História, Filosofia e Educação Matemática: práticas de pesquisa

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APRESENTAÇÃO A obra que ora se apresenta constitui o produto de esforço no sentido de se tornar pública uma parte da produção do grupo de pesquisa inscrito na plataforma Lattes do CNPq com o nome História, Filosofia e Educação Matemática, ao qual atribuímos, desde o momento da sua criação e institucionalização como um grupo de pesquisa da Faculdade de Educação da UNICAMP, a sigla HIFEM. Mais do que um mero recurso de abreviação denominativa, a sigla HIFEM, em si mesma, remete ao nome de um sinal ortográfico da língua portuguesa dotado do “poder” de modificar o significado que, em sua ausência, a justaposição de duas palavras teria. Tirando partido desse “poder ortográfico”, a associação voluntária da sigla HIFEM ao nosso grupo de pesquisa revela não só a natureza dos pressupostos que vêm orientando o programa de pesquisa do grupo, desde o momento de sua criação, em 1996, como também os propósitos, os interesses acadêmicos e os projetos individuais ou compartilhados de investigação de seus integrantes, hoje dispersos por instituições acadêmicas de cinco estados de nosso país - São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Bahia -, mas intimamente hifenizados, conectados, presencialmente ou à distância, pela natureza e proximidade do trabalho investigativo que realizam. A originalidade do programa de pesquisa do HIFEM também se expressa no pressuposto de que, os campos da história e da filosofia, quando mobilizados na atividade de pesquisa acadêmica, constituem, mais do que campos que produziram resultados, são duas formas hifenizáveis de se interrogar e constituir um mesmo objeto de investigação igualmente hifenizável: a educação-matemática. Desse modo, a expressão hifenizada ‘educação-matemática’ não se confunde com “educação mais matemática”, nem com apelos do tipo “educação matematizada”, “matemática pela educação” ou “educação pela matemática”. Diferentemente, com a expressão hifenizada, queremos significar que tanto educação quanto matemática são vistas como


conjuntos de práticas culturais respectivamente associadas à atividade educativa e à atividade matemática e, desta forma, a própria educação matemática passa a ser vista como uma atividade cultural que realiza práticas distintas daquelas realizadas quer pelo educador ou pedagogo, quer pelo matemático profissional que desenvolve suas atividades nos campos da matemática pura ou aplicada, ainda que mantenha com elas “semelhanças de família”. É nesse sentido que, definido amplamente, o programa de pesquisa do HIFEM toma por objeto de investigação todos os tipos de relações hifenizadas que podem ser estabelecidas entre história, filosofia e educação matemática. E, nessa perspectiva, o grupo vem distinguindo entre e investigando campos tais como o da história e filosofia da educação-matemática, bem como o da história e filosofia na educação-matemática. Tais denominações se justificam com base no argumento de que, na atualidade, o primeiro desses campos não seja confundido com outros já bem estabelecidos como o da história da matemática e o da filosofia da matemática. Isso porque, embora a matemática, desde a Antiguidade, tenha se constituído em objeto de estudos históricos, e embora tenhamos conhecimento do fato de que histórias da matemática começaram a ser escritas desde essa época, foi somente no final do século XX que começaram a surgir os primeiros estudos relativos à história da educação matemática propriamente dita. Já a filosofia da educação matemática é bem mais recente, e parece que foi apenas na década de 80 do século XX que ela começou a se constituir como um campo autônomo de investigação cujo desenvolvimento vem sendo estimulado, sobretudo, pelos trabalhos e iniciativas de Paul Ernest, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Exeter, no Reino Unido, e editor da revista internacional eletrônica denominada Philosophy of Mathematics Education Journal que, desde 1990, vem publicando e divulgando estudos e investigações nesse terreno. Por sua vez, o campo da história e filosofia na educação matemática parece ter sido constituído exclusivamente a partir de preocupações advindas de dificuldades que se manifestaram nas práticas de mobilização de cultura matemática, sobretudo na atividade situada de se ensinar matemática na escola. Já uma primeira manifestação relativa a um tal tipo de preocupação aparece na obra Eléments de géométrie (1741), do matemático francês


