3ª EDIÇÃO REVISADA
Gramsci O PRINCÍPIO EDUCATIVO EM
Americanismo e Conformismo
Mario Alighiero Manacorda
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Manacorda, Mario Alighiero O princípio educativo em Gramsci: americanismo e conformismo / Mario Alighiero Manacorda; [tradução Willian Laços]. - 3ª ed - Campinas, SP: Editora Alínea, 2019. - - (Coleção educação em debate)
Título original: Il principio educativo in Gramsci – americanismo e conformismo Bibliografia ISBN 978-85-7516-863-9
1. Educação - Filosofia 2. Gramsci, Antonio, 1891-1937 3. Pedagogia I. Título. II. Série. 08-07145
CDD-370.1 Índices para catálogo sistemático:
1. Gramsci: Princípio educativo: Educação 370.1
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Aos meus estudantes da universidade de Cagliari
Publicado originalmente em italiano sob o título Il principio educativo in Gramsci – americanismo e conformismo. © 1970, Armando Armanelo Editore, Roma
Nota do revisor A edição italiana deste livro é de 1970. As fontes citadas e a forma de citá-las mudaram. Entretanto, a ideia de atualizar as citações foi descartada, pois é preferível preservar um documento que mostra as marcas do tempo do que deformá-lo. Tal maquiagem, inclusive, seria tecnicamente difícil e arriscada.
SUMÁRIO
Apresentação da 2ª Edição Brasileira............................................................... 11 Ao Leitor....................................................................................................... 17 PARTE 1 – OS ESCRITOS DA JUVENTUDE...............................19 Prólogo.......................................................................................................... 21 As experiências escolares pessoais (-1910)............................................ 23 A formação crociana e o antipositivismo (1911-1915)........................... 24 O contato com a classe operária: crítica da escola burguesa e do reformismo socialista (1916-1918)....... 27 A adesão à experiência soviética: em busca de uma política educativa do proletariado (1919-1922).......... 39 As iniciativas político-culturais nos primeiros anos do fascismo (1922-1926)................................................ 48 PARTE 2 – AS CARTAS DO CÁRCERE......................................59 Prólogo.......................................................................................................... 61 A escola dos confinados (janeiro-dezembro de 1927)............................ 63 A educação dos filhos e dos sobrinhos: língua e dialeto (março de 1927 - dezembro de 1928)...................................................... 68 As duas dúvidas de fundo: tecnologia e espontaneísmo (janeiro-julho de 1929)............................................................................ 74
Resolvida a primeira dúvida: contra o espontaneísmo (dezembro de 1929)................................................................................. 79 Espontaneidade e coerção (julho-agosto de 1930).................................. 85 Resolvida a segunda dúvida: por uma educação tecnológica (outubro de 1930).................................................................................... 93 Ainda a espontaneidade e a coerção (dezembro de 1930-maio de 1931).......................................................... 95 Da microcoerção à macrocoerção (julho-setembro de 1931)................ 100 A escola soviética: inclinações e desenvolvimento total (dezembro de 1931)............................................................................... 104 A escola italiana: a preparação para o trabalho (fevereiro de 1932-abril de 1933).......................................................... 109 De Croce a Lênin: a hegemonia (março-junho de 1932)...................... 111 O homem moderno integralmente desenvolvido (agosto de 1932-agosto de 1933).......................................................... 115 Todos os homens do mundo (1936)...................................................... 118
