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Edição Especial

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valor da

VIDA


E D I T O R I A L

O Valor da Vida

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ivemos um momento histórico importantíssimo e decisivo. A humanidade se depara atualmente com relevantes questões científicas, éticas e morais. Diversas discussões acontecem diariamente em todos os continentes. Inexoravelmente escolhas difíceis serão feitas, afetando o nosso modo de pensar, agir e viver e o das futuras gerações. Estas influenciarão realidades íntimas e pessoais, mas também, sociais, legais e políticas. A grande magnitude destas possíveis mudanças se deve ao tema central em questão: A VIDA HUMANA. Este delicado momento histórico poderá deflagrar um grande salto em favor da vida humana, uma real oportunidade de mudanças estruturais, morais e legais. O surgimento, em proporção mundial, de uma nova sociedade, mais democrática, justa e solidária. Abre-se a possibilidade de um tempo de prosperidade e progresso humano. No entanto, corremos também o risco de, nas escolhas erradas, iniciarmos um grave e desastroso retrocesso da humanidade. Refletindo sobre a vida humana vemos neste início de terceiro milênio um lado luminoso, como os avanços médico-científicos e as leis e declarações de direitos humanos, mas também, estarrecidos, nos deparamos com diversos tipos de agressões, dentre eles as guerras, o terrorismo, a fome, as epidemias e o aborto. Para superar este cenário paradoxal é necessário iniciarmos diálogos abertos, francos e pacíficos sobre a vida humana e seus desafios atuais. A rivalidade, violência e animosidade só enfraquecem e desviam a busca sincera de todos pela correta postura. Devemos partir da premissa que desejamos o melhor para humanidade. Queremos que as vidas dos seres humanos sejam mais saudáveis, dignas e felizes. Se este pressuposto nos une, então já temos um excelente ponto de partida. Para compreendermos melhor a vida humana precisamos observála por diversos ângulos que, por sua vez, se completam. Uma visão multidisciplinar torna mais segura e eficaz nossa busca pelo sentido e valor da vida humana. Por isto a ciência, a filosofia, a antropologia, a política e religião devem, de maneira autônoma e específica, caminhar de mãos dadas neste processo. Com um desejo sincero de sermos fiéis a nossa missão como Igreja, é que nós, da redação, decidimos fazer chegar a todos, uma revista que pudesse favorecer uma resposta mediante a tantos desafios e ataques diretos a vida humana, ao seu valor, dignidade e beleza. Você encontrará nessa Edição Especial artigos que falam sobre o aborto – em um visão científica e judicial –, a eutanásia, os riscos que a cultura dos preservativos trazem para a humanidade, testemunhos e muito mais. Que o Espírito Santo de Deus seja nossa arma mais eficaz para saciarmos a fome e sede de Deus que os homens e mulheres do mundo inteiro trazem transcritos em seus corações, tantas vezes rebuscado pelo pecado e suas consequências. Deus o abençoe!

E X P E D I E N T E Coordenação Geral RICARDO MOREL LOPES Cristiano Tuli Coordenação Editorial Andréa Luna valim eliana gomes lima Equipe de Redação Andréa Luna valim andréia gripp eliana gomes Lima José Ricardo F. Bezerra Revisão José Ricardo F. Bezerra Sandra Viana rejane nascimento Editor de Arte AUGUSTO F. OLIVEIRA Gerente Comercial ELIANA GOMES LIMA Assinaturas Lane Marques Jornalista Responsável Egídio Serpa

SERVIÇO DE APOIO AO ASSINANTE CE 040 - s/n - Km 16 - Divineia - Aquiraz/CE - 60170-000 Para assinar ou renovar: (85) 3091.2420 / 8879.7823 Para anunciar: (85) 3308.7402 Para sugestões, dúvidas, reclamações e testemunhos, ligue-nos ou escreva-nos: revista@edicoesshalom.com.br / www.edicoesshalom. com.br / www.comunidadeshalom.org.br


SUMÁRIO

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Vida humana: dom precioso de Deus

por Josefa Alves Fortaleza/CE Missionária da Com. Católica Shalom em

Um País a favor da vida

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por Regma Janebro Fortaleza/CE Missionária da Com. Católica Shalom em /CE ama oret Juíza Titular da Comarca de Pind Sertão do ha Rain Professora da Faculdade Católica

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Vida humana: valor inestimável

por Roger Pereira Valim Médico pediatra e neonatologista Missionário da Com. Católica Shalom em Fortaleza/CE

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A educação afetiva e sexual dos filhos e o uso do preservativo como inibidor da Aids por Rafael Liano Cifuentes Presidente da Comissão Família e Vida

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A verdade sobre a Eutanásia

por Josefa Alves Missionária da Com. Católica Shalom em Fortaleza/CE

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O quarto de 13 tEStEMunHO

por Jairo Barbosa Leite Missionária da Com. Católica Shalom em Fortaleza/CE


Vida humana:

dom precioso de Deus À luz da experiência universal e de uma reta reflexão racional, podemos afirmar que a vida humana é um bem, um valor. À luz da fé, a vida humana se revela como um grande dom de Deus Criador e Pai Misericordioso.

Josefa Alves Missionária da Comunidade Católica Shalom em Fortaleza/CE

“Q

ue é o homem, digo-me então, para pensardes nele? Que são os filhos de Adão, para que vos ocupeis com eles?”1 Em seu infinito amor, Deus, Criador do universo, criou o homem à sua imagem e semelhança, para amá-lo e fazê-lo participar da sua vida divina. Por isso a vida humana é sagrada, pois tem em Deus a sua origem e o seu fim, ela não é fruto do acaso ou de mera evolução física; e portanto, é, também, inviolável porque pertence a Deus, seu criador.

“O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente”2. A Sagrada Escritura nos ensina que o homem foi criado à imagem de Deus, capaz de conhecer e amar o seu Criador, e que foi constituído acima das outras criaturas terrenas como senhor delas3, para governá-las e delas se servir para a glória de Deus4. Essa participação do homem na soberania divina atinge o seu ápice no dom da liberdade responsável que o homem recebe do Senhor. “A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis ‘deixar o homem entregue à sua própria decisão’5, para que busque por si mesmo o seu Criador e


A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis ‘deixar o homem entregue à sua própria decisão’, para que busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à total e beatífica perfeição, aderindo a Ele.” livremente chegue à total e beatífica perfeição, aderindo a Ele”6. Mas precisamos compreender que existe uma diferença qualitativa entre o senhorio do homem sobre o mundo infra-humano e o senhorio sobre a sua própria vida, porque a vida humana não poderá jamais ser objeto de posse e manipulação, ela deve, simplesmente, ser vivida. O homem é “senhor” somente na medida em que é também “ministro” do desígnio estabelecido pelo Criador. Ou seja, Deus constituiu o homem como administrador das suas obras, para administrá-las com sabedoria, mas esse domínio não se estende sobre a própria vida humana. À luz da experiência universal e de uma reta reflexão racional, podemos afirmar que a vida humana é um bem, um valor. À luz da fé, a vida humana se revela como um grande dom de Deus Criador e Pai Misericordioso. “Na interpretação antropológica do corpo, a inviolabilidade da vida humana não coincide com a intocalibilidade, ou seja, ou com a exclusão de qualquer intervenção sobre ela: tal intervenção, mesmo se é “artificial”, resulta eticamente lícita ou até mesmo obrigatória se, no respeito da estrutura, dos dinamismos e das finalidades do corpo humano, é colocado a serviço da pessoa e do seu desenvolvimento.”7 Na sua encíclica Evangelium Vitae, João Paulo II afirma que, “mesmo por entre dificuldades e incertezas, todo o homem sinceramente aberto à verdade e ao bem pode, pela

luz da razão e com o secreto influxo da graça, chegar a reconhecer, na lei natural inscrita no coração (cf. Rm 2,14-15), o valor sagrado da vida humana desde o seu início até ao seu termo, e afirmar o direito que todo o ser humano tem de ver plenamente respeitado este seu bem primário.”8 Ele nos recorda, ainda, que somos chamados a uma plenitude de vida que vai muito além das dimensões da nossa existência terrena, porque consiste na participação da própria vida de Deus. A sublimidade dessa vocação sobrenatural revela a grandeza e a dignidade da vida humana9. No primeiro capítulo desta belíssima Encíclica, o Papa descreve as atuais ameaças à vida humana, partindo do início, desde o sangue de Abel, morto por Caim, seu irmão: “Caim disse então a Abel, seu irmão: “Vamos ao campo”. Logo que chegaram ao campo, Caim atirou-se sobre seu irmão e matou-o. O Senhor disse a Caim: “Onde está seu irmão Abel? – Caim respondeu: “Não sei! Sou porventura eu o guarda do meu irmão?” O Senhor disse-lhe: “Que fizeste! Eis que a voz do sangue do teu irmão clama por mim desde a terra”10, e afirma que o sangue das pessoas e dos povos mortos das mais diversas formas de violência é como um rio que ainda hoje escorre e sacia a cultura de morte. Mas a história da humanidade também conhece um outro sangue, que gera a cultura da vida e que semeia a cada dia a esperança, produzindo frutos de amor e de serviço à vida: “Já não haverá morte”11, exclama a voz potente que sai do trono de Deus na Jerusalém celeste. Este

outro sangue é o sangue de Cristo Crucificado, que sai do seu lado aberto12, “derramado por muito, para a remissão dos pecados.”13 Que grande amor do Pai e do Filho pelo homem pecador! Quão precioso é o homem aos olhos de Deus e quão inestimável é o seu valor! Você entende agora porquê a vida humana é sagrada e inviolável, desde o momento da sua concepção até a sua morte natural e em qualquer condição, de saúde ou de doença? Com a doação livre e total de Cristo na Cruz – e doando-se entregou o espírito – Jesus se torna a Nova Lei, que no Espírito faz o homem participar do seu amor e do seu abandono. Sobre isso nos ensina a Evangelium Vitae: “Animado e plasmado por esta lei nova está também o mandamento que diz “não matarás”. Para o cristão, isto implica, em última análise, o imperativo de respeitar, amar e promover a vida de cada irmão, segundo as exigências e as dimensões do amor de Deus em Jesus Cristo. “Ele deu a Sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos” (1Jo 3,16)14. Notas: 1 Sl 8,5. 2 Gn 2,7. 3 Cf. Gn 1,26; Sb 2,23. 4 Cf. Sb 17,3-10. 5 Cf. Sb 15,14. 6 Gaudium et Spes, 17. 7 DIONIGI TETAMANZI, Nuova Bioetica Cristiana, Piemme, 2001, p. 138. 8 Evangelim Vitae, 2. 9 Idem. 10 Cf. Gn 4,8-10. 11 Cf. Ap 21,4. 12 Cf. Jo 19,34. 13 Cf. Mt 26,28. 14 Cf. EV, 77. www.edicoesshalom.com.br

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: a n a m u h a d Vi

valor inestimável

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Os recentes estudos e experimentos científicos, bem fundamentados e reconhecidos, afirmam sem dúvidas que a vida humana inicia-se no momento da fecundação. A união do espermatozóide e do óvulo gera um novo ser humano. As maiores autoridades científicas mundiais são categóricas em afirmar que a fecundação é o início da vida humana. Roger Pereira Valim Médico pediatra e neonatologista Missionário da Com. Católica Shalom em Fortaleza/CE

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visão da ciência Nestas últimas décadas presenciamos no mundo uma evolução científica sem precedentes. No entanto, ao lado dos inúmeros avanços e benefícios conquistados, fomos simultaneamente confrontados com delicadas questões éticas e morais. A vida humana, parti-

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corpo humano com a finalidade de reprodução sexual produz uma célula altamente especializada chamada de gameta sexual. No homem esta célula é o espermatozoide, na mulher, o óvulo. Estas duas células possuem características específicas em vista de sua função. São as únicas células humanas com apenas 23 pares de cromossomos. Os cromossomos são estruturas que contêm os genes, que guardam nossas características e coordenarão todos os nossos processos biológicos e fisiológicos. Todas as demais células do nosso corpo possuem 46 pares de cromossomos, como as da pele, do coração, do cérebro. O espermatozoide e o óvulo possuem apenas metade dos cromossomos para que quando se unirem formando um novo ser humano, este possua então a totalidade de sua formação genética, os 46 pares de cromossomos (23 herdados do pai e 23 da mãe). Este harmonioso

cularmente no seu início, tem sido submetida a graves agressões. Para uma atitude ética em favor da vida precisamos conhecer importantes conceitos biológicos sobre esta. Surge então no centro da discussão a pergunta: Quando é o início da vida humana? Atualmente, através da ciência, o processo de geração e desenvolvimento humano são bem melhores compreendidos. As pesquisas e experimentos na biologia e na genética constataram que a vida

humana se inicia na fecundação. A união do espermatozoide e do óvulo é momento da geração do novo ser humano. (Box 1). As maiores autoridades e instituições científicas são consensuais que a fecundação é o início da vida humana. Algumas especulações sobre este fato apenas confundem o meio leigo e a mídia, causando uma série de desinformações e equívocos. Através de uma análise científica e objetiva tentaremos esclarecer as principais dúvidas sobre o tema. (Box 2)

Fecundação:

Início da vida humana

processo de união dos gametas é chamado de concepção, fecundação ou fertilização. Ele geralmente acontece dentro da tuba uterina e marca o início da vida daquele

novo ser humano. Todo ser humano que vive, viveu ou viverá, passará por esta fase inicial da vida, esta fase unicelular que chamamos de zigoto. www.edicoesshalom.com.br

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Início da vida humana:

Especulações equivocadas

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requentemente surgem algumas especulações, totalmente contrárias às afirmações científicas, que apenas confundem a opinião pública e a mídia em geral. Infelizmente algumas delas ferem até o conhecimento científico básico comum e são publicadas sem uma análise científica mínima. Explicaremos algumas delas. A ejaculação masculina não é um “genocídio”, pois os milhões de espermatozoides lançados são apenas células reprodutivas e não seres humanos. Os espermatozoides e os óvulos são células vivas de um ser humano, assim como as hemácias e os neurônios, mas não são seres humanos. O zigoto não é apenas tecido humano vivo de “um ser humano que não existe”. Ele é um ser hu-

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mano único que ao longo da sua vida produzirá diversos tecidos e órgãos. O zigoto não é um “amontoado” de células. As descobertas científicas demonstram que desde as primeiras divisões celulares, já existe um ser vivo humano que se desenvolve seguindo um eixo embrionário coordenado pelo genoma. Todas as células estão integradas formando este microscópico corpo humano. Diariamente inúmeras células do corpo humano morrem, como as da pele, do intestino, mas isto não pode ser comparado à morte de um ser humano na sua fase unicelular, de zigoto. A morte fisiológica (natural) de células somáticas (do corpo) não extermina aquela vida humana, já a morte

de um zigoto é o fim daquele ser humano. É sabido que muitos seres humanos não ultrapassam a sua fase de zigoto, pois num processo natural não conseguem implantarse no útero para continuar a viver e assim são espontaneamente abortados. Esta possibilidade de uma morte precoce não altera as características biológicas humanas dos embriões e não nos autoriza manipulá-los como objetos neste período pré-implantação. Da mesma forma que os altos índices de mortalidade infantil não diminuem o valor da vida e a dignidade de uma criança. A ciência que sempre deve estar a serviço de todo ser humano e particularmente a medicina reprodutiva, tem como objetivo favorecer todo o processo gestacional desde sua fase


de fecundação, passando pela implantação, desenvolvimento embrionário e fetal até o parto. Aquele novo ser humano não é parte do corpo da mãe. As células do embrião e do feto são todas diferentes das células da mãe. Os genes e diversas características biomoleculares de cada célula são diferentes. Existe uma íntima interação, dependência e comunicação bioquímica entre o corpo da mãe e do filho, mas eles são distintos e cada um autônomo na sua coordenação. O embrião não é um ser humano em potencial. Ele já é um ser humano. Um ser humano nas primeiras fases de sua vida. Assim também como um recém-nascido não é um ser humano em potencial, ele já é um ser humano em seus primeiros dias de vida extrauterina. Eles têm grande potencial fisiológico, psicológico e social, mas sua natureza humana não muda durante a vida. A implantação ou nidação (quando o embrião se fixa no útero) não marca o início da vida humana. Ela é um momento decisivo no desenvolvimento natural da vida humana, assim como o parto também o é, mas a fecundação é o momento, cientificamente comprovado, que marca o início da vida humana, pois ali é que se forma o novo ser humano com todas suas características genéticas, iniciando assim o processo daquela vida. A implantação é com certeza um evento indispensável para a continuidade de sua vida, pois através desta interação com a mãe, o embrião poderá nutrir-se e desenvolver-se.

