Geonovas Número 28

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A globalização da Geologia À primeira vista, este título parece uma autorreferência. O objeto da Geologia não é afinal o estudo do globo terrestre? A verdade é que foram os próprios geólogos que assumiram nos anos 60-70 o termo Tectónica Global para designar o novo paradigma da tectónica de placas, reconhecendo a sua capacidade (até aí ausente) de fornecer uma explicação dos fenómenos e da história geológica à escala do globo. Originalmente, a Geologia cingia-se ao estudo da “pequena Terra” (a geologia da minha terra, da minha região ou do meu país). O topo da escala de perceção do objeto geológico não ia além da bacia sedimentar ou da cadeia orogénica. Confinados ao domínio continental (que não representa mais do que 1/3 da superfície terrestre), os geólogos concentravam-se nas observações de campo, na amostra de mão e no levantamento da carta geológica, ou na extrapolação (sempre incerta) das suas observações de superfície para os mundos escondidos, aos quais a Geologia (ciência do observável) não tinha acesso. O triunfo da nova escala de perceção - a escala do planeta - aniquilou o sonho de que a paciente cartografia geológica da superfície terrestre permitisse chegar um dia a uma Teoria da Terra empiricamente fundada. O potencial do novo objeto da Geologia – o estudo da “grande Terra” – só se revelou verdadeiramente com a criação de uma nova estrutura de investigação denominada “Ciências da Terra”. Outro termo ambíguo. De facto cabem nesta designação todas as antigas ciências da natureza como a Física, a Química, a Biologia e até a Astronomia; as próprias Ciências Humanas têm interações com as ciências da Terra que se expressam exemplarmente no âmbito da Geografia. No plano científico fundamental, que visa essencialmente compreender e explicar os fenómenos naturais, a Terra, a grande e a pequena Terra, pode ser estudada por físicos, químicos e biólogos. Já o era, com base em disciplinas clássicas como a Geofísica ou a Geoquímica. As velhas fileiras da formação universitária (cf. Departamentos Científicos) impedem contudo uma integração adequada destes domínios do saber capaz de superar o reducionismo das visões disciplinares isoladas. No âmbito das Ciências da Terra, hoje faz tão pouco sentido falar da Geologia como um domínio disjunto da Física, como conceber uma Geofísica ou uma Geoquímica que não se inscrevam na Geologia. Isolar estes domínios do saber, colocá-los em competição em vez de os integrar, aprofunda o reducionismo gerado pela criação das fileiras disciplinares universitários que sucedeu no século XIX ao ecletismo das “luzes”. Reduz o potencial das “Ciências da Terra” para enfrentar os desafios do século XXI, nomeadamente a sua capacidade de gerar profissionais capazes de estudar soluções para os problemas complexos que decorrem das necessidades de gestão de recursos, da mitigação dos desastres naturais e da emergência de um desenvolvimento ambiental economicamente sustentável. Neste plano, cabe aos geólogos profissionais da geologia aplicada e das engenharias a capacidade de encontrar soluções para problemas concretos. Não se trata agora de compreender e explicar os fenómenos da natureza mas de resolver problemas concretos, com os conhecimentos disponíveis no momento, quer os fenómenos estejam bem explicados ou não, o que implica a tomada de decisões com base num conhecimento incompleto. Nada disto é possível sem que se cultivem abordagens multi e interdisciplinares inovadoras. Não basta porém fomentar a criação de novos saberes, é necessária uma nova atitude.

António Gomes Coelho Presidente da Associação Portuguesa de Geólogos



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História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal1 J. Tomás Oliveira Investigador colaborador do Laboratório Nacional de Energia e Geologia josetomas.oliveira@gmail.com

Resumo No presente trabalho faz-se um resumo da evolução do conhecimento geológico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal, centrado nas contribuições originais relativas às sucessões estratigráficas dos Domínio do Pulo do Lobo, Faixa Piritosa, Grupo do Flysch do Baixo Alentejo e Sector Sudoeste de Portugal. Tecem-se ainda considerações de natureza geodinâmica e paleogeográfica, no contexto da sua integração na Cadeia Varisca Europeia. Palavras-chave: Geofísica, Biozonas de miosporos, tectono-estratigrafia, bacias sedimentares, Cadeia Varisca. Abstract This work is a resume of the main scientific developments that appeared since the sixties of the last century, focused mostly on the lithostratigraphic sequences of the Pulo do Lobo, Pyrite Belt, Baixo Alentejo Flych Group and SW Sector of Portugal domains of the South Portuguese Zone (SPZ), Portugal. Five main sedimentary basins are recognized: an epicontinental sea in the Pyrite Belt and SW Portugal and a deep basin in the Pulo do Lobo domain, during the upper Devonian, the latter superimposed on a accrecionary prism related to a subduction towards the Ossa Morena Zone; a volcanic belt in the Pyrite Belt and a mixed shaly-carbonate plataform in SW, during the Mississipian and Lower Pensilvannian; a foreland basin during late Mississipian and the Pensilvannian. A comparison study between the SPZ and Southwest England showed several similarities among these regions in which the stratigraphy, volcanism and tectonic style are concerned. Both regions may have been part of the same sedimentary realm, situated at the margins of the Avalonia terrane after its integration in the Laurussia supercontinent. Key words: Geophysics, Miospores biozones, tectonostratigraphy, sedimentary basins, Varisca Chain.

Introdução O conhecimento geológico da Zona Sul Portuguesa (ZSP) evoluiu significativamente a partir do início da década de sessenta do século passado, na sequência de várias teses de doutoramento realizadas por jovens geólogos estrangeiros, e da actividade de empresas de pesquisa mineira. A instalação de uma delegação do Serviço de Fomento Mineiro, 1

em Beja, na década de cinquenta, foi também factor determinante, posto que o seu pessoal técnico realizou, a partir de então, a prospecção sistemática da Faixa Piritosa, com recurso a modernas técnicas da geologia, geofísica e geoquímica, que atingiram o seu ponto alto com a identificação da anomalia gravimétrica que conduziu à descoberta da mina de Neves Corvo. Os geólogos desta brigada, para além do trabalho de cartografia geológica em áreas

Este texto constitui a expressão escrita da palestra que apresentei durante a homenagem que o Grupo de Geologia Estrutural da Sociedade Geológica de Portugal me prestou na reunião anual de 2014, no Centro de Ciência Viva de Estremoz, então com o título: Evolução do conhecimento da Zona Sul Portuguesa, em Portugal, em termos de tectono-estratigrafia.

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seleccionadas, foram encarregados de acompanhar e reportar sobre a actividade desenvolvida pelas empresas, o que lhes proporcionou vasto conhecimento sobre a geologia regional. Foi com base nesse conhecimento e na cartografia existente nos arquivos de Beja, em grande parte inédita, que Vitor Oliveira e J. Tomás Oliveira preparam a componente do Paleozóico das Folhas 7 e 8 da Carta Geológica de Portugal, escala 1:200000 (Oliveira (coord.), 1984, 1992) que vieram proporcionar uma visão global da geologia da ZSP. Relativamente à cartografia na escala 1:50000, em meados da década de oitenta só estavam publicadas duas cartas geológicas na Faixa Piritosa (Castro Verde e Aljustrel). A preparação para publicação da carta de Mértola (Oliveira & Silva, 1990) esteve na base da elaboração dos modelos tectono-estratigráfico e estrutural para a Faixa Piritosa, que ainda hoje merecem aceitação. Mais recentemente, o conhecimento resultante da utilização das técnicas da geofísica aerotransportada e do radar, utilizadas pelas empresas mineiras, tem sido importante contributo como instrumento complementar da interpretação geológica. No presente trabalho pretende-se salientar as contribuições mais significativas e inovadoras que estiveram na base do avanço alcançado na ZSP, em Portugal, em termos da estratigrafia sensulato, e das suas relações com os processos tectónicos que conduziram à formação das bacias sedimentares que se foram gerando ao longo do tempo. Muitos dos temas tratados nestas contribuições foram posteriormente objecto de outras abordagens científicas, cujo historial, em muitos aspectos interessante e polémico, não será analisado neste trabalho. Trata-se de um resumo necessariamente muito simplificado que reflecte exclusivamente a opinião do autor. Pelas razões apontadas, outras importantes áreas de investigação da ZSP (geoquímica, metamorfismo, mineralizações, etc.) só serão abordadas marginalmente neste trabalho. Porque a Faixa Piritosa tem expressão ibérica, far-se-á referência a alguns trabalhos de natureza global que complementem o conhecimento obtido em Portugal. Evolução do Conhecimento A Zona Sul Portuguesa tem sido dividida, em termos geológicos, em quatro domínios: Pulo do

Lobo, Faixa Piritosa, Grupo do Flysch do Baixo Alentejo e Sector Sudoeste (Oliveira, 1990, Fig. 1). Uma perspectiva diferente é apresentada por Ribeiro et al. (1990),que dividem a Zona Sul Portuguesa em dois terrenos distintos: o Terreno do Pulo do Lobo, constituído pelo Domínio do Pulo do Lobo e o Terreno suspeito da Zona Sul Portuguesa, representado pelos outros domínios. A discussão destas duas perspectivas está para além dos propósitos deste trabalho. Por uma questão de sistematização, o avanço do conhecimento é descrito para cada um destes domínios, fazendo-se no final o seu enquadramento global num contexto paleogeográfico. Domínio do Pulo do Lobo Foi Pfefferkorn (1968), quem primeiro interpretou este domínio como um vasto anticlinal, tendo identificado no seu centro a Formação do Pulo do Lobo, com filitos de quartzitos muito deformados, no flanco norte a Formação de Santa Iria, com xistos e grauvaques, e no flanco sul as formações de Atalaia (xistos e arenitos quartzosos) e de Gafo (xistos e grauvaques). Em termos regionais, as formações de Pulo do Lobo e Atalaia foram correlacionadas com as sequências vulcânico-sedimentares da Faixa Piritosa, que designou por Grupo de Carvoeiro, atribuídas ao Devónico Superior, e as formações de Gafo e Santa Iria com os xistos e grauvaques de Mértola, todos considerados do Viseano. A estratigrafia do Anticlinal foi posteriormente tratada por Carvalho et al. (1976) que reconheceram nova unidade litostratigráfica no seu flanco norte, constituída por xistos e quartzovaques, que designaram por Formação de Ribeira de Limas, paralelizada com a Formação de Atalaia. Ambas as unidades passaram a integrar o Grupo de Ferreira-Ficalho. Novo avanço foi alcançado com a identificação da Formação de Horta da Torre (Oliveira et al., 1986), no flanco norte do Anticlinal, constituída por xistos negros, em parte siliciosos, quartzitos e quartzovaques, e considerada suprajacente e em parte equivalente lateral de Formação de Santa Iria. Esta unidade foi datada do Fameniano inferior, com base em palinomorfos, sendo este o primeiro estudo palinostratigráfico realizado em toda a Zona Sul Portuguesa Ibérica.


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Figura 1 - Domínios geológicos da Zona Sul Portuguesa. Figure 1 - Geological domains of the South Portuguese Zone.

Mais recentemente, Pereira et al. (2006) voltaram a abordar esta problemática, agora baseados em novas datações palinológicas. O Anticlinal, entretanto considerado como antiforma (Oliveira, 1990), passou a integrar as formações de Horta da Torre, Santa Iria e Represa (identificada no flanco sul) atribuídas a Fameniano superior, as Formações de Ribeira de Limas e Gafo, ao Frasniano inferior, e a Formação do Pulo do Lobo ao Devónico Inferior ou Silúrico Superior (Fig. 2). Ainda relativamente à história do conhecimento, deve salientar-se a identificação de rochas máficas intercaladas na Formação do Pulo do Lobo, interpretadas como basaltos metamorfizados com afinidades oceânicas do tipo MORB-N (Munhá, 1983) e a desco-

berta do Ofiolito de Beja-Acebuches (Munhá et al., 1986), as quais tiveram grandes implicações na interpretação geodinâmica deste domínio. Rochas máficas com afinidades oceânicas no Domínio do Pulo do Lobo vieram a ser posteriormente identificadas em Espanha, na antiforma de los Ciries, Formação de Mélange Peramora (Eden, 1991). Braid et al. (2011), baseados em datações U/Pb em zircões recolhidos nos quartzitos de Alajar, Espanha (equivalentes à Formação Horta da Torre?) e nos quartzovaques da Formação de Ribeira de Limas consideram que estas unidades têm assinaturas e proveniências distintas dos recolhidos no Grupo Filito-Quartzítico da Faixa Piritosa, sugerindo assim que o terreno do Pulo do Lobo constitui um

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bloco alóctone, derivado do supercontinente Laurussia e introduzido entre a Zona de Ossa Morena (Gondwana) e a Faixa Piritosa (Avalonia). Esta conclusão está em contradição com os dados da palinologia, segundo os quais as associações de miosporos de ambos os domínios são semelhantes (Pereira et al., 2008). Faixa Piritosa Foi Mac Gillavry (1961) (Fig. 3), na condição de supervisor das teses de doutoramento dos alu-

xistos argilosos, grauvaques e intercalações de conglomerados, considerado do Carbónico, com base em fósseis de goniatites e de Posidonia becheri (actualmente Grupo do Flysch do Baixo Alentejo). Para além de, pela primeira vez, se reconhecer a importância do vulcanismo na Faixa Piritosa, é interessante constatar neste trabalho a identificação de um cavalgamento das litologias do Grupo do Pomarão sobre as do Grupo de Mértola, perto de Mértola, sendo assim percursor da interpretação estrutural que viria a confirmar-se posteriormente, bem como identificação do Grupo de Pomarão como

Figura 2 - Unidades litostratigráficas da antiforma do Pulo do Lobo e comparação com as da Faixa Piritosa (Pereira et al., 2006). Figure 2 - Lithostratigraphic units of the Pulo do Lobo antiform and comparison with those of the Iberian Pyrite Belt (Pereira et al., 2006).

nos H. F. Kleyn, M. Van den Boogard, R. Elsinga e R. Wirtz, quem introduziu a moderna visão da geologia da Faixa Piritosa. Reconheceu dois complexos litológicos a nível regional: um designado por Grupo do Pomarão, constituído por filitos, arenitos, quartzitos e sucessões de rochas vulcânicas félsicas (antes consideradas como pórfiros intrusivos) e máficas, no seu conjunto atribuídas ao Devónico, com base em raros fósseis de climenídeos e braquiópodes (na terminologia actual, este grupo corresponde à sucessão que inclui o Grupo Filito-Quartzítico e Complexo Vulcano-Sedimentar); outro designado por Grupo de Mértola, com

principal fornecedor de detritos para as rochas do Grupo de Mértola. Kleyn (1960) (Fig. 4), no seu estudo sobre a terminação meridional do anticlinal do Cercal, apresentou a primeira coluna estratigráfica estruturada da Faixa Piritosa, e Boogard (1961, 1967) fez a cartografia geológica pormenorizada do Anticlinal de Pomarão e foi o primeiro investigador a utilizar a biostratigrafia dos conodontes, o que lhe permitiu estabelecer a sucessão litostratigráfica do anticlinal de Pomarão (Fig. 5), considerada como referência para toda a Faixa Piritosa Ibérica. Importante, tanto do ponto de vista da litostratigrafia, como da geologia mineira, foi o tra-


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balho realizado por Strauss (1965, 1970) (Fig. 6) na região da mina de Lousal, onde identificou três sequências litológicas principais: série de Corona (actualmente Formação de Corona equivalente à Formação Filito-Quartzítica do Grupo Filito-Quartzítico), Série da Pirite e a Série do Manganés (ambas correspondes ao CVS), esta última fazendo a transição para os xistos e grauvaques do então designado Culm (actualmente Formação de Mértola). A figura 6 representa a visão deste autor quanto à história geológica da região da mina do Lousal, em termos de estratigrafia, magmatismo, geologia estrutural e mineralizações. Ainda do ponto de vista da geologia das regiões mineiras merece destaque o trabalho de Leca et al. (1983, Fig. 7) onde é estabelecida a sequência estratigráfica do anticlinal do Rosário, em cujo extremo SE está situada a mina de Neves Corvo, que veio a tornar-se referência para grande parte da Faixa Piritosa. Fantinet (1960), realizou a cartografia geoló-

gica do anticlinal de São Francisco da Serra, onde reconheceu o Grupo Filito-Quartzítico e o Complexo Vulcano-Sedimentar, tendo ainda procedido ao estudo das paleocorrentes do flysch envolvente do Culm (Fantinet, 1963), tema no qual foi pioneiro, mostrando que o transporte sedimentar se deu predominantemente para SSE, provavelmente com origem na Zona de Ossa Morena. Schermerhornn & Stanton (1969) realizaram trabalho de cartografia geológica na região da mina de Aljustrel (Figs. 8 e 9) onde reconheceram a sequência litostratigráfica do Complexo Vulcano-Silicioso e dividiram o flysch do Culm em várias unidades, no que é considerado o primeiro ensaio de divisão estratigráfica desta sucessão turbidítica regional. A síntese estratigráfica da Faixa Piritosa Ibérica e suas relações com geologia dos domínios envolventes foi realizada por Schermerhorn (1971), trabalho este que foi pioneiro pela visão integradora que encerra. Na Faixa Piritosa identificou duas unidades maiores, que ainda hoje são usadas: o Grupo Filito-Quartzítico, atribuído ao Devónico, e o Complexo Vulcânico-Silicioso, considerado do Tournaisiano inferior. A estas unidades sobrepôs os xistos e grauvaques do Culm, uma sucessão turbidítica cuja sedi-

Figura 3 - Esquema geológico do Paleozóico Superior do Baixo Alentejo (Mac Gillavery, 1961). Figure 3 - Geological outline of the Upper Palaeozoic of the Baixo Alentejo (Mac Gillavery, 1961).

Figura 4 - Cartografia geológica da região de Odemira-São Luís (Kleyn, 1960). Figure 4 - Geological map of the Odemira-São Luis region (Kleyn, 1960).

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Figura 5 - Carta geológica do anticlinal de Pomarão e respectiva sucessão estratigráfica (Boogaard, 1967). Adaptação da cartografia realizada por Boogaard, 1967. In: Carvalho et al. (1976), Livro-guia das excursões geológicas na Faixa Piritosa Ibérica. III Reunião de Geologia do Sudoeste do Maciço Hespérico da Península Ibérica, Huelva-Beja”. Separata do Tomo LX, Com. Serv. Geol. Portugal, 1976. Figure 5 - Geological map of the Pomarão anticline and corresponding stratigraphic succession. Adapted from Boogard´s mapping, 1967. In: Guide book of the geological field trips in the Iberian Pyrite Belt. III Meeting on the Geology of SW Hesperian Massive, Iberiam Pyrite Belt, Huelva-Beja. Separate of Tomo LX, Com. Serv. Geol. Portugal, 1976.

mentação admitiu ser progradante para SW (na linha do que já havia sido sugerido por Pfefferkorn). Outro trabalho pioneiro, em termos de datação da sucessão litostratigráfica da Faixa Piritosa foi o de Cunha & Oliveira (1989), (Fig. 10), na região da Mina de São Domingos, onde, pela primeira vez em toda a Faixa Piritosa Ibérica, foi utilizada a palinostratigrafia para a datação de unidades geológicas, neste caso as formações FilitoQuartzítica e da Represa, atribuídas respectivamente ao Fameniano superior e ao Fameniano médio. Estas datações serviram de suporte para a interpretação estrutural da região (Fig. 11). A publicação dos livros “The Carboniferous of Portugal ”editado por M. J. Lemos de Sousa e J. Tomás Oliveira (1983) e “Pre-Mesozoic Geology of Iberia”editado

por Dallmeyer R. D., Martinez Garcia E. (1990), representa também avanços significativos. O primeiro destes livros é importante porque, para além de apresentar nova síntese do Carbónico marinho na ZSP por J. T. Oliveira, contém o trabalho pioneiro de Munhá (1983) sobre o magmatismo da Faixa Piritosa, considerado bimodal e associado a crusta extensional, constituindo este trabalho outro importante marco histórico na evolução do conhecimento na ZSP. Destaque para o modelo estrutural estabelecido para a ZSP, por Ribeiro & Silva (1983) onde pela primeira vez é reconhecida a relação entre a deformação tectónica na Faixa Piritosa e a sedimentação turbidítica do flysch da Formação de Mértola (Fig. 12), e se propõe a existência de um descolamento basal indutor da


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Figura 6 - História geológica da região da mina do Lousal (Strauss, 1965). Versão em espanhol da tese de Strauss, (1970), Mem. Inst. Geol. Minero Espanha, 70. Figure 6 - Geological story of Lousal mine region (Straus, 1965). Spanish version of Strauss´s PhD thesis, (1970) Mem. Inst. Geol. Minero España,

Figura 7 - A sucessão litostratigráfica da Faixa Piritosa, compreendida entre Panoias-Castro VerdeRosário (Leca et al. 1983) Figure 7 - The Pyrite Belt lithostratigraphic succession between Panoias- Castro VerdeRosário (Leca et al. 1983).

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Figura 9 - Esquema estratigráfico da região de Aljustrel (Schermerhorn & Stanton,1969). Figure 9 - Stratigraphic scheme of the Aljustrel region (Schermerhorn & Stanton, 1969).

Figura 8 - Cartografia geológica da região da mina de Aljustrel (Schermerhorn & Stanton, 1969). Figure 8 - Geological map of the Aljustrel mine region (Schermerhorn & Stanton, 1969).

Figura 10 - Perfil estratigráfico da secção exposta numa barreira do caminho-deferro, a sul da Mina de São Domingos e respectiva datação palinológica (Cunha & Oliveira, 1989). Figure 10 - Stratigraphic column of a sectiom exposed in a railway cut, south of Mina de São Domingos and palynological dating (Cunha & Oliveira, 1989).


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tectónica pelicular (thin skinned) varisca que afectou a Faixa Piritosa (Fig. 13) O segundo livro tornouse muito popular porque proporciona uma visão integradora da ZSP, nele se inserindo os trabalhos inovadores de Oliveira (1990), na área da tectonoestratigrafia da Faixa Piritosa (Figs. 14 e 15) e de Silva et al. (1990), na área da geologia estrutural. Uma interpretação diferente para a génese do vulcanismo da Faixa Piritosa foi mais recentemente apresentada por Onezime et al. (2003) que consideram ser o vulcanismo do tipo calco-alcalino, associado a uma zona de subducção situada algures a sul da Faixa Piritosa. Estes avanços foram conseguidos com base na síntese cartográfica da Faixa Piritosa, elaborada por V. Oliveira e J. T. Oliveira, publicada nas Folhas 7 e 8 da Carta Geológica de Portugal, na escala 1:200000 (Oliveira, et al., 1984, 1992) bem como nos trabalhos de realização Carta Geológica de Mértola, na escala 1:50000, por Oliveira & Silva (1990) (Fig. 16). Os estudos palinostratigráficos assumiram importância decisiva a partir do final da década de noventa, merecendo referência especial o trabalho de Zélia Pereira na datação de toda a sucessão do Sector SW da ZSP (ver adiante) e da região da mina de Neves-Corvo (Oliveira et al., 2004, Figs. 17 e 18), que esteve na base da apresentação de um novo modelo estrutural para esta mina (Fig. 19). Com este trabalho, provou-se definitivamente que a Palinostratigrafia constitui um instrumento muito importante para a datação das unidades da Faixa Piritosa, o que tem vindo a ser concretizado no apoio à cartografia geológica e a outros projectos de investigação. A investigação palinostratigráfica prosseguiu até à actualidade, existindo actualmente um controle biostratigráfico bastante detalhado da sucessão litostratigráfica de toda a Faixa Piritosa portuguesa (Oliveira et al., 2006, 2013), (Fig. 20). O assunto foi objecto de uma publicação específica (Pereira et al., 2007), posteriormente desenvolvido nas Memórias Geológicas do INETI (Pereira et al., 2008). Referência para a idade de Givetiano recentemente identificada na Formação de Corona do Grupo Filito-Quartzítico, na região NW da Faixa Piritosa, o que constitui a idade mais antiga até agora obtida para este Grupo em toda a Faixa Piritosa Ibérica. (Pereira et al., 2010). Duas outras áreas científicas têm vindo a assumir

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crescente importância no avanço do conhecimento da Faixa Piritosa. São elas: a vulcanologia física, de que é exemplo o trabalho desenvolvido por Carlos Rosa e a geocronologia U/Pb em zircões, por Diogo Rosa, com aplicação ainda algo restrita, mas com grande potencial de desenvolvimento. Quanto ao vulcanismo físico, merece destaque o trabalho realizado na Serra Branca (Rosa et al., 2006), em Albernoa (Rosa et al., 2004, Fig. 21) e em Neves-Corvo (Rosa, 2006; Rosa et al., 2008, Fig. 22), neste último com controlo biostratigráfico das várias associações de fácies vulcânicas identificadas. A geocronologia U-Pb, com base no estudo de zircões, tem vindo a ser aplicada às rochas félsicas da Faixa Piritosa Ibérica. As primeiras datações em Portugal foram efectuadas por Barrie et al. (2002) na Lagoa Salgada e Aljustrel, e por Rosa et al. (2008) no Cercal, Caveira, Azinheira de Barros, Albernoa, Serra Branca, Chança. As idades mais antigas foram obtidas nas rochas félsicas do anticlinal do Cercal (374 Ma) e as mais recentes pertencentes às rochas félsicas de Los Frailes, Espanha. A projecção das idades conhecidas com os locais de amostragem levou a que fosse sugerido que o vulcanismo da Faixa Piritosa se terá desenvolvido progressivamente de SW para NE (Rosa et al., 2008) (Fig.23). As datações mais recentes obtidas na antiforma de Rosario (Oliveira et al., 2013) (Fig. 24) indicam cinco períodos de instalação magmática aos 354, 359, 365, 373 e 384 Ma. Ao contrário do que tem sido reportado para outras áreas da Faixa Piritosa, este estudo regista uma componente importante de grãos de zircão herdados, o que aponta para sucessivos episódios e fusão magmática, indicando que a actividade vulcânica permaneceu activa durante 30 Ma. Esta actividade terá favorecido o desenvolvimento de células de convexão por longo tempo, criando assim as condições apropriadas para a acumulação dos depósitos de sulfuretos maciços. Grupo do Flysch do Baixo Alentejo Trata-se de espessa sucessão de turbiditos, que ocupa cerca de metade da área da ZSP, a que Schermerhorn atribuiu a designação Culm, por comparação com as sucessões litologicamente similares de Inglaterra e Alemanha. Trabalho pioneiro desenvolvido por J. Tomás Oliveira na segunda

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Figura 11 - Interpretação estrutural da região da Mina de São Domingos, suportada pela datação palinológica (Cunha & Oliveira, 1989). Figure 11 - Structural interpretation of Mina de São Domingos region, based on palynological dating (Cunha & Oliveira, 1989).

Figura 12 - Relações estruturais entre dobramentos, carreamentos e sedimentação turbidítica na Faixa Piritosa (Ribeiro & Silva, 1983). Figure 12 - Relationships between folding, thrusting and turbidite sedimentation in the Iberian Pyrite Belt (Ribeiro & Silva, 1983).

Figura 13 - A estrutura crustal da Zona Sul Portuguesa (Ribeiro et al., 1983). Figure 13 - The crustal structure of the South Portuguese Zone (Ribeiro et al., 1983).


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Figura 14 - Esquema geológico interpretativo da geologia da Zona Sul Portuguesa entre o Devónico Superior e o Viseano (Oliveira, 1990). Figure 14 - Interpretative geological sketch for the South Portuguese Zone between the Upper Devonian and the Visean (Oliveira, 1990).

Figura 15 - Esquema geológico interpretativo da Zona Sul Portuguesa durante o Viseano superior (Oliveira, 1990). Figure 15 - Interpretative geological sketch for the South Portuguese Zone during the Visean (Oliveira, 1990).

Figura 16 - Folha 46-D Mértola da Carta Geológica de Portugal, na escala 1:50000 (Oliveira & Silva & colaboradores, 1990). Figure 16 - Geological map, sheet 46-D Mértola scale 1:50000 (Oliveira & Silva & colaborators, 1990).

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Figura 17 - A sucessão tectono-estratigráfica da mina de Neves-Corvo e datação das unidades litostratigráficas com base em miosporos e amonoides. (In: Oliveira et al., 2004). Figure 17 - Tectonostratigraphic succession of the Neves –Corvo mine and dating of the lithostratigraphic units based in miospores and ammonoids. (In: Oliveira et al. 2004).

Figura 18 - Cronostratigrafia da mina de Neves-Corvo (Oliveira et al., 2004). Símbolos como na Fig. 17. Figure 18 - The Neves-Corvo mine chronostratigraphic chard (Oliveira et al., 2004). Symbols as in Fig. 17.


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Figura 19 - Esquema interpretativo da evolução tectono-estratigráfica da mina de Neves-Corvo, em parte baseada na correlação com a sucessão estratigráfica do anticlinal de Pomarão (Oliveira et al., 2004). Figure 19 - Interpretative sketch for the Neves-Corvo mine tectonostratigraphic evolution, partially based on the stratigraphic correlation with the Pomarão anticline (Oliveira et al., 2004).

metade da década de setenta conduziu à divisão da sucessão do Grupo do Flysch do Baixo Alentejo (GFBA) em três unidades litostratigráficas, as formações de Mértola, Mira e Brejeira (Oliveira et al., 1979), (Fig. 25). O estudo dos amonóides encontrados nas unidades constituintes permitiu datar estas formações com idades escalonadas entre o Viseano superior e o Moscoviano. A Formação de Mértola foi posteriormente objecto de estudo pormenorizado (Oliveira, 1988) (Fig. 26) no contexto da cartografia da Folha 46-D Mértola, tendo sido dividida em cinco membros com predomínio de grauvaques, separados por outros tantos níveis com predomínio de xistos argilosos. Os exemplares de amonóides colhidos na área desta carta, bem como outros colhidos em toda a sucessão turbidítica, foram estudados por Korn (1987) no âmbito da sua tese de doutoramento. Particularmente interessante neste estudo foi a identificação de várias espécies novas de amonóides. São claras

as afinidades entre estas associações faunísticas e as contemporâneas do Norte da Europa. Em termos geodinâmicos, a área deposicional destes sedimentos foi interpretada como bacia do tipo foreland basin. Investigação mais recente destes sedimentos nas áreas da geoquímica, história térmica e geocronologia veio aprofundar o seu conhecimento. Os estudos geoquímicos realizado por Rodrigues et al. (2008), Fernandes et al. (2008, 2010) e por Jorge et al. (2013) vieram trazer luz sobre a proveniência dos sedimentos e paleogeografia. A análise petrográfica modal (Fig. 27), e a assinatura em elementos maiores e em traço (Fig. 28,) sugerem que a área fonte dos sedimentos do GFBA terá sido um sistema arco vulcânico continental/ margem activa, provavelmente situado na margem da Zona de Ossa Morena, com contribuição de uma crusta continental mais antiga, particularmente marcada na Formação da Brejeira, situada na

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Figura 20 - Datação das unidades litostratigráficas dos ramos norte e sul da Faixa Piritosa com base em miosporos (Oliveira et al., 2006, 2013). Figure 20 - Palynological dating of the North and South Pyrite Belt branches, based in miospores (Oliveira et al., 2006, 2013).

Figura 21 - Facies vulcânicas identificadas na área da mina de Neves-Corvo. (Rosa, 2006; Rosa et al., 2008). Figure 21 - Volcanic facies identified in the Neves-Corvo mine region. (Rosa, 2006, Rosa et al., 2008).


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Figura 22 - Interpretação do vulcanismo na região de Albernoa. Adaptado de (Rosa et al., 2004). Figure 22 - Volcanism interpretation in the Albernoa region. Adapted from (Rosa et al., 2004).

placa Avalónia (Jorge et al., 2013), (Fig. 29). O estudo das idades U-Pb em zircões detríticos do Grupo do GFBA mostra que os sedimentos das formações de Mértola e de Mira têm o mesmo espectro de idades, com o pico de c. 330 Ma, enquanto na Formação da Brejeira o pico da idades é de c. 615 Ma. Além disso, na Formação da Brejeira não há zircões com idade inferior a 350 Ma e existe uma população importante de 900-1100 Ma, que não está presente nas outras formações (Rodrigues et. al., aceite para publicação). Segundo estes auto-

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res, os sedimentos das formações de Mértola e de Mira terão tido a sua fonte predominantemente na margem da Zona de Ossa Morena e, em menor escala, na própria ZSP, enquanto os sedimentos da Formação da Brejeira terão sido originários do terreno Meguma-Avalónia, confirmando assim as conclusões obtidas por Jorge et al. (2013), com base em dados geoquímicos e petrográficos. Na figura 30 consta o modelo deposicional proposto para o Grupo do Flysch do Baixo Alentejo: a) sedimentação turbidítica progradante para SW durante o Serpukoviano acompanhando o empilhamento tectónico indutor de subsidência, e consequente aumento da bacia foreland e da génese de um alto fundo (forebulge); b) este alto fundo, durante o Baskiriano inferior, terá atingido elevação suficiente para constituir uma barreira física que impediu a progradação da sedimentação. Por detrás desta barreira gerou-se uma sub-bacia onde se depositaram os sedimentos da Formação da Brejeira, provindos do terreno Meguma-Avalónia. Com a continuação da compressão tectónica, o depocentro desta sub-bacia migrou para SW, acabando por afundar a plataforma onde se tinham depositado os sedimentos do Sector SW (Rodrigues et al., 2015). O estudo sistemático das paleotemperaturas no GFBA e nas unidades do Sector SW, com base dos índices de reflectância da vitrinite, mostra que as temperaturas evidenciam valores homogéneos, independentes das unidades estratigráficas e da pro-

Figura 23 - A progressão do vulcanismo no espaço e no tempo, na Faixa Piritosa Ibérica (Rosa et al., 2008). Figure 23 -The Iberian Pyrite Belt volcanic development in time and space (Rosa et al., 2008).

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Figura 24 - Idades U-Pb do vulcanismo félsico da antiforma de Rosário e correlação com a sequência estratigráfica da mina de Neves-Corvo (Oliveira et al., 2013). Figure 24 - U-Pb isotopic ages in felsic volcanics of the Rosário antiform and correlation with the Neves-Corvo mine stratigraphic sequence (Oliveira et al., 2013).

Figura 25 - Esquema geológico do Sul de Portugal, com identificação das unidades componentes do Grupo do Flysch do Baixo Alentejo (Oliveira et al., 1979). Figure 25 - Geological outline of South Portugal with identification of the Baixo Alentejo Flych Group lithostratigraphic units (Oliveira et al., 1979).


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Figura 26 - Cartografia geológica do flysch da Formação de Mértola, na região de Mértola (Oliveira, 1988). Figure 26 - Geological map of the Mértola Formation flysch, Mértola region (Oliveira, 1983). Figura 27 - Proveniência dos grauvaques das formações de Mértola, Mira e Brejeira, em temos de representação triangular QtFL e QmFLt (Qt- quartzo monocristalino; Qm-quartzo policristalino; F- feldspatos; L-fragmentos líticos; Lt-total de fragmentos líticos (Jorge et al., 2013). Figure 27 - The Mértola, Mira and Brejeira Fms graywacke provenance in terms of QtFL e QmFLt triangular representation (Qt- monocrystalline quartz; Qm-policrystaline quartz ; F- feldspars; L-lithic fragments; Lt-total lithic fragments (Jorge et al., 2013).

Figura 28 - Geoquímica dos sedimentos do Grupo do Flysch do Baixo Alentejo. Diagrama triangular La-Th-Sc. Símbolos: A- arco vulcânico oceânico; B- arco vulcânico continental; C-margem continental activa; D-margem continental passiva (Fernandes et al., 2008). Figure 28 - Sediments geochemistry of the Baixo Alentejo Flysch Group. La-Th-Sc triangular diagram. Symbols: A-oceanic volcanic arc; B-continental volcanic arc; C- active continental margin; D-passive continental margin (Fernandes et al., 2008).

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Figura 29 - Projecção das rochas siliciclásticas da Formação da Brejeira no diagrama Th/Sc versus Zr/ Sc. CCS- Crusta Continental Superior; PAAS- Post Archean Average Shale. Adaptado de Fernandes et al. (2010). Figure 29 - Projection of the Brejeira Formation siliciclastic rocks in the Th/Sc versus Zr/Sc diagram. CCS- Upper Continental Crust; PAAS-Post Archean Average Shale. Adapted from Fernandes et al. (2010).

Figura 30 - Modelo deposicional para o Grupo do Flysch do Baixo Alentejo entre o Serpukoviano e o Moscoviano (adaptado de Rodrigues et al., 2014). Figure 30 - The Baixo Alentejo Flysch Group depositional model from Serpukovian to Moscovian time (adapted from Rodrigues et al., 2014).


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Figura 31 - Esquema ilustrativo da homogeneização das paleotemperaturas na Zona Sul Portuguesa (Fernandes et al., 2012). Figure 31 - Illustrative sketch of the paleotemperatures homogenization in the South Portuguese Zone, between the upper Visean and the Lower Permian (Fernandes et al., 2012).

Figura 32 - Perfil estratigráfico das Formações de Murração e Quebradas, Sector SW da Zona Sul Portuguesa (Oliveira et al.,1985). Figure 32 - Stratigraphic logs of the Murração and Quebradas formations, SW Sector of the South Portuguese Zone (Oliveira et al., 1985).

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22 História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal

Figura 33 - Perfis estratigráficos realizados no Sector SW da ZSP (Pereira, 1999). Figure 33 - Stratigraphic logs across the SW Sector of the South Portuguese Zone (Pereira, 1999).

fundidade das amostras estudadas (McComarck et al., 2006; Fernandes et al., 2012). Na figura 31 mostram-se vários perfis esquemáticos ilustrativos da evolução tectónica e termal das unidades das ZSP: a) No Viseano superior, rápida subsidência (>2 km) e início da deposição turbidítica (Formação de Mértola). Deformação varisca compressiva na antiforma do Pulo do Lobo e na Faixa Piritosa. Deposição de argilas e carbonatos (Formação de Murração) no Sector SW; b) A sedimentação turbidítica e subsidência continua no Serpukoviano-Baskiriano inferior (Formação de Mira). Deformação varisca propaga-se para SW. Deposição de argilas e carbonatos no Sector SW; c) Durante o Baskiriano-Moscoviano, deposição dos turbiditos da Formação da Brejeira que progradam para SW, cobrindo os sedimentos da plataforma do Sector SW. Deformação compressiva varisca continua com empilhamento tectónico que progressivamente provoca elevação topográfica, iniciando-se o aquecimento advectivo, que constitui o principal mecanismo de transferência de calor. Durante o Kasimoviano - Gzeliano - Pérmico

Inferior a cadeia Varisca atinge o máximo de altitude. O aquecimento advectivo homogeniza as temperaturas através da ZSP (Fernandes et al., 2012). Sector Sudoeste O conhecimento da estratigrafia deste importante sector da ZSP limitou-se, durante muito tempo, ao trabalho realizado por Sousa (1919), que reconheceu na região da Carrapateira três conjuntos de fácies marinhas: inferior, largamente constituído por xistos cinzentos, atribuído ao Tournaisiano; intermédio, no qual os carbonatos são dominantes, atribuído ao Viseano; superior, predominantemente constituído por xistos e grauvaques, considerado do Namuriano. A revisão das faunas encontradas confirmou as idades anteriores (Delepine, 1957). A estratigrafia da região mereceu alguma atenção por parte de Schermerhorn (1971), que sugeriu ser esta uma área mais elevada na bacia sedimentar. Foi só no final da década de setenta que a sequência estratigráfica começou a ser tratada de modo mais organizado, sintetizada nos trabalhos de Oliveira et


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Figura 34 - Biozonas de miosporos reconhecidas nas unidades litoestratigráficas do Sector SW da ZSP (Pereira, 1999). Figure 34 - Miospore biozones identified in the lithostratigraphic units, SW Sector of the South Portuguese Zone (Pereira, 1999).

Figura 35 - A progradação da sedimentação turbidítica na Formação da Brejeira, balizada pelas biozonas de miosporos (Pereira, 1999). Figure 35 - Turbidite progradation in the Brejeira Formation marked by miospore biozones (Pereira, 1999).

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24 História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal

Figura 36 - Evolução geodinâmica da ZSP: A - Durante o Devónico Superior (pre-Fameniano): oceano entre a ZSP e ZOM, subducção, colisão oblíqua e obdução parcial: B - Durante o Fameniano e Carbónico Inferior: subducção, colisão e início da extensão crustal na Faixa Piritosa; C - Durante o Viseano superior ao Vestefaliano inferior-deformação transpressiva progradante para SW induzida pela reactivação da subducção (tipo A) e génese da cintura orogénica arqueada (Silva et al., 1990). Figure 36 - The South Portuguese Zone geodynamic evolution: A During the Upper Devonian (pre- Famennian): ocean between the SPZ and OMZ, subduction, oblique collision and partial obduction; B During the Famennian and Lower Carboniferous: subduction, collision and beginning of the Pyrite Belt crustal extension; C - During the upper Visean to lower Westphalian, transpressive deformation prograding to SW induced by the subduction reactivation (Type A) and genesis of the orogenic belt (Silva et al., 1990).

Figura 37 - Esquema ilustrativo (perfil transversal) da evolução do orógeno Varisco do SW da Península Ibérica. A - Crescimento inicial da subducção e do arco vulcânico associado; B - desenvolvimento da bacia back-arc; C - Fecho da bacia back-arc seguido de obducção; D - renovação do crescimento do arco vulcânico por subida do gradiente geotérmico; E-início da colisão orogénica; F-final da colisão orogénica (Quesada et al., 1998). Figure 37 - Sketch of the Variscan Orogen evolution (transversal profile) in SW Iberia Peninsula. A - Growth of the subduction and associated volcanic arc; B - Back-arc basin development; C - Back-arc closure followed by obduction; D - Renewing volcanic arc growth induced by the upward moving geothermic gradient (Quesada et al., 1998).


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al. (1979, 1985) (Fig. 32), e mais pormenorizada através da cartografia geológica que veio a integrar a carta geológica da Bordeira (Ribeiro et al., 1987). Destes trabalhos resultou a descrição formal das unidades litostratigráficas reconhecidas na região, designadamente: Formação de Pedra Ruiva (xistos e quartzitos), do Devónico Superior; Formação de Bordalete (xistos argilosos e siltitos dominantes), do Tournaisiano; Formação de Murração (calcários e calcoxistos) do Viseano; Formação de Quebradas (xistos negros e calcários), do Namuriano. A investigação palinostratigráfica realizada por Zélia Pereira em meados da década de noventa, no âmbito da sua tese de doutoramento, representa importante avanço científico, tendo aqui reconhecido grande parte das biozonas existentes entre o Devónico superior e o Moscoviano, com a particularidade de estarem bem enquadradas com macrofaunas (Pereira, 1999), (Fig. 33, 34 e 35). A sequência

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estratigráfica deste sector passou assim a ser referência obrigatória no contexto da geologia da ZSP. Geodinâmica e Paleogeografia A identificação do Ofiólito de Beja-Acebuches (Munhá et al., 1986) representa um avanço científico determinante, já que veio proporcionar a elaboração do primeiro modelo geodinâmico para o ramo sul da Cadeia Varisca Ibérica, à luz da tectónica de placas (Silva et al., 1990) (Fig. 36). Este modelo inicial foi posteriormente refinado, agora com a informação mais rigorosa resultante do estudo pormenorizado das componentes portuguesas e espanhola do ofiólito (Quesada et al., 1994) (Fig. 37). O esquema paleogeográfico regional da ZSP (Fig. 38) mostra o desenvolvimento sucessivo de duas bacias distintas durante o Devónico superior, um mar epicontinental na Faixa Piritosa e Sector

Figura 38 - Paleogeografia da ZSP durante o Devónico Inferior a Médio (a), entre o Devónico Superior e o Viseano superior (b) e durante o Bashkiriano-Moscoviano (c) (Oliveira et al., 2006, 2010). Figure 38 - Sketch of the South Portuguese Zone paleogeography during the Lower to Middle Devonian (a), between the Upper Devonian and the upper Visean (b) and during the Bashkirian to Moscovian (Oliveira et al., 2006, 2010) .

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Figura 39 - Comparação entre as sucessões litoestratigráficas entre a ZSP e o Sudoeste de Inglaterra (Oliveira & Quesada, 1998). Figure 39 - Comparison of lithostratigraphic successions between the SPZ and South England (Oliveira & Quesada, 1998).

Figura 40 - A posição da ZSP no contexto da cadeia Varisca. SPZ, Zona Sul Portuguesa; BALG, Ofiolito de Beja-Acebuches; RTZ, Zona Reno-Hercínica; VF, Frente Varisca; 1, sentido da progradação (Oliveira & Quesada, 1998 ). Figure 40 - The SPZ within the context of the Variscan Chain. SPZ, South Portuguese Zone ; BALG , Beja-Acebuches Ophiolite; RTZ, Reno-Hercynian Zone; VF, Variscan front; 1, sense of progradation (Oliveira & Quesada, 1998).


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Figura 41 - Reconstrução paleogeográfica e geodinâmica da cadeia Varisca na parte ocidental da Península Ibérica durante a transição Devónico Superior-Carbónico Inferior (360-350 Ma). PTFAZ, Transformante Porto-Tomar- Ferreira do Alentejo; FNT, Terreno Finisterra; IOMZOS, Sequências Ofilolíticas Internas da Zona de Ossa Morena; BAOC, Ofiólito de Beja-Acebuches; PTBC, Zona de Porto-Tomar-Badajoz-Cordova; Am, Armorica; CAT, Terreno Alóctone Continental do NW da Península (Ribeiro et al., 2007). Figure 41 - Paleogeographic and geodynamic reconstruction of the Variscan Chain in Western Iberia Peninsula during the Upper Devonian-Lower Carboniferous transition (360-350 Ma). PTFAZ, Porto-Tomar-Ferreira do Alentejo Transform; FNT, Finisterra Terrane; IOMZOS, Ossa Morena Zone Internal Ophiolite Successions; BAOC , Beja- Acebuches Ophiolite; PTBC, Porto-Tomar-Badajoz-Cordova milonitic belt; Am, Armorica; CAT, Allocthonous Continental Terrane of NW Iberia (Ribeiro et al., 2007).

Sudoeste (na margem do terreno Avalónia já integrado no supercontinente Laurussia), e uma bacia mais profunda no domínio do Pulo do Lobo, esta sobreposta a um prisma acrecionário (Fig. 38a). Durante o Devónico terminal e Mississipiano desenvolveu-se extensa cintura vulcânica na Faixa Piritosa e uma plataforma carbonatada mista no sector SW (Fig. 38b), após o que estes domínios passaram a integrar sucessivamente uma bacia do tipo foreland preenchida por sedimentos clásticos profundos do tipo flysch, progradantes para SW (Fig. 38c). São numerosos os trabalhos que, no contexto da cadeia Varisca, relacionam a ZSP com as bacias carboníferas da região SW da Inglaterra e com a bacia do Rhur na Alemanha. Estas correlações careciam, contudo, de base científica rigorosa que só o avanço do conhecimento da SZP veio proporcionar. Todas estas bacias têm história geológica semelhante, marcada pela sedimentação em plataformas siliciclásticas, localmente recifais, no Devónico, vulcanismo bimodal associados à ruptura extensional destas plataformas no Devónico superior e Mississipiano, inversão tectónica compressiva na sequên-

cia da qual se acumulou espessa sedimentação tipo flysch em bacias tipo foreland basin, a partir do Pensilvaniano, ao que se seguiu sedimentação continental em bacias parálicas, ricas de depósitos de carvão, no Pensilvaniano superior. O estudo comparativo entre da ZSP e o Sudoeste de Inglaterra (Oliveira & Quesada, 1998) (Fig. 39) pôs em evidência várias semelhanças entre estas regiões, no que diz respeito às sequências estratigráficas a partir do Devónico Inferior, nomeadamente a existência de basaltos oceânicos no Devónico (Ofiolito de Lizard e anfibolitos do Pulo do Lobo), vulcanismo predominantemente bimodal entre o Devónico superior e o Viseano superior, sedimentação turbidítica tipo flysch, a partir do Viseano superior, que na Inglaterra passa a sedimentação continental no Namuriano (actual Bashkiriano) e que em Portugal se prolonga até ao Moscoviano superior. Tendo por base este estudo, os autores propuseram um esquema global para a posição da ZSP no contexto da cadeia Varisca europeia (Fig. 40). Mais recentemente, a identificação do Terreno Finisterra a ocidente da Península Ibérica permi-

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tiu a elaboração de um modelo interpretativo para a parte ocidental da cadeia Varisca europeia (Ribeiro et al., 2007). A reconstrução paleogeográfica proposta inicia-se no Câmbrico durante o qual é identificada a transformante Porto-Tomar-Ferreira do Alentejo que separava dois ramos do oceano Rheic. Segue-se uma história complexa, com o início do fecho do oceano Rheic, a abertura de bacias oceânicas marginais, entre as quais a de Beja-Acebuches, a colisão continental iniciada com o choque entre Finisterra e Ossa Morena, com o consequente fecho da bacia de Beja - Acebuches, a que se seguiu a colisão entre a Avalónia e o Gondwana (Zona de Ossa Morena e Zona Centro Ibérica) de que resultou o prisma acrecionário do Pulo do Lobo, no Devónico Médio a Superior. Na figura 41 está representada a situação paleogeográfica da Zona Sul Portuguesa no Carbónico Inferior.

corpora um prisma acrecionário gerado no Devónico Inferior a Médio, ao qual se sobrepôs uma bacia sedimentar no Devónico Superior; ou representa um terreno alóctone no seu conjunto, situado entre o Gondwana e a Avalónia? 2 - Na Faixa Piritosa, haverá que se encontrar a expressão cartográfica da lacuna estratigráfica do Tournaisiano, com grande expressão regional; interpretar o vulcanismo, no que respeita às condições geodinâmicas que estiveram na sua génese; explicar a extensão generalizada em toda a Faixa Piritosa da fácies ”borra de vinho” e siliciosas, e o seu significado paleogeográfico; analisar a eventual importância e extensão da suposta, mas ainda não provada, tectónica gravitacional; 3 - obter melhor caracterização paleogeográfica da ZSP no contexto da Cadeia Varisca. Agradecimentos

Conclusões A curta história que aqui se conta teve o seu início na década de sessenta do século passado quando o conhecimento da geologia da parte portuguesa da ZSP começou a atingir níveis cientificamente aceitáveis em vários domínios. No caso concreto da estratigrafia, o trabalho centra-se essencialmente nas contribuições originais que foram surgindo nas várias disciplinas da área da estratigrafia, com ênfase na cartografia geológica, litostratigrafia, sedimentologia, paleontologia, palinologia e, mais recentemente, na petrologia e geoquímica sedimentar, geocronologia isotópica e evolução da matéria orgânica. Como consequência destes estudos, realça-se a contribuição que deram para o conhecimento das bacias sedimentares, da paleogeografia e da geologia estrutural. Esta história também não deve ser lida como o estado da arte actual destas matérias. Se fosse esse o objectivo deste trabalho, teria de ser feita a análise crítica da evolução do conhecimento relativa a cada uma das disciplinas acima indicadas, trabalho este cuja extensão teria a dimensão de um livro. Apesar dos avanços científicos alcançados, existem ainda muitas dúvidas e incertezas que deverão ser objecto de futuras investigações. Referem-se em especial algumas: 1 - O domínio do Pulo do Lobo representa uma antiforma que in-

A minha contribuição na narrativa histórica aqui contada, ao longo de quarenta anos de actividade, só foi possível graças à colaboração que me foi oferecida por numerosos colegas e amigos, de entre os quais devo salientar os seguintes: Vitor Oliveira que me introduziu na problemática da geologia da Faixa Piritosa, de cuja colaboração acabou por resultar, entre outras actividades, a coordenação conjunta da publicação das Folhas 7 e 8 da Carta Geológica de Portugal na escala 1:200000; António Ribeiro com quem aprendi o essencial da geologia estrutural, me “empurrou” para a cartografia do então Culm, agora GFBA, e das regiões da Carrapateira e Faixa Piritosa, e me incentivou a apresentar o meu doutoramento; José Brandão Silva, pela colaboração na preparação da Folha 46-D Mértola da Carta Geológica de Portugal, na escala 1:50000, tendo a cartografia do vale do Guadiana servido de base para a sua tese de doutoramento; Zélia Pereira, em quem incuti o gosto da investigação palinostratigráfica, actualmente investigadora de mérito reconhecido a nível nacional e internacional; Paulo Fernandes, introdutor dos estudos sobre maturação da matéria orgânica na ZSP, com quem partilho muitas ideias sobre a geologia da ZSP; João Matos, o sucessor de Vitor Oliveira no LNEG - Beja, um geólogo multifacetado cuja disponibilidade para realizar trabalho em equipa é amplamente reconhecida. Uma palavra muito especial para os colegas e amigos alemães Eva Paproth, Manfred Horn (já falecido) e J. Kullmann, em


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cuja companhia parti muita pedra na região da Carrapateira, em busca dos macrofósseis que ajudaram a estabelecer a coluna estratigráfica deste importante domínio da ZSP. Finalmente, exprimo o meu apreço e amizade para com os técnicos Júlio Barroso, José Romão e José Leal, cuja competência técnica foi determinante na conclusão dos vários projectos de cartografia em que participámos.

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30 História das contribuições científicas originais que representam avanços significativos no contexto do conhecimento tectono-estratigráfico da Zona Sul Portuguesa, em Portugal

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www.lneg.pt

Investigação e Desenvolvimento no domínio da Energia e Geologia, promovendo a Inovação Tecnológica

Investigação para a Sustentabilidade

Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P.


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GEONOVAS N.º 28: 33 a 45, 2015

Das estruturas geológicas à edificação de uma Cadeia de Montanhas Do Ciclo das Rochas ao Ciclo Tectónico Noel Moreira1* & Rui Dias2 1

Centro de Geofísica de Évora (CGE), Laboratório de Investigação de Rochas Industriais e Ornamentais da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora (LIRIO-ECTUE), Pólo de Estremoz da Universidade de Évora, Convento das Maltezas, 7100-513 Estremoz, Portugal 2 Departamento de Geociências da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora, CGE, LIRIO-ECTUE e Centro de Ciência Viva de Estremoz, Pólo de Estremoz da Universidade de Évora, Convento das Maltezas, 7100-513 Estremoz, Portugal * autor correspondente: nmoreira@estremoz.cienciaviva.pt

Resumo A interacção entre o Ciclo das Rochas e o Ciclo Tectónico é inegável, sendo que a compreensão dos processos associados à génese das rochas só pode acontecer quando integrada no Ciclo Tectónico. Esta interacção é particularmente relevante quando está em causa a génese de rochas metamórficas e magmáticas, uma vez que as mesmas só podem ser geradas, à escala regional, quando por acção da tectónica. No caso concreto do metamorfismo regional, os processos associados ao Ciclo Tectónico desenvolvem nas rochas estruturas que, pela sua análise geométrica e cinemática, permitem compreender os fenómenos actuantes e consequentemente a evolução geodinâmica de uma região. A compreensão das inter-relações conceptuais permite o entendimento da história evolutiva de Portugal Continental; de facto a generalidade do território nacional revela a presença de uma antiga cadeia de montanhas (Cadeia Varisca), actualmente desmantelada pela acção dos processos relacionados com a dinâmica externa e interna do nosso planeta. Palavras-chave: Ciclo das Rochas, Ciclo Tectónico, Estruturas geológicas, Evolução geodinâmica. Abstract The interaction between Rock Cycle and Tectonic Cycle is undeniable. To understand rock genesis an integrated view with the Tectonic Cycle processes is necessary. This interaction is particularly important in metamorphic and magmatic rocks genesis, because they can only be generated at a regional scale due the action of tectonic processes. Concerning regional metamorphism, the Tectonic Cycle induces the formation of geological structures. The geometric and kinematic analysis of these structures allows to understand the phenomena that have been active and, consequently, the geodynamic evolution of any region. The design of this conceptual approach allows understanding of the geoevolutionary history of Portugal, showing the presence, in most of the territory, of an ancient mountain chain, now destroyed due the action of external and internal dynamic processes of the planet. Key Words: Rock Cycle, Tectonic Cycle, Geological structures, Geodynamic evolution.

Introdução Um geólogo estrutural, quando colocado frente a uma rocha deformada, tende a observar as estruturas presentes na mesma, tentando explicar as suas observações baseando-se nos princípios básicos da geologia. Muito do trabalho deste geocientista é realizado através do trabalho de campo, com obser-

vação, descrição e catalogação de diversas estruturas que, no seu conjunto, permitam compreender e retratar os processos que levaram ao desenvolvimento das mesmas e, consequentemente, das próprias rochas que as contêm. Aliás, o par rocha-estrutura é fulcral no entendimento da estreita ligação entre o Ciclo das Rochas e o Ciclo Tectónico. O trabalho de campo, só por si, é muitas vezes insuficiente

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34 Das estruturas geológicas à edificação de uma Cadeia de Montanhas; Do Ciclo das Rochas ao Ciclo Tectónico

para a completa compreensão da complexa relação entre os diversos processos associados à geodinâmica interna. Consequentemente, este trabalho deve ser acompanhado/complementado por ferramentas diversas, entre as quais se destacam as modelações laboratoriais (análoga ou numérica), que permitem a percepção e representação destes processos à escala de tempo humana, mas também por outras áreas do saber geológico, como sejam a geoquímica ou a petrologia, entre outras. Este trabalho pretende sintetizar algumas das relações entre os dados estruturais e as considerações de cariz geodinâmico propostas, integrando-as no contexto dos Ciclos das Rochas e Tectónico. Estas relações são geralmente clarificadas com exemplos relacionados com a evolução geodinâmica do Território Continental Português, com especial foco no Soco Varisco Ibérico. Estruturas geológicas como chave para a compreensão da Tectónica de Placas As estruturas geológicas podem ser agrupadas em diferentes categorias, sendo a sua interpretação dependente da sua natureza; estas podem ser divididas em três categorias principais: contacto, primárias e secundárias (Davis & Reynolds, 1996). A diferenciação entre estas categorias de estruturas está directamente relacionada com os processos envolvidos na sua génese. As estruturas de contacto incluem, como o próprio nome indica, relações geométricas entre duas ou mais unidades/corpos rochosos, podendo ser subdivididas em contactos deposicionais, intrusivos ou de corte/fractura. As estruturas primárias podem definir-se como características geométricas e texturais desenvolvidas durante o processo de formação do corpo rochoso onde estão incluídas (Fig. 1A). A título de exemplo destaca-se, desde logo, a estratificação ou as figuras de fluxo (e.g. flute cast), relacionadas directamente com os processos que estão na origem das rochas sedimentares (Nichols, 2009). As estruturas primárias são também comuns nas rochas magmáticas, onde se podem identificar estruturas relacionadas com as condições em que as rochas se formaram. Neste tipo de rochas

pode incluir-se, a título de exemplo, a presença de texturas vesiculares ou em almofada em lavas ou fluxos magmáticos em rochas plutónicas (Davis & Reynolds, 1996). Estas estruturas são essenciais para a compreensão dos processos genéticos que levam à génese destas duas famílias de rochas. Por fim, as estruturas secundárias abrangem configurações geométricas e texturais originadas após a génese das rochas sedimentares e magmáticas, geralmente associadas com processos de deformação e metamorfismo que, muitas vezes, surgem articulados (Fig. 1B). Aqui incluem-se estruturas como dobras, veios, foliações, lineações, falhas e zonas de cisalhamento (vide capítulo seguinte; Davis & Reynolds, 1996). A correcta interpretação das estruturas geológicas é fulcral para a compreensão dos processos que levam à sua génese e, consequentemente, no conhecimento da tectónica de placas, uma vez que grande parte dos processos por elas responsáveis podem ser vistos à luz do Ciclo Tectónico. Para tal, os geólogos baseiam geralmente as suas observações, a colheita de dados e as suas interpretações nos princípios básicos da Geologia. Um destes princípios enuncia que a generalidade dos sedimentos depositados em bacias sedimentares originam camadas horizontais. Por isso, quando se observam camadas sub-horizontais, é possível concluir que não houve deformação após a deposição; com efeito, as excepções são muito pouco frequentes e associadas a situações muito particulares de sedimentação. Pelo mesmo motivo, quando observamos uma dobra afectando diferentes camadas sobrepostas pode afirmar-se que a actuação de forças levou à distorção da forma original das camadas. Assim, para que uma sucessão sedimentar inicialmente horizontal se apresente dobrada ter-se-á de invocar a presença de forças capazes de deformar rochas, sendo quase sempre necessário recorrer à ação Tectónica de Placas para explicar a génese destas estruturas. Para a compreensão de uma qualquer sequência dobrada, esta deve começar por ser descrita e analisada no que respeita à sua geometria e cinemática. Considerando um outro princípio básico, o princípio da sobreposição das camadas, sabe-se que numa sucessão de estratos não deformados, os mais antigos


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se encontram na base da sequência e os mais recentes no topo. Contudo, quando se observam dobras macroscópicas no campo a ideia de topo e base da sequência raramente se consegue obter apenas pelo conteúdo faunístico dos estratos. Aqui é essencial a observação de estruturas primárias (quando ocorrem) na análise das estruturas secundárias; algumas estruturas primárias podem mostrar as relações entre base e topo de uma sequência (Figs. 1A e 2). A título de exemplo, considera-se uma torrente sedimentar, de carácter heterogéneo no que respeita à granularidade dos elementos constituintes. Quando a mesma se deposita em ambiente aquático, tenderá a organizar-se granulometricamente, sendo que os elementos mais grosseiros depositar-se-ão na base da camada e os mais finos no topo da mesma; a este fenómeno dá-se o nome de granotriagem (Fig. 1A4

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Figura 1 – Diversidade de estruturas geológicas reconhecidas em unidades metassedimentares do Maciço Ibérico. (A) Exemplos de estruturas primárias – (A1) Icnofósseis do género Cruziana (NW de Espanha); (A2) Icnofósseis do género Skolithos (Ordovícico da Apúlia); (A3) figuras de fluxo, com figuras de arraste e Flute casts (Grupo do Flysch do Baixo Alentejo, litoral SW de Portugal); (A4) granotriagem em sequências turbidíticas do Grupo do Flysch do Baixo Alentejo (os círculos de maiores dimensões indicam a base da camada). (B) Estruturas secundárias associadas a processos de deformação – (B1) boudins em níveis de metagrauvaques, com os locais de maior estiramento (necks) evidenciados pela presença de veios de quartzo (Almograve, Grupo do Flysch do Baixo Alentejo); (B2) dobras assimétricas em rochas calcossilicatadas (Barragem do Caia, NE Alentejano); (B3) famílias de cisalhamentos conjugados com veios de quartzo en-echelon (Almograve, grupo do Flysch do Baixo Alentejo); (B4) Estruturas delta à microescala (Abrantes, micaxistos granatíferos). Figure 1 - Geological structures recognized in metasedimentary units of the Iberian Massif. (A) Examples of primary structures - (A1) Cruziana ichnofossils (NW Spain); (A2) Skolithos ichnofossils (Ordovician, Apulia); (A3) flow figures, with aspects of drag and flute casts (Baixo Alentejo Flysch Group ,SW Portugal coastline); (A4) sorting in turbidite sequences of the Baixo Alentejo Flysch Group (the larger circles indicate the base layer). (B) secondary structures associated with deformation processes - (B1) boudins in metagreywacke levels, with necks evidenced by the presence of quartz veins (Almograve, Baixo Alentejo Flysch Group); (B2) asymmetric folds in calc silicate rocks (Caia Dam, NE Alentejo); (B3) families of conjugated shears with quartz veins en-echelon (Almograve, Baixo Alentejo Flysch Group); (B4) delta micro scale structures (Abrantes, mica garnetiferous).

e 2). A presença de uma sucessão estratos com este tipo de estrutura permite compreender a polaridade da sequência e, consequentemente, quando a mesma se encontra dobrada classificar a dobra quanto à sua polaridade em Anticlinal ou Sinclinal. A granotriagem é apenas uma de muitas estruturas primárias que permitem determinar a polaridade de uma sequência sedimentar (Fig. 2). A presença, por exemplo, de estruturas biogénicas (como cruziana ou Skolithos), de fluxo ou de carga permitem também estabelecer a polaridade da sequência (Fig. 2). Os Skolithos, muito comuns nas

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Das estruturas geológicas à edificação de uma Cadeia de Montanhas; Do Ciclo das Rochas ao Ciclo Tectónico

Figura 2 – Quadro esquemático de síntese com estruturas sedimentares que permitem aferir sobre a polaridade de uma sequência sedimentar (adaptado de Nichols, 2009). Figure 2 - Schematic synthesis framework with sedimentary structures to define the polarity of the sedimentary sequence (adapted from Nichols, 2009).

sequências do Ordovícico de Portugal (e.g. Sá et al., 2005; 2011), são estruturas que representam uma construção habitacional em galeria que se desenvolve perpendicularmente à superfície do substrato, com forma geralmente cónica (e.g. Key, 2014). Estas estruturas de origem biogénica apresentam-se como bons critérios para identificar o topo da bancada, apresentando aí formas circulares, que são interpretadas como sendo a extremidade do habitáculo, ou seja, a saída para o meio externo; contudo, por vezes estes seres perfuram mais do que uma camada, podendo aparecer marcas circulares no topo e na base da camada, dificultando a determinação da polaridade da sucessão. A deflexão das laminações internas dos leitos e a forma cónica dos Skolithos são também critérios a ter em conta na análise da polaridade. A análise de estruturas à micro- e mesoescala e das suas relações geométricas pode permitir o seu

entendimento das estruturas à macroescala e, em última instância, compreender a relação destas estruturas com a edificação de uma antiga cadeia de montanhas, actualmente desmantelada, ou mesmo à génese de um supercontinente que posteriormente se fragmentou. Estas relações revelam-se fundamentais para a compreensão da Tectónica de Placas (actual e do passado) e consequentemente da dinâmica associada ao Planeta Terra. Zonas de Cisalhamento e estruturas associadas; o que elas nos dizem? Qualquer corpo, quando sujeito a um campo de tensões, pode variar a sua forma (i.e. distorção), posição e/ou orientação (i.e. rotação e/ou translação), adoptando uma configuração distinta da sua forma inicial; a esta propriedade dá-se o nome de deformação (e.g. Fossen, 2012). A deformação das


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rochas não se distribui geralmente de forma homogénea nos corpos rochosos, sendo comum que a mesma se concentre em zonas planares que acomodam a deformação entre blocos relativamente rígidos (e.g. Passchier & Trouw, 2005; Fossen, 2012). Estas zonas tabulares, de espessura variável, apresentam geralmente deformação não-coaxial, com predomínio da deformação dúctil, que reflecte o deslocamento contínuo entre os dois blocos rígidos que a delimitam, sendo usualmente denominadas de zona de cisalhamento (Fig. 3A). A sua deformação leva ao desenvolvimento de fabrics, estruturas e paragéneses minerais que reflectem as condições de pressão e temperatura, o tipo de escoamento, bem como sua a cinemática (Passchier & Trouw, 2005). Associado a zonas de cisalhamento dúcteis geram-se comummente rochas metamórficas foliadas, com evidências de intensa recristalização e deformação plástica e na qual há alteração da dimensão (geral-

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mente diminuição) dos grãos constituintes da rocha inicial (e.g. Sibson, 1977; Passchier & Trouw, 2005; Fossen, 2012). A esta tipologia de rochas dá-se o nome de milonitos (e.g. Sibson, 1977, Fig. 3A). Até pela sua definição, as zonas de cisalhamento parecem apresentar uma relação genética com falhas. As zonas de cisalhamento, desenvolvidas em profundidade, apresentam por vezes evidências superficiais da sua actuação: as falhas. Contudo, importa referir que a existência de falhas não implica a existência de uma zona de cisalhamento em profundidade, podendo a mesma estar apenas relacionada com questões tectónicas locais e superficiais. As falhas são assim situações particulares de zonas de cisalhamento, com características próprias, desenvolvidas em regimes superficiais com deformação frágil (Fig. 3A, Fossen, 2014). As falhas podem ser definidas como estruturas planares discretas (i.e. onde a espessura da zona de maior defor-

Figura 3 – A) - Modelo sintético da conexão entre falha, gerada em ambientes frágeis (superficiais), e zona de cisalhamento, de carácter dúctil. A transição entre estas duas zonas é gradual e depende de vários factores, tais como gradiente geotérmico e composição mineralógica da crosta. No caso de crostas continentais dominadas pela presença de granitos, essa passagem desenvolve-se entre os 10 e 15 km (adaptado de Fossen, 2012). B) - Esquema exemplificativo da relação entre variações da orientação de uma zona de cisalhamento transcorrente à macroescala e a sua cinemática (adaptado de Kearey et al., 2009). (1) - génese de estruturas em flor negativas associadas a inflexões que provocam extensão local; (2) génese de zonas constritivas locais e consequente formação de estruturas em flor positivas. Figura 3 - A) - Synthetic Model connection between fault generated in fragile environments (surface), and shear zone, ductile character. The transition between these two regions is gradual and depends on various factors such as geothermal gradient and mineralogical composition of the crust. In the case of continental crust dominated by the presence of granite, this passage develops between 10 and 15 km (adapted from Fossen, 2012). B) - Diagram of the relationship between changes in direction of transcurrent shear zone at the macroscale and its movement (adapted from Kearey et al., 2009): (1) negative flower structures genesis associated with inflections which bring about local extension. (2) - genesis of local and consequent formation of positive flower structures constricting areas.

