Shalom Mana 187

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CombateR

a pobreza, Construir

a paz

atualidade

O Continente da Esperança à luz da Encíclica “Spe Salvi”

a Igreja celebra

Santa Bakhita e os caminhos da Providência Divina

Fé e Razão

A Esperança na pregação de Paulo


E D I T O R I A L

C

CONSTRUIR A PAZ

aro(a) leitor(a), Trazemos como Assunto do Mês desta edição a belíssima homilia do Santo Padre, o Papa Bento XVI, na missa da Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, no Dia Mundial da Paz, na Basílica de São Pedro. Nela o Santo Padre diz: “Há uma pobreza, uma indigência, que Deus não quer e que é “combatida”, uma pobreza que impede às pessoas e às famílias de viverem segundo sua dignidade; uma pobreza que ofende a justiça e a igualdade e que, como tal, ameaça a convivência pacífica. Nesta acepção negativa cabem também as formas de pobreza não material que se reencontram justamente nas sociedades ricas e progredidas: marginalização, miséria relacional, moral e espiritual. (...) Frente a pragas difundidas quais doenças pandêmicas, a pobreza das crianças e a crise alimentar, tive o dever, infelizmente, de voltar a denunciar a inaceitável corrida armamentista. Por um lado se celebra a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e por outro, se aumentam as despesas militares, violando a própria Carta das Nações Unidas, que empenha a reduzi-la ao mínimo. Por outro lado, a globalização elimina certas barreiras, mas pode construir novas, por isso, é necessário que a comunidade internacional e cada um dos Estados sejam sempre vigilantes; é necessário que não abaixemos mais a guarda em relação aos perigos de conflito, ao contrário, se empenhem a manter alto o nível da solidariedade”. Também nesta edição você poderá conhecer e encantar-se com o testemunho de vida de Santa Bakhita, escrava africana que foi canonizada por João Paulo II no ano 2000. Como em dezembro último o mundo inteiro celebrou os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, entrevistamos o professor Paulo Fernando Andrade, vice-decano de Pós-Graduação e Pesquisa do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Nela você conhecerá melhor a relação entre a Igreja, sua Doutrina Social e os direitos humanos. Isso é só o começo. Cada página da Shalom Maná traz uma surpresa para você. Artigos discernidos e elaborados para que você, querido leitor, possa crescer no amor a Deus e a Igreja. Queremos saber a sua opinião. Por isso não deixe de nos escrever (editora@edicoesshalom.com.br) e partilhar conosco as suas dúvidas e sugestões. Será uma alegria conhecer você. Shalom! Que Deus o abençoe. Até o próximo mês. SERVIÇO DE APOIO AO ASSINANTE ce 040 - s/n - Km 16 - divinéia - aquiraz/ce - 60170-000 Para assinar ou renovar: (85) 3091.2420 / 8879.7823 Para anunciar: (85) 3308.7402 Para sugestões, dúvidas, reclamações e testemunhos, ligue-nos ou escreva-nos: revista@edicoesshalom.com.br / www.edicoesshalom.com.br / www.comunidadeshalom.org.br

E X P E D I E N T E coordenação Geral cRIStIano tuLI coordenação editorial andRÉa Luna VaLIm eLIana GomeS LIma equipe de Redação andRÉa Luna VaLIm andRÉIa GRIPP eLIana GomeS LIma JoSÉ RIcaRdo F. BeZeRRa Revisão maRIa maIa coSta LIma JoSÉ RIcaRdo F. BeZeRRa SandRa VIana editor de arte auGuSto F. oLIVeIRa colaborou nesta edição JoSeFa aLVeS doS SantoS Gerente comercial SuZana aLBuQueRQue assinaturas cIcILIana taVaReS Lane maRQueS Jornalista Responsável eGÍdIo SeRPa


SUMÁRIO

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a Igreja celebra

Santa Bakhita e os caminhos da providência Divina

e espiritualidade 17 arte Graça e Iniqüidade no Paraíso

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atualidade

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orando com a Palavra

O Continente da Esperança à luz da Encíclica “Spe Salvi”

A Palavra está muito perto de ti

Palavra do Papa 04 aDeus conquista com a

Parresia 13 Instituto Israel: a história do

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mansidão do amor

08

especial Sobre os telhados espiritualidade Onde fala Jesus? E onde Ele não fala?

e Razão 10 Fé A Esperança na

pregação de Paulo

povo eleito

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especial O demônio existe?!?! entrevista É com a fé que a Doutrina Social da Igreja começa

do mês 26 assunto Combater a pobreza, construir a paz

30 testemunho Sementeira da Paz

42 acontece no mundo

44 divirta-se

45 entrelinhas Palavras demais,

pessoas de menos


a PaLaVRa do PaPa

Deus conquista

com co m a mansidão do amor Intervenção que Bento XVI pronunciou no dia 6 de janeiro de 2009, solenidade da Epifania do Senhor, por ocasião da oração mariana do Ângelus.

celebramos hoje a solenidade da epifania, a “manifestação” do Senhor. o evangelho conta como Jesus veio ao mundo com grande humildade e simplicidade. São mateus, contudo, refere-se ao episódio dos magos, que chegaram do oriente guiados por uma estrela, para prestar homenagem ao recém-nascido rei dos judeus.

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ueridos irmãos e irmãs, Celebramos hoje a solenidade da Epifania, a “manifestação” do Senhor. O Evangelho conta como Jesus veio ao mundo com grande humildade e simplicidade. São Mateus, contudo, refere-se ao episódio dos Magos, que chegaram do oriente guiados por uma estrela, para prestar homenagem ao recém-nascido rei dos judeus. Cada vez que escutamos esta narração nos impressiona o claro contraste que se dá entre a atitude dos Magos, por um lado, e a de Herodes e os judeus, por outro. O Evangelho diz que, ao escutar as palavras dos Magos, “o rei Herodes se sobressaltou e com ele toda Jerusalém” (Mt 2,3). É uma reação que se pode compreender de diferentes maneiras: Herodes se alarma porque vê naquele a quem os Magos buscam um concorrente dele e dos seus filhos. Os chefes e os habitantes de Jerusalém, pelo contrário, parecem ficar atônitos, como se despertassem de certa sonolência e precisassem refletir. Isaías, na verdade, havia anuncia-

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do: “Um menino nos nasceu, um filho nos foi dado; ele recebeu o poder sobre seus ombros, e lhe foi dado este nome: Conselheiro maravilhoso, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz” (Is 9,5).

Por que Jerusalém se sobressalta então? Parece que o Evangelho quer antecipar a posição que depois os sumos sacerdotes e o sinédrio tomarão, assim como parte do povo, diante de Jesus durante sua


vida pública. Certamente, destacase o fato de que o conhecimento das Escrituras e das profecias messiânicas não leva todos a se abrirem a Ele e à sua palavra. Isso recorda que, antes da paixão, Jesus chorou sobre Jerusalém, pois não havia reconhecido a hora em que havia sido visitada (cf. Lc 19,44). Tocamos aqui um dos pontos cruciais da teologia da história: o drama do amor fiel de Deus na pessoa de Jesus, que “veio para o que era seu e os seus não o receberam” ( Jo 1,11). À luz de toda a Bíblia, esta atitude de hostilidade, ambiguidade, ou superficialidade representa a de todo homem e a do ‘mundo’ – em sentido espiritual – quando se fecha ao mistério do verdadeiro Deus, que nos sai ao encontro com a mansidão do amor. Jesus, o “rei dos judeus” (cf. Jo 18,37), é o Deus da misericórdia e da fidelidade; ele quer reinar com o amor e a verdade e nos pede que nos convertamos, que abandonemos as obras más e que percorramos com decisão o caminho do bem. “Jerusalém”, portanto, neste sentido, somos todos nós. Que a Virgem Maria, que acolheu Jesus com fé, ajude-nos a não fechar nosso coração ao seu Evangelho de salvação. Deixemo-nos conquistar e transformar por Ele, o “Emanuel”, Deus vindo entre nós para dar-nos sua paz e seu amor. [Depois de rezar o Ângelus, o Papa acrescentou:] Dirijo minhas felicitações aos irmãos e irmãs das Igrejas Orientais, que, seguindo o calendário juliano, celebrarão amanhã o Santo Natal. Que a memória do nascimento do Salvador acenda cada vez mais em seus corações a

alegria de ser amados por Deus. A lembrança destes irmãos nossos na fé me leva espiritualmente à Terra Santa e ao Oriente Médio. Acompanho com profunda preocupação os violentos confrontos armados que acontecem na Faixa de Gaza. Enquanto confirmo que o ódio e a rejeição do diálogo não trazem mais que guerra, quero hoje estimular as iniciativas e os esforços de quem, amando a paz, está tentando ajudar os israelenses e palestinos a sentar-se ao redor de uma mesa e dialogar. Que Deus apóie o compromisso destes “construtores da paz!”.

A festa da Epifania em muitos países é também a festa das crianças. Penso especialmente em todas as crianças, que são a riqueza e a bênção do mundo, e sobretudo naquelas às quais se nega uma infância serena. A festa da Epifania em muitos países é também a festa das crianças. Penso especialmente em todas as crianças, que são a riqueza e a bênção do mundo, e sobretudo naquelas às quais se nega uma infância serena. Desejo chamar a atenção, em particular, sobre a situação de dezenas de crianças e

jovens que, nestes últimos meses, inclusive no período natalino, na província oriental da República Democrática do Congo, foram sequestrados por grupos armados que atacaram as aldeias e causaram numerosas vítimas e feridos. Lanço um apelo aos autores destas brutalidades inumanas, para que devolvam estes jovens às suas famílias e ao futuro de segurança e desenvolvimento ao qual têm direito, junto a essas queridas populações. Manifesto ao mesmo tempo minha proximidade às igrejas locais, também atingidas tanto em seus filhos como em suas obras, enquanto exorto os pastores e fiéis a permanecerem fortes e firmes na esperança. Os episódios de violência contra os jovens, que infelizmente se registram também em outras partes da terra, são ainda mais deploráveis se consideramos que em 2009 se celebra o 20º aniversário da Convenção dos Direitos da Criança: um compromisso que a comunidade internacional está chamada a renovar para defender e promover a infância no mundo inteiro. Que o Senhor auxilie aqueles que trabalham diariamente ao serviço das novas gerações – e são inúmeras! –, ajudandoos a ser protagonistas de seu futuro. A Jornada da Infância Missionária, que também se celebra na festa da Epifania, é uma ocasião oportuna para sublinhar que as crianças e os jovens podem desempenhar um papel importante na difusão do Evangelho e nas obras de solidariedade com os mais necessitados de sua mesma idade. Que o Senhor os recompense! www.edicoesshalom.com.br

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eSPecIaL

a espionagem de todo tipo é marca antiga nas práticas dos que consideram este um caminho eficiente na busca da verdade e no tratamento adequado da realidade. Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo de Belo Horizonte/MG

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espionagem de todo tipo é marca antiga nas práticas dos que consideram este um caminho eficiente na busca da verdade e no tratamento adequado da realidade. Morbidez, comércio, dinheiro, disputa de poder, vingança, interesses, perversidades, vantagens, planos para prejudicar e o desejo incontrolável de dominação, uma lista incalculável de outros itens, compõem este quadro que leva à prática da espionagem. Já se atingiu uma verdadeira sofisticação neste âmbito, enquanto ao mesmo tempo se mantém a escuridão própria do que não é praticado às claras. A sofisticação dos avanços tecnológicos inclui uma lista surpreendente de artefatos que dão suporte a esta prática. Uma caneta presa ao bolso ou um relógio de pulso bastam para gravar conversas. São equipamentos que transmitem freqüência de imagem e som. E o telefone que capta o áudio e o remete para qualquer parte do mundo? Tem também maleta para interceptar ligações de celular. É um mercado muito bem alimentado. E as câmeras escondidas em bonés, maços de cigarro, bolsas, botões de camisa, fichários e agendas? Do mesmo modo que se compra um jantar se encomenda um grampo telefônico. Câmeras ocultas, dissimuladas, variados tipos de artefatos para escuta, disfarçados em despertador, calculadora, “mouse”; dispositivos microauricular e outros. Há um bom midiático a respeito do assunto, mostrando as possibilidades para os usuários dos serviços e deixando em alerta

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e paranóicos os outros todos. É uma verdadeira guerra que se instala, com a perversidade do comércio e a sofisticação das configurações tecnológicas. De um lado os recursos para bisbilhotar a vida alheia; de outro lado também o desenvolvimento de recursos para garantir proteção e privacidade anulando a espionagem. Este cenário hospeda, ao mesmo tempo, o lado doentio dos que se alimentam da curiosidade; os que buscam informações e recursos para alcançar interesses próprios e de grupos; os mecanismos para encontrar em falas a saída para prejudicar os outros; o caminho curto que dispensa o diálogo e a verdade no relacionamento; também a questão do direito à privacidade que a Constituição Federal, artigo 5º., garante a cada cidadão. Esta febre da espionagem, recurso espúrio e doentio na luta mórbida pelo poder, tem um contra-ponto muito interessante num ensinamento clássico e central de Jesus, quando ele chamou os seus discípulos e os enviou em missão. É um contra-ponto simples e de extrema sabedoria. Uma sabe-


A maestria de Jesus adverte e treina os seus discípulos para uma dimensão ética alargada e enraizada, como caminho único na construção do relacionamento fundado sobre os pilares da verdade, da liberdade e da justiça. doria que dá ao discípulo um incalculável poder de domínio e liberdade sobre tal situação. Enviando os seus discípulos em missão, Jesus fez-lhes importantes recomendações: “Vede, eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos. Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas. Cuidado com as pessoas, pois vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas sinagogas. Quando vos entregarem, não vos preocupeis em como e o que falar, pois não sereis vós que falareis, mas

A sofisticação dos avanços tecnológicos inclui uma lista surpreendente de artefatos que dão suporte a esta prática. o Espírito do vosso Pai falará em vós. O irmão entregará à morte o próprio irmão; o pai entregará o filho; os filhos se levantarão contra os pais e os matarão. Não tenhais medo deles. Não há nada de oculto que não venha a ser revelado, e nada de escondido que não venha a ser conhecido. O que vos digo na escuridão, dizei-o à luz do dia; o que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os telhados”, narra o evangelista Mateus 10,16-27. A maestria de Jesus adverte e treina os seus discípulos para uma dimensão ética alargada e enraizada, como caminho único na construção do relacionamento

fundado sobre os pilares da verdade, da liberdade e da justiça. Outra dinâmica ou outra direção estão na contramão dos valores e dos princípios que devem reger a conduta cidadã e a condição de autêntico discípulo. Há quem indique não falar ao telefone para escapar o risco de ser grampeado. O controle sobre os que espionam é praticamente impossível. Viver a paranóia da desconfiança geral, certamente, não é o caminho. Contra-atacar, parece óbvio, não é o caminho certo na defesa da própria privacidade. O contexto é confuso. Além dos mecanismos sofisticados e dos interesses variados, nesse processo têm interesses muitos que jamais estariam relacionados numa lista de espiões e dos que usam destes mecanismos para alcançar suas metas. A indicação de Jesus, edificada na transparência de atos e intenções, faz lembrar o tempo das histórias: era uma vez. O tempo das histórias de verdade. Era uma vez, um homem honesto e simples; pai de família e trabalhador. Sua vida era o trabalho empenhado. Suas escolhas eram simples. Seus interesses eram cidadãos. Seu comportamento era exemplar. Dele sempre diziam: é o homem mais honesto da cidade. Não mentia, não fofocava, era fiel e justo. Conduta moral exemplar. Admirado e respeitado. Este homem jamais teve medo de espionagem. www.edicoesshalom.com.br

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eSPIRItuaLIdade

Onde fala Jesus?