temos a visão microscópica do ser humano nas suas formas primordiais. A organização complexa, coordenada, integrada e autopoiética (que gera a si próprio) é mantida ao longo de toda a vida humana. Todo ser humano passa pelas mesmas formas primordiais e continua mudando de forma na vida extra-uterina, o corpo e a fisiologia de uma criança são diferentes do idoso. O ser humano não se forma a partir do décimo quarto dia de vida (quando estaria bem implantado no útero) e sim no ato da fecundação. A sua capacidade “totipotente”, ou seja a possibilidade de suas células se diferenciarem em qualquer órgão ou tecido, e de inclusive, havendo separação entre elas, de gerar outro embrião, como no caso dos gêmeos idênticos, não se configura em nenhuma hipótese em perda de sua condição de ser humano. Com os avanços científicos ficou constatado que o indivíduo humano nestes primeiros dias de vida tem características biológicas surpreendentes, próprias deste período. A vida humana não se inicia com a atividade cerebral. Tentar marcar o início da vida com os mesmos critérios fisiológicos usados para determinar o fim da vida (morte encefálica) é incorrer num erro básico de interpretação, pois a

ciência mostra que a vida no seu curso natural de desenvolvimento é dinâmica, composta por diferentes fases e características. Um exemplo simples para ilustrar isto, basta perceber que no período extra-uterino, os pulmões precisam estar cheios de ar.e quando eles ficam repletos de líquidos o ser humano morre, como nos casos de afogamento. No entanto no período fetal, os pulmões para o perfeito desenvolvimento precisam estar cheios de liquido, sendo a respiração executada pelo cordão umbilical e a placenta. Da mesma forma o encéfalo é responsável nas fases mais desenvolvidas, por coordenar as atividades vitais do ser humano, no entanto nas fases iniciais da vida humana a coordenação das atividades vitais é exercida essencialmente pelo conjunto de genes daquele ser humano, que inclusive coordenarão toda formação e desenvolvimento do encéfalo. A dependência biológica que o feto tem da mãe para continuar vivo não o torna “menos humano”. Durante algumas fases da nossa vida, como nas doenças e na velhice, somos profundamente dependentes dos outros e continuamos seres inteiramente humanos.

O ser humano não pode ser apenas caracterizado pela morfologia adulta (forma habitual com cabeça, tronco e membros), pois com os avanços da ciência hoje www.edicoesshalom.com.br

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Não quero repetir o óbvio, mas, na verdade, a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com os 23 cromossomos da mulher, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano já estão presentes. A fecundação é o marco do início da vida. Daí para frente, qualquer método artificial para destruí-la é um assassinato.” Jerôme Lejeune


Interessante é também a afirmação de Degerhard, que diz, de um ponto de vista rigorosamente científico, que ‘depois da fecundação não há uma mudança da ‘não-vida’ à vida, do ‘não indivíduo’ ao indivíduo, da ‘vida não-humana’ à humana’.” O eminente e conhecido cientista Jerôme Lejeune, professor da Universidade René Descartes, em Paris, que dedicou toda a sua vida ao estudo da genética fundamental, descobridor da Síndrome de Down (“mongolismo”) diz: “Não quero repetir o óbvio, mas, na verdade, a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com os 23 cromossomos da mulher, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano já estão presentes. A fecundação é o marco do início da vida. Daí para frente, qualquer método artificial para destruí-la é um assassinato.” “O que define um ser humano é o fato de ser membro da nossa espécie. Assim, quer seja extremamente jovem (um embrião), quer seja mais idoso, ele não muda de uma espécie para outra. Ele é da nossa estirpe. Isto é uma definição. Diria, muito precisamente, que tenho o mesmo respeito à pessoa humana, qualquer que seja o número de quilos que pese, ou o grau de diferenciação das células.” Cada novo ser humano possui características genéticas únicas que coordenarão todo seu crescimento e desenvolvimento. A vida humana é um processo contínuo e gradual e que se não for interrompido alcançará todas as suas fases, até o ocaso natural. A medicina e todas as ciências se empenham por ajudar cada ser humano a trilhar sem desvios e interrupções este processo vital. Por isto promovem a saúde e combatem as enfermidades e acidentes. É inquestionável então que a ciência, em última análise, existe para fornecer aos seres humanos todas as informações e meios para que estes vivam bem em todas as fases da suas vidas, desde zigoto, passando por embrião, feto, criança, adolescente, jovem, adulto e idoso. Na Espanha divulgou-se um manifesto científico, coordenado por Luis Franco Vera, da Real Academia de Ciências Exatas, Físi-

cas e Naturais e catedrático de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade de Valência, que foi firmado por 14 acadêmicos, dois cientistas premiados com o Prêmio Jaime I, 39 catedráticos universitários e mais de 150 pesquisadores e professores. Os cientistas assinalam que há dados que tornam “inadmissível desde um ponto biológico identificar o embrião como uma simples massa de células, nem sequer nos dias anteriores à sua implantação”, e acrescentam que o embrião é “um organismo individual da espécie Homo sapiens, certamente em estado incipiente de desenvolvimento, mas não por isso merecedor de um estatuto biológico distinto do adulto”. O Dr. Ventura-Juncá, médico-cirurgião neonatologista e professor de Bioética na Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Chile afirma: “Se nós reconhecemos que desde o momento da fecundação, como demonstra a genética e a embriologia moderna, temos a um ser humano, e que, como diz inclusive um evolucionista materialista como Ernst Haeckel, desde o momento da fecundação começa o desenvolvimento de um novo organismo que vai ser uma criança e um adulto, isso temos que ter presente como um elemento fundamental para respeitar todo ser humano, independentemente de sua etapa de desenvolvimento”. Interessante é também a afirmação de Degerhard, que diz, de um ponto de vista rigorosamente científico, que “depois da fecundação não há uma mudança da “não-vida” à vida, do “não indivíduo” ao indivíduo, da “vida não-humana” à humana”. A fecundação como início da vida humana não é uma especulação metafísica, mas sim uma sólida evidência experimental científica. www.edicoesshalom.com.br

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Tentar “desumanizar” a fase embrionária ou fetal pela ausência de algumas e importantes habilidades humanas, é uma visão simplória e distorcida. Nas fases mais elementares da vida não há dor consciente, nem uso da razão, ou outras características, que se desenvolverão em fases mais tardias. Isto não torna as fases primordiais menos importantes ou “menos humanas”. O que é mais importante: A infância ou a adolescência? A vida adulta ou a terceira idade? O mais importante é sempre a vida daquele ser humano, em cada etapa e em toda sua existência.” A pessoa humana: Um ser em desenvolvimento O ser humano ao longo da vida passa por consideráveis mudanças fisiológicas, morfológicas, psicológicas e sociais. O desenvolvimento humano possibilita adquirir diversas “habilidades”, de maneira gradual e harmoniosa. A integridade física e a continuidade biológica são pressupostas para cada fase da vida. Alguém que hoje expressa suas ideias e pensamentos, com certeza teve sua vida respeitada nas suas fases mais elementares e por isto deve usar todas as habilidades adquiridas para que todos os seres humanos tenham também os seus mesmos direitos e possibilidades. Tentar “desumanizar” a fase embrionária ou fetal pela ausência de algumas e importantes habilidades humanas, é uma visão simplória e distorcida. Nas fases mais elementares da vida não há dor consciente, nem uso da razão, ou outras características, que se desenvolverão em fases mais tardias. Isto não torna as fases primordiais menos importantes ou “menos humanas”. O que é mais importante: A infância ou a adolescência? A vida adulta ou a terceira idade? O mais importante é sempre a vida daquele ser humano, em cada etapa e em toda sua existência. Ao longo deste processo, de sucessivas e inseparáveis etapas, cada ser humano de-

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senvolve sua vida cultural, social, política e econômica. Estas novas vivências comporão sua personalidade. É totalmente equivocado tentar “desumanizar” a fase embrionária, com o argumento de que embora os embriões sejam seres humanos numa idade tenra, não seriam ainda pessoas humanas pela ausência das atividades culturais e racionais. Desta forma não teriam os mesmos direitos e assim poderiam ser manipulados como objetos e até eliminados. Tentar dissociar o ser humano do seu valor inestimável e assim suprimir seu direito à vida causou, há poucas décadas, a morte de milhões de seres humanos. A história deve sempre nos recordar os terríveis períodos quando crianças, negros, mulheres, incapacitados e judeus foram considerados pessoas humanas de “segunda categoria” e exterminadas como seres humanos inferiores devido à idade, cor, sexo, enfermidade e expressão religiosa. Que terríveis ideologias não retornem com novas apresentações. Um grave retrocesso ético, político e legal acontece quando os seres humanos são divididos e classificados com a finalidade de suprimir o direito fundamental à vida. O grande desafio da humanidade é garantir o direito básico à vida para todos os homens e mulheres. Devemos nos posicionar claramente em favor da vida de todos, sem nenhum tipo de discriminação.


Num aperto de mão

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o valor da vida

m fotógrafo que fez a cobertura de uma intervenção cirúrgica para corrigir um problema de espinha bífida realizada no interior do útero materno num feto de apenas 21 semanas de gestação, numa autêntica proeza médica, nunca imaginou que a sua máquina fotográfica registraria talvez o mais eloquente grito a favor da vida conhecido até hoje. Havia três anos que Julie e Alex Armas tentavam ter um filho. Finalmente, Julie, com 27 anos de idade, depois de sofrer dois abortos, estava grávida novamente. O desejo de ter uma criança “perfeita” – sonho de todo casal – foi derrubado na 14ª semana de gravidez, quando um exame de ultrasom acusou certa anomalia na espinha dorsal do feto, o que ocorre aproximadamente uma vez em cada mil nascimentos. Segundo informações médicas, a maioria dos pais escolhe interromper esse tipo de gravidez, já que optam por não trazer ao mundo uma criança “imperfeita”.

No entanto, Julie e Alex optaram pelo risco da cirurgia alegando: “Nós acreditamos que a vida sempre começa na concepção e decidimos acolher o bebê como sendo aquele que Deus escolheu para nós”. Enquanto Paul Harris cobria, na Universidade de Vanderbilt, em Nashville, Tennessee, Estados Unidos, o que considerou uma das boas notícias no desenvolvimento deste tipo de cirurgias, captou o momento em que o bebê tirou a sua mão pequenina do interior do útero da mãe, tentando segurar um dos dedos do médico que o estava operando. A foto espetacular foi publicada por vários jornais dos Estados Unidos e a sua repercussão cruzou o mundo até chegar à Irlanda, onde se tornou uma das mais fortes bandeiras contra a legalização do aborto. A pequena mão que comoveu o mundo pertence a Samuel Alexander que, no dia na foto tinha cerca de quatro meses de gestação.

Vale ressaltar que bebês desta idade podem legalmente ser abortados na maioria dos países. Quando pensamos bem nisto, a foto é ainda mais eloquente. A vida do bebê está literalmente presa por um fio. Os especialistas sabiam que não conseguiriam mantê-lo vivo fora do útero materno e que deveriam tratá-lo lá dentro, corrigindo a anomalia fatal e voltar a fechar o útero para que o bebê continuasse o seu crescimento normalmente. Samuel nasceu através de uma operação cesárea em 2 de dezembro de 1999, quase um mês antes do previsto, um pouco abaixo do peso, como era de se esperar, mas em perfeito estado de saúde, apesar das naturais sequelas de seu problema, especialmente uma certa rigidez nas pernas. Dois meses e meio depois de seu milagroso nascimento, o pequeno Samuel iniciou um árduo programa de reabilitação destinado a completar o êxito da operação intra-uterina praticada quando tinha apenas 21 semanas de gestação. www.edicoesshalom.com.br

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A morte de seres humanos inocentes: o aborto O aborto tem assumido lugar de destaque nas discussões legais e políticas sobre o valor da vida humana. O que veremos é que muitas vezes estas discussões seguem uma linha parcial, com cunho eminentemente passional, sem espaço para uma séria reflexão científica e racional, que a gravidade do assunto exige. O aborto espontâneo, ou seja, a perda não provocada de um filho na gravidez é uma fatalidade que a medicina empenha-se por evitar. Aquelas famílias que já passaram por isto sabem a dor da morte daquele pequenino ser humano. Diferentemente o aborto provocado ou induzido é intencional e consiste na retirada do filho do útero materno com a intenção de matá-lo. Os termos como “eliminação do embrião”, ou “interrupção da gravidez” são expressões que não revelam claramente o fato acontecido: a morte intencional de um ser humano inocente e indefeso. Podemos então nos perguntar: Será que existe alguma justificativa plausível para esta terrível prática? Numa sociedade que se diz civilizada como explicar a condenação à morte de um ser humano sabidamente inocente e sem direito de defesa? Quem pode se proclamar com o direito de matar um ser humano inocente? Embora a vida do pequeno ser humano esteja em grave risco, nas discussões o que menos se fala é dela e do seu valor inestimável. A discussão parece girar em torno da destruição ou não de um objeto, uma coisa, enquanto a verdadeira pauta é: mata-se ou não um ser humano. Para se aprovar o abor-


to, tenta-se, a muito custo, fazer com que a sociedade não enxergue aquele ser humano vivo dentro do útero. Tenta-se suprimir toda beleza das imagens e sons fetais. Tenta-se emudecer ou distorcer o conhecimento científico sobre o início da vida. Cada ser humano, pelo simples fato de existir, já deve ser integralmente respeitado. A nossa dignidade é intrínseca. Isto nos garante que, independente do que fazemos ou tenhamos, de estarmos sadios ou doentes, conscientes ou em coma, de sermos analfabetos ou doutores, de estarmos na fase embrionária ou adulta, continuaremos sempre sendo pessoas dignas de respeito e

O aborto em caso de gravidez não desejada. O ambiente ideal para a geração de uma vida é aquele fruto de uma atitude livre e responsável de amor. Devemos como sociedade apoiar todos os casais para que tenham as melhores condições para viver este momento sublime e inesquecível da paternidade e maternidade. Por razões, agora não comentadas, muitos filhos são gerados em condições afetivas, sociais e psicológicas inadequadas. Cabe a pergunta: Quantos de nós fomos gerados em condições totalmente adequadas? Talvez alguns de nós não tenhamos sido desejados, ou tenhamos sido concebidos em condições adversas. Isto nos

consideração. As coisas é que são valorizadas e classificadas pela utilidade. Discriminar um ser humano e diminuir sua dignidade, com quaisquer bases biológicas, fisiológicas, econômicas, culturais é algo inaceitável. Estes valores devem ser considerados como “pétreos” da existência humana. São verdades absolutas que protegem a vida humana. Configuram-se como pilares do genuíno progresso humano. O aborto intencional nega estes valores e verdades. O aborto é um ato injusto e mal pois agride e destrói a vida humana inocente e indefesa, assim como o terrorismo, a pedofilia e a violência sexual.

torna menos humanos ou menos dignos? Isto daria o direito para alguém nos matar? Por que o simples fato de um ser humano ainda estar dentro do útero materno muda tudo isto? Quando um pai ou uma mãe não mais desejarem um filho, terão eles o direito de matá-lo? Às vezes as circunstâncias de uma gravidez são realmente muito difíceis. Isto exige da sociedade uma atitude solidária e fraterna para com o presente e o futuro daquela mãe e filho. Descartar um filho através de um aborto é uma opção terrível e irresponsável. Apoiar e amar aos dois é o caminho que humaniza a todos. www.edicoesshalom.com.br

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O aborto em caso de malformações e doenças fetais A medicina avança a passos largos na área dos diagnósticos pré-natais, ou seja, antes do nascimento. Atualmente muitas malformações e síndromes já são diagnosticadas precocemente durante a gravidez. Estudos genéticos recentes permitirão em breve que doenças como autismo e obesidade sejam detectadas com grande precisão. As pesquisas devem continuar para que através de uma melhor compreensão das doenças, estas possam ser prevenidas e tratadas ou pelo menos diminuídos os seus danos. Estes avanços médicos têm sido utilizados, lamentavelmente por alguns, para selecionar e matar os portadores ou “prováveis portadores” de patologias, deformidades ou características não desejáveis. Muitas gestantes têm sido orienta-

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das a abortar seus filhos quando estes apresentam sinais de possuírem síndrome de down, anencefalia, microcefalia ou outras patologias. Estamos diante do surgimento de uma nova eugenia. A eugenia consistiu na seleção de seres humanos segundo padrões pré-determinados de normalidade, em busca de um padrão ideal, de melhorar a raça humana. As pessoas que não atendiam os padrões eram gradualmente excluídas, perdiam seus direitos civis básicos e posteriormente como sabemos eram eliminados. Esta nova eugenia carrega uma nocividade ainda maior, pois acontece com a participação da própria família. Alguns pais selecionam os filhos mais saudáveis e eliminam os enfermos ou com características não desejadas, tratando-os como objetos com defeitos de fabricação.

