Apresentação
No contexto sociopolítico e cultural de uma sociedade globalizada, o discurso liberal possui defesas inauditas e, no seu mais “sublime” espectro, é defendido como a “maravilha do mercado”. Pode-se destacar como fonte desse discurso o princípio da redução máxima da função dos aparelhos ideológicos do estado. Dito isso, podemos destacar que, historicamente, as ideias liberais surgiram em contraposição às doutrinas mercantilistas, admitindo a limitação das regulamentações internas, eram ainda favoráveis a uma política governamental ativa, destinada a aumentar a participação nacional no âmbito dos mercados internacionais. A partir da concepção iluminista, as ciências, as artes e toda manifestação da dimensão cultural e do conhecimento são imbuídas da racionalidade pragmática e da lógica produtiva do capitalismo. Transformam-se em instrumento de apropriação material e espiritual nas mãos da classe economicamente dirigente, que as utiliza como meio de extorsão e produção de mais-valia, a fim de produzir um saber coerente com as exigências da ordem econômica e política. As instituições civis e políticas nas quais se expressam o pensar e o fazer da classe hegemônica – mormente as de caráter cultural, como a Educação, por exemplo – reproduzem um fenômeno inerente à força do capital. A divisão do trabalho na sociedade capitalista produz um resultado perverso, pois a separação da atividade intelectual – manual em práticas (des)conexas efetiva uma produção científica e cultural que se desenvolve em frações aparte do setor produtivo; no âmbito da superestrutura permite uma contínua (re)construção do conhecimento fragmentado e dos valores do mundo burguês, dificultando a mobilização da sociedade e a valorização de outros conhecimentos e saberes expressos no cotidiano da vida. Daí se explica a premissa da teoria materialista que vê os homens como produtos da circunstância: homens modificados são produtos de circunstâncias díspares e de educação alienada; pois a concepção racionalista da teoria liberal não considera as circunstâncias sociais que
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são regidas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado. O desenvolvimento das forças produtivas gera, por meio de um crescente movimento de reivindicações populares, uma ascendente negação da ordem burguesa nas esferas culturais e sociais, a exemplo, as políticas educacionais. Na medida em que essas reivindicações se ampliam, agudizam-se os conflitos de classe, os quais obrigam a ordem da classe hegemônica a permanentes reformulações de seu status-quo. Esse processo traduz uma situação de crise que, no decorrer do tempo, revela que o espaço entre um reordenamento e outro é cada vez mais curto, tornando, consequentemente, a crise, permanente na sociedade do capital. Nessa conjuntura de crise, a sociedade civil e política detem uma relativa autonomia, uma vez que cada uma delas se caracteriza por uma materialidade própria regida pelos instrumentos ideológicos do Estado e por organismo correspondente que se manifesta na disposição da vida social, articulando e reproduzindo as relações de poder (ditadura e/ou hegemonia). Como se pode notar, a sociedade civil é constitutiva de uma estrutura hegemônica, essencial à sua ação transformadora, e a busca do consenso é condição sine qua non da dominação do Estado por uma única facção, pois não basta que uma classe seja dirigente na sociedade, é preciso que seja também dominante no poder. A sociedade civil, tornando-se uma esfera específica do Estado, funciona como mediação necessária entre a base econômica e o Estado, em sentido restrito. Portanto, a ela denominamos a função de propulsora de alternativas que direcionem ao processo de conscientização, organização e transformação da ordem capitalista. A supremacia como síntese unificadora de hegemonia e de dominação não traduz a fundação e muito menos a homogeneidade delas. Sucede que, na correlação de forças entre as classes, um projeto político-cultural torna-se predominante. Entretanto, as funções consensuais ou coercitivas, existentes em um Estado capitalista em que uma ou outra esfera prevaleça, dependem da autonomia relativa da sociedade política e civil pertencentes a uma ou outra dessas esferas, surgidas mediante maior ou menor grau de desenvolvimento político. A independência cada vez maior entre essas esferas cria o espaço democrático ou autoritário, surgindo, portanto, a possibilidade do confronto ideológico e cultural no interior dos conglomerados privados de hegemonia como estratégia fundamental das classes dominadas para a criação e fundação de uma nova ordem social.