E onde Ele

não fala? Quase igualmente importante como saber onde fala Jesus hoje é saber onde não fala. ele não fala certamente através de magos, adivinhos, astrólogos, pretensas mensagens extraterrestres; não fala nas sessões de espiritismo, no ocultismo.

Frei Raniero Cantalamessa o.f.m.

“E

ste é meu Filho amado, escutai-o”. Com estas palavras, Deus Pai dava Jesus Cristo à humanidade como seu único e definitivo Mestre, superior às Leis e aos profetas. Onde fala Jesus hoje, para que possamos escutá-lo? Fala-nos antes de tudo por meio de nossa consciência. Ela é uma espécie de “repetidor”, instalado dentro de nós, da própria voz de Deus. Mas, por si só ela não basta. É fácil fazê-la dizer o que nós gostamos de escutar. Por isso, necessita ser iluminada e sustentada pelo Evangelho e pelo ensinamento da Igreja. O Evangelho é o lugar por excelência no qual Jesus fala-nos hoje. Mas, sabemos por experiência que também as palavras do Evangelho podem ser interpretadas de maneiras distintas. Quem nos assegura uma interpretação autêntica é a Igreja, instituída por Cristo precisamente com tal

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fim: “Quem a vós escuta, a mim escuta” (Lc 10,16). Por isso, é importante que busquemos conhecer a doutrina da Igreja, conhecê-la em primeira mão, como ela mesmo a entende e a propõe, não na interpretação – freqüentemente distorcida e redutiva – dos meios de comunicação.

Há um só mediador entre Deus e os homens; não estamos obrigados a ir “às cegas” para conhecer a vontade divina, a consultar isto ou aquilo. Em Cristo temos toda resposta. Quase igualmente importante como saber onde fala Jesus hoje é saber onde não fala. Ele não fala certamente através de magos, adivinhos, astrólogos, pretensas mensagens extraterrestres; não fala nas sessões de espiritismo, no ocultismo. Na Escritura, lemos esta advertência a respeito: “Não haja entre ti ninguém que faça passar seu filho ou sua filha pelo fogo, que pratique adivinhação, astrologia, feitiçaria ou magia, nenhum encantador nem consultor de fantasmas ou adivinhos, nem invocador de mortos. Porque todo aquele que faz estas coisas é uma abominação para teu Deus” (Dt 18,10-12). Estes eram os modos típicos dos pagãos de referir-se ao divino, que buscavam a sorte consultando os astros, ou vísceras de animais, ou no vôo dos pássaros. Com essa palavra de Deus: “Escutai-o!”, tudo aquilo acabou. Há um só mediador entre Deus e os homens; não estamos obrigados a ir “às cegas” para conhecer a vontade divina, a consultar isto ou aquilo. Em Cristo temos toda resposta. Lamentavelmente, hoje aqueles ritos pagãos voltam a estar na moda. Como sempre, quando diminui a verdadeira fé, aumenta a superstição. Tomemos a coisa mais inócua de todas: o horóscopo. Pode-se dizer que não existe jornal ou emissora de rádio que não ofereça diariamente a seus leitores ou ouvintes o horóscopo. Para as pessoas maduras, dotadas de um mínimo de capacidade crítica ou de ironia, isso não é mais que

uma inócua brincadeira recíproca, uma espécie de jogo e de passatempo. Mas, enquanto isso, olhemos os efeitos ao largo. Que mentalidade se forma, especialmente nos jovens e nos adolescentes? Aquela segundo a qual o êxito na vida não depende do esforço, da aplicação no estudo e constância no trabalho, mas de fatores externos, imponderáveis; de conseguir dirigir em proveito próprio certos poderes, próprios ou alheios. Pior ainda: tudo isso induz a pensar que, no bem ou no mal, a responsabilidade não é nossa, mas das “estrelas”, como pensava Ferrante, de lembrança manzoniana (em referência ao romance “Os noivos” de Alessandro Manzoni, 1785-1873) Devo aludir a outro âmbito no qual Jesus não fala e onde, contudo, se lhe faz falar todo o tempo. É o das revelações privadas, mensagens celestiais, aparições e vozes de natureza variada. Não digo que Cristo ou a Virgem não possam falar também através destes meios. Fizeram-no no passado e podem fazer, evidentemente, também hoje. Só que antes de dar por certo que se trata de Jesus ou da Virgem, e não da fantasia enferma de alguém, ou pior, de farsantes que especulam com a boa fé das pessoas, é necessário ter garantias. Necessita-se neste campo esperar o juízo da Igreja, não precedê-lo. São ainda atuais as palavras de Dante: “Sede, cristãos, mais firmes ao mover-vos; não sejais como pena a qualquer sopro” (Par. V,73s.)

Lamentavelmente, hoje aqueles ritos pagãos voltam a estar na moda. São João da Cruz dizia que desde que, no Tabor, disse-se de Jesus: “Escutai-o!”, Deus se fez, em certo sentido, mudo. Disse tudo; não tem coisas novas para revelar. Quem lhe pede novas revelações, ou respostas, ofende-o, como se não se houvesse explicado claramente ainda. Deus segue dizendo a todos a mesma palavra: “Escutai-o!”, lede o Evangelho: aí encontrareis nem mais nem menos do que buscais. www.edicoesshalom.com.br

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FÉ e RaZÃo

a esperança volta-se para os bens futuros e escatológicos. esta é a confiança absoluta em deus, certeza da parusia, entusiasmo e alegria. É confiança que se reforça na certeza plena da ressurreição de cristo, tornando-se assim, sentimento especificamente cristão. Sílvio Scopel Missionário da Com. Católica Shalom em Fortaleza/CE

P

aulo coloca as Virtudes Teologais como obra do Espírito Santo na vida do fiel e da comunidade. Basta lembrarmos sua belíssima explicação sobre os dons do Espírito Santo que fazem da comunidade um corpo místico

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Shalom Maná - Fevereiro/2009

em 1Cor 12,1-11. Na sequência, temos o Hino à Caridade no capítulo 13, no qual o Apóstolo também cita a Fé e a Esperança. Isso nos mostra que a Esperança é fruto da ação do Espírito Santo na comunidade, ou seja, é uma potência divina que age na comunidade e no fiel tendo em vista gerar uma vida mais íntima com Cristo. A Esperança volta-se para os bens futuros e escatológicos. Esta é a confiança absoluta em Deus, certeza da parusia, entusiasmo e alegria. É confiança que se reforça na certeza plena da ressurreição de Cristo, tornando-se assim, sentimento especificamente cristão. Os pagãos não a possuem. Escrevendo aos Efésios diz: “Lembrai-vos de que naquele tempo éreis sem Cristo... sem esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2,12). As perspectivas futuras dos mistérios pagãos são muito vagas para fazer frente à esperança cristã, como também, entre os judeus, a confiança em Deus não vai até a esperança certa na vida eterna. Somente o discípulo de Cristo tem uma Fé


que lhe permite esperar confiante em alcançar no e do seu Mestre a Bem-aventurança eterna. A Esperança projeta o apóstolo na direção dos bens escatológicos. Se dependesse somente da sua vontade Paulo desejaria logo ir ao encontro do Senhor ainda revestido da sua carne mortal, ou seja, ele desejaria assistir a parusia antes da sua morte, mas se esta tardará, ele também seria feliz se morresse para antecipar o seu encontro com o Senhor (cf. 2Cor 5,6-9). É justamente a segunda vinda de Cristo, com toda a alegria e glória que ela trará, o objeto primário, mais expressivo e concreto das expectativas cristãs. O verdadeiro crente é aquele que espera, com a alma inundada de alegria, o Senhor que pode retornar a qualquer momento. Espera-o com o único desejo de ser por Ele bem-aceito. Esta perspectiva é o grande motivo para estar sempre vigiando e para banir todo espírito de sonolência e de acídia: “Eis a hora de sairdes do vosso sono, hoje... a salvação está mais próxima de nós do que no momento

em que abraçamos a fé. A noite vai adiantada, o dia está bem próximo, rejeitemos pois as obras das trevas e revistamos as armas da luz” (Rom 13,11-12). Neste texto percebemos que no coração de Paulo, a Esperança do encontro definitivo com Cristo é algo que nos põe em movimento, que nos lança para frente, que nos convoca para um combate a ser combatido com as armas da luz. A espera não se dá na passividade como se já estivéssemos conquistado a perfeição, mas na luta, na caminhada, na renúncia ao que pertence às trevas e na adesão àquilo que pertence à luz, ou seja, no acolhimento de Cristo. O Dia do Senhor está se aproximando cada vez mais. E já se préanunciam os primeiros encantos de uma luz envolvente da qual nos revestimos como que de uma esplêndida veste. Esta luz resplandece nas obras dos cristãos que vivendo na luz, esperam a luz definitiva. Para Paulo, o seu primeiro encontro com Cristo, na estrada de Damasco, teria sido um absurdo

O verdadeiro crente é aquele que espera, com a alma inundada de alegria, o Senhor que pode retornar a qualquer momento.

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A espera não se dá na passividade como se já estivéssemos conquistado a perfeição, mas na luta, na caminhada, na renúncia ao que pertence as trevas e na adesão aquilo que pertence a luz, ou seja, no acolhimento de Cristo.

se não houvesse a perspectiva do segundo: “Se depositamos a nossa confiança em Cristo somente para esta vida terrena, somos os mais dignos de pena de todos os homens” (1Cor 15,19). E o confirma num outro texto: “... eu considero que tudo é perda em comparação deste bem supremo que é o conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor... trata-se de conhecê-lo a Ele, ao poder de sua ressurreição...” (Fil 3, 8.10). Toda a vida é para Paulo uma grande corrida, um grande estádio, espaço no qual conquistamos o grande troféu: Cristo Jesus. Ele coloca as tribulações do seguimento de Jesus como lugar de Esperança. Essas tribulações nos fazem partícipes das tribulações de Cristo, são penhor da salvação e certeza de que somos escolhidos. Os perseguidos são aqueles que hão de se salvar e os perseguidores serão os condenados (cf. 2Tes 1,4-6).

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“Sê firme e corajoso. o Senhor está contigo em qualquer parte onde fores.” Jos 1,9

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As tribulações são parte da vida daqueles que partilham a sorte de Cristo, que passou pelos sofrimentos dos tempos messiânicos para chegar à glória. E nós seguimos este caminho (cf. 1Tes 1,3; Rom 5,3-5), e experimentalmente, o Espírito Santo deposita em nós, por ocasião das tribulações, a alegria e o consolo, penhor e antecipação da glória futura (cf. 2Cor 1,3-6). Podemos concluir que, na pregação de Paulo, a Esperança aparece como aquela potência que tem a sua origem e fim no próprio Deus, que age no coração do fiel e em toda a comunidade cristã, fazendo com que por livre adesão, vivam na sadia expectativa do encontro definitivo com Cristo, vivendo na alegria todas as tribulações e perseguições porque conscientes de que a vida presente é espaço para ganhar Cristo.

Shalom Maná - Fevereiro/2009

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ISRAEL: A HISTÓRIA do Povo Eleito

Sílvio Scopel Missionário da Com. Católica Shalom em Fortaleza/CE

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o pr imeiro semestre de 2009 o Instituto Parresia oferecerá para você um curso sobre a História de Israel. Este curso pretende aprofundar, através do conhecimento histórico e da exegese, os livros do Pentateuco e os Livros Históricos das Sagradas Escrituras. Ou seja, faremos uma grande e emocionante viagem do Gênesis ao Segundo Livro dos Macabeus. Como meios de transporte para essa aventura utilizaremos os próprios Livros Sagrados, como também trabalhos exegéticos de vários grandes teólogos, livros de história, e por fim, escutaremos o que a arqueologia tem a nos dizer. Aprofundaremos o nosso conhecimento de grandes figuras bíblicas como nossos primeiros pais Adão e Eva, os grandes patriarcas Abraão, Isaac e Jacó. Conheceremos melhor Moisés, o homem utilizado por Deus para libertar o seu povo do Egito, estaremos combatendo ao lado do Rei David, homem eleito por Deus com todas as suas virtudes e fraquezas. Usufruiremos da sabedoria de Salomão, conheceremos a Reforma do Culto iniciada por Ezequias e concluída por Josias. Viveremos juntos o drama do exílio da Babilônia que foi a grande humilhação

do povo eleito de Deus. Estaremos ao lado desse povo que retornou para sua terra depois de 50 anos de sofrimentos e humilhações numa terra estrangeira. Lutaremos ao lado dos irmãos Macabeus pela fidelidade do culto ao Deus verdadeiro, e ainda, conheceremos melhor grandes figuras da história da humanidade, tais como Ramsés II, Teglat Pileser III, Ciro o grande, Alexandre Magno e outros. Tão importante como o conhecimento de todas essas figuras da Bíblia e da história da humanidade elencadas acima serão as exegeses que faremos de textos como “A Criação” em Gênesis 1 e 2, “O Pecado Original” em Gênesis 3, a “Revelação de Deus a Moisés” em Êxodo 3, “A Passagem do Mar

Vermelho” em Êxodo 13 e 14, “A Aliança do Sinai” em Êxodo 19 e 20, “A Instituição da Monarquia” em 1Samuel 8 e 9, “A Unção de David” em 1Samuel 16, “O Martírio dos 7 irmãos” em 2Mac 7 e outros textos de grande importância para a teologia hebraica-cristã. Você leitor pode estar se perguntando: mas porque estudar a História de Israel? Ora, o Povo de Israel são os nossos irmãos mais velhos na fé, são a santa raiz na qual nós fomos enxertados. Então, conhecer a História do Povo Eleito significa conhecer os primórdios da história da nossa fé cristã. Conhecer o amor e a eleição de Deus pelo Povo Eleito é conhecer o amor de Deus por nosso povo e contemplar a pedagogia de Deus para com o Seu Povo é também tomar conhecimento da pedagogia de Deus na minha vida pessoal. Deus me ama como ama o Povo Eleito, formado por suas mãos, Deus me conduz como conduziu a Nação Santa. Conhecer a História de Israel é também receber de Deus a chave de leitura para a minha vida pessoal. Então, você leitor: SEJA MUITO BEM-VINDO a essa magnífica e empolgante viagem!

Mais informações:

Tel: 8706.6171 / 3308.7434 a partir das 14h.

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a IGReJa ceLeBRa

ANTA S

BAKHITA e os caminhos da Providência Divina o papa Bento XVI, na sua encíclica Spe Salvi, narra de forma breve, mas muito comovente, o testemunho de como esta mulher, marcada pela dor, pela perda e pelo sofrimento, fez a real experiência de ter encontrado o amor de deus, a sua paternidade, um “patrão” diferente de todos os outros que somente a maltrataram.