Alexis Claude Clairaut. Também os positivistas, ao longo do século XIX, deverão exaltar as potencialidades pedagógicas do chamado ‘caminho histórico’ no processo de ensino escolar da matemática. No século XX, com períodos de menor e maior intensidade, artigos e outras produções sobre esse campo foram publicados, por autores de diferentes países, em periódicos diversos. É importante também acusar a existência de uma organização internacional que tem se dedicado a realizar encontros de discussão e divulgação de estudos realizados nesse campo: o International Study Group on the Relations between the History and Pedagogy of Mathematics (HPM), grupo filiado à Comissão Internacional de Ensino de Matemática (ICMI) e atualmente instalado no Departamento de Matemática da Mississippi University (USA), que publica o boletim quadrimestral denominado HPM Newsletter. Mas a originalidade do programa de pesquisa do HIFEM também se expressa em um segundo pressuposto, qual seja, o de que, muitas vezes, histórias e filosofias gerais da educação escolar poderiam ser, não só complementadas, mas completamente revistas e ressignificadas em função de resultados produzidos por investigações “situadas” em campos disciplinares ditos “específicos” como, por exemplo, o da educação matemática escolar. Nesse sentido, quando seus integrantes falam em história e filosofia da educação matemática, não estão concebendo os objetos desses campos de investigação como constituídos por uma justaposição mecânica de temas ou problemas extraídos dos campos da filosofia e da história da educação com outros produzidos no interior dos campos da filosofia e da história da matemática. Isso porque, entendem que os objetos e os problemas sobre os quais incidem tanto a investigação quanto a ação pedagógica no terreno da educação matemática não são da mesma natureza, nem possuem a mesma relevância pedagógica e nem estão restritos àqueles que, costumeiramente, têm feito parte dos campos da história e da filosofia da matemática. Em outras palavras, o que este segundo pressuposto sugere é que os objetos sobre os quais o grupo de pesquisadores do HIFEM fazem incidir suas investigações não são as resultantes de somas de saberes produzidos pela filosofia e pela história da matemática constituídas por meio de problemas enfrentados pelo matemático profissional, em suas atividades de pesquisa no domínio da matemática pura ou aplicada, com saberes produzidos por histórias e filosofias da educação em geral, constituídas na perspectiva do pedagogo ou do cientista da educação. Isso porque, seria pouco provável que uma


concepção dessa natureza viesse a produzir algo mais do que uma composição estanque, desarticulada e pouco efetiva de opções filosóficas extraídas desses dois terrenos. Além disso, tal composição seria pouco esclarecedora e de pouca utilidade para o enfrentamento dos problemas que se colocam tanto ao professor de matemática, que tem sido acostumado a vê-la como uma componente disciplinar isolada do currículo escolar, como a todos os agentes educativos que, atuando ou não no espaço escolar, acabam se envolvendo com a cultura matemática quando realizam suas práticas situadas - interdisciplinares ou indisciplinares – de mobilização cultural. Por um lado, as inconveniências desse modo de se conceber a história e a filosofia da educação matemática são, pelo menos, de duas ordens. Primeiro, porque os movimentos em torno dos campos da filosofia e da história da matemática, em suas histórias bastante recentes, acabaram elegendo como objetos de análise e reflexão quase que exclusivamente a atividade e a cultura matemáticas dos matemáticos profissionais, ignorando dessa forma, por desinteresse, desconhecimento e/ou por preconceito, todas as outras formas de atividade e cultura matemáticas que têm sido produzidas em diferentes práticas sociais, realizadas em outros contextos institucionais que não o meio acadêmico-científico. Segundo, porque, no âmbito desta forma de se conceber e de se fazer história e filosofia da matemática, os saberes produzidos e as diferentes matemáticas que se evidenciaram, não se constituíram com base nos problemas e preocupações decorrentes da atividade matemática que se realiza no exercício de diferentes práticas sociais e, sobretudo, daquelas que se realizam na instituição escolar. Por outro lado, as inconveniências em se tomar os problemas que se constituíram nos domínios da história e da filosofia da educação como o eixo central de investigação dos campos da filosofia e da história da educação matemática são também de pelo menos duas ordens, análogas às anteriores. Primeiro, porque as chamadas filosofias gerais da educação acabaram elegendo como objeto de análise e reflexão quase que exclusivamente uma atividade educativa genérica, universal, uniforme e abstrata, ignorando desse modo, por desconhecimento, desinteresse e/ou preconceito, não apenas a forma disciplinar específica com que a educação tem se realizado no contexto institucional escolar de todos os países, como também todas as outras formas de atividade educativa que