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A dinâmica desse processo, ao modificar as atribuições atemporais do conhecimento para responder à provação imediata do capital hegemônico, provoca uma teatralização do ethos intelectual nas instituições educacionais públicas, desconhecendo que a Educação está engendrada em movimentos sociais e no seio da sociedade civil por meio da cultura popular, constituindo uma força hegemônica de transformação do ser, que ascende do senso comum à consciência filosófica. Contudo, unilateralmente apenas é possível, nesse ínterim, configurar o pseudointelectual em uma dinâmica sectária do dominus meus, a saber, do conhecimento regido pelo capital; na sociedade moderna, a relação capital x trabalho tem olhos de rei para tais judiciosos intelectuais. Trata-se, na verdade, de um processo econômico que (des)configura diretamente os Estados-Nação, que ainda, minimamente garantiam os direitos e promoviam “bem estar” de acordo com as urgências político-sociais da sociedade civil. Entretanto, nessa era da “irracionalidade” e de inversão de valores que estamos vivenciando, mesmo esse ínfimo e ambíguo leigo-conceito de público, o qual matematiza o já irrisório contrato capital x trabalho mediado pelo Estado, tende a desaparecer com a mundialização do capital que acarreta, com avassaladora consequência, a sedimentação do “caos” educacional-pedagógico, e este, inavertidamente, (re)produz a globalização da pobreza política e econômica. Com a globalização e a desterritorização, o capital irascivamente (re)amolda seu vigor e republica posições antes intocadas, imprimindo, assim, letras cifradas de uma suposta “nova-moeda”, a qual, ecumenicamente, gera espoliação e subtrai os controles nacionais, tornando-os “virtuais” a um modelo em que o Estado transporta-se de provedor à gestor. Embora a maioria da população, inclusive a brasileira, não tenha acesso aos vindouros benefícios ecumenicamente rotulados de públicos, o Estado teima em apresentar propostas com teorias suscetíveis à regra do mercado, as quais reduzem a participação da sociedade civil aos benefícios conquistados pela parceria EstadoEmpresa-Capital-Educação-Sociedade. O Estado-Nação, leia-se Brasil, é orquestrado de modo a acentuar a dependência econômica e a (des) nacionalização das mais diversas riquezas, desde as ligadas ao subsolo até as instituições estatais. O final apocalíptico, que hora já se mostra, do Estado-Nação assenta-se, sobretudo, na transferência de patrimônio nacional ao capital internacional, tornando a população brasileira cada vez mais expropriada do modo de produção, empobrecida e incapaz de reagir ao imperialismo expresso na globalização. Diante desse quadro de políticas mercadológicas, em que o liberalismo reina sob a ótica da desigualdade e exclusão social, educacional e cultural, compreender a relação educação e sociedade a
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partir da perspectiva teórica e prática dos movimentos sociais se faz mister, pois implica olhar o mundo pelo prisma da classe dominada, dos que lutam e vivem do trabalho, alusão ao pensamento marxista, que, ao criticar os idealistas, indica que sua concepção ascende da terra ao céu e não o contrário. Nesse sentido, é preciso sair do mundo das ideias platônicas e caminhar nas trilhas das “condições reais de existências” dos sujeitos que constroem um quefazer e acreditam na possibilidade da transformação social. Contudo, intelectuais da ordem consideram ser essa realidade uma utopia ultrapassada em seu tempo, e apregoam o fim da história e das classes sociais. Mas, tais proposições, hoje, tornam-se realidade na prática educativa dos movimentos sociais, demonstrando a fragilidade do discurso neoliberal a partir dos índices de violência, corrupção, desempregos e baixas condições de vida da população latino-americana e, em especial, da brasileira. Nesse sentido, as teorias e práticas sociais da pós-modernidade, que negam a organização coletiva da sociedade civil como propulsora de mudanças estruturais da sociedade, devem ser revistas, pois novos valores sociais e culturais de luta e organização civil se constroem, não mais nos porões da ditadura, mas na busca do conhecimento e valorização das culturas, na luta por uma educação contextualizada e problematizadora, que responda aos interesses populares. Esse novo panorama social tem como articulador as camadas mais baixas