História, Memória e Educação

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Apresentação

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o ano de 2003, por meio do PQI/CAPES, os pesquisadores do HISTEDBR/UNICAMP e do Museu Pedagógico/UESB passaram a estreitar suas relações de pesquisa e produção sobre a História da Educação, bem como a discutir ou questionar o campo de estudos da memória. Vários foram os encontros e eventos e, deles, brotou este livro no qual uma polifonia de vozes anuncia que há muitas interpretações e interpelações sobre o campo de estudos da memória. Compreendemos que, além de relações sociais, relações com a natureza, relações das forças produtivas e outras, a história da humanidade é constituída por elementos de diferentes memórias – social, cultural e histórica – que se interpenetram de tal modo que é quase impossível separá-los. É difícil separar a memória social da cultural, porque uma condiciona a elaboração da outra, e as duas alimentam a história. A memória social passa, decididamente, pela memória cultural. E a história não pode prescindir de ambas. Os documentos manuscritos e impressos, as obras de arte, os monumentos históricos, a arquitetura das cidades e das fazendas, os objetos e documentos preservados, as fotografias dos “álbuns de família”, bem como os movimentos sociais, as variações no mundo do trabalho, a escola, os depoimentos pessoais registrados são fontes inestimáveis de memória e de história. Também são fontes inestimáveis as crenças e os valores cultivados por determinados grupos que, ao serem transmitidos de geração em geração, resultam na memória viva da sociedade.


Com base em marcos teóricos comuns, congêneres e até mesmo muitos distintos, os vários textos que compõem esta coletânea revelam que muitas manifestações da vida social, que costumamos classificar como econômicas, políticas, psicológicas, educacionais e artísticas, guardadas as suas especificidades didáticas e científicas, podem ser analisadas à luz de diferenciadas teorias. Destarte, na presente coletânea, podemos encontrar textos cujas temáticas discutem ou apresentam abordagens teóricas mais predominantes no campo que se estabelece entre História e Memória, as prospectivas de seu uso político, ideológico e, também, como campo interpretativo de um determinado objeto, fenômeno, lugar. No primeiro texto, Memória, presente e futuro o autor recompõe algumas discussões sobre História, Memória, Cultura e Cultura Escolar com o intuito de situar aspectos da memória relacionados à história e depois sobre a história e o tempo. Surpreendemo-nos com O “making of” de uma perspectiva psicossocial no estudo da memória que nos remete a mais de doze anos de pesquisas e de diálogo estabelecido entre a Psicologia Social da Memória, a temas de pesquisa sobre a memória de acontecimentos e de períodos históricos brasileiros, como o descobrimento do Brasil, a Era Vargas, o Regime Militar e, ainda em andamento, os Anos Dourados, e também, a trabalhos de natureza conceitual e teórica acerca de uma perspectiva própria da psicologia social no tratamento dos fenômenos da memória. Por sua vez, o texto intitulado Memória e cultura – denúncia da memória: a questão da cultura escolar discute a tensão entre o registro e seu uso, inclusive de interpretação, seja como registro simplesmente dado na consciência ou como registro lançado num suporte (como o texto escrito). Já o tema História e memória: uma análise totalizante ou fragmentária? situa os debates historiográficos mais conhecidos e sua ênfase na área de educação, deixando nas entrelinhas a concepção de que história e memória se tornam temas comuns na perspectiva da chamada nova história. Mais à frente, encontramos textos que questionam a memória e sua apropriação política e ideológica. No texto História, memória, educação o autor traça um diálogo valendo-se da etimologia do termo memória e o tece entre o ato de memorizar e o de esquecer, a fim de lembrar


que esses aspectos são socialmente (ou individualmente) determinados. Ou seja, falar de memória ou de esquecimento implica em considerar que sempre existem, social ou individualmente, critérios para selecão de fatos e/ou informações que deverão ser guardados ou descartados. As reflexões desembocam numa análise sobre as implicações da memória na perspectiva metodológica e teórica do marxismo. No texto Relações simbióticas entre memória, ideologia, história e educação, seus autores também desvelam a necessidade de discussão sobre os mecanismos de controle da transmissão da memória social, o que conduz à discussão sobre os usos da memória, seu papel na luta pela dominação e hegemonia ou, ainda, sua fragmentação, defendendo direta ou indiretamente que essa imbricação não pode ser desconsiderada quando nos referimos ao estudo da memória, educação e história. Em seguida, descansamos o olhar sobre um texto de abordagem mais narrativa que é História da arte como memória da cidade: o centro histórico de São Salvador da Bahia, que situa especialmente a importância do próprio patrimônio histórico como fonte de história e de memória, seus signos e transformações como auxiliares na compreensão da história da cidade nos seus diversos aspectos: econômicos, sociais, políticos e religiosos. Por meio do texto Memória e identidade social do trabalho, as autoras se apropriam de estudos da memória, ou seja, da “memória social” ou “memória herdada” para discutir as transformações que se sucederam no mundo do trabalho e seus reflexos sobre a identidade social dos trabalhadores. Já no texto Memória e territorialidade do ensino superior: a trajetória da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, a autora busca entender a história e a dinâmica das relações entre a Universidade e o lugar em que está instalada, sua trajetória e como se constrói sua memória e seus processos identitários. Por fim, no texto Feminismo y conocimiento de las mujeres y del género: rememorando su historia particular, vamos encontrar uma análise dedicada à temática do feminismo e do conhecimento das mulheres e do gênero, valendo-se da “elaboração de uma memória histórica do conhecimento das mulheres, em um sentido mais amplo,


que constitui, em realidade, uma reflexão ‘metateórica’”. Em suma, a História, a Memória e a Educação comparecem nos textos com base em uma visão de conjunto que, ao mesmo tempo em que dilui ou acentua as fronteiras entre esses campos de conhecimento, por meio das discussões sobre a teoria da memória, também delimitam as suas especificidades na relação dialógica estabelecida. Compreender essas facetas da realidade, à luz da teoria, bem como o estatuto ideológico que marca o presente, é um desafio que acompanha tanto os estudiosos do campo da memória e da educação, como os das outras áreas do conhecimento. Primeiro pelo contexto em que nos encontramos inseridos; depois, porque vivemos em uma conjuntura em que, cada vez mais, se observa a quebra e a manutenção das tradições como parte de um mesmo movimento que integra velocidade tecnológica – como um fenômeno de escala mundial, muitas vezes provocador de uma amnésia coletiva – e alienação, em grandeza global. Como qualquer outra instituição, a educação está inserida neste cenário, em que compreender o passado a fim de construir, no presente, um futuro melhor continua na pauta do dia, seja delegando esquecimento às memórias coletivas e sociais, seja na luta para não perdê-las. Este conflito vem acompanhado das discussões teóricas em várias ciências e explica, em parte, o fato de os estudos sobre a memória retornarem, cada vez mais contundentes, nos últimos anos.

Uma boa leitura!


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