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mação é normalmente negligenciável), predominantemente frágeis, que concentram a deformação, separando blocos nos quais a deformação não se faz sentir. Associado aos planos de falha formam-se geralmente rochas associadas à sua actividade, nomeadamente brechas de falha e cataclasitos (Fig 3A). Verifica-se que, em profundidade (i.e. em regiões onde a pressão litostática e a temperatura são maiores), os materiais rochosos, quando sujeitos a deformação, não apresentam uma descontinuidade brusca como acontece com as falhas referidas anteriormente. Com efeito, a deformação deixa de se concentrar num “plano” passando a haver uma área mais larga na qual os materiais sofrem deformação, desenvolvendo-se assim uma zona de cisalhamento. As profundidades de transição entre a deformação dúctil e a deformação frágil são variáveis, dependendo do gradiente geotérmico e da composição mineralógica da crosta (Fossen, 2012). Considerando uma crosta essencialmente granítica, a profundi-

dade de transição ocorre normalmente entre os 10 e os 15 Km (Scholz, 1988; Fossen, 2012, Fig. 3A). As falhas e as zonas de cisalhamento podem ser descritas tendo em conta a sua geometria e a sua cinemática, ou seja, a movimentação relativa entre os blocos. A descrição destas características é fulcral para a compreensão e interpretação da dinâmica das mesmas. No caso da deformação mais frágil, a identificação cinemática baseia-se muitas vezes no rejeito de estruturas prévias, como sejam camadas guia ou filões anteriores, tendo como base o principio da intersecção, e a sua relação com estruturas lineares presentes no plano de falha (estrias). Outras estruturas como sigmóides, fendas en-echelon e estruturas do tipo Riedel podem ser também utilizadas como critérios cinemáticos. No caso da deformação dúctil, a diversidade das estruturas é ainda maior. A multiplicidade de critérios relativos à cinemática das zonas de cisa-

Figura 4 – Quadro resumo representando os principais indicadores cinemáticos reconhecidos numa zona de cisalhamento (adaptado de Passchier & Trouw, 2005). Figure 4 - Table summarisingthe main kinematic indicators recognized within a shear zone (adapted from Passchier & Trouw, 2005).


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lhamento advém do facto de este processo estar intimamente relacionado com os processos metamórficos e, consequentemente, com o aumento da pressão e temperatura. O crescimento de novos minerais, a génese de estruturas planares (e.g. foliação, que só muito raramente se associam a zonas de falhas) e lineares (e.g. lineação de estiramento) ou a deformação de estruturas e minerais prévios fazem com que o espectro de estruturas criadas seja mais alargado (Fig. 4). Assim, para um entendimento da génese e evolução de uma qualquer zona de cisalhamento, é necessário um estudo aprofundado a todas as escalas destas estruturas. Na maioria dos casos a interpretação de uma zona de cisalhamento à escala de um orógeno não é linear, sendo necessário o estudo cuidadoso a diversas escalas (desde a micro- à macroescala), uma vez que a mesma pode apresentar particularidades pontuais que não representam a sua dinâmica geral. Considera-se, a título de exemplo, uma zona de cisalhamento com movimentação transcorrente (i.e. onde os blocos adjacentes se deslocam essencialmente segundo a horizontal), com inflexões da direcção ao longo do seu traçado, como representado na figura 3B. A interpretação desta estrutura só pode ser realizada quando compreendida no seu todo, uma vez que modificações locais na sua orientação geral poderão induzir em erro, ostentando pontualmente cinemáticas distintas da sua cinemática geral devido às heterogeneidades locais induzidas pelas inflexões dos planos de falha/ zonas de cisalhamento (Kearey et al., 2009). Estas heterogeneidades podem induzir a génese local de zonas compressivas (restraining bends) e, consequentemente, a génese de estruturas de encurtamento com a eventual formação de estruturas com componente cavalgante (e.g. estruturas em push-up ou estruturas em flor positivas) ou de zonas extensivas (releasing bends) que podem gerar estruturas com cinemática normal e consequentemente à possível génese de bacias (e.g. bacia de pull-apart ou estruturas em flor negativas). Contudo, estas especificidades observadas localmente não reflectem na realidade a componente transcorrente dominante em toda a zona de cisalhamento. A análise detalhada das estruturas geológicas associadas a falhas e zonas de cisalhamento revela-se assim fulcral para uma correta interpretação da

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sua dinâmica e, naturalmente, para a compreensão da evolução geodinâmica de uma qualquer região do globo, uma vez que estas estruturas se associam espacialmente a todos os limites de placas. Do fundo dos oceanos ao núcleo de uma cadeia de montanhas; do Ciclo das Rochas ao Ciclo Tectónico O reconhecimento da diversidade litológica permitiu que fossem distinguidos, desde muito cedo, três tipos de rochas (sedimentares, magmáticas e metamórficas), muito antes da compreensão dos processos associados à formação de cada um dos três tipos, algo que só aconteceu posteriormente. A percepção dos processos que levam à génese das rochas permitiu a individualização de dois importantes sistemas naturais, que funcionam de forma cíclica e cooperativa: o Ciclo Hidrológico e o Tectónico. A sua actuação conjunta, concomitante com a gravidade e os processos de ajustamento isostático, provoca, ao longo do tempo geológico, uma movimentação dos materiais geológicos da superfície para locais mais profundos na crosta terrestre e até mesmo do manto, sendo posteriormente trazidos novamente para a superfície; este processo cíclico implica alterações físicas e químicas das rochas; de facto ao serem transportadas para locais diferentes daqueles onde se formaram, as rochas são sujeitas a condições de pressão, temperatura e ambiente químico diferentes das que existiam inicialmente. Ao conjunto de processos que são responsáveis por este trânsito litológico designou-se de Ciclo das Rochas (Fig. 5A). Com efeito, a ação do Ciclo Tectónico em conjugação com os processos geológicos associados ao Ciclo Hidrológico (em especial a destruição dos relevos e a deposição dos materiais daqui resultantes) obrigam uma permanente modificação da superfície da Terrestre. A interacção entre os Ciclos Hidrológico e das Rochas é facilmente reconhecível pelo senso comum (ou pelo menos uma fracção desta interacção), o que o ditado “Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura” enfatiza bastante bem. Contudo, a interacção entre os Ciclos das Rochas e o Tectónico envolve processos menos perceptíveis e palpáveis, uma vez que acontecem a escalas temporais distintas da escala humana (e.g. Dodick & Orion, 2003; Dias

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Figura 5 – A) - Representação esquemática do Ciclo das Rochas, mostrando diversos processos associados à génese das três tipologias de rochas existentes. B) - Diagrama de fácies metamórficas, assinalando o traçado de um gradiente geotérmico de 25ºC/Km (circulo azul representa a profundidade de 7 km e 175 ºC de temperatura). C) - Representação esquemática do Ciclo Tectónico e a sua relação temporal com as principais famílias de rochas. Figure 5 - A) - Schematic view of the Rock Cycle, showing various processes associated with the genesis of the three types of existing rocks. B) - Diagram of metamorphic facies, indicating the layout of a geothermal gradient of 25 °C / km (blue circle represents the depth at 7 km and 175 ° C temperature). C) - Schematic representation of the Tectonic Cycle and its temporal relation to the main rock families.

& Cardoso, 2005; Bonito et al., 2010); as zonas activas tectonicamente são uma exceção, pois aí o intenso tectonismo e vulcanismo refletem-se no quotidiano das populações, tornando percetível parte desta extensa interação. Com efeito, embora estes processos se desenrolem no seu conjunto a velocidades extremamente baixas e períodos longos para os nossos sentidos, eles são marcados por eventos catastróficos (i.e. muito intensos e de curta duração) como os sismos e as erupções. Todavia, a interacção entre os Ciclos Tectónico e das Rochas é bastante mais vasta. Apesar de mui-

tas vezes se dissociar totalmente os Ciclos Tectónico e Hidrológico, fazendo uma correspondência directa entre o Ciclo Hidrológico e as rochas sedimentares e entre o Ciclo Tectónico e as rochas metamórficas e magmáticas, esta correspondência deve ser feita com cautela sob pena de se perder a visão dinâmica e integrada do Ciclo das Rochas. A transição entre os diversos campos representados no Ciclo das Rochas é gradual. Todavia, para que o mesmo pudesse ser sistematizado, houve necessidade de considerar uma divisão artificial entre os conjuntos de processos activos em


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cada um dos ambientes (Fig. 5A). Esta abordagem de sistematização, que facilita a compreensão de muitos fenómenos, cria limites estanques entre processos (e consequentemente entre tipos de rochas) que não têm significado na Natureza. No caso concreto das rochas sedimentares, estas formam-se na generalidade dos casos em bacias de sedimentação, que são alimentadas por cursos de água que transportam consigo sedimentos e elementos químicos provenientes da meteorização física e química de rochas emersas, bem como restos mortais de seres vivos. Apesar da génese destas rochas estar directamente associada ao Ciclo Hidrológico, a existência de depressões na crosta terrestre, onde ocorre a sedimentação dos materiais transportados pelos agentes da dinâmica externa, encontra-se geralmente associada à Tectónica de Placas. É também fundamental realçar que os grandes relevos que ao serem erodidos vão alimentar as bacias de sedimentação; de facto são eles próprios fortemente condicionados pela tectónica. Considerando as grandes bacias oceânicas como as principais bacias de sedimentação à escala global, é intuitivo que os processos que levam à oceanização estejam directamente relacionados com o Ciclo Tectónico (Fig. 5C). Outras tipologias de bacias (como sejam as bacias de pull-apart anteriormente referidas) encontram-se também elas controladas por processos associados essencialmente à dinâmica interna, o que mostra a interacção entre a génese desta tipologia de rochas e o Ciclo Tectónico. A interacção entre metamorfismo e deformação é também um dos pontos fulcrais na compreensão do Ciclo das Rochas; contudo, estes conceitos são muitas vezes abordados separadamente, tornando-se um constrangimento à compreensão dos processos geodinâmicos. A título de exemplo, considerar-se-á que uma bacia oceânica (as planícies abissais apresentam profundidades entre 3000 e 6000 m; Lowrie, 2007) poderia ser totalmente preenchida por sedimentos, empilhando um total máximo próximo de 7000 m (considerando subsidência da bacia associada à isostasia inerente ao facto de estarmos a substituir água do mar com densidade próxima de 1 por sedimentos com uma densidade média superior a 2,5 g/cm3). Admitindo um gradiente geotérmico médio de 25 ºC/Km (Kearey et al., 2009), as tem-

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peraturas na base da sequência sedimentar atingiriam um máximo próximo dos 175 ºC, temperatura muito próxima da transição entre rochas sedimentares e rochas metamórficas (Fig. 5B). Como tal, as temperaturas e pressões actuantes nas zonas mais profundas das bacias sedimentares permitem no máximo gerar rochas metamórficas de muito baixo grau, excluindo-se assim a formação de rochas metamórficas de médio e alto grau, bem como a fusão das rochas e subsequente génese de rochas magmáticas. Desta forma, apenas recorrendo aos processos de espessamento e/ou estiramento litosférico, directamente enquadrados no Ciclo Tectónico, se torna possível a compreensão do Ciclo das Rochas, principalmente no que respeita à génese de rochas magmáticas e metamórficas (Fig. 5). Para que uma sucessão sedimentar depositada numa bacia sedimentar (oceânica) venha a sofrer metamorfismo de carácter regional ter-se-á, por isso, que invocar a presença do Ciclo Tectónico e, consequentemente, o binómio metamorfismo-deformação. A génese das rochas metamórficas só é possível num planeta activo do ponto de vista tectónico, onde a variação da pressão e temperatura necessária para desencadear os processos metamórficos, resulta quase sempre de um espessamento de materiais rochosos associado aos processos orogénicos. Na verdade, o espessamento crustal encontra-se, na maioria dos casos, associado a limites de placas do tipo convergente. A convergência entre dois blocos continentais, separados entre si por uma bacia oceânica, caracterizada pela presença de sequências sedimentares sub-horizontais, mais ou menos espessas, obriga a que haja uma diminuição da extensão da bacia e, como tal, os estratos inicialmente sub-horizontais vão sofrer encurtamento. Esta convergência leva frequentemente a que as tensões compressivas máximas sejam subhorizontais (e não subverticais como acontece quando a tensão litostática é predominante), gerando nas rochas uma série de estruturas geológicas (e.g. dobras e falhas) que permitem o espessamento vertical da sucessão e consequente aumento da pressão e temperatura nas zonas mais profundas das sequências sedimentares. Estes processos de deformação poderão induzir um conjunto de transformações físicas e químicas nas rochas, no estado sólido, ao longo do tempo, transformando-

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-a numa rocha distinta da inicial; daqui resulta a génese de rochas metamórficas à escala regional. Se o incremento de temperatura associado ao espessamento crustal continuar, as rochas poderão fundir total ou parcialmente, dando origem a magmas que poderão cristalizar em profundidade (rochas plutónicas) ou à superfície (rochas vulcânicas). Quando se observa a distribuição global de rochas magmáticas recentes à escala global, sejam elas vulcânicas ou plutónicas, verifica-se que o arranjo não é de todo aleatório; estas tipologias de rochas encontram-se directamente associadas a limites de placas (na maioria dos casos divergentes ou convergentes). Da mesma forma, tendo em conta o princípio das causas actuais, a existência de grandes volumes de rochas deste tipo em períodos passados deverão estar associadas a grandes eventos tectónicos, com uma íntima relação com os limites de placas. No capítulo seguinte, abordar-se-á o caso concreto de Portugal Continental, uma vez que a simples observação da sua geologia como um todo, mostra uma geohistória complexa, que só pode ser entendida quando enquadrada amplamente no contexto do Ciclo Tectónico. Do Ciclo Tectónico à Geologia de Portugal; uma visão diferente de um mapa geológico É usual a subdivisão de Portugal continental em grandes unidades morfotectónicas: Maciço Ibérico (ou Hespérico), Orlas Meso-Cenozóicas Meridional (ou do Algarve) e Ocidental (ou Lusitaniana) e Bacia do Tejo e do Sado (Fig. 6A, Ribeiro et al., 1979; Ribeiro, 2013a). Esta divisão reflecte na verdade diferentes momentos no que respeita à evolução geodinâmica de Portugal; cada uma destas unidades apresenta características litológicas, estruturais e cronológicas distintas entre si. O Maciço Ibérico apresenta-se zonado, sendo por sua vez subdividido em zonas com características tectono-estratigráficas, metamórficas e magmáticas próprias (Fig. 6B, e.g. Lotze, 1945; Julivert et al., 1974; Ribeiro et al., 1979). Contudo, em todas estas zonas há um denominador comum: a presença de abundantes rochas metamórficas, muitas vezes associadas a um intenso magmatismo (Fig. 6C, Dias et al., 2013 e

referências inclusas). Tendo em conta o referido nos capítulos anteriores, a ocorrência destas tipologias de rochas só poderá ser compreendida tendo em conta a associação com o Ciclo Tectónico, que terá induzido a formação de uma cadeia orogénica associada a um forte espessamento crustal, algo que não acontece, por exemplo, nas Orlas Meso-cenozóicas, onde as rochas são maioritariamente sedimentares, o que permite inferir que nunca estiveram associadas a nenhum processo orogénico. Desde logo, se se considerar a distribuição espacial e abundância de rochas magmáticas plutónicas, bem como o grau metamórfico ostentado pelas rochas ante-Mesozóicas, é possível colocar em evidência um zonamento interno no Maciço Ibérico (e.g. Ribeiro, 2013b). Com efeito, denota-se um sector central, no qual predominam as rochas ígneas e metamórficas de mais alto grau (Zonas Centro Ibérica, Ossa-Morena e Oeste Astúrico-Leonesa), ladeado por litologias de muito baixo grau metamórfico, e com menor volumetria de rochas magmáticas, nas regiões mais externas do referido maciço (Zona Cantábrica, apenas representada em Espanha, e Zona Sul-Portuguesa; Figs. 6B e C). Enquadrando este facto no contexto do Ciclo Tectónico torna-se evidente a presença de uma geohistória complexa, bem distante sensorial e temporalmente. Na verdade, o Maciço Ibérico constitui um segmento de uma extensa cintura orogénica antiga, com cerca de 1000km de largura por 8000km de comprimento, que se estende desde o Cáucaso aos Apalaches e às montanhas Ouachita nos Estados Unidos (e.g. Matte, 2001; Nance et al., 2012). O sector europeu desta cintura orogénica designou-se de Cadeia Orogénica Varisca Europeia (Fig. 6B, e.g. Ribeiro & Sanderson, 1996), sendo que o Maciço Ibérico representa o fragmento mais ocidental desta cintura orogénica na Europa, contemplando rochas com idades ante-mesozóicas (Ribeiro et al., 1979). Os processos que deram lugar a esta cintura orogénica tiveram lugar durante o Paleozóico (e.g. Matte, 2001; Moreira et al., 2014), sendo o resultado da abertura e fecho do Oceano Rheic, que culmina com a colisão entre três grandes placas – Gondwana a Sul e Laurência e Báltica a Norte


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Figura 6 – A) - Unidades morfotectónicas da Península Ibérica (adaptado de Ribeiro et al., 1979). B) - Cadeia Varisca Europeia, colocando em evidência os principais Maciços Variscos Europeus, bem como o zonamento interno do Maciço Ibérico (adaptado de Ribeiro et al., 1979; Martínez Catalán, 1990; Matte, 2001; Ribeiro & Sanderson, 1996). C) - Mapa geológico simplificado do território continental português, pondo em evidência a presença de um intenso plutonismo no Centro e Norte de Portugal, envolvido por rochas metamórficas (adaptado de Carta Geológica de Portugal à escala 1:1000000 do LNEG (2ª edição), 1968). Figure 6 - A) - Mmorphotectonic units of the Iberian Peninsula (adapted from Ribeiro et al., 1979). B) - European Variscan chain, highlighting the main European Variscan massifs, as well the internal zonation of the Iberian Massif (adapted from Ribeiro et al., 1979; Martínez Catalán, 1990; Matte, 2001; Ribeiro & Sanderson, 1996). C) - Geological map of Portugal, simplified, highlighting the intense plutonism in Central and Northern Portugal, surrounded by metamorphic rocks (adapted from Geological Map of Portugal 2nd edition, at scale 1: 1000000 of LNEG, 1968).

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e uma série de blocos continentais menores que bordejavam o bordo setentrional do Gondwana (e.g. Ribeiro et al., 1979; 2007; Matte, 2001; Nance et al., 2012). Este processo de colisão de placas culmina com a formação do Supercontinente Pangeia no Carbonífero. Os processos geodinâmicos associados ao fecho do Oceano Rheic, com início no Devónico inferior (e.g. Moreira et al., 2014), e posterior colisão continental são responsáveis pela deformação e metamorfismo das unidades de idade ante-mesozóica identificadas no Maciço Ibérico (Fig. 6C) e consequente espessamento crustal, bem como pelo intenso plutonismo do Paleozóico superior (Devónico superior ao Pérmico), bastante bem representado no Centro e Norte de Portugal (Dias et al., 2013 e referências inclusas). A presença de estruturas geológicas secundárias a todas a escalas, desde a micro- à macroescala, articulada com metamorfismo e magmatismo reconhecido em todo o Maciço Ibérico, permite assim compreender os fenómenos relacionados com a génese da cadeia orogénica Varisca. Estas estruturas permitem deduzir a sequência de acontecimentos, como são exemplo os episódios tectonometamórficos e magmáticos, mostrando assim a estreita relação entre o Ciclo Tectónico e o Ciclo das Rochas. Por fim, a erosão da cadeia orogénica referida, associada à recuperação isostática, acaba por trazer à superfície e subsequentemente até ao afloramento, materiais que se geraram em ambientes profundos, no núcleo de uma cadeia de montanhas. Desta forma, é possível a sua visualização destes materiais, tornando o Maciço Ibérico um verdadeiro laboratório ao ar livre. Isto mostra que “Se o presente é a chave para o passado”, baseado no Princípio do Actualismo, não é menos verdade que “O passado pode ser a chave para o presente”, visto permitir estudar níveis crustais inferiores, actualmente à superfície, possibilitando assim uma maior compreensão dos fenómenos actuantes em cadeias de montanhas recentes como sejam os Himalaias ou os Andes. Após a génese da Pangeia no Paleozóico superior, a evolução do Território Continental Português durante o Meso-Cenozóico irá ser profundamente condicionada pelos Ciclos de Wilson Alpino e Atlântico (e.g. Kullberg et al. 2013, Terrinha et

al., 2013). Com efeito, a base do Mesozóico (Triásico) é caracterizado pela presença de sedimentos continentais resultantes da erosão dos terrenos que constituem o Orógeno Varisco, marcando o início do estiramento litosférico que irá culminar com a fragmentação da Pangeia. Este processo leva à génese das Bacias Meso-cenozóicas meridional e ocidental, onde se depositam espessas séries sedimentares, às quais se associa magmatismo pontual, bem como outras bacias sedimentares de reduzidas dimensões (e.g. Bacia de Santiago do Cacém). Esta transição entre as fases colisionais associadas ao Ciclo Varisco e as fases distensivas associadas ao Ciclo Atlântico é bem marcada pela célebre discordância angular do Telheiro (estrutura de contacto), onde as unidades sedimentares de idade triássica assentam de forma discordante sobre as carboníferas deformadas (Ribeiro, 2013c). A cuidada observação das estruturas geológicas revela-se assim como uma peça chave na compreensão da evolução geodinâmica de um qualquer lugar no nosso planeta, permitindo assim a caracterização dos principais processos actuantes que levaram à sua actual configuração. Estas estruturas mostram também uma interdependência de processos entre os Ciclos Tectónico e das Rochas, que podem e devem ser vistos de forma integrada para a melhor compreensão da evolução do sistema Terra. Agradecimentos Noel Moreira agradece à Fundação Calouste Gulbenkian pelo financiamento do trabalho, através do “Programa Estímulo à Investigação 2011” e à Fundação para a Ciência e Tecnologia pela bolsa de doutoramento de referência (SFRH/BD/80580/2011). Os autores agradecem também ao financiamento atribuído ao Centro de Geofísica de Évora, através do contrato com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (PEst-OE/ CTE/UI0078/2011). Os autores agradecem aos revisores pelos seus comentários que incrementaram a qualidade do manuscrito.

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Caracterização petrográfica das rochas gnaisso-migmatíticas de Madalena-Lavadores (Vila Nova de Gaia) D. C. A. Silva1, E. Rodrigues1, H. C. B. Martins2* & M. A. Ribeiro2, Universidade do Porto, DGAOT, R. Campo Alegre, 4169-007 Porto, Portugal Universidade do Porto, DGAOT, CGUP, R. Campo Alegre, 4169-007 Porto, Portugal * autor correspondente: hbrites@fc.up.pt 1

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Resumo As rochas gnaisso-migmatíticas aflorantes no litoral de Madalena-Lavadores (Vila Nova de Gaia) estão enquadradas numa faixa metamórfica, adjacente ao maciço granítico sin-tectónico do Porto no seu bordo ocidental, tendo sido posteriormente intruída pelo granito pós-tectónico de Lavadores. Nesta faixa metamórfica de carater gnaisso-migmatitico afloram rochas diversas diatexíticas (leucocratas, mesocratas e leuco a mesocratas) e rochas metatexíticas. As primeiras predominam no litoral de Lavadores e as segundas ocorrem em associação com diatexitos leuco a mesocratas no litoral de Madalena. A individualização destas litologias foi obtida através de alguns aspetos de campo, nomeadamente estruturas e variação composicional. O estudo petrográfico subsequente permitiu detalhar as variações composicionais, texturais e microestruturais e estabelecer a sua relação com os processos de migmatização. Os diatexitos leucocratas apresentam fabric em geral isotrópico e textura heterogranular, enquanto os metatexitos evidenciam uma textura orientada marcada pela biotite restítica, que define a foliação metamórfica preservada. A anisotropia pontual, em algumas rochas diatexíticas, é marcada por estruturas schlieren resultantes de fluxo magmático. A mica branca tardia que ocorre em grandes placas não orientadas resulta de processos de back-reaction, típicos de rochas migmatíticas. Palavras-chave: Diatexito, Metatexito, Petrografia, Microestrutura. Abstract The gneiss-migmatite rocks that outcrop in the Madalena-Lavadores coast line, in Vila Nova de Gaia, are part of a metamorphic belt, adjacent to the western border of the sin-tectonic massif of Porto. This metamorphic belt was later intruded by the post-tectonic Lavadores Granite and is characterized by diatexitic rocks (leucocratic, mesocratic and leuco-mesocratic) and metatexitic rocks. The first rocks predominate in Lavadores coast line and the last occur in association with the leuco-mesocratic diatexitos in Madalena. Lithological and petrographic studies of the metatexite and diatexite rocks were developed. The characterization of these rocks deduced through the studies of field features, namely structures and compositional variation. The subsequent petrographic study allowed to detail textural and microstructural variation and their relationships with migmatization processes. The diatexites present generally an isotropic fabric and heterogranular texture, while the metatexites show an anisotropic texture marked by restitic biotite, which defines the preserved metamorphic foliation. The occasional anisotropy in some diatexites is marked by schlieren structures resulting from magmatic flow. The late white mica which occurs in large non-oriented plates results from back-reaction processes, typical of migmatites. Key words: Diatexite, Metatexite, Petrography, Microstructure.

Introdução As rochas gnaisso-migmatíticas caracterizam-se por uma enorme diversidade litológica, quer em termos composicionais quer em termos estruturais e texturais. Esta diversidade manifesta-se sobretudo

à escala macro- e mesoscópica, em afloramentos de elevada complexidade, mas também de grande interesse do ponto de vista petrogenético. Embora os principais aspetos dos maciços migmatíticos sejam caracterizados à escala de afloramento, o seu estudo petrográfico é fundamental, porque permite deta-

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lhar características composicionais e microestruturais das duas componentes (ígnea e metamórfica) destas rochas de natureza mista. A caracterização petrográfica de cada uma delas é necessária e crucial para o esclarecimento dos processos petrogenéticos envolvidos (Vernon, 2011; Sawyer et al., 2011). Neste trabalho apresenta-se a descrição da diversidade litológica das rochas gnaisso-migmatíticas da zona costeira de Madalena-Lavadores, na zona litoral de Vila Nova de Gaia, e detalha-se o estudo petrográfico das diferentes litologias. Contexto Geológico A zona costeira do Porto e de Vila Nova de Gaia, do ponto de vista geotectónico, foi considerada como correspondendo à fronteira entre a Zona Centro-Ibérica (ZCI) e a Zona de Ossa-Morena (ZOM), definida pela Zona de Cisalhamento Porto-Tomar (ZCPT) de orientação NNW-SSE (Ribeiro et al., 1980), apresentando cinemática direita predominante (Ribeiro et al., 2013). Mais recentemente esta zona de cisalhamento foi considerada como o limite oeste do Terreno Ibérico, na fronteira com o Terreno Finisterra (Ribeiro, 2013, Romão et al., 2013). Outros autores consideram a ZCPT como uma zona de desligamento direito (strike-slip shear zone) tardia na evolução geodinâmica do Oró-

geno Varisco (Pereira et al., 2010; Martinez Catalán et al., 2014). Na zona costeira de Vila Nova de Gaia, entre as praias de Lavadores e Madalena (Fig. 1), aflora uma faixa, estreita e irregular, de rochas metamórficas, com grande heterogeneidade litológica, incluindo rochas gnaisso-migmatíticas, metassedimentos pelíticos (micaxistos e quartzo-micaxistos) e anfibolitos (Sant’Ovaia et al., 2008; Ribeiro et al., 2010, 2011). Este maciço metamórfico constitui o encaixante no bordo ocidental do maciço granítico de Lavadores, e apresenta litologias diversas de carácter gnaisso-migmatítico, nomeadamente metatexitos e diatexitos. A deformação Varisca, mais evidente nos setores onde predominam as rochas gnaisso-migmatíticas de caráter metatexítico está materializada numa geometria de carácter cisalhante direito (Ribeiro et al., 2010, 2011). Segundo a cartografia mais recente sobre a área (Carta Geológica de Portugal à escala 1:500000, 1992), no bordo SW, o granito de Lavadores – Madalena é intrusivo em rochas gnaisso-migmatiticas, atribuídas posteriormente à Unidade de Lourosa (Chaminé et al., 2003). Estudos petrográficos e isotópicos sobre rochas desta unidade na região de Oliveira de Azeméis sugerem migmatização contemporânea da última fase Varisca (Santos et al., 2012). A diversidade litológica do sector em estudo tem vindo a ser posta em evidência. Na Praia das Pedras Amarelas, em Lavadores, afloram sobretudo rochas diatexíticas, com predominância de rochas leucocratas, ainda que tendo associadas de modo subordinado rochas mesocratas de granularidade fina e com predomínio de biotite (Ribeiro et al., 2010, 2011). Nas praias da Madalena (Madalena Norte e Madalena Sul) são predominantes as rochas metatexíticas (Ribeiro et al., 2011). Segundo estes autores, as texturas dos diatexitos e dos metatexitos estão associadas a estruturas mesoscópicas compatíveis com deformação dúctil de carácter cisalhante, atribuída aos últimos episódios de deformação dúctil da Orogenia Varisca (Ribeiro et al., 2011). A diferenciação do paleossoma, leucossoma e mesossoma Figura 1 – Esboço geológico da área estudada (modificado de Sant’Ovaia et al., 2014). Figure 1 - Geological outline of the study area (modified of Sant’Ovaia et al., 2014).


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durante o processo de migmatização implicou a segregação e/ou injeção sin-cinemática dos fundidos. O granito biotítico pós-tectónico de Lavadores (Martins et al., 2011) é intrusivo no maciço metamórfico, apresentando uma idade de instalação de 294±3 Ma (Martins et al., 2014). A sua instalação é pós-cinemática e controlada por estruturas transtensivas na dependência da ZCPT (Sant’Ovaia et al., 2008; Ribeiro et al., 2011). Descrição litológica Nas rochas gnaisso-migmatíticas da zona costeira de Madalena-Lavadores distinguiram-se duas litologias: rochas diatexíticas, preponderantes nas Praias de Lavadores (nomeadamente na Praia das Pedras Amarelas) e rochas metatexitícas, predominantes nas Praias de Madalena Norte e Madalena Sul. Os diatexitos são leucocratas a mesocratas, por variação composicional e textural, por vezes marcando um bandado evidente, sem foliação ou com uma foliação incipiente. Macroscopicamente identificaram-se quartzo, feldspatos, biotite e mica branca, esta em cristais de grandes dimensões, minerais comuns a todos os diatexitos. Em Lavadores, na Praia das Pedras Amarelas (Fig. 1) individualizaram-se de modo evidente dois tipos de diatexitos: os leucocratas e os mesocratas (Fig. 2a, b). Nos leucocratas são frequentes zonas mais escuras, nodulares, que por vezes marcam a foliação, cuja orientação média é N115º; 85ºS. Estes nódulos, também ocorrem ainda nos diatexitos mesocratas, mas são menos evidentes. Os diatexitos leucocratas apresentam textura fina, não porfiróide e isotrópica a anisotrópica. Os diatexitos mesocratas apresentam textura fina heterogranular, com tendência porfiróide, e exibem estruturas schlieren e de fluxo magmático. Os diatexitos mesocratas são intrusivos nos leucocratas (Fig. 2c). Nas praias da Madalena, embora aflorem com maior expressão cartográfica as rochas metatexíticas, os diatexitos ocorrem em lentículas e veios intrusivos nos metatexitos (Fig. 2d). Estes diatexitos são leuco a mesocratas e com textura um pouco mais grosseira que os descritos anteriormente em Lavadores, para além de mostrarem tendência

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porfiróide mais evidente (Fig. 2e). Os metatexitos, que afloram na Madalena, têm uma cor mais escura e um fabric anisotrópico marcado por um bandado composicional, que é constituído por bandas com predominância de minerais félsicos, quartzo e feldspatos, e bandas escuras essencialmente biotíticas. Esta biotite é interpretada como sendo restítica, dado que marca a foliação original do protólito, que se encontra mais ou menos bem preservada (Silva et al., 2014). O bandado é irregular e ondulado, tendo-se obtido as seguintes atitudes para a foliação: N105°; 75°SW a N125°; 80°SW-90°. A foliação e o bandado composicional apresentam-se frequentemente dobdos, evidenciando-se dobras ptigmáticas (Fig. 2f). Descrição petrográfica Diatexitos A observação microscópica dos diatexitos leucocrataspermitiu a identificação, na generalidade, de um fabric isotrópico e uma textura heterogranular (Fig. 3a). Em contraste, os diatexitos mesocratas apresentam textura heterogranular, observando-se uma certa orientação preferencial, marcada sobretudo por cristais de cordierite e alguns cristais de plagioclase (Fig. 3b). Os nódulos observados nos diatexitos de Lavadores apresentam textura fina e são constituídos por quartzo, feldspato potássico, plagioclase e cordierite, de hábito anédrico (Fig. 3c). Estes minerais apresentam bordos de intercrescimento e por vezes desenvolvem-se texturas mirmequíticas no feldspato. Os diatexitos das praias da Madalena, leuco a mesocratas, apresentam em geral textura heterogranular, e o fabric é geralmente isotrópico (Fig. 3d). No entanto, por vezes observaramse texturas marcadas por biotite restítica, em alinhamentos irregulares e convolutos definindo estruturas schlieren (Fig. 3e). A estrutura convoluta e os arcos poligonais desenhados pela biotite, reproduzem eventualmente o fabric restítico preservado. O alinhamento dos megacristais de feldspato e dos agregados lenticulares de quartzo é paralelo a estas estruturas, sugerindo uma herança da anisotropia do protólito. Algumas amostras

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Figura 2 – Aspetos macroscópicos dos diatexitos e metatexitos de Lavadores e Madalena. (a) diatexito leucocrata (Lavadores); (b) diatexito mesocrata (Lavadores); (c) encrave de diatexito leucocrata em diatexito mesocrata (Lavadores); (d) intrusão de diatexito em metatexito (Madalena); (e) diatexito de tendência porfiróide (Madalena); (f) metatexito exibindo dobras ptigmáticas (Madalena). Figure 2 - Macroscopic aspects of the Lavadores and Madalena diatexites and metatexites. (a) leucocratic diatexite (Lavadores); (b) mesocratic diatexite (Lavadores); (c) xenolite of leucocratic diatexite in the mesocratic diatexite (Lavadores); (d) intrusion of diatexite in metatexite (Madalena); (e) porphyritic diatexite (Madalena); (f) metatexite with ptygmatic folds (Madalena).

evidenciam microfilonetes paralelos, preenchidos por plagioclase, feldspato potássico e algum quartzo em pequenos cristais (Fig. 3d). Este tipo de microfilonetes são considerados como uma das microestruturas típicas de rochas migmatíticas (Vernon, 2011). Metatexitos Os metatexitos apresentam uma textura orientada marcada principalmente pela a direção da biotite restítica, que define a foliação metamórfica preservada (Fig. 3f). Estes exibem filonetes de quartzo concordantes com a foliação (Fig. 3f). Observaram-se, pontualmente, faixas nodulares de tendência heterogranular, constituídas essencialmente por minerais félsicos e por granada intercrescida com esses minerais, bem como rara biotite (Fig. 3g). Quer nos diatexitos quer nos metatexitos estão presentes os seguintes minerais: quartzo, feldspato potássico, plagioclase, biotite, mica branca, clorite, minerais opacos e zircão. Os diatexitos leucocratas de Lavadores apresentam cordierite, minerais do grupo do epídoto, óxidos de ferro e escassamente pode ocorrer hercinite. A composição mineralógica dos diatexitos mesocratas difere da dos leucocratas por apresentarem andaluzite, apatite, rútilo e biotite em maior percentagem, para além dos minerais já referidos. Nos metatexitos e diatexitos das praias da Madalena estão presentes, ainda, o rútilo, a apatite e a esfena-leucoxena; ocorre também a mica branca sob a forma de grandes cristais. Em algumas amostras de diatexitos da Madalena sur-

ge turmalina e nos nódulos leucocratas dos metatexitos, como já referido, ocorre granada. Verifica-se a existência de duas gerações de quartzo, plagioclase, feldspato potássico e biotite em todas as amostras de diatexitos e de metatexitos. Os cristais de 1ª geração do quartzo são de maior dimensão e estão em geral alterados. Os minerais da geração mais tardia, encontram-se pouco alterados, com hábito anédrico, por vezes subédrico, com bordos de intercrescimento, preferencialmente na envolvente dos megacristais mais precoces. O quartzo ocorre sempre em aglomerados heterogranulares e como inclusões, sendo de destacar a frequente ocorrência de quartzo goticular, incluso na maioria dos minerais, incluindo o próprio quartzo (Fig. 3h). Este aspecto microestrutural é também considerado como indicador de rochas migmatíticas (Vernon, 2011). O feldspato potássico e a plagioclase ocorrem como cristais e megacristais; estes últimos estão geralmente alterados e são poicilíticos, por vezes com formas arredondadas. A cordierite ocorre maiori-


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tariamente pinitizada,associada à biotite, e os minerais opacos e a mica branca, a preencher espaços intergranulares e interpenetrada por outros minerais. A biotite pode ocorrer com hábito esquelético (biotite 1) (Fig. 3i), por vezes com agulhas de rútilo, ou em pequenos cristais anédricos a goticulares associados à andaluzite, à cordierite e à hercinite (biotite 2) (Fig. 3i). A clorite ocorre localmente a substituir a biotite. O zircão e a apatite encontram-se como cristais individuais de pequena dimensão ou inclusos na cordierite. A andaluzite é escassa apresentando por vezes textura radiada (Fig. 3i). Os minerais do grupo do epídoto estão associados à saussuritização da plagioclase. Ocorre ainda uma moscovite tardia não orientada, constituindo placas de grande dimensão, bem visíveis macroscopicamente, porém mais abundantes nas litologias migmatítcas da Madalena. Considerações finais É importante destacar, que os litótipos metamórficos estudados são gnaisses, dado que apresentam bandado composicional e textural, mas não resultaram de um processo de gnaissificação por deformação no estado sólido de rochas isotrópicas. Os aspectos texturais descritos põem em evidência a ausência de sub-granulação dos cristais de quartzo, o que implica que os seus protólitos não teriam sido

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Figura 3 – Microfotografias das amostras estudadas. a - aspeto textural do diatexito leucocrata (NX); b - aspeto textural do diatexito mesococrata (NX); c - nódulos dos diatexitos de Lavadores (NX); d - diatexito com microfilonetes (extremidades assinaladas pelas setas vermelhas) (NX); e - schlieren biotítico no diatexito (N//); f - aspeto textural dos metatexitos (NX); g - aspeto textural da granada (Gr) (N//); h - quartzo goticular (Qz) incluso em feldspato potássico (Fk) (NX); i - biotite esquelética (Bt I) adjacente a andaluzite com textura radiada, associada a biotite goticular (Bt II)) (N//). Figure 3 - Photomicrographs of the samples. a textural aspect of the leucocratic diatexite (NX); b - textural aspect of the mesocratic diatexite (NX); c - nodules in the Lavadores diatexites (NX); d - diatexite with microfilonites (ends indicated by the red arrows) (NX); e - schlieren biotitic in the diatexite (C //); f - textural aspect of the metatexites (NX); g - textural aspect of the garnet (Gr) (N //); h - goticular forms the quartz (Qz) included in the potassium feldspar -Fk- (NX); i - skeletal biotite (I Bt) adjacent to andalusite with radiated texture associated goticular biotite (Bt II)) (// C).

granitos deformados. De facto, estamos na presença de rochas gnaisso-migmatíticas, caracterizadas por bandado composicional e textural (bandado gnáissico) gerado em condições de alta temperatura e baixa pressão (fácies anfibolítica), em condições de fusão parcial de metapelitos. A não observação de silimanite pode ser explicada ou pela sua moscovitização em condições retrógradas ou pelos baixos valores barométricos a que se verificou a migmatização. A orientação estrutural é em geral incipiente, mas define uma anisotropia nos diatexitos, quer nos leucocratas quer nos mesocratas. Segundo Sawyer (2008), esta orientação de minerais tabulares e lamelares, nomeadamente plagioclase e micas, é adquirida durante o deslocamento do fluxo num estado magmático e submagmático. A anisotropia mais ou menos evidente em algumas rochas diatexíticas quer por orientação preferencial do quartzo e feldspato quer por estruturas schlieren, marcadas por biotite restítica, foi interpretada como resultante de fluxo magmático. A mica bran-

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ca que ocorre em grandes placas é interpretada como tardia e originada por back-reaction promovida pelos fluidos resultantes da cristalização. No sector estudado, embora sejam evidentes as características diferenciadoras das litologias gnaisso-migmatíticas analisadas, foram observados aspetos transicionais quer à escala macro quer à escala micro, de natureza estrutural, textural e mineralógica. A presença de granada “esquelética” intercrescida com minerais félsicos exclui a sua interpretação como restítica uma vez que a granada de origem metamórfica, resultante de blastese, tem normalmente tendência euédrica (Vernon, 2011) e surge associada à biotite. Tendo em conta a composição mineralógica das rochas e a tipologia desta granada pode-se considerar a mesma como sendo um mineral peritético, resultando de uma reação de fusão incongruente da biotite, de rochas pelíticas e/ou quartzo-pelíticas. A paragénese descrita, nomeadamente a grande abundância de biotite e a não observação de silimanite apontam para condições de fusão a baixa pressão (próximo de 2 a 3Kb) e T variando entre 700 e 750 ºC. Agradecimentos Este trabalho integra-se nas atividades do GEOREMAT-CGUP, financiado pelo programa Pest-OE/CTE/ UI0039/2014 e foi desenvolvido no âmbito do Estágio de 1º ciclo/Lic.ª em Geologia, das duas primeiras autoras. Os autores agradecem os importantes contributos dos dois revisores, José Romão e Martim Chichorro. Carta Geológica de Portugal à escala 1500000, 1992, Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa.

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Trilobites da Formação Ribeira da Laje do Berouniano de Mação (Ordovícico Superior, Portugal) S. Pereira1,2,3,*, M. Pires2, C. M. da Silva1 & C. A. Sá3,4 Departamento de Geologia e Instituto Dom Luiz, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Campo Grande, 1749-016 Lisboa Universidade de Évora, Centro de Geofísica de Évora, Departamento de Física, ECT, Rua Romão Ramalho n.º 59, Évora 2 Arcodere, Unipessoal Lda., Rua da Sociedade 2, 2350-030 Torres Novas 3 Departamento de Geologia, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, 5000-801 Vila Real5 UNIARQ, Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa 4 Centro de Geociências, Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000-272 Coimbra *autor correspondente: ardi_eu@hotmail.com

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Resumo Reporta-se a ocorrência de trilobites no topo da Formação Ribeira da Laje (Ordovícico Superior) de Mação. A associação apresenta baixa diversidade, sendo composta por dalmanitídeos, nomeadamente Crozonaspis dujardini e Dalmanitina sp. Os resultados obtidos sugerem idade berouniana, corroborando idades similares obtidas com base em quitinozoários e braquiópodes e lançando dúvidas sobre a idade hirnantiana obtida mediante correlação litostratigráfica. Palavras-chave: Dalmanitídeos, Katiano, Grupo Rio Ceira, norte-Gondwana. Abstract The ocurrence of trilobites fossils in the top of the Ribeira da Laje Formation (RLF, Upper Ordovician) in Mação (Portugal) is here reported for the first time. The studied assemblage shows low diversity, and it is exclusively made of dalmanitids, Crozonaspis dujardini and Dalmanitina sp. The studied assemblage suggests a Berounian age for the RLF, thus corroborating assignments to this age based on chitinozoans and brachiopods, and undermining the Hirnantian stratigraphical positioning obtained by means of lithostratigraphic correlation. Key words: Dalmanitids, Katian, biozones, Rio Ceira Group, North-Gondwana.

Introdução A Formação Ribeira da Laje (FRL) foi estabelecida por Young (1988) no flanco norte do sinforma Amêndoa-Carvoeiro (Romão, 2000; Romão, 2006), sendo reconhecida na Zona Centro-Ibérica também nas regiões de Moradal-Fajão, Vila Velha de Rodão (Metodiev & Romão, 2008; Metodiev et al., 2009) e Penha Garcia (Young, 1988; Sequeira et al., 1999). Compreende uma sequência regressiva constituída por argilitos micáceos intercalados com arenitos bioturbados e quartzitos maciços, correspondendo à parte superior da unidade “Schistes à

Orthis Berthoisi” de Delgado (1908), primeiro autor a estudar as sequências de idade ordovícica desta região e que atribuiu, genericamente, estes níveis ao “Ordovícico superior”. Os trabalhos de Cooper (1980), Young (1985, 1988) e Romão (2000) permitiram detalhar a datação da FRL, tendo estes autores atribuído esta formação ao Hirnantiano, por correlação litostratigráfica com as unidades do Grupo Rio Ceira do sinclinal de Buçaco. No entanto, as associações de quitinozoários (Vaz et al., 2010) e braquiópodes (Colmenar et al., 2013) sugerem idade Berouniano médio a superior (escala regional mediterrânica). Também o trabalho cartográfico de Metodiev et al.,

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(2010) permitiu reconhecer na região de Fajão-Moradal a FRL estratigraficamente infra jacente a uma unidade vulcano-sedimentar (“Formação Santa Luzia”) atribuída por estes autores ao Kralodvoriano (Formação Porto de Santa Anna sensu Young, 1985, 1988), corroborando idade inferior a este andar regional para estes níveis. Desta forma, a sincronia considerada entre a FRL e o Grupo Rio Ceira da região de Buçaco, inequivocamente Hirnantiano (Young, 1988; Romão, 2000; Lopes et al., 2011), é colocada em causa. Neste trabalho é pela primeira vez descrita e discutida a associação de trilobites do topo da FRL. O estudo desta associação permitiu reforçar o posicionamento cronostratigráfico da FRL no Andar Berouniano. Enquadramento geográfico e geológico O material em estudo provém de um afloramento (coordenadas 39º38’37. 6’’N, 8º03’28. 2’’W) da Formação Ribeira da Laje, localizado no limite norte do distrito de Santarém (Portugal), concelho de Mação, no estradão florestal que liga a povoação de Chão de Lopes Pequeno à localidade de Fonte de Amêndoa (Fig. 1). As rochas ordovícicas da região de Mação estão inseridas no Sinforma Amêndoa-Carvoeiro localizado no bordo sudoeste da Zona Centro-Ibérica (ZCI; Fig. 2b). Esta estrutura é constituída por

três sequências litostratigráficas separadas por duas discordância angulares: o Grupo Beiras, uma sequência monótona quilométrica que intercala xistos e metagrauvaques desde o Proterozoico até ao Câmbrico inferior; o Grupo Vale do Grou, uma sequência transgressiva caracterizada por litologias conglomeráticas e areno-arcósicas, atribuída ao Câmbrico superior; e uma sequência metassedimentar paleozoica pós-Câmbrico, que inclui materiais com idades desde o Ordovícico Inferior (Tremadociano) até ao Devónico Inferior (Romão, 2000; Romão et al., 2013). Estas sequências são intruídas por corpos graníticos pré-orogénicos, orogénicos e tardi a pós-orogénicos que resultaram de processos associados ao ciclo Varisco. Estes processos foram responsáveis pela deformação observada nos metassedimentos que estão afetados por um metamorfismo de grau baixo a muito baixo, próprio de condições epizonais (Romão et al., 2013). A FRL (30-50 m) foi definida por Young (1985, 1988) na região de Mação, no vale da Ribeira da Laje, junto à povoação de Sanguinheira, no flanco norte do Sinforma Amêndoa-Carvoeiro. Na localidade tipo, a FRL inicia-se por um horizonte conglomerático ao qual se seguem pelitos micáceos intercalados em arenitos bioturbados e quartzitos impuros, que aumentam progressivamente de frequência e espessura para o topo da sucessão (Romão, 2006). O seu limite superior

Figura 1 - Localização geográfica do afloramento em estudo. Figure 1 - Geographic location of the studied outcrop.


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corresponde a superfície erosiva marcada por um horizonte centimétrico de brecha conglomerática ferruginosa (Romão, 2000). No entanto, ao longo da sua extensão geográfica, a FRL apresenta variações laterais significativas de litofácies e espessura (Young, 1985, 1988; Romão, 2000). Young (1988) definiu o Membro Serra do Amial (informalmente sugerido por Cooper, 1980) para incluir a parte superior da FRL (quartzitos maciços impuros). No entanto, face ao desuso e à não inclusão deste membro na proposta

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litostratigráfica mais recente para a região (Romão, 2000, 2006), neste trabalho considerar-se-á apenas a divisão litostratigráfica “Formação”. No setor em estudo (Fig. 2a), a FRL apresenta uma espessura de cerca de 30 m. É caracterizada por uma sequência regressiva que se sobrepõe a um nível areno-ferruginoso pertencente ao topo do Membro Serra de Cadaveira da Formação Cabeço do Peão. A parte inferior é constituída essencialmente por arenitos esbranquiçados de grão médio, ocasionalmente bioturbados. Na parte superior,

Figura 2 - (a) – Mapa geológico esquemático dos afloramentos ordovícicos portugueses (a verde), do Sinclinal de Amêndoa-Carvoeiro da área em estudo (adaptado de Romão, 2006). (b) – Log estratigráfico simplificado da Formação Ribeira da Laje (Romão, 2000) no setor em estudo com indicação do posicionamento estratigráfico do afloramento em estudo e dos níveis fossilíferos estudados por Colmenar et al., 2013; Cl, Cl-10 e CL-20). (c) – Legenda de (a) e (b). Figure 2 - (a) – Geological sketch map showing outcrops of Ordovician rocks in Portugal (left, in green) and geological map of the Amêndoa-Carvoeiro Syncline with position of the fossil locality (adapted of Romão, 2006). (b) – Schematic lithostratigraphic column of the Ribeira da Laje (Romão 2000) Formation in the studied locality with the stratigraphic position of the studied outcrop and of the fossiliferous horizons studied by Colmenar et al., 2013; Cl, Cl-10 and CL-20). (c) – Legend of (a) and (b).

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predominam quartzitos impuros maciços com intercalações silto-pelíticas a topo, próximo do contacto erosivo com os diamictitos suprajacentes da Formação Casal Carvalhal. O conteúdo macrofossilífero da FRL é escasso, tendo apenas sido referidos para esta formação fragmentos de fósseis de braquiópodes, briozoários e ?equinodermes (Young, 1988; Romão, 2000; Colmenar et al., 2013). A FRL foi considerada por Young (1985, 1988) o equivalente lateral do Grupo Rio Ceira da região de Buçaco, tendo este autor proposto que a parte inferior se correlaciona com a Formação Ribeira do Braçal e a parte superior com a Formação Ribeira Cimeira (partim). Foi com base nesta correlação que Young (1985, 1988) e Romão (2000) propuseram uma idade Hirnantiano para a FRL. No entanto, os dados biostratigráficos das associações de braquiópodes (Colmenar et al., 2013) e quitinozoários (Vaz, 2010; Vaz et al., 2010) da FRL indicam uma idade Berouniano, significativamente mais antiga que a obtida mediante correlação estratigráfica com o Grupo Rio Ceira da região de Buçaco. A FRL ter-se-á depositado em ambientes de energia variável, que intercalariam fluxos deposicionais de elevada energia com períodos de baixo hidrodinamismo. Há progradação para o topo para ambiente de shoreface (Romão, 2000). As variações laterais de fácies e espessura da FRL indicam que o seu depósito foi condicionado pela paleotopografia preexistente, com zonas deprimidas e soerguimentos (Young, 1985; Romão, 2000). Todo o material estudado provém do topo da FRL e pertence a níveis onde foi detetada a biozona de quitinozoários Acanthochitina barbata (Vaz, 2010), correspondente ao Berouniano superior (escala regional mediterrânica, Bergström et al., 2009). Análise tafonómica Young (1985, 1988) e Romão (2000) admitiram que os macrofósseis existentes na FRL ocorrem exclusivamente nos níveis conglomeráticos, interpretando-os como material remobilizado de unidades subjacentes. Por esse motivo, os autores referidos não tiveram em consideração as indicações biostratigráficas que deles pudessem advir. No entanto, a análise tafonómica efetuada por Colmenar et al. (2013) sugere que os fósseis de bra-

quiópodes da parte inferior da FRL constituem uma associação autóctone a subautóctone, indicadora de idade Berouniano. Por outro lado, Vaz (2010) recolheu quitinozoários dos níveis pelíticos e siltíticos da FRL em diferentes setores da região de Mação, tendo obtido espécimes bem preservados que considerou não serem remobilizados. Os fósseis de trilobites agora estudados não provêm de níveis conglomeráticos, mas de intercalações silto-pelíticas identificadas no topo da FRL. Estão preservados sob a forma de moldes, os quais estão perfeitamente individualizados da matriz, não apresentando evidências de remobilização. Com base no resultado das experiências realizadas por Mikulic (1990), o facto de a orictocenose ser unicamente constituída por cefalões sugere que ocorreu seleção hidrodinâmica como resultado de transporte post mortem. O mau estado de preservação do material deve-se sobretudo ao transporte sofrido. As diferenças existentes entre o sedimento do molde interno e o da matriz, observadas em alguns exemplares são aqui interpretadas como exclusivamente biostratinómicas, dada a heterogeneidade do sedimento destes níveis e a ausência de sinais de reelaboração. Sistemática O material estudado pertence à coleção privada de um dos autores (Miguel Pires - CMP) e está transitoriamente depositado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Classe Trilobita Walch, 1771 Ordem Phacopida Salter, 1864 Subordem Phacopina Richter, Richter & Struve, 1959 Superfamília Dalmanitidoidea Vodges, 1890 Família Dalmanitidae Vodges, 1890 Subfamília Dalmanitininae Destombes, 1972 Género Crozonaspis Henry, 1968 Espécie-tipo: Crozonaspis struvei Henry, 1968 do Dobrotiviano inferior (Darriwiliano da escala cronostratigráfica global) da parte superior da Formação Postolonnec da Península de Crozon, França. Crozonaspis dujardini (Rouault, 1847) Fig. 2 - (a)-(c) e (e)-(g) Sinonímia Citam-se os principais trabalhos sobre a espécie e referências à sua ocorrência em Portugal. Para lista


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de sinonímia mais extensa consultar Hammann (1974) e Henry (1980). *1847 Phacops dujardini Rouault, p. 320; pl. 3, fig. 5. 1853 Phacops dujardini, Rouault – Salter in Ribeiro, p. 159. 1856 Dalmanites dujardini Rouault – Verneuil & Barrande, p. 977; est. 26, fig. 6. 1856 Dalmanites phillipsi Barrande – Verneuil & Barrande, est. 26, fig. 5. v 1870 Dalmanites dujardini, Barr. e Vern. (non Rou.) Delgado, p. 23. 1878 Dalmanites dujardini, Rou. – Mallada, p. 17-18, est. 2, fig. 3. 1891 Dalmanites dujardini, Rou. – Peixoto, p. 80. vp 1897 Dalmanites dujardini Rou. – Delgado, p. 28. v 1908 Dalmanites dujardini Rou.– Delgado, pp. 31-33, 39-42, 51, 57, 80, 87-88. 1967 Kloucekia (Phacopidina) dujardini (Rouault 1847) – Coates, pp. 88-90; figs. 5f-5h, 6a-6d. p 1968 Kloucekia (Denckmannites) praecursor n. sp. – Pillet & Robardet, pp. 26-27; est. 2, figs. 2a-2b (non 2c). 1973 Kloucekia dujardini (Rouault 1847) – Clarkson & Henry, pp. 113-117; figs. 7-9. 1973 Kloucekia? dujardini (Rouault, 1847) – Robardet et al. p. 122 (partim); est.18, figs. 7-8, 14. 1974 Crozonaspis? dujardini (Rouault 1847) – Hammann, pp.68-70, figs. 20, 26; est. 4, figs. 60-66. 1980 Crozonaspis dujardini (Rouault 1847) – Henry, pp. 157-160; figs. 75-76, 87D-88; est. 40, figs. 2, 6, 11; est. 42, figs. 3-7; est. 46, figs. 3-4, 8-9. 1982 Crozonaspis dujardini – Romano, p. 97. 1984 Crozonaspis dujardini (Rouault) – Rábano, tab. I. v 1985 Crozonaspis dujardini (Rouault, 1847) – Young, p. 437-438. 1995 Crozonaspis cf. dujardini – Romão et al., p. 124. 2000 Crozonaspis cf. dujardini – Romão, qdr. 2.4. Material Quatro cefalões incompletos (moldes internos: CMP0037a; CMP0039a; CMP0040a; CMP0042a/moldes externos:CMP0037b; CMP0039b; CMP0040b; CMP0042b); dois cranídeos incompletos (moldes internos: CMP0038; CMP0041a/molde externo: CMP0041b).

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Descrição Cefalão de contorno ogival, mais largo (transversal, tr.) que comprido (sagital, sag.) (o comprimento corresponde a cerca de 65 % da largura total medida ao nível do bordo posterior), de convexidade moderada. Em vista lateral, o ponto mais elevado situa-se na zona mediana da glabela, ao nível dos extremos adaxiais de S3, estando os olhos posicionados à mesma altura. Glabela trapezoidal a pentagonal. Os sulcos dorsais têm um traçado retilíneo divergente em sentido anterior, definindo entre si um ângulo de cerca de 40º, são profundos e amplos (tr.) e estão definidos até perto do limite anterior do cefalão. A largura glabelar basal é cerca de 50 % da largura glabelar máxima, medida ao nível do lóbulo frontal, sendo que a primeira medida representa cerca de 35 % da largura cefálica total. A glabela apresenta três pares de sulcos glabelares. O par S1 é o mais profundo, definido por sulcos amplos (sag.), mais profundos que os sulcos dorsais, e é ligeiramente oblíquo em direção posterior, formando um ângulo de cerca de 125º com o sulco dorsal. S1 não bifurca nos seus extremos internos nem é transglabelar, sendo a distância entre os extremos adaxiais do par S1 cerca de 40 % da largura glabelar medida a esse nível. Os lóbulos L1 são subretangulares. Os pares S2 e S3 são muito superficiais, sendo por vezes apenas percetíveis nos moldes externos. Os sulcos S2 têm uma disposição transversal, sendo ligeiramente convexos em relação à zona anterior, estreitos (cerca de 65 % da largura de S1), estando os seus extremos internos na mesma linha exsagital que os extremos internos de S1, e não atingem os sulcos dorsais. O par S3 é oblíquo em direção posterior, de traçado subretilíneo (apenas com ligeira inflexão ao nível do seu terço abaxial), sendo o sulco glabelar mais largo (cerca de 180 % da largura de S1). Os seus extremos distais situam-se em posição ligeiramente mais adaxial que os de S2 e S1, e a distância exsagital destes aos extremos internos de S2 é um pouco menor que a distância exsagital dos extremos internos de S2 aos de S1. O lóbulo frontal glabelar, embora pouco definido, tem forma de losango e é um pouco mais largo (tr.) que comprido (sag.). Está ornamentado pelas impressões auxiliares (sensu Henry, 1980), grânulos subcir-

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Trilobites da Formação Ribeira da Laje do Berouniano de Mação (Ordovícico Superior, Portugal)

Figura 3 - Crozonaspis dujardini (Rouault, 1847) da Formação Ribeira da Laje, Berouniano (Ordovícico Superior) de Mação, Portugal. (a), (b) e (c), vista dorsal de molde interno e correspondente molde externo de cefalão em latex, com pormenor da granulação do lóbulo frontal (c); (e) e (f), vista dorsal de molde externo de cefalão incompleto com detalhe da pequena ponta genal (seta, (f)); (g), vista dorsal de molde interno esfoliado de cefalão. Dalmanitina sp. da Formação Ribeira da Laje, Berouniano (Ordovícico Superior) de Mação, Portugal. (d), vista dorsal de molde interno de fragmento cefálico. Barra em (a), (b) e (g)= 4mm; (d)= 5mm; (c),(e)= 2mm; (f)= 0,5mm. Figure 3 - Crozonaspis dujardini (Rouault, 1847) from the Ribeira da Laje Formation, Berounian (Upper Ordovician), Mação, Portugal. (a), (b) and (c), cephalon, dorsal view of an internal mould (a), corresponding external mould (latex cast – (b)) and detail of frontal lobe ornamentation (c); (e) and (f), incomplete cephalon, dorsal view of an external mould, with detail of the little genal spine (arrow, (f)); (g), exfoliated cephalon, dorsal view of an internal mould. Dalmanitina sp. from the Ribeira da Laje Formation, Berounian (Upper Ordovician), Mação, Portugal. (d), cephalic fragment, dorsal view of an internal mould. Bar in (a), (b) and (g)= 4mm; (d)= 5mm; (c),(e)= 2mm; (f)= 0,5mm.

culares dispersos e grandes, mais abundantes anteriormente, que se observam nos moldes internos (Fig. 2c). A margem anterior do cefalão tem um prolongamento apical estreito (Fig. 2a). Os olhos são médios e reniformes, estendendo-se desde o limite anterior dos lóbulos L1 até S3. Superfícies visuais não preservadas completamente. Índice ocular A/G e A/Gn (sensu Struve, 1958) de 39 % (A/G) e 32 % (A/ Gn), respetivamente. A distância entre o extremo posterior do lóbulo ocular e o sulco posterior genal é de 30 % do comprimento total ocular. Ramos anteriores da sutura facial não preservados. Ramos posteriores da sutura facial sigmoidais, de traçado retilíneo até ao sulco do bordo lateral, com um ângulo de cerca de 40º em relação à linha sagital cefálica, abaxial ao qual se encurvam em direção posterior, cortando as margens laterais ao nível de S2.

