Apresentação Este livro nasceu do esforço conjunto de professores, de recém-doutores e de pós-graduandos do Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP, que participaram do primeiro Curso de Especialização em Gestão Educacional para Gestores do Sistema Público Estadual de Educação, com a disciplina Gestão Escolar: Abordagem Histórica.1 Ainda na fase de preparação do curso, percebeu-se que havia uma quantidade muito pequena de trabalhos que abordavam o tema da administração escolar no país, bem como do cargo e da função do diretor de escola, de uma perspectiva histórica. Assim, os professores envolvidos com o curso decidiram produzir, eles próprios, textos que viabilizassem suas aulas e abrangessem o percurso da administração escolar em todos os grandes períodos históricos da educação no país. A administração escolar no Brasil remonta ao período colonial, ao projeto de educação dos jesuítas, contudo, o cargo e a função de diretor de escola só foram instituídos com a criação dos Grupos Escolares, na Primeira República. As transformações pelas quais passou a imagem da administração escolar e do diretor de um grupo escolar do passado até a função atual de gestor escolar desse profissional, mostraram-nos que essa trajetória e os processos que engendraram essas mudanças deveriam ser registrados em um único 1. Curso promovido pela UNICAMP e pela Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, entre 2006 e 2007.
volume, que permitisse aos leitores acompanharem tal evolução em um quadro referencial das determinações sociais, políticas e econômicas. Esse é o objetivo central desta publicação. O percurso mencionado abarca a administração escolar nos seguintes grandes períodos: Colônia, desde o século XVI, com a educação jesuítica; as Reformas Pombalinas, do fim do século XVIII; a fase joanina, do início do século XIX e a educação por todo o Império. No século XX, atinge os períodos da Primeira República; da Era Vargas; do Nacional Desenvolvimentismo e da Ditadura Militar, e é concluído com a chamada Nova República, de 1984 até os dias atuais. Com os textos correlacionados a cada época histórica, pretendeu-se descrever o contexto (nacional e internacional), de maneira mais detalhada, com suas determinantes econômicas, sociais, políticas e educacionais, bem como realizar a caracterização histórica da política e da administração educacional. Ora, contexto histórico não é justaposição ou cenário de fundo, mas sim, um fio condutor que permite analisar a administração escolar à luz das mudanças do sistema escolar brasileiro e dos acontecimentos que as determinaram. É esse ponto de vista que os textos apresentam ao estudarem a administração escolar e o diretor de escola como parte das relações mais amplas do sistema político e socioeconômico brasileiro. Não resta dúvida que uma empreitada desse porte não conseguiria incluir todos os aspectos da função, do cargo de diretor de escola e da administração escolar no país. Desse modo, algumas considerações se fazem necessárias. Na história da Educação brasileira, com a República, o ensino primário e os cursos de formação de professores ficaram sob a responsabilidade dos estados (antigas províncias), dando continuidade ao processo de descentralização da educação, herança do período imperial.2 Em razão disso, alguns textos privilegiaram as políticas educacionais do Estado de São Paulo, pois, com o 2. Após a aprovação da Lei das Escolas de Primeiras Letras, em 1827, com a Independência, o Ato Adicional de 1834 determinou que as escolas primárias e as secundárias seriam de responsabilidade das províncias.
