as atividades desenvolvidas pela APG? Envie-nos o seu endereço eletrónico para info@apgeologos.pt solicitando a inclusão na nossa lista de divulgação. Consulte como se inscrever como sócio em www.apgeologos.pt Associação Portuguesa de Geólogos Morada social e Endereço Postal Museu Geológico, Rua da Academia das Ciências, n.º 19 - 2º 1200-001 Lisboa Telefone +351 213 477 695 Fax +351 213 477 695 info@apgeologos.pt www.apgeologos.pt

Comissão Diretiva Alcides Pereira Carlos Almeida José Mário C. Branco José Romão Margarida Silva Mónica Sousa Vítor Correia Comissão Editorial Telmo Bento dos Santos (FCUL) José Romão (LNEG) Rúben Dias (LNEG) Zélia Pereira (LNEG) Foto de capa Vista aérea da Pedreira de Fornelos (Braga) Leal Gomes

Execução gráfica Cor Comum, Lda Depósito Legal 183140/02 ISSN 0870-7375 Tiragem 250 exemplares Periodicidade Anual



Nº 29 • 2016 • ISSN 0870-7375 • ANUAL


Nº 29 • 2016 • ISSN 0870-7375 • ANUAL

Pág. 1 Editorial José Manuel Correia Romão Pág. 3 Mineralizações e Recursos de Tântalo no Norte de Portugal - análise paragenética. Leal Gomes Pág. 43 Geologia económica dos metais básicos e dos metais ferrosos- uma síntese. António Moura

REVISTA DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

ÍNDICE

Pág. 53 O carvão do Cabo Mondego e os Caminhos de Ferro do Estado: cinco perguntas e um parecer. J. M. Brandão, P. M. Callapez & J. M. Soares Pinto

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RECURSOS GEOLÓGICOS

Pág. 71 Palinostratigrafia e maturação orgânica do Karoo Inferior nas sondagens ETA 15 e ETA 71 da Bacia de Moatize-Minjova, província de Tete (Moçambique). M. Costa, L. Castro, P. Fernandes, Z. Pereira, J. Marques

PALEONTOLOGIA

Pág. 81 Paleo-tarot: estratégia lúdica sobre a utilidade dos fósseis. Mário Cachão Pág. 87 Uma breve história da reactivação tectónica da Margem Continental Portuguesa. João Duarte

TECTÓNICA GE NOVAS

Pág. 95 Águas subterrâneas e gestão do solo e do subsolo. José Martins de Carvalho

GE NOVAS

Pág. 103 Síntese hidrogeomorfológica do Anticlinal de Valongo. Eduardo Gonçalves Pág. 125 Modelação e comparação de perfis GPR no desenvolvimento de metodologias eficazes de Prospeção Geofísica em Arqueologia. R. J. Oliveira, B. Caldeira, T. Teixidó & J. F. Borges

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GEOFÍSICA


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