Antonio Marcos de Aquino Missionário na Com. Católica Shalom em Fortaleza/CE

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ma grande parte da comunidade católica mundial só veio tomar conhecimento da vida da africana Bakhita, exatamente quando o papa João Paulo II a declarou santa, em ato solene na Basílica de São Pedro, no dia 1º de outubro de 2000, ano do Jubileu pela comemoração dos dois mil anos da encarnação do Verbo. A memória de Santa Josefina Bakhita é celebrada no dia 8 de fevereiro. O papa Bento XVI, na sua encíclica Spe Salvi, narra de forma breve, mas muito comovente, o testemunho de como esta mulher, marcada

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pela dor, pela perda e pelo sofrimento, fez a real experiência de ter encontrado o amor de Deus, a sua paternidade, um “patrão” diferente de todos os outros que somente a maltrataram. Quem foi Bakhita? Nasceu em Olgossa, aldeia pobre de Darfur, no Sudão meridional (África), por volta do ano de 1869. Sua família era constituída de 3 irmãos e 4 irmãs. O contexto cultural, político e religioso dessa região não era nada fácil. O vasto Sudão de Bakhita vivia uma situação política de lutas pelo poder. O mercado do tráfico de escravos que, por sua vez, eram raptados, independentemente da idade, e vendidos nos mercados africanos para servirem aos patrões. E nunca mais volta-


vam a ver suas famílias. Tinham o nome trocado (como assim aconteceu com Bakhita, nome árabe que significa “afortunada”) exatamente para que apagassem toda a história e os laços familiares. Passavam a ser considerados não mais pessoas, mas escravos destinados aos horrores, à humilhação e aos escárnios mais brutais.

“Eles não eram maus, – dizia Bakhita – apenas não conheciam o amor de Deus. Portanto, se o Senhor me quis bem, devo querer bem a todos, inclusive aos que me fizeram o mal. A religião predominante no Sudão sempre foi o islamismo. No entanto, a família de Bakhita não era islâmica, mas vivia certa crença chamada de “animismo”. Esta consistia em crer que por detrás e por dentro de todos os objetos que têm vida ou não, palpita a misteriosa presença de uma força superior. O “animismo” levava a um particular culto às almas dos mortos, pois acreditava que a alma é imortal. Daí o respeito que tinham pelos anciãos e pelas crianças ainda não nascidas. Tal crença imprimia dentro do coração a “idéia de um ser supremo onipotente” 1. A esse Ser onipotente Bakhita dará o nome de Deus, o Criador, o Supremo Bem, quando faz a feliz descoberta de que este Deus cheio de bondade é Pai, é misericordioso e é providente, cuidando dos seus filhos mesmo quando o mal e o sofrimento cruzam suas histórias.

A escravidão, os sofrimentos e o encontro com Cristo O próprio Papa Bento XVI narra o processo do rapto e da escravidão de Bakhita: “Aos nove anos de idade foi raptada pelos traficantes de escravos, espancada barbaramente e vendida cinco vezes nos mercados do Sudão. Por último, acabou escrava a serviço da mãe e da esposa de um general, onde era diariamente seviciada até o sangue; resultado disso foram as 144 cicatrizes que lhe ficaram para toda a vida. Finalmente, em 1882, foi comprada por um comerciante italiano para o cônsul Callisto Legnani, que, ante a avançada dos mahdistas, voltou para a Itália” 2.

“Foi o poder de Deus que transformou Bakhita – à semelhança de Cristo – naquela que enriquece muitos. A pobre menina escrava que não tinha nada demonstrou ser, na realidade, a única a possuir os maiores tesouros.

gregação das Irmãs da Caridade de Veneza). Bakhita conta que o seu primeiro passo para a fé foi o fato marcante do encontro com o administrador dos bens deste casal, Sr. Iluminado. Ele lhe dera um crucifixo e lhe falara de Jesus Cristo, do seu sangue derramado na cruz por amor a ela. Diz Bakhita: “Eu não sabia o que significavam aquelas palavras, mas sentia uma força misteriosa agindo dentro de mim. Ficava a contemplar aquela cruz quando estava sozinha”. No Catecumenato “as Irmãs Canossianas, com paciência, instruíram-me e me fizeram conhecer aquele Deus que eu desde criança sentia no coração”. O plano amoroso de Deus pra sua vida No dia 09 de janeiro 1890, Bakhita recebe os sacramentos do Batismo, da Crisma e da Eucaristia, recebendo o nome de Josefina. Bakhita se apaixonou por Jesus Cristo, o Filho de Deus, morto e ressuscitado. Diante da sua paixão do corpo e da alma e, no mistério da sua misericórdia, compreendeu que seus algozes não foram nada. Queria agora viver para Cristo como missionária, para levar seu amor a todos os homens. Tomava forma a vocação para a qual Deus a havia

No ano de 1885, o cônsul Callisto em visita ao amigo Augusto Michiele (católico romano), doou Bakhita para a sua esposa Maria Turina (ortodoxa russa). Bakhita conquistou este casal que, tendo sua filhinha Alice, resolveu confiá-la aos cuidados de Bakhita desde o berço. O casal precisou voltar para a África onde trabalhavam e, não querendo separar a criança de Bakhita porque a ela se afeiçoou, deixaram-nas aos cuidados das Irmãs Canossianas (Conwww.edicoesshalom.com.br

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de 1910” 3. Ir. Josefina emite seus votos perpétuos em Veneza no ano de 1927, e morre em 8 de fevereiro de 1947, no convento de Schio, aos 78 anos, chamando por Nossa Senhora a quem ela tinha especial devoção filial.

criado desde sempre. São misteriosos os caminhos da providência divina na vida de uma pessoa. Passados 3 anos, ela ingressou no noviciado das Filhas da Caridade e, em 1896, na Festa da Imaculada Conceição, emite seus votos temporários, passando a ser chamada de Ir. Josefina Bakhita. Transfere-se, seis anos depois, para a comunidade de Schio (Vicenza – Itália). Lá Bakhita conquista o coração do povo por causa das suas muitas virtudes, especialmente o acolhimento, a humildade e a caridade. Mulher afável, fala de misericórdia e dá conselhos que edificam a todos. Os que a ouvem se encantam do modo como fala da pessoa de Cristo, do seu amor e da sua compaixão. Eles a chamam de “Madre Morena”. A Ir. Josefina dizia sempre que “o Senhor tinha sido bom para com ela em toda a sua história e que toda a sua vida tinha sido um dom de Deus”. Em Schio, a convite da superiora, escreve o testemunho da sua vida e conversão, o que ficou conhecido como “Manuscrito

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“O Senhor me amou muito” Com esta expressão deixava sempre claro que não era coitadinha, mas do Senhor. Por isso, mediante a graça de Deus e a gratidão que Ele gerara no seu coração, perdoava a todos os que a haviam maltratado. “Eles não eram maus, – dizia Bakhita – apenas não conheciam o amor de Deus. Portanto, se o Senhor me quis bem, devo querer bem a todos, inclusive aos que me fizeram o mal. Rezo para que o Senhor seja também bom e generoso com eles”. Mesmo que tenha sido ilegal, o Brasil recebeu da África, no início da sua história, muitas levas de negros para o serviço escravo. Não se tem como pagar a contribuição da África para a construção do nosso país e da nossa cultura. No entanto, nossa resposta – além da abolição da escravatura – foi, certamente a colaboração providencial no processo de beatificação de Santa Josefina Bakhita. O milagre aceito pela Santa Sé e que lhe favoreceu a beatificação veio do Brasil, da Diocese de Santos/ SP, ano de 1992. Trata-se de Eva Tobias Costa. Ela sofria de fortes dores nas pernas, há 12 anos, com

possibilidades de amputação. Ao invocar a intercessão de Josefina Bakhita, ficou curada em menos de 24 horas. O Papa João Paulo II proclama a Ir. Josefina Bakhita “Beata” no dia 17 de maio de 1992. Com palavras carregadas de sentido e esperança diz diante da comunidade da África: “Foi o poder de Deus que transformou Bakhita – à semelhança de Cristo – naquela que enriquece muitos. A pobre menina escrava que não tinha nada demonstrou ser, na realidade, a única a possuir os maiores tesouros (cf. 2Cor 6,10). Ela vive precisamente como Cristo vive, apesar de Ele ter sido condenado à morte e crucificado. Ela vive com a vida d´Ele!” 4. Realmente o mal e o sofrimento não têm a última palavra nas nossas vidas quando encontramos verdadeiramente a Cristo. São insondáveis, Senhor, os teus desígnios, mas a fé nos faz perceber que nada, por mais absurdo que seja, é puro acidente. Deus sabe sempre tirar um bem maior de um aparente mal. “A bondade e a ternura de Deus nunca se esgotam, mas renovam-se cada novo dia. Grande é o teu amor, Senhor!” (Lm 3,21-23). Notas: 1. DAGNINO, Maria Luísa. Bakhita, da escravidão à liberdade, Loyola, 2000. 2. Bento XVI. Spe Salvi, 1, Paulinas, 2007. 3. Reproduzido e usado como fonte para a obra de DAGNINO e para este artigo. 4. João Paulo II. Homilia da celebração eucarística em honra da Beata Bakhita, em Cartum, 28 de fevereiro de 1993.


aRte e eSPIRItuaLIdade

GRAÇA E INIQÜIDADE no paraíso Cassiano Azevedo Missionário na Com. Católica Shalom em Fortaleza/CE

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ma das melhores representações da criação da mulher encontra-se no museu da catedral de Florença. Donatello a fez entre 1405 e 1407 em terracota vitrificada. Baseado em 2Gen vemos à esquerda, o homem deitado de lado num sono profundo. Ele não teve nenhuma participação na criação da mulher que lhe é tirada do lado, “não do pé como uma serva, nem da cabeça como uma patroa, mas do lado como uma companheira” como diz santo Anselmo. Se a olharmos frontalmente, a mulher esboça um sorriso profundo de felicidade e realização, pois é tirada da costela de Adão pelos braços vigorosos de amor do Pai a vemos se apoiar inteiramente sobre seus braços; é

assim que ela encontra sua identidade e missão mais profunda. Sem este apoio ela cai e consigo leva o homem a também cair. Quando Deus fez os animais apresentou-os ao homem que deu nome (autoridade) a eles, mas não encontrou uma ajuda adequada. Adão trava agora um momento de solidão: apesar de ter todo o paraíso, sente-se sozinho e incompleto. A presença da mulher cancela a ansiedade e a solidão do homem que é celebrada no canto de amor de um dos trechos mais poéticos da Bíblia no qual Adão exclama: “Eis vida (ossos) de minha vida (ossos) e eu (carne) de mim (carne) mesmo” e chama-a “isshah” (mulher) porque do “ish” (homem) foi tirada. Ao fundo nós v emos a árvore da ciência do bem e do mal sobre Adão e atrás do Criador, a árvore da vida, ambas intocáveis, ou seja, o homem era submisso ao seu Criador e confiava plenamente em sua essência mais profunda, o Amor. www.edicoesshalom.com.br

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O pecado original Adão e Eva expulsos do Paraíso Terrestre

O casal envolto em imensa dor encontra-se um ao lado do outro, mas numa terrível solidão a dois; só pensam na sua dor.

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reio que Masaccio foi um dos poucos artistas que representaram de modo tão dramático a expulsão de Adão e Eva do Paraíso terrestre como o fez em afresco na Capela Brancacci da Igreja de Santa Maria do Carmelo em Florença entre 1424 e 1425.

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O casal envolto em imensa dor encontra-se um ao lado do outro, mas numa terrível solidão a dois; só pensam na sua dor. Os olhos estão fechados, pois nada mais é puro. Doravante só o olhar de fé será suficiente para a restauração do paraíso primitivo. Adão inclina a cabeça. Perde a dignidade. Suas

mãos tapando a sua face de vergonha do pecado. Eva cobre com as mãos os seus órgãos genitais pela perca da pureza. Sua cabeça é calva e o que restou dos seus cabelos evocam a feiúra que se esconde atrás da sedução de cada pecado. Seus olhos fechados profundamente sulcados em seu rosto e sua boca aberta sem dentes entoam a intensa dor de toda a humanidade pelos frutos do primeiro ao último pecado a ser cometido na face da terra.


E

m 1550, Tintoretto nos presenteia com uma grande obra de arte sobre o Pecado Original, hoje encontrado na Galeria da Academia em Veneza. Ele consegue transmitir o instante particular da grande batalha travada na Consciência de Adão: confiar inteiramente na criação ou no Criador. O sinal do intenso combate são as trevas que parecem engolir a cabeça do homem. O texto básico é Gen 3. Deus havia dado todas as árvores do paraíso ao homem para comer, menos do fruto da árvore da ciência do bem e do mal porque no dia em que dela comesse morreria. A ordem de Deus para não comer da árvore significa que só Ele é apto para decidir o que é bom e o que é mal. Ao provar do fruto o homem quer tornar-se o árbitro da moral opondo-se ao desígnio divino que confere este cômpito somente a Ele. Satanás no entanto confunde o homem dizendo exatamente o

contrário: que o mal é bem e o bem é mal. A primeira investida é contra a mulher que movida pela curiosidade escuta a serpente e confundida, prova do fruto da morte e oferece a seu marido. A luz que banha o corpo de Eva não é mais do esplendor da Verdade, mas da sedução e do encantamento das criaturas. A linha da pintura se desenvolve na diagonal. Eva está com a mão enrolada na árvore da ciência do bem e do mal qual uma serpente e por isso encontra-se desequilibrada; seus pés tocam levemente no chão. Ela parece ter sido hipnotizada diante da intensidade de seu olhar fixo na criação simbolizada pelo fruto da árvore. Com sua mão direita (personalidade) enroscada na árvore e a mão esquerda a oferecer o fruto do orgulho e da desobediência que antes era mau, repulsivo, obscuro para a Verdade e agora se tornara bom de comer, sedutor de se olhar e precioso para se agir com clarividência.

Este momento se torna como um ciclone espiritual que atinge a sede das decisões do homem, o lugar sagrado que chamamos de consciência. A mulher avança, se inclinando não mais para o Criador, mas para o homem oferecendo o que para ela é a felicidade. Adão recua, mal toca os pés no chão, leva a mão direita ao queixo para refletir sobre a seriedade da opção que fará e se apóia na pedra com a mão esquerda que está prestes a escorregar. Se olharmos além da coxa direita de Eva, vemos o que vai acontecer: um Querubim expulsando o casal do paraíso. De fato, se ficassem poderiam ser tentados a comer do fruto da Árvore da Vida sendo revoltados não só contra a autoridade de Deus, mas também contra a sua natureza de Amor, tornando-se ódio como o tentador, sem maneira de ser salvo. Um detalhe: acima da mão direita de Eva é representado o diabo que com um fruto na boca encara o expectador oferecendo o fruto para você.

As lamentações de Jeremias diante da terrível destruição do templo e da nação Israelita, por Nabucodonosor, cabem bem na boca de Eva neste momento tão dramático da história da humanidade. “Oh! Ela mora na solidão, chora e chora durante a noite: lágrimas enchem-lhe as faces; não há para ela consolador, quão grande

amargura ela sofre; da bela Sião foge toda a sua honra. Lembra-se em seus dias de desterro e humilhação de todos os seus encantos que existiam nos dias de antanho. Ela faltou gravemente Jerusalém e por isso virou imundície. Sua impureza gruda em sua túnica; ela não pensava no que se seguiria. Vê Senhor minha humilhação, pois

o inimigo se engrandece. Olhai e vede se há dor semelhante a minha dor. Meus dois olhos se derretem em lágrimas, pois todo o meu ser está doente. Vê Senhor: para mim só angústia; reviram-se as minhas entranhas, agita-se em mim o coração, pois desobediente, desobedeci. Dentro era como a casa da morte (Lam 1).”