Se antes a morte de milhões de seres humanos acontecia nos campos de extermínio, dentro das câmaras de concentração, hoje esta terrível seleção acontece em universidades e hospitais, dentro de sofisticados laboratórios, muitas vezes financiados com recursos provenientes dos impostos de pessoas que discordam profundamente desta prática. A eugenia nazista aconteceu em um país com a ciência e medicina mais desenvolvidas e conceituadas daquela época. Em nome do “progresso ilimitado da ciência” várias pesquisas “científicas” foram iniciadas em renomados laboratórios e universidades. Elas visavam fundamentar a prática eugênica e foram publicadas em jornais e revistas médicas que ainda hoje são referencias mundiais. O prestígio destas autoridades científicas e o status social destes médicos e pesquisadores facilitaram para que os valores e conceitos eugênicos fossem incorporados pelo poder judiciário, culminando com a criação dos tribunais eugênicos e depois fossem aproveitados pelo poder político, tendo em Hitler e no holocausto seu catastrófico final. Como uma sociedade tão desenvolvida econômica e cientificamente se deixou manipular por ideias tão terríveis? Tentar suprimir da ciência a sua reflexão ética e moral intrínseca e necessária com a justificativa de não


Nessa criança (anencéfala, ndr) o tronco cerebral tanto é funcionante que a criança respira, a criança deglute, a criança nascida viva pode chorar, pode reagir a estímulos dolorosos e nada disso seria contemplado numa pessoa em morte encefálica”. impô-la “nenhum limite para seu progresso” é comparado ao conceito de promover uma liberdade humana sem limites, sem responsabilidades. É desconhecer que a verdadeira ciência tem um coração ético, assim como a verdadeira liberdade tem uma consciência responsável. Sem ética e responsabilidade, o conhecimento científico não se traduzirá em desenvolvimento humano, mas em destruição e retrocesso. A ética recorda que a ciência está a serviço da vida humana e não o ser humano a serviço da ciência. Toda pesquisa deve nos seus meios e fins respeitar a dignidade humana. O caso dos bebês anencéfalos merece uma especial atenção. A anencefalia é uma grave malformação congênita do sistema nervoso central. Durante a gestação é possível fazer o diagnóstico desta patologia. Os bebês que nascem vivos geralmente evoluem para o óbito nos primeiros dias de vida, no entanto alguns vivem meses. A medicina deve empenhar-se por entender todos os mecanismos relacionados à anencefalia e prevenir seu acontecimento. Enquanto isto não acontece estaremos diante de seres humanos com uma patologia grave e de prognóstico ruim. A conduta correta é cuidar da gestante, disponibilizando toda a assistência médica, psicológica e religiosa durante a gravidez, assim como fazemos com as gestações de fetos com outras patologias graves. Após o parto, cuidamos também do pequeno recémnascido, usando os meios disponíveis de modo proporcional aos benefícios. Na prática os bebês são secados, limpos, aquecidos e, de acordo com a evolução, alimentados com leite. Estas medidas simples manifestam o respeito por aquela pessoa enferma. Ainda que a morte seja precoce, podemos diante daquele ser humano, da sua família, das nossas consciências, da sociedade e de Deus afirmarmos que tivemos a atitude correta, respeitamos a vida humana sem discrimina-

ções Surpreendente é que algumas crianças conseguem viver meses, apenas com estas medidas simples. E assim nos mostram que a nossa capacidade de prever a evolução destes pacientes é limitada. Alguns justificam o aborto destas crianças com o argumento de que elas não teriam nenhuma qualidade de vida, seriam apenas corpos humanos a respirar. Nos pensamentos eugênicos, usados no nazismo, os deficientes mentais e físicos também eram tidos como seres humanos “sem qualidade de vida”. Eram classificados como inúteis e considerados um peso para família e para sociedade, por isto para “o bem deles” eram eliminados. Atitudes terríveis com máscara de humanismo. Outra especulação com a finalidade de eliminar os pacientes anencéfalos é tentar classificá-los, erroneamente, como natimortos cerebrais, ou seja, já estariam em morte encefálica e, portanto, mortos, podendo assim ser abortados. O Dr. Rodolfo Acatauassú Nunes, mestre e doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro e livre-docente pela Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, esclarece este grotesco erro: “Nessa criança (anencéfala, ndr) o tronco cerebral tanto é funcionante que a criança respira, a criança deglute, a criança nascida viva pode chorar, pode reagir a estímulos dolorosos e nada disso seria contemplado numa pessoa em morte encefálica”. De maneira objetiva, o aborto de fetos anencéfalos é um aborto eugênico, onde se mata um ser humano pelo fato de possuir uma mal-formação. Incompreensivelmente tenta-se, insistentemente, na contramão dos direitos humanos, aprovar no Brasil leis que permitam este aborto eugênico, que como sabemos pela história será apenas o primeiro de uma série. www.edicoesshalom.com.br

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Existindo riscos imediatos, graves e irremediáveis para a mãe ou para o feto, realiza-se a antecipação do parto, que sempre visa salvar os dois. O aborto em caso de risco de vida para mãe A gestação é um fenômeno fisiológico e, por isso mesmo, sua evolução se dá na maior parte dos casos sem intercorrências. Apesar desse fato, há pequena parcela de gestantes que, por terem características específicas, ou por sofrerem algum agravo, apresenta maiores probabilidades de evolução desfavorável, tanto para o feto como para a mãe. Essa parcela constitui o grupo chamado de “gestantes de alto risco”. O risco materno é avaliado a partir das probabilidades de repercussões irreversíveis que o organismo da mulher possa ter em consequência das condições identificadas. Já o risco fetal é avaliado a partir das condições maternas e da pesquisa de vitalidade e crescimento fetal. O risco neonatal depende do peso e da maturidade no momento do parto, das condições fetais e dos recursos disponíveis para a atenção ao recém-nascido. Nestas gestações as pacientes são encaminhadas para centros de referência em obstetrícia e neonatologia, onde serão acompanhadas por uma equipe multiprofissional especializada. Todos os recursos serão utilizados para que tanto a mãe quanto o filho tenham suas saúdes preservadas. Utilizam-se protocolos clínicos que avaliam os riscos maternos, fetais e neonatais para orientar a melhor conduta. Nos primeiros meses de gestação, quase que exclusivamente, o risco de vida se concentra no feto. As medidas visam levar a gestação adiante para se alcançar a maturidade fetal ou pelo menos um nível de prematuridade com viabilidade através da assistência intensiva neonatal. A antecipação eletiva do parto em condições de extrema prematuridade fetal só acontece quando o risco fetal é maior que o risco neonatal, ou seja, manter o bebê dentro do útero era mais arriscado do que tratá-lo fora, mesmo que prematuro. Os avanços da medicina, particularmente da neonatologia, tem permitido êxito em muitos casos complexos. O risco de vida materno se concentra geralmente nos últimos meses de gestação. 18

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A antecipação eletiva do parto é uma medida extrema, que é indicada quando continuar a gravidez coloca em perigo imediato e grave tanto a mãe como o feto. Numa gestação de risco para a mãe e filho, as medidas assistenciais devem ser tomadas baseando-se na avaliação constante destes riscos citados. Existindo riscos imediatos, graves e irremediáveis para a mãe ou para o feto, realiza-se a antecipação do parto, que sempre visa salvar os dois. Porém, o que às vezes representa uma decisão óbvia e simples, constitui-se, outras vezes, numa medida que exige conhecimentos, experiência e equipamentos sofisticados. Alguns abortos são cometidos, com a justificativa de que seria necessário matar o filho para salvar a mãe, o chamado aborto “terapêutico”. Isto é uma atitude equivocada e totalmente desatualizada do ponto de vista cientifico. Os avanços médicos precisam ser disponibilizados a todas as gestantes, principalmente as de alto risco. As autoridades públicas precisam enfrentar os desafios da saúde reprodutiva de forma integral e ética, com uma especial atenção para o pré-natal e a assistência ao parto.

O aborto em caso de gravidez consequência de estupro Estupro: Um crime que comove e choca a todos. A violência do estupro é física, psicológica e social. A mulher agredida vive um momento de intensa dor, medo e angústia. A família e a sociedade devem apoiá-la de todas as formas e meios, disponibilizando a melhor assistência médica, psicológica, social e religiosa. Quando ao estupro se segue uma gravidez a complexidade do problema é bem maior. O direito da decisão da mulher pela maternidade foi violado e estamos agora diante de mais uma vítima – o filho, gerado numa situação dramática. Duas pessoas, uma “mãe-vítima” e um “filho-vitima”, vivendo uma situação de extrema violência de formas diferentes.


Devemos usar de todos os meios para proteger, amparar e cuidar de ambos. É preciso ficar bem claro que agora são dois seres humanos em situações adversas e que precisam de todo apoio e amor. Alguns alegam que a gravidez nestas consequências é insuportável para mãe e assim apontam o aborto como solução. Simplesmente esquecer que existe um outro ser humano, tão inocente como a mãe e matá-lo intencionalmente jamais poderá ser uma solução, uma reparação. Qual é a culpa ou crime deste filho? Repudiar a violência do estupro com outro ato de violência é um grave erro. O criminoso agrediu e feriu a dignidade da mãe, e agora, de forma ainda mais grave, com a morte, se agredirá um ser humano, também indefeso? Ao levar a gravidez adiante, a mãe realiza um grande ato de amor, generosidade e defesa da vida e assim pode amenizar a dor da agressão sofrida e dar sentido a ela. A sociedade sempre se mobiliza para acolher estas crianças quando necessário. Devemos refletir que nem sempre as escolhas aparentemente mais fáceis e rápidas são as mais corretas, mais dignas, mais humanas. Combater uma agressão com outra não é o caminho. O combate ao crime contra a mulher é indissociável do combate ao crime do aborto, pois ambos estão em defesa da vida de seres humanos inocente e frágeis. A defesa da vida por mais árdua que seja sempre traz benefícios para todos.

Sempre em favor da vida A vida da humanidade acontece e se perpetua na vida de cada homem e mulher. A construção de um mundo novo, mais justo e solidário, só acontecerá através de pessoas mais justas e solidárias. Por isto

“Quebrando o

A

silêncio”

caba de ser publicado na Espanha o livro “Quebrando o silêncio” (Rompiendo el silencio - Editora LibrosLibres), escrito por Esperanza Puente, que viveu a experiência do abortou há 15 anos e hoje conta sua experiência de dor e solidão. A autora também relata casos de homens e mulheres que ela conheceu e que, da mesma forma que ela, sofreram a síndrome pós-aborto. Por que escrever um livro contando sua própria experiência de aborto? Ajuda a fechar a ferida ou a abri-la? Esperanza Puente: Escrevi este livro para dar a conhecer à opinião pública uma realidade social oculta, para que se saiba o que uma mulher sofre quando aborta. Os 23 anos de existência da lei do aborto representam um fracasso e uma mácula para a sociedade. Eu também quis que, além de meu testemunho, aparecessem outros de homens e mulheres que fazem parte de minha vida e cujos casos me afetaram especialmente. São casos também representativos de diferentes âmbitos e circunstâncias. Mas, insisto, eu o escrevi sobretudo, para expressar esta realidade: o que se vive e se sofre antes, durante e depois de um aborto provocado.

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precisamos reafirmar o valor inestimável e único de cada pessoa humana. Devemos num ato de amor à humanidade sempre escolher as soluções pacíficas e solidárias e assim proteger e socorrer os mais frágeis, indefesos e vulneráveis. A dignidade humana encontra seu ápice na nossa capacidade de amar e servir aos outros, por isto a sublime missão de sempre promover a vida e seu valor inestimável.

O aborto e os médicos A medicina é uma ciência que está a serviço da vida humana. Aprendemos na faculdade que a vida humana é o bem mais precioso a ser cuidado e protegido. Aprendemos a admirar respeitosamente a complexa fisiologia da vida humana, desde sua concepção. Somos formados para salvar vidas humanas. O aborto é contrário a tudo isto. O nosso Código de Ética Médica nos orienta: “A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade, e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza” (Cap I Art 1°); “O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para acobertar tentativa contra sua dignidade ou integridade” (Cap I Art 6°); “É vedado ao médico: Discriminar o ser humano de qualquer forma ou sob qualquer pretexto” (Cap IV Art 47°). Usar dos conhecimentos médicos para matar um ser humano fere toda nossa ética e missão. Como ensinar na faculdade “a maneira mais eficaz” de matar um ser humano nas suas fases mais frágeis? Como comemorar a habilidade adquirida de se eliminar um ser humano? Como se orgulhar dos incontáveis abortos cometidos? O médico ao praticar um aborto fere a sua própria dignidade pois usa do seu conhecimento e habilidade para promover a morte de um ser humano que deveria ser por ele protegido. Recordemo-nos do juramento que fizemos de defender a vida humana, inclusive protegendo-a do aborto: “Também não darei a uma mulher substância abortiva” ( Juramento de Hipocrates). 20

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E o que se sofre? Antes do aborto, quando uma mulher está grávida, continua estando só, indefesa e desamparada. Ninguém explica que opções ela tem; ou que abortar não é uma solução, mas um grande problema; que há pessoas que podem lhe ajudar em suas preocupações... Durante o próprio aborto sente dor e ruptura. É como uma ferida mortal que nos deixa devastadas por dentro, física e mentalmente. Depois de acabar com a gravidez, o que sente é abandono, silêncio e solidão. Ninguém se interessa em escutar a mulher e tentar ajudá-la em seu problema, e isso se acrescenta à síndrome pós-aborto que ela já sofre. No meu caso, sofrer em silêncio me levou a ser um “morto vivo”: tinha ansiedade, pesadelos, culpa, me machucava olhando as crianças... Cheguei a bater no meu próprio filho, momento no qual decidi que tinha de buscar ajuda. E meu caso não é algo isolado, cada dia falo com mulheres que passam pela mesma situação. Por isso mesmo, eu tinha que contar em um livro. Diante disso, o que a sociedade e o governo deveriam fazer? A sociedade deveria tomar consciência, adquirir formação neste tema para não se deixar enganar com eufemismos sobre a vida e a morte. O governo, por sua parte, também deve tomar consciência do que significa um aborto provocado para a mulher, e tem de realizar um exercício de honestidade moral e admitir que não existe uma demanda social para esta medida. A realidade do aborto está aí, todos nós vemos suas consequências. Fonte: Zenit

Esperanza Puente Escritora


O aborto e os políticos A política é a ciência da promoção do bem comum, ou seja, da busca por uma vida melhor, mais justa para cada e todos os seres humanos. É muito incoerente, então, ver políticos apoiando o aborto.

contra as mulheres é fundamentada na verdade que homens e mulheres têm a mesma dignidade, nenhum é de “segunda categoria”, a mulher jamais pode ser tratada como objeto, toda agressão contra mulher deve ser punida rigorosamente. O aborto é