da sociedade, que, em um processo de articulação e movimentos, organizam-se e promovem um pensar diferenciado a partir dos princípios da educação popular, de modo que a presente coletânea é a prova disso: sim, assim desejam os intelectuais orgânicos, pois esta obra trata de teorias e práticas educativas e sociais desenvolvidas no âmbito da sociedade civil, em que se articulam diferentes saberes e poderes, constituindo novas hegemonias a partir da crítica da sociedade do capital. Seguindo o corpus da discussão, temos o texto de Roberto Leher, intitulado Movimentos sociais, hegemonias e emancipações, que discute a trajetória recente da educação popular na universidade e nos movimentos sociais. O texto propõe que, ao longo dos anos 90, o establishment acadêmico, incluindo agências de fomento e fundações internacionais, empreendeu uma política sistemática de marginalização da temática que, assim, conheceu um aparente ostracismo. Para o autor, entretanto, as contradições ensejadas pelas políticas de “ajuste estrutural” neoliberal provocaram relativo ascenso das lutas dos profissionais de educação das escolas públicas, assim como recolocaram na agenda dos movimentos sociais a necessidade de repensar as suas estratégias. É nesse contexto que, para Leher, é possível verificar uma extraordinária retomada da educação
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popular e, em particular, da educação popular dirigida para a formação política. Examinando a experiência latino-americana, em especial a luta dos povos originários (zapatistas, Conaie – Equador e Coccaleros – Bolívia) e movimentos camponeses (MST – Brasil), é possível postular, segundo o autor, que o movimento de renovação da educação popular está, indissoluvelmente, relacionado com a necessidade de uma nova episteme que supere as perspectivas eurocêntricas. O artigo incorpora esses desafios para discutir a educação popular no escopo de um amplo processo de luta por uma hegemonia dos subalternos, o que exigirá a retomada do diálogo com o pensamento educacional socialista, a exemplo das obras de Marti, Pistrak, Gramsci, Mariátegui, Gandhi, Paulo Freire. Recusando o “otimismo pedagógico”, o artigo defende que a educação popular está no âmago da estratégia da luta pelo socialismo, como acentuou Gramsci a propósito da cultura e da formação política, por isso, a sua força ou fraqueza tem uma relação direta com a correlação de forças e com o estado da auto-organização das forças populares. Na sequência, brindando-nos com sua autoridade e competência sobre essa temática, temos a discussão elaborada por Maria da Gloria Gohn: Movimentos sociais, políticas publicas e educação. O trabalho apresenta novos modelos de associativismo civil protagonizado por movimentos sociais, ONGs, redes de cooperativas solidárias, entidades e organizações do Terceiro Setor da atualidade no meio urbano no Brasil. Esse associativismo ocorre em espaços da própria sociedade civil ou em esferas públicas – via conselhos, fóruns, plenárias, tais como as atividades do orçamento participativo ou dos conselhos gestores de áreas sociais e conselhos de direitos. Segundo a autora, o texto faz um mapeamento das principais formas de movimentos sociais, no Brasil, atualmente, e destaca as que ocorrem no campo da educação – formal e não formal. Para ela, os dados indicam que o “novo”, no cenário social, não é fruto apenas do desdobramento de formas participativas que estão sendo geradas há mais de duas décadas no país; o novo resulta, também, de inovações introduzidas recentemente na sociedade civil face à nova conjuntura sociopolítica e cultural do mundo globalizado, e de alterações na própria conjuntura política brasileira. Para Gohn, há um novo ativismo que atua em redes, voltado para a execução de ações coletivas propositivas, geradoras de trabalho e renda, que convive ao lado de movimentos demandatários por direitos sociais e políticas de inclusão social; assim como há formas institucionalizadas que articulam a democracia representativa com a democracia direta, criando a democracia deliberativa e formas de controle social sobre as políticas públicas. Todas essas frentes atuam sobre denominadores comuns: a cidade deteriorada, exclusão social, desemprego, busca de alternativas para sobrevivência. Nesse