têm sido realizadas em outras práticas sociais, que não as escolares, em diferentes contextos geopolíticos e em diferentes épocas. Desse modo, é dentro desse campo de tensão que se estabelece entre o geral e o particular; entre o disciplinar e o indisciplinar; entre global e o local; entre o caráter estruturado, comum e abstrato e o caráter idiossincrático, não generalizável e situado das atividades educativa e matemática que os professores-pesquisadores que integram o HIFEM decidiram lançar um olhar investigativo hifenizado. O grupo já produziu cerca de 30 estudos entre teses de doutorado, dissertações de mestrado e demais pesquisas acadêmicas, grande parte dos quais ainda inéditos para um público mais amplo interessado não só pelas questões propriamente pedagógicas, mas, sobretudo, pelas questões políticas e culturais que vêm sendo colocadas pela representação quase hegemônica que a educação matemática conquistou no mundo contemporâneo. É claro que o exame crítico da própria constituição histórica dessa representação hegemônica, bem como de todos os processos de mobilização de cultura matemática – escolares ou não - que têm reforçado essa representação no mundo contemporâneo não pode se processar na ausência de estudos histórico-filosóficos desses próprios processos. É à realização dessa urgente e relevante tarefa que os integrantes do HIFEM vêm tentando dar a sua contribuição. E foi com esse propósito que decidiram produzir e publicar esta obra coletiva que sintetiza parte de sua produção acadêmica ao longo de seus mais de 10 anos de existência, e ao longo de mais de 20 anos de trabalho, de alguns de seus membros, quer como professores de redes estaduais oficiais de ensino de nosso país, quer como professores-pesquisadores ligados ao Círculo de Estudo, Memória e Pesquisa em Educação Matemática da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas e, mais amplamente, aos movimentos nacional e internacional relativos à educação matemática concebida como ação pedagógica e como prática de investigação. No primeiro capítulo do livro, intitulado Grupo HIFEM: reflexões sobre uma experiência, Maria Ângela Miorim e Arlete de Jesus Brito historicizam a constituição e a trajetória acadêmica do próprio grupo HIFEM. Discorrem acerca da pequena comunidade de educadores matemáticos que tiveram a ideia de criar o grupo, caracterizam a identidade do HIFEM em relação às de outros grupos de pesquisa em educação matemática em processo


de constituição, em nosso país, bem como descrevem e refletem sobre experiências coletivas de pesquisas nas quais o grupo se envolveu. Desse modo, com base em entrevistas realizadas com alguns professores que teriam se envolvido mais diretamente no processo de constituição do grupo, as autoras produzem uma esclarecedora história das transformações identitárias de uma comunidade de professores-pesquisadores que investiram e continuam a investir esforços comuns no sentido de manter vivo – renovando-o continuamente – o projeto comum de se produzir conhecimentos na interface entre a história, a filosofia e a educação matemática, por meio de realização de práticas acadêmicas de investigação e de formação continuada de professores. No texto do segundo capítulo, denominado Vidas e Circunstâncias na Educação Matemática: configurações, Carlos Roberto Vianna, tal como o fez em sua tese de doutorado intitulada Vidas e circunstâncias na educação matemática, procura explorar, em um sugestivo diálogo caleidoscópico entre histórias de vida e literatura, o campo de relações assimétricas de poder em que estão envolvidos integrantes de um certo segmento da própria comunidade acadêmica, qual seja, aquele do qual fazem parte professores-pesquisadores pertencentes a departamentos de matemática de universidades brasileiras. Situando-se no terreno da história oral de vida, e tendo como base documental um conjunto de expressivas entrevistas realizadas com alguns desses professores-pesquisadores, o propósito do estudo de Vianna é o de dar visibilidade alegórica ao próprio campo de tensão que se estabelece entre eles, e que teria sido produzido, sobretudo, com base na recriminação e discriminação daqueles “matemáticos” que teriam optado por trabalhar com educação. Trata-se, portanto, de um estudo que tematiza e investiga o próprio preconceito acadêmico, bem como as práticas acadêmicas que o constituem e mobilizam, e que têm a sua expressão mais profunda no embate político-institucional contemporâneo que as comunidades acadêmicas de matemáticos e educadores matemáticos estabelecem entre si acerca da distinção entre o estatuto epistemológico da matemática e da educação matemática, bem como acerca da legitimidade de ocupação de certas posições acadêmicas no interior do campo científico e de acessibilidade ao capital cultural. No capítulo 3, intitulado A Prática Social do Cálculo Escrito na Formação de Professores: a história como possibilidade de pensar questões do presente, Eliana da Silva Souza realiza uma síntese de sua tese de