É incompreensível a ação de grupos políticos que se firmaram no cenário nacional e mundial através da honrosa luta pelos direitos civis, que no passado recente combateram toda forma de violência e opressão, e agora em regimes “democráticos” estão levantando a bandeira do aborto. Sabemos que todos os direitos básicos estão subordinados e condicionados ao direito básico de poder viver. Grande incoerência é apoiar a morte de seres humanos inocentes através do aborto e depois subir as tribunas para defender direitos de expressão cultural e política, direitos ecológicos e sociais. Incompreensível também é o apoio ao aborto realizado por alguns políticos que se destacaram em defesa dos direitos da mulher. Toda importante luta para banir a violência

uma ação violenta que tira a vida de milhões de mulheres e homens, tratando-os de forma utilitarista, preconceituosa e indigna. Alguns políticos dizem-se cristãos e, no entanto, defendem valores anticristãos como o aborto. Chegam a dizer “como católico não apoio o aborto, mas como político é diferente”. Tentar dissociar a vida política de valores morais essenciais é sinal de uma fé imatura e de uma postura política incoerente. O voto dos cristãos não pode se dissociar da verdade de Cristo em favor da vida. Não podemos apoiar políticos que agem de forma incoerente e não zelam pela vida humana em todas as suas circunstâncias e momentos. Alguns membros do Ministério da Saúde assumem claramente como meta ideológica à aprovação

do aborto no Brasil. Temos certeza que através de uma discussão democrática e científica esta posição não se traduzirá em políticas publicas Um iminente e real perigo é que neste singular momento, as escolhas políticas sejam efetuadas apenas em vista de fatores financeiros, minoritários ou ideológicos e que as decisões sejam realizadas em ações unilaterais, antidemocráticas e silenciosas. Alguns países tiveram em pouco tempo suas leis mudadas em favor do aborto, embora a maioria da população fosse contrária à prática. A ciência deve explicitamente, sem deixar-se manipular, explicitar suas descobertas e conceitos sobre o início da vida humana. Desta forma evitaria erros graves como o cometido por um ministro do Supremo Tribunal Federal Brasileiro que num voto de apoio a destruição de embriões para pesquisas cientificas justificou sua sentença com a afirmação de que a vida humana somente se inicia com o nascimento, no momento do parto, enquanto a ciência já evidenciou que é o ser humano é gerado na fecundação. Devemos apoiar políticos que tenham uma coerência entre a vida política e cristã e que de maneira corajosa e fundamentada se posicionam em favor da vida desde sua concepção até o ocaso natural. Estes merecem e precisam do apoio dos cristãos para continuar esta nobre missão em favor do bem comum. Precisamos discutir urgentemente a elaboração de um estatuto do nascituro, que em consonância com os estatutos da criança e do adolescente protegem a vida humana nos seus momentos mais delicados e vulneráveis. www.edicoesshalom.com.br

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A verdade sobre a

Eutanásia

Etimologicamente, a palavra “eutanásia” é derivada do grego “eu”, que significa “bom”, e de “thanatos” que significa “morte”. Isto quer dizer principalmente boa morte, morte aprazível, sem sofrimentos atrozes. Hoje, porém, o significado original foi abandonado e entende-se a intervenção (na maioria das vezes, feita pelo médico) que suprime, de forma indolor, a vida de doentes incuráveis ou que sofrem dores insuportáveis e que já estão próximos à morte, e de pessoas definidas como “irremediavelmente ineficientes”, com a intenção de não fazê-las sofrer.


Josefa Alves Missionária da Comunidade Católica Shalom em Fortaleza/CE

S

e percorrermos um pouco a história do pensamento ocidental, especialmente na antiguidade, perceberemos que entre alguns povos existia a prática da eutanásia. A difusão dessa prática derivava da exaltação da força, da juventude e do vigor físico e, consequentemente, de uma verdadeira repugnância pela velhice e pela doença. Com o cristianismo percebe-se uma mudança radical na vida e no pensamento ocidental; foi somente com o nazismo que a eutanásia foi reintroduzida na história de forma organizada: segundo alguns dados tirados do Processo de Nuremberg, entre 1939 e 1941 foram eliminadas mais de 70.000 vidas consideradas “sem valor”.

Além desses fatos históricos dramáticos, assistimos, no hoje da história, um aumento contínuo de movimentos pró-eutanásia que buscam incansavelmente o seu reconhecimento legal.

O drama da eutanásia Convém que precisemos alguns termos antes de tratarmos dos diversos problemas ligados à eutanásia. Eutanásia – Etimologicamente, a palavra “eutanásia” é derivada do grego “eu”, que significa “bom”, e de “thanatos” que significa “morte”. Isto quer dizer principalmente boa morte, morte aprazível, sem sofrimentos atrozes. Hoje, porém, o significado original foi abandonado e entende-se a intervenção (na maioria das vezes, feita pelo médico) que suprime, de forma indolor, a vida de doentes incuráveis ou que sofrem dores insuportáveis e que já estão próximos à morte, e

Tenho vontade Paralítico entrega mensagem em favor da vida a Bento XVI.

U

m ex-ferroviário italiano, paralítico há mais de dez anos, foi levado ao Vaticano no dia 11 de março último para participar da audiência geral de Bento XVI, e entregar ao Papa uma mensagem pelo “direito à vida”. Giampiero Steccato, de 58 anos, sofre da síndrome de “locked-in”, que faz os pacientes permanecerem cientes e despertos, mas incapazes de se mover e comunicar. “Com estas poucas linhas, quis transmitir o que meu corpo pode

de pessoas definidas como “irremediavelmente ineficientes”, com a intenção de não fazê-las sofrer. A eutanásia pode ser ativa – uma ação deliberada que provoca a morte, ou passiva – omissão deliberada de cuidados necessários, como alimentação e hidratação, que prolongariam a vida do paciente até o seu termo natural. “Por eutanásia, entendemos uma ação ou omissão que, por sua natureza ou nas intenções, provoca a morte a fim de eliminar toda a dor. A eutanásia situa-se, portanto, ao nível das intenções e ao nível dos métodos empregados”1. Distanásia – ou, como seria mais correto denominá-la: “obstinação terapêutica” – é etimologicamente o contrário da eutanásia. Consiste em atrasar o mais possível o momento da morte usando todos os meios, proporcionais ou não, ainda que não haja esperança

de viver

esconder: tenho vontade de viver, sou entusiasmado e curioso, amo a natureza e o mundo em que tenho a sorte e o privilégio de existir”, escreveu Steccato. O italiano, acompanhado pela sua esposa, seus filhos e por um cardiologista, viajou de avião até Roma, onde uma ambulância da Cruz Vermelha italiana o levou ao Vaticano. “Tenho consciência de que minha sorte é fruto da vontade do Senhor e agradeço infinitas vezes pelo quanto Ele me conce-

de”, disse Giampiero Steccato, no documento. Ao deixar a Praça de São Pedro após a audiência geral, Bento XVI cumprimentou Steccato, colocando por alguns instantes a sua mão no rosto do italiano. Fonte: Agência Ecclesia www.edicoesshalom.com.br

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Quem recorre à eutanásia não consegue colher na doença, no sofrimento ou na morte dolorosa um chamado de Deus a unirse a Cristo no mistério da sua Cruz.” alguma de cura, e ainda que isso signifique infligir ao enfermo sofrimentos adicionais. Ortotanásia – Etimologicamente significa “morte correta”. Não devemos, contudo, confundi-la com a eutanásia passiva, porque se trata da “interrupção de tratamentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionados aos resultados esperados”2, e que como podemos perceber, não é um ato imoral, visto que respeita os princípios da dignidade da pessoa humana. “É a rejeição da “obstinação terapêutica”. Não que assim se pretenda dar a morte; simplesmente se aceita o fato de não poder impedi-la”3. O artigo 16 do código de deontologia médica emanado em 2006, convida o médico a “abster-se da obstinação em tratamentos diagnósticos e terapêuticos, dos quais não se possa esperar um benefício para a saúde do doente e/ou uma melhora da qualidade de vida.” Em 1980 a Congregação para a Doutrina da Fé emanou a declaração Iura et Bona sobre a eutanásia e, na quarta parte do documento, afrontou o tema da proporcionalidade dos meios terapêuticos. Afirmou o direito-dever de cada paciente de tratar-se e de fazerse tratar sem a obrigação de usar meios extraordinários. Deve-se sempre avaliar a validade da aplicação terapêutica ou diagnóstica em proporção à facilidade de aquisição do medicamento, ao grau de esforço e de dor, aos custos econômicos e ao impacto emotivo que provoca no paciente. Devem ser conside-

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rados desproporcionais e nunca obrigatórios, os meios que possam provocar o mínimo benefício e que são agravados por muitos efeitos colaterais nocivos ou contém respostas terapêuticas insignificantes para a qualidade e a duração da vida do paciente.

Morrer com dignidade “Na sequência dos progressos da medicina e num contexto cultural frequentemente fechado à transcendência, a experiência do morrer apresenta-se com características novas. Com efeito, quando prevalece a tendência para apreciar a vida só na medida em que proporciona prazer e bem-estar, o sofrimento aparece como um contratempo insuportável, de que é preciso libertar-se a todo o custo. A morte, considerada “absurda” quando interrompe inesperadamente uma vida ainda aberta para um futuro rico de possíveis experiências interessantes, tornase, pelo contrário, uma “libertação reivindicada”, quando a existência é considerada como já desprovida de sentido porque mergulhada na dor e inexoravelmente votada a um sofrimento sempre mais intenso”4. A Igreja reconhece como um bem os contínuos progressos da medicina, mas alerta para a tentação, que nesse contexto é cada dia mais forte, de apoderar-se da vida e da morte. Se o homem esquece daquela sua relação fundamental e essencial com seu Criador, passa a ser o único critério para si e para os outros. São várias as causas e os estímulos que favorecem e alimentam a mentalidade anti-vida da atual

sociedade, e podemos constatar em nós mesmos pequenas sementes desse tipo de mentalidade, quando, por exemplo, olhamos alguém com desprezo; quando classificamos algumas pessoas “inferiores” a nós segundo nossos próprios critérios ou quando damos mais valor ao bem-estar físico e material que à própria vida. Habituado às grandes descobertas técnicas e científica, o homem sente-se impotente diante da morte e, não podendo vencê-la, procura manipulá-la. A eutanásia e o suicídio assistido se tornam, então, uma “solução”, o último ato “livre e autônomo” que o homem cumpre com “dignidade”. “Aparece assim reproposta a tentação do Édem: tornar-se como Deus “conhecendo o bem e o mal”.5 Mas, Deus é o único que tem o poder de fazer morrer e de fazer viver: “Só Eu é que dou a vida e dou a morte”6. Ele exerce o seu poder sempre e apenas segundo um desígnio de sabedoria e amor. Quando o homem usurpa tal poder, subjugando por uma lógica insensata e egoísta, usa-o inevitavelmente para a injustiça e a morte. Assim, a vida do mais fraco é abandonada às mãos do mais forte; na sociedade, perde-se o sentido da justiça e fica minada pela raiz a confiança mútua, fundamento de qualquer relação autêntica entre as pessoas”7. Se diminui a fé no Crucificado e na vida eterna, o homem não consegue perceber o caráter imoral da eutanásia. É importante esclarecer que a Igreja não é a favor do sofrimento, mas da vida e do verdadeiro bem do homem. Por meio de diversos


Na sequência dos progressos da medicina e num contexto cultural frequentemente fechado à transcendência, a experiência do morrer apresenta-se com características novas. Com efeito, quando prevalece a tendência para apreciar a vida só na medida em que proporciona prazer e bem-estar, o sofrimento aparece como um contratempo insuportável, de que é preciso libertarse a todo o custo.” documentos ela nos ajuda a descobrir qual deve ser a postura do cristão diante do desafio da dor e da morte, que não é a do conformismo ou da “solução mais fácil”, mas do abandono confiante nas mãos do Pai, que é Senhor e Deus, e o seu senhorio pode ser somente ‘senhorio de amor’, porque somente por amor Ele criou o homem e somente por amor o homem encontrará o seu verdadeiro valor. Quem recorre à eutanásia não consegue colher na doença, no sofrimento ou na morte dolorosa um chamado de Deus a unir-se a Cristo no mistério da sua Cruz. “Operando a redenção por meio do sofrimento, Cristo elevou juntamente com o sofrimento humano a nível de redenção. Por isso mesmo,

a cada dia, no seu sofrimento, pode participar do sofrimento redentor de Cristo”8. Com isso, podemos afirmar que unido à Paixão de Cristo cada sofrimento humano encontra-se numa situação nova. Cuidar do doente terminal significa ajudá-lo a dar sentido a esse momento particular da sua vida e a morrer com dignidade humana e cristã, “mas esse cuidado, por sua vez, deve ser humano”9. Através dos ensinamentos de João Paulo II, por meio de documentos e da sua própria vida, compreendemos o porquê não podemos aceitar a obstinação terapêutica, a eutanásia e todos os outros métodos que o progresso científico continuamente insiste em apresentar como caminho mais fácil para fugir do

sofrimento ou como modo mais eficaz para exercer a autonomia humana sobre a própria vida.

Um novo olhar sobre a vida A doutora Sylvie Menard, diretora do departamento de oncologia experimental do Instituto de Tumores de Milão, declarava-se a favor da eutanásia, até o momento no qual se encontrou do outro lado: “Foi um abalo terrível, como um terremoto. Mas um oncologista não se engana... conheci a impossibilidade, de um momento ao outro, de fazer qualquer projeto. Era como ter um muro diante de mim. O futuro, simplesmente não existia mais. Deixei de plantar novas flores no jardim, pois dizia para mim mesma: Tanto não as verei crescer. (...) Passei pela ‘rebelião’ www.edicoesshalom.com.br

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A doutora Sylvie Menard, atualmente faz parte da Comissão para a humanização da medicina, projeto que nasceu a partir da experiência de médicos que hoje se encontram na condição de pacientes. A doutora se dizia leiga e até 2005 era a favor da eutanásia, mas numa conferência recente em Milão declarou que a partir da nova experiência com a doença, a sua posição sobre os dois temas (fé e eutanásia) mudou.

Terry Schiavo

de não querer tratar-me (...), mas eu tinha vontade de viver. Queria, porém, permanecer entre os sãos. Alguma coisa mudou dentro de mim, escolhi começar a fazer a terapia, mesmo sem perspectivas de cura, prolongar a vida por alguns anos passou, improvisamente, a ser fundamental; queria viver até o fim. Quando você está bem de saúde, pensa, de certa forma, que é imortal. Quanto a prospectiva muda, o testamento biológico que eu faria se não estivesse doente, agora não o faço mais. Quando você descobre que tem câncer, torna-se uma outra pessoa, e aquilo que pensava antes, às vezes deixa de ser verdade. Antes eu também falava de viver com dignidade, uma

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dignidade que me parecia impossível em condições de doenças. Pensava que ser lavado por outros e receber comida na boca fossem coisas intoleráveis, indignas. Mas quando você adoece, aceita até mesmo a viver com um pulmão de aço. Tudo o que se deseja é viver. Não tem nada de indigno numa vida totalmente dependente de outrem. Indigno é não conseguir enxergar a dignidade. No túnel da quimioterapia vejo todas as certezas da minha desmentidas pela força da realidade. Hoje vejo o debate sobre a eutanásia com outros olhos: Quem é favor da eutanásia, geralmente o faz por uma espécie de inconsciente exorcismo, um querer afastar de si a possibilidade da doença e da dor.”10

Legalizar a eutanásia? O relativismo ético, que caracteriza grande parte da cultura contemporânea tem contribuído largamente na formação de opiniões segundo as quais, o Estado deveria limitar-se a registrar e acolher as convicções da maioria e, consequentemente, deveria construir-se apenas sobre aquilo que a maioria reconhece e vive como moral. “Por outro lado, os indivíduos reivindicam para si a mais completa autonomia moral de decisão, e pedem que o Estado não assuma nem imponha qualquer concepção ética, mas se limite a garantir o espaço mais amplo possível à liberdade de cada um, tendo como único limite externo não lesar o espaço de autonomia a que cada um dos outros cidadãos também tem direito”11. Fazendo uma análise, mesmo que superficial, sobre o desenvolvimento e as transformações da