Observações Embora o estado de preservação seja deficiente, a observação das características diagnósticas da espécie, nomeadamente, o contorno ogival do cefalão (com prolongamento apical estreito na região anterior, Fig. 2g); os sulcos dorsais retilíneos, divergindo segundo ângulo de cerca de 40° entre si; o par S1 muito marcado, S2 e S3 quase impercetíveis; as impressões auxiliares do lóbulo frontal glabelar (Fig. 2c); o índice Augen de 39 % (A/G) e 32 % (A/Gn); o número de linhas dorsoventrais da superfície visual (21) e o traçado sigmoidal dos ramos posteriores da sutura facial, cortando as margens laterais ao nível de S2, permitem-nos identificar C. dujardini. Um dos espécimes ostenta (Fig. 2f) a minúscula ponta genal descrita por Hammann (1974) em espécimes espanhóis e, posteriormente, apenas observada num único exemplar em França (Henry, 1980).


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Género Dalmanitina Henry, 1968 Espécie-tipo: Phacops socialis Barrande, 1846 [=Dalmanitina (Dalmanitina) socialis]; parte média e inferior da Formação Letná, Berouniano, República Checa. Dalmanitina sp. Fig. 2 - (d) Material Um cefalão incompleto (molde interno: CMP0038). Descrição Os sulcos dorsais estão bem marcados, tornando-se um pouco mais divergentes anteriormente a S1 e sofrendo ligeira inflexão no contacto com S3. Definem entre si um ângulo que aumenta de cerca de 40º para 45º. S1 profundo, estreito (exsag.), de traçado oblíquo em direção posterior, formando um ângulo de cerca de 135º com o sulco dorsal. Os lóbulos L1 são subquadrados, redondeados e inflados. Os pares S2 e S3 são muito superficiais, sendo por vezes apenas percetíveis nos moldes externos. Os olhos são médios, estendendo-se desde S1 até muito próximo de S3. Superfícies visuais não preservadas. ε situa-se a uma distância transversal dos sulcos dorsais equivalente à largura de S1. Ramos anteriores da sutura facial não preservados. Ramos posteriores da sutura facial sigmoidais, recurvando anteriormente após o ponto ε até cerca de um terço do comprimento dos olhos e encurvando em direção posterior abaxialmente, cortando as margens laterais ao nível de S1. O bordo posterior genal aumenta de comprimento em direção abaxial e está definido por um sulco amplo (exsag.) e moderadamente profundo. Pontas genais dirigidas para fora, estreitas, aciculares, de secção subcircular, formando um ângulo de cerca de 110º com o bordo posterior da fixigena. Observações A forma quadrangular de L1, a posição do lóbulo palpebral com limite posterior oposto a S1, o percurso do ramo posterior da sutura facial e a ponta genal alongada e estreita, formando um ângulo ténue com o bordo lateral externo do cefalão (Fig. 2d), permitiram a atribuição deste exemplar ao género Dalmanitina. Optou-se por usar nomenclatura aberta dado o estado fragmen-

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tário do material. Dadas as características diagnósticas, bem como o tamanho relativo do olho, trata-se provavelmente de Dalmanitina (D.) acuta Hammann, 1971, espécie identificada no Ordovícico Superior de Espanha (Hammann, 1974) e França (Henry, 1980) e que ocorre na FormaçãCabeço do Peão, subjacente aos níveis em estudo. Discussão e conclusões Embora anteriormente não tenha sido referida a presença de fósseis de trilobites na FRL, a reinterpretação do trabalho de Delgado (1908) e a consulta da sua coleção estratigráfica (Museu Geológico do LNEG, Lisboa), permitiu identificar a Camada 18 (Delgado, 1908, p. 87), do clássico Corte de Bando dos Santos ao Pico do Ar, como correspondente aos níveis em estudo neste trabalho. Assim, Delgado (1908, p. 87) foi o primeiro e único autor até ao presente trabalho a mencionar a ocorrência de trilobites na FRL, identificando unicamente Crozonaspis dujardini e acrescentando “(…) quelques mauvaises glabelles.” No presente trabalho corrobora-se a identificação de Delgado (1908) e acrescenta-se à associação a ocorrência de Dalmanitina sp. A presença de C. dujardini no topo da FRL, espécie conhecida apenas no Berouniano da Península Ibérica e de França (Hammann, 1974; Henry, 1980), reforça o posicionamento cronostratigráfico desta unidade no Berouniano, sugerido também pelos fósseis de quitinozoários (Vaz, 2010; Vaz et al., 2010) e de braquiópodes (Colmenar et al., 2013). Este posicionamento cronostratigráfico da FRL coloca em causa não só a sua atribuição ao Hirnantiano com base na correlação litostratigráfica (Young, 1988) com o Grupo Rio Ceira da região de Buçaco, mas também a sincronia entre estas unidades. Outra das implicações de uma idade berouniana da FRL será a alteração do posicionamento da importante lacuna estratigráfica anteriormente colocada entre as formações Cabeço do Peão e Ribeira da Laje (Young, 1985, 1988; Romão, 2000), a qual deverá existir afinal entre as formações Ribeira da Laje e Casal Carvalhal (Romão et al., 2013 indicaram a existência de uma discordância cartográfica entre estas formações mas considerando uma lacuna temporal significativa-

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Trilobites da Formação Ribeira da Laje do Berouniano de Mação (Ordovícico Superior, Portugal)

mente inferior). Esta lacuna incluirá o Kralodvoriano e a parte inferior do Hirnantiano (escala regional mediterrânica, Bergström et al., 2009). Os mais recentes dados cronostratigráficos da FRL deverão ser considerados nas análises da evolução geodinâmica da Zona Centro-Ibérica, nomeadamente nas análises paleogeográficas deste setor no Ordovícico Superior. A deposição da FRL terá ocorrido antes do Kralodvoriano, podendo ajudar a compreender o contexto paleotopográfico que condicionou o depósito da Formação Porto de Santa Anna (Berouniano superior-Kralodvoriano), apenas reconhecida nas regiões de Buçaco e Fajão-Moradal. Agradecimentos Ao Museu Geológico de Lisboa, na pessoa do seu diretor, Miguel Magalhães Ramalho, pelo acesso concedido às coleções. Ao Nuno Vaz (UTAD) pela discussão sobre a estratigrafia da região. À Cristina Pires pelo apoio no trabalho de campo. SP é financiada pela FCT (SFRH/BD/73722/2010).

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Ostracodos e microfácies de depósitos margo-carbonatados do Cenomaniano de Lousa - Salemas, região de Lisboa V. Pais1*, S. Almeida1, I. Andrade1 & J. Pessoa1 Universidade de Lisboa; Faculdade de Ciências; Departamento de Geologia; Centro de Geologia; Campo Grande; 1749- 016, Lisboa *autor correspondente: vanessaspais@gmail.com

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Resumo Foram estudados ostracodos e microfácies de 10 amostras de uma unidade calcário-margosa do Cenomaniano médio de Lousa-Salemas (Loures, Portugal). Foram identificados um total de 10 taxa de ostracodos com características salobras e marinhas. Nas microfácies conheceram-se macro e microfósseis que em conjunto com a informação recolhida dos ostracodos, permitiram inferir a existência de um paleoambiente lagunar com baixo hidrodinamismo e taxa de sedimentação elevada. Palavras-chave: Ostracodos, Microfácies, Paleoambiente, Cenomaniano médio, Lousa-Salemas. Abstract Ostracods and microfacies of 10 samples from a limestone-marl unit of middle Cenomanian age from Lousa-Salemas (Loures, Portugal) were studied. A total of 10 taxa of brackish and marine ostracods were recognized. Within the microfacies macro and microfossils were identified which, along with data collected from ostracods allowed to infer the existence of a lagoonal paleoenvironment with low hydrodynamics and high sedimentation rate. Key words: Ostracods, Microfacies, Palaeoenvironment, midium Cenomanian, Lousa-Salemas.

Introdução

Enquadramento geológico e estratigráfico

No âmbito da disciplina de Projecto de final da licenciatura em Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, estudou-se a parte basal (17 m) de um corte com 90 m de extensão, localizado ao longo de um troço de estrada em Lousa-Salemas (Loures), no qual aflora uma unidade calcário-margosa, representativa do Cenomaniano médio. O Cenomaniano da região de Lisboa foi cartografado por Zbyszewski (1964) e a sua nomenclatura atualizada por Manuppella et al. (2011), tendo sido recentemente objecto de estudos mais específicos, nomeadamente sobre ostracodos (e. g. Cabral et al., 2008, 2014; Boavida, 2013).

A secção estudada encontra-se na região de Lisboa pertencendo ao concelho de Loures, freguesia de Lousa, tendo como coordenadas geográficas N 38º 53’ 06,01’’; W 9º 11’ 56,66’’. Encontra-se limitada a Este pela povoação de Salemas e a Oeste pela ribeira de Lousa (Fig. 1). A sucessão estudada integra-se no conjunto de unidades de plataforma carbonatada designadas originalmente por “Belasiano” (Choffat, 1886 in Manuppella et al., 2011), o qual compreende 4 níveis litostratigráficos, correspondentes às atuais unidades formais de Rey (1992): dois do Albiano médio a superior (Formação de Galé), dois do Cenomaniano inferior e médio (For-

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Ostracodos e microfácies de depósitos margo-carbonatados do Cenomaniano de Lousa - Salemas, região de Lisboa

Figura 1 – Enquadramento geográfico da região. Figure 1 –Geographical setting.

mação de Caneças); sobre este conjunto assenta ainda uma sucessão carbonatada representativa do Cenomaniano superior (Formação de Bica). A área de Lousa insere-se especificamente na Formação de Caneças, “Nível com Ilymatogyra pseudoafricana” constituído na base por alternâncias de calcários margosos nodulares, margo-calcários e margas com ostreídos (“Exogyra”= Ilymatogyra); no topo ocorrem sequências de estratos com estruturas em plaquetas pertencentes ao “Nível com Harpagodes incertus” e constituídas por calcário amarelado, nodular e localmente dolomítico. A transição é evidenciada pelas associações de fósseis e não pela litologia. A articulação das fácies presentes sugere a presença de um paleoambiente lagunar, um contexto de plataforma interna, onde alternavam períodos imersos e emersos, com salinidade variável (Manuppella et al., 2011). Em Cabral et al. (2008), embora o principal objecto de estudo sejam os ostracodos, o Cenomaniano médio de Lousa, no seu todo, é também caracterizado quanto à associação de foraminíferos bentónicos: Praealveolina cf. brevis Reichel, 1936, Praealveolina aff. cretacea d’Archiac, 1837, Praealveolina aff. tenuis Reichel, 1936, Biconcava bentori Hamaoui and Saint-Marc, 1970, Biplanata peneropliformis Ha-

maoui and Saint-Marc, 1970, Pseudedomia drorimensis Reiss, Hamaoui and Ecker, 1964, Pseudorhipidionina casertana De Castro, 1965, Nummoloculina regularis Phillipson, 1887; e algas calcárias presentes, sendo o primeiro grupo o definidor da biostratigrafia da unidade. No conjunto da região de Lisboa-Sintra, em geral, segundo Berthou (1984) a base do Cenomaniano médio corresponde a um primeiro banco calcário, com 2 a 3 m de espessura, com Praealveolina iberica Reichel, 1936, Praealveolina brevis Reichel, 1936, Praealveolina simplex Reichel 1936 e Pseudedomia drorimensis Reiss, Hamaoui & Ecker, 1964. A secção em estudo localiza-se mais acima do banco referido. A presença de dasicladáceas abundantes é marcada por Salpingoporella hasi Conrad, Radoicic & Rey, 1976, e Salpingoporella melitae Radoicic, 1967. Fossocytheridea merlensis (Babinot & Colin, 1976), espécie de ostracodo, manifesta-se num segundo conjunto, bem como Ilymatogyra pseudoafricana (ostreído) e, num nível superior, Praealveolina cretacea Reichel, 1936. No topo ocorrem o gastrópode Harpagodes incertus (d’Orbigny, 1843) e, ocasionalmente, o amonóide Turrilites costatus Lamarck, 1801. A secção em estudo (17 m – Fig. 2) compreende uma sucessão com alternância entre calcários compactos e marga, litótipo mais brando, am-


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bos com um tom bege a acinzentado. A presença de plaquetas calcárias em níveis margosos é muito comum, sendo em alguns níveis de geometria ondulada, associadas a possíveis ripple-marks. Na base e perto do topo visualiza-se calcário nodular. A sucessão engloba conteúdo fossilífero rico e constante, constituído por bivalves (alguns identificados como ostreídos), braquiópodes, gastrópodes, ostracodos, foraminíferos e algas calcárias. Estão presentes estruturas sedimentares, como pelóides e oóides, crostas ferruginosas, plaquetas ondulantes e níveis tempestíticos (base do nível LS8) representados por grande acumulação bioclástica, com micro-superfícies erosivas. Mais a topo a rocha encontra-se dolomitizada e, quanto à porosidade, esta varia desde muito fraca a média, sendo considerável (cavernosa) no topo. Na sucessão em causa (17 m) foram estudados so-

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bretudo os ostracodos, inseridos na classe Crustacea e que se desenvolvem em quase todos os ecossistemas aquáticos, desde marinho a lacustre (Rodriguez-Lázaro & Ruiz-Munoz, 2012), servindo como indicadores biostratigráficos, paleoambientais e paleoclimáticos (e. g. Babinot, 1980; Whatley, 1988). De modo complementar, fez-se ainda um estudo das microfácies de onde se extraíram informações sobre os restantes grupos de organismos micro e macrofósseis, salinidade e hidrodinamismo do meio. Métodos e técnicas de estudo Na recolha das amostras teve-se em conta a finalidade destas. Para o estudo dos ostracodos foram recolhidas amostras margosas para posterior desagregação, correspondentes aos níveis 4 (base-médio), 7, 8 (médio) e 10 (base), iden-

Figura 2 – Corte litostratigráfico da secção estudada. Figure 2 – Litostratigraphic LOG of the studied section.

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Ostracodos e microfácies de depósitos margo-carbonatados do Cenomaniano de Lousa - Salemas, região de Lisboa

tificadas respectivamente como LS4BM, LS7, LS8M e LS10B. Para a análise de microfácies foram recolhidas amostras de todos os níveis, exceptuando o nível 4, que é totalmente margoso. As amostras foram pesadas de forma a ser obtido um valor próximo de 300 g; em LS8M, devido à grande quantidade de plaquetas calcárias, excedeu-se um pouco este valor. Após colocação na estufa a 50 ºC, para secagem total, as amostras foram embebidas em petróleo comercial (para iluminação) durante 24h, tendo sido posteriormente mergulhadas em água (até desagregação total) e lavadas através duma série de crivos de malhas 2 mm, 0,5 mm, 0,150 mm e 0,0063 mm, com água corrente abundante. Completada a lavagem, cada fração foi colocada em pequenos gobelets, respetivamente identificados, inseridos de novo na estufa até secagem total. Procedeu-se então ao quarteamento da fracção 0,150 mm em cada amostra, uma vez que é nesta que se concentram a maior parte dos ostracodos. Por fim, foi realizada a triagem de ostracodos em cada amostra, separando-os previamente por morfotipos e tamanho (separação de formas juvenis e adultas), valvas e carapaças, fragmentos e outros organismos, com o auxílio de uma lupa binocular. Foram contados todos os exemplares (considerando-se 1 indivíduo = 1 carapaça ou 1 valva) e calculadas as relações carapaças/valvas e jovens/adultos, esta última apenas para a espécie Fossocytheridea merlensis. Microfácies Para a obtenção e estudo das lâminas delgadas recorreu-se a processos standard, com os equipamentos existentes no Departamento de Geologia e Centro de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Resultados Sistemática dos ostracodos Os exemplares encontravam-se relativamente bem preservados, possibilitando a identificação a nível do género/espécie com a ajuda da bibliografia disponível, sendo a principal: Andreu (1981, 1991); Babinot (1971, 1980); Babinot & Colin (1976, 1983) Boavida (2013); Cabral (1995). Seguiu-se a classificação sistemática de Hartman & Puri (1974).

Reino ANIMALIA Linnaeus, 1758 Filo ARTHROPODA Siebold & Stannius, 1845 Sub-filo MANDIBULATA Clairville, 1798 Classe CRUSTACEA Pennant, 1777 Sub-classe Ostracoda Latreille, 1802 Ordem Podocopida Müller, 1894 Sub-ordem Platycopina Sars, 1866 Super-família Cytherelloidea Sars, 1866 Família Cytherellidae Sars, 1866 Género Cytherella Jones, 1849 Cytherella cf. postangulata Babinot, 1980, fig. 3a-b 1980 Cytherella postangulata Babinot, p. 60 est. 2, figs 6-11 Material 106 carapaças e 19 valvas - LS7. Descrição Carapaça sub-oval de grande dimensão. Valva direita maior que a valva esquerda, com a linha de maior altura ligeiramente deslocada para o bordo posterior. Bordo dorsal convexo, não ocupando o comprimento total da carapaça; bordo ventral convexo; bordos anterior e posterior arredondados, com extremidade posterior nítida. Superfície das valvas sem ornamentação. Distribuição estratigráfica e paleogeográfica Cenomaniano médio e superior da Provença, França (Babinot, 1980); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas. Cytherella sp.1 Boavida, 2013 Fig. 3c-d 2013 Cytherella sp.1 Boavida, p. 31, est. 1, figs. 4-6 Material 80 indivíduos (carapaças e valvas) – LS7, LS8 Descrição Carapaça sub-rectangular alongada de grande dimensão. Valva direita maior que a valva esquerda, recobrindo-a totalmente. Linha de maior altura deslocada para o bordo posterior; maior compri-


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Figura 3 - Exemplares de ostracodos presentes na secção, fotografados a microscópio electrónico de varrimento. C, carapaça; VLD, vista lateral direita; VLE, vista lateral esquerda; VD,vista dorsal; F, fêmea; M, macho. Escala, barra = 100μm. a - Cyterella postangulata Babinot, 1980 (LS7), C, VLD; b - Cyterella postangulata Babinot, 1980 (LS7), C, VLE; c Cytherella sp.1 Boavida 2013 (LS7), C, VLD; d - Cyterella postangulata Babinot, 1980 (LS7), C, VLE; e - Perissocytheridea estribeirensis Andreu, 1981 (LS8M), C, VLE; f - Perissocytheridea estribeirensis Andreu, 1981 (LS8M), C, VD; g - Dolocytheridea iberica Andreu, 1981 (LS7), C, VLE; h - Fossocytheridea merlensis (Babinot & Colin, 1976) (LS8M), C, VD; i - Fossocytheridea merlensis (Babinot & Colin, 1976) (LS8M), C, VLD; j - Parakrithe ? sp.1 (LS7), C, VLE; k - Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi (Babinot, 1971) (LS7), C, VLD, F; l - Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi (Babinot, 1971) (LS7), C, VLE, M; m - Paracaudites (Dumontina) juliensis Andreu, 1981 (LS7), C, VLD; n - Paracypris sp.1 Boavida 2013 (LS7), C, VLE. Figure 3 – Specimens photographed in S.E.M.. C, carapace; RLV, right lateral view; LLV, left lateral view; DV, dorsal view; F, female; M, male. Scale: bar = 100μm. a - Cyterella postangulata Babinot, 1980 (LS7), C, RLV; b - Cyterella postangulata Babinot, 1980 (LS7), C, LLV; c - Cytherella sp.1 Boavida 2013 (LS7), C, RLV; d - Cyterella postangulata Babinot, 1980 (LS7), C, LLV; e - Perissocytheridea estribeirensis Andreu, 1981 (LS8M), C, LLV; f - Perissocytheridea estribeirensis Andreu, 1981 (LS8M), C, DV ; g - Dolocytheridea iberica Andreu, 1981 (LS7), C, LLV; h - Fossocytheridea merlensis ( Babinot & Colin, 1976) (LS8M), C, DV; i - Fossocytheridea merlensis ( Babinot & Colin, 1976) (LS8M), C, RLV; j - Parakrithe ? sp.1 (LS7), C, LLV; k - Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi ( Babinot, 1971) (LS7), C, RLV, F; l - Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi ( Babinot, 1971) (LS7), C, LLV, M; m - Paracaudites (Dumontina) juliensis Andreu, 1981 (LS7), C, RLV; n - Paracypris sp.1 Boavida 2013 (LS7), C, LLV.

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mento situado na meia altura. Bordos dorsal e ventral sub-rectilíneos a ligeiramente côncavos; bordos anterior e posterior arredondados. Superfície das valvas sem ornamentação.

1995 Dolocytheridea (Puracytheridea) iberica Andreu, Cabral, p. 176, est. 10, figs. 1-5 2013 Dolocytheridea iberica Andreu – Boavida, p.36, est. 3, figs. 1-5

Distribuição estratigráfica e geográfica Cenomaniano médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas.

Material 66 carapaças – LS7

Sub-ordem Podocopina Sars, 1866 Super-família Cytheroidea Baird, 1850 Família Cytheridae Baird, 1850 Género Perissocytheridea Stephenson, 1938 Perissocytheridea estribeirensis Andreu, 1981 fig.3e-f 1981 Perissocytheridea? estribeirensis Andreu p. 126, est. 1, figs. 12-16 2013 Perissocytheridea estribeirensis – Boavida, p. 33, est. 1, figs. 8-13 Material 146 carapaças – LS4BM, LS7 Descrição Carapaça de pequena dimensão. Linha de maior altura deslocada para o bordo anterior; Dimorfismo sexual presente: fêmeas com carapaça sub-triangular, bordo dorsal convexo com ângulos cardinais não muito acentuados, bordo ventral; machos com carapaça mais alongada e sub-rectangular, com bordo dorsal côncavo e ângulos cardinais pouco acentuados. Bordo ventral muito irregular. Bordos anterior e posterior arredondados em ambas as formas, sendo o posterior mais agudo com extremidade bem definida. Superfície das valvas com ornamentação reticulada e presença de sulco médio sub-vertical. Distribuição estratigráfica e geográfica Cenomaniano inferior de Varge Mondar, Sintra (Andreu, 1981); Cenomaniano médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de LousaSalemas. Família Cytherideidae Sars, 1925 Género Dolocytheridea Triebel, 1938 Dolocytheridea iberica Andreu, 1981 1981 Dolocytheridea iberica Andreu p.143, est. 2, figs. 1-7

Descrição Carapaça sub-oval a sub-rectangular. Valva esquerda maior que a valva direita, recobrindo-a totalmente. Linha de maior altura deslocada para o bordo anterior; maior comprimento no 1/3 da altura da carapaça. Bordo dorsal convexo, não ocupando o comprimento total da carapaça; bordo ventral sinuoso; bordo anterior arredondado; bordo posterior assimétrico. Dimorfismo sexual visível: machos mais alongados. Superfície das valvas sem ornamentação. Distribuição estratigráfica e geográfica Albiano inferior a terminal de S.Julião – Praia de Vide; Albiano inferior a terminal e Cenomaniano inferior de Cacém, Sintra (Andreu, 1981); Albiano superior terminal de Foz de FalcãoMagoito (Cabral, 1995);Cenomaniano inferior de Varge Mondar, Vale Covo e Bombarral (Andreu, 1981); Cenomaniano médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas. Género Fossocytheridea Swain & Brown, 1964 Fossocytheridea merlensis (Babinot & Colin, 1976) Fig. 3h-i 1976 Sarlatina merlensis Babinot & Colin p.164, est. 2 figs. 8-17, est.3, figs. 1-12 2003 Fossocytheridea merlensis (Babinot & Colin) – Tibert, Colin, Leckie, Babinot, p. 211, est. 1 figs D-G 2013 Fossocytheridea merlensis (Babinot & Colin) – Boavida, p. 34, est. 2, figs. 1-10 Material 2634 indivíduos (carapaças e valvas) - LS4BM, LS8M e LS10B. Descrição Carapaça sub-oval a sub-rectangular, alongada e de grande dimensão. Valva esquerda maior que valva direita recobrindo-a totalmente (bem visível em


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vista dorsal). Linha de maior altura deslocada para o bordo anterior; maior comprimento na meia altura da valva. Bordo dorsal sub-rectilínio, arredondado, não ocupando o comprimento total da carapaça; bordo ventral rectilínio; bordos anterior e posterior arredondados. Dimorfismo sexual bem marcado, machos mais alongados e de dimensões maiores. Distribuição estratigráfica e geográfica Cenomaniano de Berbiguières, Dordogne, SW de França (Babinot & Colin, 1976); Cenomaniano médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas. Família Krithidae Mandelstam, 1960 Género Parakrithe Van Den Bold, 1958 Parakrithe? sp. 1 Fig.3j 2013 Parakrithe? sp. 1, Boavida, p. 38, est. 3, figs. 10-13 Material 3 carapaças – LS7 Descrição Carapaça sub-oval, alongada. Valva esquerda maior que valva direita. Linha de maior altura deslocada para o bodo anterior; maior comprimento na meia altura da valva. Bordo dorsal convexo com ângulos cardinais bem marcados; bordo ventral rectilínio; bordo anterior arredondado, bordo posterior arredondado com extremidade central pontiaguda, fazendo um ângulo com a união ao bordo ventral. Dimorfismo sexual não visível nos exemplares em causa. Superfície da carapaça sem ornamentação. Distribuição estratigráfica e geográfica Cenomaniano médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas. Família Trachyleberididae Sylvester-Bradley, 1948 Género Paracaudites Deltel, 1962 Sub-género Dumontina Deroo, 1966 Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi (Babinot, 1971) Fig. 3k-l

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aff. 1971 Dumontina grekoffi n. sp. Babinot p. 239, est. 1, figs. 3-8, est. 2, figs 1-2 aff. 1978 Dumontina aff. grekoffi Babinot, Andreu, p. 217 est. 28, figs. 7-11 aff. 2013 Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi Babinot, Boavida, p. 42, est.4, figs. 10-17 Material 358 carapaças – LS7 Descrição Carapaça sub-triangular a sub-rectangular. Valva esquerda maior que a valva direita. Linha de maior altura ligeiramente deslocada para o bordo anterior. Maior comprimento nos 2/3 da altura da carapaça. Bordos dorsal e ventral sub-rectilínios a convexos, parcialmente encobertos por costilha e friso, respectivamente. Bordo anterior arredondado, bordo posterior sub-triangular. Dimorfismo sexual presente: fêmeas com carapaça sub-triangular de pequena dimensão; Machos com carapaça sub-rectangular de grande dimensão. Carapaça com ornamentação apresentando frisos marginais no bordo ventral e anterior; tubérculo ocular presente. Distribuição estratigráfica e geográfica Cenomaniano superior de Bouches-du-Rhône, França (Babinot, 1971); Cenomaniano inferior de Vale Covo, Bombarral (Andreu, 1981); Cenomaniano médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas. Paracaudites (Dumontina) juliensis Andreu, 1981 Fig. 3m 1978 Dumontina juliensis Andreu p. 218, est. 27, figs. 10-13,16 1995 Paracaudites (Dumontina) juliensis Andreu, Cabral, p. 243, est.23, figs. 1-5 2013 Paracaudites (Dumontina) juliensis Andreu, Boavida, p. 44, est. 5, figs. 1-3 Material 14 carapaças - LS7. Descrição Carapaça sub-rectangular de pequena dimensão, mais pequena comparativamente com Para-

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caudites (Dumontina) aff. grekoffi, tornando a carapaça desta espécie mais baixa e alongada. Valva esquerda maior que a valva direita. A linha de maior altura encontra-se ligeiramente deslocada para o bordo anterior; maior comprimento nos 2/3 da altura da carapaça. Bordo dorsal rectilíneo não ocupando o comprimento total da carapaça; bordo ventral sub-rectilíneo; bordo anterior arredondado; bordo posterior sub-triangular. Superfície das valvas com ornamentação: frisos, costilhas e dentículos. Distribuição estratigráfica e geográfica Albiano inferior a superior de S. Julião – Praia de Vide; Cenomaniano inferior de Vale Covo e Bombarral (Andreu, 1981); Albiano superior terminal de Foz de Falcão-Magoito (Cabral, 1995); Cenomaniano médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas. Super-família Cypridoidea Baird, 1845 Família Candonidae Kaufmann, 1900 Género Paracypris Sars, 1866 Paracypris sp.1 Boavida, 2013 Fig. 3n 2013 Paracypris sp.1 Boavida p. 51, est. 6, figs. 6-8 Material 408 carapaças – LS7, LS8M, LS10B Descrição Carapaça sub-triangular, alongada. Valva esquerda maior que valva direita. Linha de maior altura deslocada para o bordo posterior; maior comprimento nos 2/3 da altura da carapaça. Bordo dorsal convexo não ocupando o comprimento total da carapaça; bordo ventral rectilínio; bordo anterior arredondado; bordo posterior com extremidade pontiaguda deslocada para bordo ventral. Dimorfismo sexual não visível nos exemplares em causa. Superfície da carapaça sem ornamentação. Distribuição estratigráfica e geográfica Cenomaniano médio de S. João das Lampas (Boavida, 2013); Cenomaniano médio da região de Lisboa, corte de Lousa-Salemas. Microfácies Foram seguidas as classificações composicional de Folk (1959) e textural de Dunham (1962). As amostras estudadas correspondem predominantemente a biomicrite wacke a packstone, cujos

principais EFOC identificados foram ostracodos, foraminíferos (textularídeos, miliolídeos e rotalídeos), moluscos e algas calcárias. Em algumas amostras foi possível ainda identificar extraclastos (sobretudo quartzo) e pelóides. (Fig. 4). Discussão Com a realização da triagem e contagem dos ostracodos nos 4 níveis margosos, foram identificados 4188 indivíduos, contabilizadas 3901 carapaças e 287 valvas, sendo claramente dominantes as carapaças. Analisando os 4 níveis de forma individual, a amostra LS4BM apresenta uma quantidade menor de indivíduos, cerca de 178 e, LS10B maior quantidade, com 1653. LS7 e LS8M apresentam 888 e 1469 exemplares, respectivamente. A espécie mais abundante é Fossocytheridea merlensis, da qual se contabilizou um total de 2368 indivíduos nas quatro amostras analisadas. As duas outras espécies também abundantes, a seguir a Fossocytheridea merlensis, são Gen. Ind. sp.1 e Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi, com 370 e 358 indivíduos recolhidos, respectivamente. A espécie menos abundante, com apenas 3 indivíduos contabilizados, é Parakrithe ? sp.1 No estudo das microfácies foram identificados vários microfósseis e macrofósseis (em geral fragmentos), sendo predominantes os moluscos, tanto gastrópodes (todas as amostras à exceção de LS5B, LS5T e LS7) como bivalves (LS2B, LS2TM, LS5B e LS5T), ostracodos (em todas as amostras), foraminíferos (textularídeos - LS2TM, LS3, LS5B, LS5T e LS9; miliolídeos - LS2TM, LS8 e LS9 e rotalídeos raros, presentes provavelmente devido a transporte), equinodermes (LS2B, LS2TL, LS2TM, LS3, LS5B, LS5T, LS7 e LS9) e algas calcárias (LS2TM, LS3, LS7 e LS9). Paleoecologia A informação obtida com o estudo dos ostracodos e microfácies, permitiu reconhecer um paleoambiente lagunar restrito, salobro, com influências marinhas periódicas. A parte basal da sucessão apresenta um registo fossilífero tipicamente marinho, com presença de fragmentos de equinodermes, comuns em zonas margino-litorais, bentónicos, não tolerando varia-


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ções de salinidade (esteno-halinos) (e.g. Domínguez et al., 2009). As evidências de textularídeos mostram salinidade normal a reduzida, dependendo também da temperatura e profundidade (e.g. Luczkowska, 1974). As dasicladáceas, algas fixas, boas indicadoras de paleoambiente sugerem baixo hidrodinamismo, salinidade normal, não tolerando variações desta, associadas à zona mais superficial da zona fótica em meio marinho interno (e.g. Basson & Edgell, 1971). Evidencia-se, entre os níveis LS2 e LS3 um paleoambiente deposicional de laguna marinha, passando alguns metros acima a um paleoambiente transicional com predominância mais salobra, onde a biodiversidade é mais restrita (nível LS4), coincidindo com o primeiro aparecimento de ostracodos da espécie Fossocytheridea merlensis. Um novo período de influência marinha é marcado pela presença de dasicladáceas e equinodermes,

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Figura 4 – Microfotografias do conteúdo fossilífero. D, Dasicladáceas; L, fragmentos de bivalves; T.A., tubos de anelídeos; M, Miliolídeos: O, Ostracodos; V, fragmento vegetal; F.A., foraminífero aglutinado; Ost., Ostreídos; E, fragmentos de equinodermes; B.I., bivalve não identificado. Escala: barra, 1 mm. a - nível LS2TM: observação de fragmentos de ostreídos, ostracodos (carapaças e valvas), um miliolídeo, fragmentos de bivalves e algas calcárias (dasicladáceas), fase de ligação micrite (x50); b - nível LS2TM: observação de fragmentos de bivalves e dasicladáceas, fase de ligação micrite (x50); c - nível LS2TM: observação de dasicladáceas, fragmentos de bivalves e porosidade (rara) (x50); d - nível LS2TM: foto geral. Observação de fragmentos de ostracodos, tubos de anelídeos, fragmento de vegetal (indiferenciado) (x25); e, nível LS3: observação de um foraminífero aglutinado (x50); f - nível LS5T: vista geral. Observação de fragmentos de bivalves (indeterminados e ostreídos) (x10); g - nível LS6: vista geral de um ostracodito (x10); h - nível LS6: vista geral de um ostracodito (x20). Figure 4 – Details of fossils and microfossils in thin section. D, Dasycladales; L, bivalve fragments; T.A., annelid tubes; M, Miliolids; O, Ostracods; V, plant remains; F.A., agglutinated foraminifera; Ost., Oyster; E, echinoderm fragments; B.I., unidentified bivalve. Scale: bar = 1 mm. a - LS2TM: ostracods, one miliolid, bivalve fragments and calcareous algae; micrite binding phase (x50); b - LS2TM: bivalve fragments and dasycladales; micrite binding phase (x50); c - LS2TM: dasycladales, bivalve fragments (x50); d - LS2TM: observation of ostracod’s fragments, annelid tubes, plant remains (undifferentiated) (x25); e - LS3: observation of agglutinate foraminifer (x50); f - LS5T: general view. Observation of bivalve fragments (undetermined and oysters) (x10); g - LS6: general view of an ostracodite (x10); h - LS6: general view of an ostracodite (x20).

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com uma diminuição de hidrodinamismo. É feita a passagem para um paleoambiente tipicamente salobro sendo a espécie Fossocytheridea merlensis dominante, comum em meio margino-litoral ou marinho restrito (Babinot & Colin, 1976; Tibert et al., 2003). Um novo período de influência predominantemente marinha é marcada pelo surgimento de equinodermes e textularídeos. A grande quantidade de ostracodos, provavelmente da mesma espécie, presentes uns metros acima, e sem grande diversidade de outros organismos, sugere novo paleoambiente tipicamente salobro, com baixo hidrodinamismo. A presença dos géneros Paracypris e Paracaudites mais acima sugere novo paleoambiente mais marinho, com equinodermes presentes. O género Paracypris é típico de ambiente marinho profundo (Van Morkhoven, 1963) podendo ser encontrado até à zona infralitoral (Andreu, 1991), e o género Paracaudites é comum em plataforma, sendo Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi uma espécie de transição entre recife e plataforma interna, associado a calcários de rudistas (Babinot, 1980). O género Fossocytheridea, revela transição de natureza mais salobra e grande quantidade de miliolídeos sugere ambiente lagunar hipersalino. Novo surgimento de dasicladáceas e equinodermes aponta para nova passagem mais marinha, e por fim verificam-se dois períodos deposicionais intercalados, um salobro, mais restrito, registado pela presença de Fossocytheridea merlensis na componente margosa, e outro mais marinho, registado pelas plaquetas carbonatadas onde se observaram dasicladáceas. A presença de Paracypris sp.1 (espécie marinha, menor quantidade) encontrada juntamente com Fossocytheridea merlensis (espécie salobra, maior quantidade) pode ser explicada pelo transporte de Paracypris para o interior da laguna através de períodos em que houve uma pequena influência marinha. Relação carapaças/valvas Segundo Oertli, (1971), quando um ostracodo morre, as suas valvas separam-se devido à intensa actividade bacteriana, que destrói os músculos e os ligamentos. Assim, surgem duas situações: quando a taxa de sedimentação é lenta, o substrato está consolidado e apenas parte dos indivíduos mortos atinge um nível suficientemente fundo para

evitar que as valvas se separem. Com uma elevada taxa de sedimentação, o substrato é suave e a maior parte das carapaças atinge níveis fundos, devido ao seu peso, preservando-se então as carapaças. Com base na relação entre o número de carapaças e valvas da espécie Fossocytheridea merlensis verificou-se maior quantidade de carapaças nos níveis LS7, LS8M e LS10B indicando baixo hidrodinamismo e elevada taxa de sedimentação do meio, contrariamente ao nível LS4BM onde o número de valvas era superior revelando um meio de maior hidrodinamismo, levando a remobilização sedimentar e favorecendo a desagregação das valvas (Fig. 5). Relação jovens/adultos Para o estudo da relação jovens/adultos apenas se utilizaram os exemplares da espécie Fossocytheridea merlensis, visto ser a única que apresentava população adulta e jovem, facilmente identificável (Fig. 6). Verificou-se que o número de carapaças adultas é superior ao número de carapaças de jovens. Segundo De Decker (2002) isto deve-se, provavelmente, às variações do meio que são mais favoráveis à preservação das carapaças adultas em detrimento das carapaças jovens, uma vez que estas são mais finas e mais frágeis, resistindo menos aos processos diagenéticos e deixando, assim, menor registo nas formações geológicas. Por outro lado, poderá também ser explicado o predomínio das carapaças adultas devido à actividade de correntes de fundo que transportam carapaças de dimensões menores, uma vez que após a morte do ostracodo, estas apresentam a mesma resistência hidrodinâmica que as partículas sedimentares do fundo da coluna de água. Conclusões A sucessão analisada ter-se-á depositado em meio predominantemente lagunar restrito, salobro, de baixo hidrodinamismo mas com taxa de sedimentação elevada (informação inferida através da abundância significativa de carapaças de Fossocytheridea merlensis) e com influências marinhas periódicas indicadas pelo aparecimento de Paracypris sp.1, Paracaudites (Dumontina) aff. grekoffi, Paracaudites (Dumontina) juliensis, dasicladáceas e equinodermes em alguns níveis. É de salientar ainda que, du-


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Figura 5 – Relação carapaças/valvas dos ostracodos das amostras estudadas. Figura 5 – Ostracods carapaces/valves relation from studied samples.

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Figura 6 – Relação entre a presença de adultos e juvenis de Fossocytheridea merlensis (ostracodo). Figura 6 – Adult and youth relation in ostracod’s Fossocytheridea merlensis.

Figura 7 – Evolução paleoambiental da secção em estudo. A - Através do estudo de ostracodos; B - Através do estudo de microfácies. Figura 7 – Paleoenvironmental evolution of the studied section. A - From ostracod’s study; B - From microfacies study

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Ostracodos e microfácies de depósitos margo-carbonatados do Cenomaniano de Lousa - Salemas, região de Lisboa

rante a deposição em meio lagunar restrito e salobro, ocorreram eventos tempestíticos (Fig. 7). Agradecimentos Às Professoras Maria Cristina Cabral e Ana Cristina Azerêdo (Departamento de Geologia, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa), pelo conhecimento transmitido e apoio ao longo do projecto de licenciatura, bem como à realização deste artigo. À Cynthia Mourão (Departamento de Geologia, FCUL) pela ajuda fornecida na execução das lâminas delgadas. À Vera Lopes (Departamento de Geologia, FCUL) e Rute Coimbra (IDL, FCUL), pelos conhecimentos informáticos fornecidos. Ao Departamento de Geologia e ao Centro de Geologia, ambos da FCUL, pelos equipamentos disponibilizados para a realização deste trabalho.

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ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

GEONOVAS N.º 28: 79 a 92, 2015

Aspectos sobre os métodos de refração sísmica S. Neves1*, J. F. Borges2, B. Caldeira2, P. Moita3, J. Pedro4 & R. Boaventura5 Universidade de Évora, Centro de Geofísica de Évora, Laboratório Hercules, Rua Romão Ramalho n.º 59,Évora Universidade de Évora, Centro de Geofísica de Évora, Departamento de Física, ECT, Rua Romão Ramalho n.º 59, Évora 3 Universidade de Évora, Laboratório Hercules, Departamento de Geociências, ECT, Rua Romão Ramalho n.º 59,Évora 4 Universidade de Évora, ICT-Instituto Ciências da Terra, Departamento de Geociências, ECT, Rua Romão Ramalho n.º 59,Évora 5 UNIARQ, Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa 1

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*autor correspondente: samuel_lagoa@hotmail.com

Resumo Os métodos de interpretação de refração sísmica têm vindo a ser desenvolvidos ao longo dos anos em paralelo com o aumento da capacidade de cálculo numérico. Inicialmente, foi desenvolvido o método tempo de intercepção, seguido por outros métodos mais robustos. A refracção sísmica tem sido aplicada em diversas áreas, nomeadamente em engenharia civil, ambiente, prospecção de petróleo, e arqueologia. Neste artigo são avaliados os resultados obtidos por alguns métodos, nomeadamente, o método tempo de intercepção, Plus-Minus, GRM e tomografia sísmica. Demonstra-se que é possível aplicar todos os métodos, dependendo unicamente do grau de exigência do objectivo, que pode passar pelo nível de resolução, ter em conta ou não a variabilidade lateral de velocidade, ou o tempo de realização das tarefas tanto em campo e como no processamento. São ainda apresentadas as vantagens e desvantagens para cada método bem como alguns pormenores de processamento e técnicas de aquisição de dados no campo. Palavras-chave: Geofísica, Refração Sísmica, Tomografia Sísmica. Abstract The refraction methods have been developed over the years in parallel with increasing numerical computation. Initially, intercept time method was developed, followed by other more robust methods. Seismic refraction has been applied in several areas, particularly in civil engineering, environment, oil drilling and archaeology. This article reviews the results obtained by other methods, namely intercept time, plus-minus GRM and seismic tomography. It demonstrates that it is possible to apply all methods, depending solely on the degree of the objective requirement: such as the level of resolution taking into account whether or not lateral the variability of seismic P waves velocity, or the completion time of tasks both in the field as in processing. Also presents the advantages and disadvantages for each method and some details of data processing and acquisition techniques in the field. Key words: Geophysics, Seismic Refraction Survey, Seismic Tomography.

1. Introdução A refracção sísmica é um método de quantificação de algumas propriedades físicas do interior da Terra através de medidas indiretas de certos parâmetros. Neste artigo a propriedade que se caracteriza é a velocidade das ondas sísmicas P (também designadas por ondas volúmicas compressionais). Estas ondas são geradas artificialmente através de fontes sísmicas, e as vibrações do terreno por estas produzidas são detectadas e registadas à superfície por geofones, ligados a um equipamento de aquisição

designado por sismógrafo, sendo posteriormente sujeitas a interpretação. O estudo das ondas sísmicas P através do método de refração sísmica permite estimar a estratigrafia geológica do local de estudo, sendo possível determinar a espessura de cada camada e as respectivas velocidades das ondas sísmicas P. O estudo da propagação das ondas sísmicas necessita de uma fonte sísmica que pode ser natural (sismos) ou artificial (martelo, vibrações induzidas pelo ambiente, AWD (Acelerated weight drop), espingarda sísmica ou explosivos). A dimensão do modelo de velocidades obtido a partir das ondas P (quer em

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Aspectos sobre os métodos de refração sísmica

comprimento, quer em profundidade) depende do comprimento do array, pois as ondas que penetram mais profundamente no meio, são aquelas registadas nos geofones localizados nos estremos do array. A fonte sísmica pode ser alterada mediante o objectivo do trabalho. Para arrays de grande comprimento é necessária uma fonte sísmica energética, como o caso de fontes sísmicas AWD ou explosivos. Estas fontes introduzem um maior impacto no solo, de modo que a onda sísmica percorra todo o array e seja registada de forma clara em todos os geofones. Para arrays de pequenas dimensões (< 60 m) normalmente é utilizado o martelo ou espingarda sísmica, pois a energia requerida é menor. A propagação das ondas sísmicas P obedece à lei de Snell-Descartes, segundo a qual, quando uma onda sísmica encontra uma interface que separa dois meios com velocidades diferentes, vai originar ondas reflectidas e transmitidas. Quando uma onda passa de um meio com menor velocidade para um meio com maior velocidade (o que frequentemente ocorre no interior da Terra), existe um ângulo de incidência para o qual o ângulo de transmissão é de 90º. Nestas condições, a incidência é designada por incidência crítica e a propagação da onda sísmica ocorre ao longo da interface de separação entre os dois meios. A este ângulo designa-se de ângulo crítico (ic), podendo ser obtido pela seguinte equação: sin ic = V1 V2 . Sendo que V1 representa a velocidade das ondas sísmicas P na camada superior (camada 1), enquanto V2 representa a velocidade das ondas sísmicas na camada inferior (camada 2). Quando os ângulos de incidência são maiores que 90º não existe raios transmitidos. Note-se que a aplicação prática desta lei obriga a que as velocidades das ondas sísmicas têm que ser necessariamente crescentes em profundidade, o que representa uma limitação deste método para os casos em que existem camadas de baixa velocidade. Por outro lado, a aplicação deste método implica que existam contrastes significativos entre as velocidades das diferentes camadas. A primeira onda a ser registada pelos geofones é designada de onda directa, e corresponde à onda que viaja entre a fonte sísmica e os geofones através da camada superfícial. Enquanto as outras ondas são designadas de ondas refractadas. A lei de Snell-Descartes mostra que existe uma incidência crítica para a qual a onda refractada viaja ao longo

da interface com velocidade do meio inferior (velocidade mais elevada). Esta energia retorna à superfície através das ondas refractadas criticamente. Com base nestes princípios físicos foram desenvolvidas metodologias que permitem determinar a velocidade de propagação das ondas sísmicas P, e espessura das diferentes camadas que compõem o subsolo. Pretende-se com este trabalho comparar os resultados de várias metodologias de refração sísmica, nomeadamente, tempo de intercepção (Redpath, 1973), Plus-Minus (Hagedoorn, 1959), Generalized Reciprocal Method – (Palmer, 1980) e tomografia de refração sísmica (Seehan et al., 2005; Lecomte et al., 2000; Watanabe et al., 1999; Schuster & Quintus-Bosz, 1993). De seguida serão apresentados alguns aspectos teóricos em que se baseiam os quatro métodos referidos, posteriormente, são apresentadas aplicações dos métodos em estudo a um caso de estudo, o caso da anta do Belo, localizada na região de Monforte, onde foram realizados 3 arrays. Finalmente, são apresentadas as comparações dos resultados dos diferentes métodos e conclusões do trabalho. 2. Aspectos teóricos dos métodos de interpretação de refração sísmica Os métodos de interpretação de refração sísmica baseiam-se na determinação dos tempos de chegada das ondas sísmicas (Redpath, 1973), ou na determinação da propagação da frente de onda que obedece ao Princípio de Huygens A maioria dos métodos de interpretação de refração sísmica baseia-se na determinação dos tempos de chegada das ondas sísmicas, visto que esta metodologia requer menor esforço computacional, enquanto a outra metodologia requer maior esforço computacional, devido ao nível de complexidade das equações físicas e dos algoritmos envolvidos. Os métodos de interpretação de refração sísmica têm vindo a evoluir com o aumento progressivo da capacidade de computação numérica. Inicialmente, August Schmidt em 1888, apresentou o gráfico que representa o tempo de chegada das ondas sísmicas em função da distância ao receptor. Em 1899, G. K. Knott, apresentou a teoria sobre a propagação das ondas sísmicas nas interfaces entre camadas, e em 1910, A. Mohoravicic verificou que as ondas sísmicas P e S têm diferentes


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fases de onda. Para além deste facto, ele postulou que a velocidade de propagação das ondas sísmicas aumenta em profundidade. Com base nestes princípios foi desenvolvido o método tempo de intercepção, que parte do princípio que o subsolo é composto por camadas planas e paralelas. Os conceitos teóricos onde este método se baseia foram posteriormente apresentados por Redpath, 1973. Posteriormente, foram desenvolvidos os métodos Plus-Minus (Hagedoorn et al., 1959) e GRM (Palmer, 1980), que utilizam os tempos recíprocos (tempos de chegada a um dado receptor dos tiros direto e inverso) e se adaptam a refractores irregulares. Actualmente, a tomografia de refração sísmica (Seehan et al., 2005; Lecomte et al., 2000; Watanabe et al., 1999; Schuster & Quintus-Bosz, 1993), apesar de apresentar maior complexidade na fase de aquisição e interpretação de dados, tem vindo a ser cada vez mais utilizada pela à sua versatilidade e capacidade de representar com maior precisão e realismo os modelos geológicos, oferecendo, deste modo, maiores possibilidades de interpretação (Palmer, 2010; Mendes et al., 2008, Mari et al., 2012). Tempo de intercepção O presente método baseia-se na determinação dos tempos de propagação das ondas sísmicas no terreno. Onde, através da Lei de Snell-Descartes e de relações trigonométricas é possível estimar a velocidade de propagação das ondas sísmicas nas diferentes camadas, bem como as respectivas espessuras, correspondente a um modelo de interface horizontal plana. Para obter o modelo de velocidades é necessário representar em gráfico os tempos de chegadas das ondas sísmicas P em função da distância aos receptores, sendo esta representação designada por gráfico T-X ou dromocrónica. Este gráfico é composto por segmentos de recta após a regressão linear, e a velocidade é determinada para cada segmento de recta, pelo inverso do declive, sendo que o número de camadas é dado pelo número de segmentos de recta. O tempo de intercepção (Ti) é a ordenada na origem da recta cujo declive é 1/V2 (a figura 1 ilustra a situação de um modelo de velocidades composto por duas camadas planas e paralelas, uma superfi-

GEONOVAS N.º 28: 79 a 92, 2015

cial e uma semi-infinita). Este parâmetro indica a chegada da onda refractada proveniente da camada inferior. Note-se que, para este caso em particular, só é necessário realizar um tiro, dado que o modelo de velocidades é discreto, plano e paralelo. A espessura da camada superficial (z1) é dada pela seguinte equação:

(

(

))

Z1 = TiVi 2 cos sin −1 V1 V2 ,

onde, Ti é o tempo de intercepção, em segundos, V1 é a velocidade de propagação das sísmicas na camada 1 e V2 é a velocidade de propagação das ondas sísmicas na camada 2, em m/s. A camada 2 representa o meio semi-infinito, razão pela qual não apresenta espessura finita. O modelo de várias camadas com interface horizontal plana é uma generalização do modelo anterior. Neste modelo, o número de segmentos de recta é igual ao número de camadas (Fig. 2(a)). O segmento de recta que se encontra junto à posição do tiro, representa a camada superficial (velocidade baixa), enquanto o segmento de recta que se encontra mais longe da posição do tiro representa a camada mais profunda (velocidade mais elevada). A espessura da camada 1 é dada por:

(

(

z1 = TiVi 2 cos sin −1 V1 V2

))

enquanto para as camadas 2 e 3 são dadas por:

( (2 cos(sin

) V )),

z 2 = ∆T2V2 2 cos(sin −1 V2 V3 ) e, z 3 = ∆T3V3 em que:

−1

V3

4

∆T2 = Ti 3 − Ti 2 e, ∆T3 = Ti 4 − Ti 3

, Onde TiJ é o tempo de intercepção relativo ao segmento de recta j. Para avaliar a inclinação da interface entre camadas é necessário realizar dois tiros, sendo estes posicionados nas extremidades do array. O primeiro tiro é designado de tiro directo, enquanto o tiro realizado na extremidade oposta é designado de tiro inverso. Se os tempos de intercepção do tiro directo (Ti,DIR) e do tiro inverso (Ti,INV), são iguais, a interface é horizontal plana (modelo

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Aspectos sobre os métodos de refração sísmica

Figura 1 – Modelo de velocidades de duas camadas com interface horizontal plana. Figure 1 – Velocity model for two flat horizontal layers.

Figura 2 – a - Modelo de várias camadas com interfaces horizontais planas. Figure 2- a - Velocity model for several flat horizontal layers.

Figura 2 – b - Modelo de 2 camadas com interface plana inclinada. Figure 2- b - Velocity model of two layer with flat dip interface.


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original), caso contrário, a interface entre camadas é inclinada, sendo o seu declive calculado por:

onde V1 é a velocidade da camada 1, obtida pela média entre a velocidade aparente V1,DIR e V1,INV. Quando V1,DIR e V1,INV são diferentes, existe variação lateral de velocidade. Este método omite essa informação, atribuindo assim, uma velocidade média à camada superficial. V2,DIR é a velocidade aparente da camada 2 obtida do tiro directo, enquanto V2,INV é a velocidade aparente da camada 2 obtida do tiro inverso. As velocidades aparentes são determinadas a partir do gráfico T-X pelo inverso do declive do segmento de cada recta, após regressão linear aos tempos de chegada das ondas sísmicas (Fig. 2 (b)). Após a determinação das velocidades aparentes e do declive da interface, a velocidade da camada 2 é dada por:

Note-se que na equação anterior, a velocidade de propagação das ondas sísmicas tem em conta a inclinação da interface entre camadas. Ao ter-se em conta a inclinação, o percurso das ondas sísmicas é adequado ao modelo teórico de velocidades de camadas com interface inclinada. 2.2 Plus-Minus O método Plus-Minus foi desenvolvido por Hagedoorn (1959) e baseia-se nos princípios físicos do método anterior. Hagedoorn (1959) introduziu um novo conceito na metodologia original, designado, tempo de atraso (Delay times). Este conceito permite calcular a variação da velocidade ao longo do array com base nos dados obtidos através de dois tiros realizados nas extremidades do mesmo. E assim, é possível estimar as velocidades das ondas sísmicas bem como a espessura de cada camada por debaixo de cada geofone. É comum, neste método utilizar-se dois tiros afastados (TiroO,DIR e TiroO,INV), isto

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é, a contabilizar de cada extremidade, os tiros são posicionados a metade do comprimento do array (Fig. 3). Estes tiros possibilitam a utilização da metodologia Phantom Arrival (Hagedoorn, 1959), permitindo assim, aferir com maior precisão a velocidade do meio semi-infinito bem como a profundidade do mesmo. A Figura 3 apresenta o esboço do referido array, sendo L o comprimento do array, d1 é a distância entre o tiro directo (ponto A) e o primeiro geofone, e dx é o afastamento entre geofones. O tempo de atraso calculado no tiro A (DTA) é definido pela diferença temporal entre o trajecto AB e o trajecto A’B, resultando a seguinte equação: . Ao se relacionarem os tempos dos trajectos com a espessura da camada (zA), obtém-se: ∆T A = z A (V1 . cos i c ) − ( z A tan i c ) V 2 ,

em que o parâmetro ic é o ângulo crítico, e V1 e V2 são as velocidades das ondas sísmicas P para as camadas 1 e 2, respectivamente. Para calcular o tempo de atraso para o caso do geofone na posição D (DTD), é necessário determinar os tempos de propagação das ondas sísmicas entre os pontos ABFG, ABCD, e GFED. Na figura 4 são apresentados todos os parâmetros intervenientes no cálculo, nomeadamente, o tempo total de propagação da onda sísmica (TT), o tempo que a onda sísmica demora a percorrer o meio entre o tiro G e o geofone D (TGD), e o tempo que a onda sísmica demora a percorrer o meio entre o tiro A e o geofone D (TAD). Os restantes parâmetros foram referidos nos pontos anteriores. Aplicando o método Plus obtém-se o atraso para o geofone na posição D, , Este procedimento é realizado para os restantes geofones. De seguida, é determinada a velocidade das ondas sísmicas para cada camada do modelo de velocidades através do método Minus. Ou seja, a velocidade da primeira camada é dada pela onda directa (através do declive do primeiro segmento de recta após regressão linear (1/V1). As ve-

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84 Aspectos sobre os métodos de refração sísmica

Figura 3 – Disposição dos tiros no array. Figure 3 – Shots displacement inside of array.

locidades das restantes camadas são obtidas através do parâmetro: TSD-TS’D. Isto é, são representadas as diferenças entre os tempos de chegada das ondas sísmicas provenientes do tiro directo e inverso (TiroDIR e TiroINV), para o geofone D, sendo posteriormente realizada a mesma tarefa para os restantes geofones. O numero de segmentos de recta é igual ao número de camadas. Note-se que, a variação do declive dos segmentos de recta reflecte a variação lateral da velocidade do meio. Obtidos todos os tempos de atraso segundo o método Plus, e as velocidades bem como o número de camadas através do método Minus, é possível estimar a espessura perpendicular com a interface das camadas (z1) através da seguinte equação:

∆TD =

z D V 22 − V12 V 2V1

Figura 4 – Trajectos dos raios sísmicos através do método Plus-Minus. Figure 4 – Seismic raypath from Plus-Minus method.

No presente artigo é apresentado um modelo definido por duas camadas. No entanto, esta metodologia permite caracterizar mais do que duas camadas. Note-se que a maior limitação deste método deve-se a curvatura da interface entre duas camadas, que deve ser pequena comparada com a profundidade, e a inclinação da interface deve ser menor que 10 graus.

distâncias entre si (XY=0,2,4,. (metros)), enquadrados dentro do array (Fig. 5). Esta análise é realizada através da função de análise de velocidade:

2.3 GRM O método Generalized Reciprocal Method, vulgarmente conhecido por GRM foi desenvolvido por Palmer (1980). O desempenho deste método tem sido estudado por alguns autores (Seisa, 2007; Leung, 2003, 1995; Sjorgen, 2000; Whiteley, 2006), onde avaliam o parâmetro distância óptima XY (distância entre pares de geofones para a qual as ondas sísmicas emergem do mesmo ponto refractor) e as suas implicações no modelo de velocidades final. O GRM avalia os tempos de propagação obtidos por um par de geofones afastados a várias

onde TAY representa o tempo que a onda sísmica demora a percorrer o meio entre o ponto A (posição do tiro directo) e o ponto Y (geofone Y), TBX representa o tempo que a onda sísmica demora a percorrer o meio entre o ponto B (posição do tiro inverso) e o ponto X (geofone X). TAB é o tempo que a onda sísmica demora a percorrer entre a posição do tiro directo (A) e a posição do Tiro inverso (B), designando-se também por tempo total. Assim, o resultado da função de análise de velocidade é um conjunto de funções TV que variam segundo os valores atribuídos ao parâmetro XY. Os valores atribuídos ao parâmetro XY variam entre


ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

o espaçamento entre geofones e o comprimento do array. Ao representar-se todas as funções no gráfico que relaciona o tempo com a distância ao receptor, torna-se possível avaliar qual o parâmetro XY óptimo para proceder ao próximo passo no processamento. Segundo Seisa (2007), o parâmetro XY óptimo é aquele que apresenta a função de análise de velocidade com o declive mais suave. As velocidades aparentes (V’) são determinadas através dos declives da função de análise de velocidade. De seguida, são obtidas as funções tempo-distância para o mesmo conjunto de pares de geofones (XY) utilizados na análise anterior: . A função TG óptima é identificada pela maior irregularidade do declive, isto é, entre todas as funções de tempo-distância definidas pelo conjunto de valores arbitrados XY, aquela que ter o declive mais acidentado é a função óptima. Escolhido o parâmetro óptimo XY através da função de análise de velocidades e da função tempo-distância, de seguida é calculada a velocidade média entre a superfície do terreno e a camada refractada através da equação: . A espessura de cada camada por debaixo de cada geofone é dada por: −

z = TG V V '

2

− 2

V ' −V .

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didade de velocidade. Trata-se, portanto, de uma vantagem relativamente a aos métodos anteriores. A tomografia sísmica permite estimar o modelo de velocidades das ondas sísmicas determinando os tempos de propagação das ondas sísmicas, através da resolução da equação eikonal (Schuster et al,. 1993) por diferenças finitas (Lecomte & Podvin, 2000). O método da tomografia sísmica requer o maior número de tiros, dado que, no processo de inversão do modelo de velocidades, são requeridos muitos dados, já que o número de parâmetros a inverter para a obtenção do modelo de velocidades é muito superior ao dos métodos anteriores, e depende da resolução do modelo de velocidades que se pretende obter. O processamento inicia-se com a tarefa comum a todos os métodos de refração sísmica, determinação dos tempos de chegada das primeiras ondas sísmicas. De seguida, é calculado o modelo de velocidades inicial. Existem diferentes métodos para gerar um modelo de velocidade inicial, sendo mais utilizado o método do gradiente vertical de velocidade (Seehan, 2005), ou os métodos Plus-Minus (Hagedoorn, 1959), GRM (Palmer, 1980), ou VIRT (Visual interactive ray trace) (Whiteley, 2004). Neste artigo é utilizado o método gradiente vertical de velocidade para obter o modelo inicial. Após a determinação do modelo inicial de velocidades, os trajetos das ondas sísmicas são obtidas considerando a primeira zona de Fresnel. A primeira zona de Fresnel é definida por um elipsóide concêntrico que define o volume do padrão de radiação, e se existir obstáculos entre o emissor e o receptor, os sinais apresen-

A figura 5 apresenta um esquema sobre os trajectos das ondas sísmicas avaliados pelo método GRM. 2.4 Tomografia de refração sísmica Com o aumento da capacidade de cálculo e a evolução dos métodos de interpretação, a tomografia sísmica de refração tem vindo a ser cada vez mais utilizada como alternativa aos métodos tradicionais. Ao contrário dos métodos descritos anteriormente, este método não se baseia em modelos estratificados, mas sim, em modelos em que se assumem gradientes de velocidades, permitindo assim, determinar as variações laterais e em profun-

Figura 5 – Trajecto dos raios sísmicos segundo o método GRM. Figure 5 – Seismic raypath from GRM method.