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eSPecIaL o mais importante que a fé cristã tem a dizer-nos não é, no entanto, que o demônio existe, mas que cristo venceu o demônio. Frei Raniero Cantalamessa, ofm.

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demônio, o satanismo e outros fenômenos relacionados são de grande atualidade e inquietam freqüentemente a nossa sociedade. Nosso mundo tecnológico e industrializado está repleto de magos, bruxos urbanos, ocultismo, espiritismo, escrutinadores de horóscopos, vendedores de feitiços, de amuletos, assim como de autênticas seitas satânicas. Expulso pela porta, o diabo entrou pela janela. Ou seja, expulso pela fé, voltou a entrar com a superstição. O episódio das tentações de Jesus no deserto, ajudanos a oferecer um pouco de clareza a este tema. Antes de tudo, existe demônio? Isto é, a palavra “demônio” indica de verdade alguma realidade pessoal, dotada de inteligência e vontade, ou é simplesmente um símbolo, um modo de falar que indica a soma do mal moral do mundo, o inconsciente coletivo, a alienação coletiva e coisas desse estilo? Muitos, entre os intelectuais, não crêem no demônio segundo o primeiro sentido. Mas se deve observar que grandes escritores e pensadores, como Goethe ou Dostoievski, levaram muito a sério a existência de satanás. Baudelaire, que não era certamente trigo limpo, disse que “a maior astúcia do demônio é fazer crer ele que não existe”. A principal prova da existência do demônio nos evangelhos não está nos numerosos episódios de libertação de possessos, porque na interpretação destes fatos pode haver influência de crenças antigas sobre a origem de certas doenças. Jesus tentado no deserto pelo demônio: esta é a prova. Provas são também os muitos santos que lutaram em vida contra o príncipe das trevas. Não são Quixotes que brigam contra moinhos de vento. Ao contrário: foram homens e mulheres concretos e de psicologia saudável. Se muitos acham absurdo crer no demônio, é porque se baseiam em livros, passam a vida em bibliotecas ou no escritório, enquanto o demônio não se interessa por literatura, mas pelas pessoas, especialmente os santos. O que pode saber sobre satanás quem jamais teve nada a ver com sua realidade, mas só com sua idéia, isto é, com as tradições culturais, religiosas, etnológicas sobre satanás? Esses tratam habitualmente deste tema com grande segurança e superioridade, liquidando tudo como “obscurantismo medieval”. Mas trata-se de uma falsa segurança. Como

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se alguém deixasse de temer o leão aduzindo como prova o fato de que viu muitas vezes sua imagem e jamais lhe deu medo. Por outro lado, é totalmente normal e coerente que não creia no diabo quem não crê em Deus. Seria até trágico se alguém que não crê em Deus acreditasse no diabo! O mais importante que a fé cristã tem a dizer-nos não é, no entanto, que o demônio existe, mas que Cristo venceu o demônio. Cristo e o demônio não são para os cristãos dois princípios iguais e contrários, como em certas religiões dualistas. Jesus é o único Senhor; satanás não é senão uma criatura que “se perdeu”. Se lhe concede poder sobre os homens, é para que estes tenham a possibilidade de fazer livremente uma escolha e também para que “não se ensoberbeçam” (2Cor 12,7), crendo-se auto-suficientes e sem necessidade de redentor algum. “Que loucura a do velho satanás – diz um canto espiritual negro. Atirou para destruir minha alma, mas errou o tiro e destruiu por outro lado o meu pecado.” Com Cristo não temos nada a temer. Nada nem ninguém pode fazer-nos dano se nós não quisermos. Satanás – dizia um antigo padre da Igreja –, após a vinda de Cristo, é como um cão atado na árvore; pode latir e balançar quanto quiser; se não nos aproximamos, não pode morder. Jesus no deserto se libertou de satanás para libertarnos de satanás! É a gozosa notícia com a qual iniciamos nosso caminho quaresmal para a Páscoa.


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Celibato Dom recebido do Alto Que atinge a minha pequenez E esta exposta em toda a sua nudez É convidada a confiante dar um salto. Presente de Deus ao pecador Que reconhece não ser merecedor, Mas por pura gratidão ao Senhor, Aceita-O com alegria e santo temor. É incenso de suave odor, É vida que tem sentido e meta. E cada vez que a Deus se oferta Ajuda a curar a chaga do mundo aberta. União de corpo, vida e coração, Para todos os meus atos serem doação, Com um amor exclusivo a Deus, sem restrição. Resposta de fé e imensa gratidão Pela graça de Amor recebida que se chama Eleição! Tereza Brito Missionária na Com. Católica Shalom em Fortaleza/CE


entReVISta

em dezembro o mundo inteiro celebrou os 60 anos da declaração universal dos direitos Humanos. a Igreja, como grande defensora do homem, também participou da festa. a reflexão sobre os direitos fundamentais do ser humano, enquanto indivíduo participante de uma sociedade, sempre foi um tema importante para o cristianismo. a fim de conhecer melhor a relação entre a Igreja, sua doutrina Social, e os direitos humanos, conversei com o professor Paulo Fernando andrade, vice-decano de PósGraduação e Pesquisa do centro de teologia e ciências Humanas da Puc-Rio e autor de inúmeros artigos sobre o tema.

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Andréia Gripp

Shalom Maná – O que é a Doutrina Social da Igreja? Paulo Fernando Andrade – Por Doutrina Social da Igreja entendemos o conjunto de documentos pontifícios que tem início com a promulgação da Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII,1891, e prossegue até a última Encíclica social de João Paulo II, Centesimus Annus, que comemora os cem anos da publicação da primeira. Esse conjunto de documentos pontifícios inclui as encíclicas Quadragesimo Anno, de Pio XI, 1931; Mater et Magistra e Pacem in Terris, de João XXIII, respectivamente 1961 e 1963; a Populorum Progressio, de Paulo VI, 1967, e um outro documento de sua autoria, que não é uma encíclica, mas uma Carta Apostólica, a Octogesima Adveniens, 1971, além das três encíclicas sociais de João Paulo II: Laborem Exercens, 1981, Sollicitudo Rei Socialis, 1987, e, por fim, a Centesimus Annus, 1991.

Papa Leão XIII

Qual a relação entre a Doutrina e os direitos humanos? Na Encíclica Pacem in Terris, de João XXIII, ocorre a grande recepção católica dos direitos humanos. Nela, o Papa desenvolve os direitos humanos em quatro dimensões fundamentais: direitos civis, políticos, sociais e econômicos. Inicialmente a recepção ao tema

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Shalom Maná - Fevereiro/2009

dos direitos humanos foi estabelecida num ambiente, sobretudo, iluminista e, por vezes, anti-clerical, o que colidiu com a própria doutrina católica. Depois, com o desenvolvimento do conceito de direitos humanos como direitos fundamentais que decorrem da própria dignidade humana, eles foram sendo incorporados pela Igreja. Hoje ela é uma das instituições de maior respeitabilidade na defesa desses direitos e na promoção deles em nível mundial.

A Igreja é hoje uma das instituições mundiais que defende e promove os direitos humanos e entende que eles se baseiam na própria dignidade de cada ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus. Quais fatos impulsionaram o surgimento da Doutrina Social da Igreja? A Doutrina Social da Igreja deve ser inserida dentro de um conjunto mais amplo que é o ensino social, que iniciou na Patrística e desenvolveu-se até os dias de hoje. Mas, é possível afirmar que foram os acontecimentos e as grandes transformações sociais e econômicas da Europa do século XIX que impulsionaram o Papa Leão XIII à elaboração do magnífico documento que foi a Rerum Novarum e, posteriormente, uma série de documentos que, de algum modo, se remetem a essa Encíclica. Alguns deles celebram o aniversário dessa Encíclica, como a Quadragesimo Anno, a Octogesima Adveniens e a Centesimus Annus, e mantém com ela uma linha de continuidade e, ao mesmo tempo, de renovação, tratando sempre das novas questões sociais e econômicas que surgiram ao longo desses cem anos. Qual a reflexão da Igreja sobre os direitos humanos? Como disse antes, a Igreja é hoje uma das instituições mundiais que defende e promove os direitos humanos e entende que eles se baseiam na própria dignidade de cada ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus. Cada ser humano excede, então, de direitos que são inalienáveis, aqueles que não podem ser retirados da pessoa e nem a pessoa pode abrir mão deles, como o direito à vida, o direito à inviolabilidade da sua consciência, direito à integridade física, que se desdobra no direito à participação na vida social, na vida econômica e direitos, também a uma


Papa João Paulo II

relação com os próprios direitos humanos e a dignidade da pessoa. A Igreja se coloca de maneira crítica frente à globalização, buscando ver seus aspectos positivos e também seus aspectos negativos, sobretudo esse aspecto tantas vezes presente de uma redução de toda realidade humana ao mercado.

série de prerrogativas sociais. Neste caso podemos lembrar o amparo na velhice, o amparo da criança, o direito de uma subsistência digna. A Igreja promove, através de diversas ações pastorais, esses direitos. Em tempos de globalização, como a Doutrina Social da Igreja acompanha suas conseqüências no mundo? O tema da globalização é uma realidade relativamente recente da história da humanidade e se reflete nas Encíclicas de João Paulo II, sobretudo na Sollictudo rei Socialis, e mais ainda na Centesimus Annus, quando de fato a globalização já era uma realidade. Esta Encíclica foi escrita poucos anos depois da queda do muro de Berlim e aborda o tema da globalização econômica, que já vinha se realizando de maneira forte dentro daquele período. O Papa chama a atenção para a existência de uma série de necessidades humanas que não podem ser reduzidas às dimensões de mercado e exigem, ao contrário, uma solução para a lei do mercado que passa pela solidariedade, em função de que a sociedade tem

Como o senhor vê os desdobramentos da Declaração Universal dos Direitos Humanos na história? A promulgação do documento de direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) foi um passo importante na história da humanidade, na tomada de consciência dos direitos. Da sua publicação até hoje, a situação dos direitos humanos apresentou altos e baixos, progressos e retrocessos. Vemos, hoje, esses direitos ameaçados de uma maneira nova, por exemplo, com a prática da tortura. É inimaginável que, após tantos anos da promulgação, ainda exista tortura no mundo e que pessoas ainda defendam seu uso. Mais do que nunca é preciso uma nova consciência desses direitos; isso é algo fundamental. É importante ressaltar a passagem de uma concepção da organização da sociedade baseada num arcabouço jurídico que parte de uma noção de deveres para aquele que se faz a partir da noção de direitos. É claro que a direitos correspondem deveres e a deveres, direitos. Mas, quando pensamos na concepção dos direitos pensamos, sobretudo, no arcabouço jurídico que defende o cidadão do todo social, defende a pessoa do todo. Pensamos na proteção da pessoa, de cada indivíduo, na sociedade e no mundo.

A Igreja se coloca de maneira crítica frente à globalização, buscando ver seus aspectos positivos e também seus aspectos negativos, sobretudo esse aspecto tantas vezes presente de uma redução de toda realidade humana ao mercado.

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aSSunto do mÊS

Homilia pronunciada pelo Santo Padre, o Papa Bento XVI durante a Missa da Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, no Dia Mundial da Paz, celebrada na Basílica de São Pedro.

caros amigos, esta é a via evangélica para a paz, a via que também o Bispo de Roma é chamado a reforçar com constância cada vez que põe as mãos na anual Mensagem para o Dia Mundial da Paz. de um lado a pobreza escolhida e proposta por Jesus, de outro lado, a pobreza a se combater para tornar o mundo mais justo e solidário.

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o primeiro dia do ano, a divina Providência nos reúne para uma celebração que sempre comove pela riqueza e a beleza de sua correspondência: o início do ano civil se encontra com o cume da oitava de Natal, no qual se celebra a Divina Maternidade de Maria, e este encontro encontra uma síntese feliz no Dia Mundial da Paz. Na luz do Natal de Cristo, sou grato em dirigir para todos os melhores desejos para o ano que acabou de iniciar. O Senhor disse a Moisés: “Dize a Aarão e seus filhos o seguinte: eis como abençoareis os filhos de Isarel: O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor te mostre a sua face e conceda-te sua graça! O Senhor volva o seu rosto para ti e te dê a paz! E assim invocarão o meu nome sobre os filhos de Israel e eu os abençoarei”. Chega assim ao cumprimento a antiga tradição hebraica da bênção (Nm 6,22-27): os sacerdotes de Israel abençoavam o povo “colocando sobre ele o nome” do Senhor. Com uma fórmula ternária o sacro Nome era invocado por três vezes sobre os fiéis, qual auspício de graça e de paz. Este costume remoto nos leva a uma realidade essencial: para poder caminhar sobre a via da paz, os homens e os povos têm necessidade de ser iluminados pela “face” de Deus e ser abençoados por seu “nome”. Justamente isso se realiza definitiva-

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mente com a Encarnação: a vinda do Filho de Deus em nossa carne e na história trouxe uma irrevogável bênção, uma luz que já não se apaga e que oferece aos crentes e aos homens de boa vontade a possibilidade de construir a civilização do amor e da paz. O Concílio Vaticano II disse, a esse respeito, que “com a Encarnação o Filho de Deus se uniu, de certo modo, a cada homem” (Gaudium et spes, 22). Esta união veio a confirmar o projeto originário de uma humanidade criada à “imagem e semelhança” de Deus. Na verdade, o Verbo encarnado é a única imagem perfeita e consubstancial do Deus invisível. Jesus Cristo é o homem perfeito. “Nele – observa ainda o Concílio – a natureza humana foi assumida…, por isso mesmo foi também em nós alçada a uma dignidade sublime” (ibid.). Por isso, a história terrena de Jesus, culminada no mistério pascal, é o início de um mundo novo, porque realmente inaugurou uma nova humanidade, capaz, sempre e só com a graça de Cristo, de realizar uma “revolução” pacífica. Uma revolução não ideológica, mas espiritual, não utópica, mas real, e por isso necessita de infinita paciência, de tempos, muitas vezes, muito longos, evitando qualquer atalho e percorrendo a via mais difícil: a via do amadurecimento das responsabilidades nas consciências.


Há uma pobreza, uma indigência, que Deus não quer e que é “combatida” – como diz o tema da atual Jornada Mundial da Paz; uma pobreza que impede às pessoas e às famílias de viverem segundo sua dignidade; uma pobreza que ofende a justiça e a igualdade e que, como tal, ameaça a convivência pacífica.

A pobreza a escolher Caros amigos, esta é a via evangélica para a paz, a via que também o Bispo de Roma é chamado a reforçar com constância cada vez que põe as mãos na anual Mensagem para o Dia Mundial da Paz. Percorrendo esta estrada ocorre muitas vezes de se voltar sobre aspectos e problemáticas já afrontadas, mas tão importantes que requerem sempre nova atenção. É o caso do tema que escolhi para a Mensagem deste ano: Combater a pobreza, construir a paz. Um tema que se presta a uma dupla ordem de considerações, que agora posso só brevemente acenar. De um lado a pobreza escolhida e proposta por Jesus, de outro lado, a pobreza a se combater para tornar o mundo mais justo e solidário.