advento da República, foi esse o estado pioneiro na implantação dos Grupos Escolares e na organização de um projeto educacional popular, mesmo que não totalmente viabilizado, mas que serviu como referência para outras regiões do país. Por outro lado, a figura do diretor de escola foi o foco mais importante dos textos, mesmo considerando que outros cargos administrativos se fizeram presentes no processo de ampliação do sistema educacional, principalmente após a década de 1930. São desse período, por exemplo, as primeiras investidas para a formação do administrador escolar, com a criação de cursos específicos para essa função. Ao mesmo tempo, no decorrer da produção deste trabalho, determinados temas tomaram corpo, pela sua importância em relação ao objeto central. Por conseguinte, apesar de apresentarem uma unidade específica, o que permite lê-los individualmente, os textos tratam de algumas questões que são reiteradas de acordo com o contexto em que ocorreram. É o caso das Escolas Normais, instância primeira de formação de educadores, viabilizadas de forma mais orgânica desde a Primeira República e que se modificaram através do tempo, até a sua extinção na década de 1990. Também é o caso das alterações dos cursos de formação do administrador escolar no nível superior e da implantação de concursos para a ocupação do cargo de diretor escolar, prática iniciada nos anos 30 e até hoje assunto de polêmica. Os escritos originais, decorrentes do curso citado no início desta introdução e que serviram de base ao presente livro, foram enriquecidos com a experiência dos seus autores em sala de aula. Com isso, muitas dúvidas e temas apresentados pelos alunos(as), compostos na maioria por diretores(as) de escolas públicas do Estado de São Paulo, foram incorporados aos textos. O livro abre-se com A Importância da Abordagem Histórica da Gestão Educacional, de José Claudinei Lombardi. Este capítulo trata do princípio norteador do livro: a abordagem histórica como referencial para a análise da organização escolar brasileira e da gestão educacional. É esse referencial que possibilita ultrapassarmos “a visão de senso comum” e compreendermos a educação como parte
integrante de um determinado contexto. Com uma breve explanação sobre a administração, Lombardi reitera que “a administração escolar deve ser entendida como resultado de um longo processo de transformação histórica, que traz as marcas das contradições sociais e dos interesses políticos em jogo na sociedade”. Em A Administração Escolar no Brasil Colônia, de Sônia Maria Fonseca e Ana Paula S. Menardi, a centralização da administração portuguesa e as primeiras investidas em educação na recém-colônia são abordadas, ao abranger os períodos: jesuítico, pombalino e joanino. Destaca-se a educação dos jesuítas, caracterizada por um trabalho de catequização para a conversão dos indígenas à fé católica e de instrução propriamente dita para os descendentes dos colonizadores. Segundo as autoras, nessa época, criaram-se colégios e igrejas em diversas regiões do país e implementou-se um sólido sistema de educação, orientado pelo Ratio Studiorum. O texto trata ainda das reformas implantadas pelo Marquês de Pombal, na segunda metade do século XVIII, após a prescrição da ordem jesuítica, e finaliza com o período de D. João VI, no início do século XIX. No texto A Administração Escolar no Período Imperial (1822-1889), Mauricéia Ananias utiliza a legislação como instrumento principal de pesquisa. Com base nessa documentação a autora passa ao longo do século XIX discorrendo sobre a educação frente às mudanças que ocorreram no país ainda primordialmente agrário e escravista, mas que se encaminhava para uma outra configuração político-social. É dessa época a criação da Escola Normal em São Paulo, como também de dois Liceus, nos quais o cargo de diretor aparece pela primeira vez, com amplas funções e em um curso de nível secundário. Mesmo com algumas investidas para a institucionalização de uma instrução pública, evidenciadas pelas frequentes legislações sobre educação, o século XIX, demonstra a autora, não consolidou um projeto nesse âmbito. Ao tratar da administração escolar na Primeira República, o texto As Reformas Educacionais na Primeira República (1889-1930), de Ana Elisa Penteado e Luiz Bezerra Neto, abarca o surgimento dos