PARTE 3 – OS CADERNOS DO CÁRCERE............................... 123 Prólogo........................................................................................................ 125 Caderno 1-XVI (1929-1930): primeiras notas pedagógicas esparsas......... 129 A universidade e outros organismos de cultura..................................... 130 O princípio pedagógico dos moderados................................................ 134 O Estado, sua ‘trama privada’ e o folclore............................................ 136 As primeiras notas sobre o americanismo............................................. 138 Conformismo e desnovelamento: velhos e jovens................................ 144 Oratória e cultura................................................................................... 150 Ainda o americanismo........................................................................... 153 Caderno 4-XIII (1930-1932): as notas sistemáticas sobre a escola............ 159 Ideologia, ciência, marxismo................................................................ 160 A fonte soviética declarada................................................................... 161 Todos os homens são intelectuais.......................................................... 164 A organização da escola e da cultura.................................................... 166 A escola unitária.................................................................................... 171 Trotski e o americanismo...................................................................... 179 Continuidade e descontinuidade educativa........................................... 183
O princípio educativo na escola elementar e média.............................. 185 O novo intelectualismo e o itinerarium mentis..................................... 197 Cadernos intermediários de miscelâneas (1930-1932): retomada e entrelaçamento de temas.......................................................... 201 Organização da escola........................................................................... 202 O americanismo..................................................................................... 214 Conformismo e personalidade............................................................... 224 O Estado educador................................................................................ 234 Caderno 12-XXIX (1932): intelectualização = industrialização................ 249 A organização da escola........................................................................ 249 O princípio educativo............................................................................ 257 Últimos Cadernos de Miscelâneas (1932-1933): conformismo = socialidade......................................................................... 269 Caderno 22-V (1934): um americanismo não americano........................... 285 Caderno 29-XXI: o conformismo linguístico (e tecnológico).................... 293 Conclusão: a grande criptografia pedagógica gramsciana.......................... 301 Esquema dos Cadernos do Cárcere............................................................. 305 Escritos de Gramsci.................................................................................... 306 Referências.................................................................................................. 307
APRESENTAÇÃO DA 2ª EDIÇÃO BRASILEIRA
É muito oportuna a iniciativa da editora Alínea ao relançar, pela segunda vez, O princípio educativo em Gramsci, de Mario Alighiero Manacorda. Isso porque ele é um texto cujo vigor epistemológico, ético-político e pedagógico não se esgotou. De fato, temos em mãos a 2ª edição brasileira de um livro escrito na perspectiva für ewig, tanto que, mesmo editado na década de 1970 e publicado, no Brasil, em 1990, já é considerado um clássico entre os pesquisadores da educação que se referenciam no materialismo histórico e dialético, em particular, os gramscianos. Clássico no sentido evocado por Gerratana, como uma obra que vale a pena reler e reinterpretar à luz de novas exigências e de novos problemas (Semeraro, 1999).
Sob esse ponto de vista, é interessante observar que, enquanto Gramsci produziu suas formulações teórico-metodológicas em um contexto de profundas transformações no modo de produção e reprodução capitalista, cuja face mais desenvolvida era a das sociedades ocidentais, representadas pelo americanismo e pelo fordismo, o texto de Manacorda é editado, na Itália, no período de esgotamento do modelo fordista-taylorista e de vigência da teoria do capital humano. É este mesmo livro que chegou aos brasileiros, no início dos anos 90, servindo como inspiração de reflexões acerca daquilo que, por aqui, se ensaiava naquele momento, qual seja a introdução de novas formas produtivas e de gestão do capital e do trabalho, motivada pelas crises estruturais do capitalismo e norteada pela ideologia neoliberal, com profundas repercussões educativas. Esta republicação de O princípio educativo em Gramsci, instiga-nos a cotejar as alterações em curso no âmbito das relações materiais e sociais de produção: a ampliação do trabalho morto, articulada com as reengenharias dos processos produtivos e de sua gestão, que metamorfoseiam o padrão global de acumulação com a flexibilização toyotista, inequivocamente constituindo-se como uma “modernização conservadora”