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cenário, segundo Gohn, as formas associativas destacam-se como lócus de produção de saberes e aprendizagens, apontando caminhos para a construção de formas democráticas e cidadãs de vida social coletiva. Lindomar Wessler Boneti escreveu sobre Educação e movimentos sociais hoje. Ela analisa os processos educativos dos movimentos sociais, quer seja aquele que se constitui elemento detonador de um movimento, ou o seu próprio resultado, entendendo como processo educativo os saberes agregados, formais ou informais, utilizados no movimento ou resultado dele. Considera-se que os movimentos sociais sempre se constituíram de expressão de problemáticas e/ou desejos coletivos, mas torna-se importante ressaltar que, dependendo do momento histórico, eles se expressam de forma diferente, porém, mesmo assim, o processo educativo se faz sempre presente. Para o autor, os movimentos sociais, nos dias de hoje, por exemplo, sobretudo os de caráter transnacionais, tendem a se constituir como um vetor concorrencial frente a uma lógica global capitaneada pelo projeto do capitalismo mundial, de homogeneização de saberes, meio de vida, cultura e ideologia. Nesse contexto, Boneti afirma que os movimentos sociais utilizam, produzem e socializam saberes novos de convívio na coletividade, de produção da vida alternativa em comunidade, da busca de realização de desejos e projetos individuais etc. Dando continuidade a discussão elaborada por Lindomar, temos o capítulo da professora Samira Kauchakje, que discute movimentos sociais e a constituição de sujeitos. Para a autora, movimento social é um fenômeno de diversas facetas, que acompanha a história das diferentes sociedades. Portanto, é mais apropriado tratá-los relacionando-os ao cenário social do qual emergem: revolta de escravos, seitas sociais e levantes camponeses da Antiguidade e da Idade Média; motins rurais do século XVIII; movimentos milenares do século XIX; movimentos socialista e trabalhista pós-revolução Industrial; movimentos de bairro ou populares urbanos, bem como, novos movimentos sociais, já na segunda metade do século XX; e movimentos rurais brasileiros das últimas décadas e anteriores. Kauchakje afirma que, por estarem presentes, de diversas formas, no decorrer da história de diferentes sociedades, os movimentos sociais não são fenômenos extravagantes ou excepcionais, mas sim, centrais, estão no cerne da vida social. Como objeto de análise, esse fenômeno está inserido num campo teórico que o descola, ao menos parcialmente, da realidade diversificada e, dessa forma, é possível ultrapassar as singularidades e particularidades de cada movimento social e abranger, num mesmo conceito, fenômenos empíricos variados. O debate teórico sobre movimentos sociais teve grande incidência nos anos 70 e 80, tratando especialmente dos movimentos de trabalhadores e populares urbanos, decrescendo a partir da década de 1990, quando a temática mais comum abordava os denominados novos
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movimentos sociais, entre eles os de gênero e ambientalista. O que demonstra que a produção de conhecimento acompanhava a maior visibilidade de diferentes tipos de movimentos sociais e suas reivindicações. Mas a ocorrência de movimentos sociais e os estudos sobre eles são tanto anterior a esses períodos como também atuais, pois representam o conflito ou a contradição entre setores da população pela conquista e/ou administração de recursos e bens econômicos e culturais e, também, para promover mudanças nas relações políticas instituídas de uma sociedade (ou com menor frequência, para mantê-la), podendo adquirir um caráter de luta de classes. Ao longo da história, o sentido das modificações introduzidas por eles é, sobretudo, o de luta pela participação e contra modos de opressão, exploração e domínio. Por isso, os movimentos sociais se constituem como um dos principais protagonistas das conquistas, garantias e ampliação dos direitos. A importância deles e das pesquisas sobre eles reside, especialmente, em dois pontos: a. Eles podem ser considerados matriz de outras formas de participação sociopolítica cuja perspectiva é o controle e a direção da vida social, como ação histórica; b. Eles têm um caráter pedagógico inserido no processo de aprendizado da participação cidadã, mas, sobretudo, na constituição de sujeitos criativos que participam da construção da realidade social. Alder Julio Ferreira Calado, na sequência, com propriedade, discute movimentos sociais por uma