Fazendo uma análise, mesmo que superficial, sobre o desenvolvimento e as transformações da nossa sociedade, nos últimos cinquenta anos, percebemos, sem dificuldades, que existe uma forte prevalência do poder, do prazer e do possuir; percebemos ainda, com tristeza, que o mesmo homem que ultrapassou fronteiras antes impessadas nos diversos campos científicos, tem regredido grandemente em aspectos essenciais do seu ser.” nossa sociedade, nos últimos cinquenta anos, percebemos, sem dificuldades, que existe uma forte prevalência do poder, do prazer e do possuir; percebemos ainda, com tristeza, que o mesmo homem que ultrapassou fronteiras antes impessadas nos diversos campos científicos, tem regredido grandemente em aspectos essenciais do seu ser. Tudo isso mudou a concepção do homem sobre a vida e sobre si mesmo. Na raiz de tudo isso está o esquecimento de Deus. Longe do seu Criador o homem perde completamente a noção da verdade, do bom e do belo. Somente Cristo revela o homem a si mesmo, mostrando-lhe a qual sublime vocação ele é chamado12. O motivo pelo qual a Igreja é absolutamente contrária a uma lei que dê ao homem o direito de fazer uma seleção sobre a vida do seu irmão, selecionando quem deve viver e quem deve morrer, é a certeza da indisponibilidade e inviolabilidade de cada vida humana. A Igreja sabe que quando uma pessoa pede para morrer, está, na verdade, pedindo para ser ajudada a viver a última fase da sua vida sem sentir-se um peso para a família e a sociedade; pede companhia e a verdadeira com-paixão. Uma legalização da eutanásia traz consigo graves consequências sociais inevitáveis: Contradiz a ética da profissão médica; Diminui a confiança dos pacientes nos médicos e nos parentes; Diminui a luta das pessoas pelos membros da família com doenças incuráveis; Aumentaria aquela perigosa tentação de “morte social” para os anciãos e doentes terminais. “O aborto e a eutanásia são, portanto, crimes que nenhuma lei humana pode pre-

Eluana Englaro

tender legitimar. Leis deste tipo não só não criam obrigação alguma para a consciência, como, ao contrário, geram uma grave e precisa obrigação de opor-se a elas através da objeção de consciência. Desde os princípios da Igreja, a pregação apostólica inculcou nos cristãos o dever de obedecer às autoridades públicas legitimamente constituídas13, mas ao mesmo tempo, advertiu firmemente que “importa mais obedecer a Deus do que aos homens”14. Já no Antigo Testamento e a propósito de ameaças contra a vida, encontramos um significativo exemplo de resistência à ordem injusta da autoridade. As parteiras dos hebreus opuseram-se ao Faraó, que lhes tinha dado a ordem de matarem todos os rapazes por ocasião do parto. “Não cumpriram a ordem do rei do Egito, e www.edicoesshalom.com.br

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deixaram viver os rapazes”15. Mas há que salientar o motivo profundo deste seu comportamento: “As parteiras temiam a Deus”16. É precisamente da obediência a Deus – o único a Quem se deve aquele temor que significa reconhecimento da sua soberania absoluta – que nascem a força e a coragem de resistir às leis injustas dos homens. É a força e a coragem de quem está disposto mesmo a ir para a prisão ou a ser morto à espada, na certeza de que nisto “está a paciência e a fé dos Santos”17.18

Cuidados paliativos “Na medicina atual, têm adquirido particular importância os “cuidados paliativos”, destinados a tornar o sofrimento mais suportável na fase aguda da doença e assegurar ao mesmo tempo ao paciente um adequado acompanhamento humano. Neste contexto, entre outros problemas, levanta-se o da licitude do recurso aos diversos tipos de analgésicos e sedativos para aliviar o doente da dor, quando isso comporta o risco de lhe abreviar a vida. Ora, se pode realmente ser considerado digno de louvor quem voluntariamente aceita sofrer renunciando aos meios lenitivos da dor, para conservar a plena lucidez e, se crente, partici28

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par, de maneira consciente, na Paixão do Senhor, tal comportamento “heróico” não pode ser considerado obrigatório para todos. Já Pio XII afirma que é lícito suprimir a dor por meio de narcóticos, mesmo com a consequência de limitar a consciência e abreviar a vida, “se não existem outros meios e se, naquelas circunstâncias, isso em nada impede o cumprimento de outros deveres religiosos e morais”. É que, neste caso, a morte não é querida ou procurada, embora por motivos razoáveis se corra o risco dela: pretendese simplesmente aliviar a dor de maneira eficaz, recorrendo aos analgésicos postos à disposição pela medicina. Contudo, “não de deve privar o enfermo da consciência de si mesmo, sem motivo grave”: quando se aproxima a morte, as pessoas devem estar em condições de poder satisfazer as suas obrigações morais e familiares, e devem sobretudo poder-se preparar com plena consciência para o encontro definitivo com Deus”19. “Quando, depois, a existência terrena se encaminha para o seu termo, é ainda a caridade que encontra as modalidades mais oportunas para os idosos, sobretudo se não-autosuficientes, e os chamados doentes terminais poderem gozar de uma assistência verdadeiramente humana e receber respostas adequadas às suas exigências, especialmente à sua angústia e solidão. Nestes casos, é insubstituível o papel das famílias; mas estas podem encontrar grande ajuda nas estruturas sociais de assistência e, quando necessário, no recurso aos cuidados paliativos, valendo-se para o efeito dos idóneos serviços clínicos e sociais, sejam os existentes nos edifícios públicos de internamento e tratamento, sejam os disponíveis para apoio no domicílio. Em particular, ocorre reconsiderar o papel dos hospitais, das clínicas e das casas de saúde: a sua verdadeira identidade não é a de serem apenas estruturas onde se cuida dos enfermos e doentes terminais, mas, e primariamente, ambientes nos quais o sofrimento, a dor e a morte sejam reconhecidos e interpretados no seu significado humano e especificamente cristão. De modo especial, tal identidade deve manifestar-se clara e eficientemente nas instituições dependentes de religiosos ou, de alguma maneira, ligadas à Igreja. Peculiar é a responsabilidade confiada aos profissionais da saúde – médicos, farmacêuticos, enfermeiros, capelães, religiosos e religiosas, administradores e voluntários: a sua profissão pede-lhes que sejam guardiães e servidores da vida humana. No atual contexto cultural e social, em que a ciência e a arte médica correm o risco de extraviar-se da sua dimensão ética originária,


A Igreja sabe que quando uma pessoa pede para morrer, está, na verdade, pedindo para ser ajudada a viver a última fase da sua vida sem sentir-se um peso para a família e a sociedade; pede companhia e a verdadeira com-paixão.” podem ser às vezes fortemente tentados a transformarem-se em fatores de manipulação da vida, ou mesmo até em agentes de morte. Perante tal tentação, a sua responsabilidade é hoje muito maior e encontra a sua inspiração mais profunda e o apoio mais forte precisamente na intrínseca e imprescindível dimensão ética da profissão clínica, como já reconhecia o antigo e sempre actual juramento de Hipócrates, segundo o qual é pedido a cada médico que se comprometa no respeito absoluto da vida humana e da sua sacralidade”20. Um outro tema que devemos abordar é sobre os pacientes em estado vegetativo permanente (SVP). Recorreremos mais uma vez às palavras de João Paulo II: “A pessoa em estado vegetativo, à espera da recuperação ou do fim natural, tem direito a uma assistência sanitária de base (nutrição, hidratação, higiene, etc.), e à prevenção das complicações ligadas à longa permanência no leito... a administração de água e alimento, mesmo que por vias artificiais, representa sempre um meio natural de conservação da vida, não um ato médico”21. Durante uma entrevista ao “Giornale del Popolo”, o doutor Giovanni Battista Guizzetti, diretor do departamento para pacientes em estado vegetativo do Hospital Don Orione, em Bergamo (Itália), disse que já não considera o estado vegetativo uma doença, mas uma dramática situação existencial com a qual se pode ainda tentar construir uma relação: “Eu vi esposas, esposos, filhos, pais e mães que aprenderam a reconstruir uma relação com essas pessoas. Nós somos habituados a julgar a vida segundo alguns conceitos utilitaristas: em base às nossas capacidades de produção, de poder aquisitivo e de prazer. Esquecendo completamente outras dimensões que constituem a vida humana, que são as dimensões di relação, a dimensão espiritual e, religiosa. É preciso

ter cuidado com certos conceitos de “qualidade de vida”. E com relação à eutanásia ele afirma categoricamente: “É muito fácil fazer “barulho” com casos isolados, mas, normalmente, não se fala uma palavra sobre as milhares de pessoas que pedem para serem cuidadas. É muito fácil fazer uma pesquisa num shopping, entre pessoas sadias, é claro que o resultado pode ser de 70% a favor da eutanásia. A pesquisa deve ser feita entre os doentes que recebem o cuidado necessário: o que é que eles dizem sobre a eutanásia? Em um recente congresso a eutanásia foi definida: “A tentação dos sadios”22. É fundamental o direito do doente de não ser considerado como um peso para a sociedade. Em tempos de cortes nos custos sanitários, poderia ser forte a tentação de induzir muitos a não querer ser um peso para os outros, do ponto de vista econômico e assistencial. É necessário reforçar e garantir o direito que cada ser humano tem a encontrar um sentido em cada fase da vida. Notas: 1 Iura et bona, II. 2 Catecismo da Igreja Católica, 2278. 3 Idem. 4 EV, 64. 5 Cfr. Gn 3,5. 6 Cf.. Dt 32,39; 2 Re 5,7; 1 Sam 2,6. 7 EV, 66. 8 Salvifici Doloris, II, 26. 9 Tettamanzi, 511. 10 Artigo tirado de “Giornale del Popolo”, 4 de janeiro de 2008. 11 Cf. EV,66. 12 Cf. GS, 22. 13 Cf. Rm 13, 1-7; 1 Pd 2,13-14. 14 Cf. At 5,29. 15 Cf. Ex 1,17. 16 Idem. 17 Cf. Ap 13,10. 18 EV, 73. 19 EV 65. 20 EV, 89. 21 Cf. Discurso de João Paulo II aos participantes do Congresso sobre “Tratamentos de Sustento Vital e o Estado Vegetativo. Progressos Científicos e dilemas éticos”, organizado pela Pontifíca Academia pela Vida e pela Federação Internacional das Associações dos Médicos Católicos, em 20 de março de 2000, em http://www.fianc.org. 22 Giornale del Popolo, 27 de Novembro de 2007.

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Um

PaĂ­s a favor da

vida


Ao questionarmos se efetivamente o Brasil aceita o aborto como se vem querendo convencer, devemos percorrer os corredores da legislação brasileira, alcançando conclusões também técnicas a respeito do tema. Regma Janebro Missionária da Com. Católica Shalom em Fortaleza/CE Juíza Titular da Comarca de Pindoretama/CE Professora da Faculdade Católica Rainha do Sertão

S

abemos que as leis são expressões da vontade popular e, em geral, são promulgadas num País democrático com a finalidade de resguardar seus valores essenciais e com isso assegurar um pacífico convívio entre os indivíduos desta sociedade. A lei conhecida como Constituição Federal (CF/88) se posiciona hierarquicamente em um patamar acima de todas as outras leis brasileiras, a ela as demais leis devem se moldurar no intento de serem consideradas válidas no Estado Democrático de Direito. A Constituição nasce a partir de uma convocação à Assembléia Nacional Constituinte – como ocorreu em 1988 – é a inauguração de uma nova ordem jurídica. Deveras, escreve-se em seu corpo a manifestação soberana do povo, lá se decidem as normas gerais de regência do Estado, tal como a organização e limitação do seu poder através dos direitos e garantias fundamentais. Por assim dizer, e.g., se uma lei infraconstitucional (uma lei qualquer) vier a modificar o valor do décimo terceiro salário para 2/3 da remuneração integral do empregado, esta lei não deve ser considerada válida porque ofende a Constituição em seu art. 7º. , VIII. Igualmente, se o homicídio previsto no Código Penal for descriminalizado por meio de uma lei, esta lei deverá ser considerada inconstitucional por desrespeito à Constituição e à proteção do direito à vida nela escrito. Por outro lado, a CF/88 eleva a dignidade da pessoa humana ao nível de fundamento do Estado Democrático de Direito e o direito à inviolabilidade da vida é considerado o primeiro e o pressuposto de todos os outros direitos fundamentais da pessoa humana, ex vi art. 1º. III c/c 5º. , “caput”. A dignidade se

define como um sentimento interior de nobreza, de honra, de altivez de espírito e não se confunde com ausência de sofrimento, muito pelo contrário. Segundo o Ministro Cezar Peluso, em voto divergente na ADPF 54, acompanhando o Ministro Eros Grau, acerta que “o sofrimento em si não é algo que degrade a dignidade humana, faz parte da experiência humana.” (2) Já o direito à inviolabilidade da vida abrange o direito de nascer, e também o direito de não tê-la abreviada por ato voluntário (não necessariamente intencional) de outrem (1). Ao lado de tais proteções, a Constituição Federal delimita em seu art. 3º. os principais objetivos da República Federativa do Brasil, dos quais se pode mencionar como emblemáticos o dever de: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Nesse momento realço as palavras oportunas do Ex-Procurador Geral da República, Sua Excelência Cláudio Fonteles, ao afirmar que “...o ser solidário é o modo eficaz de instituir a cultura da vida” (2)

Promover o bem de todos Também é objetivo da República Brasileira “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (Grifei). Importante salientar que a CF/88 dispõe expressamente sobre a não discriminação por idade, de forma que um embrião que ainda não saiu do ventre materno merece a proteção integral a sua vida, por uma questão de não preconceito ou discriminação de sua tenra idade. Ainda sem transbordar do texto constitucional podemos dizer que os valores da família brasileira são amplamente defendidos na Carta Política de 1988 porque é considerada base do Estado e merecedora de especial proteção, vide art. 226. Todavia, num inexplicável paradoxo entre a vontade popular e a concretização dos direitos no cotidiano, a família, como primeira a acolher a vida humana, tem


sofrido inúmeros ataques em seus valores essenciais, tal como a imposição ideológica de se ter no máximo um ou dois filhos, entre outros. Nesse contexto, podemos resumir que a sociedade brasileira elegeu como valor essencial a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade da vida, a solidariedade, o não preconceito e a não discriminação, a família como base da sociedade, entre outros. Estes preceitos não se avizinham de valores utilitaristas, que apenas respeitam a vida humana no que ela pode proporcionar de bom, ou se é produtiva ou útil. Os valores nacionais redigidos na CF/88 defendem os direitos de todos igualmente, protege a vida por si mesma. Se olharmos com atenção o texto constitucional brasileiro, perceberemos uma opção preferencial pela dignidade daqueles que sozinhos não se bastam. O rol de proteção social estabelecido na Constituição é sinal de que a sociedade brasileira fez a escolha pela civilização da diversidade e da proteção daqueles que não seriam suficientes por si só (os hipossuficientes) (2).

A verdade sobre o embrião Noutro enfoque, quem defende a legalização do aborto aduz que à mulher deve ser resguardada a liberdade de decidir sobre o próprio corpo. Entretanto, convém salientar que o embrião não é um apêndice do corpo da mulher, ele é autônomo, conta com a individualidade dos 46 cromossomos que o tornam um ser diferente do outro (da mãe e do pai), em desenvolvimento, e não um mero adendo à estrutura física da gestante. 32

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Por conseguinte, o embrião não pode ser considerado propriedade da mulher porque apenas as coisas são apropriáveis. O ser humano nunca deve ser coisificado, nem apropriado, nem pertencer a ninguém (2) porque o ser humano, leia-se sem discriminação de idade, o embrião, nunca será objeto, mas apenas pode ser adequado na situação de sujeito em suas relações. Assim entendeu o Mui Digno Ministro Eros Grau no mencionado voto divergente na ADPF 54, sobre o aborto de crianças anencefálicas, “...que o feto anencefálico é pessoa humana e não uma coisa (grifo nosso), e que não havia risco de morte para as mães-gestantes de fetos com essa patologia. Segundo o Ministro Eros Grau, estava-se diante de um perigo invertido, ou seja, na dúvida não poderia a decisão liminar ser contrária a vida do feto anencefálico. Quem corriam risco eram os fetos nessas situações, em vez das gestantes. Cuidava-se, segundo esse Ministro, não de uma liminar da vida, mas contra a vida”. (2)

O dom da maternidade Além disso, a afirmação de resguardo da liberdade feminina é um sofisma e deve ser desmascarado porque engana a mulher, indo de encontro àquilo que lhe é essencial. Na verdade, a maternidade está inserida na própria identidade de toda mulher e por isso, toda e qualquer gravidez a eleva à dignidade de colaboradora na criação da espécie humana, algo de maravilhoso acontece com ela: a vida se encontra em seu seio. Isso é capaz de sobrelevar qualquer sofrimento de base. Um filho é capaz de dar sentido à sua vida sofrida e o aborto, longe de resolver um problema, o potencializa,


O ser humano nunca deve ser coisificado, nem apropriado, nem pertencer a ninguém (2) porque o ser humano, leia-se sem discriminação de idade, o embrião, nunca será objeto, mas apenas pode ser adequado na situação de sujeito em suas relações. porque gera culpa, remorso, traumas e feridas dolorosas, ele sim, denigre a pessoa humana porque afronta a essência da mulher num ato por ela mesmo cometido.