O primeiro aspecto encontra seu contexto ideal nestes dias, no tempo de Natal. O nascimento de Jesus em Belém nos revela que Deus escolheu a pobreza para si mesmo em sua vinda a nosso meio. A cena que os pastores viram por primeiro, e que confirmou o anúncio feito a eles pelo anjo, é o de um estábulo onde Maria e José tinham procurado refúgio, e de uma manjedoura na qual a Virgem tinha depositado o Recém-nascido envolto em faixas (cf. Lc 2,7.12.16). Esta pobreza Deus escolheu. Quis nascer assim – mas podemos rapidamente acrescentar:

quis viver, e também morrer assim. Por que? É o que explica em termos populares Santo Afonso Maria de Ligório, em um cântico natalício, que todos na Itália conhecem: “A Vós, que sois do mundo o Criador, faltam vestes e fogo, ó meu Senhor. Caro menino eleito, quanto esta pobreza mais me apaixona, já que vos fizestes pobre também de amor”. Eis a resposta: o amor por nós levou Jesus não somente a fazer-se homem, mas a fazer-se pobre. Nesta mesma linha podemos citar as expressões de São Paulo na segunda Carta aos Coríntios: “Conheceis, de fato – ele escreve – a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo: de rico que era, fez-se pobre por vós, para que vós vos tornásseis ricos por meio de sua pobreza” (8,9). Testemunho exemplar desta pobreza escolhida por amor é São Francisco de Assis. O franciscanismo, na história da Igreja e da civilização cristã, constitui www.edicoesshalom.com.br

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uma difundida corrente de pobreza evangélica, que tanto bem fez e continua a fazer à Igreja e à família humana. Retornando à estupenda síntese de São Paulo sobre Jesus, é significativo – também para nossa reflexão de hoje – que tenha sido inspirada ao Apóstolo justamente enquanto estava exortando os cristãos de Corinto a serem generosos na coleta em favor dos pobres. Ele explica: “Não se trata de colocar vós em dificuldade para ajudar os outros, mas que haja igualdade” (8,13). A pobreza a combater É este ponto decisivo, que nos faz passar ao segundo aspecto: há uma pobreza, uma indigência, que Deus não quer e que é “combatida” – como diz o tema da atual Jornada Mundial da Paz; uma pobreza que impede às pessoas e às famílias de viverem segundo sua dignidade; uma pobreza que ofende a justiça e a igualdade e que, como tal, ameaça a convivência pacífica. Nesta acepção negativa cabem também as formas de pobreza não material

Frente a pragas difundidas quais doenças pandêmicas, a pobreza das crianças e a crise alimentar, tive o dever, infelizmente, de voltar a denunciar a inaceitável corrida armamentista. que se reencontram justamente nas sociedades ricas e progredidas: marginalização, miséria relacional, moral e espiritual (cf. Mensagem para a Jornada Mundial da Paz 2008, 2). Em minha Mensagem quis mais uma vez, sobre a trilha de meus Predecessores, considerar atentamente o complexo fenômeno da globalização, para avaliar as relações com a pobreza em larga escala. Frente a pragas difundidas quais doenças pandêmicas, a pobreza das crianças e a crise alimentar, tive o dever, infelizmente, de voltar a denunciar a inaceitável

corrida armamentista. Por um lado se celebra a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e por outro, se aumentam as despesas militares, violando a própria Carta das Nações Unidas, que empenha a reduzi-la ao mínimo (cf. art. 26). Por outro lado, a globalização elimina certas barreiras, mas pode construir novas (Mensagem cit., 8), por isso, é necessário que a comunidade internacional e cada um dos Estados sejam sempre vigilantes; é necessário que não abaixemos mais a guarda em relação aos perigos de conflito, ao contrário, se empenhem a manter alto o nível da solidariedade. A atual crise econômica global é vista em tal sentido também como um banco de prova: estamos prontos para lê-la, em sua complexidade, como desafio para o futuro e não só como uma emergência a qual dar resposta a curto prazo? Estamos dispostos a fazermos juntos uma revisão profunda do modelo de desenvolvimento dominante, para corrigi-lo de modo certo e a longo

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prazo? Exigem isso, na verdade, mais ainda que as dificuldades financeiras imediatas, o estado de saúde ecológica do planeta e, sobretudo, a crise cultural e moral, os quais sintomas há tempos são evidentes em cada parte do mundo. Redescobrir a solidariedade Ocorre, portanto, buscar estabelecer um “círculo virtuoso” entre a pobreza “a escolher” e a pobreza “a combater”. Abre-se aqui um caminho fecundo de frutos para o presente e para o futuro da humanidade, que se pode reassumir assim: para combater a pobreza iníqua, que oprime tantos homens e mulheres e ameaça a paz de todos, ocorre redescobrir a sobriedade e a solidariedade, como valores evangélicos e, ao mesmo tempo, universais. Mais concretamente, não se pode combater eficazmente a miséria, se não se faz aquilo que escreve São Paulo aos Coríntios, isto é, se não se busca fazer “igualdade”, reduzindo o desnível entre quem gasta o supérfluo e quem passa falta do necessário. Isto comporta escolhas de justiça e de sobriedade, escolhas por outro lado obrigadas pela exigência de administrar sabiamente os limitados recursos da terra. Quando afirma que Jesus Cristo nos enriqueceu “com sua pobreza”, São Paulo oferece uma indicação importante não somente sob o perfil teológico, mas também no plano sociológico. Não no sentido que a pobreza seja um valor em si, mas porque essa é condição para realizar a solidariedade. Quando Francisco de Assis deixa seus bens, faz uma escolha de testemunho inspirado diretamente por Deus, mas ao mesmo tempo mostra a todos o caminho da confiança na Providência. Assim, na Igreja, o voto de pobreza é o compromisso de alguns, mas recorda a todos a

exigência do desapego dos bens materiais e a primazia das riquezas do espírito. Eis, portanto, a mensagem oferecida hoje: a pobreza do nascimento de Cristo em Belém, além de objeto de adoração para os cristãos, é também escola de vida para cada homem. Essa nos ensina que para combater a miséria, tanto material quanto espiritual, o caminho a percorrer é o da solidariedade, que levou Jesus a partilhar nossa condição humana. Aos pés de Maria Caros irmãos e irmãs, penso que a Virgem Maria tenha se feito mais de uma vez esta pergunta: por que Jesus quis nascer de uma menina simples e humilde como eu? E depois, por que quis vir ao mundo em um estábulo e ter como primeira visita a dos pastores de Belém? A resposta Maria teve plenamente ao fim, depois de ter deposto no sepulcro o corpo de Jesus, morto e envolto em faixas (cf. Lc 23,53). Então compreende plenamente o mistério da pobreza de Deus. Compreende que Deus se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza cheia de amor, para nos exortar a frear a cobiça insaciável que suscita lutas e divisões, para nos convidar a moderar a ânsia de possuir e a estar assim disponíveis à partilha e ao acolhimento recíproco. A Maria, Mãe do Filho de Deus feito nosso irmão, voltamo-nos confiantes em nossa oração, para que nos ajude a seguir suas pegadas, a combater e vencer a pobreza, a construir a verdadeira paz, que é opus iustitiae. A Ela confiamos o profundo desejo de viver em paz que sai do coração da grande maioria das populações israelitas e palestinas, mais uma vez em perigo pela intensa violência

desatada na faixa de Gaza, em resposta a outra violência. Também a violência, também o ódio e a desconfiança são formas de pobreza – talvez maiores – que devem ser combatidas. Que estas não se estendam! Neste sentido, os pastores dessas Igrejas, nestes tristes dias, levantaram sua voz. Junto a eles e a seus queridos fiéis, sobretudo os da pequena mas fervorosa paróquia de Gaza, colocamos aos pés de Maria nossas preocupações pelo presente e os temores do futuro, mas também a fundada esperança de que, com a sábia e prévia ajuda de todos, não será impossível escutar, vir ao encontro e dar respostas concretas à aspiração difundida de viver em paz, em segurança, em dignidade.

Para combater a pobreza iníqua, que oprime tantos homens e mulheres e ameaça a paz de todos, ocorre redescobrir a sobriedade e a solidariedade, como valores evangélicos e, ao mesmo tempo, universais. Digamos a Maria: acompanhainos, celeste Mãe do Redentor, ao longo de todo o ano que hoje inicia, e obtenhais de Deus o dom da paz para a Terra Santa e para toda a humanidade. Santa Mãe de Deus, rogai por nós. Amém. www.edicoesshalom.com.br

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teStemunHo

em 2008 um discreto e humilde oásis de paz foi plantado no coração de Israel. no dia que se fechava o ano Jubilar pelos 25 anos da Vocação Shalom, 9 de julho, inaugurava-se o centro católico de evangelização Shalom (ou Salaam, em árabe), na cidade de Haifa, ao lado da catedral católica Grego-melquita, coração espiritual da arquidiocese. Elena Arreguy Sala Missionária da Com. Católica Shalom em Haifa-Israel

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m várias situações Jesus comparou o Reino de Deus a pequenas sementes joeiradas ao vento pelo Pai; sementes mínimas como a de mostarda, quase imperceptíveis aos olhos. Também disse que o Reino estava no meio de nós. E ele está pois o Pai continua semeando a Palavra de Jesus aos quatro ventos. Nós tocamos o Reino de Deus e somos tocados por ele cotidianamente. Alguns lugares parecem ser sementeiras de Paz e há tantos neste mundo tão vasto, graças a Deus! Penso neste momento nos Santuários Marianos, verdadeiros oásis, onde rios de pessoas em busca da Mãe, e por causa dela, são apresentadas ao Filho ou O reencontram... Em 2008 um discreto e humilde oásis de paz foi plantado no coração de Israel. No dia em que se fechava o Ano Jubilar pelos 25 anos da Vocação Shalom, 9 de julho, vocação esta nascida entre jovens universitários em Fortaleza, nordeste brasileiro, com o intuito de levar outros jovens e também os não jovens, à mesma experiência de encontro com a pessoa de Jesus Cristo, morto e ressuscitado através do batismo no Espírito Santo, inaugurava-se o Centro Católico de Evangelização Shalom (ou Salaam, em árabe), na

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cidade de Haifa, ao lado da Catedral Católica GregoMelquita, coração espiritual da arquidiocese. Que momento de festa e grande alegria! Quanta gratidão! Houve muito trabalho físico na preparação do ambiente, limpeza e pintura das salas e paredes. Houve muita negociação na compra da melhor tinta pelo menor preço, (os brasileiros da missão aprimoraram ainda mais a capacidade de barganhar, inseridos que estão no universo árabe-judeu, não podemos deixar de mencionar), na busca de doadores e serviço voluntário por parte das pessoas ligadas à Obra, e muita doação, oração e hora extra dos consagrados da Vida e da Aliança. Era uma verdadeira corrida contra o tempo, para que tudo estivesse pronto para a missa a ser celebrada, inaugurando a capela do Centro de Evangelização de Haifa em Israel! Foi uma noite memorável. Impulsionando a todos, a certeza de que havia chegado o momento, a hora da manifestação da graça de Deus! Assim como acontecera no primeiro Centro de Evangelização inaugurado em Fortaleza, no Ceará, também este cumpriria seu papel profético de ser sementeira da Paz e da Palavra de Deus, a partir do qual homens e mulheres seriam renascidos do Espírito e encontrariam o Shalom do Pai. Este Centro de Evangelização em Israel seria um oásis de paz e de oração encravado no coração da cidade para onde poderiam acorrer todas as pessoas,


os já católicos ou aqueles evangelizados, pessoa a pessoa, pelos missionários da Vida e da Aliança, nas tardes e noites, durante a semana, quando saem pelas imediações e ruas próximas de Haifa. Um local para reuniões e para os grupos de oração. Um local de convivência, partilha e fraternidade. As fotos testemunham a gratidão, a alegria e até um pouco do cansaço de todos naquele 9 de julho de 2008. Durante a celebração eucarística co-celebrada por um padre franciscano árabe-palestino, um carmelita-colombiano, ambos muito amigos da Comunidade, e pelo pároco da Catedral Católica-Melquita padre Agapious Abu Sa’ada, um grande louvor foi erguido ao Senhor: por nossos olhos poderem ver o que estavam vendo, e por podermos tocar com nossas vidas esta verdadeira epifania – manifestação da bondade do Senhor – enquanto agradecíamos em nosso nome e em nome daqueles que vieram antes de nós e que doaram suas vidas como missionários pioneiros da Terra Santa (seus nomes e rostos jamais serão esquecidos!). Junto à ação de graças havia também uma súplica e uma esperança: de que fossem muitos a serem atraídos e que estes permanecessem após esta leva e geração de missionários que está aqui. Enfim, que a sementeira da Paz jamais morra, ao contrário, que gere frutos abundantes para o Reino de Deus, exatamente no lugar onde pela primeira vez ele foi implantado! Que o mistério de sermos uma Vocação de Paz – Shalom – na

Terra Santa, vocação de nome hebraico, inserida na cultura árabe e de identidade cristã seja um mistério revelado pelo Espírito Santo aos corações e que leve muitos a conhecerem o Príncipe da Paz, apressando a sua volta. Maranatha! Vem Senhor Jesus! Shalom! Legendas das Fotos: 1. Momentos de confraternização entre os missionários da CA e CV de Haifa, Isifya e Nazaré, junto com o Tomé da Canção Nova que veio

filmar o evento. As crianças, Nur e Daniel são filhos de um casal do grupo de oração. 2. Momento de ofertório da Celebração Eucarística. 3. Pe. Arlon, da Canção Nova, ladeado por Lorena e Duca (Heloísa Helena). 4. Intervalo para o lanche na véspera da inauguração do Centro de Evangelização em Haifa, Israel. Juntos membros da CV e CA e alguns jovens do grupo de oração. 5. Leandro e Tennessee terminando a limpeza da Capela do Centro de Evangelização. 6. Início da Celebração Eucarística. Da esquerda para a direita: Pe. Leonel, carmelita colombiano, Abuna Agapious, padre católico melquita, árabe, Frei Franciscano, árabe. 7. Detalhe do momento da Consagração. 8. Todos cantando e louvando o Senhor no final da Eucaristia. Estes são membros da Obra e do grupo de oração.