sociabilidade alternativa: enfrentamentos e apostas. Para o autor, ainda que não os únicos, os movimentos sociais populares seguem constituindo os principais protagonistas de mudanças sociais dignas desse nome. Dando sequência a uma incursão avaliativo-prospectiva dos movimentos sociais mais empenhados na busca de uma sociabilidade alternativa, o autor pretende, desta feita, focalizar, dentro do amplo e complexo leque de movimentos sociais em atuação no Brasil, as práticas político-educativas mais afinadas com esse propósito. Trata-se, segundo ele, por um lado, de buscar identificar os enfrentamentos teórico-práticos que se estimam mais desafiadores à efetivação de mudanças sociais caracterizadas por relações sociais alternativas ao modelo imperante, e, por outro – mas de forma interativa –, de enu nciar e ju stificar algumas apostas teórico-metodológicas como possíveis vias de um enfretamento exitoso dos desafios apontados. Em Educação popular enquanto uma pedagogia, movimentos sociais populares lócus educativo, o professor João Francisco de Souza afirma que educação popular e movimentos sociais populares são expressões
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polissêmicas e, por isso, neste capítulo, ele pretende torná-las, respectivamente, uma pedagogia e um lócus educativo. Portanto, diante de suas heterogeneidades, o autor estabelece um posicionamento a partir de mais de quarenta anos de atuação e pesquisas nesse campo na Universidade. Souza fará um recorte que permita tratá-los de forma que, ao mesmo tempo, responda teoricamente aos desafios epistemológicos e pedagógicos. Para o autor, a educação popular é uma pedagogia que entende a educação como atividades culturais para o desenvolvimento da cultura, contribuindo para a superação das negatividades de todas e quaisquer culturas e para a afirmação e o impulso de suas positividades. A pedagogia é por ele compreendida como resultado de uma reflexão diagnóstica, judicativa, teleológica e rigorosa sobre os problemas socioeducacionais de uma determinada sociedade na perspectiva dos interesses de grupos culturais contendores ou em diálogo. Trata-se, portanto, de uma teoria da Educação, de uma proposta pedagógica, de uma condução da pesquisa e de uma compreensão da práxis pedagógica. Para Souza, os movimentos sociais, especialmente os populares, são entendidos como forças sociais e correntes de opiniões e proposições sobre/para o conjunto social que, atuando nos mais diferentes âmbitos das problemáticas humanas, geram processos de transformação social e garantem sua autonomia em relação ao Estado e aos partidos, pela orientação social de sua ação que incide sobre as mentalidades e as práticas cotidianas. Esse tipo de ação não tem como característica a mobilização permanente. Pode ocorrer de maneira relativamente pontual, mas com certa duração para gerar posicionamentos sociais sobre a incidência de sua prática. O autor discute no texto elementos que possam garantir a fundamentação de atividades culturais (educação) como uma nova prática e uma nova teoria da Educação não escolar e escolar, assim como das ações dos movimentos sociais e políticos, como também criadoras de uma nova cultura para nos tornarmos cada vez mais competentes na prática da recognição e reinvenção, portanto, dos processos de (re)socialização da existência humana. Esses processos, segundo o autor, ocorrem tanto na educação escolar como na não escolar. Dando continuidade a essa temática, Edineide Jezine analisa os processos de participação na relação universidade e movimentos sociais, mediados pela educação popular e troca de saberes. Para a autora, a universidade, historicamente, constitui-se como uma instituição social voltada para a formação de quadros dirigentes e profissionais da sociedade, gerando anseios e perspectivas de mudanças sociais, principalmente, nas classes menos favorecidas economicamente, que a percebem como uma possibilidade concreta de ascensão social. Para Jezine, no contexto da sociedade latino-americana e brasileira, o atendimento às demandas sociais por ensino superior sempre se constitui um desafio, seja para as políticas públicas, como para o conjunto da