Cláusulas pétreas E para assegurar que os direitos fundamentais previstos na CF/88 não seriam modificados, a Constituinte de 1988 enumerou as chamadas cláusulas pétreas. Elas servem como uma espécie de blindagem aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, que não podem ser abreviados nem suprimidos do corpo constitucional de nenhuma forma, nem mesmo por meio de emenda à CF/88. Por isso, a inviolabilidade da vida e os demais direitos individuais da pessoa humana receberam, ao serem elevados à categoria de cláusulas pétreas, uma força paralisante completa contra toda lei que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-la, ex vi art. 60, § 4º. da CF/88. Início da vida Todavia, apesar de toda essa proteção, a Constituição calou sobre o marco inicial da vida. Tal silêncio levou a construção de determinadas teorias que, relativizando o início da vida, reduziram a ampla proteção constitucional oferecida à vida humana para a um momento após a concepção do nascituro, o que permitiria juridicamente a legalização do aborto. Advieram as teorias da nidação do óvulo materno, da implantação do sistema nervoso e do nascimento com vida em contraposição à reconhecida e aclamada teoria da concepção. A teoria esposada pela maioria da doutrina é, sem sombra de dúvida, a teoria da concepção, em que se considera o início da vida como o momento efetivo onde a célula da mãe, o óvulo, com 23 cromossomos é fecundada pela célula do pai, o espermatozoide e unidos formam um corpo celular independente dos genitores e diferente deles

com 46 cromossomos que por si só, a partir de então, se desenvolverá até a maturação e o nascimento do bebê. Portanto, desde a concepção já há vida, porque a partir da concepção é inaugurado o processo natural de desenvolvimento daquela célula primeira e esse processo de desenvolvimento é a vida humana. O nascimento é apenas uma fase da vida. Nesse sentido, não é apenas o Brasil que se coloca na posição de defesa da vida. Também, diferentes países ao se depararem com um passado próximo de desrespeito aos direitos humanos que culminou em grandes tragédias para a humanidade, e.g., guerras, terrorismo, genocídio, bombas atômicas, entre outros, reconhecendo a responsabilidade sobre a vida humana, decidiram limitar sua força nos tratados internacionais em virtude da preservação da vida sobre o planeta. Nesses tratados, os países signatários se obrigam a respeitar determinadas normas em defesa da vida, para evitar a reiteração de atos funestos contra a espécie humana.

Os Tratados Internacionais O Brasil reconhece a validade de tais tratados, eles ingressam no ordenamento jurídico por meio de Decreto do Presidente da República, mas tem força supralegal. Explico: O Supremo Tribunal Federal, numa recente e espetacular decisão (RExt 349.703, de 03/12/2008) dispõe que os tratados de direitos humanos assinados pelo Brasil têm valor maior que a lei comum e ingressam no ordenamento jurídico em um patamar acima delas, podendo inclusive revogá-las. Dois tratados internacionais de direitos humanos são categóricos ao pontuar o início da vida humana, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, conhecido como o Pacto de São José da Costa Rica diz que: “Toda pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protewww.edicoesshalom.com.br

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A criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes como após o seu nascimento.” gido pela lei e, em geral, desde o momento da CONCEPÇÃO. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”(grifei)(3) Também assevera a Convenção Internacional sobre os direitos da criança: “A criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes como após o seu nascimento.”(grifei)(4) Destarte, se antes, a Constituição apresentava uma lacuna que possibilitava interpretações em contrário e se mostrava fragilizada em não pontuar o início da vida humana, agora os tratados de direitos humanos vem em seu auxílio e contando com a força supra-legal definida pelo Supremo Tribunal, vem para pacificar e cimentar a assertiva de que, para o ordenamento jurídico brasileiro, a vida deve receber proteção integral desde a concepção. Noutro giro, ainda que os tratados internacionais fossem de alguma maneira refutados (o que não se admite), o direito brasileiro já dispõe neste sentido sobre o início da vida humana no ensejo da legislação comum e esta proteção não é recente. O Código Civil de 2002 diz em seu art. 2º ratifica o que já se encontrava previsto no CCB de 1916: “A personalidade civil da pessoa começa com a vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”(Grifo nosso)(5) Também, confirmando a existência de vida desde a concepção, a lei 11.804/2008 vem amparar a mãe em vista de reconhecer o direito a alimentos ao embrião desde a concepção, verbis: “Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo

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do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes”.(Grifo nosso)(6) Na verdade, o sistema jurídico brasileiro se encontra definitivamente organizado para proteger o feto desde a concepção, os meandros da lei civil sinalizam neste sentido ao determinar que o Juiz deverá nomear curador se a mulher grávida enviuvar, sem condições de exercer o poder familiar, para assegurar o nascimento da criança e os demais direitos daí decorrentes, vide art. 1779 do CCB. Ao lado de tal disposição é possível arrolar o mesmo cuidado aos direitos do nascituro nos seguintes artigos do mesmo Código Civil, arts. 542, 1.609, §único, 1.798, entre outros. Apenas para ilustrar, menciono que a nossa lei ambiental, lei 9605, prevê como crime inafiançável a destruição de larvas e ovos de animais, e o que podemos esperar da lei para proteger o nascituro, membro da espécie humana?

Crime contra a vida O aborto é crime contra a vida previsto no Código Penal e não admite ressalvas. Apenas quando não há outro meio de salvar a vida da gestante é que a lei prevê uma excludente de ilicitude, uma espécie de estado de necessidade. Na verdade, para o médico e a gestante poderem efetivamente cumprir a lei neste sentido, ex vi art. 128, I do CPB, é necessário conduzir a gestação de forma a garantir o máximo possível a vida dos dois pacientes, mãe e bebê. Somente levando a gravidez até o limite para a preservação da vida de ambos é que o médico procede nos termos da lei penal, tendo em vista que o perigo deverá ser atual, presente, concreto, imediato e não meramente remoto ou iminente, veja o art. 24 do CPB. Já a exceção prevista no art. 128, II do CPB, quanto à gravidez proveniente de estupro, com o consentimento da gestante ou de seu representante legal, ultraja o princípio fundamental da inviolabilidade da vida previsto na Constituição e não foi


recepcionado pelo ordenamento jurídico inaugurado com a promulgação da CF/88. Na verdade, numa colisão entre a suposta liberdade da mulher e o direito à vida do nascituro, este deverá prevalecer, por tudo já exposto, mas principalmente porque o embrião não é passível de apropriação, nem mesmo pela sua mãe e como ente desprovido de todo e qualquer entendimento, se mostrando deveras frágil diante de tudo e de todos, merece a proteção integral ao direito primeiro de nascer, por albergar-se em um Estado Democrático; caso contrário, as raízes da democracia sucumbirão frente à ditadura do mais forte. Pelo expendido, é de se concluir que o aborto não encontra via de livre acesso na lei brasileira. Ele não pode ser descriminalizado sem desestruturar todo o ordenamento estabelecido, e a exceção prevista no art. 128, II do CPB é ofensa ao Estado Democrático posto, portanto, é inconstitucional. O povo brasileiro não quer o aborto. No ensejo da convocação à Assembléia Nacional Constituinte de 1988 foi encaminhado ao Congresso Nacional um abaixo-assinado com mais de dois milhões de assinaturas clamando que a vontade do povo é contra a legalização do aborto no Brasil. Nesse sentido, não devemos esquecer que a inviolabilidade da vida é cláusula pétrea e permanece no sistema jurídico com força paralisante, intangível (7). Assim, aprovar a lei do aborto no Brasil importa em um rompimento com o sistema jurídico atual que tem como ápice a Constituição Cidadã de 1988. O sistema brasileiro não admite o aborto porque põe fim ao pilar essencial do Estado Democrático de Direito que tem como características essenciais: o amparo aos mais fracos na luta contra os mais fortes, a soberana vontade popular e a irrestrita proteção à vida humana. O direito à vida deverá ser respeitado ante a prescrição constitucional de sua inviolabilidade absoluta, sob pena de destruir ou suprimir a própria Constituição Federal, acarretando a ruptura do sistema jurídico. (7). Notas: Moreira, José Carlos Barbosa. O direito do nascituro à vida. Revista de Jurisprudência e legislação. Juris Plenum. Alves Jr., Luís Carlos Martins. O direito fundamental do feto anencefálico (Uma análise do processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental no. 54). Revista de Jurisprudência e legislação. Juris Plenum n 26. Março 2009. Convenção Americana de Direitos Humanos. Pacto São José da Costa Rica, art. 4º. Decreto 678, de 6/11/1992. Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança. Decreto no. 99.710, de 21/11/1990. Código Civil Brasileiro, lei 10.406, de 10/01/2002, art. 2º. Lei 11.804/2008, art. 1º. Diniz. Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 6ª. Ed. Saraiva. SP-SP. www.edicoesshalom.com.br

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o ã ç a c u d Ae

afetiva

e sexual dos filhos e a verdade sobre o uso do preservativo como

s d i A a d r o d i b ini qual a melhor forma para se evitar a AIDS? Os preservativos são realmente seguros? Existe “sexo seguro”? Como deve ser a educação afetiva e sexual dos filhos? neste artigo o autor explica a católicos e não-católicos quais os fundamentos da Igreja para não recomendar o uso dos preservativos, e comenta o programa de distribuição de preservativos iniciado pelo Ministério da Saúde e da Educação.


Dom Rafael Llano Cifuentes Presidente da Comissão Família e Vida

C

aríssimos irmãos e irmãs: hoje gostaria de ter com vocês uma conversa amigável. Somos uma família. Uma família mais unida do que julgam aqueles que não nos conhecem. E na família há esses momentos gostosos de conversa depois do almoço, na varanda, no quintal ou na sala tomando um cafezinho. Desejaria, agora, se vocês me permitissem, entrar no seu lar, sentar-me ao lado de vocês e, num cálido ambiente familiar, ir falando daquilo que me preocupa e que penso ser motivo de preocupação e de perplexidade para vocês, como fazem os irmãos entre si, os pais com os filhos, os filhos com os pais e os amigos de verdade. E provável que esse nosso encontro se prolongue por um certo tempo. É bom que seja assim. Deste modo tudo o que gostaria de lhes comunicar, penso, ficará claro e, provavelmente, a partir dessa nossa conversa, vocês sairão mais esclarecidos e se sentirão mais fortalecidos para abordar esse tema com os seus filhos, vizinhos, amigos e irmãos na fé.

Os questionamentos Alguns meios de comunicação questionam: como é possível que a Igreja não recomende o uso dos preservativos? Não é este o método mais eficaz para deter o avanço dessa doença que está se convertendo numa verdadeira epidemia endêmica de âmbito planetário? “A Igreja nega o óbvio”, apregoa a manchete de um importante jornal... Talvez nós, que amamos a Igreja, nos sintamos constrangidos quando o Ministério da Saúde, ou a Organização Mundial da Saúde (OMS) expressa opiniões semelhantes. Vamos por isso, raciocinar juntos num âmbito familiar. Muitos de nós já enviamos a diferentes jornais artigos e cartas que tentavam esclarecer o problema. Mas ou não os publicam ou os publicam fracionados ou incluídos num contexto que os desfigura. E é por isso que sinto necessidade de abrir o coração e falar agora, sem entraves, à nossa querida família cristã. Esta é a razão de ser desta carta familiar. Num clima sereno, sem

polemicas, vamos ir deixando fluir os nossos pensamentos, procurando que prevaleça o bom senso e a ponderação. A OMS parte de um fato: os costumes atuais não seguem as normas tradicionais, nas que as relações sexuais estão destinadas a consumar um amor estável dentro do matrimônio onde, como fruto desse amor, hão de vir os filhos, criados e educados dentro desse âmbito familiar. Isto, porventura, poderia ser considerado como o “ideal”, mas – argumenta-se –, não podemos viver de “idealismos” mas de realidades. E a realidade é bem diferente. Os jovens começam a ter relações sexuais antes do matrimônio; muitos não se casam, e mantêm relações eventuais e transitórias; as moças jovens com freqüência deixam-se levar pelos seus impulsos e sentimentos, não se vive a fidelidade conjugal... Há, enfim, em não poucos ambientes um clima de permissividade ou até de promiscuidade, bem diferente a um eventual e teórico “ideal”. E é preciso encarar essa realidade, deixando de lado certos princípios, que estão sendo ultrapassados pelo progresso das ciências e das descobertas dos fármacos anticoncepcionais e dos preservativos. A verdade é que a Igreja está fora da realidade. Continua-se argumentando: Qual é o método mais seguro, barato e de fácil divulgação? O preservativo. Mas o preservativo não tem falhas? Alguns representantes do Ministério da Saúde e da OMS dizem taxativamente que não. Outros, contudo, admitem que elas existem, mas argumentam deste modo: admitamos que os preservativos têm 10% de ineficácia, mas este risco é muito maior quando eles não são usados; então o risco é de 100%. É por esta razão que recomendamos o preservativo. Um cientista, num importante jornal do Rio de Janeiro, alega que as vacinas contra o sarampo e a pólio, também não imunizam 100%. E nem por isso se pensa na possibilidade de não usá-las ou de fazer campanhas chamando a atenção para isso, sob pena de incentivar a rejeição das vacinas que praticamente erradicaram aquelas doenças. Estes argumentos parecem tão contundentes que não poucos católicos ficam perplexos. www.edicoesshalom.com.br

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A propaganda, em geral, não faz nenhuma advertência, não entra em sutilezas, simplesmente incita a usar a “camisinha” fomentando o que este uso traz consigo: uma relação eventual e insegura. É um meio que, sem dúvida, convida ao desregramento sexual.” Talvez não cheguem a contradizer abertamente a posição da Igreja, mas ficam com dúvidas ou acuados ou, pelo menos, fragilizados.

Esclarecimentos necessários Devemos, contudo, ponderar que a Igreja – a única instituição duas vezes milenar – tem razões muito sérias para recomendar que não se usem os preservativos. Convido-os, por isso, novamente, para continuarmos refletindo juntos, com toda calma e serenidade. Falando-lhes como um irmão, preocupado como estou, que se deteve a estudar esse assunto em profundidade, a fim de trazer-lhes um posicionamento seguro a respeito destes questionamentos, quero dizer-lhes que a argumentação antes apresentada – que compara as falhas do preservativo com as das vacinas do sarampo, ou da pólio, por exemplo – não é consistente, por duas razões: a primeira, porque os vírus da pólio e do sarampo não se podem evitar: atacam em qualquer momento, transmitemse pelo ar que se respira, pela água que se bebe, pelo alimento que se come ou pelo contato habitual do relacionamento social... A AIDS, não: transmite-se fundamentalmente pelas relações sexuais. E ninguém é obrigado a praticálas com uma pessoa que não se conhece em profundidade, da mesma maneira que é obrigado a comer, a beber, a respirar ou a relacionar-se socialmente... A segunda, porque no caso dos preservativos, a propaganda recomenda o uso como se as relações promíscuas fossem “normais”, 38

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inócuas, inevitáveis, ou até recomendáveis. Essa é a feição que tem as propagandas que às vezes aparecem: “aproveite o carnaval, mas use ‘camisinha’”. Aceita-se um pressuposto inadequado – a promiscuidade – e inclusive incentiva-se a mesma: “não se iniba, divirta-se, mas – cuidado! – use ‘camisinha’”. A propaganda, em geral, não faz nenhuma advertência, não entra em sutilezas, simplesmente incita a usar a “camisinha” fomentando o que este uso traz consigo: uma relação eventual e insegura. É um meio que, sem dúvida, convida ao desregramento sexual. Desregramento sexual este que traz consigo muitos inconvenientes: o enfraquecimento da saúde e da força de vontade, a perda de um comportamento social e profissionalmente correto, a falta de respeito à pessoa humana e, sobretudo, a infidelidade conjugal e a gravidez precoce, da qual, não poucas vezes deriva o aborto. A mentalidade permissiva pode aceitar-se teoricamente, porém, quando na prática nos afetam pessoalmente, é bem diferente. Pode-se defender o “sexo livre”, mas ninguém aceita que a sua esposa, ou o seu marido, tenha relações com um terceiro. Pode-se, intelectualmente, ser favorável às relações sexuais pré-matrimoniais, mas ninguém gosta que uma filha de quinze anos fique grávida, ou que um filho de quatorze anos seja pai. O fim bom não justifica utilizar meios perversos. Quem aceitaria montar uma escola para

ensinar aos pivetes de rua a roubar sem matar? Alguém alegaria que o fim é excelente: evitar muitas mortes. Mas os meios utilizados são péssimos. Evitar o pior não justifica consentir no que é mau. Evitar a AIDS é ótimo, mas, fomentar a promiscuidade é péssimo. Não estaremos utilizando um inibidor para a AIDS – o preservativo – que, em última análise, pode se tornar causa desta mesma doença? Descuida-se a educação dos adolescentes para a afetividade e a vida sexual sadias, lamenta-se o uso precoce do sexo e a gravidez das adolescentes e de repente, “a toque de caixa”, põe-se nas mãos dos menores um pacote de preservativo como que dizendo: “fique bem à vontade, a ‘camisinha’ garante”. É igual que querer apagar um incêndio com gasolina! E depois chamam de irresponsável a quem dá um grito de alerta. O “slogan” da “camisinha” que foi anunciado num conhecido programa de televisão é este: “Pecado é não usar camisinha”. É difícil inventar uma tão ardilosa falácia. “Pecado é não usar ‘camisinha’”, mas não é pecado trair a esposa usando camisinha; não é pecado o desregramento sexual porque se usa “camisinha”; não é pecado deflorar uma menina porque se usa “camisinha”; não é pecado perverter menores incitando-os a usar “camisinha”; não é pecado desfigurar a imagem do Brasil, que tem tantos valores, apresentando-o como o país da libertinagem, das mulheres fáceis, dos bacanais de carnaval...