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atuaLIdade

ENCÍCLICA “SPE SALVI”

Partilhamos com você a primeira parte do rico discurso feito por este grande homem de Igreja, o professor Guzmán carriquiry – subsecretário do Pontifício conselho para os Leigos – nos dando um visão geral da história da evangelização da américa Latina e porque ela foi chamada por tantos de “continente da esperança”. a segunda parte do discurso será publicado na próxima edição da Shalom maná. Pela graça deixemos o nosso coração encher-se de parresia, de um desejo ardente de anunciar cristo Ressuscitado

Prof. Guzmán Carriquiry Lecour Subsecretário do Pontifício Conselho para os Leigos

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Continente da Esperança? América Latina é o “Continente da Esperança”. Assim foi chamada pelo Papa Paulo VI, há quarenta anos, em 1968. O mesmo Pontífice tinha já precisado o conteúdo desta esperança na sua homilia de 3 de julho de 1966, na basílica de São Pedro, dando ênfase à “vocação original” da América Latina de “compor em síntese nova e genial, o antigo e o moderno, o

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espiritual e o temporal, o dom ao outro e a [...] própria originalidade”, para dar “testemunho” de uma “novíssima civilização cristã”. S.S. João Paulo II retomou muitas vezes este apelativo. O fez na sua primeira viagem apostólica, no México, durante a inauguração da III Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano, em Puebla de los Angeles (janeiro de 1979). O desenvolveu de modo particular em Santo Domingo, em 12 de outubro de 1984. S.S. Bento XVI mantém essa tradição, e na vigília da sua primeira viagem à America Latina, no Brasil, falou exatamente dessa terra como o “Continente da Esperança” (6 de maio 2007), usando em seguida mais três vezes a mesma definição. Um uso tão repetido desse apelativo por parte dos pontífices que se sucedem nos últimos tempos, e acolhido com alegria pelo

Por que a América Latina é definida dessa maneira no conceito mundial? Como se justifica a expressão “Continente da Esperança”? É necessário, de fato, saber dar respostas racionais e convencedoras, porque seria injusto e errado pensar, ou até suspeitar, que os papas tenham-se limitado a uma vaga retórica em pouco demagógica. episcopado latinoamericano, leva a perguntar-se quais são as razões que os inspiram. Por que a América Latina é definida dessa maneira no conceito mundial? Como se justifica a expressão “Continente da Esperança”? É necessário, de fato, saber dar respostas racionais e convencedoras, porque seria injusto e errado pensar, ou até suspeitar, que os papas tenham-se limitado a uma vaga retórica em pouco demagógica. Sabem bem, no seu magistério, que não se brinca com as palavras, porque essas não são somente retórica mas semântica, levam consigo um significado, imprimem uma direção. Às vezes as palavras contêm

em si uma política, uma filosofia, uma teologia. O tempo que estamos vivendo é ótimo para responder a esta pergunta. Por um lado, temos o guia iluminador da segunda encíclica do pontificado de Bento XVI, a Spe Salvi, exatamente sobre a esperança. Por outro, estamos ainda sobre o efeito daquele grande acontecimento que foi a V Conferência Geral do Episcopado latinoamericano em Aparecida (maio 2007), inaugurada pelo Papa Bento XVI, concluída com um ótimo documento final... Tudo isso é motivo de esperança nessa fase turbulenta que estamos vivendo na América Latina. www.edicoesshalom.com.br

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Uma esperança semeada no Novo Mundo O continente americano emerge na história mundial, no início da modernidade, na primeira fase da globalização, da mundialização, como uma novidade desconcertante que, desde a sua gêneses, como alguma coisa impressa no seu íntimo, provoca um choque de esperança. Se em todas as profecias messiânicas medievais, antes e durante as Cruzadas, a conquista de Jerusalém era associada ao fim da história, com Cristóvão Colombo toma corpo um novo motivo que supera o precedente: o fim da história, o advento do Reino definitivo se liga à difusão do Evangelho em todas as terras e a todas as gentes: “até os extremos confins da terra”. A novidade da “terra incógnita”, logo conhecida como “Novo Mundo” e em seguida batizada com o nome de “América”, foi percebida, seja na expansão ibérica que nas posteriores treze colônias do Norte, como “terra prometida” onde se realizariam antigos e novos ideais de liberdade, de justiça e de felicidade, nova fronteira onde faz renascer uma nova cristandade, uma nova civilização. Teve um ímpeto pascal na dramática gêneses dos novos povos americanos. Onde abundou a morte – na violência da conquista, na destruição da civilização indígena, na exploração do trabalho das massas, no seu declínio demográfico – superabundou um novo significado da vida e da comum dignidade humana, um novo contato positivo diante de toda a realidade, um novo sentido de pertença e de esperança. Com a queda dos impérios indígenas, construídos e sustentados, como cada império, sobre a base da violência e da exploração, caem também as suas cosmogonias cheias de pessimismo. Era de novo

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redimensionada uma concepção do mundo em que as massas indígenas resultavam escravas dos elementos do cosmo, sem espaço para a liberdade (Cf. Spe Salvi, n. 5). Em meio às contradições e aos compromissos daquela fase histórica constituinte, era anunciado o Deus da vida, o Deus lento à ira e rico de misericórdia, o Deus apaixonado pela salvação dos homens, o Deus que revela a mais sublime dignidade de cada criatura humana, o Deus que não é posse de “iniciados”, mas que revela o seu amor sobretudo aos mais pequenos, aos mais pobres, como os indígenas, àquele índio, Juan Diego, que a Mãe de Deus escolhe para o anúncio do Evangelho. No mais extraordinário e complexo encontro de povos, se formava uma mistura étnica e cultural: era superada a incomunicabilidade entre mil mundos indígenas e suas dispersões, todo fechamento étnico ou tribal abria espaço para uma nova consciência da comum dignidade humana, se alargavam os horizontes da fraternidade e da solidariedade. Em um ímpeto de entusiasmo, cheio de esperança, José de Vasconcelos – ministro da educação durante a revolução mexicana – falará em seguida do nascimento da “raça cósmica”, em um continente onde todas as raças do mundo se encontraram. A terra prometida do novo mundo era assim considerada o berço de novos povos, de uma nova sociedade, uma espécie de recriação humana, moral e espiritual diante de uma Europa assediada pela “meia lua” islâmica, sacudida por altos níveis de corrupção e de violência nas cortes principescas, com as igrejas locais submetidas pelos Estados nacionais emergentes, um continente prestes a sofrer a reforma protestante e as guerras

religiosas, com o capitalismo mercantil em pleno desenvolvimento, pronto a idolatrar o ouro. Os grandes portadores e protagonistas desta esperança foram as ordens mendicantes, que se lançaram na evangelização dos novos povos. Na sua atividade missionária uniram potentes impulsos de regeneração espiritual, a projeção ideal das comunidades cristãs primitivas, as utopias do Renascimento e a vontade de construir uma “nova cristandade das Índias”. Muitos estudiosos escreveram sobre a “utopia” americana dos missionários, sobre o “reino milenar” dos franciscanos, sobre o influxo de Joaquim de Fiore sobre o franciscanismo radical na América voltado para a última fase da história, aquela do Espírito Santo. Parece que o ter sido renovados na “observância” já antes dos gestos missionários americanos (ou seja, o ter começado aquela necessária reforma por uma nova adesão radical aos carismas originais dos mendicantes) tenha sido a força propulsora dos seus gestos. O humanismo deles não foi tanto caracterizado por sonhos estéticos de beleza, como aquele da Itália do renascimento, mas da paixão cristã pelo bem, pela liberdade e dignidade dos indígenas. Uma legião de missionários foi protagonista da “primeira grande batalha pela justiça na América”. São aqueles que aprofundaram teoricamente através da “Escola de Salamanca”, e defenderam arduamente nos debates desenvolvidos ao redor da monarquia, na vida cotidiana das novas sociedades americanas, a dignidade humana e os direitos fundamentais dos indígenas, segundo uma renovada formulação das tradições de ordem natural, que estará à base das declarações modernas dos direitos humanos.


Os oradores não se limitaram em denunciar os abusos, nem em promover os meios legislativos e práticos para proteger os indígenas, mas tentaram criar as condições materiais, culturais e espirituais para fazê-los crescer em humanidade, para serem seus companheiros e guias na construção de formas de vida mais humanas, mais adequadas aos índios, mais fraternas e solidárias. Existe um fio de ouro da esperança cristã que percorre a obra missionária: dos “povos hospitaleiros” de Vasco de Quiroga no Michoacán, às numerosas “re-

A terra prometida do novo mundo era assim considerada o berço de novos povos, de uma nova sociedade, uma espécie de recriação humana, moral e espiritual diante de uma Europa assediada pela “meia lua” islâmica, sacudida por altos níveis de corrupção... duções” franciscanas e sobretudo às grandes viagens indígenas nas missões jesuítas, sobretudo aquelas entre os Guaranys no Paraguai e na Conca Del Plata. Tratou-se de grandiosas tentativas de construir os esboços de uma nova civilização, longe do domínio das armas e do reino do dinheiro, sem dominações, onde não existisse mais nem fome, nem analfabetismo, nem exploração do trabalho, mas, onde se pudesse experimentar uma nova

forma histórica de fraternidade e de felicidade. Além disso, são claros os laços estudados entre essas realizações americanas, a “Utopia” de Thomas Moore e a “Cidade do Sol” de Campanella. Até mesmo um superior da Companhia de Jesus escreverá mais tarde sobre as “reduções”, afirmando que “aquilo que os socialistas se propunham em seus conjuntos, aqui se realizou sem a necessidade de palavras e propostas utópicas”.

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Sucessivos rostos seculares da esperança Nesta fase de impulso missionário caracterizado pela grande esperança cristã respondida nas novas terras e nos novos povos, seguiram-se tempos de sedimentação, mas também de gradual cansaço e conformismo. Não por acaso o século XVIII é um tempo de prostração eclesiástica, de grande fraqueza do centro romano, de controle das igrejas locais por parte das monarquias nacionais; um tempo de enfraquecimento do pensamento teológico e filosófico no interior da Igreja, de mera resistência diante do crescimento do pensamento iluminista na crítica à Igreja como instituição do “ancien régime” (antigo regime da França). Mais ainda: nas colônias hispanoamericanas, a Igreja permanece desprovida durante e depois das guerras de independência. As esperanças americanas se concentraram, então, nas guerras pela independência, pela emancipação do domínio espanhol e português, pela construção de novas repúblicas, mas logo sofreram uma grave frustração. Bolívar, o grande “Libertador”, aquele que sonhava grandes horizontes de liberdade e de glória para as novas repúblicas, que queria fazer dos territórios libertos “uma grande nação”, uma confederação americana, termina os seus dias só e abandonado por todos, amargurado pela certeza de ter “cavado no mar”, certo de que as novas repúblicas seriam arrastadas pela anarquia e fechadas na fraqueza da fragmentação. O outro grande herói das guerras pela independência, José de San Martín, termina rejeitado por todos e exilado na França. Foi este o destino dos maiores heróis e das maiores esperanças daquela geração. Um historiador perspicaz escreveu que

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os primeiros decênios das novas repúblicas foram como uma travessia no deserto; mas não se tratou de um tempo de purificação e de um caminho movido pela esperança de conquistar a terra prometida, mas sim de simples tempo perdido, em meio ao caos, às violências, às guerras civis, à fragmentação e dispersão entre as diversas regiões americanas.

Verso a segundo metade do século XIX, a esperança das elites das “polis oligarquias” nas novas repúblicas se concentrou sobre o sua inserção no mercado do capitalismo em expansão, em pleno crescimento da revolução industrial, como sócios dependentes e subalternos capazes de oferecer as próprias riquezas agrícolas e minerais. Uma esperança que apoiava-se sobre a imitação de grandes faróis de civilização e de progresso, que para eles eram os modelos políticos e culturais metropolitanos, sobretudo a Inglaterra e a França, enquanto desprezavam e perseguiam a “barbárie” que identificavam com as massas mestiças ao interno dos países, com os seus “caudilhos” e as suas malícias, com as comunidades indígenas, com o obscurantismo clerical. Tratava-se, certamente, de uma esperança reduzida aos seus interesses e excludente da grande maioria da população. Um novo rosto da esperança secular surge nos primeiros decênios do século XX, sob os longínquos ecos da revolução russa, os impulsos da revolução mexicana e a primeira geração estudantil latino-americana que se desenvolve a partir da “reforma de Córdoba”. De tudo isso emergem nos vários países latinoamericanos grandes movimentos nacionais e populares, que envolvem e incluem vastos setores sociais que emigram dos campos às cidades em tempos de intensa urbanização, de uma certa industrialização, de diferenciação social e de alargamento das democracias. O exaurir-se dessa fase é evidente já nos anos 50 com a derrota da APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana) e o exílio de Victor Raúl Haya de la Torre, a queda e o exílio de Juan Domingo Perón, o suicídio de Getúlio Vargas e, em outro plano, com aquela mudança que marca o fim da


fase propulsiva do modelo econômico da industrialização graças às substituições das importações. Já nos anos 50 do século passado emerge um outro rosto da esperança, forjado pelos estudos e pelas propostas da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e, depois sustentado pela Aliança para o Progresso e pelo milagre econômico europeu: é a esperança do desenvolvimento por meio de um crescimento econômico e tecnológico, de reformas sociais e de certa modernização cultural, para deixar para trás as condições do subdesenvolvimento e encher progressivamente a brecha que separa o País latino-americano daqueles desenvolvidos, dos Estados Unidos e da Comunidade européia. Os obstáculos encontrados, porém, põem dramaticamente a questão da dependência. A surpresa impressionante da revolução cubana atrai, desde 1959 e durante o decênio sucessivo, as esperanças de vastos setores estudantis e intelectuais, cheios de ânsias de libertação, de solidariedade “terçomundista”, de renovação de um marxismo revolucionário, de construções de um novo socialismo, de edificação do “homem novo”. Essas esperanças que radicalizam todas as contradições das sociedades latinoamericanas se rompiam com as derrotas dos focos de guerrilha, com Cuba colocando-se sob a proteção soviética, com as graves dificuldades políticas, econômicas e culturais que substituem os primeiros tempos de entusiasmo revolucionário na ilha, com a incapacidade demonstrada de superar muitos dos males devastadores da experiência do “real socialismo”. As sucessivas falências do regime da Unidade Popular do Chile e do governo Sandinista em Nicarágua, preanunciam o fim da

fase messiânica da Revolução, com o R maiúsculo! Os anos Oitenta vêem a esperança da transição rumo a democracia nos Países da América Latina, deixando para trás a fase dos “regimes militares de segurança nacional” e a sua brutal política liberticida e repressiva.

Um novo rosto da esperança secular surge nos primeiros decênios do século XX, sob os longínquos ecos da revolução russa, os impulsos da revolução mexicana e a primeira geração estudantil latinoamericana que se desenvolve a partir da “reforma de Córdoba”. A queda do socialismo real na União Soviética e na periferia européia, entre 1989 e 1992, e a hegemonia dos Estados Unidos como única potência mundial, em meio a grandíssimas transformações tecnológicas, provocam uma virada histórica. O novo rosto secular da esperança parece manifestar-se no “fim da história”, ou seja, na exaltação, legitimação e difusão internacional das economias de mercado e das correspondentes democracias liberais, sem alternativas. Sonhava-se então uma “nova ordem internacional” de prosperidade, progresso, liberdade e paz para todos. Os “think-tank” da administração norte-americana, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional,

relançam a ilusão do mercado auto-regulador, com a “mão invisível” agora operante em nível de mercado global, que não conhece fronteiras e que pretende abater todo obstáculo rumo a uma liberalização total. Sabemos que no fim do século essa utopia já estava em plena crise, sacudida pelas guerras, pelas sucessivas crises financeiras, pelo terrorismo de matriz islâmicofundamentalista, pelos novos cenários geo-políticos e econômicos provocados sobretudo pela ascensão da China e da Índia, pelo abismo criado entre aqueles que se inserem economicamente e culturalmente no dinamismo da globalização e aqueles que permanecem excluídos. O hodierno terremoto provocado por um mercado financeiro, fortemente especulativo e desregulado, e as intervenções estatais predispostas a afrontá-lo, são como um ponto final daquela utopia. Spes contra spem Alguém falou da história da América Latina como história feita de oportunidades perdidas e esperanças frustradas. Relendo o já tradicional “best seller” do uruguaio Eduardo Galeano, “Las venas abiertas de America Latina”, concentrado obsessivamente em descrever quinhentos anos de opressão, de exploração, de violências sofridas pelos povos, como admirar-se que termine com a desolada expressão: “nunca seremos felizes”? Quem entrevê somente a negatividade de uma história, quem sabe propor somente uma ladainha de denúncias, quem vê somente cruzes e mortes, não pode querer terminar neste triste pessimismo, aparentemente confortado pelo moralismo radical dos “bempensantes” e pelo salto utópico rumo a uma revolução total, que nunca poderá acontecer... www.edicoesshalom.com.br