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sociedade civil, formando, no seio desta, um movimento de acesso aos patamares da escala social, a partir da luta por uma universidade democrática, participativa e popular. Assim, ressalta que a universidade, como uma instituição social, é um espaço contraditório, razão pela qual algo mais do que isso acontece no seu interior. Pois, a despeito de achar-se envolvida por grupos dominantes e setores organizados da sociedade, constrói teses propositivas de intervenção nos problemas sociais e culturais, formulando novas práticas educativas que vão além do saber eminentemente científico, capazes de modificar o pensar e o fazer para uma perspectiva de troca de saberes, indicando, assim, os princípios que fundamentam as práticas de uma educação voltada para a ação dialógica entre os sujeitos, qual seja a educação popular que se efetiva na universidade com entrada de participantes de movimentos sociais em cursos de escolarização e graduação e a partir da sistematização de estudos e experiências educativas desenvolvidas neste lócus por meio das pesquisas de pós-graduação. Na sequência, temos um texto sobre movimentos sociais e a educação popular do campo, (re)constituindo o território e a identidade camponesa, escrito por Maria do Socorro Xavier Batista, fruto de pesquisas que a autora vem realizando, as quais têm como objetivo apresentar a contribuição dos movimentos sociais do campo na luta por reforma agrária e na construção de um projeto de desenvolvimento econômico sustentável e socialmente solidário, constitutivo de novas territorialidades e sociabilidades, e para a implementação de uma política de educação que se fundamente no respeito aos saberes dos povos do campo e que, organicamente, contribua na construção desse projeto. Logo após, Ilse Scherer Warren analisa a pesquisa e ação educativa com os movimentos sociais, no campo, no Brasil. A autora pretende entrar no debate acerca da relação entre a produção de processos cognitivos e práticas educativas para e com os movimentos sociais, no campo, no Brasil contemporâneo. Inicia o texto com algumas considerações sobre o estado da arte da pesquisa sobre essas temáticas, desenvolvendo, em seguida, um referencial de pesquisa que vise compreender as conexões entre conhecer e fazer no campo das ações coletivas, para concluir com as possibilidades de um aprendizado direcionado à construção de um sujeito-ator da transformação social. Ruth Vasconcelos nos brinda com seu capítulo intitulado O enfrentamento da violência na atualidade: o lugar da democracia na construção de movimentos de pacificação da sociedade brasileira em que aborda o valor da experiência democrática na construção de relações sociais pautadas no respeito aos direitos e no reconhecimento do outro como um “sujeito de direitos”. Problematizamos a violência, na
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atualidade, como um sintoma do esgarçamento dos laços sociais que se expressam de várias formas e em várias dimensões no contexto atual, seja na esfera social, política, econômica, ética, cultural e subjetiva. A autora sugere pensar os movimentos sociais como um lócus de construção de valores democráticos na medida em que oferecem aos sujeitos que vivenciam a exclusão e a discriminação assim como aos que são vítimas de violência (quase todos os viventes) os instrumentos políticos para enfrentamento e encaminhamento de suas reivindicações. Vasconcelos entende que, em última instância, a violência revela a insuficiência das instituições democráticas, que deveriam garantir não apenas a democracia política, mas também a democracia social. E defende a tese da importância da radicalização da democracia como um caminho de superação das desigualdades e injustiças sociais. Nesse sentido, a autora reconhece os movimentos sociais como uma instância fundamental pelo seu potencial crítico, criativo e pela sua dimensão “subversiva” e educativa. Finalizando a coletânea, temos um posfácio escrito por Maria de Lourdes Pinto de Almeida, Brasil: um retrato das políticas educacionais e da pedagogia da exclusão. A autora afirma que as classes dominantes monopolizam a ciência, a arte e a dimensão mais ampliada da cultura, e que, portanto, a educação passa a ser um instrumento de apropriação cultural e econômica nas mãos delas que a usará como meio de extorsão da mais valia. Segundo a autora, há uma divisão entre a base econômica e a superestrutura jurídica, política e ideológica, e, quando a base econômica antagônica evidencia a relação capital versus trabalho, ou dominantes e dominados, as esferas que se manifestam na superestrutura se