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tam uma defasagem de 0 a 180 graus. (Watanabe, 1999). Em cada iteração, os erros temporais são utilizados para ajustar o modelo de velocidade, minimizando as diferenças entre os tempos calculados e os observados. Note-se que nem sempre o menor erro significa o resultado melhor, por isso, deve-se sempre confrontar o modelo obtido com o conhecimento existente acerca da geologia, e se possível, utilizar outros métodos, tais com como, sondagens, ou outros métodos geofísicos apropriados. A inversão tomográfica é realizada através de um programa computacional, no qual se tem em conta a posição dos tiros e geofones, a topografia, os tempos de chegada observados das ondas sísmicas, o modelo inicial de velocidades, entre outros parâmetros que controlam o processo de inversão. O tempo de computação aumenta com o aumento de dados. Neste artigo foi utilizado o programa Rayfract (Rayfract, 2001) para realizar o tratamento tomográfico de refração sísmica. Atualmente, existem vários estudos sobre o melhoramento dos resultados da inversão dos dados de refração sísmica, quer ao nível da introdução de modelos a priori mais detalhados, quer ao nível da melhoria dos algoritmos de inversão. A maioria dos métodos de inversão só tem em conta os tempos de chegadas das ondas sísmicas, o que possibilita obter resultados num curto intervalo de tempo e não incluem o conteúdo espectral nem a forma de onda na inversão dos dados. A não utilização de informação mais completa que é possível extrair dos dados prende-se essencialmente com a complexidade dos algoritmos necessários para incluir esses dados, e com o aumento do tempo de computação necessário para os processar. 3. Comparação dos métodos de interpretação de refração sísmica 3.1 Enquadramento geral Foram realizados na propriedade do Belo em Monforte, concelho de Portalegre, 3 arrays de refração sísmica com objectivo de comparar os resultados obtidos através dos métodos de refração sísmica descritos no ponto anterior. Foram utilizados 3 arrays com 42 geofones (L1, L2, e L3), que detectam as vibrações verticais do terreno, com frequência própria de 45 Hz, espaçados de 50 cm entre si. Os

arrays L2 e L3 estão separados de 3,0 e 6,0 m em relação ao array L1, respectivamente. Como fonte sísmica foi empregue um martelo de cerca de 9 kg. Foram realizados um total de 17 tiros por linha (nº. de tiros adequados aos diferentes métodos empregues), sendo o primeiro tiro realizado a 25 cm do primeiro geofone, e depois os seguintes 14 tiros foram espaçados a 1,50 m em relação ao anterior, até alcançar o tiro 15 na posição 21,00 m. Os últimos dois tiros foram realizados a 10,50 m das extremidades do array (tiros afastados). A figura 6 apresenta a disposição do equipamento no terreno, sendo que L representa o comprimento do array, T1 é a posição do tiro 1, TO1 é a posição do tiro afasto 1 em relação ao array, d1 é a distância entre o tiro 1 e o primeiro geofone, dx é o afastamento entre geofones. Os arrays estão alinhados de Sul para Norte, sendo apresentados mais pormenores do seu posicionamento global no capítulo seguinte. O sismógrafo é da marca PASI e modelo ANTEO. A taxa de amostragem foi de 0,250 ms, e a janela temporal de registo foi de 120 ms. Este equipamento permite digitalizar o sinal junto de cada geofone e a transmissão dos dados entre geofone e sismógrafo é feita em formato digital, evitando-se as inerentes interferências e contribuindo, deste modo, para a obtenção de formas de onda com boa razão sinal/ruído. 3.2 Enquadramento geológico e topográfico A área de Monforte localiza-se nos domínios NE da Zona de Ossa-Morena, sendo caracterizada pela presença do Maciço de Santa Eulália, que corresponde a uma intrusão de granitos variscos tardi a pós-orogénicos. Trata-se de uma estrutura com forma elíptica, alongada segundo a direção E-W, que ocupa cerca 400 km2 e que intrui e metamorfiza por contacto unidades metassedimentares do Proterozóico e do Paleozóico inferior (e.g. anfibolitos, gneisses e metapelitos). Na área de Monforte o maciço corresponde a um granito róseo de grão médio a grosseiro. O modelo digital do terreno do local de estudo (Fig. 7 (a)) foi obtido através do Laser Scanner 3D Faro Focus. Este equipamento permite mapear tridimensionalmente objectos com precisão de 2 mm. O equipamento tem uma lente rotativa que projec-


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ta um raio laser e determina posições em todas as direcções, em que o alcance é dependente da resolução atribuída pelo utilizador. Determinadas as coordenadas (num referencial local) são retiradas fotografias através de uma máquina fotográfica de alta precisão instalada no equipamento, sendo assim, atribuída a cor na escala RGB a cada ponto. No local (Belo-Monforte) foram realizadas cinco aquisições de dados, tendo-se realizado o registo das várias aquisições (acção que permite juntar várias aquisições numa única nuvem de pontos) no programa comercial Scene (Scene, 2014). Após, aplicação de filtro de imagem e selecção da área de estudo, foi criado um ficheiro com a nuvem de pontos no formato ASCII XYZ. As coordenadas obtidas pelo Laser Scanner 3D estão orientadas para Norte. Contudo, o valor de cada coordenada corresponde a um referencial local definido pelo próprio equipamento. Para transformar as coordenadas iniciais em coordenadas UTM globais, foi determinado o ponto X0 no referencial local, e posteriormente corrigido através da coordenada obtida por GPS para o mesmo ponto. Os dados finais da nuvem de pontos foram processados no programa Surfer v.11, tendo-se utilizado o método de interpolação kriging simples (com passo da malha de 20 x 20 cm, e parâmetros de krigagem por defeito do programa Surfer) para gerar o modelo digital do terreno (Fig. 7 (a)). A figura 7 (b) apresenta os perfis topográficos, alinhados dos arrays (L1, L2, L3). O ponto xi representa o início do array. 3.3 Aplicação dos métodos de refração sísmica A nomenclatura apresentada neste capítulo para as sub-figuras da figura 8 tem em conta, o nú-

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mero do array (L1, L2, e L3), e a metodologia de refração que foi utilizada (a – Tempo de intercepção; b – Plus-Minus; c – GRM ; d – Tomografia sísmica). Em todos os arrays foram realizadas correcções estáticas, isto é, em todos os arrays foram introduzidas as coordenadas topográficas obtidas através do modelo digital do terreno (Fig 7b). Para aplicar o método tempo de intercepção (capítulo 2.1), foi utilizado apenas o tiro de extremidade em cada array (T1). Depois de identificados todos os tempos das primeiras chegadas das ondas sísmicas, foram determinadas o número de camadas bem como as respectivas velocidades Os dados foram importados para o programa Surfer v.11, onde foram gerados os modelos de velocidades das ondas P, estando os resultados apresentados na figura 8 (L1-a); (L2-a); (L3-a). Verifica-se que este método é bom para obter uma estimativa de velocidade das ondas sísmicas P do meio através de um procedimento simples e rápido. No entanto, considera uma simplificação drástica ao considerar camadas planas e paralelas, simplificação que nem sempre se adequa aos modelos geológicos reais. Para além da limitação referida, a variação lateral de velocidade não é contemplada, dado que a velocidade de cada camada é obtida por ajuste (regressão linear) aos tempos de chegada das ondas sísmicas. Para o método Plus-Minus utilizaram-se quatro tiros, dos quais dois tiros foram realizados nas extremidades do array, e os restantes foram tiros afastados de 10,50 m. O processamento dos dados foi realizado no programa Winsism V.14 (Winsism, 2013), o qual utiliza a metodologia referida no capítulo 2.2. Após a determinação dos modelos de velocidades, os ficheiros com os resultados foram exportados

Figura 6 – Esquema de disposição do array no campo. Figure 6 – Scheme of array displacement at field.

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Figura 7 – a - Modelo digital do terreno. Figure 7 – a - Digital model of terrain.

Figura 7 – b - Perfis dos arrays L1, L2 e L3. Figure 7 – b - Array profiles from L1, L2, and L3.


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para o programa Surfer v.11, onde foram gerados os modelos de velocidades, com recurso a interpolação através do método kriging simples, com o passo de grelha de 5 x 5 cm. Os resultados deste método são apresentados na figura 8 (L1-b); (L2-b); (L3-b). Verifica-se que o método Plus-Minus ajusta-se melhor a variabilidade estratigráfica da geologia (figura 8 (L1-b); (L2-b); (L3-b)) que o método tempo de intercepção (figura 8 (L1-a); (L2-a); (L3-a)). Deste modo, obtém-se uma boa estimativa das interfaces entre camadas ao longo do array. Contudo, é de salientar que este método está limitado a interfaces com suaves declives (inferiores a 10 graus), o que poderá constituir uma limitação importante pois poderá fornecer modelos de velocidades menos precisos. As velocidades das ondas P obtidas pelo método Plus-Minus (figura 8 (L1-b); (L2-b); (L3-b)) são semelhantes às obtidas pelo método anterior (figura 8 (L1-a); (L2-a); (L3-a). A variabilidade lateral de velocidade não é contemplada neste método. Note-se que este método permite obter uma boa estimativa do modelo de velocidades com recurso a apenas quatro tiros. Isto permite optimizar os recursos no terreno para uma maior rentabilidade de trabalho. Para além deste ponto, deve-se salientar que nem sempre é possível aplicar este método devido ao comprimento do array, visto que necessita do um comprimento superior ao comprimento da linha de geofones e por vezes pode ser condicionado por barreiras físicas, ou um nível elevado de ruído, o que impossibilita a correcta determinação do tempo de chegada das primeiras ondas sísmicas. Relativamente ao método GRM foram utilizados os mesmos tiros que no método anterior (4 tiros), bem como o programa de processamento. A metodologia utilizada pelo programa Winsism V.14 (Winsism, 2013) está descrita no capítulo 2.3. O parâmetro óptimo XY que suavizou melhor a função de análise de velocidade foi de 2 m. Depois de obtidos os ficheiros ASCII XYZ foram importados no programa Surfer v.11, de modo a gerar os modelos de velocidades, interpolados pelo método de kriging simples, com o passo de malha de 5 x 5 cm e com parâmetros de krigagem por defeito do programa Surfer v.11 (Fig - 8 (L1-c); (L2-c); (L3c)). Verificou-se que este método permite avaliar

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com maior rigor interfaces entre camadas com um maior nível de irregularidade topográfica (Fig. 8 (L1-c); (L2-c); (L3-c)). É de salientar que a determinação de bons resultados está directamente relacionada com o parâmetro XY óptimo. Caso este parâmetro não seja o mais adequado, o resultado poderá vir afectado de artefactos gerados pelo método (Leung, 1995). Comparando os resultados obtidos pelo método GRM (Fig. 8 L1-c; L2-c; L3-c) com os resultados dos métodos anteriores, verifica-se que as velocidades das ondas P são semelhantes. Relativamente ao mapeamento das camadas, verifica-se que existe boa concordância das mesmas, excepto no caso L2-b e L2–c, onde o método GRM estima uma profundidade maior, bem como um maior nível de irregularidade da interface entre a segunda camada e o meio semi-infinito, por comparação com o método Plus-Minus. Um facto importante, mas não considerado neste estudo por motivos económicos, para os métodos Plus-Minus e GRM é o controlo de velocidade da camada superficial (de baixa velocidade). Deve-se realizar sempre tiros no interior do array de modo a determinar a velocidade correta da camada superficial. Se a velocidade da camada superficial é erradamente determinada, a profundidade das camadas subjacentes são afectadas desse erro. O processamento da tomografia sísmica foi realizado no programa Rayfract (Rayfract, 2001). Foram utilizados 15 tiros, todos eles localizados dentro do array (Fig. 6), sendo estes, afastados entre si de 1,50 m. A metodologia utilizada neste programa está descrita no capítulo 2.4. O resultado da tomografia sísmica foi exportado directamente para o Surfer v.11, onde foram gerados os modelos de velocidades iniciais, os gráficos de convergência dos raios sísmicos, bem como os modelos de velocidades finais das ondas P (Fig. 8 (L1-d); (L2-d); (L3-d)). Foram utilizadas 100 iterações para cada dispositivo, tendo-se obtido erros RMS de 2,7 %, 3,0 % e 3,0 % para os arrays L1, L2, e L3, respectivamente Verificam-se que os resultados obtidos pela tomografia (Fig. 8 (L1-d); (L2-d); (L3-d)) são semelhantes com os métodos anteriores. As principais gamas de velocidades das ondas P são equivalentes. No entanto, a distribuição espacial das camadas é

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diferente. Deve-se ao facto que a inversão dos dados baseia-se inicialmente num modelo de gradiente vertical, o que influência o resultado final. É de salientar que, tanto nos perfis de tomografia sísmica como nos métodos Plus-Minus e GRM, existem zonas que têm a mesma assinatura, ou seja, zonas que têm depressões, ou elevações no mesmo intervalo de distância, como é o caso da assinatura compreendida entre a distância 10 e 18 m. Note-se que este método requer a realização de um número elevado de tiros. Quanto menor for o espaçamento entre os tiros, melhor é a resolução do modelo de velocidades. O programa Rayfract (Rayfract, 2001) recomenda que os tiros sejam realizados num máximo de três em três geofones. Uma desvantagem

deste método é o elevado tempo que é necessária para realizar um perfil sísmico, que advém da realização de realização de numerosos tiros. Por outro lado, o facto das interfaces não serem bem identificadas devido à natureza do método, faz com que seja desejável o emprego de um dos métodos anteriormente descritos (Plus-Minus ou GRM) para descriminar de forma clara a estrutura geológica em camadas. Existem outras desvantagens da tomografia: a não unicidade do modelo obtido, ou seja, existem diversos modelos que justificam os mesmos dados observáveis, e a introdução de artefactos numéricos nos resultados, que deverão ser evitados. A tomografia não tem em conta modelos de camadas, mas gradientes de velocidades e ob-

Figura 8 – (L1-a; L2-a; L3-a) - Modelo de velocidades obtido através do método tempo de intercepção para os arrays L1, L2 e L3, respectivamente. (L1-b; L2-b;L3-b) - Modelo de velocidades obtido pelo método Plus-Minus para os arrays L1, L2 e L3. (L1-c; L2-c; L3-c) - Modelo de velocidades determinado segundo o método GRM para os arrays L1, L2 e L3. (L1-d; L2-d; L3-d) - Modelo de velocidades obtido através de tomografia sísmica para os arrays L1, L2 e L3. Figure 8 - (L1-a; L2-a; L3-a) Velocity model obtained from intercept times for arrays L1, L2 and L3. (L1-b; L2-b; L3-b) Velocity model obtained by Plus Minus method for array L1, L2 and L3. (L1-c; L2-c; L3-c) - Velocity model calculated by GRM method for arrays L1, L2, L3. - (L1-d; L2-d; L3-d) - Velocity model obtained from seismic tomography for arrays L1, L2 and L3.


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tém portanto melhores resultados quando o meio geológico apresenta essas características. Regiões onde o subsolo apresenta variações contínuas de velocidade na vertical, os métodos tomográficos obtêm melhores resultados desde que seja utilizado um bom modelo à prori. Zonas onde o subsolo apresenta na vertical variações bruscas de velocidade, que se assemelham a camadas estratificadas, o método GRM apresenta melhores resultados. As zonas de alteração, por exemplo são por isso mais favoráveis à aplicação de métodos tomográficos, enquanto zona sedimentares são mais propícias à aplicação de métodos como o Plus-Minus ou o GRM. Note-se que o local de estudo está bastante alterado à superfície face ao maciço rochoso, o que implica que o meio apresente baixas velocidades. A camada superficial (camada 1), apresenta velocidades das ondas sísmicas P compreendidas entre os 200 e 400 m/s. A segunda camada tem velocidades compreendidas entre os 1000 e os 1200 m/s. Enquanto a última camada corresponde ao meio semi-infinito, tem velocidades compreendidas entre os 1800 e os 2200 m/s, correspondendo ao maciço granítico alterado. 4. Conclusão Pretendeu-se com este trabalho comparar os resultados de várias metodologias de refração sísmica, de modo, a determinar quais os parâmetros que se deve ter em conta na escolha de um determinado método. Verificou-se que o método tempo de intercepção é rápido e simples de obter uma estimativa da velocidade das ondas P. Contudo, ao nível do mapeamento das interfaces entre camadas é bastante limitado (Fig. 8 (L1-a); (L2-a); (L3-a)). Relativamente ao método Plus-Minus, foram obtidos resultados que demonstram que o método determina com boa precisão as velocidades das ondas sísmicas bem como as interfaces entre camadas (Fig. 8 (L1-b); (L2-b); (L3-b)). No entanto, também se verificou que este método tende a suavizar as interfaces entre camadas devido ao princípio que está subjacente. De modo a evitar esta limitação, as interfaces entre camadas não devem ser superiores a 10º, caso contrário os resultados podem não ser os mais adequados. Os resultados do método GRM (Fig. 8 (L1-c);

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(L2-c); (L3-c)) são compatíveis com os resultados dos métodos anteriores. Para além que este método permite obter com maior detalhe as interfaces entre camadas. Foi verificado que este método é muito sensível ao parâmetro óptimo XY, pelo que este método deve ser utilizado com cuidado. Um eventual erro na escolha no parâmetro óptimo XY resulta um modelo de velocidades desajustado (Leung, 1995). Tanto o método Plus-Minus como o método GRM foram obtidos com recurso apenas a quatro tiros, isto demonstra as potencialidades destes métodos em termos de tempo/resolução do modelo de velocidades. No entanto, para controlar adequadamente a velocidade da camada superficial (de baixa velocidade), devem efectuar-se tiros no interior do array, de modo a eliminar a introdução de erros no cálculo da profundidade das camadas subjacentes. A tomografia sísmica é uma ferramenta extremamente poderosa para avaliar variações laterais e em profundidade de velocidades (Fig. 8 (L1-d); (L2-d); (L3-d)). Verificou-se que o modelo inicial de velocidades à priori influência fortemente o modelo de velocidades final. A tomografia sísmica baseia-se em gradientes de velocidades enquanto os restantes métodos baseiam-se em modelos de camadas, pelo que os métodos tomográficos funcionam melhor onde a velocidade varia contínuamente com a profundidade, como zonas de alteração de rochas graníticas, por exemplo. Saliente-se, a existência de zonas entre camadas onde a tomografia sísmica e os métodos Plus-Minus e GRM apresentam a mesma assinatura topográfica, sendo o caso do array L1 que está compreendido entre a distância 10 e 18 m. A camada superficial (camada 1) apresenta velocidades das ondas sísmicas P de 200 a 400 m/s, a camada 2 apresenta velocidades compreendidas entre os 1000 e os 1200 m/s, e a camada correspondente ao meio semi-infinito apresenta velocidades entre os 1800 e os 2200 m/s. As espessuras são variáveis dependo do array e do método utilizado. Demonstrou-se que todos os métodos de refração sísmica são aplicáveis, dependendo unicamente do objectivo a que se pretende. Todos os métodos apresentam vantagens e desvantagens, deste modo, deve-se escolher o método mais apropriado para o objectivo do trabalho e em função da geologia expectável na zona de estudo.

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5. Agradecimentos Este trabalho foi cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do INALENTEJO, no âmbito do projecto IMAGOS – Inovative Methodologies in Archaeology, Archaeometry and Geophysics – Optimizing Strategies X APOLLO – Archaeological and Physical On-site Laboratory – Lifting Outputs), operação n.º ALENT-07-0224-FEDER-001760 e referência 8BI/APOLLO/2013 e pelo projeto MEGAGEO PTDC /EPH-ARQ/3971/2012.

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Magnetometria e georadar aplicados à arqueologia O caso da Horta da Torre S. Neves1*, R. J. Oliveira1, J. F. Borges2 & B. Caldeira2 Universidade de Évora, Centro de Geofísica de Évora, Laboratório Hercules, rua Romão Ramalho, 59, 7000, Évora Universidade de Évora, Departamento de Física, Centro de Geofísica de Évora, Rua Romão Ramalho, 59, 7000, Évora *autor correspondente: sneves@uevora.pt 1

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Resumo Pretende-se com este trabalho identificar estruturas arqueológicas na Horta da Torre, através da aplicação dos métodos de georadar (GPR) e de magnetometria (gradiente magnético vertical). Após a aquisição e processamento dos dados, foram realizadas as interpretações dos resultados obtidos por cada método bem como a interpretação conjunta. Verificou-se a existência anomalias magnéticas coincidentes com fortes reflectores identificados nas imagens de GPR, bem como a existência de zonas em que só foram identificadas por um dos métodos. Comprovaram-se os resultados obtidos pelas técnicas geofísicas com os factos da escavação arqueológica. Palavras-chave: magnetometria, georadar, arqueologia, geofísica. Abstract The aim of this work is to identify new archaeological structures through the use of ground penetrating radar (GPR) and magnetometry (vertical magnetic gradient). After acquisition and data processing, the interpretations were done for each method separately and jointly. It was verified that there are magnetic anomalies and strong reflectors on coincident sites and at other sites anomalies identified by only one method. Both kinds of anomalies can reveal archaeological structures. The results obtained through geophysical methods were confirmed by archeological excavations. Key words: magnetic survey, ground penetration radar, archaeology, geophysics.

1. Introdução A villa Romana da Horta da Torre está localizada na freguesia de Cabeço de Vide, concelho de Fronteira (Fig. 1). Esta villa foi localizada nas prospeções para a carta arqueológica em 1999 (Carneiro, 1999). Antes das escavações, eram visíveis três núcleos de estruturas: a “Mesquita”, em forma de U; um tanque romano, designado “Banho”; e por fim a “Torre”, uma estrutura em arco (ábside). Estas estruturas foram evidenciadas em 2005 a partir de duas sondagens, no entanto as mesmas encontram-se consideravelmente afectadas devido à actividade agrícola (Mendes, 2013). Em 2012 voltaram a realizar-se mais sondagens, que confirmaram a qualidade dos elementos estruturais. E verificou-se que a suposta “Torre” afinal é uma estrutura em dupla ábside que co-

roa um “stibadium” (esta zona é um local nobre da sala de recepções da villa, figura 2 – área A). Estas estruturas são típicas das villas romanas do século IV e V. Nesta estrutura também foram encontrados tubos de descarga para o interior da estrutura, o que indica que nela existiam jogos de água e fontes. Foi escavada outra área onde foi descoberta uma estrutura arqueológica (Fig. 2 – área B) que poderá fazer parte da villa. Pretende-se com este trabalho identificar o desenvolvimento das estruturas arqueológicas inicialmente descobertas, de modo orientar futuras escavações. Antes da prospeção geofísica, foram delimitadas potenciais áreas onde as estruturas arqueológicas visíveis podem-se desenvolver (Fig. 2). Deste modo, foram planeadas algumas áreas regulares de prospeção geofísica em torno destas estruturas. A geofísica aplicada é a área de estudo que fa-

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Figura 1 - a - Mapa geológico da região estudo (LNEG-LGM, 2010) com indicação da localização dos trabalhos apresentados neste estudo. Ortognaisses graníticos e metassienitos peralcalinos (σ). Paleozóico, Câmbrico: metaconglomerados, filitos, quartzofilitos, metavulcanitos ácidos a básicos e peralcalinos (ε1), Metacalcários (ε1c). b - Localização da zona de estudo em Mapa do Google EarthTM. Figure 1 – a - Geological map of the study area(after LNEG-LGM, 2010) with indication of the location of the works presented in this study. Granitic orthogneiss and peralkaline metassienitos (ε1). Paleozoic, Cambrian: metaconglomerates, phyllites, quartzofilitos, metavulcanitos acids to basic and peralkaline (ε1), limestones (ε1c). b - Location of the study area from Google EarthTM map.

Figura 2 – Identificação das estruturas arqueológicas visíveis e planeamento das áreas de prospeção. Figure 2 – Identification of archaeological structures and survey planning.


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culta informação acerca das propriedades físicas dos solos. Estas propriedades estão associadas a determinados tipos de solos, ou materiais enterrados por consequência da atividade humana. As propriedades físicas são determinadas através das técnicas geofísicas com recurso a equipamento físico especializado, de modo a responder a um determinado objetivo. A aplicação das técnicas da geofísica à arqueologia é uma ferramenta extremamente útil para a gestão das tarefas dos arqueólogos em campo. As técnicas da geofísica aplicada permitem identificar estruturas arqueológicas, visto que as referidas estruturas são contrastantes com o meio que as rondeia, e por isso, desenvolvem uma anomalia onde se encontram, sendo facilmente detetadas. 2. Aplicação das técnicas geofísicas 2.1 Enquadramento geológico O local de estudo está situado na zona de Ossa Morena (ZOM), nomeadamente no sector de Alter do Chão-Elvas (Araújo et al., 2013). A figura 1 (a) apresenta o extrato da carta geológica de Portugal (LNEG-LGM, 2010) do local de estudo, enquadrado no continente português (fig.1 b). Segundo a carta geológica de Portugal, na zona afloram ortognaisses graníticos, metassienitos peralcalinos (σ), e metaconglemerados, filitos, quartzofilitos, metavulcanitos ácidos a básicos e pecalcalinos (ε1) e metacalcários (ε1c). 2.2 Georadar (GPR) A primeira fase da prospecção geofísica na Horta da Torre começou com um levantamento de georadar. Foi utilizado o equipamento GSSI SIR3000, com antena de 400 MHz, tendo sido todo o equipamento acoplado a um “kart” (veiculo de transporte do equipamento de registo e antenas). Foram realizadas aquisições segundo perfis individuais paralelos, com um afastamento entre si de 25 cm e enquadradas numa grelha previamente definida e georeferênciada por GPS diferencial (dGPS), o qual permite uma precisão centimétrica na localização geográfica do levantamento. O processamento dos dados foi realizado com o programa GPR-SLICE (software que permite a

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interpretação 3D dos dados de GPR recolhidos no levantamento). Foram realizadas operações de correcção de posição, remoção de ruído de fundo, desconvolução, filtragem, ganho, e aplicação da transformada de Hilbert. Esta cadeia de processamento permitiu construir um modelo tridimensional do subsolo. A figura 3 apresenta três cortes horizontais do modelo tridimensional obtido através do GPRSLICE a diferentes profundidades. As zonas mais escuras representam zonas de maior reflectividade para os pulsos da onda electromagnética utilizados, que no âmbito deste trabalho são interpretados como podendo indicar estruturas arqueológicas. A razão pela qual estas reflectividades estão associadas a estruturas arqueológicas deve-se a descontinuidades produzidas por superfícies de contacto entre materiais onde há contraste na constante dieléctrica. Esse contraste dielétrico é equivalente a um coeficiente de reflexão que, consoante o seu valor, determina a percentagem de energia radiante que é reflectida nesse local e detectada na antena. De uma forma mais simples, pode-se imaginar as descontinuidades referidas como correspondendo a estruturas enterradas com propriedades físicas contrastantes com as do meio onde se encontram. Na figura 3 são evidentes duas zonas com fortes reflectores que se mantêm em profundidade (zona 2 e 3). Os reflectores da zona 1 desaparecem a partir da profundidade de 66 cm, o que pode indicar que a estrutura termina antes dessa profundidade. A zona 4 apresenta reflectores a partir da profundidade 45 cm, o que pode indicar o início de uma nova estrutura. 2.3 Magnetometria Na segunda fase da prospeção foi utilizada a magnetometria. Para tal, foi utilizado um magnetómetro Gem Systems, GSM-19, com disposição em gradiente vertical (dois sensores que registam o valor absoluto do campo magnético terreste, a partir do qual se obtém o gradiente vertical do campo magnético). Os sensores foram montados num “kart”, tendo sido dispostos de 80 cm entre si, com o sensor inferior a 20 cm do solo. Foram marcadas no terreno 3 grelhas com diferentes dimen-

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Magnetometria e georadar aplicados à arqueologia – o caso da Horta da torre

sões, de modo a cobrir a zona de estudo. Dentro das grelhas foram marcados alinhamentos, afastados entre si de 50 cm. As amostras foram georeferenciadas através do GPS do magnetómetro. Os dados foram processados através de rotinas de cálculo, tendo-lhes sido aplicado o seguinte tratamento: correcção de posição, despiking (eliminação de spikes), e destripe (Ciminale & Loddo, 2001; Eder-Hinterleinter et al., 1996). A figura 4 apresenta o resultado da magnetometria bem como a interpretação da mesma. As zonas mais claras representam anomalias magnéticas negativas, enquanto as zonas mais escuras estão associadas a anomalias magnéticas positivas. A anomalia magnética de valor nulo é representada pela cor cinzenta. As anomalias de maior valor absoluto podem estar associadas a estruturas arqueológicas. O motivo pelo qual estas anomalias podem estar relacionadas com estruturas arqueológicas, deve-se ao facto que existe contraste entre o meio e o objeto que está a produzir essa anomalia, e ao estar inserido num contexto arqueológico assume-se que esta anomalia terá caracter arqueológico. É necessário ter atenção a anomalias com valores extremamente elevadas, visto que estas anomalias podem estar associadas a outros tipos de objetos (não arqueológicos), nomeadamente pequenos objetos metálicos dispersos no solo. Na figura 4 estão representados os alinhamentos relativos às anomalias magnéticas que poderão

estar relacionados com estruturas arqueológicas. A zona de estudo contém perturbação do sinal magnético, ou seja, a atividade agrícola desenvolvida ao longo dos tempos destruiu parte das estruturas arqueológicas localizadas mais à superfície, espalhando os seus elementos, o que origina perturbações nos registos magnéticos, e por vezes impossibilitam a correcta interpretação dos dados. 2.4 Interpretação O resultado da conjugação dos resultados obtidos (interpretações dos dados GPR e da magnetometria) é apresentado na figura 5. Nesta figura é possível identificar duas zonas (Z1 e Z2) em que existe coincidência nas anomalias detectadas pelos dois métodos (anomalias magnéticas e fortes reflectores), o que torna mais plausível a existência de estruturas com potencial arqueológico nesses locais. É possível verificar que os alinhamentos dos reflectores mais intensos bem como das anomalias magnéticas estão alinhados ou são perpendiculares às estruturas arqueológicas existentes. 2.5 Validação dos resultados da geofísica com os factos após a escavação arqueológica Após a escavação realizada no verão de 2014 pelos arqueólogos no local de estudo, foi possível comprovar as estruturas arqueológicas de-

Figura 3 – Cortes horizontais (depth-slice) do modelo tridimensional à profundidade de: A) 33 cm, B) 45 cm, C) 66 cm. Figure 3 – Depth slices from the 3D model at the following depths: (a) 33 cm, (b) 45 cm, (c) 66 cm.


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GEONOVAS N.º 28: 93 a 98, 2015

Figura 4 – Gradiente magnético vertical (nT/m). Figure 4 – Vertical magnetic gradient (nT/m).

tetadas pelas técnicas da geofísica. A estrutura arqueológica mais evidente é a A2, B2, C2 (nomenclatura utilizada no resultado do GPR para identificar possíveis estruturas arqueológicas – (fig. 3). A figura 6 apresenta a estrutura arqueológica referida após a escavação, onde é visível um alinhamento estrutural do edifício escavado. Deste modo, comprovou-se que as técnicas geofísicas podem facultar informações importantes para a localização das estruturas arqueológicas, na gestão das operações de escavação e redução dos custos da mesma, bem como o desenvolvimento de metodologias aplicadas à arqueologia. É de salientar, que as estruturas arqueológicas são alvo de deteorização natural ou induzida pela ativi-

dade humana (trabalhos agrícolas, catástrofes, ou reorganização urbana), e por isso as estruturas nem sempre apresentam a sua forma original, pelo contrário, normalmente estão dispersas (devido a derrubes), o que aumenta a dificuldade de interpretar corretamente as anomalias geofísicas, e traduzi-las numa boa interpretação geo-arqueológica. Assim, é necessário recorrer a diferentes técnicas geofísicas de modo a minimizar erradas interpretações, e utilizar metodologias de processamento adequadas. 3. Conclusão Verificou-se que existem duas zonas cujos resultados obtidos pelos dois métodos – GPR

Figura 5 – Interpretação dos resultados de georadar e do gradiente magnético. Figure 5 – Interpretation from GPR and magnetic gradient results.

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98 Magnetometria e georadar aplicados à arqueologia – o caso da Horta da torre

Figura 6 – Exemplo de estrutura arqueológica identifica pelas técnicas geofísicas. Figure 6 – Example of archeological structure identified by geophysics methods.

e Gradiometria magnética – são coincidentes, o que reforça os indícios de existirem estruturas arqueológicas nesses mesmos locais. Foram identificadas zonas com potencial arqueológico através de um só método. Contudo, deverão ser alvo cruzamento de métodos para compreender melhor o tipo de estruturas presentes. Comprovou-se os resultados obtidos pelas técnicas da geofísica através de escavação arqueológica. Nomeadamente, a estrutura identificada pelo GPR (A2, B2, C2), sendo esta apresentada na figura 3, sendo posteriormente comprovada através de escavação (Fig. 6). Foi possível verificar que o solo está bastante contaminado pelos elementos das estruturas arqueológicas caoticamente distribuídas pelo terreno devido à actividade agrícola que por vezes atinge maiores profundidades ou por derrubes que afectam as estruturas e que por vezes impossibilita a correta interpretação dos dados. 4. Agradecimentos Este trabalho foi cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do INALENTEJO, no âmbito do projecto IMAGOS –

Inovative Methodologies in Archaeology, Archaeometry and Geophysics – Optimizing Strategies X APOLLO – Archaeological and Physical On-site Laboratory – Lifting Outputs), operação n.º ALENT-07-0224-FEDER-001760 e referência 8BI/APOLLO/2013. Agradece-se a colaboração do arqueólogo André Carneiro (Universidade de Évora) e da geofísica Teresa Teixidó (Universidade de Granada, Espanha).

Bibliografia Araújo, A., Almeida, J. P., Borrego, J., Pedro, J. Oli veira, J. T., 2013. As regiões central e sul da Zona de Ossa Morena. Geologia de Portugal, Escolar Editora, 509 549. Carneiro, A., 1999. A Villa romana da Horta da Torre (Cabeço de Vide, Fronteira). A Cidade: Revista cultural de Portalegre, 13, 53-76. Ciminale, M., & Loddo, M., 2001. Aspects of Magnetic Data Processing. Archaeol. Prospect., 8, 239–246. Eder-Hinterleinter, A., Neubauer, W., Melichar, P., 1996. Restoring magnetic anomalies. Archaeol. Prospect., 3, 185–197. Mendes, M., 2013. FRONTEIRA: Arqueologia em Tempo de Férias”, acedido em 21 de Agosto de 2014, em: http://terraalentejana.blogspot.pt/2013/07/fronteira-arqueologia-em-tempo-de-ferias.html. LNEG-LGM., 2010. Carta geológica de Portugal à escala 1/1000000, edição 2010, Lisboa.


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Estudo geoarqueológico de georradar e magnetometria no povoado do Outeiro do Circo (Mombeja, Beja) R. J. Oliveira1*, S. Neves1, B. Caldeira1 & J. F. Borges1 Centro de Geofísica de Évora & Laboratório Hercules, Rua Romão Ramalho nº 59, Évora * autor correspondente: ruio@uevora.pt

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Resumo O presente trabalho tem como objectivo mostrar os resultados preliminares do estudo de prospecção geoarqueológica realizado no povoado do Outeiro do Circo. O trabalho consistiu no cruzamento de dois métodos de prospecção geofísica: georradar e magnetometria. Para concretizar o objectivo da missão realizaram-se ensaios dos dois métodos em áreas distintas. O processamento dos dados registados permitiu identificar estruturas enterradas, interpretadas como vestígios da muralha que rodeava o povoado e de edifícios que terão existido no seu interior. Essas estruturas serão em breve confirmadas pelas escavações arqueológicas em curso. Palavras-chave: Georradar, magnetometria, geoarqueologia, processamento digital de dados. Abstract The present work intends to show the preliminary results of the geoarchaeological prospecting carried out in the hamlet of Outeiro do Circo. The work consisted in the joint use of two geophysical prospection methods, GPR and magnetometry. For that purpose surveys both methods were performed distinct areas in distinct areas. The processing of the data allowed the identification of buried structures, interpreted as traces of the wall that surrounded the town and buildings that existed there. The archaeological excavations in progress will soon confirm the presence of these structures. Key words: Ground Penetrating Radar, magnetometry, geoarchaeology, digital data processing.

Introdução O local de estudo, Outeiro do Circo, é um povoado do final da Idade do Bronze (séculos X a VII a.C.), localizado em Mombeja (a oeste de Beja), entre as latitudes 8,00ºW e 8,01ºW, e as longitudes 38,03ºN e 38,04ºN. Durante a década de 1970 foram realizadas prospecções arqueológicas envolvendo datações, que permitiram considerar o local como um grande povoado fortificado da Idade do Bronze Final (Parreira, 1977; Parreira & Soares, 1980). O elemento físico de maior destaque corresponde a uma linha de muralhas que delimita o povoado quase na totalidade da sua extensão, definindo uma área de cerca de 17 ha (Serra & Porfírio, 2012). No sector sudeste, a muralha

é dupla, ao longo de cerca de 400 m (Parreira & Soares, 1980). Trabalhos mais recentes de fotografia aérea permitiram actualizar a extensão da muralha dupla, para cerca de 1 km (Serra & Porfírio, 2012). Neste sector é provável que exista uma entrada do povoado, ladeada por dois bastiões junto ao muro exterior, havendo interrupção da muralha dupla (Serra et al., 2008; Serra & Porfírio, 2013). A próxima etapa dos trabalhos arqueológicos a realizar no Outeiro do Circo consiste em realizar escavações no sector central da área delimitada pela muralha, na zona de maior altitude, onde se pensa que poderão ter existido os edifícios do povoado. Antes de se proceder a essa escavação foi realizado o estudo de prospecção geofísica que este artigo descreve, em alguns locais sugeri-

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Estudo geoarqueológico de georradar e magnetometria no povoado do Outeiro do Circo (Mombeja, Beja)

dos pelos arqueólogos. Os métodos usados foram georradar e magnetometria. Todas as áreas estudadas foram cartografadas com GPS diferencial. Ensaios geofísicos Os dois métodos geofísicos utilizados foram realizados nas três áreas sob estudo de forma a tornar possível o estabelecimento de comparação entre resultados. Para tal, o contorno das áreas foi marcado com cordas. O levantamento de dados foi feito sobre perfis paralelos também marcados com cordas. As áreas 1 e 2 possuem forma quadrada, com 35 m e 30 m de aresta, respectivamente. A área 3 possui 50 m de comprimento e 10 m de largura (Fig. 1). Para o ensaio de georradar utilizou-se o equipamento GSSI SIR-3000, com uma antena de 400 MHz, configurado para um alcance de cerca de 1,5 m (alcance temporal de 50 ns), montada num carte equipado com odómetro. O levantamento de dados foi feito no modo zig-zag, com distância entre perfis de 0,25 m nas áreas 1 e 2 e de 0,5 m na área 3. Na área 1 apenas se realiza-

ram alguns perfis (4 m x 35 m), de forma a confirmar a existência da muralha no local. O tratamento dos dados obtidos nos ensaios foi realizado com o programa GPR-SLICE, tendo-se aplicado as seguintes operações: correcção da posição, remoção do ruído de fundo, desconvolução, filtro passa-banda, ganho e transformada de Hilbert (Goodman & Salvatore, 2013; Oliveira et al., 2014). O ensaio de magnetometria foi realizado com um magnetómetro de precessão protónica overhauser (Gem Systems GSM-19, com sensibilidade de 0,022 nT). O modo de aquisição de dados aplicado visou a determinação do gradiente magnético vertical sobre perfis. Para isso foram usados dois sensores em disposição vertical distanciados de 80 cm, medindo, cada um deles, o valor absoluto do campo magnético terrestre local, a partir do qual é posteriormente calculado o valor do gradiente vertical do campo magnético. Os sensores foram montados num carte e a distância entre o solo e o sensor inferior é de 20 cm. O ensaio é automaticamente georreferenciado com o GPS integrado no equipamento de aquisição. O tratamento dos dados obtidos foi

Figura 1 - Localização geográfica das áreas de estudo. Figure 1 - Geographical location of the study areas.


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GEONOVAS N.º 28: 99 a 103, 2015

Figura 2 - Resultados para a área 1. Lado esquerdo - tomogramas obtidos de cortes horizontais do modelo tridimensional (z=14,91 m e z=23,85 m). Observam-se reflectores que definem uma forma linear, devendo corresponder aos vestígios da muralha que deverá existir neste local. Lado direito - anomalias de gradiente magnético vertical. Observam-se as mesmas estruturas identificadas nos tomogramas e verifica-se que existe continuidade espacial das estruturas. Figure 2 - Results for Area 1. Left - tomograms obtained from horizontal cuts of three-dimensional model (z = 14.91 m e z = 23.85 m). Reflectors are observed that define a linear fashion, and should match the remains of the wall that should exist in this location. Right side - vertical gradient magnetic anomalies. They observed the same structures identified in the tomograms and it appears that there is spatial continuity of structures.

Figura 3 - Resultados para a área 2. Lado esquerdo - tomogramas obtidos de cortes horizontais do modelo tridimensional (z=16,87 m e z=26,85 m). Observam-se reflectores que definem uma forma circular, devendo corresponder aos vestígios dos torreões que deverão existir neste local. Lado direito - anomalias de gradiente magnético vertical. Há correspondência com as estruturas identificadas nos tomogramas. Figure 3 - Results for the area 2. Left side - tomograms obtained from horizontal cuts of three-dimensional model (z = 16.87 m e z = 26.85 m). Reflectors are observed that define a circular shape and should match the remains of turrets that should exist in this location. Right side - vertical gradient magnetic anomalies. There is correspondence with the structures identified in tomograms.

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102 Estudo geoarqueológico de georradar e magnetometria no povoado do Outeiro do Circo (Mombeja, Beja)

Figura 4 - Resultados para a área 3. Lado esquerdo: tomogramas obtidos de cortes horizontais do modelo tridimensional (z=15,44 m, z=23,93 m, z=46,32 m e z=83,37 m). Observam-se reflectores que definem formas lineares (eventuais vestígios de muros ou edifícios) e circulares (prováveis vestígios de edifícios). Lado direito: anomalias de gradiente magnético vertical. Nota-se que a área estudada possui anomalias magnéticas, no entanto existem bastantes perturbações consequência da falta de contraste provocada pelo excesso de argila cozida no local. Figure 4 - Results for area 3. Left side: tomograms obtained from horizontal cuts of three-dimensional model (z = 15.44 m, z = 23.93 m, z = 46.32 m e z = 83.37 m). Reflectors are observed that define linear forms (traces of walls or buildings) and circular (probable traces of buildings). Right side: vertical gradient magnetic anomalies. Note that the studied area has magnetic anomalies, there is however quite disorders result of lack of contrast caused by excess clay baked in place.

realizado com o programa MAGY (Neves, 2015) e as operações utilizadas consistiram em correcção de posição, filtragem de impulso de resposta infinita (IRR) e despiking, para eliminação de spikes (Ciminale & Loddo, 2001; Eder-Hinterleinter et al., 1996). Resultados e interpretação Após o processamento dos dados, segundo as metodologias acima mencionadas, obtiveram-se imagens que permitem analisar as áreas de estudo em profundidade. No caso do georradar, obteve-se um mapa de reflectividades onde se observam anomalias devidas à presença de reflectores, isto é, estruturas com constante dieléctrica diferente do meio envolvente, ou descontinuidades do meio. No caso da magnetometria, obteve-se um mapa de anomalias magnéticas, positivas e negativas, em que os valores absolutos mais elevados poderão corresponder a estruturas enterradas. As anomalias magnéticas que correspondem a estruturas enterradas devem-se a contrastes dos valores de

susceptibilidade magnética entre as estruturas e o meio envolvente. Na área 1 é possível observar, nos resultados para os diferentes métodos, estruturas que poderão corresponder a vestígios da muralha, que deverá ser dupla neste local (Fig. 2). Existe coerência entre os resultados de georradar e de magnetometria dado que se identificam as mesmas estruturas lineares nos mesmos locais. Na área 2, nos resultados dos dois métodos, observam-se reflectores e anomalias magnéticas que definem estruturas de forma circular (Fig. 3), que poderão corresponder aos torreões que podem ter existido neste local. A diferença de dimensão e forma que se observa nos dois métodos pode dever-se a derrubes dos vestígios das estruturas que provocam uma deformação espacial. Na área 3, os resultados de georradar permitem inferir a existência de estruturas lineares e circulares, que poderão corresponder a vestígios de edifícios do povoado (Fig. 4). Os resultados de magnetometria permitem concluir que, no local, existem anomalias magnéticas, fruto de estruturas enterradas, no entanto, há falta de


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GEONOVAS N.º 28: 99 a 103, 2015

contraste entre a fonte da anomalia e o meio adjacente, provavelmente devido à ocorrência em grande quantidade de fragmentos de argila cozida e de contaminantes no local de estudo (metais). Conclusões

Laboratório HERCULES (UÉvora). Um agradecimento aos arqueólogos responsáveis pelos estudos actuais no Outeiro do Circo, Miguel Serra e Eduardo Porfírio (Palimpsesto, Lda.).

Após a realização dos ensaios de georradar e magnetometria às mesmas áreas de estudo, com o objectivo de comparar os resultados dos dois métodos, é possível comprovar que ambos permitem a identificação de estruturas enterradas. Todavia, existem limitações que condicionam os resultados, nomeadamente as fracas condições da superfície (depressões, vegetação abundante e solo argiloso que dificulta a propagação de ondas electromagnéticas), no caso do georradar, e a contaminação por metais e por fragmentos de argila cozida, no caso da magnetometria. Com os presentes resultados comprova-se a existência de estruturas enterradas no Outeiro do Circo que poderão corresponder a vestígios arqueológicos do povoado.

Ciminale, M., & Loddo, M., 2001. Aspects of Magnetic Data Processing, Archaeol. Prospect., 8: 239–246. Eder-Hinterleinter, A., Neubauer, W. Melichar, P., 1996. Restoring magnetic anomalies. Archaeol. Prospect., 3, 185–197. Goodman, D. & Salvatore, P., 2013. GPR Remote Sensing in Archaeology. Geotechnologies and the Environment, 9, 244. Oliveira, R. J., Caldeira, B., Borges, J. F., Pérez, J., Gómez, F., Figueria, J., Pro, C. & Blasco, F., 2014. Prospecção geoarqueológica de estruturas megalíticas com recurso a georadar (Almendralejo, Espanha). 8ª Assembleia Luso Espanhola de Geodesia e Geofísica, Universidade de Évora, Évora, 253-256. Neves, S., 2015. MAGY V1.0 – Programa de processamento de dados magnéticos. Workshop de Ciências da Terra e do Espaço 2015, Universidade de Évora, 15-25. Parreira, R., 1977. O povoado da Idade do Bronze do Outeiro do Circo. Arquivo de Beja, 28-32: 31-45. Parreira, R. & Soares, A., 1980. Zu einigen bronzezeitlichen Hohensiedlungen in Sudportugal. Madrider Mitteilungen, 21: 109-130. Serra, M. & Porfírio, E., 2012 O povoado do Bronze Final do Outeiro do Circo (Mombeja/Beringel, Beja): resultados das campanhas de 2008 e 2009. VIPASCA – Arqueologia e História, Câmara Municipal de Aljustrel, 4: 15-28. Serra, M. & Porfírio, E. & Ortiz, R., 2008. O Bronze Final no Sul de Portugal – Um ponto de partida para o estudo do povoado do Outeiro do Circo. Actas do III Encontro de Arqueologia do Sudoeste Peninsular, 2006. VIPASCA – Arqueologia e História, 2, Câmara Municipal de Aljustrel, 163-170.

Agradecimentos Este trabalho foi co-financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do programa INALENTEJO, no âmbito do projecto IMAGOS – Inovative Methodologies in Archaeology, Archaeometry and Geophysics – Optimizing Strategies X APOLLO – Archaeological and Physical On-site Laboratory – Lifting Outputs (ALENT-07-0224-FEDER-001760), do

Bibliografia

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PERC, CRIRSCO e UNFC Classificação e relatórios standard sobre recursos e reservas minerais Carlos M. P. Almeida1*, Stephen Henley2 & Ruth Allington3 PERC, Secretary General Resources Computing International Ltd, Matlock, United Kingdom 3 GWP Consultants LLP, Charlbury, United Kingdom # Membros do Comité Executivo do PERC “Pan-European Reserves & Resources Reporting Committee” (PERC) * autor correspondente: calmeida@apgeologos.pt 1

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Resumo Os sistemas CRIRSCO e UNFC são reconhecidos internacionalmente para a preparação de relatórios standard (padronizados) de classificação de recursos e reservas de minerais sólidos. Os modelos standard da CRIRSCO, que incluem entre outros o PERC, o JORC e o CIM, foram desenvolvidos para a apresentação de relatórios de carácter público de empresas cotadas em bolsa. Utilizam terminologia adequada e consistente, e constituem uma garantia de qualidade para o cálculo de recursos e reservas minerais. As diferenças entre os relatórios da família CRIRSCO são pequenas, diferindo apenas nos regimes regulatórios conforme o país onde são utilizados O modelo da UNFC foi desenvolvido para fornecer um sistema totalmente inclusivo, para poder ser usado na inventariação de recursos minerais e nas políticas sobre esses mesmos recursos. Estes dois sistemas estão interligados, visto que o CRIRSCO fornece especificações detalhadas para as correspondentes categorias da UNFC. Esta contribuição descreve a história e utilização destes dois sistemas. Palavras-chave: PERC, CRIRSCO, UNFC, recursos, reservas. Abstract CRIRSCO and UNFC (United Nations Framework Classification) are two internationally recognised standard systems for classification and reporting of reserves and resources of solid minerals. Despite a common perception that these are in competition, they are in fact closely linked, and they address different sets of requirements. The CRIRSCO standards, which include PERC, JORC, and the Canadian CIM standard among others, were developed for public reporting by companies listed on stock exchanges to provide a consistent terminology as well as quality assurance in company estimates of mineral resources and reserves. The underlying objective is protection of the public (in this case investors) by ensuring that the reports produced use consistent terminology and core content so that they can be understood, and that those who prepare public disclosure reports are competent to do so and are prepared to take personal responsibility for their own work. There are minor differences among the CRIRSCO standards as a result of differing regulatory regimes in the countries in which they are used, but all share identical core definitions and classification. The United Nations classification was developed to provide an all-inclusive system that could be used for mineral inventories and minerals policy planning by governments and companies alike. Where the two systems overlap, CRIRSCO provides the detailed specifications for the corresponding UNFC categories. This paper outlines the history and use of the two systems. Key words: PERC, CRIRSCO, UNFC, resources, reserves.

Introdução Os recursos e reservas de depósitos minerais têm sido estimados de forma sistemática há décadas. Todavia, a expansão da indústria mineral a nível internacional, e o crescente envolvimento dos mercados de capital nos financiamentos de projetos mineiros a partir das décadas de 80 e 90 do século

passado, tornou clara a necessidade de sistematizar e regular esta área de negócio. O primeiro sinal de aviso surgiu em 1970-71 quando ocorreu a descoberta de um grande depósito mineral de níquel pela companhia Poseidon na zona Ocidental da Austrália, que veio despoletar uma forte onda especulativa criando enormes flutuações na bolsa de valores por parte dos especuladores, baseadas em informações

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106 PERC, CRIRSCO e UNFC: Classificação e relatórios standard sobre recursos e reservas minerais

de cálculo de recursos minerais não consubstanciadas. Outro caso muito mais sério, foi o da fraude praticada pela companhia Bre-X, em 1997, quando anunciou a descoberta de um depósito aurífero gigantesco na Indonésia, baseando essa descoberta em informação proveniente da análise de testemunhos de sondagem que foram previamente “salgados”, ou seja, enriquecidos artificialmente antes de serem enviados para laboratório. Em ambos os casos (e em muitos outros de menor escala de grandeza) os investidores foram vítimas de fraude perdendo somas avultadas do seu capital. As organizações profissionais de geólogos e de engenheiros de minas em todo o mundo decidiram que era necessário tomar medidas adequadas para racionalizar e regular os relatórios sobre recursos e reservas minerais. As primeiras iniciativas vieram do Reino Unido e levaram a uma cooperação Pan-Europeia com a parceria entre o Instituto de Geólogos da Irlanda (IGI) e a Federação Europeia de Geólogos (EFG). O CRIRSCO O CRIRSCO, (“Committee for Mineral Reserves International Reporting Standards”), constituído em 1994 segundo os auspícios do Conselho de Institutos de Mineração e Metalurgia (CMMI), foi instituído como um grupo de organizações representativas, responsáveis pelo desenvolvimento de códigos e linhas guia para a elaboração de relatórios sobre recursos minerais na Australásia (JORC), no Canadá (CIM), no Chile (Comisión Minera) desde 2004, na Europa (PERC), na Rússia (NAEN/OERN) desde 2011, na África do Sul (SAMREC) e nos USA

(SME). O valor adicionado de todas as companhias listadas nas bolsas de valores dos países acima mencionados corresponde a mais de 80 % de todas as companhias com capital na indústria da mineração. De acordo com estas instituições, foram definidas duas categorias principais: Recursos Minerais e Reservas Minerais, com as respectivas subcategorias denominadas como Recursos Minerais Medidos, Indicados e Inferidos e ainda as Reservas Minerais Prováveis e Provadas. Esta classificação pode ser observada na figura 1. Todos os relatórios standards elaborados de acordo com as normas do CRIRSCO seguem as mesmas diretrizes e princípios, para além de utilizarem a mesma classificação. O âmbito do CRIRSCO inclui os recursos minerais sólidos, nomeadamente (minerais metálicos, gemas, matérias primas em concentrados, agregados, minerais industriais e minerais energéticos, como o carvão e o urânio. A sua missão principal é a de promover internacionalmente as melhores práticas para a elaboração dos relatórios públicos relativos aos resultados da exploração (entenda-se prospecção e pesquisa) de recursos e reservas minerais. Pretende-se alcançar consenso internacional quanto à elaboração dos relatórios standard, encorajando consistentemente a alta qualidade dos mesmos através da exigência e manutenção dos standards relacionados com a Pessoa Competente (Competent Person). A tabela 1 sintetiza a lista actual de organizações membro e das respectivas associações profissionais. que têm representação no CRIRSCO. Classificação Quadro das Nações Unidas (UNFC) A Classificação Quadro relativa aos recursos minerais das Nações Unidas (UNFC) é anterior à do CRIRSCO e a sua criação teve um propósito diferente. O desenvolvimento da UNFC iniciou-se em

Figura 1 - A classificação standard do CRIRSCO usada atualmente por todos os relatórios standards alinhados com o CRIRSCO. Figure 1- The CRIRSCO standard classification now used by all reporting standards that are aligned with CRIRSCO.


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GEONOVAS N.º 28: 105 a 110, 2015

Tabela 1: Relatórios Standards Nacionais de Recursos Minerais e Organizações Membro. Table 1‑ National Minerals Reporting Standards and their Sponsor Organisations. Os países listados na seguinte tabela estão presentemente representados no CRIRSCO. As Organizações Membro têm uma influência directa na forma e no conteúdo dos relatórios nacionais standards, contudo poderão ser mais ou menos activos nos assuntos dos comités nacionais.

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108 PERC, CRIRSCO e UNFC: Classificação e relatórios standard sobre recursos e reservas minerais

Figura 2 - Classificação Quadro das Nações Unidas (UNFC). Figure 2-The United Nations Framework Classification.

1990 por intermédio da UNECE (Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa), que deu continuidade ao mandato global promovido pelo Conselho Económico e Social das Nações Unidas. A classificação UNFC (Fig. 2) é bem mais complexa e extensa do que a do CRIRSCO, abarcando ainda os recursos petrolíferos e o carvão, sendo que o seu objectivo principal é o de fornecer um método standard para uso governamental e intergovernamental no âmbito da regulação e da estatística. A Classificação UNFC é uma sistematização genérica para recursos minerais sólidos, petróleo e gás. Deve ser enfatizado que esta classificação não é, nem representa um relatório público standard; de facto, não existem princípios básicos como os que existem num relatório standard e como tal não é reconhecida pelos reguladores dos mercados. Em 1999 foi alcançado um acordo com a Comissão Económica para a Europa das Nações Unidas (UNECE), que esteve desde 1992 a desenvolver uma Classificação Quadro para Reservas e Recursos Minerais (UNFC). A semelhança entre os vários códigos de relatórios standard e suas diretrizes, permitiu ao CRIRSCO desenvolver um modelo tipo de um Código de Relatório Standard Interna-

cional para Minerais em 2006, que está disponível no seu website. O CRIRSCO funciona como uma estrutura consultiva, sem a componente de autoridade fiscalizadora, contando com os seus membros constituintes para assegurar regulação e disciplina através de supervisão elaborada a nível nacional. Deve ser realçado o facto de não existir qualquer tipo de conflito entre o CRIRSCO e a UNFC, isto porque a classificação CRIRSCO fornece por si só as especificações para as correspondentes categorias que integrama a classificação UNFC. A UNFC não comporta, contudo, o conceito de “Competência”, ou seja, não define o que é uma Competent Person (pessoa responsável pelas estimativas), nem fornece diretrizes que indiquem o guião para a elaboração e redacção deste tipo de relatórios. Outra distinção entre o CRIRSCO e a UNFC é que esta classificação inclui as definições de material “Não Descoberto” e “Não Económico”, que não pode ser incluído num relatório alinhado com a classificação CRIRSCO. Na comparação entre ambas as classificações destaca-se que a CRIRSCO é bidimensional, com eixos definidos para o conhecimento geológico e para os fatores de modificação, enquanto a outra,


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UNFC, é tridimensional, com eixos para o conhecimento geológico, viabilidade do projeto e viabilidade socioeconómica. Relatórios Standard da Família CRIRSCO: o exemplo PERC No ano de 1991, em Londres, foi publicado pela Instituição de Mineração e Metalurgia (IMM) um código simples, com a intenção de ser utilizado para a elaboração de relatórios sobre recursos e reservas minerais de projetos de companhias / empresas listadas na bolsa de valores. Este código evoluiu rapidamente e convergiu com o JORC da Austrália e outros relatórios standard. O código “Pan-European Reserves & Resources Reporting Committee” (PERC) foi preparado com o envolvimento ativo e apoio da EFG, da “British Geological Society” (BGS), do IGI (Irish Geological Institute) e do IMM (Institute of Mining and Materials). Foi designado simplesmente de “The Reporting Code”, onde a intenção era a de que fosse um relatório standard para a Europa, com potencial para se poder tornar num relatório standard internacional utilizado em todo o mundo. O código PERC foi criado em 2008 e a sua atualização foi publicada em 2013. O PERC é reconhecido pela Autoridade Europeia de Segurança de Mercados (ESMA) sendo válida a sua utilização em todas as bolsas de valores europeias. Também é reconhecido pelos reguladores canadianos, podendo ser utilizado no âmbito do contemplado no sistema de relatórios canadiano (“National Instrument 43-101”). A Pessoa Competente (Competent Person) O que é que faz com que os relatórios standard alinhados com o CRIRSCO sejam muito mais do que uma simples classificação? È o facto de que os relatórios são preparados e assinados por uma Pessoa Competente. Ou seja, uma Pessoa Competente ao assinar um relatório toma a responsabilidade pelo seu próprio conteúdo, quer seja contratada para produzir o relatório como um técnico independente- ou como um empregado de uma companhia / empresa. As qualificações supra referidas, são as da Pessoa Competente, acrescidas como já foi referido prin-

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cipalmente pela sua relevante experiência que fornecem ao utilizador do relatório produzido uma segurança intrínseca da sua veracidade e credibilidade. A definição de Pessoa Competente que é responsável pela apresentação de um relatório standard do CRIRSCO está descrita no PERC Standard 2013 da seguinte forma: . A Pessoa Competente é um profissional industrial, registado ou licenciado por uma entidade profissional reconhecida (incluindo organizações profissionais reconhecidas mutuamente e internacionalmente) com características de disciplina de processos de credenciação e com capacidade para suspender ou expulsar um dos seus membros. . A Pessoa Competente deve possuir pelo menos um mínimo de cinco anos de experiência de trabalho num determinado tipo de mineralização ou depósito mineral sobre a qual irá elaborar o relatório, considerando ainda a sua actividade que desenvolveu nessa área. Corpos profissionais e membros reconhecidos de acordo com o standard que cumprem com estes requisitos listados na Europa e no resto do mundo. . A definição de “Pessoa Competente” está também sujeita a restrições ou condições adicionais que sejam requeridas pelas bolsas de valores ou autoridades reguladoras de mercado. Os Membros de corpos profissionais reconhecidos por entidades públicas (listados em anexo no Standard) carecem como requisito de uma qualificação de nível terciário de qualificações, onde se inclui um diploma universitário, bem como anos de experiência na indústria mineira. É esperado que uma Pessoa Competente seja por norma um geólogo com vista a produzir relatórios de Exploração de Recursos Minerais (Prospecção e Pesquisa), podendo ser ainda qualificado em outros campos associados com a engenharia de minas ou tratamento de minérios. No cerne do processo de acreditação existe o conceito do “peer review” em conjunto com o papel da organização profissional. A Federação Europeia de Geólogos é aceite por todos os CRIRSCO standards, como uma organização profissional reconhecida, e o título de Euro Geólogo (EurGeol) estabelece que o técnico é uma potencial Pessoa

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110 PERC, CRIRSCO e UNFC: Classificação e relatórios standard sobre recursos e reservas minerais

Competente. De modo a poder exercer o título de Pessoa Competente, num contexto de um determinado depósito mineral, deverão obrigatoriamente satisfazer o critério de ter experiência relevante. Isto é descrito pela afirmação pessoal do técnico na declaração incluída no relatório, que está sujeito a fiscalização, sendo que deste modo a Pessoa Competente deverá ser capaz de consubstanciar a prova da sua experiência referindo-se a projetos anteriores que tenha participado. Falsas declarações das condições necessárias para ser Pessoa Competente, serão sempre uma brecha que incorrerá contra o Código de Ética ou Código de Conduta da organização profissional a que pertence a Pessoa Competente. Estas não conformidades poderão levar a ação disciplinar por parte das organizações profissionais contra qualquer um dos seus membros que se proclamam como Pessoas Competentes, quando de facto a sua experiência, qualificação e qualidade de trabalho estão aquém do requerido pelo standard. Conclusões Uma questão importante e várias vezes colocada, surge quando se procura elencar qual será o melhor standard para um determinado objetivo: . O CRIRSCO ou o UNFC? . Ou no caso de se utilizar o CRIRSCO qual será o melhor standard a adotar? Ao preparar um relatório para uma companhia listada numa bolsa de valores, a escolha do standard é feita pelo regulador dessa bolsa de valores: normalmente qualquer dos relatórios standard alinhados com o CRIRSCO é necessário. Na União Europeia, por exemplo, a escolha recaí pela lista de todos os relatórios stan-

dard reconhecidos e alinhados com o CRIRSCO. As deliberações sobre a descrição e garantia de qualidade são independentes das decisões sobre a classificação a adotar: . O CRIRSCO refere-se à descrição e à garantia de qualidade e classificação; . A UNFC (2009) requer documentação prévia e necessidade da concordância dos utilizadores na descrição dos itens da garantia de qualidade. A UNFC fornece uma metodologia de forma a incorporar nos relatórios informação publicada da indústria (utilizando a classificação CRIRSCO) em bases de dados, inventários minerais, entre outros, a ser utilizada pelos governos e ONG`s. Os standards CRIRSCO requerem que toda a publicidade da declaração de recursos tenham prospetos credíveis que viabilizem a sua extração económica. Os relatórios não deverão incluir nenhum inventário de supostas mineralizações, não esquecendo a componente económica, que não sejam suportadas por provas geológicas adequadas. O planeamento a curto e médio prazo deve utilizar os recursos e reservas minerais reportados de acordo com os relatórios standard do CRIRSCO como uma base sólida e confiável com vista a criar um modelo financeiro. O planeamento a longo prazo poderá simplesmente migrar para a classificação UNFC, com a inclusão da estimação do potencial mineral, sendo que estes não poderão ser reportados publicamente. Bibliografia PERC‑http://www.percstandard.eu EFG‑http://www.eurogeologists.de CRIRSCO‑http://www.crirsco.com UNFC-2009‑http://www.unece.org/energy/se/reserves.html


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A utilização da radiação de sincrotrão no estudo de materiais geológicos; breve abordagem sobre experiências recentes de um grupo de utilizadores T. P. Silva1*, J. P. Veiga2, D. de Oliveira1, M. J. Batista1, D. Rosa3 & M. O. Figueiredo1,2 1

LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P., Unidade de Recursos Minerais e Geofísica, Estrada da Portela-Zambujal, Alfragide, Apartado 7586, 2610-999 Amadora, Portugal 2 CENIMAT/I3N – Centro de Investigação em Materiais, Departamento de Ciência dos Materiais, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, 2829-516 Caparica, Portugal 3 GEUS – Geological Survey of Denmark and Greenland, Department of Petrology and Economic Geology, Øster Voldgade 10, 1350 København K, Danmark * autor correspondente: teresa.pena@lneg.pt

Resumo Apresenta-se uma súmula dos resultados obtidos em experiências de espectroscopia de absorção de raios-X (XANES, X-Ray Absorption Near-Edge Spectroscopy) realizadas no sincrotrão europeu ESRF (European Synchrotron Radiation Facility) para estudo do comportamento mineroquímico do índio, estanho, rénio e tungsténio em amostras geológicas e para caracterização do selénio em detritos mineiros. Palavras-chave: Radiação de sincrotrão, materiais geológicos, espectroscopia, XANES; ESRF. Abstract A summary is presented of X-ray absorption spectroscopy results (XANES, X-Ray Absorption Near-Edge Spectroscopy) recently obtained at the ESRF (European Synchrotron Radiation Facility) concerning the minerochemical behavior of indium, tin, rhenium and tungsten in geological samples and addressing the environmental situation of selenium in old mining wastes. Key words: : Synchrotron radiation, geological materials, spectroscopy, XANES; ESRF.