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Na verdade, acabaram num tudo isso, mais de 80% dos latino- o juízo de Octavio Paz, grande beco sem saída, entre a impotência americanos são ainda batizados na mexicano, latino-americano, cose a raiva, as esperanças seculares Igreja católica, e a reconhece, como mopolita, seja muito duro, mas das diversas elites políticas e ide- dizem todas as pesquisas feitas pode ser iluminador propor uma ológicas que quiseram impor pela em muitos países, como o sujeito sua citação: as nações do Velho força os seus “modelos” e os seus que recolhe e mantém o mais alto Mundo, curvadas sobre si mesnível de consenso, de credibilidade mas – afirma Paz -, “consagram as interesses à realidade. E, apesar de tudo, a esperança e de esperança na vida dos povos. próprias imensas energias à criação que anima a vida dos povos latino- Nada de ópio do povo! Essa “é de uma prosperidade sem grandeza americanos é bem outra! Às vezes, morada de povos irmãos, é casa e cultivam um hedonismo sem sim, é uma esperança contra toda dos pobres”, como escrevem os paixão e sem riscos”. Nelas, “mais esperança! Trata-se daquela espe- Bispos reunidos em Aparecida. que de niquilismo seria necessário rança semeada pela evangelização e Não existirá verdadeira esperança falar de hedonismo. A têmpera que se tornou matiz cultural e ethos na América Latina se não se retor- do niquilista é trágica; aquela do espiritual dos povos, linfa sempre na às próprias entranhas do povo, hedonista, resignada. Trata-se de um hedonismo distante renovada para recomeçar daquele de Epicuro: não sempre de novo, com uma ousa olhar a morte nos carga de positividade e até Após quinhentos anos da olhos; não é sabedoria, mas mesmo de alegria, ainda primeira evangelização, apesar renúncia”. Semelhante juque em condições de vida do abandono pastoral e da falta ízo é aquele de Bento XVI muitas vezes penosas. De de nova formação catequética de quanto sustenta que “a Eufato, não domina, em geropa parece encaminhada ral, na vida da nossa gente, vastos setores dos nossos povos sobre uma estrada que nem a resignação nem por longos períodos históricos, poderia levá-la à despedio pessimismo fechado. apesar das escuras e longas fases da da história”, rejeitando Somente uma grande esde escassa vitalidade missionária seja as suas “raízes” que um perança, maior que o horida Igreja, apesar da deficiência na verdadeiro protagonismo zonte estreito das circunsmovido por uma esperança tâncias, mais forte que os transmissão do cristianismo e dos fundada. Não é, talvez, sofrimentos e até mesmo desafios da secularização e das um sinal de tudo isso o que a morte, sustenta os seitas; apesar de tudo isso, mais inverno demográfico que povos na América Latina de 80% dos latino-americanos são não gera mais filhos, nem para recomeçar sempre de renova suficientemente as novo – no sacrifício e na ainda batizados na Igreja católica. gerações, aquela taxa cressolidariedade – o caminho cente de suicídio, aquele da vida rumo a um futuro melhor. Enquanto caem as utopias se não se põe para fora a tradição mal estar das jovens gerações entre das várias elites ideológicas, rege a escondida, se não se torna capaz de a confusão e a violência, sem razões esperança dos povos, dos pobres. recapitular e repensar, reformular e e grandes ideais de vida propostos Um sinal evidente disso é que, repropor as suas matrizes culturais pela sociedade dos adultos, aquele após quinhentos anos da primeira e ideais para colocar os povos em agarrar-se das sociedades àquilo evangelização, apesar do abandono movimento apaixonado, solidário, que conquistaram e obtiveram como bem estar material sem dispastoral e da falta de nova forma- na construção do seu futuro. posições eperosas, no sacrifício e ção catequética de vastos setores Em confronto com o Velho na solidariedade, por impulsos de dos nossos povos por longos períreformas adequadas a responder odos históricos, apesar das escuras Mundo Esta esperança que anima os aos novos problemas e desafios? e longas fases de escassa vitalidade Existe uma falta de esperança. missionária da Igreja, apesar da povos latino-americanos adquire deficiência na transmissão do ainda mais luz se colocada em Certo, já não regem mais as especristianismo e dos desafios da se- confronto com a postura espiritual ranças messiânicas radicalmente cularização e das seitas; apesar de dominante hoje na Europa. Talvez secularizadas, prosperadas no

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interior da tradição e da esperança de matriz hebraico- Revolução, compreendida como realização do sentido cristã. De fato, quando é enfraquecida a tensão cristã da história e como utopia de uma nova humanidade da esperança na missão da Igreja, e portanto na vida gerada pelo poder, que foi o modelo dos fascismos e das pessoas e das nações, quando se reduz a sua ver- do comunismo. “Tanto o capitalismo quanto o marxismo – disse dadeira quota de certeza experimentada no presente, arriscando de fazê-la tornar-se somente fuga rumo a Bento XVI no Brasil, na inauguração da V Confeum além distante dos interesses importantes da vida rencia Geral do Episcopado Latinoamericano, em pessoal e social, aquela tradição assume o rosto de Aparecida – prometeram encontrar o caminho para a esperanças seculares destacadas dela mesma. Pelas criação de estruturas justas”, confiantes de poder atuar visões ideológicas e macro históricas do século XIX as leis da historia, sem levar em conta a liberdade e e durante todo o século XX fica muito claro o quanto a moralidade da pessoa. E essa promessa ideológica os messianismos ateus, as esperanças secularizadas, – disse ainda o Papa – demonstrou-se falsa. Os fatos tenham pretendido tomar, reformular e ao mesmo o evidenciaram. O sistema marxista, onde chegou ao tempo substituir e cancelar a esperança cristã. Na governo, não deixou somente uma triste herança de América Latina, até mesmo a linguagem e muitos destruições econômicas e ideológicas, mas também conceitos da prática revolucionária, como aqueles uma dolorosa opressão nas almas. E, vemos a mesma sobre o “homem novo”, são impregnados de tradição coisa ao oeste, onde cresce constantemente a distância religiosa não reconhecida mas, quase improvisada. Em entre pobres e ricos e se produz uma inquietante detais esperanças seculares existem, de fato, sacralidades gradação da dignidade pessoal com a droga, o álcool que se envergonham de serem sacras, onde a huma- e os falsos milagres de felicidade”. Mais ainda: estão em crise as principais idéias ilunidade é Deus, o progresso objeto de fé, a revolução é o apocalipse e a revelação do sentido da história e ministas, dominantes na modernidade. Desmanchase aquela secularização o paraíso toma forma na da esperança como fé no “sociedade da abundânprogresso, já colocada cia” ou na “sociedade sem Mais uma vez a experiência em cheque pelas guerras classes”. Aquilo que se esevidenciou o quanto pretender mundiais, pelos campos de pera – escrevia o teólogo extermínio e pelos Gulag, Ratzinger no seu livro “Fe construir a cidade dos homens sem pelas ameaças nucleares y futuro”, publicado em Deus, significa construí-la contra o e por aquelas ecológicas. espanhol em 1973 –, não homem. Aushwitz e Hiroshima, é o Reino de Deus que ainda que em modos diestá em contraposição à versos, demonstraram que Igreja primitiva, mas o reino do homem; não o retorno do Filho de Deus, os meios mais racionais de que o homem dispõe, os mas o definitivo ressurgir de uma nova ordem humana meios tecnológicos, podem ser, sim, a serviço do proe racional, livre e fraterna”. As esperanças seculares, gresso humano, mas também a serviço da destruição porém, redobram, e ao mesmo tempo, convocam os de massa, coisa que dificilmente poderia justificar a sua racionalidade. O racionalismo exagerado se resinais da presença de Deus. vela mais que nunca redutor da razão e da realidade, produzindo, ao invés, o máximo do irracionalismo. A queda das utopias messiânicas No século XX temos assistido também àquilo que Surge por um lado no “pensamento fraco”, que vai do vem expresso pelo título do novo livro de Henri De relativismo ao niquilismo, que se entrega às idolatrias Lubac: “O drama do humanismo ateu”. Mais uma do dinheiro e do poder, e que alimenta uma cultura vez a experiência evidenciou o quanto pretender de morte seja na banalização da prática do aborto de construir a cidade dos homens sem Deus, significa massa, na manipulação genética selvagem, nas tenconstruí-la contra o homem. Este foi o resultado tações eugenéticas e eutanásicas, que no fanatismo paradoxal de um século no qual os mais entusias- terrorista. O futuro do planeta parece suscitar mais mados e exaltantes anúncios humanísticos acabaram medo que esperanças. Por tudo isso, o Papa pede na em opressões, destruições e abolição do humano. Os Encíclica Spe salvi (n. 22 ss.) uma necessária “autocríparaísos prometidos acabaram em verdadeiros e pró- tica da idade moderna” para ir além dos seus círculos prios enfermos. É assim desfeito o mito gnóstico da viciosos e dos seus becos sem saída. www.edicoesshalom.com.br

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oRando com a PaLaVRa

Para você ter uma noção, o livro do deuteronômio ou segunda lei é, em grande parte, uma recapitulação da história do povo hebreu relatada nos livros precedentes, a partir do monte Horeb onde deus se revelou a moisés. José Ricardo Ferreira Bezerra Missionário da Com. Católica Shalom em Fortaleza/CE

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sta é uma seção diferente da Revista Shalom Maná. O objetivo dela é levá-lo a ler e meditar com a Palavra de Deus através do antigo e comprovado método da Lectio Divina que consiste em quatro passos: leitura, meditação, oração e contemplação. E antes de iniciar a leitura desta página, peça o auxílio do Espírito Santo, Aquele que inspirou os autores sagrados a escreverem o que Deus quis, para que você entenda o quê e o para quê foi escrito. Tomemos hoje o livro do Deuteronômio, capítulo 30,11-14 e façamos uma Lectio com ele. Leia pelo menos três vezes, com atenção, se possível à meia voz. Partilhemos. Para você ter uma noção, o livro do Deuteronômio ou segunda lei é, em grande parte, uma recapitulação da história do povo hebreu relatada nos livros precedentes, a partir do monte Horeb onde Deus se revelou a Moisés. O Deuteronômio repete também parcialmente, as leis. Essa recapitulação é inspirada e dominada por uma idéia: a história reflete o amor do Senhor para com seu povo escolhido. Ele escolheu livremente a Israel para ser o seu próprio povo e este deve reconhecer nele seu único Deus e oferecer-lhe culto no seu único santuário. O livro foi concluído no cativeiro da Babilônia, entre os anos 587 a 538 a.C. O trecho que escolhemos para a nossa Lectio de hoje faz parte do terceiro discurso de Moisés que inicia em Dt 28,69 e se estende até o final do capítulo 30.

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Veja o versículo 11: “Por que este mandamento que hoje te ordeno não é excessivo para ti, nem está fora do teu alcance.” Você acha que os mandamentos de Deus são pesados (excessivos) para você? Você conhece os dez mandamentos? Não lembra todos? Ou ainda troca a ordem de alguns. Bem, façamos uma revisão: 1) Amar a Deus sobre todas as coisas. 2) Não tomar seu santo nome em vão. 3) Guardar os domingos e dias de festas. 4) Honrar pai e mãe. 5) Não matar. 6) Não pecar contra a castidade. 7) Não furtar. 8) Não levantar falso testemunho. 9) Não desejar a mulher do próximo. 10) Não cobiçar as coisas alheias (cf. Ex 20,1-21 e Dt 5,1-22. Veja também no Catecismo). No tempo de Jesus, os fariseus perguntaram-lhe qual era o maior mandamento e Ele respondeu: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente. Este é o maior e o primeiro dos mandamentos. E o segundo é semelhante ao primeiro: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22,37-40). São Paulo resume bem ao dizer: “O amor é a plenitude da Lei” (Rm 13,10). Para algumas pessoas uns mandamentos parecem mais pesados que outros. Para os jovens talvez o sexto mandamento seja um fardo. Para outros o oitavo é um peso grande, pois não conseguem deixar de “comentar” sobre a vida dos outros. Mas a Palavra de Deus garante que os mandamentos não são excessivos. Se você sente dificuldade em relação a um mandamento especial, peça hoje a graça para que este versículo de Dt 30,11 seja verdade em sua vida e que você não sinta peso em cumprir os mandamentos. Inicie assim: “Senhor, eu creio em tua Palavra. Dá-me


neste dia a graça da fidelidade à tua Lei. Que (ela / este mandamento...) não seja um peso excessivo para mim... Que o teu Espírito me dê a força necessária e eu seja vencedor contigo...” A continuação do versículo 11 diz ainda que os mandamentos não estão fora do nosso alcance. Você já imaginou se o que Deus nos pedisse fosse algo impossível. Que desânimo e frustração não nos causariam, não é mesmo? Como ser fiel a algo muito maior do que nós? Mas não, eles estão ao nosso alcance. Agradeça ao Senhor por isso: “Eu te louvo e te agradeço Senhor, pois os teus mandamentos estão ao meu alcance. Obrigado por que eles são a nossa felicidade e cumpri-los é buscar a santidade a cada dia...” Os versículos 12 a 13 explicitam que a Palavra do Senhor não está longe de nós. Nem no alto céu e nem além-mar. Não temos desculpas. E conclui no versículo 14: “Sim, por que a palavra está muito perto de ti: está em tua boca e no teu coração, para que a ponhas em prática.” Note quão importante é a leitura em voz alta ou à meia voz. A Palavra pronunciada penetra pelos nossos ouvidos e alcança o coração e assim podemos pô-la em prática. Lembre-se de que naquele tempo o principal meio de transmissão dos ensinamentos era por via oral, pois não existia o papel e os rolos e pergaminhos eram caros. Se naquele tempo a palavra já estava ao alcance do povo, imagine hoje. Outro ponto importante é que com a Encarnação do Verbo realmente podemos afirmar: A Palavra está muito perto de ti. Jesus veio para ser o Emanuel, o Deus-conosco. Ele vem fazer morada em nós quando lhe abrimos o coração. Inicie uma oração espontânea reafirmando sua fé na presença real de Jesus ao seu lado: “Senhor, eu

Você acha que os mandamentos de Deus são pesados (excessivos)? Você conhece os dez mandamentos? Não lembra todos? Ou ainda troca a ordem de alguns? creio que Tu estás perto de mim, ao meu lado... Obrigado pela tua Palavra, pelos hagiógrafos, os autores sagrados que o teu Espírito inspirou a escrever tudo e somente aquilo que é da tua vontade. Obrigado pelos homens e mulheres que ao longo da história da Igreja, preservaram-na e transmitiram-na para que ela estivesse ao meu alcance... Obrigado pelos estudiosos e tradutores que me permitem lê-la no meu idioma... Perdão por toda negligência e falta de zelo na leitura e anúncio da tua Palavra... Ignorar as Escrituras é ignorar-te, Senhor!