Grupos Escolares, instituição que compôs o projeto republicano de educação popular, meio pelo qual os poderes públicos viabilizariam o “novo cidadão”, participante dessa etapa de consolidação da nação. A partir das reformas paulistas, os autores traçam um longo perfil sobre o Diretor do Grupo Escolar, profissional que “veio ocupar um papel central na cena pedagógica e na estrutura hierárquico-burocrática do ainda incipiente ensino paulista”. Ainda segundo os autores, o ensino primário e a formação de professores foram instâncias privilegiadas pelos poderes públicos nessa etapa, reiterando a relevância de um projeto de educação para a população, que, contudo, não foi concretizado. A Administração Escolar na Era Vargas (1930-1945), de Azilde L. Andreotti, versa sobre a fase marcada pelo desenvolvimento urbano-industrial e o consequente surgimento de uma demanda por educação, instância primordial para a inserção da população nesse processo. O texto destaca os debates sobre as iniciativas educacionais que envolveram diversos setores da sociedade e, além disso, o controle dos poderes públicos sobre a educação no período do Estado Novo. Como demonstra a autora, são dessa época as primeiras diretrizes institucionais para a formação e a regulamentação da carreira do administrador escolar, bem como para a institucionalização de concurso público para provimento do cargo de Diretor de Grupo Escolar, ainda que a efetividade da exigência do concurso ficasse comprometida pelas lacunas da legislação e pelas práticas clientelistas. Com produção conjunta de Jussara Gallindo e Azilde L. Andreotti, o texto A Administração Escolar no Nacional Desenvolvimentismo (1946-1964) trata do período considerado como a segunda fase da industrialização, na qual o país se adequou mais fortemente às exigências do capital internacional. Conforme relatam as autoras, o crescimento demográfico e a possibilidade de inserção no mercado de trabalho, que se ampliava, foram fatores de pressão sobre a expansão das oportunidades escolares. Foi dessa época a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada em 1961, assim como a ampliação da participação efetiva da sociedade nos assuntos da educação, por meio de organizações civis. Em relação à administração
escolar, esta sofreu as influências da expansão capitalista e da decorrente racionalização do trabalho. A crescente especialização nesse processo e a necessidade de se exigir maior qualificação para os cargos da administração escolar são questões abordadas nessa discussão. A Administração Escolar no Período do Governo Militar (1964-1984), de Jorge Uilson Clark, Manoel Nelito M. Nascimento e Romeu Adriano da Silva, abrange a fase pós-golpe militar de 1964. Partindo de uma ampla contextualização do período, este trabalho discute a influência da política norte-americana no continente, destacando o lugar do Brasil e o seu pleno alinhamento aos interesses do grande capital internacional. São apontados, os acordos MEC-USAID, as legislações que deram novo rumo à educação brasileira, bem como o princípio utilitarista e a visão tecnoburocrática predominantes nesse período. Conforme assinalam os autores, a mudança da função do Diretor de Grupo Escolar para Diretor de Escola foi produto da Reforma do Ensino de 1º e 2º graus, Lei nº 5.692, de 1971, que, dentre outras disposições, extinguiu os Grupos Escolares. Lalo Watanabe Minto encerra com A Administração Escolar no contexto da Nova República e do Neoliberalismo. O período é palco de mudanças significativas, reforçadas por uma ampliação do tipo de vinculação do país no contexto internacional. O autor expõe alguns dos elementos contraditórios que demarcaram o período da chamada “transição democrática” na década de 1980 que, mesmo não caracterizando mudanças radicais, deu origem a um recrudescimento dos movimentos sociais e a importante luta pela gestão democrática da educação. Do ponto de vista da administração escolar, produz-se, nessa fase, uma ambiguidade terminológica na qual o termo ‘administração’ é substituído por ‘gestão’. O autor aponta que essa mudança, incorporada pela legislação educacional, não foi mera formalidade e gerou inúmeras interpretações. Dentre elas, destaca a tentativa de “separação entre os aspectos políticos e os aspectos técnicos da gestão/administração escolar”. Minto indica, ainda, que a reordenação neoliberal do Estado brasileiro tinha como um de seus objetivos essenciais produzir menos
gastos públicos e maior “eficiência” administrativa. Em consequência, o autor discorre sobre o “declínio da noção de educação como um direito social e sua transposição para o campo da produção mercantil”. Por fim, sobre as fontes de pesquisa utilizadas para a elaboração dos textos, enumeramos a bibliografia de referência, a bibliografia de apoio, as legislações educacionais e documentos de época.
Azilde L. Andreotti