Introdução
As obras centrais do pensamento brasileiro, oriundas da década de 1930, continuam com sua presença e valor indiscutíveis no alvorecer do século XXI. Evolução Política do Brasil (1933) e Evolução do Brasil Contemporâneo (1942) de Caio Prado (1907-1990); Casa-Grande & Senzala (1933) de Gilberto Freyre (1900-1987) e Raízes do Brasil (1936) de Sergio Buarque de Holanda (1902-1982) em Evolução Política no Brasil significam a redescoberta do Brasil no sentido cultural e intelectual. Caio Prado insere, pela primeira vez, o método dialético, Gilberto Freyre renova a antropologia com a influência de Franz Boas, valorizando as diferenças étnico-culturais, e Sergio Buarque traz o aporte da história e da sociologia com embasamento e inovação weberiana. Queremos com estas leituras estabelecer um diálogo com os três demiurgos do pensamento brasileiro em cujas leituras 13
aparecem o proprietário privado de Caio Prado; o patriarcalismo de Gilberto Freyre e o patrimonialismo de Sergio Buarque. Caio Prado, mesmo inserido no pensamento materialista histórico e dialético, jamais teve uma falsa ou ambígua apreciação da história. Talvez pequenas incorreções transitórias no processo do seu pensamento histórico. Todos temos uma tendência filosófica quer no campo idealista, realista, fenomenológico ou analítico, mas um intelectual bem intencionado como Caio Prado deixa em evidência as relações entre o ser pensante e a realidade objetiva. Há uma teoria do conhecimento resultante do conhecimento objetivo em Caio Prado e isso o encaminha para a lógica que busca o consenso universal, mas não para uma lógica das regras formais. Caio Prado penetra pelo âmbito do materialismo histórico e vai interpretando o campo factual, difícil e complexo da história do Brasil, desde a sua colonização até as realidades recentes do acontecer histórico, político e econômico. Tentaremos mostrar, nesta análise, o valor do mestre e intelectual Caio Prado, dividindo a tarefa em duas unidades: o método e o pensamento histórico, político e econômico, colocando em relevo a inovação e crítica nos estudos da história. A obra de Gilberto Freyre, Casa-Grande & Senzala, foi recebida com entusiasmo e popularidade, devido ao estilo não convencional, pelas novas perspectivas sobre relações raciais, sexuais, patriarcais e familiares, na óptica da antropologia cultural. A preocupação de mostrar e explicar o papel do mestiço e do negro, utilizando novas categorias de análise, contrasta com a negativa da época, uma ruptura com a postura cronológica clássica e o imobilismo do passado. 14
As implicações socioantropológicas facilitaram o enten dimento da herança cultural brasileira, assim como a subjetividade mística que caracterizou e caracteriza o ser brasileiro na convi vência racial e tensional. Gilberto Freyre preserva o sentido da subjetividade diante da importância científica da objetividade, para tecer a sua empatia no desdobramento social brasileiro. Como a narrativa possui um belo efeito estético, inserida na cultura popular aliada aos liames simétricos da cientificidade, vimos a necessidade de nomear e explicar brevemente a estrutura linguística que emerge da obra, isto é, o cientista e o escritor estão juntos tanto na objetividade quanto no aspecto morfossintático, nas metáforas, nos tropos etc. Contudo, nada é finito e completo num trabalho vasto como o do autor de Casa-Grande & Senzala. Por isso, deixamos em relevo alguns pontos discordantes da obra dentro da perspectiva de alguns intelectuais. Hoje, críticos exigentes da obra, como Gorender, Miguel Reale ou marxistas, reconhecem seu valor como um marco na história da cultura brasileira. No Capítulo 1, apresentamos um escorço biográfico do autor, enfatizando os elementos que irão contribuir para a sua obra monumental. Depois nos atemos à metodologia e seu aspecto científico, enfatizando um trânsito dialético entre o cientista e o escritor. Em seguida, veremos como Freyre cercou-se de intelec tuais, especialmente Simmel e Boas, para qualificar o aspecto cultural e não racial da caracterização e valorização de um povo, assim como a realidade da função patriarcalista do senhor de engenho e sua relação com o escravo. 15
Finalmente, sob a influência de Max Weber, Sergio Buarque assinala os tipos sociais e as questões burocráticas do Estado, busca demonstrar historicamente que o Brasil nasce, à diferença da América Espanhola, do rural para o urbano, por isso o português será o semeador e o espanhol o ladrilhador, aquele numa visão assimétrica da colonização portuguesa e este na visão simétrica do urbano espanhol da América. Vários conceitos estruturais estarão presentes na obra de Sergio Buarque, sobre os quais teremos a oportunidade de refletir: o papel do aventureiro e do trabalhador – o primeiro dependente de oportunidades, da esperteza e de resultados imediatos, este, o trabalhador dependente da terra, um lutador mas sem condições de riqueza. Um conceito bastante utilizado até os nossos dias e expli citado por Sergio Buarque é o de homem cordial, marcado pelo personalismo derivado do poder familiar e pouco afeito à concepção de uma tarefa impessoal, conseqüência disso é a relação entre o público e o privado, elementos importantes para explicar a formação histórica e a psicologia do ser brasileiro. O culto do personalismo, levado a sério como forma de domínio, tem em sua extensão o bacharelismo tão decantado na história nacional, onde valiam mais os jogos de palavras, a sinuosidade dos argumentos e a retórica abstrata. Tudo isso é parte integrante dessa obra grandiosa de Raízes do Brasil de Sergio Buarque de Holanda e motivo de satisfação para nós. Caio Prado, Gilberto Freyre e Sergio Buarque redescobrem o Brasil e nós somos seus acompanhantes nesta reflexão.
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