Apresentação O século XXI herda da última década do século passado expressivas exigências e discussões sobre a ciência e os espaços de sua articulação e convivência. E a universidade, como uma instituição concreta, organizada historicamente como um dos núcleos fundamentais para coordenar de modo didático as exigências da sociedade, foi sendo chamada a rever-se, mesmo cultivando e mantendo alguns aspectos da sua forma original. Ao longo do tempo, nós, pertencentes à chamada comunidade aca dêmica, educados pelas bases do Iluminismo, da individualidade de discursos científicos específicos, de pensamentos, atitudes, emoções e práticas que garantissem a circulação de domínios particulares do conhecimento (Popewitz, 1997), vemo-nos hoje enfrentando, no cotidiano das nossas instituições, os limites de nossos campos e saberes estudados e passamos a ser confrontados por um processo histórico que tanto mantém o individualismo científico, como também nos conduz para uma nova lógica de produção coletiva do conhecimento e para uma dialogia com as diversas ciências e saberes. A realidade concreta e latente na sociedade presente revela que o ideal educativo de formação de um homem universal, racional, que tem como modelo a civilização ocidental, não pode suplantar as suas próprias contradições e certos aspectos das culturas não hegemônicas, mostrando outras faces da chamada dimensão psicológica e social das ciências e da descoberta de suas relações e pertinências epistemológicas.
O Brasil não ficou imune a essas tendências globalizantes, cabendo às suas agências científicas e técnicas a elaboração do planejamento, especialmente no âmbito das agências governamentais, para que as universi dades tentem alcançar as metas exigidas pela realidade material. Por sua vez, as experiências vividas pelos professores e pesquisadores, no interior dessas instituições, passaram a servir a um presente bastante complexo, porém elucidativo dos rumos que estavam dando às suas ciências. Dessa maneira, a “comunidade científica”, sobretudo reorganizada institucionalmente nas Universidades, começou a fazer rebrotar suas concepções e seus grupos de pesquisa. Referimos-nos, é claro, a uma “comunidade científica” que sabemos não ser homogênea, que cultiva um conjunto de conhecimentos plurais, que se relaciona com os vários campos epistêmicos e políticos, sem perder a perspectiva emancipatória, mas que, também, comporta uma parcela considerável de sujeitos que se conformam e se beneficiam das contradições, ambiguidades e injustiças que alimentam falsas necessidades sociais, históricas e pedagógicas para a nossa realidade. É com base nesse contexto e em sua relação com a institucionalização da pesquisa nos órgãos planejadores e financiadores das políticas científicas, bem como da realidade concreta das Universidades, que vamos presenciando a nossa capacidade de organização, seja por meio das nossas associações científicas, da pós-graduação, da pesquisa, seja pelo avanço significativo da produção acadêmica social, cognitiva. Isso ocorre graças ao envolvimento de muitos professores e pesquisadores, grupos de pesquisas que começaram a estudar a realidade local, regional, nacional, histórica, comprometidos com a educação em nosso país, apesar das baixas condições e concepções instrumentais de trabalho, sob as quais são instados a produzir. Devemos, então, afirmar que essa introdução teve como pretensão situar que é diante dessa situação, que brotam os capítulos que compõem este livro. Concretamente, os autores que apresentam seus textos nesta coletânea, integram o Museu Pedagógico da UESB, que é fruto deste tempo histórico. O Museu Pedagógico nasceu nos anos finais da década de 1980 e organizou-se no final dos anos 90, como uma necessidade comum de professores que retornavam ou estavam realizando a pós-graduação com
a finalidade de fazer, de fato, do ensino, da pesquisa e da extensão um processo pedagógico, por meio da dialogia entre suas ciências e teorias, tendo como norte a história e a materialização de seus processos. Todavia, também se estruturou como uma dissidência de uma universidade que estava se configurando em hierarquias administrativas, de poder e superpondo os seus fins acadêmicos a fins de natureza instrumental de várias ordens. As discussões sobre a superação das barreiras disciplinares do conhecimento científico e a necessidade de organização da pesquisa em grupo, que apontamos anteriormente, favoreceram a nossa concepção de Museu Pedagógico como um lugar vivo, dinâmico, capaz de formar e ordenar coletivos de pesquisa, com base na interlocução com a história e a educação, os quais delineiam o percurso das diversas ciências, de professores oriundos de vários departamentos e de alunos de diversos cursos. Em seguida, passamos a retomar ou estabelecer redes comuns de pesquisa com interlocutores de outras universidades, boa parte delas nossas formadoras. Com o grupo História, Educação e Sociedade – Histedbr, da UNICAMP, com a as linhas de pesquisa da área de educação da UFSCar e das Ciências Sociais da PUC-SP etc. É desse processo que brota a participação da equipe do MP no programa de qualificação interinstitucional PQI-CAPES – visando à formação de professores e pesquisadores doutores na nossa instituição. Os textos apresentados neste livro, portanto, se amparam nesse contexto, e oferecem-nos múltiplas leituras sobre a nossa realidade, retratando as tendências e preocupações de sujeitos e campos diversos das ciências que tentam responder às exigências dos temas de um presente cheio de espaços escondidos ou pouco elucidados: • a necessidade de estudos sobre a história da educação e da infância no Brasil, inclusive por meio de fontes ainda pouco exploradas, no caso, os jornais; • a necessidade de aproximação da chamada sociologia da infância e de seu entendimento para o estudo da criança; • as faces do racismo e do contrarracismo em seus processos de construção e manifestação de subjetividades socioculturais;
• a importância da localização histórica da violência e do poder em seus momentos concretos, no caso, na sociedade colonial; • as especificidades e história de uma dada cultura política; • o desenvolvimento capitalista e a sua relação com a racionalidade tecnológica, pano de fundo para compreendermos o significado da qualificação profissional; • a compreensão da religião em sua composição cultural e em sua manifestação regional; • a localização das vulnerabilidades sociais, às quais estão expostos os segmentos de menor idade, dentro ou fora da escola, quando se considera uma sociedade de massa e de consumo que induz ao acesso às drogas e ao álcool; • uma história da matemática que elucida o fracasso escolar, mas que também tem recebido atenção significativa por parte dos pesquisadores da área; • uma recorrência à teoria da metacognição para o estudo da matemática com o objetivo de rever os processos que envolvem sua aprendizagem, que, por sua vez, não pode ser pensada sem as experiências que os sujeitos adquirem no contato social, cultural e histórico. Assim, esperamos que o conjunto diversificado de questões que compõe este livro possa iniciar um diálogo enriquecedor com os futuros leitores. Livia Diana Rocha Magalhães