Se uma campanha gastou tempo para inventar esta “sutileza”, o que poderemos esperar no desenvolvimento da mesma campanha? A Igreja simplesmente aconselha a ter um comportamento decente – porque, não o esqueçamos, a questão consiste em ser simplesmente decente – e deixa em liberdade para que as pessoas tomem a atitude que o desejarem: não faz campanha. Não tem milhões para fazer propaganda. Não pressiona a opinião pública dessa maneira. Mas, tem que suportar o peso fabuloso que representa para a opinião pública programas de televisão caríssimos. Nós perguntaríamos: quem realmente comete o pecado? Por que esse interesse em denegrir a imagem da Igreja?

Não será por medo que a atitude transparente d’Ela desperte a consciência dos cidadãos? Será necessário gastar milhões para tentar convencê-los: “Não, não há pecado quando se usa ‘camisinha’”. A Igreja não pretende admiração. A Igreja o que pretende é respeito. As ações que facilitam a propagação de uma doença são eticamente reprováveis. E os atos que desumanizam o sentido da sexualidade são igualmente reprováveis. João Paulo II assim se expressou: “o uso dos preservativos acaba estimulando, queiramos ou não, uma prática desenfreada do sexo”. Podemos inibir-nos às vezes, queridos irmãos e irmãs, mas é preciso ter a coragem de dizer as verdades, aos filhos, à sociedade

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e ao Estado: não existe sociedade estável, sem família bem constituída; não há família bem constituída sem fidelidade conjugal; e não há fidelidade conjugal sem a educação da afetividade e do sexo, sem autocontrole. E quando não há autocontrole, o que fazer? A OMS e o Ministério da Saúde advertem: Não é para se preocupar: use a “camisinha”! A “camisinha” soluciona todos os problemas... Perguntamos: a “camisinha” protege das crises conjugais, do sexo prematuro tão perturbador para tantos menores de idade, da delinquência juvenil e das conseqüências naturais da desestruturação do lar? Sabemos muito bem que a questão não consiste em curar os efeitos; é preciso suprimir as causas. Não se soluciona o problema profilático da

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água colocando um filtro em cada torneira, mas purificando a água na fonte, no reservatório. Não se encontra o remédio na “camisinha”, mas na mudança de atitude: um verdadeiro trabalho educativo no qual a Família, o Estado e a Igreja têm que envidar os mais vigorosos esforços. Não, não é com preservativos que se solucionarão os problemas do desregramento sexual, mas com um trabalho profundo que venha a colocar no lugar que merece o valor da vida, do amor, do sexo, do matrimônio e da família. E é nessa empreitada que está metida a Igreja. A Igreja não nega o óbvio. A Igreja reconhece o óbvio – a realidade, – mais se esforça por superá-la. Talvez seja a única entidade, a nível mundial, que tem

a coragem de chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome. E talvez seja por essa razão que é tão duramente criticada: a luz alegra os olhos sadios e fere os que estão doentes.

O fundamento da posição da Igreja Mas, caríssimos amigos e amigas, voltemos a um ponto concreto destas nossas reflexões. Há quem diga: que tem a ver a Igreja com a eficácia técnica e profilática dos preservativos? E nós poderíamos responder com toda a certeza: em realidade ela não tem nada que ver com isso, como não tem nada que ver com a eficácia da estreptomicina, enquanto o assunto estiver no âmbito científico. A Igreja defenderia a mesma opinião de sempre ainda que os preservativos fossem absolutamente seguros. Com


efeito, o fundamento da posição da Igreja é muito mais profundo: a mesma natureza humana. O eminente descobridor do HIV, Luc Montagnier, não se recusou a comprometer-se a fundo ao indicar como deveriam ser as campanhas contra a AIDS: “são necessárias campanhas contra práticas sexuais contrárias à natureza biológica do homem. E, sobretudo, há que educar a juventude contra o risco da promiscuidade e o vagabundeio sexual”. Note-se que não é o Padre que fala no confessionário, mas o cientista-descobridor do HIV. A lei natural determina que exista um vínculo inseparável entre a relação sexual e a transmissão da vida. Romper artificialmente essa união – como acontece no uso do preservativo – representa uma grave infração dessa mesma lei natural. A Igreja reafirmou este princípio em repetidos documentos. Apresentamos aqui, apenas um texto da Humanae Vitae, de Paulo VI: “A doutrina da Igreja está fundamentada sobre a conexão inseparável que Deus quis e que o homem não pode alterar por sua iniciativa, entre os dois significados do ato conjugal: o significado unitivo e o significado procriador”(n. 12). A mesma Encíclica esclarece: “É de excluir, como o Magistério da Igreja repetidamente declarou, a esterilização direta, tanto perpétua como temporária, e tanto do homem como da mulher; é, ainda, de excluir toda, a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação” (n. 14). Não se pode mudar a ordem

natural em função de uma solução imediatista e inadequada que, além de não solucionar o problema da proliferação da AIDS, propicia e incentiva a uma prática desregrada do sexo.

A lei natural determina que exista um vínculo inseparável entre a relação sexual e a transmissão da vida. Romper artificialmente essa união – como acontece no uso do preservativo – representa uma grave infração dessa mesma lei natural.” Se a Igreja não tem por que dar um diagnóstico técnico sobre a eficácia do preservativo, contudo – como qualquer pai ou qualquer mãe – muito se importa quando se pretende enganar os seus filhos com afirmações pouco transparentes ou falaciosas. Nos artigos que têm aparecido recentemente nos jornais, infectologistas afirmam que “não conhecem qualquer estudo confirmando que o vírus da AIDS passa pelos poros da camisinha”. Uma afirmação como esta só tem duas explicações: ou, por um lado, há um desconhecimento das múltiplas pesquisas verificativas existentes nesse sentido (ignorância que não se pode desculpar num verdadeiro cientista); ou, por outro, existe má fé: ocultam-se dados importantes para não tirar força a uma campanha que envolve milhões de reais, alimenta a próspera “indústria do sexo” e enriquece os laboratórios.

A eficácia dos preservativos Com efeito, existem numerosos trabalhos que demonstram a ineficácia dos preservativos. A nossa conversa familiar está-se prolongando demais. Não a quero tornar mais cansativa e pesada, com uma repetição enfadonha de dezenas de pesquisas existentes nesta matéria. Por isso pediria o seu consentimento para citar apenas alguns exemplos. “A Food and Drug Administration (FDA) – entidade do governo dos Estados Unidos encarregada de aprovar medicamentos, próteses, aditivos alimentares, etc. – estudou 430 marcas com 102.000 preservativos; 165 fabricadas nos EUA com 38.000 preservativos e 265 marcas estrangeiras com 64.000 preservativos. O resultado da pesquisa verificou que 12% das marcas de estadunidenses e 21% das estrangeiras não tinham um nível suficiente de qualidade”. “Aceitando essa taxa de defeitos, a probabilidade de falha no caso do preservativo seria de 20,8% anual se mantivessem relações uma vez por semana e de 41,6% se fossem duas vezes por semana”. “Em 1992 o Dr. Ronald F. Carey, pesquisador da FDA, introduz microesferas de poliestireno do diâmetro do HIV em preservativos que tinham superado positivamente o teste da FDA e os submeteu a variações de pressão similares às que se produzem numa relação sexual: um terço deles perdeu entre 0,4 e 1,6 nanolitros. Numa relação sexual de dois minutos, com um preservativo que perde um nanolitro por segundo, passariam 12.000 vírus de HIV”. Como se observa, a porosidade do látex pode permitir a passagem de milhares de vírus da AIDS, com toda a sua carga mortífera, apenas numa breve relação. www.edicoesshalom.com.br

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Este vírus é 450 vezes menor que o espermatozoide. O Centro de Controle de Doenças de Atlanta (EEUU), o que mais informações possuem na luta contra AIDS, reconhece que “o uso apropriado dos preservativos em cada ato sexual pode reduzir, mas não eliminar, o risco de doenças de transmissão sexual” e acrescenta: “a abstinência e a relação sexual com um parceiro(a) mutuamente fiel e não infectado (a) são as únicas estratégias preventivas totalmente eficazes”. Nestes mesmos termos, a OMS, paradoxalmente, em algum momento já afirmou que “só a abstinência ou a fidelidade recíproca perdurável entre os parceiros sexuais não infectados, elimina completamente o risco de infecção do vírus HIV”. Se tornássemos a ler, novamente, esta última frase pareceria estarmos escutando um aconselhamento da Igreja. Mas, não, é a própria OMS que o afirma. Criticando a Igreja, essa organização está, sem perceber, contestando afirmações feitas por ela mesma. Uma fonte da Internet subscreve: “Em maio de 2003, um estudo

Nestes mesmos termos, a OMS, paradoxalmente, em algum momento já afirmou que ‘só a abstinência ou a fidelidade recíproca perdurável entre os parceiros sexuais não infectados, elimina completamente o risco de infecção do vírus HIV’.” realizado na França pelo “Instituto da Saúde e da Pesquisa Médica”, põe os cabelos em pé, ao indicar que a metade dos preservativos usados se rompem ou se utilizam mal: há, portanto, segundo esse estudo, somente uns 50% de eficácia prática dos preservativos. A eficácia teórica, realizada no laboratório em condições ideais, é bem diferente da eficácia alcançada no uso prático dos preservativos. Esta mesma fonte acrescenta: “Toda sociedade se fundamenta na confiança que os cidadãos têm nos responsáveis políticos, escolhidos democraticamente nas urnas,

Seu auxílio

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por isso mesmo não há nada mais decepcionante que a queda dessa confiança. Confiamos em que os responsáveis políticos haverão tomado nota destes importantes estudos que se acabam de citar, para agir em conseqüência, já que não se pode brincar com a saúde dos cidadãos”. Poderíamos prosseguir citando dúzias de pesquisas até esgotar a vossa paciência, queridos irmãos e irmãs. Limitamo-nos apenas a fazer constância de algumas delas, a mais, citando-as no fim desta carta. Depois de tudo o que foi dito perguntamos: como é possível que um pesquisador, professor de uma renomada Universidade do Rio de Janeiro, possa afirmar que “não existe qualquer estudo mostrando que a “camisinha” é ineficaz na prevenção da AIDS”? Como se explica que as críticas dirigidas a quem desaconselha o uso do preservativo e propõe uma educação afetiva e sexual mais de acordo com a natureza humana, tenha como um único destinatário a Igreja Católica? O descobridor do HIV, o Centro de Controle de Doenças de Atlanta, o Instituto da Saúde e da

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“Sê firme e corajoso. O Senhor está contigo em qualquer parte onde fores.” Jos 1,9


Pesquisa Médica da França, não falam fundamentando-se numa norma religiosa, mas, pelo contrário, baseando-se nos resultados orientados por um estudo científico sério e consciencioso. Então, como é possível dizer que a “Igreja nega o óbvio”? Não seria melhor asseverar que a Igreja afirma o que toda pessoa com um mínimo de informação e de consciência ética também afirmaria, seja esta hindu, budista, maometana, cristã ou espírita; quer seja parte do povo comum do Brasil, quer integre um governo que diz querer representar os sentimentos desse povo? Voltamos a insistir em algo fundamental: a Igreja não rejeita o uso de preservativos somente porque estes não são eficazes. Continuaria afirmando o mesmo se estes fossem 100% perfeitos, em todo momento e em todas as circunstâncias. Mas levando em conta as falhas da “camisinha”, é natural que, como faria qualquer mãe responsável, advirta aos seus filhos dos riscos que correm. Há momentos em que calar-se representa uma grave omissão. Por que faz isso o Ministério da Saúde? Como já afirmamos em outro momento, não é transparente uma

propaganda de difusão indiscriminada do uso do preservativo sem chamar a atenção sobre os seus perigos. Se todo laboratório tem a obrigação legal de indicar na bula dos remédios os efeitos colaterais do mesmo, e os fabricantes de cigarros alertar, em cada maço, as doenças que o fumo provoca, o Ministério da Saúde tem também a obrigação de prevenir a população a respeito do risco no uso dos preservativos. Coisa que ele sistematicamente não faz: fala-se sempre de “sexo seguro”.

A atitude da Igreja dissemina a Aids? A Igreja não está impedindo o combate à AIDS, pelo fato de não concordar com o uso da “camisinha”. Quem afirmar o contrário está difundindo uma inverdade insidiosa que muitos aceitam passivamente sem ulteriores verificações. Como uma pequena mostra disto que acabamos de afirmar, copio um artigo de ISTMO, uma conhecida e prestigiosa revista cultural mexicana, – não de uma revista religiosa – escrita por um especialista na matéria e não por um moralista: “Se analisarmos a AIDS na África, devemos pensar que a influência da Igreja Católica

Os patrocinadores do preservativo, como principal instrumento de prevenção da AIDS, em lugar de aceitar esta evidência – o grande sucesso da Uganda – se obstinam nas políticas de extensão do uso do preservativo, que leva inevitavelmente consigo o implícito convite à promiscuidade sexual sob a mentirosa promessa do ‘sexo seguro’”. se circunscreve a 15,6% da sua população total. Alguém se atreveria a afirmar que a AIDS prejudica em maior medida aos católicos do que aos muçulmanos ou animistas? Não seria possível fazer isto, já que diversas estatísticas demonstram que a comunidade católica sofre em medida bem menor a praga da AIDS: é lógico que o ensinamento em favor da monogamia e da castidade tenham os seus efeitos positivos em ambiente de promiscuidade generalizada.” “Então entre que grupos humanos a atitude da Igreja poderia contribuir para disseminar a Aids? Entre os católicos sem prática religiosa, nem vivência dos seus princípios morais? Seria sensato supor que quem é infiel a sua esposa, virá a respeitar a orientação da Igreja www.edicoesshalom.com.br

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que desaconselha o uso do preservativo? Nestas condições correria, por acaso, o risco de contaminar-se para ser fiel às orientações de uma religião que não pratica? Seria um absurdo. Evidentemente que quem não tem escrúpulos de ter relações com uma mulher fácil ou uma prostituta, nem se apresentará a questão da licitude moral do preservativo. Portanto, acusar a Igreja Católica na difusão da AIDS por esse motivo é, mais do que um absurdo, uma manobra para negar-se a reconhecer a realidade contrária: sem a moral católica a sociedade seria mais promíscua e, em consequência, a AIDS estaria muito mais estendida”. The Wall Street Journal, no dia 14 de outubro de 2003, deixou constância que 25% dos doentes de AIDS no mundo são atendidos por instituições católicas. E, igualmente, afirmou que os estudos científicos – um deles a cargo do Serviço de Saúde dos Estados Unidos e outro à responsabilidade da Universidade de Harvard – coincidiam em alertar sobre os decepcionantes resultados da prevenção da AIDS baseados no preservativo. Menciona-se o caso de Uganda que em 1991 contava com uma taxa de infecção de 20%, enquanto que no ano de 2002 tinha descido aos 6%, em virtude de uma política sanitária centrada na fidelidade e na abstinência, não no preservativo, (à diferença de Botsuana e Zimbábue que ainda ocupam os primeiros lugares nos contágios). Chama a atenção que estes fatos são sistematicamente silenciados. Por baixo das realidades verdadeiramente científicas desliza uma correnteza estranha e anticientifica que silencia estas realidades positivas. A agência LifeSite e a agência ACI, por exemplo, denunciaram recentemente que a maioria dos

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informes sobre a AIDS na África ignoram sempre os êxitos conseguidos em Uganda, por haver apostado, na sua política sanitária, na promoção da abstinência sexual, da fidelidade e da castidade.