1. Introdução A radiação de sincrotrão tornou-se nos últimos anos uma poderosa ferramenta analítica em muitas áreas de estudo. São exemplo, a Física, Química, Geologia, Materiais, Ambiente, Arqueologia, Biologia, Medicina entre outras, tanto pela qualidade e diversidade das técnicas analíticas disponíveis, como pela contínua otimização dos meios instrumentais. A utilização da radiação de sincrotrão por parte de investigadores portugueses já tem algumas décadas (Figueiredo, 2012), usando primeiro as

instalações de BESSY (Berliner Elektronenspeicherring-Gesellschaft für Synchrotronstrahlung m.b.H.) em Berlim, Alemanha (p.e. de Groot et al., 1992) e do LURE (Laboratoire pour l’Utilisation du Rayonnement Electromagnétique, já encerrado) em Orsay, França (p.e. Figueiredo et al., 1993) e posteriormente, do ESRF (European Synchrotron Radiation Facility), em Grenoble, França. Um sincrotrão é uma infra-estrutura de investigação de grandes dimensões constituída, entre outros, por um anel (booster synchrotron) onde são acelerados eletrões e por um anel de armazenamento onde estes são injetados (no caso do ESRF, com

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300 e 844 m de perímetro, respetivamente). Ao longo do anel de armazenamento encontramse dispositivos onde os eletrões, previamente acelerados (até uma energia de 6 GeV, no caso do ESRF), são defletidos por campos magnéticos. Nesse processo é emitida radiação eletromagnética tangencialmente à trajetória dos eletrões, a qual engloba os raios-X. A “luz” assim produzida (synchrotron radiation, SR) é encaminhada para a estação experimental, designada por linha (beam line). O ESRF tem mais de 40 linhas disponíveis para a realização de diferentes experiências. Cada linha tem características instrumentais diferenciadas em termos da gama de energias disponíveis, do das dimensões do feixe na amostra (de 100x100 μm2 a menos de 1x1 μm2 para microanálise), e das técnicas analíticas disponibilizadas. Portugal é Membro Científico Associado do ESRF desde Novembro de 1997 (http://www.fct.pt/ apoios/cooptrans/esrf/), à semelhança de mais de 20 países da UE, contribuindo para os custos anuais de operação com cerca de 1 % do orçamento total. A atribuição de tempo de feixe processa-se através de concurso semestral mediante submissão de propostas de experiências devidamente fundamentadas, posteriormente avaliadas e classificadas por comissões científicas internacionais. Esta Grande Instalação Europeia suporta integralmente a deslocação e estadia de 3 pessoas por experiência aprovada para tempo de feixe. As equipas de utilizadores são constituídas por investigadores experientes em aplicações da radiação de sincrotrão e por outros que se iniciam na utilização de equipamento tão complexo. De referir que o chamado “cientista da linha” - perito do ESRF na instrumentação e no software disponível - dá apoio durante a realização das experiências. As características únicas da radiação de sincrotrão (brilho intenso, coerência do feixe primário, elevada resolução em energia), aliadas ao facto de permitir executar estudos pontuais e análises não destrutivas, muitas vezes simultâneas, facultando a utilização posterior do mesmo provete de amostra, tornam estas Grandes Instalações muito procuradas em vasta gama de domínios científicos. Iremos focar-nos nos estudos efectuados no ESRF onde têm decor-

rido as experiências espectroscópicas mais recentes no âmbito da análise de materiais geológicos. 2. Experimental 2.1 Materiais geológicos A quantidade de amostra necessária para os ensaios é diminuta; um pequeno fragmento, ou a amostra reduzida a pó, podem ser irradiados entre duas folhas de Kapton (fita adesiva estável a altas temperaturas). Por vezes faz-se uma pastilha prensada, misturando a amostra com nitreto de boro em proporções calculadas para melhorar a qualidade dos resultados experimentais. Todas as amostras e padrões (minerais ou produtos sintéticos) são estudados previamente num laboratório por difração de raios-X (DRX), com recurso a um equipamento com fonte de raios-X convencional, para diagnose da(s) fase(s) mineralógica(s) presentes e escolha de amostras representativas para a experiência a realizar no ESRF. Nos casos de estudo que a seguir se descrevem foram analisadas amostras de sulfuretos polimetálicos provenientes da Lagoa Salgada (Faixa Piritosa Ibérica, Iberian Pyrite Belt – IPB), detritos minerais depositados junto à antiga fábrica do enxofre da Achada do Gamo na mina abandonada de S. Domingos (também da Iberian Pyrite Belt, IPB), fragmentos de molibdenite de diversas proveniências e detritos da mina da Panasqueira. Utilizaram-se como compostos modelo, fragmentos de minerais ou produtos sintéticos (óxidos e/ou sulfuretos) que configuravam várias coordenações e estados de oxidação conhecidos para o elemento em estudo. 2.2 Técnicas espectroscópicas A espectroscopia de absorção de raios-X (X-ray Absorption Spectroscopy, XAS - an element-specific technique) tem sido amplamente utilizada no estudo de materiais geológicos (Henderson et al., 1995); é uma técnica que reflecte o estado de ligação dos electrões no átomo absorvedor de radiação X, em dependência do mineral carreador do elemento em estudo. Quando a energia do feixe incidente é suficiente para excitar electrões de um nível interno do áto-


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mo, observa-se um salto abrupto no espectro de absorção, seguido de detalhes com caracter oscilatório que se vão distanciando da descontinuidade. Quando os electrões excitados provêm do nível interno 1s (nível n=1), este salto energético (edge) designa-se por descontinuidade K (Fig. 1); para saltos de níveis electrónicos externos, as descontinuidades desmultiplicam-se – por exemplo, L1, L2 e L3 para o nível n=2, como se ilustra na figura 1. Normalmente distinguem-se duas zonas no espectro de absorção (Fig. 2): uma região estreita próxima da descontinuidade (X-ray Absorption Near-Edge Structure, XANES), seguida de outra mais ampla (Extended X-ray Absorption Fine Structure, EXAFS). A região XANES pode apresentar detalhes precedendo a descontinuidade (pre-edge details) e estender-se até cerca de 50 eV, enquanto a região EXAFS apresenta oscilações de absorção que podem alongar-se até 1000 eV (Aksenov et al., 2006). A análise da região XANES faculta informação sobre a geometria de coordenação do átomo em estudo e permite deduzir o respectivo estado de oxidação formal como adiante se mostrará; comparativamente, e através de programas de computação apropriados, a região EXAFS permite obter informação sobre as distâncias a que se encontram os átomos vizinhos mais próximos e o seu número, conhecida a sua natureza. Nos exemplos recentes que se relatam, recolheram-se espectros XANES de diversas descontinuidades de absorção: L2 e L3 do In, L3 do Sn, K do Se, e L1 e L3 do Re e do W. 3. Casos de estudo recentes 3.1 O índio e o estanho em sulfuretos polimetálicos da Lagoa Salgada O índio é um metal escasso que tem sido ultimamente muito procurado e utilizado nos chamados “dispositivos de alta tecnologia”, pelo que se tornou importante a sua recuperação no decurso Figura 1 – Esquema da evolução da absorção em função da energia, mostrando as descontinuidades K, L1, L2 e L3 (adaptado de Rehr & Albers, 2000). Figure 1 – Schematic view of Absorption vs Energy graph where the edges K, L1, L2 and L3 are shown (adapted from Rehr & Albers, 2000).

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de procedimentos de mineração. É um elemento calcófilo que ocorre disperso nos sulfuretos polimetálicos e raramente forma minerais específicos, sendo recuperado principalmente na extração do zinco a partir da esfalerite, ZnS (p.e. http://www. mining-technology.com/projects/kidd_creek/). Tendo como objectivo contribuir para esclarecer o alojamento do índio em sulfuretos complexos, visando assim o estudo da sua especiação, procedeu-se no ESRF à realização de várias experiências de espectroscopia de absorção aplicadas a amostras de sulfuretos polimetálicos provenientes da Lagoa Salgada. As primeiras experiências decorreram em 2008 na linha ID-21 (Fig. 3), tendo-se recolhido espectros XANES na descontinuidade L3 do índio (3730 eV), tanto nas amostras minerais como em padrões seleccionados (Figueiredo & Silva, 2009). Em 2009, iniciou-se um estudo similar sobre o estanho nas mesmas amostras, beneficiando da aplicação de um novo software analítico desenvolvido no ESRF (PyMca) e que permitiu o ajuste e a desconvolução dos espectros de fluorescência de raios-X (FRX), particularmente útil no caso de amostras com teores vestigiais em índio. Os espectros FRX ajudaram a seleccionar os pontos mais promissores da amostra quanto ao teor em índio para se coligirem espectros XANES (Figueiredo & Silva, 2010). Numa experiência realizada em 2010, deu-se especial atenção à possível interferência decorrente da proximidade das energias correspondentes às descontinuidades L2 do índio e L3 do estanho, idealmente a 3938 eV e 3929 eV, respectivamente (Fig. 4). Recorrendo a uma metodologia de microscopia (scanning X-ray microscopy, SXM), recolheram-se mapas topoquímicos a energias seleccionadas imediatamente antes e depois da descontinuidade L3 do índio, para selecção dos pontos a irradiar na

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Figura 2 – Espectroscopia de absorção: exemplo de um espectro XAS, onde se destacam as regiões XANES e EXAFS. Figure 2 – Absorption spectroscopy: example of a XAS spectrum with the regions XANES and EXAFS assigned.

Figura 3 – Vista geral do arranjo instrumental da linha ID-21 do ESRF. Figure 3 – General view of the instrumental set-up of beam line ID21 at the ESRF.

Figura 4 – Comparação do espectro XANES obtido para o composto InF3 (descontinuidades In L3 & L2) com o espectro da descontinuidade Sn L3 de uma amostra de sulfuretos polimetálicos da Lagoa Salgada. Figure 4 – XANES spectra collected from the synthetic compound InF3 and from the Lagoa Salgada sample: comparison between In L2edge and Sn L3-edge.


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amostra (Silva et al., 2012; Figueiredo et al., 2012). Observou-se um andamento semelhante para os espectros XANES do índio e do estanho recolhidos na descontinuidade L3 (Fig. 5), apresentando dois detalhes s1 e s2 (shoulders) perto desta descontinuidade e uma absorção precedente (white line, Cauchois & Mott, 1949) no caso do índio, sugerindo uma provável ligação metálica In-In em nanodomínios, para além do espectável In3+ em coordenação tetraédrica na esfalerite (Figueiredo et al., 2010, 2012). 3.2 O selénio em detritos da mina de S. Domingos O selénio é um elemento de ocorrência natural, libertado para o ambiente através da mineração, da indústria e mesmo da agricultura. Apesar de ser um nutriente essencial para os seres humanos, animais e microrganismos, este elemento torna-se tóxico em concentrações ligeiramente superiores aos níveis nutricionais. No ambiente, pode exibir vários estados de oxidação: desde o anião seleneto Se2- até ao catião Se6+, incluindo Se4+ e o selénio elementar Se0. O teor de 900 ppm de selénio encontrado em detritos da velha fábrica do enxofre junto à antiga mina de S. Domingos (Batista et al., 2011), despoletou o estudo da especiação do selénio e da natureza da(s) fase(s) carreadora(s) nestes materiais, numa perspectiva de remediação sustentável. Assim, em 2013 recolheram-se espectros XANES da descontinuidade K do selénio (12658 eV) na linha BM-25A (Fig. 6). Beneficiando das facilidades instrumentais desta linha, foi ainda possível caracterizar as fases presentes através de difracção de alta resolução (HRPD, High-Resolution Powder Diffraction). Os espectros obtidos para os óxidos usados como compostos de referência reproduzem-se na Fig. 7, mostrando que o valor máximo de energia para a “white line” responde eficazmente à valência formal das espécies catiónicas do selénio: Se4+ (selenito, geralmente em coordenação piramidal) e Se6+ (selenato, em coordenação tetraédrica). A Fig. 8 compara os espectros XANES coligidos para os minerais modelo de selenetos (Se2-) - clausthalite (PbSe), guanajuatite (Bi2Se3) e uma galena rica em selénio, Pb (S1-xSex) - com os espectros obtidos para as amostras de detritos mineiros. Os resultados espectroscópicos (Figueiredo et al., 2014b) apontam para a presença

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de vários estados de oxidação nestas últimas amostras: selenitos assinalados em todas elas e selenetos bem representados nas amostras 3-3 e 3-4, não se tendo identificado a presença de selenatos. 3.3 O rénio em molibdenites e em detritos mineiros (S. Domingos) O rénio é um metal ainda mais escasso do que o índio mas com múltiplas aplicações inovadoras. Ocorre na natureza principalmente carreado pela molibdenite (MoS2) que pode conter teores significativos de tungsténio e rénio. Uma contribuição para a recuperação deste metal passa pela compreensão do seu comportamento mineroquímico no mineral carreador, promovendo assim a valorização dos recursos minerais (Silva et al., 2013b, 2014). O estudo do estado de ligação do rénio na molibdenite teve início em 2011 através de uma experiência na linha BM-23 (Fig. 9). Espectros XANES recolhi-

Figura 5 – Comparação dos espectros XANES da descontinuidade L3 do In e do Sn recolhidos da mesma amostra da Lagoa Salgada: destacam-se os detalhes de absorção (s1 e s2, separados por cerca de 10 eV) e uma absorção assinalada a verde precedendo a descontinuidade (white line). Figure 5 – In and Sn L3-edge XANES spectra collected at selected points of a Lagoa Salgada sample. A “white-line” before the edge (assigned in green) and two shoulders (s1 & s2 separated by ~10 eV) are observed.

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Figura 6 – Arranjo instrumental da linha BM-25A. Figure 6 – General view of the instrumental set-up of beam line BM-25A.

Figura 7 – Espectros XANES da descontinuidade K do Se coligidos de compostos modelo. Figure 7 – Se K-edge of oxide model compounds.

Figura 8 – Espectros XANES da descontinuidade K do Se obtidos de selenetos e amostras de detritos mineiros. Figure 8 – Se K-edge of selenide minerals and mine waste samples.


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Figura 9 – Arranjo instrumental da linha BM-23. Figure 9 – General view of the instrumental set-up of beam line BM-23.

Re numa molibdenite da Austrália, com o espectro obtido para o tungsténio no composto WS2, onde o ião W4+ assume coordenação prismática à semelhança do ião Mo4+ na molibdenite. A correspondência dos detalhes aponta para uma substituição aleatória rénio-molibdénio (com Re4+ assumindo também coordenação prismática) e não para a formação de nanofases (Figueiredo et al., 2013b; Silva et al., 2013a). O teor muito baixo de Re nas molibdenites portuguesas estudadas não permitiu a obtenção de um espectro XANES de boa qualidade. Comparativamente, os espectros obtidos a partir de detritos da mina de S. Domingos recolhidos junto à antiga fábrica do enxofre da Achada do Gamo coadunaram-se com ligações Re-O por analogia com espectros recolhidos de compostos sintéticos usados como modelo (Figueiredo et al., 2013a, 2014d).

Figura 10 – Espectros XANES da descontinuidade L3, do Re numa molibdenite da Austrália e do W no composto sintético WS2. Figure 10 – Re L3-edge XANES spectrum obtained from a rhenium-rich molybdenite sample, compared with the W L3-edge XANES spectrum collected from synthetic WS2.

dos na descontinuidade L3 do rénio (10535 eV) em fragmentos de molibdenite de várias proveniências possibilitaram uma primeira abordagem ao modo de alojamento do rénio neste mineral. Na figura 10 compara-se o espectro XANES obtido para o

3.4 O rénio e o tungsténio em detritos da mina da Panasqueira A última experiência de espectroscopia efectuada por este grupo de utilizadores no ESRF (Junho de 2014, linha BM-25A), foi focalizada na análise das descontinuidades de absorção L1 e L3 do rénio (respectivamente a 12527 e 10535 eV) e do tungsténio (12100 e 10207 eV), como contribuição para uma futura recuperação sustentável destes metais a partir de resíduos acumulados na mina da Panasqueira. Os primeiros contributos foram

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já apresentados a congressos da especialidade sob a forma de poster (Figueiredo et al., 2014a, 2014c). 4. Conclusão Está em curso a caracterização espectroscópica pormenorizada do(s) estado(s) do tungsténio e do rénio em detritos mineiros com o objectivo de delinear uma estratégia de recuperação deste metal escasso (Re) com tão elevado valor económico. Entretanto, os resultados apresentados ilustram desde já a pertinente contribuição da radiação de sincrotrão para a caracterização de materiais geológicos e resíduos mineiros, em particular no tocante a metais de ocorrência vestigial e grande relevância económica (e.g. In e Re), e a elementos com implicações ambientais significativas como é o caso do selénio. Agradecimentos Este trabalho é um contributo do Projecto INCA (refª PTDC/CTE-GIN/67027/2006) financiado pela FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia) e do projecto MinReMol (refª EXPL/AAG-REC/0978/2012) financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Factores de Competitividade (COMPETE: FCOMP-01-0124-FEDER-027516) e por Fundos Nacionais através da FCT. Os autores afiliados ao CENIMAT/I3N agradecem o suporte da FCT através do Projecto Estratégico LA25-2013-2014 (refª PEst-C/CTM/ LA0025/2013-14). Agradece-se ainda o suporte financeiro da UE para a realização de experiências no ESRF entre 2008 e 2014, bem como o apoio dos cientistas das linhas utilizadas: ID-21 (refª EC-290, EC-450, EC628 e EC-806), BM-23 (refª CH-3421) e BM-25A (refª EV-13 e ES-128).

Bibliografia Aksenov, V. L., Koval’chuk, M. V., Kuz’mind, A. Yu., Purans, Yu. & Tyutyunnikov, S. I., 2006. Development of methods of EXAFS spectroscopy on synchrotron radiation beams: review. Crystallography Reports, 51: 908–935. Batista, M. J., Matos, J. X., Figueiredo, M. O., De Oliveira, D., Silva, T. P., Santana, H. & Quental, L., 2011. Fingerprints for mining products and wastes of the S. Domingos, Aljustrel and Neves Corvo mines – a sustainable perspective. VIII Congresso Ibérico de Geoquímica/XVII Semana de Geoquímica, Castelo Branco/ Portugal, 24-28 de Setembro. Resumo alargado, 6. Cauchois, Y. & Mott, N. F., 1949. White lines and self-absorption of lines in the X-ray absorption

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Panasqueira tungsten mine tailings. 4as Jornadas do CENIMAT/I3N, Caparica/Portugal, 23 de Junho (poster). Figueiredo, M. O., Silva, T. P., Veiga, J. P., de Oliveira, D. & Batista, M. J., 2013b. X-ray absorption spectroscopy at Re L3-edge applied to mine waste materials: a possible input to the sustainable recovery of rhenium. 2nd Meeting of Synchrotron Radiation Users from Portugal and ESRF-Day, Lisboa/Portugal, February 1415. Book of Abstracts, 1 p. Figueiredo, M. O., Silva, T. P., Veiga, J. P., de Oliveira, D. & Batista, M. J., 2014d. Towards the recovery of byproduct metals from mine wastes: an X-ray absorption spectroscopy study on the binding state of rhenium in debris from a centennial Iberian Pyrite Belt mine. J. Minerals & Materials Charact. and Eng., 2: 135-143. Henderson, C. M. B., Cressey, G. & Redfern, S. A. T., 1995. Geological applications of synchrotron radiation. Radiat. Phys. Chem., 45: 459-481. Rehr, J. J. & Albers, R. C., 2000. Theoretical approaches to x-ray absorption fine structure. Rev. Modern Phys., 72: 621-653. Silva, T. P., Figueiredo, M. O., de Oliveira, D., Veiga, J. P. & Batista, M. J., 2013a. Molybdenite as a rheni-

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Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral J. V. Lisboa1,*, R. Sardinha1, A. Oliveira1 & J. F. Carvalho1 1

1 Laboratório Nacional de Energia e Geologia, Apartado 7586 – Alfragide, 2610-999 Amadora, Portugal *autor correspondente: vitor.lisboa@lneg.pt

Resumo Na região de Torres Vedras – Bombarral ocorrem importantes depósitos de argila comum, que foram cartografados amostrados e caraterizados em termos composicionais e cerâmicos. Resultou um mapa litológico evidenciando os recursos de argila identificados. As argilas ocorrem preferencialmente no topo da sequência detrítica do Titoniano e são silto-argilosas, ilítico-cauliníticas ou caulinitico-ilíticas. A homogeneidade composicional e tecnológica das amostras sugere acentuada continuidade lateral e vertical de fácies dos corpos argilosos. As propriedades e comportamento cerâmico conferem às argilas aptidão para o fabrico de cerâmica de construção, depois de lotadas. A cartografia realizada é acompanhada por colunas tipológicas nas áreas de maior potencial reconhecido permitindo a perceção da tipologia das argilas aí ocorrentes. Estimou-se na área de ocorrência dos depósitos de argila, um volume de 125 Mm3 deste recurso. Palavras-chave: Argila, recurso, coluna tipológica, cerâmica de construção. Abstract Important deposits of common clay occur in the Torres Vedras - Bombarral region. These deposits were mapped and sampled for compositional and ceramic characterization, from which resulted a lithological map evidencing the clay resources. The clays occur preferentially at the top of the Tithonian detritic sequence. They encompass clayey silts, with an illite-kaolinite or kaolinite- illite composition. The compositional and technological homogeneity of the samples suggests that the clay bodies have important lateral and vertical facies homogeneity. The properties and ceramic behaviour of the studied clays make them suitable for the ceramic construction manufacture, after adequate blending. The resulting map presents the typological columns which concern areas of higher resources potential. This enables the knowledge of the clays typology, which occur there. In the clay deposits occurrence area, it is estimated a resource volume of 125 Mm3. Key words: Clay, resource, typological column, construction ceramics.

1. Introdução A região de Torres Vedras – Bombarral constitui uma das principais áreas do país com potencial de recursos argilosos para cerâmica de construção (Lisboa, 2014; Sardinha, 2013), o qual é manifesto pela importante atividade afeta a este sector da indústria extrativa. As matérias-primas são as argilas comuns (vermelhas) do Jurássico Superior e da base do Cretácico Inferior. Um anterior projeto de prospeção na presente área envolveu reconhecimento geológico e amostragem de argilas (Pereira, 2003), mas os

trabalhos foram interrompidos. Considerando a importância dos recursos em argila nesta região a nível local e nacional, pretendeu-se dar continuidade àquele projeto, daí resultando o presente estudo de cartografia e caraterização de argilas comuns da região de Torres Vedras - Bombarral. 1.1. Aspetos de produção A extração intensiva de argila vermelha para cerâmica de construção constitui uma atividade tradicional na região de Torres Vedras – Bombarral, desde o segundo quartel do século XX, tendo-

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se a maior parte das cerâmicas em atividade na área, instalado nas décadas de 60 e 70 (Fig. 1). As fábricas de cerâmica atualmente com maiores produções, Torreense e Lusoceram, localizam-se na área de Outeiro da Cabeça, concelho de Torres Vedras e fabricam telha e acessórios, tijolo furado, face à vista e abobadilha. As outras fábricas em laboração na área, Cerâmica Avelar (Ramalhal), Cerâmica Outeiro do Seixo (Campelos), no concelho de Torres Vedras e, Cerâmica da Floresta, no concelho de Cadaval, produzem tijolo e abobadilha, e têm menor dimensão. A opção pelo fabrico de tijolo e abobadilha está relacionada geralmente com aspetos industriais e económicos e não com a própria qualidade da matéria-prima. A área estudada dista cerca de 70 km de Lisboa, o que faz com que esteja relativamente próxima do principal mercado consumidor de produtos de cerâmica de construção. Tal como na maioria dos núcleos produtores tradicionais de cerâmica vermelha do país, a produção sofreu uma forte retração, sobretudo a partir

de 2007. O volume da matéria-prima total extraída dos barreiros das 5 principais cerâmicas da região em 2003 foi da ordem de 2 M t (Pereira, 2003), baixando para 0,8 M t em 2010 e 2011. A produção total do conjunto das fábricas de cerâmica em laboração na área será próxima de 1 M t. 2. Enquadramento geológico A região estudada integra-se no sector central da Bacia Lusitaniana, sub-bacia de Bombarral (Kullberg et al., 2006), onde afloram unidades litostratigráficas do Jurássico Superior e Cretácico (Fig. 2). Confina com as sub-bacias de Turcifal, a sudoeste, e de Arruda, a sudeste, através da Falha de Torres Vedras-Montejunto (Montenat et al., 1988; Kullberg, 2006). Outros acidentes maiores recortam esta região segundo as direções NNE-SSW e NNW-SSE (Fig. 2). Os orientados segundo NNE-SSW, associados às fases extensionais mesozóicas, terão sido reativados em desligamento esquerdo durante a com-

Figura 1 - Enquadramento da área com rede viária, atividade extrativa e localização das unidades cerâmicas ativas e inativas (limite da área estudada a amarelo). Figure 1 - Area frame with roads, quarrying activity and location of active and inactive ceramic plants (the yellow line limits the studied area).


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pressão Alpina (Ribeiro et al., 1990). De entre estes acidentes destaca-se a Falha de Lourinhã, que se presume representar a continuação para sul da estrutura diapírica de Caldas da Rainha. Os orientados segundo NNW-SSE terão funcionado como desligamentos direitos pós-Cretácicos. A sub-bacia de Bombarral abrange duas macrosequências estratigraficamente distintas (Kullberg et al., 2006): à inferior correspondem sedimentos siliciclásticos margino-litorais, associados a margas e calcários, do Jurássico Superior e ocupa a mais vasta área; a mais recente, em descontinuidade sobre a anterior é constituída por sedimentos siliciclásticos essencialmente fluviais, do Cretácico Inferior. Os depósitos jurássicos fazem parte da Forma-

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ção de Lourinhã, atribuída ao Titoniano (Hill, 1988 in Kullberg et al., 2006) e que na sub-bacia de Bombarral apresenta espessura muito variável, entre 600 a 1100 m (Hill, 1988; Leinfelder & Wilson, 1989; Rocha et al., 1996). Esta formação é constituída, na parte inferior, por sequências de margas, calcários margosos e calcários detríticos ricos de bivalves. A parte superior compreende sequências de depósitos siliciclásticos margino-litorais, associados a margas e calcários. De acordo com o reconhecimento geológico, é a parte superior da Formação de Lourinhã que aflora. Litologicamente está representada essencialmente por arenitos finos a grosseiros (exibindo estratificação horizontal, entrecruzada e outras

Figura 2 - Enquadramento geológico da região de Torres Vedras – Bombarral. Adaptado da Carta Geológica de Portugal à escala de 1/1000000 (LNEG, 2010). A, Holocénico; Q, Quaternário, N1 + N2, Neogénico, fi, filão básico; CVL, Cretácico Superior; K1, Cretácico Inferior; J3, Jurássico Superior; J2, Jurássico Médio; J1, Jurássico Inferior; TJ1, Triásico Superior. Figure 2 - Geological setting of the Torres Vedras - Bombarral region. Adapted from the Geological Map of Portugal on the 1/1000000 scale (LNEG, 2010). A, Holocene; Q, Quaternary; N1 + N2, Neogene; fi, basic vein; CVL, Upper Cretaceous; K1, Lower Cretaceous; J3, Upper Jurassic; J2, Middle Jurassic; J1, Lower Jurassic; TJ1, Late Triassic.

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figuras de canal) com calhaus rolados, possuindo intercalações lenticulares de siltitos e argilitos mais ou menos siltíticos, que apresentam tonalidades que vão do vermelho arroxeado ao castanho amarelado e cinzento (Fig. 3). No geral, as camadas apresentam estratificação inclinada para os quadrantes sul, com pendores inferiores a 10°. A unidade terá sido depositada em áreas deltaicas ou aluviais e em linhas de água meandriformes, em que os acarreios siliciclásticos tiveram origem nos quadrantes ocidental e oriental da bacia (Montenat et al., 1988; Hill, 1988). Sobre a Formação de Lourinhã assentam discordantemente depósitos da Formação de Serreira (Titoniano? - Berriasiano Inf ?) (Rey, 1992, 1999) e do Grupo de Torres Vedras (Berriasiano Superior a Aptiano) (Rey, 1993), não abrangido por este estudo. Durante o Cretácico Inferior, o Maciço Hespérico, a Este, constitui a principal fonte de sedimentos clásticos devido ao seu levantamento e erosão, mas com importante contribuição do horst marginal granito-gnáissico da Berlenga, a Oeste (Montenat et al., 1988; Kullberg et al., 2006). Os reconhecimentos de campo confirmam as ob-

servações de Rey (1993) que afirma que a Formação de Serreira é constituída por alternâncias de conglomerados e arenitos cinzentos, amarelos e vermelhos, exibindo estratificação entrecruzada e interestratificados com argilitos mais ou menos siltíticos, vermelhos e violáceos (Fig. 4). Os depósitos, característicos de ambiente fluvial meandriforme (30 m de espessura), organizam-se em sequências fluviais granodecrescentes com espessura de 2 a 5 m e, litologicamente, não diferem substancialmente da Formação de Lourinhã, subjacente. 4. Metodologia As tarefas empreendidas para cumprir os objetivos propostos compreenderam, compilação da informação existente, trabalho de campo e trabalho laboratorial. Os estudos no terreno envolveram a identificação e cartografia (escala 1:25000) das sequências de níveis argilosos, com descrição de perfis litológicos, em locais considerados importantes para a compreensão e definição da geologia e da coluna sedimentar. Nos perfis estudados colheram-se 13

Figura 3 - Aspeto característico da Formação da Lourinhã com tonalidades vermelhas dominantes e alternância de corpos argilosos e areníticos, no barreiro da Cerâmica Torreense, na área de A-dos-Cunhados. Figure 3 - Characteristic aspect of Lourinhã Formation showing dominant red hues and alternating clay and sandstone bodies in the clay pit of Cerâmica Torreense (A-Dos-Cunhados area).


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amostras de fácies argilosas da Formação da Lourinhã (A1 a A14, exceto A11) e uma da Formação de Serreira (A11), para caracterização químico-mineralógica e tecnológica tendo em consideração a sua articulação sequencial. A informação litostratigráfica, mineralógica e tecnológica, para cada perfil foi reproduzida através de colunas tipológicas (Carvalho et al., 2000) na carta elaborada. Para a digitalização da cartografia e edição do mapa litológico e de recursos argilosos da área de Torres Vedras – Bombarral utilizou-se o package ArcGIS versão 9.3 da ESRI. Os procedimentos laboratoriais são indispensáveis para a classificação tipológica das argilas e foram realizados no Laboratório do LNEG (Unidade de Ciência e Tecnologia Mineral), de acordo com normas nacionais, internacionais ou próprias do mesmo Laboratório. A análise mineralógica semi-quantitativa das amostras integrais, previamente secas (40 ºC) e moídas num moinho de ágata a dimensão de grão inferior a 74 µm, e da respetiva fração inferior a 2 μm foi estimada por difração de raios X (DRX), a partir das áreas dos picos das reflexões basais

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ponderadas por fatores empíricos (Schultz, 1964; Thorez, 1976; Brindley & Brown, 1980). Os difractogramas dos pós das amostras foram obtidos num espectrómetro Philips PW 1380. Este aparelho é composto por um gerador PW 1830, goniómetro PW1820 e contador de impulsos PW 1710. Utilizou-se uma ampola de Co de 2700 W (PW2256/20). Os dados e leitura foram processados com o software PW1877 Automatic Powder Diffraction version 3.6 h (condições operativas: diferença de potencial 40 kV, intensidade 40 mA). Esta análise foi complementada pela análise térmica gravimétrica e diferencial. Para o estudo das amostras foram utilizados cerca de 15 mg de amostra em pó crivada a 200 mesh e seca a uma temperatura de 40 ºC. Os termogramas foram obtidos num analisador térmico diferencial e ponderal Shimadzu, que permite obter as curvas ATD e ATG simultaneamente. O programa Informatic Analysis permitiu obter e tratar os registos na forma gráfica. A taxa de aquecimento foi 10 ºC/min até à temperatura de 1200 ºC, em atmosfera oxidante. Foram utilizados termopares de Pt e Rh (com 10 % Pt). O padrão de referência utilizado foi a alumina calcinada e as

Figura 4 - Aspeto da Formação de Serreira, no barreiro da Cerâmica da Floresta, área de Outeiro da Cabeça. Figure 4 - Characteristic aspect of Serreira Formation at Cerâmica da Floresta clay pit (Outeiro da Cabeça area).

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126 Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral

curvas de calibração foram efetuadas com sulfato de cálcio. Para a identificação das reações, recorreu-se às transformações sofridas por cada espécie mineral de acordo com Blazek (1972) e Mackenzie (1957). A análise química (elementos maiores) das amostras (A2, A4, A6, A7, A8, A10, A14), previamente moídas num moinho de ágata a 200 mesh foi realizada por espectrometria de fluorescência de raios X (FRX) em discos vítreos obtidos por calcinação dessas amostras com fundente (mistura de meta e tetraborato de lítio) na proporção de 1:10, num espectrómetro sequencial Panalytical – PW 2404 equipado com uma ampola de ródio (4 kW) e monocronómetro (condições operativas: diferença de potencial 40 kV, intensidade 60 mA). Para cada amostra, os valores da perda ao rubro (PR) traduzem a perda de massa da amostra por calcinação (1050 ºC) durante 1 hora. A exatidão e precisão são, respetivamente, 1 % e 5 %, em geral, para todos os elementos maiores (Oliveira, 2010). O pH foi determinado pelo método de elétrodos seletivos de acordo com o procedimento interno do laboratório, com base na norma E203 (1967), utilizando um medidor de pH Sentron 2001 (calibração a 20 °C). Para a realização dos ensaios foram utilizados 20 g de uma amostra moída a 60 mesh, posteriormente misturada com 50 ml de água desmineralizada, previamente fervida. São feitas duas medições por amostra: ao fim de 1 minuto e após intervalo de 15 minutos, para estabilização do pH. Para o estudo da distribuição de tamanho dos grãos nas amostras foi primeiro efetuado um corte (via húmida), utilizando o peneiro de malha 355 μm; a fração inferior a 355 μm analisou-se num granulómetro Coulter LS 130 (módulo de líquidos) e a fração superior a 355 μm (quando > 10 %) foi sujeita a peneiração (via seca), segundo normas E 239 (1970) e ASTMD 422-63 (reaprovado em 2002). O índice de plasticidade (IP) foi calculado com base nos limites de Atterberg segundo a Norma Portuguesa NP-143 (1969). Após moagem da argila a 60 mesh, pesaram-se cerca de 2 kg de material. Posteriormente adicionou-se água e misturou-se, manualmente, até se obter uma pasta homogénea. Por amostra, foram prensados 15 provetes de secção trapezoidal (2,3 x 2 x 1,5 cm) e 12 cm de comprimento, que foram marcados com uma bitola de 10 cm e numerados. Os 15 provetes

foram divididos em 3 lotes, sendo cada lote encaminhado para os ensaios após secagem e após cozedura a temperaturas de 850, 950 e 1050 ºC. A estimativa da resistência mecânica à flexão (RMF) dos provetes das amostras realizou-se de acordo com procedimento padrão do laboratório do LNEG, baseado na norma ASTM C 689/93, usando um tensómetro Zwick Z010 com uma célula de carga de 2 kN para RMF em seco. Condições operativas: 10cm espaçamento entre as lâminas de apoio e a velocidade de carregamento de 10 mm/minuto. Após cozeduras cerâmicas a 850, 950, 1050 ºC, o procedimento foi baseado na norma ASTM C 674/88, com as mesmas condições de funcionamento do teste em seco, mas com uma célula de carga de 10 kN. Os valores de retração linear verde/seco (Ret.v/s) e total (Ret.tot), após cozeduras (850, 950, 1050 ºC), foram obtidos com base na norma ASTM C 326/82. A determinação da capacidade de absorção de água (Abs.água) às mesmas temperaturas efetuou-se segundo especificação E216 (1968). Para a classificação das argilas nas colunas tipológicas foi considerada a mineralogia das amostras integrais e os parâmetros tecnológicos: granulometria, IP, RMF, Ret.v/s, Ret.total e Abs.água a 900 ºC. Quanto à cor, as argilas são avermelhadas não apresentando variações relevantes. 5. Resultados e discussão 5.1. Caracterização granulométrica As amostras evidenciam uma acentuada homogeneidade dimensional do grão enquadrando-se no silte argiloso (Shepard, 1954). Excetua-se a amostra A3, que se posiciona no campo da argila silto-arenosa (Fig. 5). A análise das curvas de distribuição granulométrica cumulativa (Fig. 6) revela por um lado que a maioria das amostras tem composições medianamente graduadas e calibração baixa, e por outro lado que a graduação e calibração são relativamente homogéneas. Também podemos observar que a percentagem de elementos de diâmetro esférico equivalente (d.e.e.) superior a 50 µm é, em geral, inferior a 20 %. E que a maioria das amostras tem 50 % das partículas com d.e.e. máximo entre 6 e 15 µm. O sector da curva correspondente à fração inferior a 1 um é na maioria, pouco inclina-


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do, denotando boa graduação, mas com contributo muito reduzido das frações granulométricas inferiores àquela dimensão. Ao nível da distribuição granulométrica das amostras distinguem-se dois conjuntos diferindo apenas ligeiramente, no grau de calibração (fig. 6). Verifica-se também diferenciação no grau de calibração em níveis sucessivos da coluna sedimentar, indicando variações de condições de energia aquando da deposição. 5.2. Caracterização mineralógica As composições mineralógicas dos materiais estudados (tabela 1) mostram a predominância dos filossilicatos, na maioria das amostras em percentagem superior a 50 %, sendo o quartzo o mineral predominante nos minerais não argilosos. Globalmente e em termos médios, as amostras são constituídas em proporções próximas, por caulinite e quartzo, com predomínio da caulinite e em menor quantidade por ilite/ mica, que se apresenta em percentagens bastante homogéneas (xm=15 ± 2 %). A caulinite revela uma maior dispersão que a ilite/mica (Fig. 7). Foram detetados vestígios de interestratificados de ilite/esmectite em 4 amostras. Relativamente a outros minerais acessórios não argilosos, o feldspato alcalino ocorre em todas as amostras em percentagens significativas (xm = 8 ± 3 %), assim

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como os óxidos de ferro, geralmente sob a forma de óxidos e hidróxidos também em percentagens elevadas (xm = 8 ± 2 %). Na composição mineralógica semiquantitativa da fração argila (< 2 µm) há naturalmente um enriquecimento nos minerais argilosos das amostras, os quais não diferem substancialmente dos minerais identificados nas amostras integrais correspondentes (tabela 1). As argilas são ilítico-cauliníticas ou caulinítico-ilíticas. Entre outros minerais argilosos observados, os interestratificados de ilite/esmectite ocorrem na quase totalidade das amostras, em muito pequena quantidade e, a esmectite e clorite, apenas na amostra A14. Esta composição diferenciada das outras amostras sugere deposição em condições ambientais diversas, provavelmente com características de maior confinamento. Relativamente aos minerais não argilosos, os feldspatos estão quase ausentes nesta fração, mas o quartzo, tem uma representação ainda significativa, assim como os minerais de ferro, sob a forma de óxidos e hidróxidos. Constata-se um aumento mais significativo da proporção de ilite relativamente à caulinite, em relação aos valores da fração integral, o que implica que parte importante da ilite se concentra na fração argila. Da análise da correlação entre estes minerais e as frações granulométricas areia, silte e argila, constata-se correlação positiva e negativa, respetivamente, entre a caulinite na fração menor que 2 µm (r = 0,87) e caulinite na fração entre 2 e 63 µm (r = -0,36); as correlações de ilite/mica com fração menor que 2 µm e fracção entre 2 e 63 µm, são respetivamente, r = -0,61 e r = 0,77. As relações observadas indicam concentração da caulinite na fração menor que 2 µm e preferencial da mica na fração de 2 a 63 µm. 5.2.1. Interpretação das curvas obtidas por análise térmica diferencial e gravimétrica Durante a cozedura, as transformações térmicas ocorridas são relativamente homogéneas. Figura 5 - Diagrama ternário (Shepard, 1954) da distribuição dimensional do grão dos materiais amostrados. Figure 5 - Classification of sampled sediments based on sand-silt-clay ratios (Shepard,1954).

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Tabela 1 - Composição química (FRX), dos elementos maiores (%) das amostras integrais; composição mineralógica semiquantitativa (DRX) das amostras totais e fração inferior a 2 µm; propriedades tecnológicas cerâmicas. LL- limite de liquidez, LP- limite de plasticidade; Vest.- vestígios. Table 1-chemical composition (FRX), of larger elements (%) of samples integrals; semiquantitative mineralogical composition (DRX) of the total samples and fraction of less than 2 µm; ceramic technological properties. LL-liquidity limit, LP-plasticity limit; Vest-traces.

LP

27,92

25,63

22,23

29,63

24,87

30,09

23,89

41,16

25,79

29,35

33,96

30,32

23,60

30,19

IP

19,05

14,19

13,80

25,42

14,29

19,71

12,52

26,56

16,36

24,06

20,79

17,76

14,94

16,72


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Figura 6 - Curvas de distribuição granulométrica das amostras estudadas. Figure 6 - Cumulative grain size curves of the samples.

Exemplificativamente apresentam-se os gráficos correspondentes a uma amostra com elevada componente quartzosa, caulinítico-ilitica (A3) e outra predominantemente caulinítica (A10) (Fig. 8). A ocorrência de um primeiro pico endotérmico a temperatura inferior a 100 ºC, correspondente à libertação de água higroscópica, precede outros até próximo de 200 ºC durante o qual se dá a continuação da libertação de água adsorvida. Os efeitos endotérmicos manifestam-se através de picos mais ou menos intensos na dependência da composição, respetivamente, mais ou menos ilítica das amostras. Não são percetíveis picos duplos, característicos da esmectite, devido aos teores vestigiais deste mineral. A perda de massa relacionada com a libertação da água higroscópica e adsorvida varia entre 0,76 % (amostra A2) e 3,35 % (amostra A8). Em todos os termogramas, é observável uma reação endotérmica entre 294 ºC e 311 ºC, explicada pela desidroxilação de hidróxidos de ferro que confirma os

elevados teores de ferro que estas argilas contêm. A perda de massa registada nesta reação, considerando a totalidade das amostras, não ultrapassa 0,5 %. Entre 496 – 508 ºC verificam-se picos endotérmicos correspondentes à reação de desidroxilação dos minerais argilosos. O comportamento termodiferencial das amostras neste intervalo é influenciado pela relação do teor em ilite/mica e caulinite, com temperaturas mais elevadas e picos mais intensos nas amostras mais cauliníticas (Fig. 8B). As perdas de massa de 1,92 % (A3) a 3,25 % (A10), ocorrentes entre 436 e 557 ºC e atribuídas à desidroxilação, confirmam as observações baseadas nas curvas termodiferenciais. Existe uma marcada correlação entre a caulinite e a ilite/mica e, as perdas de massa verificadas naquele intervalo de temperatura. Os picos endotérmicos verificados em todas as amostras entre 567 – 572 ºC, exceto em A8, relativo à transformação quartzo α→β, a 573 ºC, evidenciam o teor elevado de quartzo, na generalidade dos

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materiais em estudo. Não são percetíveis variações acentuadas nos termogramas diferencial e gravimétricos após a reação de transformação do quartzo. A percentagem de perda total de massa entre 5,28 % (A13) e 10,62 % (A8), aumenta com o enriquecimento em minerais argilosos e a redução dimensional do grão, concordante com um material argiloso com baixa percentagem de elementos grosseiros (> 63 µm). 5.3. Caracterização química Nos resultados da análise química por FRX (tabela 1), os conteúdos de sílica (valor médio de 59,92 % ± 3,09) e alumina 19,08 % ± 1,49, refletem a relativa homogeneidade a nível mineralógico, nomeadamente o teor de quartzo e os teores de minerais argilosos e micáceos. Os valores mais elevados de Al2O3 ocorrem nas amostras mais argilosas, em especial cauliníticas, caso do máximo observado na amostra A10 (22,2 %). A razão SiO2/Al2O3 é em geral elevada (xm = 3,16), concordante com composições ricas em quartzo e feldspatos e compatível com o tipo de argilas em estudo (argilas comuns). Os teores de ferro total são elevados (min = 6,01 %; max = 8,25 %) e enquadrados nos valores expetáveis em argilas comuns (xm= 7,38 %). Admite-se que parte do ferro se encontre sob a forma de óxidos e hidróxidos amorfos e criptocristalinos, e na rede cris-

talina dos minerais argilosos, nomeadamente da ilite, montmorilonite, clorite, interestratificados e feldspato, já que não foram claramente identificados minerais de ferro nos diagramas de DRX. Os teores reduzidos de CaO e MgO refletem a ausência de minerais carbonatados, gesso ou talco. Os teores mais elevados de MgO estarão relacionados com a presença de pequenas quantidades de esmectite ou interestratificados deste grupo de minerais (amostra A14 e A4). O K2O é o componente alcalino predominante, devido à componente ilítica das amostras e aos teores frequentemente significativos de feldspato-K. Nos difratogramas não foi reconhecido rútilo ou anátase, devendo os valores de TiO2 estar relacionados com a estrutura cristalina da moscovite, caulinite e possivelmente, vestígios de rútilo associado ao quartzo. Os teores de titânio são próximos de 1 % ou ligeiramente superiores, pelo que podem influir na cor da argila (Santos, 1975). Os valores da PR refletem a composição argilosa e também os hidróxidos existentes. Tendem para valores inferiores nas amostras siliciosas e ilíticas e, aumentam quando a percentagem dos minerais argilosos, sobretudo caulinite, aumenta relativamente à dos não argilosos. Os valores de pH (tabela 1) apresentam homogeneidade elevada. O valor médio (xm = 7,40 ± 0,24) é ligeiramente superior ao normal em argilas cerâmicas (em geral, 4 a 6), o que se explicará pela

Figura 7 - Diagrama ternário baseado nas características mineralógicas das amostras integrais estudadas: Minerais não argilosos / Caulinite / Ilite + interestratificados. Figure 7 - Ternary diagram based on the mineralogical characteristics of the whole samples: non-clay minerals / kaolinite / illite + interstratified clay minerals.


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presença de pequenas quantidades de sais solúveis. Os catiões dos elementos suscetíveis de troca na estrutura dos minerais argilosos variam essa capacidade de troca, condicionando propriedades como a plasticidade e a viscosidade (Kirsch, 1968), pelo que se analisou a eventual influência do pH nas propriedades tecnológicas através das correlações verificadas. Para a correlação negativa verificada entre o pH e os limites de consistência e IP (r pH-LL= -0,61; r pH-LP = -0,47; r pH-IP = -0,67) poderá contribuir a maior quantidade relativa de caulinite, em que as forças de atração entre partículas provocam floculação quando o pH é baixo (Gori, 1994). Pelo

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contrário, verifica-se correlação positiva entre pH e a Abs.água às três temperaturas (0,41< r <0,56). 5.4. Propriedades e comportamento cerâmico 5.4.1. Propriedades relacionadas com distribuição dimensional do grão, limites de consistência e plasticidade As matérias-primas argilosas utilizadas na cerâmica estrutural englobam uma vasta gama de distribuições dimensionais de grão, que têm uma particular influência nos processos de moldagem e secagem dos corpos cerâmicos, bem como nas suas

Figura 8 - Diagramas de ATD/ATG exemplificativos das amostras estudadas aquecidas até 1200 ºC (amostras A3 e A10). Figure 8 - ATD / ATG diagrams of the studied samples heated to 1200 °C (A3 and A10 samples).

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propriedades mecânicas após cozedura (Dondi et al., 1998). Projetaram-se os pesos das classes granulométricas das amostras, consideradas no diagrama de Winkler (1954), verificando-se que parte significativa das amostras cai fora dos campos de aplicabilidade definidos (Fig. 9). Da interpretação direta do diagrama deduz-se um défice, da generalidade das amostras, simultaneamente em fração argila e areia e que, a aplicação dos materiais representados em cerâmica de construção implicaria, na sua maioria, lotação com outras argilas. A facilidade de conformação das pastas, bem como a aptidão destas à extrusão, são também fatores fundamentais para a caracterização cerâmica. Nes-

Figura 9 - Diagrama de Winkler (1954) com a classificação tecnológica de matérias-primas para cerâmica estrutural: 1- tijolo maciço; 2- tijolo furado; 3- telha; 4- tijoleira. Figure 9 - Winkler diagram (1954) for the technological classification of bodies for structural clay products: 1- solid bricks; 2- vertically perforated bricks; 3- roofing tiles; 4- thin-walled hollow bricks. Figura 11 - Diagrama de Casagrande com os domínios relativos à extrusão de matérias-primas cerâmicas segundo Gippini (1969): A-ótimo, B-satisfatório; a linha a corresponde a uma fronteira empírica que separa as argilas inorgânicas (acima da linha) dos siltes inorgânicos e solos orgânicos; a linha b faz a separação entre os materiais com baixa e elevada plasticidade. Figure 11 - Casagrande diagram with domains regarding the extrusion of ceramic raw materials according Gippini (1969): the great, B-satisfactory; the line corresponds to an empirical border separating the inorganic clays (above the line) of silts, inorganic and organic soils; the line b makes the separation of the materials with low and high plasticity

te sentido, o IP é frequentemente utilizado como guia indicativo para o conhecimento da trabalhabilidade e extrudabilidade dos materiais argilosos. Na tabela 1 figuram os limites de consistência de Atterberg e os índices de plasticidade das amostras estudadas. As amostras foram projetadas no diagrama de trabalhabilidade de argilas (Bain & Highley, 1978) verificando-se que a generalidade das amostras terá uma trabalhabilidade aceitável (fig. 10). A amostra A8 apresenta limite de plasticidade acima do campo de trabalhabilidade aceitável e a que corresponderá uma retração crescente, o que se verifica (tabela 1). As amostras foram também projetadas no diagrama de Casagrande (1932) com os campos de-

Figura 10 - Diagrama de trabalhabilidade de argilas adaptado de Bain & Highley (1978): aceitável (retângulo maior) e ótima (retângulo interno). Figure 10 - Clay workability chart (after Bain and Highley, 1979): acceptable (large rectangle) and optimum (inner rectangle).


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finidos por Gippini (1969). Verifica-se que a grande maioria das amostras se situa abaixo da linha a e no campo da extrusão ótima e satisfatória (Fig. 11). 5.4.2. Resistência mecânica à flexão e retração linear após secagem Admite-se que os fatores mais determinantes nos valores da RMF sejam a natureza mineralógica, tamanho relativo dos grãos e o consequente empacotamento. Relativamente à RMF em seco (tabela 1), os valores calculados são moderados (xm = 31 ± 9 kg/cm2). Os valores mais baixos da RMF correspondem preferencialmente às amostras mais arenosas (A2 e A3, tabela 1). De acordo com Santos (1975), a RMF em seco (valor médio = 31 kg/cm2) satisfaz os valores mínimos exigidos para o fabrico de tijolo (RMFseco > 15 kg/cm2) e em parte das amostras os exigidos para o fabrico de telha (RMFseco > 30 kg/cm2). Os valores obtidos não satisfazem no entanto, os mínimos de referência mencionados por Martins (2007, tabela 2). A retração que um corpo argiloso sofre, quer após secagem, quer após cozedura, depende sobretudo da mineralogia e distribuição granulométrica, sendo normalmente superior quando as argilas são mais plásticas e apresentam maior quantidade de partículas de dimensão coloidal. No conjunto, os valores de Ret.v/s das amostras são moderados a altos (xm=8 ± 2 %) e ligeiramente superiores aos valores de referência em Martins (2007, tabela 2). Os valores mais elevados deste parâmetro podem estar relacionados, com a maior quantidade de minerais argilosos, principalmente ilite, dado esmectite e interestratificados serem negligenciáveis ou muito pouco significativos. Importa referir que os valores obtidos para a RMF em seco têm de ser considerados

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subestimados, pois os provetes ensaiados foram extrudidos num aparelho sem dispositivo de vácuo. Este condicionamento também se reflete na obtenção de valores mais elevados da retração linear, embora a sobrestimação dos valores desta propriedade seja, relativamente à RMF, em geral, menos significativa. 5.4.3. Resistência mecânica à flexão, retração linear e capacidade de absorção de água após cozedura cerâmica (850 ºC, 950 ºC e 1050 ºC) Os valores de RMF após cozeduras cerâmicas da totalidade das amostras evidenciam heterogeneidade, ao contrário da registada para os valores de RMF em seco, onde as variações são menos significativas, para a mesma população. Os minerais argilosos têm uma importância crucial neste parâmetro, que se reflete particularmente através das correlações positivas RMF950 – IP e RMF1050 – IP. Os valores obtidos para a RMF850 (xm = 61 kg/ 2 cm ) satisfazem para algumas amostras (Tabela 1), os valores mínimos exigidos, segundo Santos (1975), para o fabrico de tijolo (RMFcozido > 55 kg/cm2, amostras A8, A9, A10 e A14) e até de telha (RMFcozido > 65 kg/cm2, amostras A8, A9, A10 e A14). Esses valores de referência são ultrapassados para a generalidade das amostras a 950 ºC (xm = 127 kg/cm2), exceto amostra A13. Após cozedura a 850 ºC verifica-se que os valores médios de retração seco-cozido são, em geral, baixos (xm = 1 %), com incrementos médios semelhantes (1 %) às temperaturas crescentes (950 ºC, 1050 ºC, tabela 1). As cozeduras cerâmicas dos materiais estudados proporcionam para as temperaturas ensaiadas, produtos finais com porosidade decrescente, com médias de Abs.água, entre 15,6 % (850 ºC) e 12,6 % (1050 ºC).

Tabela 2 - Valores de referência em pastas cerâmicas para o fabrico de tijolo, abobadilha e telha (Martins, 2007). Table 2-ceramic paste Reference Values for the manufacture of bricks, blocks, and tile (Martins, 2007).

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Os valores observados devem-se, principalmente, às suas características granulométricas, frequentemente com baixa percentagem de fração argila. A diminuição da Abs.água a temperaturas crescentes é também influenciada pela presença significativa de minerais de ferro “amorfos” que atuando como fundentes contribuem para a vitrificação. No domínio da cerâmica de construção, considerando os valores médios obtidos para esta propriedade, os materiais ensaiados têm aptidão para produzir tijolo e abobadilha necessitando, na generalidade, de ser lotados com outras argilas para o fabrico de telha ou outros produtos cerâmicos mais nobres. Analisando comparativamente o comportamento das amostras, relativamente à RMF, Ret.tot e Abs. , às temperaturas de cozedura ensaiadas, verifiágua ca-se (Fig. 12): . A RMF tem um incremento diferenciado, de 100 ºC (seco) a 1050 ºC. Até 850 ºC, constatou-se que a maioria das amostras tem variação reduzida de RMF, indicando que a esta temperatura, a fase vítrea formada é

ainda incipiente, tendendo depois a ter forte aumento a 950 ºC e a 1050 ºC. Por outro lado, nas amostras onde o aumento de RMF foi mais pronunciado ocorre no intervalo 850 a 950 ºC (A3 e A6), com variação menos relevante entre 950 e 1050 ºC, existiria já a 950 ºC, uma fase vítrea importante. . A retração seco-cozido manifesta um incremento ligeiramente superior no intervalo 850-950 ºC, devido à maior influência da desidroxilação de hidróxidos de ferro e minerais argilosos. . A redução de Abs.água tende a apresentar incrementos contínuos entre 850 e 1050 ºC, traduzindo a formação de vidro e da mulite (esta geralmente a temperatura superior a 1000 ºC), com preenchimento de vazios. Tal como para os ensaios realizados após secagem, também após cozeduras os valores obtidos têm de ser considerados subestimados no caso da RMF e sobrestimados para a retração linear e Abs.água. A maior probabilidade de ocorrência de heterogeneidades na

Figura 12 - Propriedades cerâmicas após cozedura das amostras na região de Torres Vedras – Bombarral. a) RMF, b) Ret.tot, c) Abs.água Figure 12 - Ceramic properties of the samples after firing. a) Bending strength (RMF), b) Total shrinkage (Ret.tot), c) Water absorption (Abs.water).


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extrusão e conformação poderá contribuir também para a variação elevada, particularmente na RMF. Considerando que às vezes a diferença de valores obtida segundo os dois métodos se aproxima de 50 % e que os valores obtidos são geralmente satisfatórios, as argilas ensaiadas podem considerar-se no conjunto, como argilas de qualidade para cerâmica de construção. 5.5. Cartografia dos recursos argilosos A cartografia geológica dos níveis argilosos da região teve como objetivo a representação dos recursos observados e inferidos. As características litológicas textura, mineralogia e cor constituíram o principal critério para a definição das litótopos representados, tendo em consideração as unidades litostratigráficas, cujos limites geológicos se adaptaram ao critério cartográfico seguido neste trabalho. Também a investigação laboratorial forneceu indicações composicionais quanto aos níveis argilosos identificados, contribuindo para a aferição da sequência cartografada. Maximizou-se a informação existente representada no mapa, delimitando, áreas de ocorrência provável de recursos em argilas, não aflorantes, mas com elevada probabilidade de existirem a profundidades de exploração economica-

Figura 13 - Extrato do Mapa Litológico e de Recursos Argilosos da Região de Torres Vedras – Bombarral, na zona de Outeiro da Cabeça ilustrando uma área de ocorrência de argila sub-superficial a profundidade inferior a 10m. Figure 13 - Extract of the lithology and clay resources map in the region of Torres Vedras - Bombarral, illustrating an area of occurrence of subsurface clay depth < 10 m, at Outeiro da Cabeça area.

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mente viáveis (< 10 m, dependendo da topografia). Estas áreas definiram-se por: correlação estratigráfica de afloramentos assinalados ou não assinalados (por ausência de expressão cartográfica), sondagens (Lusoceram) e, informação indireta, local (Fig. 13). Os litótopos cartografados compreendem depósitos siliciclásticos e argilosos, ocorrentes em níveis ou camadas, organizados em cinco unidades informais: . Depósitos aluvionares – depósitos fluviais recentes, constituídos por lodos siltosos e cascalheiras, na base; encontram-se relacionados com as principais linhas de água (rios Grande, Corga, Real e Alcabrichel), podendo atingir cerca de 20 m de espessura (Manuppella et al., 1999); . Areias e cascalheiras – englobam corpos sedimentares predominantemente arenosos acastanhados a amarelados, apresentando às vezes níveis com conchas, e cascalheiras. Integram os depósitos do Plio-Plistocénico e Plistocénico, onde se incluem terraços fluviais; . Arenitos e conglomerados avermelhados – arenitos finos a grosseiros e conglomerados, com matriz argilosa e cor predominante avermelhada. Podem ocorrer intercalações

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Figura 14 - Representação do mapa de recursos em argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral (ver fig. 15). Figure 14 - Representation of the common clays resource map in the Torres Vedras - Bombarral region (see Fig. 15).

lenticulares de siltes e argilas com diferentes tonalidades, mas sem potencial cerâmico devido à limitada continuidade lateral e/ ou vertical. Correspondem a fácies grosseiras da Formação de Lourinhã e da Formação de Serreira, constituindo recurso geológico com potencial para agregados para construção civil; . Argilas – este litótipo corresponde aos corpos argilosos, com representação cartográfica. Integram as fácies argilosas da Formação de Lourinhã e Formação de Serreira. Nas argilas destaca-se a sua tipologia, discutida no ponto 5.6; . Arenitos e conglomerados de cores claras – esta litofácies integra arenitos finos a grosseiros predominantes, feldspáticos, de cor dominante branca, amarelada a acinzentada, às vezes com laivos ferruginosos e com algumas intercalações de argilas arenosas pouco espessas, com calhaus dispersos,

também de cores claras e níveis conglomeráticos. Este litótipo compreende as unidades litostratigráficas do Grupo de Torres Vedras. As argilas que o integram não têm aptidão para cerâmica de construção, mas os arenitos cauliníferos têm potencial em caulino e eventualmente para grés. Destaca-se também o potencial dos arenitos, em agregados para construção civil. A cartografia efetuada teve como resultado um mapa de recursos em argila da região Bombarral – Torres Vedras (escala 1:50000), que constitui também uma carta previsora de potencialidade (Fig. 14). 5.6. Tipologia No mapa de recursos argilosos elaborado figuram as colunas tipológicas dos perfis elaborados onde se efetuou amostragem (Fig. 15). A coluna tipológica corresponde a um conceito mais abrangente que a coluna litostratigráfica ou a litológica, já que além


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Figura 15 - Colunas tipológicas representativas de áreas com potencial reconhecido em argilas na região de Torres Vedras – Bombarral. Figure 15 - Typological columns representing areas with recognised potential in clay resources in the region of Torres Vedras -. Bombarral.

de identificar as litofácies, define-as em função das suas afinidades mineralógicas e tecnológicas (Carvalho et al., 1999, 2000; Lisboa, 2009; Lisboa et al., 2013). Os corpos argilosos nas áreas de exploração têm geralmente espessura entre 5 – 10 m. As argilas caracterizam-se mineralogicamente, por serem caulinítico-quartzo-ilíticas, silto-argilosas, apresentando teor significativo de óxidos de ferro nos minerais não argilosos. A fração silte é dominante, sendo a fração areia a mais variável. Quanto à tecnologia dos materiais, a plasticidade é geralmente média a elevada (12,5 < IP < 26,6 %); após cozedura a 950 ºC, as propriedades tecnológicas atingem em geral, valores satisfatórios para cerâmicos de construção, fato mais evidente na RMF, consequência nomeadamente do grau de vitrificação atingido. A tipologia que apresentam aponta para uma utilização no sector do tijolo e abobadilha e também da telha, ainda que necessitando correção. A observação das colunas tipológicas, não permite tirar ilações relativamente a tendências composicionais ou tecnológicas das argilas, nomeadamente em termos geográficos. Nos perfis, os níveis de argila apresentam relativa homogeneidade, embora localmente na sequência sedimentar, se observe diferenciação nos corpos argilosos. Nas áreas de Outeiro do Barro e Outeiro da Cabeça, distinguem-

-se duas camadas ou níveis argilosos separados por uma camada arenítica e conglomerática (Fig. 15A). . Nível argiloso superior – argilas vermelhas com laivos esbranquiçados, às vezes siltosas e com níveis areníticos. . Nível argiloso inferior – argila cinzenta esverdeada, siltosa, micácea, passando a argila avermelhada na base e nível arenítico. Esta diferenciação é também manifesta nas características cerâmicas das argilas (RMF, IP, Abs.água), revelando melhor aptidão, o nível argiloso inferior. 5.7. Estimativa de recursos A reduzida expressão dos afloramentos argilosos em grande parte da área, explica as escassas manchas cartográficas de argilas assinaladas. Esta circunstância dificulta a estimativa de recursos de argila, formulada de acordo com a morfologia e geometria dos corpos argilosos. Através do programa ArcMap do package ArcGis determinou-se a área dos afloramentos argilosos cartografados, mais as áreas de ocorrência provável de argilas não aflorantes, referidas em 5.5. Foram subtraídas as áreas já exploradas pelas cerâmicas. Para estimar o volume de argilas consideraram-se as espessuras médias dos níveis argilosos observadas nas áreas de ocor-

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Cartografia e caraterização composicional cerâmica de argilas comuns da região de Torres Vedras – Bombarral

rência dos afloramentos, que para o efeito foram divididos em sectores relativamente homogéneos quanto à referida espessura dos níveis argilosos. Estima-se um volume total mínimo de recursos argilosos na área estudada da ordem de 125 Mm3 que correspondem a 250 Mt (densidade considerada = 2). O total de argilas até agora extraído nas zonas já exploradas (recuperadas ou não) e em exploração, embora elevado é pouco significativo ao nível global, dada a volumetria de recursos estimados. Em síntese, se considerarmos os valores atuais do consumo de matéria-prima nas unidades cerâmicas da área em estudo (90000 a 400000 t/ano e um total de cerca de 1 Mt), os recursos estimados permitem antever reservas efetivas, para muitas décadas de laboração, daí se comprovando a relevância dos recursos em argila vermelha na região de T. Vedras – Bombarral, a nível nacional. Além das áreas de afloramentos consideradas, não se exclui a possibilidade de existência de depósitos significativos, ainda não reconhecidos, especialmente a norte de Campelos nas margens do rio Grande, onde se verificaram algumas ocorrências. 6. Conclusões Os afloramentos de argilas comuns na região de Torres Vedras – Bombarral definem uma faixa segundo NE-SW, que abrange a parte superior da Formação da Lourinhã e a Formação de Serreira. Por este facto infere-se que os principais depósitos de argilas ocorrerão preferencialmente no topo da sequência do Titoniano. Verifica-se uma homogeneidade muito significativa nas características composicionais e propriedades da generalidade das argilas amostradas, diferenciando-se a argila colhida na área de Adão Lobo. Este facto sugere uma acentuada continuidade lateral e vertical de fácies para os corpos argilosos e, consequentemente, a mesma proveniência, assim como ambiente de sedimentação. A norte, na área da Adão Lobo, os processos que levaram à formação das argilas terão obedecido a diferentes condições sedimentares e/ou diagenéticas, como evidencia a presença de esmectite e clorite. Relativamente à aptidão cerâmica das argilas, as características composicionais e tecnológicas avaliadas indicam a aplicação na cerâmica de construção.

Estas matérias-primas apresentam geralmente deficiência em areia, a qual pode ser suprida através do aproveitamento dos níveis areníticos intercalares, sendo adequadas para o fabrico de tijolo, abobadilha, alvenaria em geral, e telha. A cartografia realizada é acompanhada por colunas tipológicas nas principais áreas de ocorrência conhecidas permitindo uma imediata perceção da tipologia das argilas ocorrentes e tem também como mais-valia a representação de manchas de ocorrência sub-superficial de argilas. O volume calculado de recursos em argila (125 Mm3) constitui uma estimativa grosseira, no entanto, embora o montante de reservas correspondentes seja inferior, esse volume faz da região de Torres Vedras – Bombarral, uma das mais importantes para a indústria do barro vermelho, a nível nacional. Agradecimentos Aos revisores agradecemos as correções e sugestões apresentadas, que contribuíram para o aperfeiçoamento do trabalho. Bibliografia ASTM C 326/82 1982. Standard test method for drying and firing shrinkages of ceramic whiteware clays (Reapproved 1992). ASTM C674/88 1988. Standard test methods for flexural properties of ceramic whiteware material (Reapproved 1994). ASTM C 689/93 1993. Standard test method for modulus of rupture of unfired clays. ASTM D422-63 1998. Standard Test Method for Particle-Size Analysis of Soils. (Reapproved 2002). Bain, J. A. & Highley, D. E., 1978. Regional appraisal of clay resources – a challenge to the clay mineralogist. In: Proceedings VI International Clay Conference, Developments in Sedimentology 27, (Mortland, M. M. & Farmer, V. C. (Eds.), Elsevier, Amsterdam, 437-446. Blazek, A., 1972. Thermal analysis. Van Nostrand Reinhold Company, London, 61 p. Brindley, G. W. & Brown, G., 1980. Crystal Structures of Clay Minerals and their X-ray Identification. Monograph 5, Mineralogical Society, London. Carvalho, C., Grade, J. & Moura, A. C., 1999. Classificação tipológica de argilas. Uma contribuição para o conhecimento do jazigo de Monsarros (Anadia). Estudos, Notas e Trabalhos, Instituto Geológico e Mineiro, 41: 49-58. Carvalho, C., Oliveira, A. F. & Grade, J., 2000. From the ore deposit to the establishment of stocks of raw-materials – the typological column as a management tool. First Latin-American Conference, Proceedings 1, Funchal, Madeira, 17-22 Setembro, 266-269.


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Biotecnologias para a exploração ambientalmente sustentável de recursos geológicos A. J. S. C. Pereira1* & P. V. Morais2 1

CEMUC. Departamento de Ciências da Terra, Universidade de Coimbra - apereira@dct.uc.pt CEMUC, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra - pvmorais@ci.uc.pt *autor correspondente: apereira@dct.uc.pt

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Resumo Este trabalho apresenta algumas potencialidades da utilização da biotecnologia em mineração, em particular a que se refere à utilização de microrganismos como ferramentas para biolixiviação de minérios ou bioadsorção e biomineralização de metais em meio aquoso. Para o efeito discute-se um caso de estudo relativo ao uso de bactéria da espécie Rhodanobacter sp estirpe A2-61 no controlo do urânio em águas residuais geradas na antiga área mineira da Urgeiriça. Palavras-chave: Geomicrobiologia, Exploração mineira, Urânio, Rhodanobacter sp. A2-61, Urgeiriça. Abstract The main goal of this study is to show the potential use of biotechnological approaches in mining, in particular those related to the use of microorganisms as tools for the bioleaching of ores or biosorption and biomineralization of metals in aqueous medium. A case study is discussed showing the use of a bacterial strain (Rhodanobacter sp strain A2-61) to the removal of uranium from waste water generated in the former mining area of Urgeiriça. Key words: Geomicrobiology, Exploitation, Uranium, Rhodanobacter sp. A2-61, Urgeiriça .