doutorado de mesmo nome, defendida em 2004. Como o próprio título da tese sugere, a pesquisa de doutorado de Silva procede à constituição de práticas históricas mobilizadoras de cálculos aritméticos escritos com o propósito metodológico de se investigar práticas escolares contemporâneas de mobilizações escolares de cálculos aritméticos por escrito. Mais especificamente, a sua pesquisa foi orientada pela questão de se identificar valores que estariam sustentando a naturalização do processo de transmissão da prática social do cálculo escrito na instituição escolar. E é essa questão que o texto do capítulo 3 procura explorar com mais detalhes. No capítulo 4, denominado Elementos para uma Compreensão das Matemáticas como Práticas Sociais, Denise Silva Vilela, com base em sua tese de doutorado denominada Matemáticas nos usos e jogos de linguagem: ampliando concepções na Educação Matemática, realiza uma investigação filosófica que tem como propósito responder às duas seguintes perguntas: 1. Que usos têm sido feitos da expressão ‘matemática’?; 2. O que esses diferentes usos poderiam sugerir? Tomando como referência os diferentes modos como a palavra ‘matemática’ é mobilizada em um conjunto de textos de educação matemática, e ancorada em um referencial wittgensteiniano, a autora aprofunda e problematiza as questões orientadoras de sua investigação, concluindo pela necessidade de se ampliar o campo de concepções relativas à educação matemática. A partir daí, a autora apresenta uma “uma compreensão das matemáticas como práticas sociais”, acrescentando ao referencial teórico constituido, elementos da Teoria da Prática de Bourdieu. Os diferentes usos da expressão “matemática” poderiam sugerir, do ponto de vista sociológico, uma tensão no campo das matemáticas expresso no questionamento quanto ao monopólio da definição do campo e das atribuições dele por matemáticos. E, ainda, o reconhecimento, na educação matemática, de produção de conhecimentos matemáticos por outros agentes deste campo que não os matemáticos. No capítulo 5, intitulado Os Conhecimentos Matemáticos e a Experiência dos Sentidos: as elaborações de Diderot, d’Alembert, Condillac e Condorcet, Maria Laura Magalhães Gomes, com base em sua tese de doutorado denominada Quatro visões iluministas sobre a educação matemática: Diderot, D’Alembert, Condillac e Condorcet, defendida em 2003, apresenta considerações a respeito das concepções de Denis Diderot (1713-1784), Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783), Étienne Bonnot de Condillac (1714-1780) e Marie-Jean-Nicholas Caritat, o marquês de


Condorcet (1743-1794), quanto aos fundamentos psicológicos dos conhecimentos matemáticos, destacando-se o fato de que as ideias desses autores integram a história das ideias psicológicas, isto é, das ideias produzidas anteriormente à constituição da psicologia como uma disciplina científica. Em seu texto, a autora defende o ponto de vista de que, de maneira geral, Diderot, d’Alembert, Condillac e Condorcet propuseram, sobretudo tomando como ponto de partida a obra de John Locke (1632-1704), visões de natureza empirista-sensacionista quanto à origem dos conhecimentos humanos. Pondera, entretanto, que cada um dos quatro pensadores desenvolve suas próprias elaborações quanto a tal ponto de vista, particularmente no que diz respeito à cultura matemática. No texto de Gomes, são analisadas ideias presentes nos escritos dos quatro autores sobre o acesso à matemática proporcionado pelos sentidos humanos. Pensando especialmente nos modos como esses autores procuram fundamentar os conhecimentos matemáticos, a autora constata que a reflexão que realizaram sobre os aspectos psicológicos também faz parte da própria cultura educativa. Nesse sentido, a pesquisa histórica realizada por Gomes traz aportes ao entendimento do ideário historicamente produzido em nosso país acerca das potencialidades da aprendizagem matemática a partir do estímulo ao uso dos sentidos. A autora destaca ainda, em seu texto, que a confiança dos pensadores da Ilustração na percepção sensorial e na razão conduziu-os a valorizar imensamente a cultura matemática e científica, bem como a defender a difusão dos conhecimentos a elas ligados como forma segura do aperfeiçoamento humano. No texto do capítulo 6, denominado A Filosofia da Educação Matemática de Paul Ernest e suas Relações com as Filosofias da Matemática de Imre Lakatos e de Ludwig Wittgenstein, Wilson Pereira de Jesus, baseado em sua tese de doutorado denominada Educação matemática e filosofias sociais da matemática, avalia a pertinência do projeto social-construtivista de Paul Ernest de constituição de uma filosofia da educação matemática baseada em uma filosofia da matemática que tenta conciliar a filosofia falibilista da matemática de Imre Lakatos e a filosofia da matemática do segundo Ludwig Wittgenstein. Jesus tem também como propósito, em seu texto, verificar em que medida as filosofias da matemática de Wittgenstein e de Lakatos poderiam ser consideradas filosofias sociais da matemática, isto é, destacar, de cada um desses autores, os traços característicos de suas construções para concluir