Voltamos a insistir em algo fundamental: a Igreja não rejeita o uso de preservativos somente porque estes não são eficazes. Continuaria afirmando o mesmo se estes fossem 100% perfeitos, em todo momento e em todas as circunstâncias.” Muitas autoridades, incluindo o Secretário de Estado norteamericano Colin Powell, louvaram e reconheceram o êxito de Uganda em reduzir a taxa de infecção uns 50% desde 1992. Inclusive a CNN informou que no ano 2000 foi o país “com maior sucesso na luta contra a AIDS”. No entanto a LifeSite adverte que por uma razão desconhecida “o êxito de Uganda poucas vezes é mencionado”. Questionamo-nos se essas razões, desconhecidas e entranhas, são as que fazem alguns cientistas brasileiros dizerem que “desconhecem a existência de pesquisas sobre falhas nos preservativos” e os levam a formular críticas maldosas dizendo que a Igreja “desconhece a realidade” e “nega o óbvio”. O jornal espanhol La Gaceta de los Negócios, (16/12/02) comenta nesse sentido: “os patrocinadores do preservativo, como principal instrumento de prevenção da AIDS, em lugar de aceitar esta evidência – o grande sucesso da Uganda – se obstinam nas políticas

de extensão do uso do preservativo, que leva inevitavelmente consigo o implícito convite à promiscuidade sexual sob a mentirosa promessa do ‘sexo seguro’. O resultado é o que temos diante dos olhos. Há loucos dispostos a tudo antes de propor o domínio sobre as paixões”. A afirmação está feita por um jornal comercial, não por um boletim paroquial. Há evidentes realidades de que o chamado “sexo seguro” não tem contido a expansão da doença. Por exemplo, conduzida por Nelson Mandela, a África do Sul abraçou firmemente a estratégia do “sexo seguro”, e o uso de preservativo aumentou. Mas a África do Sul continua a liderar mundialmente os casos de infecção por AIDS com 11,4% de sua população atualmente infetada. Há Notícias do Mercury News de Miami que a Fundação Bill e Melinda Gates gastarão US$ 28 milhões para estudar o potencial dos preservativos no controle de natalidade e no combate a AIDS na África. Porém, as mesmas notícias de Mercury News, acautelam que: “As bases científicas para a prevenção da AIDS através de preservativos são mais teóricas que clinicamente provadas”.

A solícita preocupação da igreja pela Aids Não podemos deixar de notar que a Igreja preocupa-se extraordinariamente com a AIDS. Mas ainda, é uma das entidades que, de uma maneira mais efetiva, luta contra a AIDS. O Cardeal Cláudio Humes, chefe da delegação da Santa Sé na ONU, no dia 22 de setembro de 2003, também proclamou que “a Santa Sé, graças às suas instituições no mundo inteiro, provê 25% da atenção total que se dá às vítimas do HIV/ AIDS, e assim ela se situa entre os


principais atores nessa matéria, particularmente entre os mais assíduos e melhores provedores de atenção às vítimas”. A Igreja no Brasil já assumiu o serviço de prevenção do HIV e da assistência a soro-positivos e, sem preconceitos, acolhe, acompanha e defende o direito à assistência médica e gratuita daquelas e daqueles que foram infectados pelo vírus da AIDS. Faz também um trabalho de prevenção pela conscientização dos valores evangélicos, sendo presença misericordiosa e promovendo a vida como bem maior (Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, nº 123 – Doc. 71, 2003). Evidentemente, ninguém dedicaria tamanho esforço para atender solicitamente e curar, na medida do possível, os doentes da AIDS, e ao mesmo tempo, estivesse facilitando a propagação da mesma doença de uma maneira irresponsável, como maldosamente já disse ultimamente algum meio de comunicação. Em todas as questões é preciso olhar, de diferentes ângulos, para todas as facetas de um problema a fim de obter a respeito dele um diagnóstico equilibrado e certeiro. Este critério não é certamente o que seguem os que estão criticando a Igreja agora por desaconselhar o uso do preservativo.

O programa de distribuição de preservativos Capítulo à parte constitui o programa de distribuição de preservativos iniciado pelo Ministério da Saúde e da Educação. Pretendem entregar cerca de 235 milhões de preservativos por ano, para 2 milhões e meio de estudantes das escolas fundamentais. Voltamos a repetir o que já dissemos em outro lugar. No âmbito de uma população estudantil formada por adolescentes, o perigo de que a propaganda de distribuição de preservativos venha a ser um incentivo para a prática do sexo precoce, é algo claro e evidente. Porque, sob a capa de evitar uma doença, parece que, subliminarmente, se está insinuando com uma a pedagogia indireta,: “Transar, não há nada demais”. “Se você sente esse impulso por que não satisfazê-lo? O importante – isso sim! – é usar a “camisinha”. É isto, por ventura, o mais importante para um pai e uma mãe responsáveis? Que pai responsável pensa: se minha filha se deita com qualquer coleginha para se divertirem não tem importância, o que tem importância é que não se esqueçam de usar a “camisinha”? Por outro lado, sendo a educação afetiva e sexual uma tarefa que compete primordialmente aos pais, a propaganda maciça, iniludível e impositiva sobre o uso dos preservativos entre menores, significa uma www.edicoesshalom.com.br

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o uso dos preservativos acaba estimulando, queiramos ou não, uma prática desenfreada do sexo”. João Paulo II

interferência abusiva num direito inalienável do pátrio poder. Poder-se-ia também questionar que os pais não estão preparados para oferecer uma educação afetiva e sexual aos filhos. Isto, porém, não deve levá-los a culpável omissão de relegar obrigação tão grave a uma orientação impessoal e massiva que, pelo que se observa, também não está preparado para transmiti-la. São os pais que devem, com responsabilidade própria e intransferível, ir, gradativamente, adquirindo esses conhecimentos para passá-los, na sua devida hora, aos seus filhos. Essa tarefa faz toda mãe responsável a respeito da alimentação, dos cuidados da puericultura, de higiene e dessa função tão importante como é a de discernir do certo e do errado, sem necessidade de fazer estudos especializados. É uma questão de interesse, de prioridades. Não se pode alienar direitos que são deveres. O Estado não pode instigar a um tipo de educação sexual sem abrir opções aos pais para que possam escolher, com liberdade, entre uma solução ou outra. Será que as autoridades públicas dão às Igrejas e a outras instituições não-governamentais – formados por cidadãos brasileiros – de forma proporcional, os recursos educacionais semelhantes aos que

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o governo, unilateralmente, gasta em um programa milionário como a campanha dos preservativos? Nesse terreno o caráter subsidiário do Estado na educação dos filhos deveria oferecer a estas instituições esses recursos, a fim de que os pais venham a dispor de novas perspectivas e opções. Para nós não cabe a menor dúvida de que um programa de distribuição massiva de “camisinhas” pode ser o estopim para desencadear um novo processo de perversão de menores, paradoxalmente amparado por lei.

Conclusão Finalizando a nossa conversa, caríssimos irmãos e irmãs, reconheço que a minha confidência foi longa demais. Entretanto, estendime bem além do que desejaria pensando em que vocês, apoiando-se nessas ideias, poderiam transmitilas em primeiro lugar dentro do seu âmbito familiar e, depois, fora dele a outros, e estes por sua vez a outros, em ondas sucessivas – como a pedra que cai no lago formando círculos concêntricos cada vez mais amplos –, para que a verdade a respeito da Doutrina da Igreja fique no seu verdadeiro lugar e se expanda com os seus benéficos efeitos a toda pessoa e lugar. Penso que é anseio de todos nós que estas verdades não

se detenham no nosso reduzido círculo, mas que se espalhem com toda a força e a ressonância de que estão dotadas. Não é nossa intenção fomentar um conflito entre as autoridades governamentais, a Igreja e a instituição familiar. Pelo contrário, tentamos harmonizar o desejo inegável, de reconhecido valor, do Estado de evitar a propagação da AIDS, com os direitos e deveres da Igreja na transmissão de sua Doutrina e com os direitos e deveres das famílias de serem devidamente informadas e de fazerem valer as suas prerrogativas no que diz respeito à educação sexual dos seus filhos. Tomara que estas considerações contribuam de alguma forma para que se estabeleça um diálogo respeitoso, construtivo e enriquecedor, entre o Estado, a Igreja e as famílias. Nós amamos a Igreja – nossa Mãe – e a nossa família – Igreja doméstica –. Esse amor deve levarnos a protegê-las dos ataques feitos, muitas vezes por ignorância e outras por intenções escusas e menos nobres. É por isso que a minha conversa se alongou demais: pude alargar o coração, em confidência de irmão, ou de pai, ao vosso lado em quem, por constituírem a minha família, confio ilimitadamente. Fonte: PortaldaFamília.org.br


O quarto de 13

Apesar de ter muita gente que se escandaliza quando digo: “Sou o quarto de uma família de 13 filhos”, nunca imaginei minha família com menos irmãos. Para mim foi sempre muito tranquilo viver e conviver com meus irmãos. Sempre tivemos nossas brigas e nossas alegrias, sempre tivemos quem nos ajudasse como também sempre tivemos a quem ajudar na nossa casa.

É

impressionante como a mídia nos expõe, de forma imperativa, algumas mentalidades contra a vida e contra a família, do tipo: “Queremos ser mais felizes e para tanto é necessário termos tempo para viver mais a nossa vida, por isso, nada de muito filho, um ou dois filhos no máximo”; “Queremos ter um carro, por tanto, não podemos ter mais um filho”; “Queremos educar melhor os filhos, para tanto é melhor termos poucos filhos ou nenhum filho, pois como a situação estar é melhor não arriscar”. Na verdade, não estamos preparados para sermos pais e no fundo pode estar escondido o não querer se comprometer com uma vida. Desejo aqui testemunhar a vida em uma família, digamos um pouco numerosa, sabendo que existem outras maiores que a minha, e que tenho a alegria de ter sido criado assim.

Apesar de ter muita gente que se escandaliza quando digo: “Sou o quarto de uma família de 13 filhos”, nunca imaginei minha família com menos irmãos. Para mim foi sempre muito tranquilo viver e conviver com meus irmãos. Sempre tivemos nossas brigas e nossas alegrias, sempre tivemos quem nos ajudasse como também sempre tivemos a quem ajudar na nossa casa. Era normal ver meus irmãos sendo cuidados pelos irmãos mais velhos. Era normal não ter aquilo que, como criança via os comerciais de televisão anunciar como essencial para a minha vida de pequeno cons u m i d o r, e

Era normal não ter aquilo que, como criança via os comerciais de televisão anunciar como essencial para a minha vida de pequeno consumidor, e isso me ajudou a não ser tão escravo dos mesmos.” Jairo Barbosa Leite Missionário da Com. Católica Shalom em Fortaleza/CE www.edicoesshalom.com.br

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isso me ajudou a não ser tão escravo dos mesmos. Era normal não ter a comida que desejava e ter que se contentar com o alimento que nos sustentaria a todos, apesar de não ser aquilo que cada um gostaria. Era normal ter até vergonha, por não ter sempre o uniforme novo do colégio, o caderno novo, a lapiseira nova, o tênis novo, mas saber que este sacrifício possibilitaria a mais um dos meus irmãos começar a estudar. Era normal ajudar nossos pais nos afazeres de casa, como também nos trabalhos em que nós, os pequenos, podíamos fazer. Era normal ouvir o choro dos mais pequeninos, a gritaria dos médios, a cara emburrada de um, o sorriso de outro. Era normal comprar de 15 a 20 pães só para o café da manhã. Era normal ter com quem brigar e brincar todos os dias. Era normal ver o meu pai sair de madrugada e quando voltar estar extenuado pelo trabalho. Era normal quase todo dia receber uma medida disciplinar e continuar a ver o amor e o respeito, por meus pais, sempre crescerem. Era normal, antes de dormir, ter muito o que conversar e com quem conversar, pois meu quarto o dividia com mais três. Era normal, na minha juventude, não ter dinheiro para sair com os amigos, pois todo o meu salário tinha sido entregue livremente aos meus pais para o custeio das necessidades familiares, que sempre cresciam. Era normal ouvir os problemas como também ouvir as gargalhadas, ouvir piadas

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Shalom Maná - Edição Especial | Maio/2009

simples e as vezes até bobas, mas que faziam sempre sucesso. Era normal ver o cansaço dos mais velhos por estarem estudando e trabalhando, como também vê-los felizes quando conseguiam com papai e mamãe comprar qualquer móvel ou eletrodoméstico tão necessário para casa. Era normal ver minha mãe sendo uma cansada, mas feliz, dona de casa. Era normal ir de férias com meus irmãos para o sítio dos nossos avós e, toda noite, às 18h, rezarmos com eles, as vezes não muito empolgados, o terço. Era normal conviver com muitos primos, visitá-los e brincar com eles, no quintal da casa dos meus avós. Era normal ver meus tios acompanhados por muitos filhos, contando histórias e piadas do sertão. Era normal sermos felizes, mesmo sendo pobres, pois tínhamos uns aos outros. Era normal ouvir minha mãe contar que muitas amigas orientaram remédios, chás e outras coisas para provocar o aborto, ou para evitar ter filhos, e ela e meu pai sempre rejeitaram estes métodos. Meus pais com uma simplicidade e fé inabalável, diziam: “Se Deus nos deu, Ele nos ajuda a criar”. Hoje os mais velhos já são formados e os mais novos estão ainda no processo natural de estudo, formação e organização de suas vidas. Destes treze filhos que meus pais tiveram, quatro já estão casados, dois são sacerdotes, dois seminaristas (um deles sou eu), uma irmã é freira e os outros estão se decidindo na vida. Quantos filhos seria o ideal? Ninguém pode responder esta pergunta e não estou


Quantos filhos seria o ideal? Ninguém pode responder esta pergunta e não estou aqui fazendo propaganda para que todos tenham 13 filhos, questão esta que cada casal deve decidir por si próprio, tendo em vista uma paternidade responsável como orienta a Igreja.” aqui fazendo propaganda para que todos tenham 13 filhos, questão esta que cada casal deve decidir por si próprio, tendo em vista uma paternidade responsável como orienta a Igreja. Lembro-me agora do filme “12 é demais”, quando no final os pais abdicam dos seus projetos pessoais, por causa da família, por ser a própria família o primeiro projeto pessoal de cada um deles. Hoje fico muito feliz de ver casais na nossa comunidade com muitos filhos. Casais que, com coragem e confiança em Deus, remam contra a maré e dizem sim à vida, sim à família e assumem a pobreza (do se deixar estar nas mãos de Deus) como condição essencial para suas decisões. Sei, por partilha com alguns destes casais, que não trocariam por uma vida mais amena, a vida que tiveram de sacrifício e renúncias,

pois esta também é uma vida de graça e alegrias. Sou muito feliz de fazer parte de uma família com treze filhos. De ser o quarto mais velho e de ver verdadeiramente a fidelidade de Deus, que nunca deixou que faltasse nada do que fosse essencial. Uma última coisa, se você é do tipo de pessoa que gostaria de ter filhos e com seu cônjuge não os têm, ou ainda, que queiram ter mais filhos e com seu cônjuge não conseguem, meus pais dariam uma excelente dica: ADOTE! Pois dos treze filhos que tiveram, nove são naturais e os quatro últimos são adotados. Lembro-me da festa que fazíamos por cada um deles que era adotado. Lembro-me ainda, de como nos comprometíamos, com nossos pais, em ajudar nos cuidados que estes novos irmãos necessitariam. Todos tinham e tem os mesmos direitos e deveres de filhos e irmãos. O quarto de 13.

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