Introdução Os recursos naturais são vitais para o funcionamento das sociedades humanas e o seu consumo aumenta proporcionalmente com o nível de desenvolvimento económico. Estima-se que nos últimos 30 anos o consumo dos recursos minerais, metais e combustíveis fósseis tenha aumentado cerca de 30 %, o que corresponde a quase 40000 milhões de toneladas/ano (FOE, 2014). Para se ter uma ideia da dimensão do volume em causa, e como analogia, refira-se que isto corresponderá aproximadamente a 110 edifícios de dimensão equivalente ao Empire State de Nova York, assumindo uma massa de 365000 toneladas para cada um dos edifícios (Behrens et al., 2007). Naturalmente, o consumo não é uniformemente distribuído por todos os países mas, pelo contrário, fortemente centrado nos que apresentam melhores indicadores económicos. O espaço eu-

ropeu onde Portugal se insere é, pelo nível do seu desenvolvimento, um expressivo consumidor de recursos que, na sua maior parte, provêm de outros continentes. O baixo custo destas matérias-primas no passado recente bem como a crescente preocupação ambiental dos cidadãos europeus, conduziu a progressiva redução na produção interna na maior parte dos países da União Europeia e, concomitantemente, a uma cada vez maior dependência de fontes externas de abastecimento de materiais vitais ao seu desenvolvimento. A inversão da situação, com um aumento das cotações das matérias-primas no mercado internacional aliado à utilização das mesmas pelos países produtores para consumo interno e, por consequência, a uma redução acentuada na oferta, fez soar as campainhas de alarme nas instâncias europeias que tomaram, finalmente, consciência da situação de dependência externa de recursos essenciais ao seu funcionamento. Esta situação de de-

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pendência coloca a Europa numa posição frágil, expondo-a à utilização dos recursos geológicos como arma geopolítica por alguns dos países produtores. Para tentar reverter a situação descrita, as autoridades europeias procuram agora impulsionar o retorno da indústria mineira, centrando esses incentivos em toda a cadeia de valor das matérias-primas, do reconhecimento e prospeção de recursos até à deposição final em aterro. Em paralelo, pretende-se que essas atividades sejam ambientalmente sustentáveis, desiderato nem sempre fácil de atingir. Uma vez que existem cada vez mais preocupações ambientais a condicionar as decisões no espaço europeu estas questões podem, em última análise, constituir-se como um travão à expansão da indústria mineira, se esta continuar a apostar apenas em tecnologias convencionais. Estas últimas têm a vantagem de estar já devidamente consolidadas mas, em muitas situações, não conseguem responder na plenitude às limitações impostas pela actual legislação ambiental. Uma forma de compatibilizar as necessidades da indústria mineira com as preocupações ambientais poderá passar pela utilização de técnicas com base na utilização de microrganismos como a seguir se dá conta com apresentação de um caso presentemente em estudo na antiga área mineira da Urgeiriça. A geomicrobiologia como suporte ao desenvolvimento de novas tecnologias de exploração mineira A geomicrobiologia é um campo de investigação que tem vindo a crescer fortemente nos últimos anos tentando, como área interdisciplinar da ciência resultante da combinação de geologia e microbiologia, estudar o papel dos microrganismos e processos microbianos em processos geológicos e geoquímicos e vice-versa. Esta área inclui a investigação da ação dos microrganismos em ambientes tão diversos como os ambientes naturais extremófilos (hostis à vida), quentes, salinos ou ácidos, ou ainda ambientes com contaminação de diferentes metais. As bactérias possuem uma diversidade de metabolismos que lhes permite tirar partido e viver em ambientes considerados adversos à vida. Devido a esta diversidade metabólica bacteriana, uma alternativa às tecnologias tradicionais de exploração mineira pode ser o uso de biotecnologias, em particular as técnicas que assentam na utilização de

bactérias, isoladamente ou em comunidades específicas. Para tal, seria necessária a criação de ferramentas compostas por bactérias capazes de lixiviar de forma selectiva os metais do minério, por um processo designado por biolixiviação ou biosolubilização. Outras estratégias biotecnológicas podem ser direcionadas para a extração seletiva dos metais de soluções por um processo passivo, independente de energia, conhecido como biossorção, ou através de um processo activo, dependente de energia, conhecido como bioacumulação (Ehrlich, 2006) (Fig. 1). Os microrganismos na sua actividade podem também mudar o estado de oxidação dos metais modificando a sua solubilidade. Os processos de biomineralização ocorrem quando os microrganismos promovem a reacção de substâncias como fosfato, ou cálcio, ou mesmo sulfato com os metais formando, por exemplo, carbonato de cálcio. A lixiviação pode ocorrer em consequência da acção microbiana direta ou indireta. Os microrganismos envolvidos na biolixiviação têm normalmente várias características em comum. Uma é a capacidade para produzir o ferro férrico e ácido sulfúrico, necessários para degradar os minerais e facilitar a recuperação dos metais. Acresce ainda a capacidade para crescer com base num metabolismo autotrófico, a tolerância ao ácido e a resistência ao(s) metal(ais) solubilizados (Rawlings, 2005). A biossorção descreve a absorção microbiana de espécies metálicas através de mecanismos físico-químicos. As espécies solúveis de metal são imobilizadas pela célula microbiana através de mecanismos não metabólicos (Francisco et al, 2011). Contribuem para esta adsorção os grupos funcionais dos biopolímeros da célula como por exemplo, os polissacarídeos da membrana ou mesmo as proteínas e o DNA. Os processos ativos microbianos mais importantes para a imobilização dos metais incluem a bioprecipitação e a biorredução-biooxidação dos metais. A bioprecipitação ocorre quando o metabolismo microbiano altera o microambiente à volta das células criando condições favoráveis para a precipitação de iões metálicos. A biorredução ocorre, por exemplo, em consequência da utilização dos iões metálicos oxidados como aceitadores de eletrões no final da cadeia respiratória em microrganismos capazes de respirar anaerobiamente. No caso da biooxidação os iões metálicos reduzidos são utilizados pelos microrganismos como dadores de eletrões em estratégias metabólicas de qui-


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Figura 1 - Ilustração dos processos de interacção entre os microorganismos e os metais. Figure 1 - Illustration of the interaction processes between microbes and metals.

miolitotrofia. Estes processos podem levar à bioacumulação dos metais no interior das células que passam a ter uma concentração maior do metal no seu interior quando comparada com o ambiente. Todos estes mecanismos de interação entre os microrganismos e os metais podem ser utilizados para desenvolvimento de tecnologias para (1) remoção de metais de efluentes industriais aquosos, (2) recuperação de metais a partir de lixiviados aquosos de processos industriais, e (3) biorremediação de águas superficiais e águas subterrâneas contaminadas. No caso da mineração, a utilização de microrganismos pretende a substituição dos agentes químicos por biológicos assegurando uma mineração ambientalmente mais sustentável em que os mineiros tradicionais seriam substituídos por comunidades bacterianas (biomineiros). Caso de aplicação na área da biorremediação: uso de microrganismos no controlo de águas residuais na antiga área mineira da Urgeiriça Caracterização da área mineira A exploração desta mina, considerada em dada altura como um dos mais importantes jazigos da Europa, começou em 1913 e, incialmente, o objetivo era apenas a extracção de rádio. No início da década de cinquenta do século XX o enfoque da

exploração passou a ser o urânio tendo sido contruída na mesma altura a oficina de tratamento químico (OTQ) com capacidade instalada para produção de 125 toneladas anuais de U3O8. A exploração, inicialmente por lavra subterrânea convencional, passou a efectuar-se, no início da década de setenta do século XX, por lixiviação estática in situ, técnica que foi abandonada em 1991. Os licores eram recolhidos nos pisos inferiores sendo depois bombeados até à superfície, para obter o concentrado de urânio. Durante a operação da OTQ foram produzidas cerca de 4 400 toneladas de óxido de urânio, sendo 25 % a partir de minérios da própria mina e 75 % de minérios oriundos das outras 60 minas que foram exploradas em diversos locais da região centro (Nero et al., 2003). Os estéreis do tratamento mineiro eram enviados, por bombagem, para duas barragens (bacias de rejeitados). Existiam ainda outras duas escombreiras de menores dimensões, associadas a alguns dos poços de exploração (6 no total). A interacção entre as águas pluviais, a mina subterrânea e os depósitos de resíduos possibilitou a transferência de metais e radionuclídeos com consequente degradação da qualidade da água bem como o transporte dos contaminantes para o exterior da área mineira (Pereira et al., 2003; 2006). Para minimizar estes impactes foi contruído um sistema de controlo das águas residuais para co-

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lecta, transporte e tratamento físico-químico em instalação adequada. Após esta fase a água passava por um tempo de residência em lagoas para induzir a sedimentação da matéria sólida (precipitados químicos e matéria detrítica) antes de ser devolvida ao ambiente. De acordo com o plano de requalificação ambiental da área mineira da Urgeiriça, a decorrer desde 2000 e da responsabilidade de empresas do universo EDM, foram já recuperados os diversos depósitos de resíduos e reconstruído o sistema de controlo de águas residuais (DGEG-EDM, 2011). A mina subterrânea encontra-se, presentemenrte, inundada tendo um ponto de descarga das águas subterrâneas no local do antigo poço 4. Interacções entre bactérias e urânio São poucos os ambientes que não conseguem ser colonizados pelas bactérias. O urânio não é considerado um elemento com elevada toxicidade química. No entanto, é um elemento radioativo, aliás, como os isótopos que se geram na extensa cadeia de decaimento, o que exige das bactérias que colonizam ambientes onde ocorrem aqueles isótopos capacidade de lidar com a radioatividade. A interação entre os microrganismos e o urânio induz impacto na forma e na distribuição do mesmo elemento no ambiente. As bactérias podem utilizá-lo como aceitador final de eletrões numa cadeia respiratória tendo neste caso um metabolismo anaeróbio (Lovely & Phillips, 1992). Assim, o urânio oxidado, na forma U (VI), presente no ambiente, pode ser reduzido a U (IV). A modificação do estado de oxidação do urânio faz com que este elemento passe de altamente solúvel e móvel na forma oxidada para um estado muito menos solúvel quando na forma reduzida. Esta atividade dos microrganismos pode ser vista como ferramenta de biorremediação, por limitar a mobilidade efetiva do ião. Investigações recentes na área da Urgeiriça mostraram a presença de um número elevado de microrganismos nas águas residuais e em lamas do tratamento químico destas mesmas águas, metabolicamente ativos, capazes de interagir com urânio por diferentes mecanismos. O número de bactérias cultiváveis recuperadas em meio de cultivo com 2 mM de U (VI) variou entre 1,0 x 102 e 2,8 x 103 bactérias por ml. Ainda na Urgeiriça, num ambiente que recebe águas contaminadas do interior da mina, foram isoladas

70 estirpes bacterianas resistentes a urânio, entre elas uma bactéria, que pelo seu perfil de resistência foi estudada mais em pormenor, a estirpe Rhodanobacter A2-61 (Chung et al., 2014). A estirpe de A2-61 mostrou ser resistente para além do U a alguns elementos como o As (na forma de arsenato e de arsenito), Cu, Sb e Zn . Segundo a análise filogenética com base no gene que codifica o RNA ribossómico 16S, esta estirpe está relacionada com as espécies do género Rhodanobacter, R. thiooxidans e R. denitrificans. A primeira estirpe foi isolada de biofilme que se desenvolveu sobre partículas de enxofre, e a segunda do subsolo de um depósito de resíduos nucleares, onde os sedimentos estão contaminado com grandes quantidades de ácido, nitrato, radioisótopos metálicos e outros metais pesados (Fig. 2). A estirpe Rhodanobacter A2-61 em condições laboratoriais é capaz de remover cerca de 120 μM de U (VI), quando cultivada num meio com baixa concentração de nutrientes, em condições aeróbias, na presença de 500 μM U. Esta estirpe é altamente inovadora por conseguir remover U (VI) em condições aeróbias e acumulá-lo no interior da célula, na forma de nanopartículas de U reduzido (Sousa et al., 2013). Durante este processo de biomineralização a estirpe remove também do ambiente o elemento fosfato, ou seja na presença de U (VI), a estirpe remove fósforo do meio de cultivo e acumula-o na célula. Isso não acontece se a estirpe crescer na ausência de U. O fósforo acumulado vai ser usado na estrutura em que a célula imobiliza urânio, criando um complexo U-fosfato. A caracterização enzimática da estirpe mostra a presença de enzimas com atividade fosfatase as quais podem estar envolvidas na libertação do fosfato, que ligando U, permite precipitá-lo no interior da célula. Nestas condições, forma-se um mineral semelhante a meta-autunite, com origem em processos biológicos (mineral biogénico). No presente, os trabalhos prosseguem no sentido de verificar a possibilidade de construir uma estação piloto na Urgeiriça para remoção e imobilização do urânio presente na água com suporte em biofiltros colonizados pela bactéria estudada. Agradecimentos Os autores agradecem as facilidades concedidas pela Empresa de Desenvolvimento Mineiro. Ana Paula Chung, Tânia Sousa e Romeu Francisco participaram na obtenção de dados práticos.


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Figura 2 - A - Dendrograma filogenético com base na comparação das sequências do gene 16S rRNA de estirpes do género Rhodanobacter isoladas de A2 (Poço das Cobras) e todas as estirpes representantes do grupo filogenético. A árvore foi criada usando o método de neighbor-joining. Os números na árvore indicam as percentagens de de bootstrap, derivados de 1000 repetições. Barra de escala, representa uma substituição de nucleótidos inferida por 100 nucleótidos. B - Perfil de resistência a metais da estirpe Rhodanobacter A2-61, ao longo de 10 dias de incubação. Número de cruzes proporcionais à quantidade de material biológico produzido. Figure 2 - A - Dendrogram based on phylogenetic comparison of sequences from the genus Rhodanobacter 16S rRNA gene isolated strains A2 (Snake Pit) all strains and representatives of the phylogenetic group. The tree was created using the neighbor-joining method. The numbers in the tree indicates the percentage of bootstrap replicates derivatives 1000. Scale bar represents a nucleotide substitution inferred from nucleotide 100. B - Resistance profile of the metal strain Rhodanobacter A2-61 over 10 days of incubation. Number of crosses proportional to the amount of produced biological material.

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Biotecnologias para a exploração ambientalmente sustentável de recursos geológicos

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intracellular uranium–phosphate complexes. Metallomics, 5(4):390-7 doi: 10.1039/c3mt00052d Rawlings, D. E., 2005. Characteristics and adaptability of iron- and sulfur-oxidizing microorganisms used for the recovery of metals from minerals and their concentrates. Microbial Cell Factories 2005, 4:13,doi:10.1186/1475-2859-4-13.


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Património mineiro da Serra de Arga - Minho R. Alves1* & C. Leal Gomes1 Centro de Investigação Geológica, Ordenamento e Valorização de Recursos, Departamento de Ciências da Terra, Escola de Ciências, Universidade do Minho *autor correspondente: raquelmcepedaalves@gmail.com

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Resumo A Região da Serra d’Arga apresenta grande diversidade litológica, de depósitos minerais e mineralizações metálicas (Au, Ag, Sn, Nb-Ta, W, Zn, Li), razão pela qual tem sido palco de vários ciclos de aproveitamento extractivo. Destes subsistem diversos vestígios mineiros na paisagem, na organização do território e na memória colectiva das comunidades. O funcionamento mineiro passado revelou ainda um importante património natural - geológico e, bem assim, se expressa num conjunto diversificado de vestígios classificáveis como património cultural e industrial mineiro. Muito embora nesta região as evidências associadas ao aproveitamento de recursos minerais se reconheçam desde o Paleolítico, e ainda com grande incidência na época romana, este trabalho analisa vestígios relativos ao séc. XX, dos quais persistam referências documentais e testemunhos da vivência mineira. No estudo usaram-se métodos multidisciplinares de análise, obtendo: 1) a discriminação de indícios de depósitos filonianos explorados e da implantação das áreas intervencionadas e/ou do edificado; 2) a dispersão espacial de vestígios da actividade extractiva, segundo os principais períodos de intervenção (pela análise documental de arquivos e por inquérito sociológico). A sistemática efectuada e a organização segundo divisões geomineiras regionais permitiu deduzir, respectivamente, faixas e campos mineiros que sustentam uma adequada fundamentação para a avaliação do interesse patrimonial mineiro e geológico associado. Palavras-chave: Região mineira da Serra d’Arga, Património mineiro, Sistemática das divisões geomineiras regionais, Faixas e Campos mineiros. Abstract The Serra d‘Arga Region is characterized by a great diversity of ore and industrial minerals deposits. The overall set of metallizations includes Au, Ag, Sn, Nb-Ta, W, Zn and Li. Owing to this metalliferous diversity and potentiality the region has been the target for several exploration cycles and mining activities since pre-historical times, which remnants are still very present not only in the traditions and cultural heritage of the local resident people, but also in a lot of material remarks, natural and antropic, and ancient sites where industrial mining heritage and some of its most peculiar remains and assets, are preserved. Evidences of mining activities date from Paleolithic times. Afterwards they were strongly diversified, in what concerns the remarks of Roman activities and some post Medieval-Age thecnologies. However, the main goal of the present study is the mine exploitation occurred during de XX century. The approach follows an analytical perspective dedicated to documental references of technical and administrative nature, which are remaining in state and private-companies archives and museums. The local people collective memoir was accessible through opinion survey, planned interviews and inquiries to ancient miners and some known old, still-living, members of the ancient mining population. The material assets remaining in site or preserved in museological context were also considered and studied using analytical geology and mining archaeology procedures. This multidisciplinary approach allowed: 1) the discrimination of the technological remains and geological exposures of the affected ore deposits as well as the systematics of the mining areas and its remaining edification remarks; 2) the description of space dispersion of the mining activities according to the main mining cycles (recognized in field after documental analysis and sociologic inquiries). This systematics, and the study of the regional geological and mining organization, allowed the definition of geological corridors favorable to mineral exploitation and related mining fields, which sustain an adequate background for the evaluation of mining potentialities and the regional value of natural and industrial-archaeological heritage. Key words: Serra d’Arga Mining Region, Mining heritage, Regional geological systematic studies and geomining divisions, Geological corridors and Mining fields.

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1. Introdução No Norte de Portugal as áreas mineiras concessionadas entre 1836 e 1992 ocupam um território vasto, no qual se inclui a Região da Serra d’Arga, em extensão muito significativa. Desde o início do séc. XXI, algumas daquelas áreas vêm sendo alvo de programas de recuperação ambiental (DL n.º 198-A/2001) e, simultaneamente, de prospecção, pesquisa e exploração mineira. Em sobreposição espacial de interesses e programas de intervenção sobre esse espaço mineiro inclui-se ainda a inventariação, classificação e valorização do património, com vista a um adequado ordenamento das diferentes apetências territoriais. Atendendo aos diplomas e disposições legais vigentes, a classificação patrimonial em espaço mineiro abrange tanto a componente cultural (edifícios, arquivos técnicos, valores imateriais), pela Lei n.º 107/2001, de 08/09/2001, como a componente natural (objectos e locais com singularidade geológica - geomorfológica, paleontológica, mineralógica, petrológica, estratigráfica, tectónica, hidrogeológica, pedológica - com reconhecido valor científico, educativo, estético e cultural), explicitada no Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24/07/2008. São várias as regiões mineiras com interesse patrimonial referíveis ao Norte do país. Destacam-se algumas pelos vestígios de mineração romana como: Jales, Tresminas (Vila Pouca de Aguiar); Penedono; Serra de Sta. Justa e Fojo das Pombas (Valongo) (Couto, 2002); Banjas (Gondomar-Paredes) (Carvalho & Veiga Ferreira, 1954); Latadas (Mirandela); Poço das Freitas (Boticas) Martins, 2005); Castromil (Paredes) (Lima et al., 2005). Outras regiões têm interesse patrimonial mineiro pela actividade económica e desenvolvimento social que evidenciaram, sobretudo no decurso do séc. XX: Argozelo (Vimioso) (Brandão, 2002); Ervedosa (Vinhais) (Fernandes, 2008); Moncorvo (Custódio & Campos, 2002); Pejão (Castelo de Paiva) (Vasconcelos da Rocha, 1997); Arouca (Vilar, 1998; Leal da Silva, 2011); Vale do Vouga (Águeda) (Vitorino, 2000). À Região da Serra d’Arga estão dedicados diversos trabalhos de investigação que a tornam um objecto bem referenciado tanto no que respeita ao conhecimento geológico, dos recursos base (Leal Gomes, 1986, 1994, 1995; Leal Gomes & Gas-

par, 1992, 1993; Dias & Leal Gomes, 2007; Dias, 2012), às formas de impacte ambiental associado ao espaço mineiro (Valente & Leal Gomes, 1998, 2001; Alves, 2007, 2014), como no que concerne ao património intrínseco (Lima & Leal Gomes, 1998). O próprio orónimo “Arga” pode ser atribuído à derivação e conversão dos termos latino e arcaico, respectivamente aurea e aurega, que evidenciam o aproveitamento, desde a antiguidade, de recursos auríferos nesta região, tal como tem sendo observado em diversos estudos dedicadas a lavras antigas (Cotelo Neiva & Chorot, 1945; Carvalho & Veiga Ferreira, 1954; Martins, 2008). Neste trabalho atende-se ao interesse patrimonial, nas suas duas componentes - natural e cultural -considerando objectos naturais expostos e indícios materiais (móveis e imóveis) e imateriais do funcionamento mineiro na Região da Serra d’Arga. As áreas de exploração em apreço dedicaram-se essencialmente aos metais Fe, Sn, W, Au/Ag, Nb-Ta e Ti, tendo muitas delas obtido alvará de concessão (cerca de 170 áreas), no período entre 1876 e 1968. Recorrendo a metodologias diversificadas, evidenciaram-se, neste estudo, elementos de análise sobre o passado mineiro d’Arga que fundamentam o seu elevado interesse patrimonial. 2. Metodologia O levantamento e análise documental dos processos mineiros reunidos nos Arquivos Históricos-Mineiros da DREN (Porto) e do LNEG (Alfragide, Lisboa) aplicaram-se a todas as concessões atribuídas na Região Mineira d’Arga. Produziu-se uma base de dados com informação organizada em 3 grupos de apreciação: Informação técnico-científica: “relatórios de reconhecimento de mina” (situação e acesso, geologia e jazigo, plano da lavra, demarcação topográfica); “plano de lavra” (memória descritiva incluindo as opções de preparação e traçagem do depósito, método de desmonte, transporte e extracção, ventilação e esgoto, entivação e iluminação, instalações mineiras, do pessoal e logística e orçamentos); plantas e cortes das oficinas de preparação e diagrama de tratamento mineralúrgico (plantas, cortes e alçados); cartografia mineira antiga (mapas de lo-


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calização e demarcação mineira, plantas e cortes das áreas de desmonte; plantas de avanço dos trabalhos); 1) Informação jurídico-administrativa: registos de manifesto mineiro; pedidos de concessão (provisória e definitiva, transmissão e arrendamento); pedido de director técnico; elementos de caracterização do concessionário; ofícios, autos de visita, reclamações e inquéritos de averiguação; 2) Documentos de produção, fiscalidade e segurança: produção anual, guias de circulação de minério, acidentes de trabalho, formulários de seguros. Concretamente, da informação técnico-científica, os elementos descritivos dos relatórios e ilustrações em mapas referíveis a depósitos filonianos (atitude, possança e extensão) tiveram tratamento mais aprofundado. Os valores de direcção e inclinação dos filões foram sujeitos a projecção e análise estrutural aplicada. Foram ainda consultados, no que respeita à produção mineira do distrito de Viana do Castelo, os Mapas de Liquidação dos Impostos de Minas, publicados na Série II dos Diários do Governo relativos ao período de 1918 a 1960. Os elementos decorrentes do reconhecimento remoto do espaço mineiro, por Imagens Satélite (FlashEarth - Microsoft Coorp., 2009 ou Goolge Earth™, 2006), foram confrontados em itinerários de confirmação, no terreno, e inventariados todos vestígios. Deste trabalho, resultou uma carta dos vestígios do funcionamento mineiro passado, atendendo à discriminação dos seguintes elementos: 1) Escavações: poços, trincheiras, sanjas, galerias, cortas a céu aberto, valas em placers; 2) Instalações: de transporte e rolagem (caminhos e estradões mineiros, guinchos, linhas de carris tipo “decauville”); edifícios de apoio (forja, carpintaria, serralharia, central eléctrica, armazém, paiol); edifícios de tratamento (oficinas manuais de separação hidrogravítica, oficinas mecânicas de separação e beneficiação, fornos de ustulação); armazenamento e conduta de água (tanques de acumulação e tanque de decantação de lamas, canais, açudes); edifícios de apoio social (casa da direcção, escritório, casa do guarda, casa da malta ou dormitório, cantina, cozinha ou refeitório e sanitários);

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3) Escombreiras: áreas de acumulados ou áreas de dispersão de resíduos; coberto vegetal correspondente. Segundo o modelo geral de inquérito sociológico (Pires de Lima, 1971), foram realizadas entrevistas a antigos trabalhadores mineiros da Região da Serra d’ Arga, de natureza semi-directiva, feita com base num guião (detalhado em Alves 2007, 2014). Os resultados da análise de conteúdo do conjunto das entrevistas apoiaram (ou permitiram conciliar) a compreensão da informação documental e a dispersão espacial de vestígios de actividade mineira passada. 3. Enquadramento geográfico e geológico A Região da Serra d’Arga (enquanto unidade geográfica de apetência mineira) abrange os municípios de Ponte de Lima, Viana do Castelo, Caminha, Vila Nova de Cerveira e Paredes de Coura, no distrito de Viana do Castelo (Fig. 1). A sobreposição e análise combinada de cartas topográficas, geológicas, da hidrografia e ocupação do solo, com os polígonos correspondentes às antigas áreas de concessão mineira permitiu reconhecer os aspectos mais singulares da Região Mineira no que respeita à geomorfologia, dispersão demográfica e mineira, dos depósitos minerais e dos lineamentos estruturais que lhe estão associados. Os relevos mais importantes estão dispostos paralelamente à linha de costa e constituem uma barreira a ventos húmidos do Atlântico. Na figura 1 sobressaem, a par das elevações com cumes por vezes aplanados, os vales encaixados com vertentes de forte declive. Os interflúvios, mal conservados, reflectem um grande desgaste de antigas superfícies de aplanamento dado o encaixe da rede hidrográfica ao longo da fracturação. Esse relevo intermédio resulta da profunda alteração das rochas granitóides que permitiu a evolução de vertentes e a constituição de depressões fechadas até se constituírem vales alargados com configuração em bacias alveolares (Freitas et al., 2015). A modelação das encostas é marcada pelas formações metamórficas mais coerentes – metapsamíticas – e por afloramentos filonianos aplito-pegmatíticos e quartzosos.Estes afloramentos originam a policromia, em tons claros, observada na paisagem serrana

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não vegetada. Sobre eles incidiram as principais actividades de mineração podendo observar-se áreas de dispersão de blocos desmontados e fragmentados, zonas de escavação mineira e escombreiras. As duas bacias hidrográficas principais correspondem ao Rio Minho (com o Rio Coura como afluente principal) e ao Rio Lima (com o Rio Estorãos como afluente principal). O Rio Âncora define uma bacia hidrográfica de menor importân-

nais actuais mais importantes está afastada das áreas mineiras, muito embora ao povoamento mais disperso, alguns núcleos pareçam desenvolver-se em torno de minas de referência, sobretudo para o Sn. As vias de comunicação estruturantes (estradas nacionais e municipais) estabeleceram-se segundo antigos traçados de utilização mineira, ligando principais jazigos e concessões (Fig. 2). A maior extensão de áreas com estatuto de protecção da na-

Figura 1 - Representação da Região Mineira da Serra d’ Arga. Bases cartográficas: Carta Topográfica de Portugal na escala 1:25000 (IGeoE, cf./d), Folhas: 6 (Vila Nova de Cerveira), 7 (S. Pedro da Torre - Valença), 14 (Caminha), 15 (Paredes de Coura), 27 (Vila Praia de Âncora), 28 (Ponte de Lima), 40 (Viana do Castelo), 41 (Geraz do Lima). Carta Geológica de Portugal, na escala 1:50000, Folhas: 1-C Caminha (Teixeira & Assunção, 1961) e 5-A Ponte de Barca (Teixeira et al., 1972) e na escala 1:200000, Folha 1 (Pereira et al., 1989). Carta Mineira de Portugal na escala 1:500000 (SIORMINP, LNEG, s/d). Modelo digital do terreno estabelecido com base na Carta Hipsométrica de Portugal, na escala 1: 1000000 (APA, s/d). Figure 1- Cartographic representation of the Serra d’Arga Mining Region. Portuguese Topographic Map (scale 1:25000), Sheets: 6, 7, 14, 15, 27, 28, 40 and 41 (IGeoE, cf./d). Portuguese Geological Map (scale 1:50000), Sheets: 1-C and 5-A (SGP, cf./d); (scale 1: 200000) Sheet 1. Portuguese Mining Map (scale 1:500000) (SIORMINP, LNEG, s/d). Digital terrain model based on Hypsometric Map, scale 1: 1000000 (APA, s/d).

cia cuja nascente se situa na cota mais alta da Serra d’Arga. De entre as bacias hidrográficas que mais influenciaram e foram influenciadas pelas actividades mineiras destaca-se a do Rio Lima. Este rio possui um leito largo, com um padrão de drenagem dendrítico muito condicionado pela neotectónica e magnitude de caudal elevada (Freitas et al., 2015). As características geomorfológicas influenciam muito a aptidão agrícola e florestal da região (Fig. 2). Em vales e encostas menos inclinados situam-se as zonas com mais alta aptidão naqueles atributos as quais, por vezes, acompanham as áreas mineiras. A distribuição dos assentamentos populacio-

tureza na Região da Serra d’Arga não se sobrepõe aos perímetros mineiros, com excepção da zona das Argas a Santa Justa (Fig. 2). Na compartimentação tectono-estratigráfica geral da cadeia Varisca, a Região mineira da Serra d’Arga inclui-se no sector Galiza- Trás-os-Montes (terrenos situados a E do carreamento de Orbacém e a W do desligamento Vigo Régua), em que as rochas granitóides são atribuídas à estruturação da Zona Centro Ibérica (terrenos a W do carreamento de Orbacém). Aos terrenos silúricos que afloram na região Dias (2012) atribuiu um cenário de rifting intra-continental, acompanhado de manifestações vul-


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cânicas e exalativas fortemente afectadas por protometassomatismo alcalino, favoráveis à génese de pré-concentrações metalíferas de W, Au e Fe. Estas concentrações tanto ocorrem dispersas nas sequências metavulcanosedimentares, como concentradas em níveis estratóides, com afinidade vulcanogénica mais marcada e com maior pré-concentrações metalíferas (Dias & Leal Gomes, 2007; Dias, 2012). As formações de referência (portadoras de mineralização singenética, remobilizada ou não) incluem um conjunto de litologias exóticas (metavulcanitos félsicos, anfibolitos, turmalinitos, rochas calcossilicatadas, liditos e xistos negros e rochas de apa-

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rência gneissica, quartzo-feldspáticas), que podem ser encaradas como metalotectos. Alguns Autores referem-se a estas formações como camadas-guia ou bancadas de referência (Rocha Gomes, 1971; Leal Gomes, 1986, 1994). Os principais níveis mineralizados estarão associados à precipitação de sulfuretos (Bayer, 1969, cit por Rocha Gomes, 1985) e ocorrem com silicatos de Ca, Fe, Al e Mg, que podem assumir aspectos petrográficos similares a skarns “interestratificados” em metassedimentos (Dias, 2012). A discriminação de variedades litológicas para os terrenos Silúricos (Dias & Leal Gomes, 2007 e Dias, 2012) e a identificação de anatomias

Figura 2 - Cartas de Uso do Solo: Aptidão Agrícola e Florestal, na escala 1:50000 (DRAEDM, 2012); Edifícios, na escala 1:25000 (IGeoE, cf./d), Estradas, na escala 1:10000 (EP&IGP, 2012) e Sítios Protegidos, na escala 1:25000 (ICNB, 2012). Figure 2 -Land use maps: Agricultural and forestry suitability, scale 1:50000 (DRAEDM, 2012); building distribution, scale 1:25000; roads, scale 1:10000 (EP&IGP, 2012); overlap between terrestrial Natura 2000 network and national designated sites, scale 1:25000 (ICNB, 2012).

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fumarolianas litificadas (Leal Gomes et al., 2011) levaram à formulação da hipótese de pré-concentração SEDEX para os depósitos tungstíferos do domo de Covas, anteriormente atribuídas a uma génese, exclusiva, por metassomatismo de contacto (Coelho, 1993). É sobre esta mega-estrutura que se desenvolveu a mais intensa e sistemática actividade de prospecção (Rocha Gomes, 1985), a par da actividade mineira com maior expressão económica e industrial na Região Mineira da Serra d’ Arga. Na evolução epigenética, os níveis mineralizados e as formações encaixantes foram submetidos a metamorfismo e deformação. Desta evolução persistem evidências bastante impressivas da actuação das fases 2 e 3 Variscas (D2, D3), podendo relacionar-se com estas fases a remobilização metamórfico-metassomática das concentrações metalíferas prévias, associadas aos níveis anómalos da estratigrafia Silúrica. São, por exemplo, veiculadores desta transferência os processos de segregação metamórfica com fusão parcial incipiente que originaram, no decurso da fase D2 e interfase D2 - D3, produtos venulares pegmatóides de paragénese hiperaluminosa portadores de minérios de Ta, Nb, Ti e Sn (Dias, 2012). A instalação dos granitos de Santo Ovídio e de Arga é responsável por parte significativa da diversidade de corpos filonianos mineralizados, que resultam da fraccionação de magmas graníticos residuais e do metamorfismo/metassomatismo por eles originado. Nesta filiação predominam depósitos de aplito-pegmatito instalados em contexto exo-granítico, alguns fortemente diferenciados e enriquecidos em metais raros, tais como o Sn, Nb e Ta, que determinam o carácter dominante das mineralizações. A especialização LCT - Li Cs e Ta - é tipomórfica dos aplito-pegmatitos mais evoluídos de Arga. No seu conjunto, integram o “campo aplito-pegmatítico” definido e descrito por Leal Gomes (1994), situado entre o carreamento de Orbacém (W) e o desligamento Vigo-Régua (E), e intruem as formações metavulcanosedimentares silúricas. Foi sobre estes corpos que se dirigiu o maior número de unidades de exploração mineira concessionada durante o séc. XX. Nas fases finais de evolução da orogenia Varisca (tardi D3 a D4), geram-se estruturas de desligamento ou de cisalhamento transcorrente. Estas atingem os corpos mineralizados preexistentes e

manifestam reactivação polifásica e policíclica em sucessivos episódios deformacionais, constituindo locais de focagem de fluidos hidrotermais. Sugerem, assim, concentrações elevadas de metais, remobilizados a partir das formações silúricas encaixantes originando a cristalização de paragéneses complexas que incluem mineralizações diversas de Cu, Pb, W, Au, Ag, Bi (e, generalizadamente, Fe, As, Zn) em veios de preenchimento quartzoso (Leal Gomes & Gaspar 1992, 1993; Dias & Leal Gomes 2010 e Leal Gomes et al., 2011). Sobre estes corpos terá incidido a lavra romana mais conspícua, registada em várias memórias descritivas dos “planos de lavra” dos concessionários que retomaram os depósitos, no início do séc. XX. Investigações arqueológicas recentes, que atendem a vestígios mineiros de Au e Sn do séc. XX (Brochado de Almeida, 1996; Brochado, 2004; Martins, 2005; Carvalho, 2008) confirmaram a natureza destes indícios primitivos. Os níveis e corpos mineralizados, constituídos no decurso da evolução primária já produtiva do ponto de vista metalífero, foram sujeitos a processos de erosão e meteorização, que vieram a produzir mobilizações detríticas, constituindo depósitos de tipo placer - eluvionares a aluvionares – possivelmente, desde o Terciário tardio. Nestes depósitos secundários detríticos incidiram, em grande númeno, trabalhos mineiros informais, em ciclos de retoma irregulares, não documentados, ao longo do séc. XX. Mas também incidiram actividades concessionadas, complementadas, na maior parte dos casos, por uma lavra mais consequente sobre depósitos primários, sobretudo em fases preliminares ou no termo das explorações. Na figura 3 ilustram-se os diferentes tipos de depósitos explorados na Região da Serra d’Arga, adoptando ilustrações 3D conceptuais referenciadas por minas paradigmáticas: 1) Minérios de Fe em depósitos de tipo gossan em sequências metavulcanossedimentares (Senhor do Socorro, n.º 115); 2) Minérios de W em depósitos associados com níveis calcossilicatados metassomáticos e exalativos de formações metavulcanossedimentares (Cerdeirinha, n.º 2947); 3) Minérios de Sn e Nb-Ta em aplito-pegmatíticos de tipo LCT com veios hidrotermais associados (Monteiro, n.º 1944; Dem, n.º 1172 e Balouca, s/n.º); 4) Minérios de W e Au em filões hidrotermal de zonas de


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cisalhamento (Castelhão, n.º 2241 e Cavalinho, n.º 2663); 5) Minérios de Sn, Nb-Ta, W e Au em depósitos de tipo placer (Cumieira, n.º 2137). 4. Actividade extractiva na região da Serra d’Arga 4.1. Mineração pré-histórica e da Idade Antiga A actividade extractiva nesta região remonta ao período pré-histórico, com vestígios atribuídos ao Paleolítico, as chamadas indústrias líticas. Estas dependiam da obtenção das matérias-primas, como quartzo, quartzito e quartzofilito, usadas como pedra lascada em bifaces, unifaces e triedros (Meireles &

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Cunha Ribeiro, 1991-1992). Os trabalhos de Serpa-Pinto (1928) dedicados ao asturiense do Litoral minhoto (Estações de Moledo - Vila Praia de Ancora - Afife) referem vestígios de aproveitamento mineral no Neolítico. Também a este período já se atribui a utilização do cobre nativo através da martelagem, para produção de pequenos utensílios, incrementando-se a exploração mineira sobre o mesmo recurso na produção metalúrgica durante o Calcolítico e o Bronze Inicial (Jorge, 1990). Autores como Ferreira et al. (1999) referem o aproveitamento de minerais coloridos e preciosos – fosfatos, especialmente as variedades de turquesa e

Figura 3 - Esboço geológico da Região da Serra d’Arga. Simplificação da Folha 1, na escala 1:200000 (Pereira et al. 1989) e da revisão cartografia da Folha 1-C, na escala 1:50000 (Leal Gomes et al. 2008), (adapt. de Dias, 2012). Ilustração tridimensional e conceptual dos depósitos-tipo explorados, referíveis às minas mais representativas de cada tipo (adapt. de Alves, 2014). Figure 3 - Geological map of the Serra de Arga. Simplification from diferente suport maps: Pereira, et al., (1989) Sheet 1 (scale 1: 200000 ), and Leal Gomes, et al. (2008) reviewed propouse Sheet 1-C (scale 1: 50000) (adapt. from Dias, 2012). Three-dimensional illustrations represente conceptual models for ore deposit types exploited in the most important old mines (adapt. from Alves, 2014).

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variscite (na terminologia arqueológica designados de calaítes), entre outros minerais como moscovite, clorite e talco. A utilização do ouro também tem vestígios remotos na bacia do Rio Coura onde estão descritos achados arqueológicos de joalharia da Idade dos Metais (Armbruster & Parreira, 1993). Para a época pré-romana, na área meridional e ocidental do NW da Península Ibérica, está amplamente reconhecida uma região de “cultura castreja”, com muitos povoados (Martins, 1990), em alguns dos quais foram reconhecidos vestígios de mineração pré-histórica e proto-romana (castrejas, suevas e visigóticas) no Alto Minho (Vianna, 1930; Silva & Silva, 1998). Os vestígios de extracção e tratamentos rudimentares de fundição terão marcado o povoamento entre os rios Âncora e Neiva (Brochado, 2004), estando reconhecidos vários assentamentos populacionais dedicados à mineração, possivelmente para obtenção do Sn, abrangendo um período tardi-romano a medieval precoce (séculos IV-IX). Carvalho (2008) refere-se a um povoado proto-histórico num terraço fluvial na margem direita do Rio Lima, ocupando três plataformas “onde se dispersam cerâmicas de fabrico indígena, tegulae, dolia, fragmentos de ânforas, mós manuais, imbríces, escória de fundição e algumas prisões de gado”. Segundo a Autora, este local fica situado no cruzamento de algumas vias secundárias romanas, a cerca de 9 km da Via XIX, o que fundamenta a localização de um povoamento proto-histórico com objectivo mineiro na vertente Sul da Serra d’ Arga, vicus mineiro em Vila Mou, Ponte de Lima (idem). As bacias dos rios Cávado, Lima e Minho têm sido objecto de aturado estudo sobre indícios de actividade mineira. Guerra (1900) já descreve objectos, moedas e inscrições romanas em Meixedo, Vilar de Murteda, Tourim e Correlhã, em locais que no séc. XX foram alvo de concessão mineira para Sn. Não é raro que alguns dos vestígios de mineração na Antiguidade tenham sido detectados nos trabalhos de pesquisa e exploração mineira levada a cabo no séc. XX. Alguns, estão bem documentados (e ilustrados) nos “planos de lavra” das concessionárias ou nos relatórios da Circunscrição Mineira do Norte (Lima, 2006; Martins, 2005; Alves, 2014). Por outro lado, estes indícios

terão representado pistas para acções de prospecção e pesquisa recentes e, bem assim, os próprios materiais reconhecidos entre escórias, desmontes e rejeitos, não raramente terão sido também alvo de exploração nas primeiras fases extractivas. Esta sobreposição de indícios mineiros da Antiguidade e as intervenções verificadas no decorrer do séc. XX dificultam a atribuição de uma idade definida às galerias, trincheiras e poços mais antigos. 4.2. Mineração no Século XX Os vestígios da actividade extractiva na Região d’Arga que hoje se apresentam mais preservados correspondem à lavra decorrida no séc. XX, em períodos de boom (Avelãs Nunes, 20012002), também designados de períodos de rush mineiro (Leal da Silva, 2011) com múltiplos empreendimentos, milhares de registos de manifesto de descoberta, centenas de pedidos de concessão e a mobilização generalizada de populações para centros de exploração - fenómeno muito comum em toda a região Norte de Portugal. Até ao início do séc. XIX a exploração das riquezas minerais era um direito régio inalienável (Campos, 1957). Na década de 1830, com um regime liberal na administração mineira foram implementadas medidas com o intuito de reduzir a dependência e investimento do Estado e abrir a actividade ao empreendimento privado, com expressão legal no Decreto de 13/08/1832 (Avelãs Nunes, 2001-2002). Este foi derrogado ainda na primeira metade do séc. XIX, sendo os recursos do subsolo estabelecidos, até hoje, como propriedade do Estado (idem). Os diplomas legais que regulamentaram a administração mineira e, como tal, a sucessão de concessões atribuídas na Região d’Arga foram os seguintes: Lei de 31/12/1852 (apenas uma mina de Fe); Decreto de 30/08/1892 (cinco minas de W e Sn, W, Sn); Lei n.º 677 de 13/04/1917 (39 minas de W, Sn, Sn e Au; Sn e Ta, As e Sn, Sn e W); Decreto n.º 18713 de 01/08/1930 (125 minas de Sn, Sn e Au, W, Sn e Ta, Ta e Nb). Ainda entre a legislação com maior influência na concessão mineira, mas neste caso limitando-a, podem referir-se os diplomas: Portaria n.º 9.902 de 02/10/1941; Decreto-Lei n.º


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33707 de 12/06/1944 e Decreto-Lei n.º 35 445 de 03/01/1946 que respeitam exclusivamente aos subsectores do W e do Sn (Fig. 4). O primeiro condicionou o registo de explorações de W e Sn, declarando cativo para o Estado o território do Norte de Portugal. O diploma de 1944 decretou o bloqueio à exploração, transporte e comércio de minérios de W e Sn, e só em 1946 se decretou o seu desbloqueio. A dependência da actividade mineira aos mercados associados a conflitos armados – Grande Guerra (1914 - 1918), II Guerra Mundial (1939 1945) e, posteriormente, a Guerra da Coreia (1950 – 1953), gerou instabilidade comercial e descontrolo social, administrativo e fiscal. Todas as ocorrências de W passaram, nestes períodos, a representar uma oportunidade de lavra e uma forma de riqueza em explorações legalizadas, ou não, o que levou à afluência de populações a fulcro mineiros, por mais remotos e inóspitos. Para contornar moratórias estatais e bloqueios à concessão de minas de W e ao escoamento dos seus minérios, algumas empresas pediam concessão (ou averbamento) para as substâncias Nb e Ta, ao abrigo das quais se mascarava a produção em W e Sn. Na Região da Serra d’ Arga esta foi uma estratégia recorrente, o que desencadeou posteriormente o reconhecimento efectivo da potencialidade de depósitos em minérios de Nb e Ta, a par do Sn (Cotelo Neiva, 1944, Soares Carneiro, 1971; Dias de Carvalho, 1986). No início da década de 1950, após uma desvalorização abrupta nos mercados (Fig. 4), o deflagrar da Guerra da Coreia determinou a retoma generalizada das minas de W e Sn. Os anos de 1951/52 e 1955/56 registam picos de produção mundial de W a que se segue, novamente, um decréscimo em 1958 (Fig. 4). 4.2.1. Cronologia da concessão de minas Em 1874 foi atribuída a primeira concessão mineira na região da Serra d’Arga, na vertente Sul, para minérios de Fe. Neste local, Carvalho (2008) descreve achados arqueológicos de cariz mineiro, atribuindo-os a lavra romana e pré-romana. No relatório de reconhecimento desta mina (Senhor do Socorro, Dossier n.º 115), revisto em Moura & Carvalho (1952), descrevem-se massas limoníti-

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cas (muito impuras), dispersas, mas não se refere qualquer produção, sendo a mina abandonada um ano após a concessão, esta ainda por assinatura real. Na década de 30 do séc. XX, para esta área um novo concessionário declarava produção próxima de 10 toneladas de hematite (“com 52 % de Fe” Boletim de Minas, 1940). Este jazigo representa o único registo conhecido nesta região, associado ao modelo genético gossan ferrífero em sequências metavulcanossedimentares. As primeiras concessões atribuídas no séc. XX inscrevem-se na zona de cisalhamento Argas-Cerquido: Ribeiro do Salgueiro (n.º 609), Tapada e Gesteira (n.º 610), Cova dos Mouros (n.º 623) e, na vertente NE da Serra d’Arga. Esta zona de cisalhamento (Leal Gomes & Gaspar, 1992, 1993) acolhe veios de quartzo com sulfuretos, com mineralizações de W, Zn, Pb, Au-Ag. Nesta altura, o W seria o principal alvo da exploração, mas algumas destas minas viriam, mais tarde, a registar produção de Sn, possivelmente obtido em zona de acumulação tipo placer nos terrenos planálticos onde aflora a zona de cisalhamento, que também comporta mineralizações de Sn em pegmatitos graníticos. Ainda nas primeiras décadas do séc. XX são concessionadas áreas situadas na vertente W da Serra d’Arga, de que é exemplo Costa das Minas (n.º 758), com produção declarada até à década de 50. Esta funcionou como sede de tratamento e entreposto de minérios das minas que viriam a surgir no vale do Rio Âncora a partir da década de 20. Posteriormente, o designado couto mineiro do Vale do Âncora, que nunca chegou a ter existência legal como couto, centrava na Costa das Minas todas as áreas mineiras anexas, concessionadas a uma companhia inglesa “The Caminha Tin Mines & C.ª, Ltd.”. Pode mesmo dizer-se que, na vertente W da Serra teve prevalência a administração mineira inglesa. Estas e outras concessões viriam a ser retomadas na década de 30 pelo concessionário “Armando Casimiro da Costa, Lda.”, um dos maiores empreendedores mineiros tanto da Serra d’ Arga, como de outras regiões do Norte de Portugal, entre as quais Arouca (Leal da Silva, 2011). Em 1919, ao mesmo concessionário foi atribuído o primeiro couto mineiro na Região d’Arga, o Couto Mineiro de Dem (CM n.º 6), situado

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Figura 4 - Produção mundial de W e Sn, entre 1900 e 2011 (USGS, 2012), sucessão dos quadros legais que regulamentaram a exploração mineira ao longo do séc. XX e histograma do número de concessões mineiras atribuídas na Região da Serra d’Arga, por ano e por substância (Mello Nogueira, Pinheiro & Garcia, 1962). Firgure 4 - W-Sn World production between 1900 - 2011 (USGS, 2012). Overview of legal frameworks in the 20th century and the mining concession frequencies in Serra d’Arga Region, by year and substance (Mello Nogueira, Pinheiro & Garcia, 1962).


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na encosta NW da serra. Este couto incluía quatro concessões dedicadas ao Sn e W que foram posteriormente, em 1937, transmitidas para a empresa, também inglesa, “Gold General Mining Developement, Ltd.” Dos cinco coutos mineiros concessionados na região, quatro situavam-se na vertente W da Serra d’Arga, dedicados a Sn e Au, tendo sido administrados por empresas inglesas em períodos distintos: Couto Mineiro de Gondar (CM n.º 24), de 1930; Couto Mineiro de Traz-Ancora (CM n.º 30), de 1938 e situado ao longo do Rio Âncora; Couto Mineiro da Aguieira (CM n.º 51), de 1952, com uma sede de tratamento mineralúrgico a SW da serra, localmente designada por “lavaria dos Verdes”. A Sul da serra, no território correspondente às minas de Vila Mou e de Meixedo, desde os anos 20 do séc. XX, a actividade mineira esteve concessionada a uma companhia de capitais germânicos, a “Companhia Mineira do Norte de Portugal, SARL”, dedicada a Sn e W e com produção assinalável. A mina de Monteiro (n.º 1944), situada na vertente NE da Serra d’Arga, foi concessionada no final da década de 30 à “Compagnie Française des Mines, SA”, que veio a controlar a mineração do Sn em toda a vertente oriental durante duas décadas. Esta mina era sede de tratamento e convergência de minérios de Sn de uma dezena de pequenas minas (com produção residual de Au, Nb-Ta). Ainda nesta vertente Este da serra, aparecem nos anos 40 e 50 as primeiras concessões dedicadas a Nb e Ta, no planalto da Cumieira-Junqueira e na serra do Formigoso, a Este de Arga. A Norte, sobre os depósitos aluvionares com índices de W e Au, do Rio Coura, a mineração informal, sem registos de produção ou concessão teve grande expressão. Só na década de 50 foram concessionados os depósitos tungstíferos do Domo de Covas, reunidos num couto já na década de 1960, Couto Mineiro de Valdarcas (CM n.º 58). Das dez minas incluídas no couto, a mina de Valdarcas (n.º 2944) era a sede de tratamento e manteve lavra activa subterrânea, até finais de 1984, tal como a mina da Cerdeirinha (n.º 2947), esta com lavra a céu-aberto. As concessões atribuídas na década de 60 do séc. XX na Serra d´Arga são, na sua maioria, retomas, por transmissão ou arrendamento de áreas que já tinham sido lavradas e concessionadas. Nesta altura surgem os pedidos de explora-

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ção de minerais industriais e massas minerais, quer constituíssem resíduos das antigas minas (Azevedo 14; n.º 1658), quer fossem depósitos aplito-pegmatíticos (Bouça do Atalho, n.º 1526) ou ainda quartzosos (Bouça do Seixo Branco, n.º 3501). 4.2.2 Cronologia dos principais programas de prospecção A partir de meados do séc. XX as acções de prospecção nesta região tiveram um desenvolvimento invulgar para o que era comum no contexto nacional. Com orientação do Serviço de Fomento Mineiro (SFM) foram levadas a cabo algumas das acções mais sistemáticas e bem documentadas tanto da cobertura geofísica de média escala, como de geoquímica e, ainda, em mineralometria e registo de sondagens (La Cueva & Ramos, 1959; Barreto de Faria & Ribeiro, 1967; Rocha Gomes & Alvoeiro de Almeida, 1971). Na vertente Norte da serra, a mega estrutura geológica sobre a qual lavrou o Couto Mineiro de Valdarcas, que passou a ser conhecida como Domo de Covas, foi então objecto de estudos dedicados à petrografia de minérios e rochas hospedeiras (Bayer,1968 cit. por Rocha Gomes, 1985), cartografia em pormenor (à escala 1:1000), no âmbito de um protocolo entre o estado português e a ex-Checoslováquia para o fornecimento de minérios (Janecka & Starnad, 1970 cit. por Rocha Gomes & Alvoeiro de Almeida, 1971). A par disto os resultados obtidos em campanhas de prospecção orientadas pelo SFM vieram a determinar a constituição da área cativa de Covas (Diário do Governo nº140, II Série de 18-07-1970, cit. por Rocha Gomes, 1985), captando o interesse de empresas estrangeiras (Union Carbide e Serpa Mine - Cominco) que desenvolveram em Covas e nas áreas a SW e a Este novos programas de prospecção e pesquisa (idem). O SFM e posteriormente o Instituto Geológico e Mineiro (IGM) manteve programas de prospecção geofísica, geoquímica e mineralometria até finais da década de 80, sobre depósitos estratiformes de W relacionados com massas de sulfuretos (Farinha & Rodrigues, 1988). Na década de 1990, na vertente Este da serra - faixa de Bouça do Abade – Arga de Cima - o IGM desenvolveu programas de prospecção geofísica, geoquímica e fotointerpretação, para pes-

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quisa de depósitos de metais preciosos (Farinha & Rodrigues, 1993). Na mesma área empresas do sector privado têm mantido programas diversificados de prospecção, até à actualidade. A orientação da prospecção na Região da Serra d’ Arga, desde o início de 1990 passou a considerar, de forma também sistemática, os depósitos de minerais industriais (quartzo, feldspato e minerais de Li), em resultado da identificação de novas ocorrências minerais (ex. petalite), em depósitos até então não trabalhados (Leal Gomes & Lopes Nunes, 1990; Leal Gomes, 1990). Deste tipo de jazigo, o único até agora explorado, desde 2012, situa-se a Este da Serra d’Arga, na encosta do Formigoso, declarando capacidade de produção até 50000 t/ ano de materiais quartzo-feldspáticos, com minerais de Li associados, essencialmente petalite. Actualmente, a Região d’Arga está praticamente toda coberta por contractos para prospecção e pesquisa e exploração experimental (conforme o Decreto-Lei nº 88/90, de 16/03/1990) de metais explorados no passado e de materiais cerâmicos com Li. 5. Funcionamento mineiro passado – sistemática das divisões geomineiras regionais Define-se aqui funcionamento mineiro passado como o conjunto das actividades mineiras reconhecidas local ou documentalmente, referíveis às seguintes operações mineiras: prospecção e pesquisa, traçagem, extracção, transporte, tratamento mineralúrgico e acondicionamento de resíduos. Consideram-se ainda as vivências sociais em torno da lavra mineira, nomeadamente os movimentos populares com relevo histórico local ou regional, a constituição e instalação de companhias e a sua relação com a comunidade e as entidades fiscais (Circunscrição Mineira do Norte, CMN) e de tutela (Direcção Geral de Minas, DGM). Na caracterização dos vestígios do funcionamento mineiro passado na Serra d’Arga atendeu-se ainda aos locais e objectos com interesse geológico associados à lavra mineira, a saber: depósitos minerais; paragéneses portadoras de mineralização útil; rochas hospedeiras; afloramentos de referência; acumulados estéreis e rejeitos de tratamento mineiro em escombreira ou dispersos segundo cursos de água. O tratamento destes elementos segundo uma siste-

mática de divisões geomineiras regionais permitiu a organização espacial de atributos de caris patrimonial, distinguindo a componente natural-geológica em faixas mineiras e a componente cultural-mineira em campos mineiros. 5.1. Discriminação de indícios e depósitos explorados – faixas mineiras Entre a documentação técnica exigida na constituição de uma concessão mineira, foram seleccionadas informações e ilustrações dos depósitos explorados, nomeadamente nos “mapas de demarcação de perímetro de exploração” (escala 1:1000), referências de atitude, possança, paragénese e textura dos minerais úteis na matriz, informações mais ou menos detalhadas nas “memórias descritivas” dos “planos de lavra” e nos “relatórios de avanço dos trabalhos”. Atendeu-se ainda, à implantação cartográfica de trabalhos de pesquisa e/ou extracção desenvolvidos até ao ano a que se referia cada mapa e relatório. Desta forma obtiveram-se dados espaciais e de caracterização dos depósitos explorados nas áreas concessionadas da Região da Serra d’Arga. Estes dados de fonte documental foram confrontados com informações de trabalhos científicos sobre a distribuição espacial de depósitos, formações encaixantes, lineamentos regionais condicionadores da implantação e evolução de corpos filonianos (Leal Gomes & Gaspar, 1992; Leal Gomes, 1994). Depois de uniformizada a indicação numérica da atitude dos filões, projectaram-se em estereogramas e os respectivos diagramas dos planos da atitude foram implantados sobre as áreas de concessão correspondente (fig. 5). No caso das concessões mineiras com mais que um depósito, os planos de atitude dos filões foram reunidos no mesmo diagrama. Reconheceu-se que na sua maioria, os filões explorados correspondem a corpos ou produtos litológicos associados ao sistema residual granítico d’Arga, concretamente ao campo pegmatítico descrito em Leal Gomes (1986, 1994). Segundo o Autor, a sua formação abrange os estádios: magmático, pegmatítico e metassomático originando conjuntos de pegmatitos com afinidade paragenética e estrutural e continuidade espacial, que a distribuição dos estereogramas das atitudes dos filões parece corroborar (Fig. 6). As etapas de instalação


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do granito d’Arga foram escalonadas pelas fases de deformação Varisca em D2, D3 e D4. Aos eventos de deformação correspondem duas superfícies: S2 dobrada e crenulada em D3 (com expressão em zonas de sombra entre maciços graníticos superfície tendencialmente sub-horizontal a pouco inclinada); S3 por transposição S2 → S3 (expressa em zonas de flanco relativamente ao maciço granítico d’Arga - superfície tendencialmente sub-vertical). Com base nas projecções estereográficas e na sua distribuição regional pode admitir-se que o padrão de distribuição dos filões explorados seguia a zonalidade de deformação reconhecida para os flancos do maciço central da Serra, coincidente com zonas de intensidade variável da deformação atribuída à 3ª fase Varisca. Os filões instalados em estruturas desta fase ou estruturas de D2, eventualmente retomadas, apresentam morfologias que se podem sistematizar em quatro tipos, ilustrados na figura 6. Confrontando as características dos filões explorados com as condicionantes geológicas referidas,

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foram deduzidas 7 faixas, representadas na figura 7 e descritas na tabela 1. As faixas que incluem filões de maior possança e maiores teores declarados são: em F1 o pegmatito e filões de quartzo da mina de Cabanas (n.º 2339); em F2 o aplito e veios de quartzo associados da mina de Monteiro (n.º 1944); em F4 o aplito-pegmatito greisenizado da mina de Espantar (n.º 1668) e o aplito da mina de Cruz da Facha (n.º 3371) e em F7 os veios quartzosos em crack-seal e dilatacionais intra aplito-pegmatíticos da mina de Alto da Bouça das Freiras (n.º 2223), mina localmente designada de Verdes. A influência da remobilização de um stock metálico protolítico de génese vulcanossedimentar a exalativa sob os depósitos venulares hospedados nos terrenos com aquela assinatura genética é uma hipótese proposta por Dias (2012), que a sistemática de compartimentação segundo faixas põe em evidência. Todavia, nesta sistemática de faixas, não foram incluídos os depósitos não filonianos, como os que estão associados a níveis calcossilicatados e exalativos das formações vulcanossedimentares. As

Figura 5 – Distribuição de representações estereográficas dos depósitos filonianos explorados, o centro de cada estereograma corresponde ao centro da área de concessão mineira. Figure 5 -Stereograms distribution map of filonian type deposits exploited at the Serra d’Arga Region -. The center of each stereogram coincides with the mining concession center (stereographic projection, lower hemisphere, Schmidt net).

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Tabela 1 – Sistemática dos depósitos filonianos da Região da Serra d’Arga, organizados por faixas mineiras (indicação dos filões mais importantes). Dados obtidos a partir da análise documental de “planos de lavra” e “relatórios de reconhecimento de mina” (respeitou-se a terminologia usada nos documentos técnicos; no caso de concessões com mais que um filão explorado, apenas se enuncia o filão mais trabalhado). SIMBOLOGIA: ANO – relativo ao registo do manifesto mineiro que levou à concessão; (*) Teores excepcionalmente altos em amostragens pontuais; (-) Valores não declarados; (CAS) Concentrados de cassiterite; (Au/Ag) Concentrados de ouro nativo ou electrum. DEPÓSITO-ALVO E/OU ESTRUTURAS VEICULADORAS: aplito (α), aplito-pegmatito (απ), pegmatito (π), greisen ou termo greisenizado (g), filão de quartzo (qz); veios dilatacionais (vD), brechas (b), veios crack-seal (vCS). Table 1 - Sistematics of the Serra d’Arga filonian-type deposit (only indicated the most important lodes) - regional divisions organized by mining corridors. Data source: “mining plans” and “mineral reconnaissance reports” (it was respected the original terminology). SYMBOLS: YEAR - mining manifest record; (*) Grade exceptionally high from specific sampling; (-) not declared; (CAS) cassiterite; (Au / Ag) native gold or electrum; ORE DEPOSIT AND/ OR ASSOCIATED STRUCTERS: aplite (α), aplite-pegmatite (απ) pegmatite (π), greisen or related (g), quartz veins (qz); sheeted veins (vD), breccia (b), crack-seal veins (vCS).


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minas de W que lavraram sobre esse tipo de depósito, alvo de importante empreendimento mineiro e de prospecção, desenvolveram-se na charneira do antiforme erodido - o Domo de Covas - que corresponde a uma mega-dobra mergulhante, formulada nas 2ª e 3ª fases Variscas com eixo maior WNW-ESE (Leal Gomes, 2010). As concentrações metálicas apresentam-se sob a forma de impregnações, em bancadas de reduzida possança, interestratificadas, desmembradas, verticalizadas pela 3ª fase Varisca e encaixadas em xistos andaluzíticos (Dias, 2012). Optou-se assim por assinalar este centro mineiro na figura 7, representado com uma elipse com eixo maior segundo direcção do eixo da mega-estrutura e centro na mina de Valdarcas - sede do couto mineiro com o mesmo nome. 5.2. Dispersão de vestígios da actividade extractiva - campos mineiros Associados à informação sobre o depósito mineral, a que se atendeu na rúbrica anterior, e nos mesmos documentos técnicos das concessões, seleccionaram-se dados relativos ao tipo de lavra praticada (ou proposta) em cada mina. Genericamente distinguiram-se os tipos de lavra: 1) em aluvião; 2) mista (em aluvião e em trabalhos subterrâneos); 3) em trabalhos subterrâneos; 4) em desmontes a

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céu aberto (fig. 8). Ressalva-se que, na maioria das concessões, a exploração de depósitos do tipo placer se realizava em simultâneo, como complemento da produção a partir dos depósitos primários. Para a maioria das áreas de concessão foram identificadas escavações mineiras através de imagens de satélite, o que facilitou a confirmação do tipo de lavra referida nos relatórios técnicos. Ainda, nas áreas afastadas de assentamentos populacionais, menos vegetadas ou com incidência recente de incêndios, as imagens de satélite apoiaram a identificação de edifícios e outras infra-estruturas relacionadas com a actividade extractiva, concessionada ou não. Desta forma, foi também possível detectar e caracterizar fulcros mineiros sem documentação ou qualquer registo técnico do tipo e extensão da lavra. 5.2.1. Das explorações não concessionadas A actividade extractiva não concessionada na Região Mineira d’Arga foi muito intensa e terá sido a mais marcante entre a memória colectiva das populações alto-minhotas. Na figura 8 estão assinalados os locais mais vezes mencionados nas entrevistas que foram dirigidas a antigos mineiros (A-D). A proliferação e manutenção destas actividades coincidiu com os períodos de mais alta cotação, tanto do W como do Sn (Fig. 4, atrás). Como por exem-

Figura 6 – Sectores de intensidade de transposição S2 - S3 contrastante (propostos por Leal Gomes, 1994) (A) e relações geométricas entre os principais tipos de veios, relativamente à cronologia de implantação do granito de Arga, no decurso da evolução do orógeno Varisco (B). Projecção de atitudes mais frequentes no hemisfério inferior, rede de Schmidt. Figure 6 - Stereograms of exploited deposits: distribution by sectors with different intensity of metamorphic transposition S2 - S3 (sectors proposed by Leal Gomes, 1994) (A) and geometric relationships between the main types of vein deposits, regarding the emplacement cronology during the Variscan orogeny. (stereographic projection, lower hemisphere, Schmidt net).