Dá-me a graça da fidelidade a cada dia do meu momento contigo através da Palavra... Dá-me também a graça de pô-la em prática e não perdê-la...” Continue da forma que o Espírito Santo o mover. Continue mais um tempo de sua oração em contemplação, louvando e bendizendo este Deus tão perto de nós... Não deixe de anotar as principais graças recebidas nesta Lectio em seu caderno e caso deseje, partilhe conosco pelo email: josericardo@comshalom.org. Shalom! www.edicoesshalom.com.br

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acontece no mundo

Nova lei vaticana

sobre fontes do Direito D

esde o dia 1º de janeiro deste ano, entrou em vigor no Estado da Cidade do Vaticano a nova Lei sobre as fontes do Direito, promulgada pelo Papa Bento XVI. Esta lei, que modifica a de 1929, introduz duas novidades jurídicas importantes, segundo explica o espanhol José Serrano Ruiz, presidente da Corte de Apelação do Estado da Cidade do Vaticano, que presidiu a Comissão que redigiu a nova lei. Estas novidades consistem em que, por um lado, se reafirme o Código de Direito Canônico como principal fonte de interpretação jurídica das leis vaticanas, e por outro, as leis italianas, que até agora se recebiam automaticamente em casos de incompatibilidade manifesta, serão submetidas a mais filtros por parte das autoridades jurídicas vaticanas. Esta nova lei se enquadra na renovação jurídica das leis vigentes desde o

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Tratado de Latrão, que João Paulo II começou com a promulgação da nova Lei Fundamental do Estado, em 2000. Esta preeminência do Código de Direito Canônico se deve – explica – “à natureza instrumental do Estado vaticano, que existe para garantir a liberdade da Sé Apostólica e como meio para garantir a independência real e visível do Papa no exercício de suas funções”. Serrano Ruiz explica que se trata de sublinhar a autonomia e genuinidade do Estado vaticano com relação ao italiano por três razões: pelo exorbitante número de normas

emanadas deste, pela instabilidade cada vez maior do ordenamento civil (em contraste com a ideia tomista de ordenação racional das leis). Mas também, sublinha o magistrado, porque “existe um contraste cada vez maior entre estas leis e os princípios nãorenunciáveis por parte da Igreja”. Por sua parte, o professor Giuseppe Della Torre, presidente do Tribunal vaticano, explicava que a nova lei não constitui uma “ruptura” com a anterior, pois desde sempre “a legislação italiana foi considerada como supletiva”. Para o professor Della Torre, esta nova lei “não supõe uma postura de polêmica contra o ordenamento italiano”, mas simplesmente o Vaticano, “como qualquer outro Estado, tem direito de custodiar sua própria legislação contra os valores incompatíveis com ela que possam proceder de legislações estrangeiras”.


Vinte missionários

Nomeado

assassinados durante 2008

Bispo de Iguatu

Frei João José da Costa

D

urante todo o ano de 2008, foram assassinados no mundo 20 pessoas cujas atividades pastorais e eclesiais estavam relacionadas com as missões: assim revela o dossiê anual publicado pela agência vaticana missionária “Fides”, da Congregação Vaticana para a Evangelização dos Povos. Trata-se de Dom Paulos Faraj Rahho, arcebispo de Mosul (Iraque), de 16 sacerdotes, um religioso e 2 voluntários leigos. Foi na Ásia onde se produziu o maior número de assassinatos: 6 sacerdotes e uma voluntária leiga, além do prelado iraquiano, perderam a vida no Iraque, Índia, Sri Lanka, Filipinas e Nepal. A esta lista provisória, afirma a agência Fides, deve-se acrescentar “a nuvem de soldados desconhecidos da grande causa de Deus”, segundo

A

a expressão que acunhou há alguns anos o Papa João Paulo II, “dos quais não se tem notícia, e que em muitos lugares da terra sofrem e pagam com sua vida a fé em Cristo”.

Três Lagoas tem novo bispo Bento XVI nomeou bispo de Três Lagoas (Mato Grosso do Sul) o padre José Moreira Bastos Neto, da diocese de Caratinga (Minas Gerais). Pe. José Moreira substituirá Dom Izidoro Kosinsck, cujo pedido de renúncia foi aceito pelo Papa, conforme o cânon 401§1. Pe. José Moreira Bastos Neto nasceu a 25 de janeiro de 1953, em Simonésia (Minas Gerais). Cumpriu os estudos de história, letras e filosofia na faculdade de Caratinga. Foi ordenado sacerdote a 28 de outubro de 1979. Atuou como pároco, reitor de seminário, professor, entre outras funções. Desde 2006, é coordenador diocesano de pastoral e administrador paroquial de Vila Nova.

Santa Sé informou que Bento XVI nomeou bispo de Iguatu (Ceará) o frei João José da Costa. Ele substitui Dom José Doth de Oliveira, que solicitou sua renúncia em conformidade com o cânon 401§2 do Código de Direito Canônico. Frei João da Costa, nasceu a 24 de junho de 1958, em Lagarto (Sergipe). Foi ordenado sacerdote em 1992. Atualmente, é Conselheiro e Prior do Convento do Carmo de São Cristóvão, em Sergipe, e presta assistência espiritual na Fazenda da Esperança, em Lagarto.

Canonista brasileiro na Congregação para o Clero Segundo informou a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Bento XVI nomeou o Frei Moacyr Malaquias Júnior, OFM, consultor da Congregação para o Clero. Frei Moacyr é professor de Direito Patrimonial Canônico na Pontifícia Universidade Antonianum em Roma e sócio da Sociedade Brasileira de Canonistas (SBC). A nomeação foi divulgada pela Santa Sé no dia 30 de dezembro. Segundo o presidente da SBC, dom Hugo Cavalcanti, OSB, os consultores das Congregações e dos Pontifícios Conselhos, nomeados pelo Papa, “atuam como conselheiros que dão parecer sobre o tema de sua especialidade”. “A diretoria e todos os membros da SBC se congratulam com o consócio augurando-lhe os votos de que seja profícuo o ministério que o Santo Padre lhe confiou”, afirmou dom Hugo. Fonte: Zenit

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dIVIRta-Se

Personagens bíblicos terminados em AS por José Ricardo Ferreira Bezerra

HORIZONTAIS: 1-Filho de Saul e grande amigo de davi (1Sm 19,1) 2-um dos discípulos de emaús (Lc 24,18) 3-companheiro de Paulo que o abandonou (2tm 4,10) 4-Sacerdote e doutor da Lei amigo de artaxexes (esd 7,21) 5-testemunha fiel da Igreja de Pérgamo (ap 2,13) 6-nome que Jesus deu a Simão que significa pedra (Jo 1,42) 7-Rei de damasco, cidade que Paulo escapou num cesto (2cor 11,32) 8-Profeta que pregou em nínive (Jn 3,1ss) 9-mordomo de Holofernes (Jt 12,11) 10-outro nome de José, candidato ao lugar de Judas (at 1,23) 11-mago da ilha de Pafos que se opôs a Paulo (at 13,8) 12-Lembrado por Paulo junto com nereu na igreja de Roma (Rm 16,15) 13-Pai de aquinoam, mulher de Saul (1Sm 14,50)

Horizontais 1. Jônatas/ 2. cleófas/ 3. demas/ 4. esdras/ 5. antipas/ 6. cefas/ 7. aretas/ 8. Jonas/ 9. Bagoas/ 10. Bársabas/ 11. elimas/ 12. olimpas/ 13. aquimaás. Verticais 1. Judas/ 2. Joás/ 3. Ártemas/ 4. anás/ 5. caifás/ 6. epafras/ 7. Silas/ 8. Barrabás/ 9. Zenas/ 10. teudas/ 11. Hermas/ 12. Pármenas/ 13. Pátrobras.

VERTICAIS: 1-Primeiro nome do Iscariotes (Lc 6,16) 2-Pai do Juiz Gedeão (Jz 6,11) 3-um dos enviados de Paulo a tito (tt 3,12) 4-Sumo sacerdote, sogro de caifás (Jo 18,13) 5-Sumo sacerdote que predisse a morte de Jesus pelo povo (Jo 11,49) 6-Substituiu Paulo na comunidade do colossenses (cl 1,7) 7-escolhido por Paulo ao separar-se de Barnabé (at 15,40) 8-Foi solto por Pilatos em vez de Jesus (mt 27,26) 9-Jurista recomendado por Paulo a tito (tt 3,13) 10-Juntou 400 homens segundo Gamaliel (at 5,36) 11-Saudado por Paulo na igreja de Roma, junto com Pátrobras (Rm 16,14) 12-o sexto dos primeiros diáconos da Igreja (at 6,5) 13-Saudado por Paulo na igreja de Roma, junto com Hermas (Rm 16,14)

Filme: Nossa vida sem Grace

O Turista conta-se que no século passado, um turista americano foi à cidade do cairo, no egito, com o objetivo de visitar um famoso sábio. o turista ficou surpreso ao ver que o sábio morava num quartinho muito simples e cheio de livros. as únicas peças de mobília eram uma cama, uma mesa e um banco. – onde estão seus móveis? – perguntou o turista. e o sábio, bem depressa, perguntou também: – e onde estão os seus? – os meus?! – surpreendeu-se o turista – mas estou aqui só de passagem! – eu também. – concluiu o sábio.

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J o h n Cu s a c k interpreta um pai que perde o rumo na vida quando sua mulher é morta em serviço no Iraque. Sem forças para contar o ocorrido para as filhas, ele as leva em uma viagem até um parque de diversões. Sabendo que a diversão não pode durar pra sempre, ele luta para encontrar as palavras que vão mudar as vidas de suas filhas.


Palavras demais, pessoas de menos Palavras na tV, palavras na Internet, no jornal, nas revistas, nos livros, nas rádios, nas músicas, nos supermercados, nos rótulos, nos outdoors, nos informativos luminosos sobre o trânsito, nos discursos dos políticos, nas pregações, nas conversas! Palavras em português, palavras em inglês, palavras no vocabulário misterioso dos grafiteiros! Palavras em letras imensas, palavras em grafia ínfima! Palavras faladas, gritadas, sussurradas, cantadas!

Maria Emmir Oquendo Nogueira

T

alvez você seja como eu: há noites em que, após um dia de trabalho, não consigo mais ouvir uma só palavra. “Meu Deus! São palavras demais para um dia só!”, penso, ansiando por um pouco de silêncio. Há pesquisas que levantaram o número espantoso de imagens a que somos submetidos a cada dia. No entanto, nunca ouvi dizer que se tenha pesquisado o número de palavras a que somos expostos a cada dia. Palavras na TV, palavras na Internet, no jornal, nas revistas, nos livros, nas rádios, nas músicas, nos supermercados, nos rótulos, nos outdoors, nos informativos luminosos sobre o trânsito, nos discursos dos políticos, nas pregações, nas conversas! Palavras em português, palavras em inglês, palavras no vocabulário misterioso dos grafiteiros! Palavras em letras imensas, palavras em grafia ínfima! Palavras faladas, gritadas,

sussurradas, cantadas! Palavras simples e eruditas, bem pronunciadas e ininteligíveis, palavras entrecortadas, espichadas, ecoadas. Centenas, milhares de palavras em um só dia! E olhe que é um dia normal, sem retiros, sem estudos, sem pesquisas especiais. Somos submetidos, de fato, a um bombardeio de palavras em bem maior número do que poderíamos suportar e permanecermos mentalmente sadios. Talvez, como eu, você, perdido em meio a tantas palavras, sinta falta de gente, sim, de gente, de pessoas, aquelas que são muito e falam pouco, que olham lá no fundo do coração da gente e dão um sorriso. Aquelas humildes que percebem que a gente existe e que não são elas nem suas necessidades o centro do mundo. Aquelas pequenininhas e ainda tenras, que se aninham em nossos braços e adormecem, esquecidas de tomar conta de si mesmas. Outras já velhinhas e já endurecidas, que se apóiam na gente para subir o menor degrau, já incapazes de tomar conta de si. Talvez, como eu, você também sinta que há palavras demais e pessoas de menos. Talvez se pergunte porque será assim, uma vez que palavra e pessoa deveriam vir sempre juntas. www.edicoesshalom.com.br

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Pois é. Deveriam, mas não vêm. Há, pelo contrário, uma distância cada vez maior entre palavra e pessoa. Diz-se o que se quer dar a entender e não o que se é. Fala-se muito da própria imagem e muito pouco de si. Gasta-se palavras à toa, em um verdadeiro desperdício, sabendo que elas sempre se renovam e recriam, em um estoque infinito, sem compromisso com a verdade que as limita e domestica. Quem sabe seja este o problema. O descompromisso com a verdade deixa as palavras soltas, profusas, invasivas, instintivas, fantasiosas. É! Deve ser isso mesmo, pelo menos em parte. Sem a verdade a pastoreálo, o rebanho das palavras foge, enlouquecido, invade as cidades, as mentes, os ares. Sem o compromisso moral a cerceá-las, tornam-se como que autônomas, desprendidas das pessoas que as proferem, libertinas, indomáveis, voluptuosas. Onipotentes e imaturas, tomam vidas por si mesmas e encarregam-se de servir à mentira, escondendo pessoas, dissimulando mal-feitos, abafando pensamentos, maquiando desejos, distorcendo fatos. O resultado é o que vemos: palavras demais, pessoas de menos. Informações não confiáveis em pessoas não conhecíveis. Palavras tiranas, dominadoras, senhoras de escravos que parecem acreditar no que parecem dizer a tal ponto que nem senhoras nem escravos têm mais certeza de nada. Palavras que escravizam pessoas.

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Pessoas que pensam escravizar palavras sem perceber que, na verdade, são escravizadas por elas!

Talvez, como eu, você também sinta que há palavras demais e pessoas de menos. Talvez se pergunte porque será assim, uma vez que palavra e pessoa deveriam vir sempre juntas. Talvez, como eu, você tenha saudade, muita saudade, de coerência. Saudade de mergulhar na Palavra que é Pessoa e que é Verdade. Saudade do poder de gerar vida daquela Palavra em que você foi criado. Saudade de ouvi-lA chamar você pelo nome. Saudade de senti-lA pulsando em seu passado, seu presente, seu futuro, junto com o bater do seu coração: “Amo-te, amo-te, amo-te, amo-te!” Como eu, quem sabe, você sente falta de uma Palavra e Pessoa que sejam uma coisa só, sem divisão, sem incoerência, sem máscara, sem morte. Falta da Pessoa-Palavra que entra como um fino estilete lá no mais fundo do mais fundo de sua alma e lhe sarja os tumores. Falta da Palavra-Pessoa que, porque é verdade, liberta e, por libertar, é vida e dá vida, é sentido e dá sentido, é via e mostra a via.

Como eu, você certamente tem sede de ouvir o som da Palavra dita no eterno coração da Trindade, da Pessoa gerada na Palavra-Amor da Pessoa que a gera, da PalavraAmor-Pessoa-Verdade que, sem precisar proferir som, apenas é e se faz Palavra pela entrega. Sede de contemplar a Pessoa-Palavra que faz da entrega e acolhida de Amor seu segredo a comunicar para que nós, escravizados pelas palavras mancomunadas com a inverdade, sejamos libertos. Nossa sede pode ser saciada; essa nossa saudade pode ser atendida; nossa carência, preenchida. De nossas mãos, pelo preço de quase nada, pode passar ao nosso coração a Palavra-Pessoa, inteiramente coerente, a PalavraVerdade, inteiramente libertadora porque inteiramente Amor. A Palavra se fez gente, a Pessoa se fez homem, a Verdade foi revelada e, revestida de palavras, colocou-se ao nosso alcance, revelou-se por gerações, dividiu-se em livros, colocou-se nas prateleiras das lojas, acessível a todos. Fez-se traduzir na língua de todos, fez-se digitalizar, fez-se divulgar, fez-se filmar, fotografar, reproduzir. A Palavra-Pessoa-Verdade-Amor, aquela que não se cansa de amar, que não se cansa de libertar, está à nossa disposição. Oferecida. Entregue. Vinda para os Seus. Acolhamo-la. Descansemos na Paz da Palavra Única.




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