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(In: Ferreti, 1994), que está a exigir uma nova pedagogia para garantir hegemonia ao capital (Neves, 2006). De outro modo, pode se, ainda, argumentar em favor da atualidade de O princípio educativo afirmando que, se Gramsci conseguiu inovar o marxismo com sua produção teórico-conceitual, sobretudo ao desvelar muitos mecanismos e dinâmicas de reprodução da desordem capitalista, Manacorda enfatiza neste texto a tese gramsciana de que o trabalho constitui-se como o princípio sobre o qual esse processo eminentemente educativo se desenvolve. Retomar, hoje, esse debate torna-se imperativo aos que não se sentem contemplados com as asserções dos arautos do capital, mas insistem em afirmar a superação da centralidade do trabalho nas relações sociais, especialmente na educação. Aliás, vista nesta perspectiva pós-moderna, a educação torna‑se um fenômeno particular, um fragmento da totalidade social cujos nexos com ela são considerados indeterminados e/ou incertos. O que possibilita tomá ‑la como algo neutro ética política, econômica e socialmente, perdendo o papel que tem no jogo de correlação de forças que determina a direção ‑dominação nas formações econômicas e sociais. Ou seja, exatamente o contrário das politizadas formulações gramscianas, que enfatizam que toda relação de hegemonia é uma relação pedagógica ou que – na tradução feita por Manacorda quando de sua estada no Brasil em 1997 – “nenhuma batalha pedagógica pode ser separada da batalha política e social”, uma frase que deve ser lida como uma severa crítica aos que hoje, fundados na equívoca leitura de Bobbio (1992) sobre a sociedade civil em Gramsci, advogam seu completo desenraizamento da estrutura social (Nogueira, 2000), o que os possibilita confundi-la com um terceiro setor social, sem lastro econômico, no mercado, ou político, no Estado. Toda a vitalidade dessa visão pedagógico-política gramsciana é sobrevalorizada nas linhas de O princípio educativo em Gramsci. Ao resgatar “Os escritos da juventude” de Gramsci (primeira parte do texto), Manacorda consegue demonstrar, com a clareza didática que lhe caracteriza (Cf., por exemplo, além de outras de suas obras, a imperdível História da Educação – da Antiguidade aos nossos dias), o início do longo caminho que Gramsci percorreu “da formação crociana e da militância socialista em direção ao marxismo”. Não a qualquer marxismo, como era o dos socialistas Turati e Ferrero –, marcado pelo naturalismo e pelo positivismo –, mas àquele histórico e despositivizado, que possibilitou ler melhor, ler dialeticamente a “questão meridional” e sua superação pelo Risorgimento (Losurdo, 2006), e que, por isso mesmo, foi capaz de torná-lo o revolucionário da Sardenha contemporâneo à sua época.
O PRINCÍPIO EDUCATIVO EM GRAMSCI
Fica mais do que claro, na parte inicial do texto de Manacorda, que o trajeto juvenil de Gramsci faz amadurecer a sua original e antipositivista noção de cultura, concebida como elemento não somente subjetivo, mas também externo, objetivo, cuja construção ocorre na práxis sociopolítica. De outra maneira, a sua visão de educação, ainda marcadamente clássica, começa a ganhar contornos classistas mais vivos, capazes de inspirar as críticas ao enciclopedismo vigente e, mais adiante, apontar a necessária articulação entre a instrução humanista-tradicional e a técnico-profissional para a formação de homens “completos”, formados omnilateralmente, proposta que ganhará formato derradeiro com a “escola unitária, em que a teoria e o trabalho estão estreitamente unidos” articulando a escola e a vida social características do século XX e, assim, superando a proposta marxiana e leninista de “escola politécnica” (Soares, 2000). Ler e reler O princípio educativo em Gramsci faz