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Figura 7 - Divisões geomineiras regionais (faixas mineiras deduzidas estruturalmente): Serra de Covas-Lousado-Formigoso (F1); Vilarinho-Cabração-Seixalvo (F2); Argas-Cerquido-Sta Justa (F3); Dem-Pedrulhos-Espantar (F4); Costa das Minas-Azevedo-Paradela (F5); Alto da Bouça da Breia-Folgadoiro-Campo da Corte (F6) e Amonde-“Verdes”- Corredouras (F7). Figure 7 - Regional geological and mining divisions (organized in mining corridors): F1 – F7 (names considered above).


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plo, podem indicar-se: 1) em meados da década de 1920, a intensa actividade mineira nas encostas de Sta. Justa (Fig. 8D) para a exploração de volframite (e, subsidiariamente, cassiterite e ouro); 2) na década de 40 a volframite e uma ferberite peculiar – pseudomórfica, após scheelite - localmente designada de “pião” foram intensamente exploradas no leito do Rio Coura (Fig. 8A), nos troços entre Covas e Vilar de Mouros e nos terrenos marginais do rio; 3) no final da década de 20 e com retoma em meados da década de 30, e até inícios da década 40 a exploração de cassiterite foi muito intensa na área da Balouca e no curso superior do Rio Estorãos (Fig. 8C), bem como, na encosta setentrional da Serra d’Arga, nas minas do Dr. Gavinha (Fig. 8B), durante a década de 30. Genericamente podem referir-se dois tipos de exploração não concessionada – com e sem enquadramento legal. No primeiro caso tratava-se de acções decorrentes de um registo de manifesto

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mineiro, trâmite introduzido na Lei de Minas de 1836 (Leal da Silva, 2013) e que se manteve nas leis de 1917 e de 1930, só derrogado na actual lei de minas (Decreto Lei n.º 90/90 de 16/03/1990) e certamente os que têm maior dispersão geográfica. A posse de um registo de manifesto de descoberta de uma ocorrência mineral, realizado na sede do município em causa, conferia ao manifestante (ou seu detentor legal) o direito de realizar pesquisas que podiam envolver os seguintes trabalhos: galerias até 100 m de extensão; poços até 50 m de profundidade; sanjas ou cortaduras com 5 m de profundidade e furos de sonda até qualquer profundidade (Art.º 30, III Cap. da Lei n.º 677 de 1917 e Art.º 18, III Cap. do Decreto n.º 18713 de 01/08/1930). À extensão permitida dos trabalhos de pesquisa poderiam corresponder diversos vestígios mineiros reconhecíveis nas áreas indicadas na figura 8 (concretamente B e D). Um exemplo paradigmático, assinalado na toponíFigura 8 – Métodos de lavra aplicados nas concessões mineiras da Serra d’Arga, atribuição com base nos relatórios técnicos “planos de lavra” e “plantas e cortes dos trabalhos” - exemplos reconhecidos em campo. Explorações a céu aberto: 1, Domo de Covas (minas de Cerdeirinha e Lapa Grande) e 2, Vila Mou (minas de Guilhufes e Rasas). Explorações subterrâneas com enchimento de vazios: 3, Argas – Cerquido (minas de Cavalinho a Cova dos Mouros); 4, câmaras e pilares de Corjães; 5, shrinkage-stopes de Escusa. Explorações subterrâneas com enchimento parcial: 6, degraus invertidos de Sta. Justa; 7, talhadas horizontais de Monteiro; 8, talhadas horizontais de Cruz da Facha. Explorações subterrâneas com desmontes armados: 9, armações e revestimentos mistos de Mata de Vila Mou, Alto da Mina e Pinhais. NOTA: Áreas de exploração não concessionada: Rio Coura (A), “Minas do Doutor Gavinha” à Senhora das Neves (B), Balouca e vale do Rio Estorãos (C) e Santa Justa (D). Figure 8 - Mining methods in Serra d’Arga Region (identification according to technical reports) - examples recognized in the field. Mining open pit: 1, Covas Dome and 2, Vila Mou. Underground mining without backfill: 3, Argas - Cerquido; 4, Corjães room and pillars; 5, Escusa shrinkage-stopes. Underground mining with partial backfill: 6, Santa Justa rill-cut overhand stope; 7, Monteiro horizontal-cut overhand stope; 8, Cruz da Facha horizontal-cut overhand stope. Underground mining with timbering: 9, Mata de Vila Mou, Alto da Mina and Pinhais mix timber support (stulls, cribs). NOTE: Mining land without legal concession: Rio Coura (A), “ Dr. Gavinha Mines” to Senhora da Neves (B), Balouca and Estorãos River Valley (C) and Santa Justa (D).

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mia local, são as “Minas do Dr. Gavinha”, na vertente NW da Serra d’Arga (Fig. 8B). Relativamente a esta área e a outras no concelho de Caminha, para o período de 1876 a 1988, contabilizaram-se 416 registos de manifesto de diversas substâncias minerais e apenas a atribuição de 53 concessões mineiras (GEPPAV, 2013). Com estes dados pode dizer-se que apenas 12,7 % dos manifestos teriam motivado um pedido de concessão com o exigido “valor industrial” ou, que a relação entre registo de manifesto e concessão foi aproximadamente de 8 para1. A esta relação Leal da Silva (2013) designa de “produtividade do manifesto”, tendo o Autor contabilizado para a Região Mineira de Arouca, no período de 1853 a 1950, 866 registos de manifesto e 78 concessões mineiras, correspondendo a uma produtividade de 11:1 (registo de manifesto:concessão). Esta informação pode traduzir um forte impulso pela descoberta do recuso mineral, promotor de grande mobilização social (Alves, 2013). Muito embora poucas iniciativas tenham desencadeado explorações concessionadas, os seus indícios sinalizam a grande dispersão da actividade mineira. O outro tipo de exploração não concessionada, sem registo documental assinalável, foi a lavra ilegal ou furtiva, localmente designada de “pilha”. Esta terá sido a mais marcante ao nível da memória colectiva das comunidades próximas de fulcros mineiros – persistindo a recordação de façanhas e de figuras pitorescas dos mineiros da bonança e da desgraça. Estas explorações terão tido grande incidência na área A (para minérios de W e Au) e na área C (para minérios de Sn) indicadas na figura 8. No terreno, estas intervenções caracterizavam-se pela proliferação caótica de pequenos desmontes e acumulações de estéreis, hoje quase imperceptíveis. Iniciavam-se sobre índices superficiais (afloramentos filonianos e chapéus de ferro com mineralização-útil bem expressa e com elevada concentração), em depósitos detríticos aluvionares ou em cursos de

água de regime torrencial, com marmitas de gigante, cursos estes relativamente inacessíveis, onde a fiscalização não se faria sentir (Alves, 2014). Em alguns relatórios de concessões mineiras, como da mina da Lapa Grande (n.º 2976), reconheceram-se indicações pontuais relativamente a este tipo de lavra (Fig. 9). Referia-se como esta comprometia o arranque das explorações concessionadas, dificultando a implementação de orientações técnicas. 5.2.2. Da exploração concessionada A concessão mineira, tanto na legislação de 1917 (Lei n.º 677 de 13/04/1917) como na de 1930 (Decreto n.º 18713 de 01/08/1930), implicava, entre outros requisitos processuais, o registo de manifesto de uma descoberta mineral e o período correspondente de pesquisa para certificar o “valor industrial do depósito” e um “plano de lavra” em conformidade com as características do depósito e do terreno onde ocorria. Consultou-se a “memória descritiva” dos “planos de lavra” das concessões d’Arga, onde estão explicitadas as principais opções técnicas das várias fases da exploração mineira, que se procuraram sintetizar na tabela 2. O reconhecimento de vestígios das explorações concessionadas beneficiou destas informações, facultando o primeiro indício ou a confirmação da natureza dos vestígios mineiros. Os edifícios de tratamento e apoio à lavra e as escavações da fase de desmonte (tanto explorações subterrâneas como a céu aberto) são os vestígios mais conspícuos. Escavações mineiras documentadas – reconhecimento funcional e preservação de vestígios Os depósitos filonianos pouco profundos, sub-horizontais e com maiores possanças, na sua maioria terão sido explorados a céu aberto. Como Figura 9 – Exemplos de excertos onde se descrevem explorações do tipo “pilha”, incluídos no processo documental da concessão n.º 2976 - mina de volfrâmio da Lapa Grande (1955-1992). Figure 9 - Description of the “pilha” (informal-illegal-popular mining) exploitation, documental extract from the tungsten mining reports, mining concession nº. 2976, named Lapa Grande Mine (concessioned between 1955-1992).


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Tabela 2 – Técnicas, equipamentos e ferramentas utilizadas nas diferentes fases de exploração mineira na Região da Serra d’Arga. Dados obtidos a partir da análise documental de “planos de lavra” e “relatórios de reconhecimento de mina” (respeitou-se a terminologia empregue nos documentos técnicos das minas que se indicam como exemplo). Table 2 - Mining operations, methods and equipment used in. Data source: “mining plans” and “mineral reconnaissance reports” from the Serra d’Arga mines (it was respected the original terminology).

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vestígios exemplares podem referir-se em pegmatitos de tipo sill a mina de Escusa (n.º 2535) e a de Cruz da Facha (n.º 3371); em gossans, a mina de Senhor do Socorro (n.º 115) e em depósitos estratóides, associados a níveis calcossilicatados e de sulfuretos maciços, as minas do Domo de Covas, a primeira fase da mina de Valdarcas (n.º 2944), a mina da Cerdeirinha (n.º 2947) e a de Lapa Grande (n.º 2976). Embora os desmontes fossem descritos e ilustrados com avanços por meio de bancadas horizontais, este raramente se terá aplicado. Os vestígios sugerem que a extracção conjunta de material mineralizado (minério bruto ou “tout-venant”) e rocha encaixante (de cobertura ou “overburden”) terá removido grandes volumes, sem criar patamares ou níveis de exploração, sendo o material por vezes transportado em galerias, situadas na base dos céus abertos. Foi o caso da mina da Cerdeirinha com frentes de desmonte, bem preservadas, na encosta Norte da Serra d’Arga. Tanto a remoção, como a acumulação dos materiais de cobertura em zonas contíguas à exploração, representavam encargos elevados, muito negociados com os proprietários limítrofes, terminando com a expropriação de terrenos – foi o caso das minas de Ribeira do Seixalvo (n.º 2236) e Monteiro (n.º 1944). Noutros casos, a exploração foi praticamente inviabilizada pela dificuldade de gerir a acumulação do material de cobertura remobilizado, como os mais diversos efluentes (lamas, águas e fumo) que invadiam e penalizavam terrenos, culturas e cursos de água de serventia das populações. Estes eram problemas recorrentes nas minas do Domo de Covas, de que se destaca a mina da Cerdeirinha por estar particularmente bem documentada e ilustrada (Fig. 10). A exploração de depósitos de tipo placers, praticada em paralelo com a exploração dos depósitos primários, tinha geralmente carácter sazonal, empregando nessas alturas muitas pessoas, empregando técnicas de exploração muito rudimentares. O acesso ao depósito detrítico fazia-se com o arranque de parcelas de terreno, vulgarmente designadas de “talhões”, que se tratavam paralelamente em caleiras ou engenhos móveis (sluices), os quais acompanhavam as frentes de avanço. Em depósitos aluvionares, drenados por cursos de água permanentes, o desmonte era feito em frentes contínuas, paralelas

e no sentido contrário aos cursos de água. Vestígios destas explorações podem ser reconhecidos na mina de Ribeiro do Salgueiro (n.º 609). A terra vegetal da cobertura era removida e depois recolocada sobre os estéreis da lavagem, criando assim acumulados com características específicas da mineração e que ainda podem ser reconhecidos nas minas da Cumieira (n.º 2137) e Junqueiro (n.º 1602). Na exploração subterrânea, as propostas apresentadas nos “planos de lavra” atendiam genericamente a duas formas de desmonte: 1) em terrenos declivosos, segundo galerias em direcção no flanco de encosta, dividindo transversalmente o depósito por meio de chaminés (Castelhão, n.º2241 e Serra de Sta. Justa, n.º 803); 2) em terrenos planos, segundo poços de extracção ou poço-mestre, a partir do qual se abriam galerias travessas e chaminés (Vilarinho 4, n.º 3091, Fonte do Cuco, n.º 2656). Estas formas de acesso – com poços e galerias – em muitas minas estão parcialmente preservadas. Estas tanto poderiam corresponder às fases de preparação e traçagem de depósitos, como às fases de extracção. Actualmente a função das escavações ou a identificação da fase correspondente é difícil de atribuir dada o deficiente estado de preservação, muitas galerias estão colapsadas e os poços vêm sendo soterrados e preenchidos. Outrossim, a grande maioria de chaminés e galerias em direcção identificadas no terreno não correspondia às que se encontram propostas nos “planos de lavra” e projectadas nas plantas e cortes consultados nos processos mineiros. As fases de preparação e traçagem, as formas de acesso e a divisão do depósito correspondiam a uma exigência legal, para o “bom aproveitamento do jazigo e da indispensável e racional aplicação das regras da arte de minas” (Lei n.º 677 de 13/04/1917 e Decreto n.º 18713 de 01/08/1930). Apesar disso, os vestígios reconhecidos denunciam frequentemente lavra ambiciosa, sobre o depósito e nas zonas com mais elevada concentração mineral. Este incumprimento do preceito legal, bem expresso em muitos vestígios mineiros, poderá atribuir-se à dimensão reduzida dos depósitos (atenda-se às possanças inferiores a um metro, enunciadas na tabela 1, atrás), a uma concentração muito irregular da mineralização útil, à elevada fracturação dos terrenos e grande variação litológica das rochas encaixantes, ao cruzamento de níveis freáticos e, ainda, à dificuldade


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Figura 10 – Ilustração fotográfica de época, apresentada no processo documental da concessão n.º 2947, Mina da Cerdeirinha. Documento técnico designado: “Informação sobre a reclamação contra o pedido de concessão” (1954). Legenda conforme o original. “A - Rego (1) que conduz o efluente à saída duma lavaria, vendo-se grande extensão do monte baldio, sem qualquer arborização (2). B - Pormenor da fotografia 1. C - Rego (3) que conduz o mesmo efluente, recebendo águas escorridas de outro efluente (4), tudo no mesmo monte pelado (a outra vertente, cultivada e arborizada, nem interessa ao caso, nem está no perímetro florestal). D - Zona extrema da parte do baldio que interessa, vendo-se uma acentuada depressão (5), do mesmo modo nua, onde a concessionária tem soltado águas. No primeiro plano, o respectivo efluente”. Figure 10 - Photo illustration extract from the tungsten mine reports of mining concession nº. 2947, Cerdeirinha Mine (1954 - 1992). Technical report named “ Information about the complaint against the mining concession request “ (1954) Legend as the original. “A - ditch (1) leading the washery effluent, seeing large wasteland with no trees (2). B - ditch photographic detail. C – ditch (3) that conducts the same effluent, receiving another runoff effluent (4), all in the same wasteland; D - wasteland term that matters, seeing a marked depression (5) the same way with no trees, where the mining concessionaire has unleashed residual waters, in the foreground,this refered effluent “.

no avanço por falta de meios técnicos e mecanizados. Mesmo em depósitos maiores, a actividade era pouco regular, condicionada pela disponibilidade de água (para os trabalhos de avanço e o tratamento mineral), impondo explorações sazonais. Contudo, era a flutuação do preço dos minérios – essencialmente da cassiterite e da volframite - que mais influenciava a manutenção da lavra activa e a velocidade de avanço das frentes de desmonte.

Processamento e tratamento mineralúrgico documentado – dispersão espacial de oficinas Entre os vestígios mais importantes do tratamento mineralúrgico de depósitos primários e placers incluem-se edifícios correspondentes a oficinas ou lavarias, tanques, muros, armazéns e anexos (com diferentes graus de conservação). Também se incluem zonas de acumulação e/ou arrasto de ma-

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teriais (estéreis dos desmontes ou resíduos de tratamento), assentamentos de terrenos para tratamento e canais ou regos escavados para condução de águas. A selecção de zonas de tratamento de minérios dependia fundamentalmente da proximidade e acesso à zona de extracção de uma mina ou ao conjunto de minas que partilhavam uma mesma sede de tratamento, muito embora, factores como a proximidade aos cursos de água e o declive do terreno fossem também determinantes. Ainda, a proximidade a um centro de produção de energia e o acesso à rede eléctrica foram factores críticos na instalação e produtividade de oficinas de tratamento mecanizadas. Note-se que a Região d’Arga era servida por uma unidade produtora de electricidade, a partir de uma mini-hídrica, instalada no início do séc. XX no Rio Coura, designada “Central de Covas”. As suas primeiras instalações foram entretanto desactivadas e encontram-se em estado devoluto, todavia representaram uma infra-estrutura fundamental e decisiva no arranque e manutenção na actividade mineira passada desta região.

Pela consulta de plantas e cortes do edifício das lavarias e dos respectivos diagramas de tratamento, foi possível quantificar e localizar as oficinas que terão operado na Região da Serra d’Arga, cerca de meia centena (Fig. 11). Por comparação, reconheceram-se apenas 19 propostas de tratamento distintas, já que várias concessões apresentavam plantas e diagramas iguais, assinados pelo mesmo director técnico. Destas propostas distinguiram-se níveis de complexidade no tratamento, com diferentes equipamentos nos processos de fragmentação, classificação e concentração. Em Alves (2014) são detalhados os vários equipamentos, agrupando as minas com diagrama similar. Aqui resumem-se apenas os processos de concentração que intervieram nas Lavarias da Serra d’Arga (Tab. 3) aproveitando as propriedades físicas e químicas dos minerais que permitiam a sua separação. Nos diagramas de tratamento mais simples, associados a minas de depósitos filonianos aplito-pegmatíticos e de quartzo, os mecanismos eram manuais nas várias operações: de fragmentação (mesas

Tabela 3 - Processos de concentração e propriedades intervenientes na separação de minérios das lavarias das concessões na Região da Serra d’ Arga. (Transformadora Industrial do Norte, Lda. – Preparação de Minérios, abreviada de TIN, corresponde a uma separadora, sediada em Ponte de Lima) Table 3 - Ore concentration methods and main differential properties (physical, physicochemical and chemical) applied in the mining plants or washeries of Serra d ‘Arga (with some exemples).


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de trituração, britadores e moinhos manuais) e de hidroconcentração (caleiras, mesas com manivela, de balanço ou oscilantes). Apenas 7 digramas apresentavam mesas (correspondendo a 15 lavarias), os restantes operavam apenas com caleiras. Nas operações de classificação separavam-se geralmente três calibres (no intervalo de 50 até 1,2 mm) recorrendo a grades e crivos múltiplos, fixos ou móveis, vibroclassificadores, jigas ou buchas (estas designações variam nas várias memórias descritivas das lavarias).

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Entre as lavarias que processaram aplito-pegmatitos destacam-se, pelos seus equipamentos bem preservados, a lavaria de Corzes (n.º 2194), a de Mata de Vila Mou (n.º 1486) e a de Monteiro (n.º 1944), designada no processo de concessão como “lavaria-piloto” e centro de tratamento de 10 outras minas do mesmo concessionário. A título de exemplo, a lavaria de Monteiro, (construída em finais da década de 1930), processava cerca de 6 t/h, em 6 mesas oscilantes, que viria a ser ampliada para

Figura 11 – Localização das concessões mineiras com oficinas de preparação e tratamento de minério ou lavarias, cada referência inclui a abreviatura do concessionário e do ano de atribuição da concessão (adapt. de Alves, 2014). Figure 11 -Location map of mining concessions with ore mineral washeries or mining plants. References include abbreviated information above the mine, and the concession year award (adapt. Alves, 2014).

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8 mesas. O funcionamento era contínuo e o caudal de água necessário para o tratamento era 6 m3/h. Nos meses de estio, o processamento de minérios reduzia-se a metade, sendo apenas possível a laboração durante 8 meses por ano. Apesar disto, as lamas e resíduos finos da lavaria causaram o assoreamento do principal curso de água receptor dos efluentes - o Ribeiro do Salgueiro. Muito embora a concessionária tivesse construído infra-estruturas de contenção dos materiais residuais finos ao longo daquela ribeira, estão documentadas várias reclamações populares contra o concessionário, segundo as quais o arrasto atingia o Rio Estorãos em distancias superiores a 7 km relativamente à lavaria. O material quartzo-feldspático arrastado acabou por assorear a Albufeira do Lourinhal, a 2,4 km a jusante da lavaria. Mais recentemente, foi estudada a viabilidade do aproveitamento para fins cerâmicos destes materiais, equacionando-se a reposição do volume de armazenamento da albufeira em cerca de 120000 m3 (Valente & Leal Gomes, 2001). Os diagramas de tratamento mineralúrgico mais complexos referem-se às três lavarias que trataram materiais das minas do Domo de Covas – Valdarcas, Lapa Grande e Cerdeirinha. Estes incluíam esquemas de fragmentação em vários ciclos, com equipamentos como britador de maxilas, granulador de rolos, moinhos de barras, discos, cilindros e bolas. A fragmentação era intercalada por operações de hidro-classificação, que admitiam vários intervalos de calibre e um maior nível de cominuição (até 0,02 mm). Eram empregues mecanismos de concentração onde se faziam intervir propriedades além da densidade, tais como a susceptibilidade magnética, condutibilidade, adesão ao ar e à água (flutuação), dissolução em ácido. Segundo as memórias descritivas das lavarias da Cerdeirinha (datada de 1955) e da Lapa Grande (1955), as suas oficinas mecânicas, designadas de oficinas-piloto, tinham um processamento de 1,5 t/h e 2 t/h. A lavaria de Valdarcas viria a apresentar, já nos anos 1970, uma produtividade na ordem de 5 t/h. Concretamente, esta última representa um caso exemplar, ao nível nacional, pela especificidade do tratamento dado à scheelite, em associação paragenética com sulfuretos. Restam poucos vestígios da oficina de Valdarcas e dos seus anexos, tendo sido a sede de trata-

mento e as suas escombreiras recentemente alvo de reabilitação ambiental (EDM, 2005-2008). A distinção entre estas lavarias relativamente às restantes na Serra d’Arga prende-se com a diversidade mineralógica dos materiais admitidos para tratamento, a quantidade de gangas de sulfuretos e óxidos de Fe, a dureza e comportamento geoquímico complexo do “tout-venant”. Estas paragéneses, a própria mineralização-útil, bem como, a distribuição e disseminação nas rochas hospedeiras impunham um tratamento exigente para controlar a cominuição e a separação das gangas sulfuretadas, que acabou por desencadear soluções inovadoras e eficazes (Cruz Moreira, 1973). O tipo de resíduos de tratamento, as escombreiras que os continham, bem como os cursos de água por onde muitos foram remobilizados e dispersos, constituem marcas diferenciadoras dos vestígios de tratamento no que respeita à sua singularidade, como também diferenciam o impacte ambiental gerado tanto no período de funcionamento mineiro, como após o abandono da lavra. Estão dedicados a estes ambientes e às diversas formas de impacte reconhecidas vários trabalhos de caracterização, nomeadamente da evolução mineralógica dos resíduos, reforçando a singularidade associada às actividades mineiras e aos seus vestígios (Valente & Leal Gomes, 1998; Faria, Alves, Rodrigues & Leal Gomes, 2014). Na formalização de um pedido de concessão mineira, o “plano de lavra” incluía uma proposta de tratamento de minérios e o projecto das instalações exteriores que se pretendiam estabelecer (Art.º 30, IV Cap. do Decreto n.º 18713 de 01/08/1930). Em empreendimentos maiores, as oficinas ou lavarias eram classificadas como “Indústrias Insalubres, Incómodas, Perigosas e Tóxicas” sendo reguladas por diplomas legais próprios (entre os quais o Decreto n.º 8364 de 1922). Nessa classificação também se incluíam outras oficinas de preparação e beneficiação de minérios, deslocadas das áreas de concessão mineira, designadas de “Separadoras”. As duas Separadoras conhecidas, que trataram minérios das minas da Serra d’Arga, estavam instaladas em Viana do Castelo e em Ponte de Lima (Fig. 11). Nestes casos os detentores legais eram também concessionários de várias minas na serra. Na vertente ocidental, o concessionário – “Sociedade Mineira do Alto Minho, Lda.” – com Separadora em Viana, detinha,


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entre outras, a mina de Fonte Nova (n.º 964). Em Ponte de Lima, o imponente e singular edifício de uma Separadora - “T.I.N. - Transformadora Industrial do Norte, Lda. – Preparação de Minérios” era propriedade do concessionário “Entreposto Mineiro do Minho”, com cerca de duas dezenas de minas na vertente oriental da serra. Estas instalações de tratamento de minérios são também parte relevante do conjunto dos vestígios do funcionamento mineiro e ampliam a influência que a as minas exerceram sobre a economia e arquitectura do espaço regional e na sua organização. Confrontando, por exemplo as cartas da rede viária e do edificado (Fig. 6) e a localização de oficinas de tratamento e separadoras (Fig. 11) pode assumir-se que o transporte do material extraído das minas para as respectivas sedes de tratamento teve influência sobre: o assentamento e trajecto de estradas e caminhos, e a localização de povoados ou lugares próximos nas áreas mineiras. Estes aspectos de ordenamento do território regional podem considerar-se remanescências do funcionamento mineiro que persistiram, apesar de terem perdido o seu cariz primordial. Hoje podem ser retomados como rotas e centros de observação e interpretação do património mineiro. Produção mineira declarada – identificação de centros e ciclos de aproveitamento As fontes documentais que fornecem dados sobre produção mineira são diversas, nem sempre concordantes, ou mesmo fiéis à realidade. Consultaram-se três tipos de fontes: 1) processos das concessões mineiras (com poucos dados, muito circunstanciais e heterogéneos); 2) Boletins de Minas, (com listas de tributação muito completas mas de publicação descontínua); 3) mapas de liquidação dos impostos de minas publicados na Série II dos Diários do Governo (com listas da tributação mineira oficial num registo contínuo, e com discriminação do imposto fixo e do imposto proporcional estabelecidos na lei de minas). A partir dos mapas de liquidação de impostos dos Diários do Governo, Alves (2014) analisou os valores de produção declarada das minas da Serra d’Arga, no período de 1919 a 1958, considerando que o conjunto dos valores do impos-

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to proporcional fornecia uma visão abrangente da produção relativa regional, delimitando áreas ou centros mineiros em diferentes períodos de aproveitamento. Na figura 12 apresenta-se uma síntese comparativa da informação numérica (imposto proporcional tributado) coligida em Alves (2014). Nesta, a escala de cor representa os índices de produção declarada correspondentes à razão entre o valor do imposto proporcional tributado de cada mina e a soma dos impostos proporcionais pagos na região mineira, por ano. Seleccionou-se o período entre 1930 e 1957 por estar abrangido pelo Decreto n.º 18713, de 01/08/1930, que reestabeleceu o imposto proporcional em 2 % da produção, à boca da mina, e actualizou o imposto fixo. As minas que não liquidaram o imposto proporcional não constam na figura 12. Para o período em apreço foi possível agrupar minas e coutos com base nos valores relativos da produção declarada (Fig. 12): . Minas com produção muito baixa, declarada num só ano, dedicadas a diversas substâncias como As, Sn, Ta (Monte da Gávea, n.º 1553; Ponte Saim, n.º 1660; Mãos, n.º 2193; Serra de Covas 1, n.º 2196; Monte do Formigoso, n.º 2905); . Minas com produção alta, declarada num ou em dois anos, anteriores a 1944, para o Sn (Candosa, n.º 1649; Boavista, n.º 2150); . Minas com produção variável a alta, declarada em dois períodos distintos, dedicadas a W, Sn e Au, com picos em 1937 e 1942 (Ribeiro do Salgueiro, n.º 609; Cova dos Mouros, n.º 623; Orbacém, n.º 1674; Corredouras, n.º 1675) e picos em 1950 e 1955 (Alto da Bouça das Freiras, n.º 2223 – CM n.º 51; Gondamieiro, n.º 2670); . Minas com produção variável, com dois a três anos de alta produção, entre 1940 e 44, dedicadas ao W (Serra de Sta. Justa, n.º 803) e ao Sn (Real, n.º 1684); picos em 1943 e depois em 1950 e 53 dedicadas ao Sn e W (Corzes, n.º 2194; Lobatos, n.º 2201; Castelhão, n.º 2241; Cabanas, n.º 2339); . Minas com produção regular alta, em períodos de quatro a oito anos, centralizando a produção em sedes, entre 1937 e 1944, dedicadas ao Sn (Junqueiro, n.º 1602; Traz Âncora, n.º 1669 - CM n.º 30; Aguieiras

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Figura 12 - Síntese comparativa da tributação fiscal declarada para as concessões da Região da Serra d’ Arga no período de 1930 e 1957 (adapt. de Alves, 2014). Nota: entre 1944 e 1946 a exploração de W e Sn foi suspensa, sendo também suspensa a publicação dos mapas de liquidação, retomando-se a sua publicação em 1949. Simbologia: IMPOSTO FIXO, relativo à área concessionada, sem variação anual, para a manutenção legal da concessão; IMPOSTO PROPORCIONAL, correspondente a 2 % sobre o valor colectável dos minérios à boca da mina, sem beneficiação (conforme Decreto n.º 18713, de 01/08/1930). N.º, número do processo da concessão mineira com o (NOME); SUBST., substância(s) exploradas; ANO, corresponde ao ano de concessão (primeiro alvará). Figure 12 - Comparative summary of the declared fiscal tax from the Serra d ‘Arga mining concessions, in the 1930-1957 period (adapt. Alves, 2014). Note: between 1944 and 1946 the exploitation of tungsten and tin was suspended, also the settlement maps was suspended too; its publication returned in 1949. Symbol: FIXED TAX, by the concession area without annual variation; PROPORTIONAL TAX, corresponding to 2 % of the taxable value of non treated ore minerals (Decree No. 18713 of 01/08/1930). No., the mining concession number; SUBST., Substance (s) exploited; YEAR, concession request year (first license).


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Figura 13 - Divisões geomineiras regionais (campos mineiros organizados mediante características da actividade extractiva/ produtiva e seus vestígios): Serra de Covas (C1), Lousado (C2), Cabração (C3), Formigoso (C4), Junqueiro (C5), Argas (C6), Santa Justa (C7), Vila Mou (C8), Aguieira (C9), Vale do Âncora (C10), Traz Âncora (C11), Gondar (C12), Dem (C13) e Valdarcas (C14). Figure 13 - Regional geological and mining divisions (organized in mining fields): C1 – C14 (names considered above).

Figura 14 - Síntese cartográfica da distribuição dos vestígios de funcionamento mineiro passado. Figure 14 -Cartographic synthesis of the mining remarks distribution and past evidence of mining works. Legend: 1- excavations listed in “mining plans” without recognition; 2 - shallow excavations (<2 m), dumps with no evidence of ore minerals 3 - deep excava-tions (>2 m), dumps with visible ore minerals and without functional buildings recognition; 4 - excavations, dumps and build-ings with functional recognition.

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10, n.º 1785); e durante a década de 1950, fundamentalmente dedicadas ao W (Vila Mou, n.º 2466; Valdarcas, n.º 2944); . Minas com produção muito variável em períodos alargados, superiores a dez anos, e picos com os valores mais altos de produção regional em Sn (Fonte Nova, n.º 964; Gondar, n.º 1448 - CM n.º 24; Monteiro, n.º 1944). Desta análise podem deduzir-se ciclos de aproveitamento e retoma mineira, muito embora o intervalo temporal omita as primeiras décadas do sec. XX, em que algumas concessões terão iniciado a lavra. Pode afirmar-se que a produção de Sn e W na Região d’Arga acompanha a evolução mundial dos mercados (Fig. 4), de forma muito directa no caso da produção do Sn, até meados da década de 1940, e no caso da produção de W na década de 1950. Podem então reconhecer-se os seguintes ciclos de aproveitamento: 1) W e Sn - exploração até 1940; 2) fundamentalmente Sn - primeira metade da década de 40; 3) retoma da exploração de W - início de 1950, com explorações pontuais de Nb-Ta e Au; 4) novo ciclo de W - final da década de 50. Atendendo à dispersão espacial dos vestígios da actividade mineira não concessionada, à localização as áreas mineiras concessionadas, e ainda, considerando a sua cronologia tributária, foi possível delimitar 14 campos mineiros (Fig. 13), cujas características mais significativas estão resumidas na tabela 4. Nesta indicam-se ainda as faixas mineiras que abrangem, naturalmente, mais do que um campo, o que salienta a dicotomia/ ou complementaridade dos diversos atributos usados na sistemática das divisões geomineiras regionais – por um lado elementos dos depósitos minerais, por outro, elementos das lavras mineiras. 5.3. Síntese tipológica dos vestígios mineiros O mapa de dispersão de vestígios da actividade extractiva, que consta na figura 14, foi obtido com elementos relativos aos jazigos e às explorações mineiras (concessionadas e informais), com a caracterização de escavações, oficinas de tratamento, resíduos e produção declarada. A tipologia de vestígios, tanto dos indícios de depósitos e mineralização-útil, como de trabalhos mineiros, foi estabelecida com recurso a dados

documentais, análise geográfica distanciada, reconhecimentos, levantamentos e amostragens no terreno. Assim foi possível discriminar: 1) escavações, escombreiras e edifícios com reconhecimento funcional; 2) escavações profundas (> 2 m) e escombreiras com mineralização-útil e edifícios sem reconhecimento funcional; 3) escavações pouco profundas (< 2 m) e escombreiras sem evidência de mineralização-útil; 4) trabalhos indicados em “planos de lavra” não reconhecíveis no terreno. Esta tipologia integra tanto os indícios naturais dos depósitos explorados no passado (frentes de desmonte e blocos dispersos com mineralização útil), como os vestígios da actividade extractiva propriamente dita, que podem ser entendidos e consequentemente vir a ser classificados como património mineiro, discriminado na sua componente natural - geológica e na sua componente cultural – tecnológica ou industrial. A inclusão de todos os tipos de vestígios – como os considerados - em matrizes de ordenamento e gestão territorial, promove o reconhecimento do património regional, associado ao espaço mineiro. E ainda apoia a identificação /sinalização de indícios minerais susceptíveis de retoma num novo ciclo de aproveitamento mineiro e de focos de risco geotécnico para a segurança pública, e/ou impacte ambiental sobre solos e cursos de água. 6. Conclusões Pode concluir-se que o funcionamento mineiro passado é gerador, per si, de património, na medida em que a exploração de um depósito é também a revelação de um objecto geológico singular, e a forma como decorre esse aproveitamento deixa vestígios que podem ser representativos de um período histórico, de uma tecnologia ou engenho peculiares, de uma tradição ou pertença colectiva. Reconhece-se então que a uma região mineira se atribua interesse patrimonial com base no conhecimento sistemático e integrado dos vários elementos referíveis ao seu funcionamento passado. A análise apresentada sobre a Região Mineira da Serra d’Arga permitiu reconhecer dois padrões de distribuição espacial de vestígios do funcionamento


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Tabela 4 - Síntese de aspectos discriminantes dos campos mineiros. SIMBOLOGIA: ANO(s) – relativos ao primeiro e último registo de manifesto mineiro no campo, que levou à concessão; SUB(S) Alvo – substâncias concessionadas (substâncias exploradas subsidiariamente); TIPO – morfologia e ocorrência relativa dos vários depósitos minerais explorados no campo mineiro: placers (P), filões (F), depósitos estratiformes (E); RELEVO – vale encaixado (Ve); Vale aberto (Va); Planalto (Pa); Encosta muito declivosa (Emd); Encosta pouco declivosa (Epd), Cumeada (Cum); ACESSO – tipo de desmonte indicado no “plano de lavra” que incluía galerias em flanco de encosta (G), poço-mestre (P); DESMONTE - métodos indicados no “plano de lavra”, que incluía céu-aberto (ca), degraus invertidos (di), degraus direitos (dd), talhadas horizontais (th), mistos (m); TRATAMENTO - número de oficinas ora mecanizadas e com energia eléctrica (n M) ora oficinas rudimentares (n R), com base nas “plantas e diagramas da lavaria”; PRODUÇÃO RELATIVA – valor máximo percentual (indicação do ano e da mina que o atingiu) relativo à produção total na Região da Serra d’ Arga (1930 -1957), com base no imposto proporcional publicado nos mapas de tributação anual (II Série, Diário do Governo); VESTÍGIOS E RUINAS – tipologia: escavações, oficinas e maquinaria com reconhecimento funcional (+++); edifícios sem reconhecimento funcional e frentes de desmonte com mineralização-útil (++); escavações indiscriminadas, sem mineralização-útil, sem edifícios (+); edifícios/ruínas sem reconhecimento funcional (-); sem vestígios mineiros reconhecidos (x); vestígios com atribuição mineira duvidosa (?). Table 4 - Discriminant aspects of the mining fields. SYMBOLS: Year(s) - relating to the first and last miner legal act; Relief: confined valley (Ve); Open valley (Va); Highlands (Pa); Very steep slope (Emd); Little slope (EPD), ridge (Cum); ACCESS - mining galleries (G), pit master (P); DIGGINGopen-pit (ca); Open overhand stopes (di); Open underhand stopes (dd); Breast stopes(th); mix (m); MINING PLANT: with mechanical and electrical equipment(nM); rudimentar equipment(nR); RELATIVE PRODUCTION: maximum percentage (the year and the mine) related with total production in the Serra d’Arga Mining Region (between1930 -1957), based on the Proportional Tax published in the annual official tax clearance maps; RUINS AND REMARKS (typology): excavations, works and machinery with a functional recognition (+++); buildings without functional recognition and mining works with ore-mineral (++); indiscriminate excavations without ore-mineral or mine buildings (+); buildings / ruins without functional recognition (-); without mining remarks (x); remarks with dubious attribution (?).

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mineiro – segundo campos e faixas mineiras. Estas divisões regionais representam de forma distinta as componentes do património - cultural e natural. Por um lado, a organização por faixas mineiras permite uma maior apreciação da componente de condicionamento geológico – os principais lineamentos estruturais veiculadores de mineralizações metálicas, a diversidade litológica e dos depósitos minerais. Por outro lado, a compartimentação por campos atende sobretudo aos atributos do património cultural – industrial-mineiro, tanto na acepção material, como imaterial – permitindo identificar as principais sedes de exploração/ produção e as especificidades técnicas, administrativas e da produção declarada, segundo períodos ou ciclos de aproveitamento e retoma mineira. Desta sistemática em divisões geomineiras regionais distinguem-se elementos de apreciação que podem já ter sido alvo de classificação oficial pelo organismo que tutela o património (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, IGESPAR), ou ser-lhes reconhecido interesse patrimonial, desde que: 1) possuam reconhecimento científico, 2) estejam expressos em fontes documentais, técnicas ou administrativas da época; 3) persistam na memória das comunidades locais, constituindo testemunho imaterial indelével. Respeitando uma hierarquia dos atributos tipológicos definiram-se as classes de interesse patrimonial que seguidamente se enunciam e para as quais se identificam as explorações mineiras tipomórfica. Esquematicamente indicadas na tabela 5. 1) Património classificado – corresponde a depósitos minerais e/ou estruturas mineiras que tenham merecido atenção classificativa da entidade oficial para efeitos de atribuição do estatuto patrimonial, no domínio cultural (arqueologia industrial mineira), bem como, no domínio natural (geológico, mineralógico e da paisagem). Apenas a concessão do Monte Furado, no Domo de Covas, foi alvo de classificação como complexo mineiro da época romana (Decreto n.º 67/97 de 31/12/1997). 2) Património reconhecido - corresponde a depósitos minerais e/ou estruturas mineiras cuja atribuição e valor esteja cientificamente reconhecido, bem referenciado na literatu-

ra da especialidade, preservando vestígios que permitam identificar uma singularidade geológica (senso lato) e/ou infra-estruturas com função primitiva ainda discernível. São várias as explorações que se inserem nesta classe, são de realçar: na Balouca o pegmatito com turmalinas de Li coloridas; em Corzes a lavaria de com equipamento bem preservado; em Valdarcas as galerias, edifícios e materiais dispersos junto da sede de tratamento do couto, na Cerdeirinha as frente de desmonte, os edifícios e estradões mineiros preservados; em Fonte Nova, em Castelhão e em Cabanas as galerias, poços, socavões e locais de tratamento de minérios mais ou menos peculiares; em Arcozelo, Ponte de Lima o edifício e maquinaria de uma Separadora -“T.I.N. - Transformadora Industrial do Norte, Lda. – Preparação de Minérios”; na Cumieira e em Junqueiro a área de eluviões; nas minas Cavalinho, Lagoa, Ribeiro do Salgueiro, Cova dos Mouros até à Tapada e Gestieira a zona de cisalhamento Argas-Cerquido notáveis pelos veios aflorantes com mineralogia rara, bem expressa tanto no depósito como em escombreira; em Vila Mou as evidências arqueológicas da presença romana num possível vicus mineiro. 3) Património Inferido - corresponde a depósitos minerais em cujos registos de manifesto mineiro, pedidos de concessão (provisório e/ou definitivo), “planos de lavra”, relatórios de reconhecimento e outros documentos de cariz descritivo técnico-mineiro, contenham referências a vestígios arqueológicos, a vários ciclos de aproveitamento e empreendimento com trabalhadores e infra-estruturas de apoio. Correspondem a esta classe as sedes dos coutos mineiros de Dem, Zebres e Gondar, Espantar e Rio Ancora; Aguieira e Alto da Bouça das Freiras (ou Verdes); Valdarcas e Cerdeirinha. 4) Património hipotético - corresponde a depósitos minerais que, não tendo características que permitam inclui-los nas classes anteriores, são mencionados em narrativas obtidas da comunidade mineira local - actual ou histórica - e nas suas manifestações


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Tabela 5 – Explorações mineiras (concessionadas ou não) mais relevantes, apresentadas segundo as classes de interesse patrimonial definidas. Indicação do tipo de depósito mineral e correspondentes minérios explorados: VOLF – volframite e restantes mineralizações de W, tais como scheelite e ferberite; Au-Ag – mineralizações auríferas ocasionais, ouro nativo e etectrum; CAS – cassiterite; NbTAN – niobiotantalatos. Table 5 - Most important mining áreas (concessioned or not), presented according to the defined heritage interest classes. Indication of ore-deposit type and corresponding exploited ore-minerals: VOLF - wolframite and other W mineralization, such as scheelite and ferberite; Au-Ag - occasional gold mineralization, native gold and etectrum; CAS - cassiterite; NbTAN - niobiotantalate.

culturais ou folclore, mais concretamente no que respeita aos movimentos sociais que envolveram muitos populares, sendo as lavras de tipo pilha um exemplo recorrente. Nesta classe podem enunciar-se áreas não concessionadas ou que estão anexas a concessões, como no Rio Coura, no troço contíguo às minas de Valdarcas e Fervença; a extensa área do registo correspondente às“minas do Dr. Gavinha”; ainda a concessões em que a lavra incluía uma grande comunidade de “trabalhadores por conta própria”, os cursos de água de regime torrencial como Ribeira da Fisga ou Rio Âncora, com zonas pontuais, as “marmitas de gigante, com concentração de minerais densos, incluindo o ouro. 5) Indício patrimonial - corresponde a áreas mineiras, de registo de manifesto ou concessão, sem qualquer vestígio ou atributo geológico referível, constituem apenas indício do interesse mineiro que outrora tiveram. Na valorização do património mineiro, importa considerar aspectos de caracter ambiental e da potencialidade mineira. Salienta-se o caracter geoquímico instável de algumas paragéneses minerais exploradas na região, cujos resíduos de tratamento ou frentes de desmonte expostas, que podem ser

encarados como singularidades geológicas, com interesse patrimonial, geram halos de contaminação capazes de depreciar a qualidade do ambiente. Outrossim, escavações e acumulados de blocos, sem controlo geotécnico, podem também eles constituir um risco para a segurança das populações. A potencialidade mineira está a ser reequacionada na Região da Serra d’Arga, ainda tomando como ponto de partida depósitos e minerais-alvo explorados no passado. Aqui os vestígios constituem importantes indicadores ou até indícios de mineralizações úteis. A dicotomia património - potencialidade mineira, bem como, as diferentes formas de impacte ambiental associado à mineração são ainda atributos territoriais que distinguem esta região como chave para a intervenção da geologia no estabelecimento de sistemas de gestão territorial integrada, que inclua em lugar de destaque o ordenamento da actividade extractiva. Agradecimentos Ao Professor Doutor Machado Leite agradecemos as correcções ao nível dos conteúdos de engenharia de minas e tratamento mineralúrgico. O nosso reconhecimento e admiração pelo seu empenho genuinamente mineiro em qualquer das esferas em que se move. À Dra. Paula Serrano e à Dra. Soraia Matos agradece-

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mos a disponibilização de diversificada documentação técnica-mineira, entre a qual os processos das antigas concessões que lavraram na região da Serra d’Arga, bem como antigos relatórios de prospecção e pesquisa, constantes no Arquivo Histórico-Mineiro e na TECNIBASE do LNEG (Alfragide). Igualmente se agradece ao Eng.º Filipe Soutinho e Eng.º Amorim, por terem permitido pesquisa equivalente no Arquivo dos processos de Concessão Mineira, DGE-N, antiga Circunscrição Mineira do Norte. Ao Centro de Informação Geográfica da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima (CIGESA), do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, nomeadamente ao seu coordenador, Dr. Joaquim Alonso e à Dra. Sónia Santos agradecemos a cedência da informação cartográfica vectorial que aqui se apresentou. Um agradecimento muito especial ao Eng. Rocha Gomes pelo claro fio de memória com que sempre e tão generosamente nos transportou ao passado mineiro da Serra d’Arga.

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Património mineiro da Serra de Arga - Minho

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n.º 19/93). Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional: 4596 - 4611. DR, 2001, Série I-A (Suplemento), n.º 155, de 6 de Julho: DL n.º 198-A/2001 - Estabelece o regime jurídico de concessão do exercício da actividade de recuperação ambiental das áreas mineiras degradadas. Ministério da Economia, pp. 4084(2) - 4080(7). DR, 2001, Série I-A, n.º 209, de 8 de Setembro: Lei n.º 107/2001 - Estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural. Assembleia da República: 5808 - 5829. DR, 1997, Série I-B, n.º 301, de 31 de Dezembro: Decreto n.º 67/97 - Classifica como monumentos nacionais, imóveis de interesse público e imóveis de valor concelhio vários imóveis de relevante interesse arquitectónico e arqueológico, especificamente no Município de Vila Nova de Cerveira se declare Imóvel de interesse público o Complexo mineiro da época romana do Couço do Monte Furado, freguesia de Covas. Ministério da Cultura: 6892-6903. DR, 1990, Série I, n.º 63, de 16 de Março: DL n.º 88/90 - Aprova o regulamento de depósitos minerais. Ministério da Indústria e Energia: 1273-1285. DG, 1946, Série I, n.º 2, de 3 de Janeiro: DL n.º 35 445 – Levanta a suspensão da exploração, do trânsito e da exportação de minérios de volfrâmio, a que se refere o DL n.º 33 707. Ministério da Economia (ME): 4. DG, 1944, Série I, nº 124, de 12 de Junho: DL n.º 33707 - Suspende a exploração de minérios de volfrâmio, tanto pela lavra regular de minas como por trabalhos de outra natureza, dentro e fora das concessões mineiras - Proíbe a exportação, circulação e transito dos mesmos minérios, excepto os que hajam de ser entregues à Comissão Reguladora do Comércio de Metais. ME: 500. DG, 1943, Série I, n.º 277, de 20 de Dezembro: Portaria n.º 10552 - Suspende temporariamente, a partir de 1 de Janeiro de 1944, a compra de estanho pela Comissão Reguladora do Comércio de Metais e a de cassiterite por esta ou qualquer outra entidade. ME: 967. DG, 1943, Série I, n.º 3, de 5 de Janeiro: Portaria n.º 10307 - Regula as transacções sobre estanho, o abastecimento do mercado interno deste metal e a sua exportação - Torna obrigatório o manifesto perante a Comissão Reguladora do Comércio de Metais de todo o estanho actualmente existente e da cassiterite na posse de entidades que não sejam concessionárias de minas ou empresas com oficinas de tratamento do minério - Proíbe a exportação de cassiterite, salvo em casos especiais e mediante autorização do Ministro. ME: 5-6. DG, 1941, Série I, n.º 230, de 2 de Outubro: Portaria n.º 9902 - Declara cativa, para efeitos de novos registos de volfrâmio e de estanho, a área dos distritos

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de Aveiro, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Porto, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu. ME: 878. DG, 1939, Série I, n.º 149, de 24 de Junho: DL n.º 29 725 - Lei do Fomento Mineiro: Criação do Serviço de Fomento Mineiro (SFM, Aprova o Programa de Intervenção do Estado no Estudo e Fomento da Riqueza Mineira Nacional., Ministério do Comercio e Industria: 668-673. DG, 1930, Série I, n.º 177, de 1 de Agosto: Decreto n.º 18713 - Codifica e actualiza a legislação mineira. Ministério do Comércio e Comunicações: 1552-1568. DG, 1917, Série I, n.º 57, de 13 de Abril: Lei n.º 677 - regula o aproveitamento dos depósitos ou jazigos de substâncias minerais úteis, que constituiu o fim exclusivo dos trabalhos de mineração. Ministério do Fomento: 236-246. Cartografia Sistema de Informação de Ocorrências e Recursos Minerais Portugueses (SIORMINP, Carta de Áreas de Exploração Mineira de Portugal (1836-1992) na escala 1/500000. Informação vectorial e alfanumérica; Parra, A. & A, Filipe (Coords.). Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG). Parcialmente disponível em www.geoportal.leneg.pt/geoportal/ (consultado em Setembro de 2014). Carta Administrativa Oficial de Portugal (CAOP) na escala 1/25 000, relativa a 2012. Instituto Geográfico de Portugal (IGP). Plano Rodoviário Nacional na escala 1/10000. Estradas de Portugal (EP), IGP. Cartas de troços de linhas de água geocodificadas na escala 1/25000, Limite das bacias hidrográficas Minho-Lima. Instituto Geográfico do Exercito (IGeoE), Instituto da Água (INAG). Zonas de Protecção Especial na Escala 1/25000. INAG. Rede Nacional de Áreas Protegidas APS), na escala 1:100000. Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB). Rede Natura 2000 – Sítios de Importância Comunitária (SIC) e Zonas de Protecção Especial (ZPES), na escala 1/100000. ICNB. Carta Hipsométrica de Portugal, na escala 1/1000000, Agência Portuguesa do Ambiente. Carta de Aptidão e Uso do Solo de Entre-Douro e Minho, escala 1/100000. Limite das bacias hidrográficas Minho-Lima. Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho. Carta Geológica de Portugal, SGP/IGM, na Escala 1/50000: Folha 1-C Caminha, Ed. 1, 1962 e Proposta de revisão, 2008; Folha 5-A Viana do Castelo, Ed. 1, 1970; Folha 5-B Ponte da Barca, Ed. 1, 1974; Folha 5-C Barcelos, Ed. 1, 1969. Na Escala 1/200000: Folha 1 (Minho), Ed.1, 1989.

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Inspectorate Portugal S.A Integridade e Excelência ao serviço da Industria ■ Amostragem e preparação de amostras ■ Rede internacional de laboratórios acreditados ■ Pre-Shipment & Inspecção de conformidade ■ Controlo Quantitativo & Qualitativo ■ Emissão de Certificados Internacionais Para mais informações, por favor contacte Divisão Metais & Minerais Tel: +351 210 938 621 E-Mail: barreiro.lab@inspectorate.pt Web: www.inspectorate.com


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As conheiras de Vila de Rei: património geo-arqueológico associado á ocupação humana no Médio Tejo entre Proto-História e Idade Romana Davide Delfino1*, José Romão2,3 & Filomena Gaspar4 Instituto Terra e Memória (ITM – Mação) / Câmara Municipal de Abrantes (Projeto MIAA)/ Grupo “Quaternário e Pré-História” do Centro de Geociências (CGeo – Universidade de Coimbra), Largo Infante D Henrique, 6120-750 Mação 2 LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P., Unidade de Geologia, Hidrogeologia e Geologia Costeira, Estrada da Portela-Zambujal, Alfragide, Apartado 7586, 2610-999 Amadora 3 Universidade Europeia, Estrada da Correia, n.º 53, 1500-210 Lisboa 4 CMA – Câmara Municipal de Abrantes, Serviços da Cultura; filomena.gaspar@cm-abrantes.pt *autor correspondente: davdelfino@gmail.com / davide.delfino@cm-abrantes.pt 1

Resumo Evidências significativas de mineração de ouro aluvionar, associadas com a sua exploração nos tempos romanos e, também, provavelmente na Proto-História, ocorrem, na sua maioria, dispersas no território do Concelho de Vila de Rei, bem como nos de Abrantes e Mação. Este património geológico, mineiro e arqueológico não renovável, de apreciável interesse científico, pedagógico e turístico, está diretamente relacionado com o tema da pesquisa, prospeção e exploração de ouro, mas não pode ser dissociado da rede de ocupação humana que geria a sua extração e praticava o seu comércio, tendo sido descobertos nos últimos tempos diversos vestígios entre os rios Ocreza, Tejo e Zêzere. Esta realidade, marcada pelo binómio exploração de ouro e ocupação humana do território, deverá ser estudada e aprofundada, uma vez que é indispensável para a verdadeira rentabilização turística destes locais e lugares, numa lógica de rede de Património Cultural no Médio Tejo, dedicada à exploração do ouro da Proto-História à Época Romana. Palavras-chave: Conheiras, Exploração do ouro, Proto-História, Idade Romana, Turismo no Médio Tejo Português. Abstract Significant evidences of alluvial gold mining, associated with their exploitation in Roman times and also probably in Proto-history, are scattered are scattered thoughout the territories of Vila de Rei Abrantes and Mação Municipalities. This geological, mining and archaeological heritage, not renewable, of scientific, educational and touristic interest is directly related to the topic of gold research, exploration and exploitation, but cannot be dissociated from the network of human occupation, which has managed the extraction and practiced their trade. Recently many gold traces have been discovered in the Ocreza, Tagus and Zêzere rivers. This reality, marked by the binomial gold exploration and human occupation of the territory, should be studied in-depth since it is essential for a real touristic profitability of these sites and places, within a Cultural Heritage logical network in the Middle Tagus, dedicated to the exploration of the gold from Proto-history to the Roman Period. Key words: Conheiras, Gold mining, Proto-history, Roman Age, Tourism in Portuguese Middle Tagus.

Introdução Na exploração de ouro distinguem-se, genericamente, dois tipos de jazidas: as primárias, cujo depósito se gerou por acumulações sucessivas de partículas de ouro a partir de soluções que circulam em substratos rochosos encaixantes (depósitos epigenéticos), e as secundárias, onde a aglomeração de

ouro ocorreu e foi contemporânea da formação dos próprios sedimentos que a contêm, designados por depósitos aluviais ou singenéticos (Bertolani, 1972; Park & MacDiarmid, 1982). Estas últimas jazidas são originadas em consequência da alteração de depósitos auríferos primários; enquanto os constituintes minerais mais leves são dispersos pelos agentes meteóricos, o ouro, estável e com peso es-

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pecífico elevado (19,3), é transportado pelas águas nas redes de drenagem junto com as areias dos rios. Aqui, a concentração ocorre por densidade, depositando-se no fundo, preferencialmente em pontos onde as águas se movimentam com mais baixa velocidade, nomeadamente nas curvas ou ilhotas dos rios. Nas jazidas secundárias, o ouro é facilmente obtido sob a forma de pepitas, argueiras ou pó por lavagem das areias utilizando-se bateias (Giardino, 1999). No caso dos depósitos aluvionares de antigas redes de drenagem compactados e já litificados, as areias auríferas precisam de ser retiradas dos afloramentos que contêm os depósitos sedimentares, procedendo-se primeiro à desmontagem das vertentes, prosseguindo por subsequente triagem manual para separar os seixos das areias. Só depois ocorrerá a lavagem das areias que contêm o ouro. Os depósitos secundários de ouro ocorrem, na generalidade, no seio de estratos areno-conglomeráticos, muitas vezes com alguma argila na sua matriz ou em horizontes de muito fraca espessura. Este tipo de depósitos, de natureza continental, são originados a partir de sedimentação de materiais que circulam ao longo de canais fluviais, sendo que o ouro se acumula preferencialmente em zonas onde existem relevos nos fundos dos rios antigos. Entre as evidências de exploração do ouro aluvionar no Médio Tejo português, as conheiras constituem as estruturas mais espetaculares e em maior número, estando relacionadas com jazidas secundárias. Consistem de aglomerações de seixos empilhados uns sobre os outros que provieram do desmantelamento de terraços auríferos e subsequente triagem prévia à lavagem dos sedimentos edificados pela ação do Homem. Este tipo de vestígio, que ocorre com frequência na Península Ibérica, está normalmente associado com a mineração aurífera que ocorreu durante a Época Romana ou mesmo em tempos proto-históricos. No Concelho de Vila de Rei existem grande parte das conheiras identificadas na região, 52 de acordo com Batata & Gaspar (2013), estando as restantes nos Concelhos de Abrantes e Mação, respetivamente, 35 (Gaspar, 2011) e 4 (Batata, 2006); foram ainda reconhecidas 3 conheiras na margem norte do rio Tejo no Concelho de Constância (Batista, 2004). Salienta-se, ainda, o facto de um número significativo de conheiras pode-

rem ter ficado debaixo das águas do rio Zêzere, na albufeira da barragem de Castelo de Bode. Os vestígios da exploração do ouro em jazidas secundárias ocorrem em formações geológicas que integram a Bacia Cenozoica do Baixo Tejo, que tem por fronteiras unidades do substrato antigo, incluídas no Maciço Ibérico. De facto, as conheiras são produtos residuais concentrados de unidades de natureza conglomerática (Fig. 1), que resultaram da decomposição das formações designadas por Conglomerados da Lousã (Romão, 2000, 2006) e por Conglomerados de Rio de Moinhos e Conglomerados de Serra de Almeirim (Barra et al., 2000). Do ponto de vista geológico, as conheiras encontram-se localizadas nas proximidades de cristas quartzíticas, datadas genericamente do Ordovícico ao Devónico, na estrutura em sinforma de Amêndoa-Carvoeiro (Romão et al., 1998). A região estudada, já designada como Alto Ribatejo, é um ponto de convergência geológica e geotectónica entre Maciço Antigo de cariz metamórfico, Maciço Calcário Estremenho da Bacia Lusitaniana e Bacia Cenozoica do Baixo Tejo, tendo revelado importantes evidências de povoamento humano e de encontro de civilizações, desde a Pré-História (Oosterbeek, 1997) até à Proto-História (Delfino, 2012), atingindo mesmo a Idade Romana (Batata, 2006). É necessário conhecer a totalidade das relações entre as características geológicas e geomorfológicas do território e seu povoamento para entender as conheiras de Vila de Rei e dos concelhos limítrofes, nomeadamente o papel no circuito do ouro antigo, a importância para as sociedades antigas, a hierarquia social em pirâmide das explorações que realizavam a extração do ouro dos sedimentos auríferos, entre outras. De facto, é preciso entender este Património Cultural na globalidade, quer geológico-mineiro quer arqueológico, numa lógica inter-relacional em rede para a sua rentabilização turística. Considerações sobre geomorfologia e geologia da região de Vila de Rei A região do concelho de Vila de Rei localiza-se, do ponto vista geomorfológico, no bordo ocidental da Meseta ou Cordilheira Central, também designada por Maciço Ibérico ou Hespérico,


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Figura 1 - Conglomerados de Rio de Moinhos num corte recente a montante da conheira da Carreira (Milreu, Vila de Rei). Figure 1 – Rio de Moinhos Conglomerates in a recent section located in the upstream of the conheira of the Carreira (Milreu, Vila de Rei).

imediatamente a norte do rio Tejo. Do ponto de vista geológico situa-se no bordo SW da Zona Centro-Ibérica, junto à fronteira com a Zona Ossa Morena, onde sobressai a sucessão da Bacia Cenozoica do Baixo Tejo depositada sobre as unidades geotectónicas do soco antigo, sendo constituída por materiais culminantes da referida bacia. A região é caracterizada por domínios morfológicos distintos: um, a norte do planalto que contém a crista quartzítica, que aflora logo a sul da povoação de Vila de Rei, constituindo a Formação do Quartzito Armoricano, e outro, a sul desta mesma crista, tendo como limite meridional o acidente com desenvolvimento subparalelo á ribeira de Codes, assinalado no Mapa Geomorfológico de Portugal (Ferreira, 1947) e na Carta Neotectónica de Portugal (Cabral & Ribeiro, 1988). O domínio setentrional é marcado por uma superfície de aplanação, formada essencialmente por xistos e metagrauvaques do Grupo das Beiras (350400 m), onde emerge um relevo residual de dureza, com forma alongada e direção NNW-SSE, que se designa de Inselberg granítico de Melriça (591 m). Salienta-se ainda, um pouco mais a norte de Melriça, a presença de relevos quartzíticos alinhados

com a direção WNW-ESE a NW-SE e destacados na paisagem, porém com menor altitude (450 m). O domínio meridional ocupa os terrenos do interior do sinforma Amêndoa-Carvoeiro (Romão et al., 1998; Romão, 2006), onde se identificaram metassedimentos paleozoicos e depósitos continentais cenozoicos. Corresponde a um bloco tectónico deprimido, alinhado E-W e basculado para sul, cujo limite meridional constitui uma escarpa de 50 m, que forma degrau tectónico recuado relacionado com a falha de ribeira de Codes (Martins, 1999). Os depósitos continentais fossilizaram superfície de erosão talhada em metassedimentos paleozoicos, da qual sobressaem inselberges quartzíticos (com 400 a 500 m de altitude) caracterizados por vertentes exteriores mais inclinadas que as interiores, que integram o flanco norte do sinforma Amêndoa-Carvoeiro, datados na generalidade da base do Ordovícico. Neste domínio, caracterizado do ponto de vista estrutural por pequena sub-fossa dissimétrica, foram identificados depósitos em leque aluvial na parte norte que constituem os conglomerados da Aloformação de Vila de Rei/Mação de idade vilafranquiana (Barbosa, 1995; Romão, 2000). Estes depósitos adelgaçam para N e terminam em bisel de encontro às

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cristas quartzíticas, constituindo superfície de aplanamento que corresponde a ampla rampa com cerca de 2 % de declive. A sul, e subjacente aos conglomerados de Vila de Rei/Mação, identifica-se a superfície culminante da Bacia Cenozoica do Baixo Tejo, materializada por unidades conglomeráticas com areias auríferas, que contém grandes aglomerados de blocos de quartzito e quartzo, subrolados a rolados (conheiras), correspondendo aos produtos finais estéreis de antigas explorações mineiras a céu aberto, cuja unidade pesquisada integra a litostratigrafia dos depósitos continentais cenozoicos do Grupo de Almeirim (Barbosa, 1995). De facto, as conheiras situam-se nos depósitos continentais cenozoicos, de constituição areno-conglomerática, designados por Conglomerados de Rio de Moinhos (Martins & Barbosa, 1992, Martins, 1999) e Conglomerados de Serra de Almeirim (Barbosa & Reis, 1996) na região de Vila de Rei e por Conglomerados de Lousa na região de Mação (Romão, 2000, 2006), sendo todas as unidades atribuídas ao Miocénico Superior. Ao Grupo de Almeirim está subjacente, através de uma descontinuidade erosiva de carácter regional que marca um hiato de tempo significativo, uma sucessão de 30 a 50 m de arenitos feldspáticos, maciços e mal calibrados, localmente conglomeráticos, com clastos angulosos, no geral de composição quártzica. Esta unidade tem sido datada do Paleogénico e designada por Arcoses da Ribeira de Boas Eiras/ Monsanto (Barbosa & Reis, 1996; Romão, 2006). Para além das unidades com conglomerados auríferos já focadas, também foi encontrado ouro nos depósitos holocénicos de terraço (5-10 m de espessura) que ocorrem ao longo da ribeira de Codes e do rio Zêzere. De facto, Oliveira (1975) e Carvalho (1975) obtiveram interessantes teores de ouro por lavagem, bateando manualmente areias da matriz conglomerática de alguns dos terraços fluviais quaternários, reconhecidos a jusante das conheiras. Foram ainda identificados nestes depósitos, diversos aglomerados de blocos e seixos de quartzito e quartzo sub-rolados a rolados, no geral de menor dimensão e com clastos de menor diâmetro, relativamente às conheiras já descritas. O ouro que tem sido identificado ao longo dos tempos é proveniente da exploração de jazidas secundárias relativamente dispersas, donde se pode questionar quais teriam sido as suas fontes primá-

rias. A distribuição dos depósitos de ouro nas unidades conglomeráticas do Miocénico Superior sugere que a sua localização estaria intimamente associada à rede de drenagem dessa época, em particular a zonas onde a velocidade de fluxo das correntes fluviais variavam significativamente. Atendendo à arquitetura dos depósitos, à organização sequencial e às medidas de paleocorrentes é admitido que a rede de drenagem miocénica estaria orientada, no geral, do quadrante NE para o de SW. Assim, seria de esperar que a erosão das litologias que ocorreriam a montante dos sítios explorados fossem, eventualmente, as fontes primárias do ouro, sendo então concentrado por densidade através do transporte pela água. Nesta perspetiva, as formações geológicas com mais expressão cartográfica que poderão ser fonte de ouro, localizadas a montante dos depósitos secundários, correspondem aos metassedimentos do Grupo das Beiras e à Formação do Quartzito Armoricano. De facto, são conhecidas diversas minas em afloramentos do Grupo das Beiras (Góis, Castromil, entre outras de menor dimensão) e, por outro lado, a presença de numerosos blocos de diversas dimensões de quartzitos da Formação do Quartzito Armoricano no seio dos depósitos explorados sugere que os afloramentos desta unidade seriam bem mais extensos e que estavam em desagregação durante o Miocénico, podendo assim ser também fonte do ouro secundário. A região aurífera do Tejo descrita pelos historiadores antigos Durante a Idade Romana, entre o I séc. a.C. e o I séc. d.C., alguns escritores de língua grega e latina deixaram notícias da exploração de ouro ao longo do rio Tejo português e na sua região envolvente. Escreve o geografo de língua grega Estrabão (60 a.C. - 23 d.C.), alguns anos depois (24 a.C.): “alguns destes rios são navegáveis e ricos de areias auríferas” (Estr. Geogr. III, 4, 3-4) e ainda “Assim, os Turdetanos, inundam com transvase de água dos lugares secos, sendo visível o pó de ouro” (Estr. Geogr. III, 2, 19-21), referindo-se a fontes mais antigas, como Políbio (206 a.C. - 124 a.C.) e Posidónio (135 a.C. - 50 a.C.). O estudioso Plínio, o Velho (23 d.C. - 79 d.C.), escrevia na Naturalis História em 77 d.C. que o ouro que se encontra no nosso mundo está lo-


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calizado junto aos rios Indo ou perto das tribos dos Citas, mas também no Tejo, na Hispânia, no Pó, na Itália, no Hebro, na Trácia, no Pactolo, na Ásia, e no Ganges, na India. Nos vales destes rios, os habitantes costumavam obter o ouro, não só a partir da separação das areias não consolidadas dos rios por densidade através da utilização de bateias, mas também de sedimentos consolidados, localizados junto aos rios, usando neste caso, técnicas de desmonte de vertentes para retirar a areia aurífera (Plin. Nat. Hist. XXXII, 21,4). O complexo de mineração aurífera romana de Vila de Rei Após a avaliação do potencial da região para exploração de ouro, procedeu-se à instalação de conjunto de infrastruturas necessárias ao seu desenvolvimento. Estas funções estavam habitualmente a cargo do exército ou de técnicos qualificados, dado que envolviam todas as estruturas relacionadas com a rede hidráulica a implantar, os desmontes mineiros, os canais de evacuação e as acumulações de estéreis. Tendo em conta as técnicas de exploração de ouro a céu aberto na Época Romana (Sánchez-Palencia & Orejas, 1994; Martins - Braz, 2008), os testemunhos visíveis na paisagem que incorpora o território em estudo, consistem de frentes de desmonte de trincheiras, conheiras (dejetos de estéreis), estruturas em “forma de pente” formadas pelos alinhamentos dos blocos e estruturas hidráulicas, nomeadamente barragens e canais. Contudo, a generalidade das evidências de exploração aurífera no Concelho de Vila de Rei é expressa pela presença de conheiras, que correspondem a importantes acumulações de estéreis circunscritas a cotas relativamente baixas (tabela 1). Organizam-se em estruturas em forma de pente, uma vez que sobre o terreno ocorrem alinhamentos dos blocos, na sua maioria, de composição quartzítica que resultaram do desmonte das frentes de trincheiras; por comparação com as plantas das cortas do vale do Duerna e das “Médulas de Léon em Espanha, corresponderiam a corredores de escoamento das águas de lavagem, a par da existência de aterros para o desvio e condução dessas mesmas águas (Domergue & Herail, 1978). Estas ocorrem, na sua maioria, ao longo do baixo curso da ribeira de Codes e na

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sua margem direita, porém também se encontram ao longo do rio Zêzere, junto à sua foz (Fig. 2). O termo conheira pode ter sido originado a partir de duas origens diferentes e consequentemente, apresentar dois significados distintos. Assim, pode derivar da palavra latina Cos / Cotis que significa “penedo” (Romão et al., 2001), ou estar ligado ao nome do povo de Cónios (Guerra, 1996), povoação cuja localização ainda não foi bem definida; admite-se que teria sido edificada provavelmente entre o Sul de Portugal, incluindo o Vale do Tejo, e a Andaluzia (Espanha). Estão associados a áreas onde afloram conglomerados areníticos consolidados (Conglomerados de Vila de Rei ou de Rio de Moinhos), com dimensões médias, onde a extensão é variável desde poucas dezenas de metros até algumas centenas, como por exemplo as conheiras localizadas nos arredores de Milreu (Figs. 3, 4 e 5). Estas já foram analisadas com algum detalhe, quer do ponto de vista geológico (Barbosa et al., 1998) quer arqueológico (Batata & Gaspar, 2013). O volume total de sedimentos extraídos das cortas mineiras a céu aberto (tabela 1), que contêm areias auríferas, foi estimado em acerca de 33000000 m3 (ibid. 21), tendo por base a capacidade dos cúmulos amontoados de seixos descartados ou seja das acumulações de estéreis (conheiras). Com base em avaliações de natureza qualitativa, Batata (2011) coloca a hipótese do ouro extraído ter sido entre os 1200 kg (com um mínimo de 30 mgr./m3) e os 8000 kg (com um máximo de 200 mgr./m3). Recentes avaliações dos volumes de sedimentos com areias auríferas exploradas permitiram realizar uma nova estimativa, porém com valores ligeiramente reduzidos quando comparados com os anteriores. De facto, Batata & Gaspar (2013) estimaram que o ouro extraído se situou entre o mínimo de 990 kg e o máximo de 6,600 kg. Para além das conheiras já focadas, foram ainda reconhecidas diversas estruturas hidráulicas no concelho de Vila de Rei. Destaca-se a presença de pelo menos duas barragens, provavelmente romanas: uma, junto à povoação de Quinta da Laranjeira, da qual só restam testemunhos orais, e outra, no Souto do Penedo (Batata & Gaspar, 2013); ambas localizadas mais a norte e a cotas mais altas A barragem do Souto do Penedo (coordenadas M = 200,2 km; P = 299,0 km), situada a nordeste

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de Milreu, constituiu um aproveitamento hidráulico construído pelo Homem a partir do aproveitamento das condições naturais já existentes no terreno; de facto, estamos na presença de uma barreira natural de natureza quartzítica que atravessa quase por completo a ribeira do Pisão de orientação próxima de N-S, sendo apenas necessários alguns muros de sustentação para a edificação da barragem. O local que foi escolhido para o paredão da barragem corresponde à primeira crista de quartzitos recristalizados da Formação de Quartzitos Armoricanos e contata com os metassedimentos xisto-grauváquicos do Grupo das Beiras (Romão et al., 2001; Romão, 2006). Esta crista, com cerca de 10 a 15 m de altura máxima e 3 a 5 de largura, constitui um estreito relevo de dureza que sobressai na paisagem da zona, sendo composta por uma sucessão de camadas sobrepostas de quartzitos, de direção E-W e pendor para S de cerca de

10º. É ainda possível observar no leito da referida linha de água junto ao paredão da barragem, sobre terrenos xisto-grauváquicos, sedimentos de granularidade muito fina e de cor escura, porém de reduzida espessura. Estes materiais foram eventualmente depositados pelas águas que constituíam a albufeira por processos de decantação. Nesta barragem, junto ao seu paredão, há evidências de suportes e do traçado de diversos canais hidráulicos que possivelmente levariam a água da albufeira até cotas mais baixas, para ser aproveitada na desmontagem das vertentes da formação conglomerática e na lavagem das próprias areias auríferas (Mateus Pereira, 2006). Apesar de alguns dos canais se encontrarem dissimulados, foram encontrados vestígios de um canal com cerca de 5 km de extensão, na direção da povoação de Milreu (Allan, 1965). Contudo, relativamente às conheiras, estruturas hidráulicas (barragens e canais) não existem provas

Figura 2 – Esboço da carta geológica do concelho de Vila de Rei com a localização das conheiras na margem direita da ribeira de Codes e junto ao rio Zêzere, atendendo aos dados de Batata (2013) e Romão et al. (2001). Figure 2 - Geological map sketch of Vila de Rei municipality with the location of the conheiras on the right margin of the Codes riverside and next to the Zêzere river considering the data Batata (2013) and Romão et al. (2001).