a medida do social em suas respectivas filosofias da matemática. Para realizar esta verificação, o autor toma como eixos orientadores de sua análise os papéis que o contexto social desempenha, nessas filosofias, nas seguintes situações: 1) na forma de se conceber e explicar a natureza do conhecimento matemático e o grau de objetividade ou “certeza” de seus objetos, proposições e procedimentos; 2) na explicação da natureza e da origem dos objetos da matemática; 3) na explicação da aplicabilidade do conhecimento matemático na ciência, na tecnologia e em outros domínios do saber; 4) na explicação da atividade matemática dos matemáticos no presente e no passado. O texto de Jesus também apresenta uma tentativa de localização de possíveis interlocuções entre Lakatos e Wittgenstein, o que ocorre numa crítica axiológica de Lakatos a Wittgenstein, a partir de um livro de Stephen Toulmin - Human understanding -, publicado em 1972. No capítulo 7, intitulado Educação Matemática na CENP: possibilidades de interpretação, Gilda Lucia Delgado de Souza apresenta ao leitor uma síntese de sua tese de doutorado, defendida em 2005, sob o título Educação Matemática na CENP: um estudo histórico sobre condições institucionais de produção cultural por parte de uma comunidade de prática. Essa pesquisa teve como propósito proceder à constituição histórica do órgão estatal denominado “Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas” (CENP), órgão pertencente à Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo, bem como à formação e atuação da equipe de matemática dentro da CENP, de forma a iluminar determinados aspectos que transformaram significativamente conteúdos disciplinares e condutas profissionais por meio de práticas socioculturais de ensino escolar de matemática. Para realizar a sua pesquisa, a autora não apenas tomou fontes escritas como base documental, como também constituiu e analisou registros textuais de fontes orais na forma de depoimentos de professores que formaram a equipe de Matemática, e dos coordenadores da instituição. O texto procura, então, dar visibilidade aos tipos de condicionamentos históricos e institucionais que operam sobre os modos e sobre as razões pelas quais cultura matemática é mobilizada por comunidades oficiais situadas em posições privilegiadas em relação às comunidades de professores e estudantes no campo de relações assimétricas de poder em que estão envolvidas. No texto do capítulo 8, denominado Um Olhar sobre o Paradidático de Matemática, Andréia Dalcin, inspirada em sua dissertação de mestrado de


mesmo título, defendida em 2002, traz ao leitor uma síntese da análise de livros paradidáticos de matemática, destinados às séries finais do Ensino Fundamental, produzidos por autores brasileiros. Ainda que a pesquisa realizada não se situe propriamente no âmbito da investigação histórica, uma seção do texto de Dalcin é exclusivamente dedicada à análise de paradidáticos que mobilizam cultura matemática com narrativas de enfoque histórico. Desse modo, o texto dá visibilidade às características de um jogo de linguagem singular e situado - o discurso do livro paradidático - que tem como propósito pedagógico mobilizar cultura matemática conectada à sua história entre jovens estudantes. Finalmente, no capítulo 9, intitulado O Ensino de Matemática na Escola Técnica de Vitória nas Décadas de 1940 a 1960, o seu autor, Antonio Henrique Pinto, realiza o que poderíamos denominar de história de uma instituição escolar, na qual procura dar visibilidade às características das práticas situadas de mobilização de cultura matemática em uma escola técnico-profissionalizante. O texto é também baseado na tese de doutorado do autor, intitulada Educação matemática e formação para o trabalho: práticas escolares na Escola Técnica de Vitoria - 1960 a 1990, defendida em 2006. Com base em documentos referentes à memória da referida escola, a pesquisa histórica de Pinto teve como propósito realizar um mapeamento de práticas escolares que foram se constituindo no fazer pedagógico da educação matemática, no cotidiano da instituição focalizada, salientando suas continuidades e descontinuidades. Ressaltamos, finalmente, que o conjunto de estudos que o HIFEM passa a disponibilizar, com esta publicação, ao público mais amplo, certamente deverá contribuir com a ampliação e aprofundamento do complexo campo de diálogo que hoje se estabelece entre a história, a filosofia e a educação matemática.

Antonio Miguel


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