o leitor ver, com nitidez, o quanto Manacorda foi feliz ao apresentar o tema pedagógico, como sempre, presente nos textos e na práxis de Gramsci, que “vai assumindo cada vez maior consistência entre outros temas enunciados nos [iniciais] planos de trabalho, entrelaçando-se, por mil caminhos, com numerosíssimas motivações”. Esse assunto, que já se manifestou nos textos da juventude, ganha tonalidades mais consistentes e dramáticas nas Cartas e nos Cadernos escritos no cárcere, onde Gramsci, inclusive, tentou articular “A escola dos confinados” (primeiro item da Segunda parte do texto). Dos conteúdos de As Cartas do Cárcere, discutidos na segunda parte do livro, Manacorda salienta o interesse de Gramsci pela educação dos filhos Délio e Giuliano e de outros membros da família, principalmente, dos sobrinhos e sobrinhas. Todavia, ao apresentar as perspicazes considerações gramscianas acerca do uso da língua, do dialeto, da gramática e de instrumentos pedagógicos da cultura moderna – leia-se americana –, como é o caso do Meccano, Manacorda consegue evidenciar as ponderações de Gramsci sobre a conflituosa relação entre o espontaneismo e a coerção, sobre a formação da personalidade e o erro de se tentar identificar precocemente as inclinações das crianças – crítica especialmente dirigida à própria mulher –, bem como sobre as tendências pedagógicas presentes nos modelos escolares soviético e italiano, cujo pano de fundo é a problemática relação entre instrução profissional e formação desinteressada. Por sua vez, Os Cadernos do Cárcere (terceira parte do texto) são tratados com especial atenção e rigor por Manacorda. Diz-se isso porque ele consegue apresentar as anotações feitas por Gramsci, na prisão, de forma a desvelar a “criptografia pedagógica gramsciana”. Toda a assistematicidade
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que caracteriza a produção dos Cadernos encontra, na contextualizada leitura que Manacorda lhes faz, um interessante roteiro para se entender o tema pedagógico em seus desdobramentos escolar e não escolar, bem como em suas articulações epistemológicas e ético‑políticas. Destacam-se, aqui, as páginas dedicadas a analisar o Caderno 4 e o Caderno 12 – este constitui-se como um “caderno especial”, isto é, redigido para tratar de um tema específico, as questões educacionais, e resultante da reescrita do Caderno Miscelâneo 4 –, pois que aí se pode encontrar, detalhadamente, os nexos que vão se compondo no amadurecimento do pensamento de Gramsci entre instrução e educação, ou melhor, entre escola “interessada” e “desinteressada”, entendido esses termos no sentido classista que lhes confere Gramsci em suas formulações, como formação propedêutica, cultural, capaz de desenvolver a capacidade de pensar e de dirigir quem governa, tendendo a fazer coincidir governantes e governados, [fundindo] o especialista com o político (Nosella, 2004). De fato, é nesse rumo que caminha a reflexão do revolucionário da Sardenha, ao ponto de forjar o apelo explícito em favor de uma escola única [...] intelectual e manual [que] não pode ser interpretada como sendo a escola do humanismo clássico [...] exceto se esquecemos e distorcemos todo o seu discurso [de Gramsci] sobre os valores da cultura moderna ‘do tipo america‑ no’, que envolve tanto o problema dos conteúdos (instrução) quanto o problema da ordem intelectual e moral (educação).
Enfim, os atributos de Manacorda como exímio filólogo e hermeneuta, isto é, como alguém que se esforça em ler um texto no contexto em que ele foi escrito, se apresentam de maneira destacada nesta obra. E isso torna a sua leitura muito apropriada aos que se iniciam no contato com os escritos que discutem a educação, como os de Gramsci, em particular. É por essas e por outras qualidades, que O princípio educativo em Gramsci tornou-se um documento de leitura obrigatória, não somente àqueles que se identificam com o legado teórico-metodológico e práxico gramsciano, mas também – e especialmente – a todos os que se aventuram a refletir sobre as relações entre trabalho e educação, que não se reduzem às dinâmicas escolares, mas envolvem todas as formas de produção da subjetividade. Eis um terreno fértil no hodierno mundo, o que recoloca o problema da “pedagogia ou – se preferir – os problemas da formação do homem novo” e de uma nova civilização. Marcos Francisco Martins 2007/2º semestre