apresentam como homogêneas, ou seja, aparentemente sem contradições de classe. É por isso que Marx e Engels rejeitam as instituições da sociedade burguesa, pois, para eles, são produção e reprodução da cultura e, necessariamente, produção e reprodução da cultura burguesa. Diante do exposto, faz-se mister dizer que a sociedade da informação e do conhecimento; sociedade do não emprego e das novas configurações do trabalho, onde o trabalho do professor está sendo terceirizado; crise da modernidade; era da irracionalidade posta neste início de terceiro milênio; a deterioração das condições humanas, da violência, da vida e das relações humanas que se reduzem a contatos fragmentários e temporários, além de utilitaristas, põem a escola em uma necessidade histórica urgente de se requalificar. Isso porque, no contexto atual das políticas neoliberais, ela não é viável como projeto pedagógico. Para Almeida, é necessário então que a escola seja repensada para que possa transformar a informação em conhecimento socialmente significativo para o conjunto da população. Coerente com a lógica neoliberal, as políticas educacionais não têm mais necessidade de se preocupar com a garantia do acesso de todos à educação; cada um deve buscar esse acesso
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individualmente (e isso já representa um critério de seleção) no mercado. Os “mais aptos” nessa tarefa tenderão a sobreviver e a integrar o fluxo contínuo de progresso. Segundo a autora, a educação dentro desse tipo de enfoque está perdendo a perspectiva de ser integradora para aprofundar a sua função de justificadora das desigualdades sociais, deslocando-se, portanto, para colocar-se na esfera do direito neoliberal, cuja regra central é o critério da lei do mercado. Diante do exposto, só nos resta dizer que aos intelectuais comprometidos com uma universidade pública plural cabe a luta para reverter as tendências do xadrez encassinado. A disposição de espírito deste jogo de xadrez, que está enclausurado em um corpo capitalizado pelo “Rei do Cassino”, é perversa e ideologicamente emblemática porque, por um lado, aos esotéricos desse jogo o resultado e a predestinação da lição são sabidos, mas, por outro lado, aos exotéricos eles, os resultados, estão ocultos... tudo é um mistério – um jogo (ir)racional, (a)lógico, como parecem ser as “adversidades” de uma conta econômica. Que os intelectuais tomem as peças pseudoirracionais e capturem o Rei. Eia, intelectuais! Eis as peças, tomem-nas, capturem o Rei! Ora, tal infenso duelo envolve uma plataforma de combate ampla, em um bloco histórico de resistência ativa, que imponha novas tendências às instituições nacionais, as quais refletirão no interior das universidades públicas. Parte dos pesquisadores “privilegiados” pela interação da academia ao setor produtivo transforma-se em “intelectuais” presos a uma tendência hegemônica que vai ao encontro da lógica do capital, visando legitimá-la em sua dita práxis científica. São representantes geneticamente legitimadores do ideário de modelo de universidade globalizada. Eles são intelectuais orgânicos não enquanto intelectuais pesquisadores, mas como defensores das novas tendências, portanto, são vinculados à classe dominante, às elites privilegiadas com a mercantilização do conhecimento. Diante desse quadro histórico, faz-se necessário que a instituição educacional venha a se mostrar como espaço político e ideológico, o qual preserve, construa e incentive a pluralidade do conhecimento no ensino, na pesquisa e na extensão. Um problema sempre impertinente é o de saber como as lutas de emancipação em defesa dos interesses da maioria vão atuar para combater os efeitos perversos da globalização, o qual cria novas formas de exclusão social ao mesmo tempo em que acentua, radical e perversamente, a desigualdade social e a não equidade distribuição de renda. Contudo, não podemos ser hipócritas a ad infinitum e não percebermos que a eficácia dos movimentos libertários não passa somente pelo manejo da informação e do domínio das novas tecnologias, uma vez
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que, é exatamente neste fato que, desde o início do novo milênio, reside a forma de expansão do capital. E assim joga o Rei do Cassino. Eia, homo sapiens, as peças. Tomem-nas, capturem o Rei! Xeque mate!! Mort au roi!!!
As organizadoras
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