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Figura 3 - Conheira de Barroca da Água vista de sul. Figure 3 - Conheira of Barroca da Água view from south.

Figura 4 - Frente de desmonte da mina de céu aberto, localizada a montante da Conheira da Carreira. Figure 4 – Disassemble front of the open pit mine located upstream of the Conheira da Carreira.

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de Rei e a exploração de ouro efetuada pelos povos romanos na região, os únicos dados com algum significado que podem suportar esta hipótese são: . a coincidência destes vestígios com a “cadeia operatória” da mineração romana, que ocorreu à escala da Península Ibérica; . as fontes históricas da Idade Clássica, que atestam o aproveitamento das areias auríferas nas unidades conglomeráticas das vertentes dos vales da rede de drenagem associado ao rio Tejo e não só a partir das areias dos leitos das linhas de água, ribeiras e rios; . as evidências arqueológicas que são conhecidas no território dos concelhos vizinhos, que integram o Médio Tejo, ligadas com à exploração de ouro direta ou indiretamente. Evidências arqueológicas de mineração de ouro fora do concelho de Vila de Rei

Figura 5 – Aglomeração de seixos aos pés da frente de desmonte da Conheira da Carreira. Figure 5 – Pebbles agglomeration at the foot of the quarry front of the Conheira da Carreira.

de cultura material móvel para poder com a certeza absoluta atribuir estes vestígios à Época Romana. De facto, mesmo antes dos povos romanos, as areias auríferas dos referidos conglomerados poderiam ter eventualmente sido exploradas, porém de forma menos intensiva e menos destrutiva, já na Época Proto-histórica. Esta asserção é evidenciada pela relação de proximidade territorial entre conheiras e povoados amuralhados que estiveram ocupados entre a Idade do Bronze Final II (sécs. X - VIII a.C.) e a Primeira Idade do Ferro (a partir do VII séc. a.C.), como por exemplo em Cerro do Castelo (Seada). Esta relação é ainda mais evidente na ribeira do Caratão, já no concelho de Mação, entre duas conheiras e um povoado do Final da Idade do Bronze intitulado Castelo Velho do Caratão (Delfino et al., 2014). Para confirmar a relação entre as conheiras do concelho de Vila

No concelho de Vila de Rei não foram encontradas evidências arqueológicas relativas à Época Romana, com exceção, eventualmente das conheiras, da barragem do Souto do Penedo e de uma ponte, designada Dos Três Concelhos, que sofreu significativas alterações a partir do séc. XVIII (Batata & Gaspar, 2013). De facto, não há nenhuma evidência direta, de que quem construiu as conheiras, a partir do desmonte de vertentes para exploração das areias auríferas, morava na região ou negociava o ouro. Porém, a dimensão das conheiras e das frentes de desmonte das trincheiras sugerem que a organização dos trabalhos e a arquitetura das estruturas necessárias ao desmonte fossem planificadas por especialistas e necessitavam de mão-de-obra qualificada, que não vivia na região; para além disso, os trabalhos requeriam ainda um grande número de pessoas. Contudo, na povoação de Abrantes, que se localiza no interior da bacia hidrográfica do rio Tejo e a cerca de 10 km a sul da ribeira de Codes, há provas da existência de cidade romana, composta, possivelmente, por mais do que um simples vicus. A descoberta de estátua romana em mármore (Fig. 6), datada do Séc. I d.C. (Candeias et al., 2009), junto ao porto fluvial do Rossio de Abrantes, que está localizado na margem sul do rio Tejo e hoje desativado, mas que esteve a operar até à década


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de 40 do século passado. Atendendo ao seu tamanho (2,11 m de altura), esta só pode ser uma estátua forense, na opinião de Luis Jorge Gonçalves, e portanto, associada com uma civitas, ou seja, a um corpo social de cidadãos, já com dimensão significativa. Atualmente, a estátua integra o espólio de arte sacra que se encontra guardada no Museu Municipal de D. Lopo de Almeida, implantado na igreja de Santa Maria do Castelo, no Castelo de Abrantes (Gonçalves & Portocarrero, 2010). Ainda, no morro onde se situa o Castelo de Abrantes, debaixo do pavimento da Igreja focada no parágrafo anterior, foi encontrada outra estátua romana, provavelmente votiva, e um pequeno tesouro de moedas do Calígula (Candeias et al., 2010). A associação, estátua e moedas, sugere a possibilidade de esta área ser um local de vocação votiva ou simbólica. A existência de uma civitas romana em Abrantes, com diversas quintas agrícolas nos arredores, como é o caso do Olival Comprido (ibid.), não parece ser impossível, até pela sua ligação com a exploração do ouro que se pode intuir na provável etimologia do nome cidade atual: Abrantes> Avrantes> Aurantes (aurum = ouro). Ao longo do rio Tejo, na direção montante, existem vestígios e provas de outra estrutura urbana da Época Romana. De facto, foi identificado no Vale do Junco, em Ortiga (Mação), um vicus romano (Fig. 7), que contém um complexo termal com balneário, datado do Séc. III-IV a.C. (Oleiro, 1951; Horta Pereira, 1970; Carvalho, 1987; Batata, 2006). Esta estrutura deveria estar associada, provavelmente, com a mineração do ouro que teria ocorrido ao longo das ribeiras do Caratão e de Boas Eiras (Fig. 8). De facto, nas margens das ribeiras anteriores ocorrem depósitos de conglomerados areníticos (Conglomerados da Lousa) onde foram edificadas conheiras de dimensões consideráveis (Fig. 8). Interpretação das dinâmicas de exploração do ouro entre Proto-História e Época Romana no Médio Tejo português Os dados sobre a quantidade de ouro explorado na Península Ibérica podem ser inferidos a partir do número de peças de ouro conhecidas e do peso de cada peça, sendo quase inexistentes evidências de extração no terreno em mina ou por bateia, quer

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na Pré-História Recente quer na Proto-História. Para os períodos mais antigos, o panorama mostra que o número de peças de ouro criadas no Calcolítico (III milénio a.C.) principiou por ser baixo, com pequenas peças e não maciças, prosseguindo com a produção de peças ainda não maciças, mas muito mais numerosas na Idade do Bronze Antiga e Plena (séculos XXI a XIV a.C.). Na Idade do Bronze Final (séculos XII a VIII a.C.) volta a haver menos peças, porém bastante mais maciças e pesadas; entre a primeira Idade do Ferro (período Orientalizante), datada dos séculos VIII a VI a.C., e a Segunda Idade do Ferro (período Ibérico), considerada dos séculos VI a I a.C., o peso de cada peça de ouro baixa gradualmente de forma significativa e o número de peças produzidas volta novamente a aumentar de forma constante (Perea, 1991). A partir da distribuição das peças de ouro no arco cronológico descrito é possível interpretar que as primeiras explorações do ouro foram provavelmente realizadas a pequena escala nos leitos dos rios, utilizando-se a técnica de lavagem por bateia. Porém, atendendo à maior circulação de ouro no Final da Idade do Bronze, a procura atingiu patamar para o qual as areias dos leitos dos rios dessa época já não eram suficientes, sendo necessário explorar areias auríferas dos paleoleitos dos rios. O início do Império Romano é marcado pela dinastia Júlio - Cláudia (9 a.C. - 68 d.C.), que procurou tanto quanto possível manter a estabilidade do peso do aureus nummus (moeda de ouro que equivale ao valor de 25 denarii em prata). Este objetivo obrigou à exploração sistemática dos leitos dos rios da época e dos mais antigos que continham areia aurífera, o que levou ao seu provável esgotamento já no início do reinado do Trajano (161 a.C.), quando o sestércio em ouro perdeu definitivamente a sua estabilidade em peso. De facto, o peso foi mantido quase inalterado até o reinado de Domiciano, havendo apenas algumas exceções, como por exemplo nos reinados de Nero (54 d.C. - 68 d.C.), Galba (68 d.C. - 69 d.C.), Otão - Vitélio (68 a.C.), Vespasiano (68 - 79 d.C.) e Tito (79 d.C. - 81 d.C.), eventualmente consequência de flutuações da quantidade de ouro descoberta (tabela 2). Atendendo ao quadro apresentado sobre os dados obtidos, em particular, a partir da produção de moedas, podemos considerar que o inter-

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valo de tempo máximo de exploração das areias auríferas foi durante a Época Romana; pode ter sido durante o século I d.C. e o primeiro, segundo e terceiro quartel do século II d.C. Assim, é de esperar que a exploração das unidades conglomeráticas auríferas identificadas na bacia hidrográfica do Médio Tejo Português teria atingido um máximo durante a referida época. A sustentar esta hipótese está o achado de uma ponta de lança de ferro na conheira do Touro (Vila de Rei), provável testemunho da presença de soldados que estariam normalmente em serviço da vigilância aos trabalhos de exploração de ouro; na base da ponta está inciso o acrónimo “M.A.F.”, que segundo Batata (2006) pode significar “Marcus Aurelius Firmus”, procurador dos metais (procurator metallorum) em 191 d.C. na região de Valduerna (Noroeste da Península Ibérica). Em síntese, há dados significativos, que indicam ocorrência e exploração do ouro local a nível de gestão integrada, sobretudo áreas mineiras e montanhosas versus áreas de cidade ao longo do Tejo, quer para a Proto-História, quer para o primeiro período imperial Romano nos concelhos de Vila de Rei, Mação e Abrantes que integram a bacia hidrográfica do Médio Tejo Português. Valorização geo-arqueológica da exploração do ouro no Médio Tejo português A bacia hidrográfica do Médio Tejo ocupa uma região marcada por numerosas evidências da intensa exploração de ouro durante a Época Romana, que eventualmente foi o re-

tomar de antigas atividades mineiras que já tinham ocorrido em tempos proto-históricos. Na região estudada, a área de exploração de ouro pode ser repartida em duas microunidades territoriais com características fisiográficas, económicas e sociais bem distintas. Uma das unidades ocupa uma área situada a norte do rio Tejo, constituída na generalidade por formações rochosas metamórficas, que é designada do ponto de vista geomorfológico como Maciço Antigo. É caracterizada por ser uma zona montanhosa, onde a população de cariz rural e marcadamente extensiva, se dedicava quase exclusivamente à agricultura de subsistência e à exploração do ouro. A outra unidade territorial está na dependência direta do rio Tejo, que era navegável pelo menos até ao vicus de Vale do Junco (Ortiga), e localiza-se especialmente ao longo das suas margens, em particular, nas zonas mais planas. Constitui uma área urbana, onde predominavam atividades comerciais, na qual se destaca o transporte do ouro extraído dos depósitos auríferos para ser conduzido aos centros de cunhagem. Para se ter uma visão de conjunto dos vestígios geológicos e arqueológicos associados com a mineração do ouro durante os tempos romanos na região da bacia hidrográfica do Médio Tejo, é necessário ter em conta todos os elementos e recursos que foram descobertos. Nesta perspetiva, teremos que integrar todos os dados que existem no território dos concelhos de Vila de Rei (conheiras e barragens), de Mação (conheiras e vicus romano) e de Abrantes (conheiras e vila romana) para uma compreensão global da realidade marcada pelo binómio exploração ouro e ocupação humana do território que predominou na Época Romana. A promoção e divulgação deste património cultural através da definição de circuitos integrados de turismo arque-geológico, onde seriam focadas as metodologias utilizadas na exploração do

Figura 6 - Estátua em mármore encontrada em Rossio-ao-Sul-do Tejo (Abrantes) do séc. I d.C. e atualmente guardada no Museu Lopo de Almeida - Castelo de Abrantes (fonte: Câmara Municipal de Abrantes). Figure 6 - Marble statue found in Rossio-ao-Sul do Tejo (Abrantes) of the first century I AD and actually stored in Lopo de Almeida Museum - Abrantes Castle (source: Municipality of Abrantes).


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ouro e a génese das conheiras, e de turismo arqueo-natural, com visitas a civitas em Abrantes e ao vicus em Ortiga/Mação (Fig. 9), bem como o foco no importante papel que o rio Tejo desempenhava como via de transporte entre a região e o mundo romano, na dependência direta das atividades de exploração de ouro, são mais-valias para a valorização económica da região na vertente. Considerações finais A diversidade da paisagem e a ocorrência de numerosos locais onde teria ocorrido a mineração do ouro e os vestígios de aglomerados romanos, que eventualmente dariam apoio a atividades necessárias à sua exploração, enriquecem e valorizam o pa-

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trimónio cultural da região da bacia hidrográfica do Médio Tejo. A sua singularidade e registo, na perspetiva da compreensão da história do lugar e/ou da região e da contextualização à escala dos tempos proto-históricos e romanos, acrescenta valor cultural e importância científica, pedagógica e socioeconómica à região. Os locais inventariados não são renováveis e todos eles têm importância, muitas vezes significativa, podendo ser mesmo assumidos como monumentos geológicos, mineiros e arqueológicos. Justifica-se a sua importância por serem representativos de testemunhos do passado da história da Terra, raros ou mesmo únicos; de facto, apresentam interesse científico e educativo, dado que permitem o conhecimento aprofundado do

Figura 7 - O balneário termal do vicus romano de Vale do Junco (Ortiga, Mação). Figure 7 – The thermal bathhouse of the roman vicius of the Vale do Junco (Ortiga, Mação).

Figura 8 – Representação das conheiras identificadas no Concelho de Mação implantadas sobre um esboço do mapa geológico (Romão, 2000). Figure 8 - Representation of the identified conheiras implemented in Mação Municipality on a geological map outline (Romão, 2000).

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Figura 9 - O sistema integrado do ouro antigo no Médio Tejo Português. Figure 9 - The integrated system of the antique gold in the Middle Portuguese Tagus.

local e a exemplificação dos fenómenos e processos associados com as ciências naturais e sociais. A sua divulgação através de visitas ao terreno ou de folhetos ou roteiros, bem como de circuitos turísticos com guias, que testemunham a história natural e social da região, irá contribuir para o desenvolvimento do turismo da natureza. Salienta-se ainda que os guias e roteiros turísticos devem conter mapas a diversas escalas, com vários itinerários pedestres, de modo a que o património cultural descrito seja acessível à população em geral, na qual se incluem turistas, amadores de geologia e de arqueologia, para além dos alunos das escolas secundárias e do ensino superior. De facto, a elaboração de itinerários, programas e publicações de promoção e divulgação sobre os locais e lugares focados, permite o crescimento de um tipo de turismo distinto do habitual, constituído por indivíduos mais cultos e mais interessados nos valores naturais e no saber, os quais são atraídos por atividades de índole cultural nas suas distintas vertentes. Outra forma de divulgação, que poderá ser usada, consiste no recurso interpretativo de tipo painel

(Dias et al., 2003), ainda com escasso desenvolvimento no país. Porém, esta abordagem interpretativa deverá ser cuidada, para que a mensagem a transmitir seja eficaz e adaptada ao público-alvo. Em suma, a valorização dos locais e lugares mencionados e a sua divulgação à população em geral, e turística em particular, potenciam e fomentam o desenvolvimento de atividade turística que poderá ter elevado interesse socioeconómico para o futuro da região. Agradecimentos Os autores agradecem a elaboração dos esboços de mapas geológicos apresentados á Secção de Cartografia Digital da UGHGC do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, em particular à Dr.ª Ana Pestana.

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Nascentes cársicas do Maciço Calcário Estremenho Inventariação, classificação e avaliação I. S. Azevedo*1 & M. L. Rodrigues2 Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa, Edifício IGOT, Avenida Prof. Gama Pinto, 1649-003 Lisboa Centro de Estudos Geográficos, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa, Edifício da FLUL, Alameda da Universidade, 1600-214 Lisboa *autor correspondente: ines.sofia30@hotmail.com

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Resumo Este artigo propõe uma avaliação qualitativa e quantitativa do valor geopatrimonial de nascentes cársicas localizadas no bordo do Maciço Calcário Estremenho (MCE). Primeiro, identificaram-se as nascentes cársicas perenes principais, sendo a sua inventariação e classificação, relativa aos tipos de valores patrimoniais associados, realizada através do preenchimento de fichas-inventário efectuadas no campo para as exsurgências dos rios Alviela, Almonda, Lis, Alcoa, Baça, Lena, Maior e ribeira de Alcobertas. Para avaliar o seu potencial geopatrimonial foram utilizados parâmetros de avaliação do seu valor científico (raridade, representatividade, integridade e vulnerabilidade), bem como de valores adicionais que acrescentam importância às nascentes cársicas consideradas (histórico-culturais, económico-sociais, estéticos e ecológicos). Por fim, procedeu-se à apresentação de propostas de geoconservação, valorização e promoção sustentável das nascentes. Palavras-chave: Nascentes cársicas, Maciço Calcário Estremenho, geopatrimónio, património hidrológico, geoconservação. Abstract This paper aims to do a qualitative and quantitative evaluation of the karst springs located at the Estremadura Limestone Massif (ELM) border. Firstly, we did the main karst springs identification, filling an inventory sheet in the field, with data that allow also the characterization, classification and evaluation of karst springs. The springs considered were those that give rise to the Alviela, Almonda, Lis, Alcoa, Baça, Lena, Maior and Alcobertas rivers, in order to assess their geoheritage potential. The evaluation was based on the scientific value (rarity, representativeness, integrity and vulnerability) as well as on additional values that can add more importance to the studied karst springs (historical and/or cultural, economic, aesthetic and ecological ones). The results allow us to propose measures for the geoconservation, rehabilitation and sustainable development of the studied springs. Key words: Karst springs, Karst springs, Estremadura Limestone Massif, geoheritage, hydrological heritage, geoconservation.

1. Introdução Actualmente começa a assistir-se à criação de projectos de conservação e valorização do património geomorfológico e geológico, principalmente em áreas protegidas e geoparques, embora o mesmo não ocorra com o património hidrológico. De facto, o património hidrológico é, muitas vezes, integrado em estudos de hidrogeologia ou de hi-

drogeografia, denotando uma subalternização do tema que se relaciona, em termos práticos directos, com o ordenamento e gestão de recursos hídricos. A hidrologia é uma área de investigação e aplicação que engloba todos os fenómenos terrestres onde a água desempenha um papel fundamental. Segundo Lencastre & Franco (2010), o objecto da hidrologia é, em sentido lato, o estudo dos três domínios onde a água está presente: o atmosférico, o

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oceânico e o terrestre. Consideram, contudo, que é vulgar designar por hidrologia apenas o estudo do ramo terrestre. Quanto a nós preferimos englobar quer o papel da água doce quer o da água salgada ou salobra. De facto, para além dos estudos oceanográficos, a água salgada, por si só ou misturada com água doce é fundamental para compreender, por exemplo, o modelado litoral ou as formas nas grutas localizadas na zona entre marés. Os autores supracitados ou Hipólito & Vaz (2011) consideraram que a hidrologia estuda a ocorrência, quantidade, distribuição e circulação das águas nas terras emersas, bem como a sua qualidade (propriedades físicas e químicas) relacionada com o meio e o uso humano. Assim, não será difícil compreender o conceito de património hidrológico, intimamente relacionado com o conjunto mais vasto constituído pela geodiversidade hidrológica terrestre, da qual é parte integrante (ver Rodrigues, 2009), bem como os elementos que o constituem. A geodiversidade engloba todos os elementos abióticos existentes na Terra (emersos e submersos). De facto, tem como suporte a enorme riqueza de elementos químicos e características físicas que constituem o sustentáculo da vida no nosso planeta. Segundo Sharples (1995) a geodiversidade é o conjunto (ou diversidade) dos elementos, sistemas e processos de natureza geológica (substrato rochoso), geomorfológica (formas de relevo) e dos solos. Esta definição, seguida por diversos autores (Dixon, 1995; Australian Heritage Comission, 2003; Reynard, 2005; Reynard & Coratza, 2007; Erikstad, 2008; Rodrigues & Fonseca, 2008 e 2009; Serrano & Ruiz-Flaño, 2009; entre outros), foi adoptada por Gray (2004) que, após uma discussão sistemática das definições apresentadas até à publicação do seu livro, defendeu um conceito relativamente consensual, considerando que os componentes da geodiversidade são o conjunto natural da diversidade de elementos geológicos (rochas, minerais e fósseis), geomorfológicos (formas de relevo e processos) e solos, incluindo as suas relações, propriedades, interpretações e sistemas. Posteriormente consolidou-se uma visão mais integradora, proposta inicialmente por Kozlowski (2004) e seguida por outros investigadores, de entre os quais se destacam Serrano & Ruiz-Flaño (2007), Rodrigues & Fonseca (2008 e 2009) ou Rodrigues (2009). Estes autores introduziram,

para além dos elementos geológicos, geomorfológicos e pedológicos, os respeitantes à diversidade hidrológica (com particular enfase nos que integram a hidrologia continental, ou seja, a geodiversidade hidrológica terrestre). De uma forma sintética, Rodrigues & Fonseca (2008 e 2009) e Rodrigues (2009) indicam que a geodiversidade (enquanto conceito teórico e aplicado) é o conjunto dos elementos naturais abióticos (geológicos, geomorfológicos, pedológicos, hidrológicos ou outros) existentes num determinado espaço. Desta forma, quanto maior for a variedade destes elementos numa dada área, maior será a geodiversidade aí patente. No actual contexto de protecção da água, a Directiva da Água da Comissão Europeia afirma mesmo que a água não é um produto comercial como outro qualquer, mas antes um património que deve ser protegido, defendido e tratado como tal. A geodiversidade hidrológica engloba elementos relacionados com os lugares que incluem águas subterrâneas (unidades hidromorfológicas) e superficiais (bacias hidrográficas, lagos, rios e outras formas de escoamento), geossítios hídricos (cascatas, zonas húmidas, zonas de descarga e recarga difusas, etc.), áreas e nascentes termais e outros pontos de interesse hidrológico (nascentes secas por sobre-exploração ou por causas naturais, nascentes fluviais ou cársicas (superficiais ou subterrâneas), como as cavidades cársicas (grutas e galerias) ou outros fenómenos hidrológicos típicos das áreas cársicas, como as perdas, exsurgências, ressurgências ou canhões cársicos e, mesmo, zonas húmidas classificadas ou a necessitar de medidas de protecção. De facto, os geossítios hidrológicos resultam da acção da água nos seus diversos estados, com realce para o estado líquido, que determina os processos de erosão e acumulação fluviais, bem como para o estado sólido relacionado com o modelado glaciar e periglaciar, para além da sua influência nos grandes inlandsis. Contudo, os rios foram os organismos que mais despertaram movimentos de preservação e conservação pela beleza de algumas das paisagens associadas ao modelado fluvial ou fluvio-cársico. Simic & Belij (2008) publicaram um interessante texto, que sintetiza o trabalho do Hydrology Working Group do National Geoheritage Council of Serbia, onde consideram que até ao presente os fenómenos e sítios


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hidrológicos têm sido alvo de protecção apenas em casos raros, quando apresentam um valor excepcional do ponto de vista científico, educacional ou estético, pelo que para os classificar se tem utilizado a sua raridade e representatividade. Por isso, os autores supracitados sugerem a necessidade de introduzir um novo conceito, o de “hidrodiversidade”, para centrar a discussão no património hidrológico. Sabemos que a geodiversidade hidrológica terrestre é fundamental para a conservação da vida e do ambiente, bem como para uma multitude de processos físicos e químicos que interagem com a meteorização das rochas e minerais, com o modelado que constitui as paisagens actuais e herdadas ou com os processos pedogenéticos. Assim, o geopatrimónio, na mesma linha de raciocínio adoptada para a definição de geodiversidade, será equivalente de património natural abiótico e corresponde, segundo a definição deste termo em português (que corresponde ao de geoheritage em inglês) proposto por Rodrigues & Fonseca (2008), ao “conjunto de valores que representam a geodiversidade do território”, sendo “constituído por todo o conjunto de elementos naturais abióticos existentes à superfície da Terra (emersos ou submersos) que devem ser preservados devido ao seu valor patrimonial”, incluindo, “o património geológico, o património geomorfológico, o património hidrológico, o património pedológico e outros já referidos”. A distinção entre os patrimónios geológico e geomorfológico é aqui entendida de acordo com o âmbito destas Ciências da Terra definido no Apêndice 1 da Recomendação 2004(3) do Conselho da Europa intitulada “Philosophy and practice of geological and geomorphological conservation”. Os sítios onde é identificada a existência de geopatrimónio denominam-se de geossítios que “serão todos os sítios de particular interesse geopatrimonial, incluindo os sítios litológicos, estruturais, paleontológicos, mineralógicos, geomorfológicos, hidrológicos, pedológicos ou outros, que apresentam um valor singular do ponto de vista científico (para a reconstituição da história da Terra), podendo ter outros valores adicionais, como são o caso do pedagógico, cultural, estético, económico, ecológico ou outro” (Rodrigues, 2009). Existem poucos estudos específicos e, como tal, escassas referências bibliográficas, relativos ao património hidrológico e pedológico.

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Parcialmente integrado em estudos hidrogeológicos ou hidrogeográficos, o património hidrológico é, então, formado pelos elementos hidrológicos que possuem valor patrimonial (à escala regional, nacional ou internacional), pelo que devem ser preservados enquanto geopatrimónio, permitindo uma utilização sustentada desses recursos de forma a serem também disfrutados pelas gerações vindouras. Verifica-se que muito desse geopatrimónio carece de informação adequada sobre a sua relevância, sendo o seu valor desconhecido da população local e encontrando-se, na maior parte dos casos, deteriorado ou completamente ao abandono. Daí a importância de abordar este tema sobre a inventariação, classificação e avaliação das principais nascentes cársicas existentes no bordo do Maciço Calcário Estremenho (MCE), o maior e mais importante conjunto calcário do país, onde se localizam algumas das exsurgências mais importantes e essenciais para o abastecimento das populações locais (e não só), assim como para o conhecimento das reservas hídricas nacionais, sendo de extrema importância a sua preservação, valorização e promoção. Para além do seu interesse para a investigação científica, possuem elevado valor para o turismo de natureza e para o geoturismo. 2. Enquadramento geográfico e geomorfológico O Maciço Calcário Estremenho, individualizado na figura 1 através da sua maior altitude relativamente aos terrenos circundantes, localiza-se na região central de Portugal continental, enquadrado pelas cidades de Leiria, Alcobaça, Rio Maior, Torres Novas e Ourém. Uma parte deste maciço está igualmente sujeita a um regime de protecção da natureza através da instituição em 1979 do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC), em 1979, com uma área aproximada de 384 km2, correspondente à área delimitada no mapa. O MCE corresponde a uma unidade geomorfológica, geológica e hidrológica situada no sector leste da Bacia Sedimentar Ocidental, que, através de soerguimento tectónico, cavalga a Bacia do Tejo. É caracterizado por possuir importante carsificação superficial e subterrânea (ver, por exemplo, Martins, 1949 ou Rodrigues, 1998), constituindo um grande reservatório de água de importante valor

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Figura 1 - Localização da área de estudo. Figure 1 - Location of the study area.

no âmbito do ordenamento dos recursos hídricos nacionais. Nele se regista a maior extensão de afloramentos em rochas calcárias do Jurássico Médio no país (Carvalho et al., 2001), caracterizada pela sua permeabilidade devido às descontinuidades presentes nas rochas (falhas, juntas de estratificação, diaclases e outras fracturas), o que influencia a ausência de cursos de água à superfície (encontrando-se o nível freático a profundidades elevadas embora variáveis) e a existência de condutas subterrâneas (poços, galerias e grutas) responsáveis pelo escoamento da maior parte da água. Relativamente às unidades morfológicas do MCE, este encontra-se estruturado, (segundo Rodrigues, 1998), em: i) dois planaltos, o Planalto de Sto. António (a Sul e SE) e o Planalto de S. Mamede (a Norte, que se liga à Plataforma de Fátima através de ressalto tectónico); ii) três relevos resultantes de estruturas anticlinais, a Serra de Candeeiros (a W, que efectua a ligação à Plataforma de Aljubarrota), a Serra de Aire (a E, que cavalga a Bacia do Tejo ao longo dos Arrifes) e o monte de Alqueidão

(a W do Planalto de S. Mamede, abatido relativamente a este ao longo da falha de Reguengo do Fetal); iii) três depressões de origem tectónica (com estrutura em graben dissimétrico), que intercalam as unidades anteriores, como é o caso da Depressão da Mendiga (associada às falhas da Mendiga e de Rio Maior - Porto de Mós - Batalha), que separa a Serra de Candeeiros do Planalto de Sto. António e das Depressões de Alvados e de Minde (associadas ao sistema de falhas com orientação NW-SE, que dão lugar às imponentes Costas de Alvados e de Minde), que separam o Planalto de Sto. António do conjunto formado pelo Planalto de S. Mamede e pela Serra de Aire. Estas unidades morfológicas principais do MCE são visíveis na figura 2. Na figura 3, correspondente ao mapa de declives do MCE, estão localizadas as nascentes cársicas referidas no presente trabalho. Como se verifica facilmente, estas localizam-se no bordo do MCE, embora as exsurgências dos rios Alcoa e Baça se situem já na Plataforma de Aljubarrota. As restantes nascentes ocorrem a jusante de alinhamentos com


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declive elevado, frequentemente coincidentes com acidentes tectónicos. 3. Metodologia para a avaliação das nascentes cársicas As fases de identificação, classificação e avaliação do património hidrológico basearam-se na metodologia proposta por Reynard et al., 2007 e Rodrigues & Fonseca, 2010, entre outros, que foi adaptada para o presente estudo. No artigo são utilizados dados qualitativos e quantitativos com o objectivo de seleccionar e caracterizar os principais locais de interesse hidrológico. Os locais identificados foram listados, localizados em mapa e sujeitos a uma avaliação qualitativa e quantitativa aquando do preenchimento in situ da ficha-inventário dos geossítios. Este procedimento considerou três conjuntos principais de informa-

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ção: o valor do elemento hidrológico identificado e classificado, a necessidade de gestão e protecção/ medidas a tomar, bem como as potencialidades de uso enquanto local de interesse hidrológico. A ficha-inventário proposta por Rodrigues (2009) foi adaptada relativamente aos locais em estudo - as exsurgências do bordo do MCE. Esta é composta por um primeiro conjunto de tópicos com o objectivo de realizar o enquadramento da área em estudo (e.g., localização do geossítio, data de observação, mapa com localização). Num segundo conjunto englobou-se a descrição do geossítio (e.g., tipo de acessibilidade, estado de conservação, síntese descritiva). No último conjunto juntaram-se os dados relativos à importância do geossítio a nível de representatividade espacial (importância regional, nacional ou internacional), o tipo e grau de interesse/valor científico e/ou adicionais e as potencialidades e ameaças do geossítio

Figura 2 - Unidades morfológicas e principais acidentes tectónicos. PA-Plataforma de Aljubarrota; SC – Serra dos Candeeiros; DMend. – Depressão de Mendiga; PSA – Planalto de Sto. António; DMinde – Depressão de Minde; PF – Plataforma de Fátima; PSM – Plataforma de São Mamede; SA – Serra de Aire. FRM-PM-B – Falha de Rio Maior-Porto de Mós-Batalha; FM – Falha de Mendiga; CA – Costa de Alvados; CM – Costa de Minde; FRF – Falha do Reguengo do Fetal; BC – Bacia do Tejo. Figure 2 - Morphological units and major tectonic accidents. PA-Plataforma de Aljubarrota; SC – Serra dos Candeeiros; DMend. – Depressão de Mendiga; PSA – Planalto de Sto. António; DMinde – Depressão de Minde; PF – Plataforma de Fátima; PSM – Plataforma de São Mamede; SA – Serra de Aire. FRM-PM-B – Falha de Rio Maior-Porto de Mós-Batalha; FM – Falha de Mendiga; CA – Costa de Alvados; CM – Costa de Minde; FRF – Falha do Reguengo do Fetal; BC – Bacia do Tejo.

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(potencialidades de uso, ameaças actuais ou potenciais, necessidade de medidas de protecção). Terminada a fase de recolha, caracterização e avaliação dos dados relativos a cada exsurgência foram efectuadas algumas propostas de conservação, valorização e promoção sustentável das nascentes cársicas localizadas no bordo do Maciço Calcário Estremenho, na medida em que a área protegida não apresenta propostas de geoconservação. 4. Resultados e discussão Através do trabalho de campo efectuado e do preenchimento das fichas-inventário, foi possível verificar que as nascentes (ver Fig. 3) detêm um importante valor científico. Relativamente à nascente do rio Baça, temos ainda dúvidas quanto aos processos de evolução e à sua forma actual, sendo que a exsurgência passa despercebida, uma vez que se confunde com uma qualquer ribeira. O valor científico foi caracterizado por três parâmetros essenciais: a raridade, a representatividade e a integridade de cada geossítio. Contudo, é necessário saber qual o conjunto de referência adoptado para a avaliação destes parâmetros.

Isto é, o valor de um geossítio não será o mesmo se adoptarmos diferentes escalas de análise: o seu significado científico diminui à medida que alargamos a área de referência. Será maior se utilizarmos comparações a nível local ou regional, diminuirá se considerarmos todos os geossítios do mesmo tipo existentes a nível nacional e poderá ter um valor insignificante se comparado com geossítios existentes em toda a superfície terrestre. No limite, apenas o geossítio mais importante do planeta terá um valor científico máximo. No nosso caso utilizamos uma avaliação baseada nas nascentes cársicas existentes a nível nacional. Verificou-se que, de entre os parâmetros de avaliação do valor científico, a raridade é um parâmetro decisivo na diferenciação entre as nascentes cársicas, apesar de no MCE existir um elevado número de nascentes temporárias e mais algumas permanentes de reduzido caudal. A avaliação qualitativa apresentada na tabela 1 mostra que as nascentes cársicas apresentam uma raridade distribuída pelas quatro classes de valor consideradas: baixa (nascente do rio Baça); média (nascentes do rio Lena, do rio Maior, da ribeira de Alcobertas e do rio Lis); elevada (nascentes do rio Alcoa e do rio Almonda);

Figura 3 – Localização das nascentes cársicas. Figure 3 - Location of the karst springs.


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muito elevada (nascentes do rio Alviela). De facto, três nascentes apresentam particularidades específicas que as distinguem das outras: i) os “Olhos de Água do Alviela” (Fig. 4), que mostram bem a acção conjunta de processos flúvio-cársicos, sendo a nascente cársica mais importante do país, pelo caudal total emitido, pelas diferentes exsurgências que os constituem (dando origem ao rio Alviela), ou pela ocorrência de perdas e ressurgências; ii) o “Olho do Moinho da Fonte” (nascente do rio Almonda, representada na Fig. 5), através do qual é possível ter acesso à gruta localizada a montante da exsurgência com recurso ao espeleomergulho; iii) o “Olho da Mãe d’Água” (nascente do rio Alcoa, representada na Fig. 6), que possui uma temperatura mais elevada e maiores concentrações em sulfatos, cálcio e sódio. O parâmetro da representatividade, incluído também no valor científico, é particularmente importante pois estas nascentes cársicas têm a capacidade de transmitir a sua génese, forma e processos hidrológicos associados, adicionando ao valor científico características que permitem a sua utilização em actividades pedagógicas (Rodrigues, 2009). Como se pode ver na tabela 1, não é por acaso que três delas estão associadas a centros interpretativos, como são o Centro de Ciência Viva do Alviela, o Centro de Interpretação Subterrâneo da Gruta do Almonda ou o Eco Parque dos Monges, que, para além disso, permitem uma gestão mais eficaz das exsurgências e sua envolvência. Estes centros, com objectivos mais direccionados para a educação e sensibilização ambiental, desenvolvem diversas actividades lúdicas para os mais novos, bem como a criação de percursos pedestres que permitem a interpretação in situ dos geossítios. Com excepção das nascentes do rio Baça, todas apresentam uma representatividade elevada ou muito elevada. O parâmetro da integridade apresenta um valor sempre elevado ou muito elevado (excepto a nascente do rio Baça), mostrando a importância destas exsurgências no panorama do relevo cársico português, bem como a necessidade de promover um uso sustentado da sua envolvência através de programas de gestão e monitorização. Muitas das nascentes possuem, para além do valor científico, valores adicionais, como o histórico-cultural (pela sua associação a lendas, superstições ou festividades), ou o valor económico relacionado

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com a longa história de utilização da água pelas populações locais (para a agricultura, abastecimento de água doméstica e industrial), permitindo a instalação de indústrias com particular necessidade de água, como são o caso da tecelagem aliada à tinturaria dos tecidos, dos curtumes, da indústria panificadora ou da indústria transformadora de papel (Fig. 7), que persistem até à actualidade. Contudo, a maior parte destes usos mostra a vulnerabilidade dos aquíferos cársicos à contaminação e poluição da água (Pacheco et al., 2011), como se observa na figura 8. Outros valores adicionais como o estético e o ecológico devem ser igualmente tidos em conta pois algumas nascentes estão inseridas em paisagens com elevado valor paisagístico, proporcionando, igualmente, a presença de espécies vegetais particulares adaptadas aos ecossistemas, como é o caso das ripícolas. A fauna é também muito rica salientando-se, para além de espécies inseridas em ambientes húmidos e aquáticos, espécies cavernícolas raras ou únicas que devem ser protegidas (como os morcegos ou as gralhas de bico vermelho, os insectos, aracnídeos e outros animais cavernícolas endémicos, evidenciando, por vezes, manifestações de troglomorfismo). Na tabela 1 pode-se verificar que todas as nascentes cársicas consideradas no presente estudo possuem valores adicionais que se adicionam ao valor científico para conferir maior importância às exsurgências. Relativamente às potencialidades de uso (referidas por Pereira et al.(2007), todos os geossítios têm valor para a investigação científica, para além da maior parte ter interesse para o turismo de natureza (na sua vertente lúdica ou pedagógica), como é o caso do espeleomergulho, pedestrianismo, prática de BTT, passeios a cavalo ou de burro, bem como para a educação ambiental e acções de formação, o geoturismo (baseado na interpretação do geopatrimónio), o lazer (nomeadamente o balnear), o abastecimento de água às populações e, mesmo, a moagem de cereais (Fig. 9), entre outras (ver Tab. 1). Para definir medidas de gestão deste património hidrológico é necessário conhecer profundamente a vulnerabilidade dos geossítios (Rodrigues & Fonseca, 2010). Por isso, o parâmetro vulnerabilidade foi também avaliado (ver Tab. 1). Nas nascentes estudadas, a vulnerabilidade varia entre baixa e média, tendo em consideração apenas as exsurgências

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Figura 4 - Canhão Flúvio-Cársico da Ribeira dos Amiais. Figure 4 - Fluvial-Karst Canyon of the Ribeira dos Amiais.

Figura 5 – Olho do Moinho da Fonte. Figure 5 – Olho do Moinho da Fonte.

Figura 6 - Olho da Mãe d’Água. Figure 6 – Olho da Mãe d’Água.


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Tabela 1 – Síntese da avaliação qualitativa das nascentes cársicas estudadas no Maciço Calcário Estremenho. Classificação do valor: B - Baixo; M - Médio; E - Elevado; ME - Muito Elevado. Table 1 - Qualitative evaluation summary of karst springs studied in the Limestone Massif of Estremadura. Value rating: B - Low; M - Medium; E - High; ME - Very High.

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e sua envolvente próxima. Contudo, foi possível verificar no local que algumas nascentes mostram sinais evidentes de poluição das águas e/ou intervenções humanas desajustadas que modificaram parcialmente os geossítios. Nas nascentes do rio Alcoa e na nascente da ribeira de Alcobertas, a água encontra-se eutrofizada, com presença abundante de algas verdes (Fig. 10), denotando a olho nu o excesso de nutrientes fornecidos, sobretudo pelas actividades agropecuárias (com particular importância dos efluentes das suiniculturas), industriais

e deposição de substâncias químicas e de resíduos sólidos, como é o caso das placas de fibrocimento detectadas nas nascentes do rio Alcoa. Relativamente às restantes nascentes, apesar de não apresentarem evidências visuais de poluição, será necessário proceder a análises regulares da qualidade da água para decidir dos seus usos potenciais. Assim, para traçar uma estratégia de gestão das nascentes cársicas, que permita simultaneamente a sua protecção e promoção, captando novos visitantes, é necessário realizar estudos sistemáticos que consubs-

Figura 7 - Fábrica da Renova associada à nascente do rio Almonda. Figure 7 - Renova factory associated to the Almonda river Spring.

Figura 8 – Abastecimento de água através da nascente da Ribeira de Alcobertas. Figure 8 - Water supply through the Ribeira de Alcobertas spring.


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tanciem o ordenamento e valorização dos recursos hidrológicos do Maciço Calcário Estremenho. A tabela 2 foi elaborada para sintetizar a informação fornecida na tabela 1 e permitir uma comparação mais fácil entre as diferentes nascentes cársicas. Para isso transformou-se a classificação qualitativa das 4 classes de valor utilizadas na tabela 1 (baixo, médio, elevado e muito elevado) em pontuações quantitativas, tal como já foi utilizado por outros autores, nomeadamente Grandgirard (1999), Pralong (2005), Reynard (2005), Reynard et al. (2007), Pereira (2006), Rodrigues & Fonseca (2010). A maioria considera que cada parâmetro de avaliação deve variar entre 0 e 1. Assim, aos valores considerados baixos na tabela 1 foi atribuída uma pontuação de 0,25, aos valores identificados como médios corresponde uma pontuação de 0,50, aos valores elevados corresponde uma pontuação de 0,75 e, finalmente, aos valores apontados como muito elevados foi atribuída uma pontuação de 1,00 (ver Tab. 2). Para além das duas primeiras colunas (com valor científico e valores adicionais) incluiu-se uma terceira sobre os valores de uso e gestão. Nesta última indica-se o número de valências existentes em termos de uso e gestão dos geossítios (ver descriminação na tabela 1), bem como a avaliação da vulnerabilidade que é fundamental para gizar medidas de geoconservação e de promoção. A análise da tabela 2 permite-nos estabelecer um

Figura 9 - Azenha em funcionamento para moagem de cereais. Figure 9 - Watermill in operation for grinding cereals.

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ranking das nascentes cársicas estudadas, destacando-se as Nascentes do Rio Alviela, que possuem 2 pontos em termos de valor científico (num máximo de 3 pontos) adicionados por 3,50 pontos obtidos nos valores adicionais (num máximo de 4 pontos), o que representa um valor total de 5,50 pontos. Além disso, é necessário considerar que não apresenta áreas de vulnerabilidade visíveis (vulnerabilidade de 1) e que possui 9 valências relacionadas com o uso e a gestão do geossítio. Um segundo conjunto é formado pelas Nascentes do Rio Maior, pelas Nascentes do Rio Almonda e pelas Nascentes do Rio Lis, sendo que as primeiras obtêm uma pontuação total de 5,0 enquanto as duas últimas somam 4,75 (embora com uma estrutura distinta entre valor científico e valores adicionais). A este valor total acrescentam-se as valências das três nascentes, verificando-se que as do rio Maior apenas contabilizam 3 valências, enquanto as do rio Almonda e do rio Lis apresentam valências idênticas (5). Quanto à vulnerabilidade, as nascentes do rio Maior e do rio Almonda apresentam um valor superior (1,00) à das nascentes do rio Lis que apenas possuem um pouco menos de vulnerabilidade (0,75). Um terceiro conjunto é composto pelas Nascentes do Rio Alcoa, pelas Nascentes do Rio Lena e pelas Nascentes da Ribeira de Alcobertas, sendo que as duas primeiras apresentam valores totais de 4,00, enquanto as segundas contabilizam valores

Figura 10 – Presença de algas verdes na nascente da Ribeira de Alcobertas. Figure 10 - Presence of green algae in the Ribeira de Alcobertas spring.

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Tabela 2 - Síntese da avaliação semi-quantitativa das nascentes cársicas estudadas no Maciço Calcário Estremenho. Classificação do valor: Baixo-0,25; Médio-0,50; Elevado-0,75; Muito Elevado-1,00. Table 2 - Semi-quantitative evaluation summary of karst springs studied in the Limestone Massif of Estremadura. Value rating: Low-0.25; Medium-0.50; High-0.75; Very High-1.00.


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totais de 3,75. Em termos de valências de uso e gestão, as nascentes do rio Lena apresentam 4 enquanto as outras duas exsurgências apresentam 6 cada. Um último conjunto conta apenas com as Nascentes do Rio Baça com um valor total de 1,75 e apenas uma valência.Por último resta referir que, mesmo na actual situação das nascentes cársicas, existe a necessidade de recuperar algumas a curto prazo, de colocar painéis interpretativos junto das exsurgências e ao longo dos percursos pedestres, de proceder à sensibilização ambiental dos visitantes (qualquer que seja a sua idade ou formação prévia), colocando avisos relativos às boas práticas (e.g., não poluir a água e área envolvente), de melhorar os acessos às nascentes evitando simultaneamente a criação de trilhos “selvagens”, de realizar uma maior fiscalização das exsurgências e áreas envolventes, de sensibilizar a população (local e visitante) quanto à importância da qualidade da água, entre outras medidas prementes.

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5. Conclusões e trabalhos futuros O estudo das principais nascentes cársicas do MCE permitiu realizar avanços no conhecimento deste património hidrológico. Contudo, temos consciência que constitui apenas um ponto de partida para o necessário conhecimento aprofundado dos recursos hídricos de valor inestimável existentes no MCE e, em particular, para a caracterização, conservação, valorização e promoção das nascentes cársicas enquanto geossítios de valor nacional. Não existindo qualquer informação sobre projectos vigentes ou futuros de geoconservação e valorização do património hidrológico existente no MCE, sugerimos que se desenvolvam, desde já, algumas iniciativas com vista à valorização das nascentes cársicas, nomeadamente: . Acções de formação e esclarecimento em centros culturais e/ou recreativos nas diversas localidades no sentido de sensibilizar as populações e organizar grupos de voluntários para acções de limpeza e fiscalização das nascentes, rios e respectivas margens; . Acções que permitam o armazenamento e tratamento de efluentes da agropecuária, nomeadamente através de ETAR’s e medidas que

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aumentem a eficiência das ETAR’s existentes; Intervenções estruturais nas explorações agropecuárias; Planos que permitam uma adequada gestão de fertilizantes agrícolas; Restrições e fiscalização, por parte das autoridades competentes, das actividades desenvolvidas pelas indústrias de curtumes, agropecuárias, matadouros e indústrias de transformação da pedra e do papel; Estruturas de saneamento básico nas localidades onde ainda se utilizam as fossas sépticas (frequentemente ligadas a algares que transportam os efluentes domésticos directamente para a circulação subterrânea);Acções de incentivo à manutenção e recuperação de usos tradicionais ligados às exsurgências e cursos de água delas resultantes (e.g. azenhas, moagens de cereais, canais de rega, aquedutos);Projectos de criação de roteiros geoturísticos que permitam aos visitantes realizar o percurso das nascentes cársicas do bordo do MCE, incluindo a informação necessária para a sua compreensão, uma vez que não se protege o que não se conhece. Dado que neste trabalho se apresentam os primeiros resultados com vista à elaboração de uma Dissertação de Mestrado em Geografia Física e Ordenamento do Território, intitulada “Potencial geopatrimonial e geoturístico de nascentes cársicas do Maciço Calcário Estremenho”, serão ainda efectuados outros estudos relacionados, nomeadamente, com a avaliação quantitativa dos geossítios e a elaboração de roteiros geoturísticos.

Agradecimentos Agradecemos ao revisor anónimo os comentários efectuados na primeira versão do artigo que nos permitiram enriquecer esta versão final.

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Nascentes cársicas do Maciço Calcário Estremenho: inventariação, classificação e avaliação

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GEONOVAS INSTRUÇÕES AOS AUTORES A – Estatuto editorial da GEONOVAS GEONOVAS é a revista anual publicada pela APG – Associação Portuguesa de Geólogos, publicada desde 1981, é o principal agente de comunicação com os sócios e edita artigos originais de investigação científica e de divulgação no âmbito da geologia. A revista poderá publicar artigos científicos originais, artigos de divulgação, artigos de autores especialmente convidados que desenvolvam temas no âmbito acima referido ou, ainda, notícias de carácter informativo com interesse para a Comunidade Geocientífica. B – Informação geral Os autores devem seguir as normas aqui estabelecidas e publicadas no final da revista. A submissão de artigos à GEONOVAS implica a aceitação destas normas. Cada artigo será avaliado por um dos membros da Comissão Editorial e por dois revisores anónimos, podendo ser recusada a sua publicação. Os nomes dos revisores não anónimos e respectiva instituição poderão ser incluídos nos agradecimentos dos respectivos artigos, caso autores e revisores estejam de acordo. O cojunto dos revisores de cada número da revista constituem a respectiva Comissão Científica. Os artigos submetidos a publicação não podem ser enviados a outras revistas. C – Preparação do artigo O último número da revista GEONOVAS deve ser consultado para mais fácil preparação do artigo. Os manuscritos que não sigam as instruções que se seguem poderão ser reenviados aos autores para procederem às alterações necessárias. 1. Submissão Todos os artigos deverão ser submetidos pelo e-mail da APG ( info@apgeologos.pt). Todos os artigos submetidos deverão conter os seguintes ficheiros: a) Manuscrito (Documento Word) que deverá incluir as seguintes partes: i) páginas iniciais com Título(s), Autor(es), Afiliação e Con-

tactos, Título(s) curto(s), Resumo(s) e Palavras-Chave; ii) Texto principal; iii) Agradecimentos; iv) Bibliografia; b) Legendas das Figuras e Tabelas (Documento Word); c) Figuras enviadas em ficheiros JPEG ou TIFF à parte com resolução de pelo menos 300 dpi (não inseridas no manuscrito); d) Tabelas enviadas à parte num Documento Word; e) Lista com três possíveis revisores para o artigo (Documento Word) com nomes, afiliações e contactos de e-mail. A comissão executiva não garante que qualquer dos nomes propostos seja escolhido para rever o artigo. Todos os ficheiros deverão ser submetidos com um nome razoável que indique claramente o que esse ficheiro contém e numa ordem sequencial lógica, como por exemplo: - título do trabalho.doc - Legendas.doc - Figura1.jpg - Figura2.jpg - Figura3.jpg - Tabelas.doc - Anexo1.tiff - Revisores.doc (Este exemplo é meramente ilustrativo). 2. Informação adicional a) Os manuscritos deverão incluir numeração de páginas e linhas. b) Os manuscritos deverão ser preparados usando um tipo de letra comum e tamanho adequado (exemplo Times 12 ou Arial 12) e dactilografados a dois espaços, coluna única, formato de papel A4. c) Os artigos devem ser originais e compreender dados, interpretações ou sínteses não publicados previamente. d) Os artigos e os resumos devem ser escritos em português, devendo ser sempre apresentado um resumo em inglês e em português. Os resumos na língua original do artigo não podem conter mais de 150 palavras. e) Todos os manuscritos deverão conter palavras-chave a seguir aos resumos. Tanto para o resumo em inglês como na língua original


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do manuscrito não poderão ter mais de 5 palavras-chave. f) Os artigos recebidos pela Comissão Editorial serão revistos pelo editor e por dois ou mais revisores científicos. h) Para artigos em co-autoria, o manuscrito deverá mencionar o autor correspondente. Se a mesma não for providenciada, o autor que submeteu o artigo será considerado o autor correspondente. A submissão de artigos em co-autoria implica que o autor correspondente tem o acordo dos restantes autores para submeter e publicar o artigo. 3. Preparação do Manuscrito a) A primeira página do manuscrito deverá conter o título do artigo em tamanho 16, o(s) nome(s) do(s) autor(es) em tamanho 12, a afiliação do(s) autor(es) com endereços institucionais, os telefones (ou faxes) e e-mails em tamanho 9, bem como a indicação a que autor deverá ser enviada a correspondência. b) A segunda página deverá conter o(s) resumo(s) em português e em inglês seguido(s) de até cinco palavras-chave, em tamanho 10. Cada resumo deverá ser inteligível sem referência ao artigo e deverá ser uma compilação objectiva das informações e interpretações originais do artigo, e não apenas uma referência aos assuntos abordados. c) O texto principal, em tamanho 12, deverá seguir-se e poderá ser dividido em secções. d) Os agradecimentos deverão seguir o texto principal e deverão ser reunidos numa secção denominada por Agradecimentos. e) Todas as referências citadas no texto deverão ser organizadas por ordem alfabética no fim do texto (a seguir aos agradecimentos) e deverão estar numa secção denominada Bibliografia. No texto, as referências deverão ser citadas pelo(s) nome(s) do(s) autor(es), e pela data da edição (entre parêntesis) como os exemplos seguintes: Dias & Cabral (1989) Cabral (1995) (Cunha, 1987, 1992, 1996) (Raposo, 1987, 1995a, 1995b; Cunha et al., 2008). As referências a livros devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação, o título da obra em itálico, entidade editora,

local de publicação e paginação. As referências a artigos devem mencionar o(s) nome(s) do(s) autor(es), seguido da data de publicação (entre parêntesis), o título do artigo, o título do periódico em itálico, o volume, o número ou fascículo e a paginação. Os autores deverão consultar o último número das GEONOVAS para correcta listagem das referências. Exemplos:

Cunha, P. P., 1987. Evolução tectono-sedimentar terciária da região de Sarzedas (Portugal). Comun. Serv. Geol. Portugal, Lisboa, 73(1/2): 67-84. Cunha, P. P., Martins, A. A., Huot, S., Murray, A. & Raposo, L., 2008. Dating the Tejo river lower terraces in the Ródão area (Portugal) to assess the role of tectonics and uplift. Geomorphology, 102: 43– 54. Reis, R. Pena dos & Cunha, P. P., 1989. Comparación de los rellenos terciarios en dos regiones del borde occidental del Macizo Hespérico (Portugal Central). Paleogeografía de la Meseta norte durante el Terciario. (C.J. Dabrio, Editor), Stv. Geol. Salman., Ediciones Univ. Salamanca, vol. esp. 5: 253272. Ribeiro, O., Teixeira, C. & Ferreira, C. R., 1967. Carta Geológica de Portugal na escala1/50.000 (folha 24D – Castelo Branco) e respectiva notícia explicativa. Serv. Geol. de Portugal, Lisboa, 24. Romão, J., 2000. Estudo tectono-estratigráfico de um segmento do bordo SW da Zona Centro-Ibérica (ZCI) e suas relações com a Zona Ossa-Morena (ZOM). Diss. Doutoramento, Univ. Lisboa, 322.

f) Todas as ilustrações deverão ser designadas figuras. No início da frase devem ser referidas escritas por extenso (ex: Figura 1). Dentro da frase devem ser escritas de forma abreviada (ex: Fig. 1). Os anexos deverão ser mencionados no texto, referindo-se a estes como Anexo 1, etc. g) Cabeçalhos ou rodapés não poderão ser usados em qualquer circunstância. h) Fórmulas matemáticas. As equações são geralmente introduzidas como parte de frases, requerendo pontuação. Os autores deverão providenciar todos os símbolos a constar na publicação. 4. Ilustrações Todas as ilustrações (figuras, gráficos, mapas, fotos, etc…) são figuras e devem ser referidas como tal. As figuras deverão estar numeradas sequencialmente com numerais arábicos e devem ser providenciadas em ficheiros separados com resolução adequada para publicação (no mínimo 300 dpi)


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(submissão electrónica apenas) que não poderá exceder os 4Mb cada. As figuras deverão ser enviadas com os tipos de letra a usar (Times, Arial, Helvetica, Symbol ou Courier). As partes de uma figura devem estar indicadas como (a), (b), (c), etc., e devem ser referidas como tal nas legendas (ex: Fig. 5 – (a)), mas como a, b, c, etc. no texto (ex. Fig. 5d). 5. Tabelas As tabelas devem ser enviadas num documento Word em separado. As unidades deverão ser referidas uma vez nas colunas ou na legenda e não ao longo da tabela.

6. Legendas As legendas das figuras e tabelas devem ser apresentadas com espaçamento duplo e devem ser enviadas num documento Word em separado. As legendas devem ser providenciadas na língua original do artigo e em inglês, descrevendo brevemente o conteúdo das figuras e/ou tabelas. 7. Separatas Serão fornecidas aos autores ficheiros pdf dos trabalhos publicados.


Associação Portuguesa de Geólogos

A Associação Portuguesa de Geólogos foi fundada em 1976. É uma associação sócio-profissional, sem fins lucrativos, que congrega profissionais da Geologia que se dedicam a domínios diversificados no âmbito das Ciências da Terra. É membro fundador da Federação Europeia de Geólogos. É também membro da Federação Portuguesa das Associações e Sociedades Ciêntíficas (FEPASC). Os objectivos da Associação Portuguesa de Geólogos são os seguintes: - Representar a profissão de Geólogo junto dos poderes públicos e privados; - Promover a elevação, independência e prestígio da profissão; - Defender os interesses dos Geólogos e da Geologia; - Promover o desenvolvimento científico e técnico dos seus associados; - Cooperar na preparação de leis e regulamentos relativos ao título e ao exercício da profissão; - Aprovar um código português de deontologia profissional (Código Deontológico); - Intervir no planeamento do ensino da Geologia. Quer receber informações sobre as atividades desenvolvidas pela APG? Envie-nos o seu endereço eletrónico para info@apgeologos.pt solicitando a inclusão na nossa lista de divulgação. Consulte como se inscrever como sócio em www.apgeologos.pt

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Comissão Diretiva António Gomes Coelho José Mário C. Branco José Romão Carlos Almeida Margarida Silva Mónica Sousa Vítor Correia

Execução gráfica Cor Comum, Lda

Comissão Editorial João Pais (FCT/UNL) José Romão (LNEG) Rúben Dias (LNEG) Zélia Pereira (LNEG)

Tiragem 250 exemplares

Capa Andreia Figueiredo

Depósito Legal 183140/02 ISSN 0870-7375

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